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CAMPESINATO E AGRONEGÓCIO: AS CONTRADIÇÕES NO ASSENTAMENTO
DE REFORMA AGRÁRIA 13 DE MAIO
Dislaine Sousa de Sá1
Universidade Federal de Sergipe – UFS
Jonatas Ribeiro Marques Barbosa2
Universidade Federal de Sergipe – UFS
GT4: Campesinato e Agronegócio
RESUMO
O presente artigo é resultado de pesquisa realizada na disciplina de Geografia Agrária. Tem como
objetivo geral promover a discussão sobre a questão agrária e as contradições existentes no
Assentamento de Reforma Agrária 13 de Maio, situado no município de Japaratuba/SE, de modo a
identificar os impactos sociais, econômicos, ambientais e culturais após a introdução do cultivo da
cana-de-açúcar na região. A pesquisa sustentou-se no método Materialista Histórico Dialético e
caracterizou-se como exploratória, utilizando-se de levantamento bibliográfico e pesquisa de campo.
Sua relevância advém da necessidade de aprofundar o debate sobre a temática no âmbito acadêmico,
de maneira a contribuir para qualificá-lo, bem como suscitar outras discussões pertinentes. De um
modo geral, os resultados revelam a existência de contradições no assentamento em decorrência da
produção canavieira da região.
PALAVRAS-CHAVES: Cana-de-açúcar; Campesinato; Agronegócio.
1. Introdução
O espaço rural brasileiro tem passado por variadas transformações ao longo do tempo.
Na medida em que tais mudanças expandem-se as relações do homem com seu meio são
alteradas. Esse fato tem apresentado rebatimentos negativos para o homem no campo e
consequentemente para toda a sociedade. Alguns rebatimentos são difusos e pouco percebidos
1 Bacharela em Serviço Social/UFS.
2 Graduando em Geografia/UFS – Estagiário do Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras
– PEAC.
pelo conjunto da sociedade a curto prazo, porém outros são imediatos e precisam de soluções
estruturais para serem resolvidos definitivamente.
Um dos problemas apontados é a diminuição da variedade de alimentos, isso se deve
em certa medida ao processo de expansão do agronegócio no cenário rural brasileiro. Nesse
contexto, a soberania alimentar e a função social do campesinato não são resguardados. Tem-
se notado também o agravamento da expropriação e superexploração dos camponeses dentro
e fora dos assentamentos de reforma agrária. Contraditoriamente os camponeses lutam pela
sobrevivência e autonomia da unidade familiar, apesar de estarem inseridos numa relação
dissimétrica, onde os agentes econômicos dominantes ditam as regras de organização e
reprodução social.
Por estas razões, e considerando as contradições inerentes ao modo de produção
capitalista, compreende-se a necessidade de pesquisar o espaço rural e seus contrastes. Nessa
perspectiva, o referido trabalho pretende identificar as relações de produção estabelecidas no
Projeto de Assentamento (PA) 13 de Maio, localizado no município de Japaratuba, em
Sergipe. É importante destacar a maneira como a produção de cana-de-açúcar tem se
expandido em torno do PA, bem como, os impactos ambientais e socioeconômicos desse
cultivo para os camponeses. Assim, a pesquisa tem como finalidade possibilitar a reflexão
acerca da função exercida pelos assentados haja vista a crescente produção de cana-de-açúcar.
É importante ressaltar que o presente trabalho originou-se de uma pesquisa realizada
na disciplina Geografia Agrária do Departamento de Geografia da Universidade Federal de
Sergipe no período letivo 2014.2. Por isso a investigação compreendeu-se num recorte
temporal entre 2005 e 2013.
Dessa forma, esta pesquisa fundamentou-se em momentos distintos como
levantamento bibliográfico, coleta de dados estatísticos em órgãos governamentais como o
Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) e Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA), realização de visita à área de estudo com o desenvolvimento de
entrevistas, a fim de comparar os dados pré-estabelecidos condizentes com a realidade
encontrada.
O presente artigo está estruturado, inicialmente, com o referencial teórico acerca da
questão camponesa, num segundo momento faz-se com um breve histórico da produção de
cana-de-açúcar no Brasil e em Sergipe com ênfase para o município de Japaratuba, onde
foram apresentados dados empíricos acerca da produção municipal. E por fim, foi analisada a
relação entre o cultivo da cana e as possíveis contradições existentes no PA 13 de Maio.
2. Discussões conceituais acerca do campesinato
O processo de transição do feudalismo para o modo de produção capitalista trouxe
uma nova realidade que ao longo do tempo vem se mostrando perversa para o camponês.
Compreende-se que a diminuição do pequeno estabelecimento agrícola, e em contrapartida a
ampliação dos grandes latifúndios se caracteriza como principal contradição no contexto
atual. Essa realidade (re)configurou as relações entre camponês sociedade, mercado e
indústria. Todavia, é notória a resistência apresentada pelo camponês diante do modo de
produção a qual foi imposto. (PAULLINO; ALMEIDA, 2010).
Uma das principais dificuldades encontradas na investigação sobre a questão agrária
brasileira e sobre o camponês diz respeito às teorias que o definem e o enquadram de maneira
simplória em uma categoria fadada ao desaparecimento ou ao proletariado, sem considerar o
seu papel e a sua força no quadro da organização espacial. Sendo assim, é importante de
imediato levar em consideração as peculiaridades do camponês para que essa classe social
histórica não seja penalizada e não seja sobreposta por outra cultura, como se existisse apenas
um modelo de cultura.
Vale salientar que ao refletir sobre esses sujeitos sociais históricos na atual realidade
brasileira, é preciso atentar-se ao movimento de suas transformações. Desse modo, com o
intuito de quebrar alguns dogmas, os autores Redin e Silveira (2010, p. 2), advertem que o
resgate da noção de campesinato não implica transpor os modelos clássicos para a realidade
brasileira do século XXI.
Hoje, falar em campesinato exige considerar que dogmas como o equilíbrio
trabalho-consumo como mecanismo regulador das decisões-ações dos
camponeses devem ser questionados, considerando a maior inserção nos
circuitos de mercado e a possibilidade de gerar excedentes em relação às
necessidades de consumo familiar; como também o consumo pode ser
atendido com a aquisição de alimentos e não, apenas pela produção própria.
Desse modo, surge a necessidade de definir quem é o homem camponês para poder
compreender a importância, o papel e a sua força na realidade brasileira. Nesse sentido,
Moura (1986), evidencia que “nada mais nada menos do que sete importantes revoluções do
século XX tiveram intensa participação camponesa desde a Revolução Mexicana de 1910 a
Revolução Cubana de 1958”. Para José de Souza Martins (1991), a Revolta do Contestado,
que durou cerca de um ano foi a maior revolta na História de Movimentos Sociais do Brasil
que teve a presença camponesa.
Para Santos (2012), os camponeses são sujeitos sociais que escrevem suas histórias
sedimentadas na história do próprio país. Homens que reivindicam legitimamente o direito à
vida; de ser camponês e também o direito de vir a ser.
Moura (1986) apresenta importantes contribuições sobre a existência do camponês
nessa sociedade capitalista, bem como interpretações com relação a esta classe social,
apontando alguns dos pontos negativos referentes às interpretações como as que consideram
as formas de reprodução camponesa oriundas de resíduos de uma formação social anterior,
como resquícios ou sobrevivência de épocas passadas o que para esta autora “essas
interpretações revelaram-se instrumentos inadequados de apreensão de sua condição social”.
O camponês é o trabalhador que se envolve mais diretamente com os segredos da natureza,
com melhor aprofundamento do conhecimento do tempo e do espaço e, por sua vez, já existia
antes daquilo que convencionamos chamar ciência. (MOURA, 1986, p. 8).
Para esta autora, as razões que justificam o crescente estudo sobre esta classe social, o
campesinato, são as seguintes: o fato de o camponês controlar terras no capitalismo sem ser
possuidor de capital, como também o fato de o camponês lutar por formas culturais e sociais
próprias de organização sem se recusar a sociedade que o abrange e circula. Outro fator
propulsor para tais estudos está relacionado à expansão dos complexos agroindustriais que
tem transformado o camponês em mão-de-obra para o capital sem torná-lo necessariamente
um operário.
As análises discorridas acima se referem algumas das contradições presentes nas
concepções sobre a vida do homem no campo. Verifica-se que o conceito atribuído ao
camponês apresenta significado complexo que transcende a materialidade econômica da troca
de mercadoria. Por isso, pauta-se em algumas características de organização social como o
trabalho familiar, os costumes herdados, a tradição religiosa e o comportamento político.
3. Breve histórico sobre o cultivo da cana-de-açúcar em Sergipe
A ocupação do território que posteriormente seria o Brasil se deu de maneira lenta e
conturbada, passando por diferentes momentos num contexto de expansão marítima e
desenvolvimento mercantil do comercio continental europeu. Não era o interesse dos
portugueses – os pioneiros na busca ultramarina –, colonizar o continente americano, mas sim
descobrir um novo caminho para se chegar até as Índias. Estas terras que hoje
convencionamos chamar de Brasil foi descoberta por acaso, segundo Prado Júnior (1998).
O ambiente hostil que aqui se apresentava tanto por parte da natureza quanto por parte
dos povos que já viviam na colônia antes da chegada dos europeus foram alguns dos
motivadores para a não colonização no início. Além disso, a baixa densidade demográfica em
Portugal naquele momento desfavorecia tal feito. Parte-se daí a necessidade de gerar
interesses econômicos ou alguns estímulos para que houvesse a ocupação, visto que havia a
ameaça de invasão dos franceses que já se faziam presentes no litoral nas primeiras atividades
extrativistas da madeira, mais precisamente pau-brasil. (PRADO JÚNIOR, 1998).
Vale destacar que o principal estímulo para produzir no país advinha da escassez de
alguns gêneros alimentícios nas zonas temperadas. Nesse sentido, os portugueses vieram para
a colônia com a finalidade de gerenciar a produção de gêneros alimentícios, visando atender
as necessidades da metrópole e, consequentemente, vislumbravam negócios lucrativos em
virtude da disponibilidade de vastas extensões de terras férteis encontradas, além de dispor de
mão de obra barata. (PRADO JÚNIOR, 1998).
Esse cenário será determinante para o caráter que tomará a exploração agrária. Mas,
como gerar interesses de povoamento em terras hostis e sem muitos atrativos e num momento
em que o comércio no oriente estava aquecido? A solução encontrada pelo rei de Portugal foi
dar terras aqueles que se dispusessem a ir, dando-os poderes absolutos ou soberanos. Ainda
assim apenas doze se candidataram. Foi dividido a costa em doze partes lineares com
extensão entre 30 e 100 léguas, são as capitanias hereditárias. (PRADO JÚNIOR, 1998).
Verifica-se, nesse período, o direcionamento de graves investimentos para negociantes
e banqueiros pertencentes ao processo de colonização das terras descobertas com o objetivo
de cultivar a cana-de-açúcar. Dá-se início a agricultura, monocultura e a formação dos
latifúndios, o qual contou, a priori, com mão de obra dos indígenas e dos escravos trazidos da
África. Esses fatos são importantes para delimitar a formação econômica do Brasil e a função
dessa configuração no cenário internacional, além de evidenciarem as raízes da exploração
agrária no país. (Ibidem, 1998).
Em se tratando de produção, a agricultura canavieira é uma das mais antigas e
importantes atividades econômicas do Brasil. Nesse sentido, a produção da cana se constitui
como base para a economia de muitos municípios produtores. De acordo com o Ministério da
Agricultura a previsão é que a safra de cana 2016/17 tenha um crescimento de
aproximadamente 4,9% em produção e área se comparada à safra anterior. Por essa razão, o
Brasil é considerado o maior produtor da cana-de-açúcar e seus derivados como o açúcar e o
etanol, sendo responsável por mais da metade do açúcar comercializado no mundo.
As maiores produções estão concentradas na zona da mata nordestina, mais
especificamente na faixa que vai do litoral norte do estado de Sergipe ao litoral sul do estado
do Rio Grande do Norte. Além disso, o interior de São Paulo concentra a maior produção de
cana-de-açúcar do país. A figura a seguir ilustra a presença das usinas de cana-de-açúcar
existentes no país.
Figura 1 – Localização das usinas de cana-de-açúcar no Brasil em 2005.
Fonte: http://www.novacana.com
No caso especifico de Sergipe a produtividade da cana vem aumentando
gradativamente. No ano de 2013, o estado alcançou à marca de 3.087.048 milhões de
toneladas e contou com a participação de 25 municípios produtores, com destaque para
Capela, Japaratuba e Laranjeiras que produziram 588, 539 e 408 mil toneladas,
respectivamente. (IBGE, 2015). A figura a seguir demonstra a área de cultivo da cana-de-
açúcar em 2013.
Figura 2 – Mapa da produção municipal de cana-de-açúcar em Sergipe no ano de
2013. Fonte: IBGE.
A partir dos dados expostos na figura 2, observa-se que a maior parte da produção da
cana-de-açúcar do estado está localizada da mesorregião do leste sergipano, compreendendo
os municípios da faixa litorânea até na divisa com o agreste. Na própria mesorregião percebe-
se que a produção se concentra na porção norte, onde se localiza o município de Japaratuba. A
concentração nessa região se deve a dois fatores: o fator historiográfico e o ambiental.
Assim como em outras partes do país a cana-de-açúcar foi um cultivo que se instalou
predominantemente na Zona da Mata, próximo à faixa litorânea. Essa instalação é decorrente
do clima favorável, do solo propício ao desenvolvimento desta produção e justifica-se
também pela concentração das usinas na referida região. Além disso, a abundância de água e
de mão de obra na área são fatores que contribuem para o cultivo do gênero.
A figura 3 apresenta alguns dados da produção de cana-de-açúcar em Japaratuba entre
o período de 2005-2013.
Figura 3 – Produção de cana-de-açúcar em Japaratuba (2005-2013). Fonte: IBGE.
Quanto à produção da cana-de-açúcar entre os anos de 2005 e 2013, pode-se perceber
um crescente aumento na produção, com uma pequena queda no ano de 2009, que pode ser
explicada pela crise econômica internacional3 neste período.
3 A crise econômica internacional foi um período de recessão iniciado no setor imobiliário no EUA e
rapidamente propagado para o sistema financeiro, repercutindo com diferentes intensidades em vários países do
mundo. Alguns dos impactos sentidos na produção da cana se deve a diminuição de crédito estrangeiro, a
diminuição da exportação com a retração dos mercados externos e a consequente queda dos preços dos produtos
de exportação.
DADOS DA PRODUÇÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR EM JAPARATUBA (2005-2013)
ANO PRODUÇÃO
(t)
VALOR DA
PRODUÇÃO
(mil R$)
ÁREA
PLANTADA
(ha)
ÁREA
COLHIDA
(ha)
REDIMENTO
MÉDIO
(Kg/ha)
2005 306.000 11.628 4500 4500 68
2006 330.000 16.718 60
Tabela 1 – Dados da produção da cana-de-açúcar em Japaratuba (2005-2013). Fonte: IBGE.
De acordo com dados obtidos no IBGE (2017), nota-se um crescimento na produção,
como também na área plantada. Se compararmos a produção de 2005 com a de 2013 verifica-
se que houve um aumento de 76%. Já no que concerne a área plantada, constata-se que houve
um aumento absoluto de 77,04%. Porém, o rendimento médio por hectare no ano de 2005 era
muito maior do que 2013, passando de 68 quilos para 64, ou seja, um hectare em 2005 deu
mais lucro que um hectare colhido em 2013.
Figura 4 – Área do cultivo da cana-de-açúcar (2005-2013). Fonte: IBGE.
2007 366.360 12.823 6106 6106 60
2008 372.240 13.773 6204 6204 60
2009 335.040 18.092 5584 5584 60
2010 350.592 22.087 5478 5478 64
2011 432.055 27.219 6647 6647 95
2012 517.855 37.078 7967 7967b 65
2013 539.328 32.360 8427 8427 64
Caso o recorte temporal deste trabalho fosse estendido para o último levantamento
feito da produção agrícola municipal, seria possível verificar que o crescimento da área
destinada ao plantio deste gênero continua aumentando, uma vez que em 2015 a área plantada
contabilizou 10.527 hectares para uma produção de 658.464 toneladas no referido ano.
Isso significa menos terras sendo destinada para a policultura, ou seja, menos terras
destinadas à produção de alimentos. Assim, o avanço desse cultivo sinaliza o agravamento de
alguns problemas estruturais, tais como a não efetivação da redistribuição de terras, a
proliferação dos latifúndios em detrimento dos minifúndios e a quebra da autonomia dos
camponeses do município e mais especificamente do assentamento, na medida em que a estes
são negadas as condições para a reprodução do núcleo familiar.
O avanço do cultivo da cana esta relacionado às políticas públicas de fomento a
produção do etanol, tais como o Programa Nacional do Álcool (Proálcool). Por esta razão,
alguns assentamentos de reforma agrária estão surgindo estrategicamente cercadas por
plantações de cana ou nas proximidades. Desse modo, o latifúndio monocultor garante a mão
de obra para o cultivo e ainda consegue cooptar alguns camponeses para o desenvolvimento
dessa atividade.
Um dos rebatimentos imediatos observado tem sido a diminuição da variedade de
produtos alimentícios nos assentamentos. Desse modo, a função social da terra não é
cumprida e uma das consequências é a escassez de alimentos em quantidade e variedade
necessária para atender a sociedade. Esses pontos são importantes para evidenciar algumas
das contradições comuns em muitas realidades, como por exemplo na realidade do
Assentamento 13 de Maio.
4. Questão agrária e as contradições existentes no assentamento 13 de maio
A questão agrária é sem dúvida uma das questões que apresenta grande
complexidade desde o período colonial, sobretudo após a instituição das sesmarias e da Lei de
Terras, em 1850. A criação dessa lei não é à toa: perpassa pelo risco dos escravos recém-
libertos se tornarem trabalhadores rurais e, consequentemente, romperem com a relação de
submissão com os grandes fazendeiros. (STÉDILE, 2011)
Diferente de outros países, a reforma agrária não foi realizada no Brasil, envolvendo
uma série de contradições e conflitos, tanto por parte de latifundiários, quanto pela
perspectiva dos camponeses que não possuem sequer o direito a terra. Quanto a isso,
Mendonça (2010, p. 78), aponta que
[...] aqui se está entendendo como “questão agrária” o conjunto de inter-
relações e contradições derivado de uma estrutura fundiária altamente
concentrada que, por seu turno, também determina a concentração de poder
econômico, político e simbólico, criando estruturas de sujeição da população
rural e uma cultura incompatível com um tipo de exploração racional da
terra definido pela fala/prática oficial como a “mais adequada” para o
desenvolvimento nacional.
Com o intuito de ameninzar a desigualdade existente na distribuição de terras no
Brasil, instituiu-se ação estatal através da política de Reforma Agrária, cujo objetivo central é
efetuar a distribuição da terra para a realização de sua função social, de modo a descentralizar
e democratizar a estrutura fundiária, favorecendo a produção de alimentos saudáveis e
permitindo que a partir desse processo a população assentada obtenha renda para a reprodução
de sua família.
É nesse contexto que está inserido o assentamento 13 de Maio, localizado no
município de Japaratuba, região do Vale Cotinguiba, no estado de Sergipe. O referido teve sua
criação em 2004 e assentou 41 famílias mediante desapropriação de terras da Fazenda Cabral
para fins de reforma agrária. Pertencente à filha Cabral, a área do assentamento corresponde a
482,33 hectares e ao logo do tempo foi destinado ao cultivo da cana para a produção de
açúcar (RAMOS FILHO, 2008).
No assentamento são cultivados diversos gêneros alimentícios destinados tanto para o
consumo quanto para a comercialização em feiras livres. Destaca-se a produção da macaxeira
devido à variedade de seus fins, uma vez que, o cultivo desse alimento permite a fabricação
de alguns derivados, a exemplo do bolo de macaxeira, da tapioca, do mingau. Os camponeses
produzem também feijão, milho, batata, amendoim, abóbora, melancia, conforme dados
coletados em visita.
Nesse interim, vale salientar a importância do trabalho para a constituição e
reprodução do ser social. Para Marx (2013), o homem, por meio do trabalho se constitui
enquanto ser social e se distingue dos demais seres vivos sem perder sua naturalidade. É o
único ser vivo capaz de prever teologicamente, propor finalidades, de acordo com cada
momento histórico. O trabalho é a atividade fundante da humanidade, pois é a partir dele que
o homem interage com a natureza, transformando matéria-prima em produtos que atendam
suas necessidades.
[...] as condições materiais de existência e reprodução da sociedade – vale
dizer, a satisfação material das necessidades dos homens que constituem a
sociedade – obtêm-se numa interação com a natureza: a sociedade, através
dos seus membros (homens e mulheres), transforma matérias naturais em
produtos que atendem às suas necessidades. Essa transformação é realizada
através da atividade a que denominamos: trabalho. (NETTO; BRAZ, 2012,
p.42).
Importante ressaltar que nem todos assentados conseguem sobreviver da colheita, o
que implica na submissão a trabalhos precários e insalubres tanto em indústrias, quanto no
latifúndio da cana-de-açúcar situado na região. Além disso, é notório o crescimento de
trabalhos análogos à escravidão no campo nas últimas décadas. Em documento publicado pela
Comissão Pastoral da Terra (CPT), dados indicam que
As denúncias de situações de trabalho escravo relacionadas pela CPT
correspondentes ao ano de 2016 registram 68 ocorrências de violações e
irregularidades trabalhistas classificadas como análogas à escravidão,
abrangendo 751 trabalhadores, sendo que destes pelo menos 544 foram
resgatados pela ação fiscalizadora de órgãos oficiais vinculados direta ou
indiretamente ao Ministério do Trabalho e Previdência Social - MTPS.
(CPT, 2016, p. 135).
Apesar da resistência apresentada pelos assentados, sobretudo por insistirem na
produção de alimentos orgânicos, a pulverização de agrotóxicos ao redor da comunidade tem
impactado de maneira negativa para reprodução social dos camponeses. Na concepção de
Stédile (2013, p. 33), o modelo de produção do agronegócio produz a
[...] organização da produção agrícola na forma de monocultivo (um só
produto) em escalas de áreas cada vez maiores; uso intensivo de máquinas
agrícolas, também em escala cada vez mais ampla, expulsando a mão de
obra do campo; a prática de uma agricultura sem agricultores; uso intensivo
de venenos agrícolas, os agrotóxicos, que destroem a fertilidade natural dos
solos e seus micro-organismos, contaminam as águas dos lençóis freáticos e
inclusive a atmosfera, ao adotarem desfolhantes e secantes que evaporam e
regressam com as chuvas e, sobretudo, contaminam os alimentos
produzidos, trazendo consequências gravíssimas para a saúde da população;
uso cada vez maior de sementes transgênicas, padronizadas, e agressão ao
meio ambiente com técnicas de produção que buscam apenas a maior taxa de
lucro em menor tempo. (STÉDILE, 2013, p.33).
A expansão do agronegócio representa um novo regime de superprodução e
acumulação instituída pela mundialização do capital, com características particulares quando
comparada aos modelos anteriores de desenvolvimento capitalista (ALVES, 1999). Em se
tratando da monocultura, o Brasil ocupa a posição de maior produtor de cana-de-açúcar. De
acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB, 2008), aproximadamente
55% dessa produção é destinada à fabricação de álcool.
Isso significa dizer que as relações de produção estabelecidas não se configuram por
acaso, haja vista a representatividade do cultivo desse gênero para o setor agropecuário,
especificamente na geração de energia renovável, que possivelmente se tornará a principal
fonte de agroenergia.
A agroenergia é todo combustível derivado da biomassa. Resulta da energia
solar contida nas plantas ou grãos, e é produzida desde os procedimentos
agropecuários os quais, após sua conversão em combustíveis sobre a forma
de álcoois ou óleos, podem ser utilizados na queima que possibilita a
movimentação dos motores industriais, automobilísticos, geradores de
eletricidade, aviões e equipamentos domésticos. Logo, os fatores de
produção fundamentais para a agroenergia são: terra, água, trabalho e
tecnologia.
O etanol, propalado como o possível substituto da gasolina, é um álcool
produzido pela fermentação do açúcar simples, de plantas ricas em amido ou
lenhosas. As fontes de matéria para sua fabricação podem ser: cana,
beterraba, milho, trigo, cevadas, girassol, sorgo açucarado, batata, mandioca,
cereais, madeira, palha, etc. (RAMOS FILHO, 2013, p. 162-163).
Nesse sentido, a expansão da produção da cana-de-açúcar em torno do assentamento
13 de Maio é avaliada como um obstáculo para o desenvolvimento do campesinato,
dificultando o cultivo de alimentos que possibilitam a manutenção dos camponeses no campo.
Essa dinâmica tem incidido em sérios rebatimentos para a população, provocando impactos
ambientais e sociais, sobretudo pela utilização de agrotóxicos pelos usineiros. Na ocasião da
visita, alguns assentados relataram as dificuldades em produzir alimentos orgânicos, como
também discorreram acerca de problemas de saúde apresentados pelos moradores após a
intensificação no uso de pesticidas.
Outro aspecto a ser destacado diz respeito à retirada de grande quantidade de água do
Rio Japaratuba, a qual é destinada a produção canavieira, colocando em pauta a preservação
dessa bacia e a reprodução da fauna e flora da região.
Nota-se que embora tenham alcançado o direito a terra, algumas deficiências apontam
para a incompletude da política de reforma agrária, haja vista a ausência de condições de
acesso a direitos que são inerentes à pessoa, a exemplo do trabalho, saúde, alimentação de
qualidade, educação, previdência social, lazer etc. Desse modo, além da distribuição de terras
para aqueles que não a possuem é necessário que sejam dadas condições de permanência e
reprodução das famílias que conquistarem tais direitos.
5. Considerações finais
A proposta assumida buscou contribuir para uma melhor compreensão acerca da
questão agrária, abordando a inserção da produção canavieira no país como determinante para
a constituição do latifúndio. Essa análise possibilitou entender a realidade vivenciada pelo
camponês frente à intensificação da monocultura da cana-de-açúcar, a qual responde ao
modelo do agronegócio estabelecido em acordo entre burguesia nacional e internacional. Teve
como propósito também apresentar discussões sobre a configuração desse plantio em Sergipe,
dando ênfase para expansão e predominância da cana-de-açúcar nos últimos anos e os
impactos desse modelo para a sobrevivência do campesinato.
É notório que a territorialização apresentada tem repercutido em desdobramentos,
sobretudo em impactos sociais, econômicos e ambientais para as comunidades que habitam ao
redor das terras do latifúndio. Compreende-se que esse modelo além de reconfigurar o arranjo
espacial, tem modificado drasticamente o ambiente e as relações do homem camponês com a
terra, família e com o trabalho. Foi possível identificar ainda que as transformações ocorridas
no solo e no nível de poluição da bacia tem ocasionado o desequilíbrio ambiental, bem como
dificuldades na produção de alimentos diferente de outrora.
Por fim, enfatiza-se a necessidade de buscar estratégias de superação da realidade
existente no assentamento 13 de Maio, especialmente no que diz respeito à utilização
desmedida de agrotóxicos pelos latifundiários, de modo a contribuir para a reprodução social
e permanência dos camponeses. Cabe-nos destacar a importância em reconhecer o papel
desempenhado por tais sujeitos na produção de diversos gêneros alimentícios cultivados nos
assentamentos como fonte de trabalho e renda para toda população envolvida de maneira
direta e indireta.
Referências
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