caminhos que se cruzam · tive como abordagem reflexiva as influências, ... registro em desenho...

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1 CAMINHOS QUE SE CRUZAM: ARTISTA – EDUCADOR – EDUCANDO – CULTURA POPULAR * France-Nete Macedo Figueira * * ** * * RESUMO Este texto derivado da observação, registro e reflexão, como proposta da disciplina Estágio Supervisionado I, teve como tema o educador artista e as interfaces dessas duas práticas na sua atuação. Numa análise comparativa, baseei-me em experiências de dois educadores, que atuam em duas realidades socioeconômicas e culturais distintas. Tive como abordagem reflexiva as influências, as circunstâncias em que essas práticas acontecem e de que forma elas se ligam e dialogam na dimensão do ensino de arte e a diversidade cultural. Identificar a relação entre o ensino da arte e a diversidade cultural com o artista- educador e o educando é o tema que será analisado durante essa reflexão. Por meio de análises comparativas, refletiremos sobre os laços culturais estabelecidos através de elementos e vivências do cotidiano do artista-educador e do educando. Como eles se interligam no ensino de artes, trazendo influências nos processos criativos de ambos? Quando utilizamos o termo “diversidade”, estamos nos referindo a “variedade” e logo nos atemos a “complexidade da reserva cultural formadora da identidade” (COUTINHO, 2002, p.156.). É essencial construir a ideia de que, a partir da valorização e reconhecimento da diversidade cultural, pode-se construir outra visão da educação e da relação entre arte, educação e cultura. Para o ex-ministro da Cultura Gilberto Gil (2005/2006 p.IX) “A ciência, o pensamento, a filosofia, a arte. Toda esta consciência é nosso mundo cultural, portanto, todas as nossas relações humanas, todas nossas relações técnicas, todas nossas relações políticas, tudo isso tem que ser pensado, sentido e vivido como dimensão cultural.” A partir dessa ideia entendemos que “dimensão cultural” alinha-se a “diversidades” que dela advém. O sujeito é influenciado pelo meio, mas também possui seus próprios valores e caracteres, tendências criativas que retornam ao meio em que ele está inserido: isso que estudiosos chamam de psicologia interativa. Por * Artigo desenvolvido como prática de observação, registro e reflexão, na disciplina de “Estágio Supervisionado 1” do curso de Artes Visuais, IARTE/UFU, Uberlândia, MG, sob orientação da Profª Elsieni Coelho da Silva. ** Graduanda em Licenciatura em Artes Visuais, Curso de Artes Visuais IARTE/UFU; Professora da rede municipal de ensino em Monte Alegre de Minas. e-mail [email protected] .br

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CAMINHOS QUE SE CRUZAM:

ARTISTA – EDUCADOR – EDUCANDO – CULTURA POPULAR∗∗∗∗

France-Nete Macedo Figueira∗∗∗∗∗∗∗∗

RESUMO

Este texto derivado da observação, registro e reflexão, como proposta da disciplina Estágio Supervisionado I, teve como tema o educador artista e as interfaces dessas duas práticas na sua atuação. Numa análise comparativa, baseei-me em experiências de dois educadores, que atuam em duas realidades socioeconômicas e culturais distintas. Tive como abordagem reflexiva as influências, as circunstâncias em que essas práticas acontecem e de que forma elas se ligam e dialogam na dimensão do ensino de arte e a diversidade cultural. Identificar a relação entre o ensino da arte e a diversidade cultural com o artista-educador e o educando é o tema que será analisado durante essa reflexão. Por meio de análises comparativas, refletiremos sobre os laços culturais estabelecidos através de elementos e vivências do cotidiano do artista-educador e do educando. Como eles se interligam no ensino de artes, trazendo influências nos processos criativos de ambos?

Quando utilizamos o termo “diversidade”, estamos nos referindo a “variedade” e

logo nos atemos a “complexidade da reserva cultural formadora da identidade”

(COUTINHO, 2002, p.156.). É essencial construir a ideia de que, a partir da valorização

e reconhecimento da diversidade cultural, pode-se construir outra visão da educação e

da relação entre arte, educação e cultura. Para o ex-ministro da Cultura Gilberto Gil

(2005/2006 p.IX) “A ciência, o pensamento, a filosofia, a arte. Toda esta consciência é

nosso mundo cultural, portanto, todas as nossas relações humanas, todas nossas relações

técnicas, todas nossas relações políticas, tudo isso tem que ser pensado, sentido e vivido

como dimensão cultural.” A partir dessa ideia entendemos que “dimensão cultural”

alinha-se a “diversidades” que dela advém. O sujeito é influenciado pelo meio, mas

também possui seus próprios valores e caracteres, tendências criativas que retornam ao

meio em que ele está inserido: isso que estudiosos chamam de psicologia interativa. Por

Artigo desenvolvido como prática de observação, registro e reflexão, na disciplina de “Estágio Supervisionado 1” do curso de Artes Visuais, IARTE/UFU, Uberlândia, MG, sob orientação da Profª Elsieni Coelho da Silva. ∗∗

Graduanda em Licenciatura em Artes Visuais, Curso de Artes Visuais IARTE/UFU; Professora da rede municipal de ensino em Monte Alegre de Minas. e-mail [email protected] .br

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essa linha de pensamento o artista educador e seus educandos passam a se

reconhecerem, se enxergarem sem que as duas partes percam suas identidades. Nesse

processo de ensino-aprendizagem de arte ambos conseguem estabelecer um diálogo.

A complexidade dessa relação nos leva a pensar “a oportuna e cotidiana

interação com a Arte” (COUTINHO, 2002, p.156) dos três sujeitos em pesquisa o

artista, o educador e o educando. Segundo observações de Rejane Coutinho (2002, p.

157) “como indivíduos eles fazem parte de segmentos culturais diferenciados, com seus

códigos e articulações particulares que precisam ser localizados e respeitados”. Embora

sua fala refira-se ao sujeito aluno especificamente, estendemos essa colocação para a

situação do artista e do professor. Cremos que a condição profissional, não deve lhe tirar

o caráter de ser também pessoa-indivíduo, com suas particularidades.

Com essa posição, a princípio vamos nos ater à prática do professor que possui

uma produção artística. Suas referências estarão presentes nos conteúdos que trabalhará

em sala de aula? Não ignoramos aqui o fato de existir o professor de artes que possui

uma formação acadêmica, mas não necessariamente possui uma produção artística,

paralela ao seu trabalho como educador e que optou somente pela arte-educação. O fato

é que não é esse o nosso foco para reflexão no momento, para o qual caberiam outras

leituras e outras discussões. Daí o motivo de estarmos tratando o professor de “artista-

educador” e é para ele que voltaremos nossa atenção.

A realidade sobre a qual estaremos refletindo refere-se às escolas de educação

infantil e ensino fundamental, em situações sócio-culturais distintas. Entre várias

escolas existentes com esse perfil, fizemos um recorte de duas delas para analisarmos

através de exemplificações comparativas, pelo convívio recente que tivemos com

ambas, que se opõem nas suas realidades. A primeira em que a artista-educadora, aqui

pesquisadora, leciona é uma escola pública municipal, periférica situada em Monte

Alegre de Minas - MG, onde os alunos em sua maioria possuem baixa renda. A segunda

onde foram feitas observações, registros e reflexões para a disciplina Estágio

Supervisionado 1, encontra-se um artista educador , numa escola em situação oposta à

primeira, por ser de ensino particular, num centro educacional com referencial regional,

situado em região considerada área em ascensão, na cidade de Uberlândia – MG. Esta

atende, em contrário da escola pública, à alunos em sua maioria de classe média alta.

Mesmo assim, supomos que o fato de as duas cidades serem circunvizinhas, logo

possuem aspectos culturais regionais bem próximos.

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Como realidades em comuns à essas duas práticas educativas, está um trabalho

com crianças na faixa etária de 7 a 8 anos escolhida para a reflexão. Nessa idade as

crianças estão no estágio do “realismo intelectual” (LUQUET, 2009). Portanto fica

mais pertinente a forma como elas reproduzem o visível (mundo que vê) e o invisível

(mundo que sente ou percebe), aplicam elementos reais e abstratos que só existem no

seu pensar. Outra característica em comum está no fato dos dois professores de artes

serem artistas-educadores, que tem a cultura popular como referência na produção

artística, arraigados nas festas de congadas e moçambiques, típicas nessa região

triangulina. Suas intervenções educativas ocorrem diante de propósitos educacionais

semelhantes.

Na escola particular a proposta educativa traz como referência pedagógica:

“Nossa causa, nossa vida. promover o bem comum por meio da educação, com o

melhor compromisso de cuidar de si, cuidar do outro, cuidar deste lugar e de valorizar o

respeito à diversidade, o desenvolvimento sustentável, o estímulo a criatividade e a

busca permanente da inovação, referenciada na nossa história e no avanço da ciência e

da tecnologia – Nacional” (Pôster, 2011). Essas são as intenções da Escola Particular

que anuncia seu perfil educacional. A Escola Pública propõe um projeto de ensino em

tempo integral, sem utilizar o mesmo recurso de marketing, preocupa-se em linhas

gerais com as mesmas questões mencionadas acima. Mas essa educação tão amplamente

pensada ocorre de fato no momento prático? E os artistas-educadores, como participam

desse processo? O seu lado artista, questionador, como dialoga com esses propósitos?

As respostas para essas questões não nos cabe aqui respondê-las, mas essas reflexões

permeiam o que nos impulsiona a observar nesse trabalho – como esses caminhos se

cruzam? Se é que se cruzam.

Na visão de Heidegger (2009, p. 202) “Antes de ser uma ação de agente, a

criação artística põe o homem e mundo num acontecimento de reciprocidade, no qual a

realidade se mostra apropriadamente.” Podemos então pensar a arte como algo

verdadeiro, relacionada a uma ação que faz ligamentos, assim nos remetemos ao artista-

educador. E ainda, tendo em vista a concepção de que “O artista é a origem da obra e a

obra é a origem do artista – nenhum é sem o outro” (HEIDEGGER, 2009, p.200).

Logo, se o artista e sua obra se originam como poderia ser possível desligar o artista –

sua obra – desse sujeito que também é um educador? Esse artista-educador em questão

vai para a sala de aula (ou ateliê) “intermediar os acontecimentos” através de propostas

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educativas e leva consigo o seu processo criativo. Basta observar no seu jeito de falar,

se expressar, a forma como prepara os materiais, a ambientação feita na sala, suas

interferências imagéticas nas escolhas dos painéis fixados às paredes. Nesses atos

FERRAZ (2009, p.94) deixa claro que “Quando o educador sabe intermediar os

conhecimentos, ele é capaz de incentivar a construção e habilidades do ver, do observar,

do ouvir, do sentir, do imaginar e do fazer, assim como suas representações.”

Outro fator que devemos levar em consideração para melhor percebermos essa

relação de influências, se encontra quando FERRAZ (2009, p.95) concebe que “a

criança reflete continuamente suas impressões do meio circundante. E, como vimos, sua

compreensão do real faz-se por meio de uma inter-relação dessas impressões com as

situações e objetos percebidos, estabelecendo relações afetivas e cognitivas.” Ao

observarmos alunos da Escola Particular, através dos seus desenhos, notamos que eles

freqüentam shopping onde se deparam com reproduções gigantescas da Torre de Paris e

se encantam; que vão ao cinema assistir o filme Rio; que fazem viagens internacionais

para a Disney e as comentam, registram suas lembranças visuais.

Figura 1. Registro em desenho representando a Torre Eiffel – Escola Particular Foto: France Figueira/2011

Em outra situação demos atenção à produção dos alunos da Escola Pública no

Projeto de Tempo Integral, em que eles retratam uma cavalgada, atividade comum nas

festividades interioranas onde o campo rural ainda é meio de sobrevivência para muitos.

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Figura 2. Painel de alunos da Escola pública – Monte Alegre de Minas/2011 Foto: France Figueira/2011

Mesmo que vejamos pelo ângulo das teorias de LOWENFELD (1947), READ

(1943) e KELLONG (1969) que valorizam a “auto-expressão” da criança “a arte não

pode ser ensinada, pois a expressividade infantil tem um correspondente com a

evolução física, psicológica e cognitiva” ( FERRAZ, 2009 p.100). Ainda que o

professor seja um “estimulador” um “guia” e que a criança “desenha o que sabe” e não

apenas “o que ela vê”, percebemos que mesmo assim são estabelecidas relações

culturais com o meio e que estas afloram no seu ato criador. Para compreender melhor

essa ideia, analisamos a atividade na Escola Particular, em que o conteúdo proposto foi

composição e o tema Festa Junina. Pudemos desconstruir possíveis rótulos

comportamentais de que crianças de classe-alta são voltadas apenas para os valores

materialistas. Percebemos que mesmo com tantas influências externas (viagens, cinema,

passeios) os alunos mantêm vínculos afetivos com manifestações culturais populares

locais, mantidas pelos laços de família nas suas tradições e valores religiosos. Como

exemplo o mastro levantado com estampas dos santos juninos na fazenda da avó; a

história de que a avó vai dar um Santo Antônio a menina quando ela ficar moça; são

demonstrações de que os valores estão presentes na vida de todos, independente das

condições sócio-econômicas. Situação semelhante ocorre na Escola Pública, onde os

alunos são em sua maioria, afros descendentes, também mantém esses vínculos de

valores, até mais participativos (pois se integram aos grupos), em relação ao folclore

religioso local através das congadas e moçambiques. Ao mesmo tempo em que os

artistas-professores destas duas escolas têm pontos em comum.

Nesse contexto de referencias cultural, o professor da escola Particular em

questão é de origem interiorana, é neto de Congadeiro, enquanto a professora da Escola

Pública também mantém vínculo com a festa, é santeira ( faz estampa de santos para

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vestimentas, bandeiras e estandartes), foi pesquisadora das Festas de Congadas e

Moçambiques. Ambos são da mesma cidade e, portanto, em questões culturais

serviram-se na mesma fonte. Em posicionamentos diferentes, as questões culturais

sociais são pertinentes a todos, se cruzam em algum momento em dimensões e

proposições variadas se relacionam. Isso possibilita que os dois artistas-educadores

estejam atentos para a valorização da diversidade cultural, e na medida do possível

trazem a tona esses referenciais nos conteúdos pedagógicos propostos. Dessa maneira

fazem uma transposição de suas experiências com a arte popular para suas aulas, mesmo

que às vezes de forma inconsciente. Percebe-se que isso ocorre no momento da escolha

dos autores que serão trabalhados. Por exemplo, por que André Neves (2009) e não

outro autor? Porque é com ele que o professor se identificou e relacionou com suas

questões processuais artísticas. Notamos que o artista-educador buscou no início da sua

carreira artística, referências nos trabalhos de Maurício de Souza (ilustrador de

quadrinhos infantis, mais conhecido por ser o autor da criação da Turma da Mônica),

hoje demonstra ser um admirador do ilustrador e escritor André Neves (artista que tem

se destacado com suas ilustrações, pela composição utilizando desenhos pintados aos

quais agrega colagens com rendas e outros elementos de influência na cultura popular

brasileira), entre outros. Tais aspectos nos levam a pensar sobre o artista, no seu

trabalho artístico, qual foi a relação encontrada na sua vivência como educador?

Nesse sentido ele é um contador e ouvidor de estórias, as que lê e as que ouve de

seus alunos, faz leituras visuais, apropria-se de personagens célebres (Alice, Pequeno

Príncipe) nas suas composições. Ele constrói seus próprios personagens fantásticos que

induzem o expectador a imaginar uma estória. Reconstrói de forma imagética textos

infantis, com referência em sua própria infância e no universo lúdico de seus alunos.

Figura 3. Detalhe painel Alice por Jefferson Passos Foto: France Figueira/2011

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Ao mesmo tempo em que a artista-educadora, da Escola Pública em estudo, se

coloca como observadora participante está pensando sobre sua própria prática

educativa, na condição de pesquisadora. Nesse processo ela Busca suas referências

ideológicas nas obras de Cândido Portinari, Alfredo Volpi entre outros. Sua produção

artística em pouco se difere do outro artista-educador, pois se contextualiza diretamente

nas manifestações culturais populares (por exemplo, retrata as rezadeiras de terço,

personagens conhecidos entre os congadeiros e moçambiqueiros, etc.). Isso ocorre

porque estas manifestações estão presentes constantemente na sua trajetória

profissional, política e artística. Nesse aspecto ela retrata um pouco dos seus educandos,

ressaltando que, eles fazem parte direta ou indireta dessas tradições e junto ou distante

deles, ela brinca com o “faz de conta”. Identifica-se assim que ela acaba sendo

igualmente uma contadora de histórias e estórias, cujos elementos suscitam a cultura

local.

Figura 4. Fragmento da série “Faz de conta que vidro era gente” por France Figueira. Foto: France Figueira/2011

Gilberto Gil (2005-2006) nos adverte sobre a concepção de cultura:

Fomos condicionados a entender cultura como sendo a música que vem da Europa, o balé que vem da Rússia, a música que vem dos Estados Unidos, o jarro de flores que ornamenta as salas da elite. E não é. Cultura é muito mais do que isso. Cultura são todos os nossos gestos, nossa vela acesa aos pés de São Benedito, o nosso encontro, o nosso diálogo. (Gilberto Gil, 2005-2006)

Nessas condições culturais, vinculadas ao cotidiano do educador, estão

vivências repletas de elementos culturais que se dialogam com suas posturas nas salas

de aula, que retornam para suas casas transformadas e enriquecidas por essas conversas,

pelos estímulos e experimentações refletidas na qualidade ou não das aulas.

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Notamos que o artista-educador nas duas circunstâncias é um constante

pesquisador, pois busca novos temas cabíveis dentro do conteúdo artístico exigido, para

trabalhar com seus educandos. Dentro desses temas as duas partes tentam, sempre que

possível, priorizar assuntos vinculados a cultura popular, por entenderem que há uma

necessidade de valorizar essas noções comuns a todos os alunos.

Como disse o político Paulo Delgado (2005-2006) “só será universal quem for

fortemente local” – como esse aspecto é refletido na arte-educação? Para “promover o

bem comum por meio da educação”, uma das propostas educativas apresentadas logo no

início dessas reflexões, é que precisamos estar cada vez mais atento as particularidades

da cultura popular local. Logo concluímos que o fio condutor que cruza os trajetos do

artista, do educador e do educando pode ser esse ponto da diversidade cultural, que

diferencia e une processos criativos diante da presente cultura de massa. Esse pensar o

ensino de arte e a diversidade cultural requer um posicionamento pautado no respeito

às diferentes realidades como um elo que se alinha, se agrupa e se cruza.

Consideramos através das observações, registros e reflexões (WEFORTT, 1996)

sobre essas duas realidades, que nesse caso, os caminhos do ensino de arte e diversidade

cultural e dos artistas-educadores e educandos se cruzam. Isso acontece quando há uma

contextualização histórica e cultural entre as três partes envolvidas; quando os métodos

de ensino propostos se diversificam; quando estabelecem comparações entre os

elementos em estudo; e principalmente, quando há coerência e adaptação dos conteúdos

às situações particulares de cada um (artista-educador e educando).

Os caminhos se cruzam, por exemplo, quando o artista transpõe suas

experiências com a cultura popular na sala de aula para seus alunos. Mas poderá se

distanciar quando isso acontecer de forma forçada, sem embasamento na Arte.

Novamente os caminhos se cruzam quando o educador se permite “Trabalhar com a

alternância de valores culturais e sociais...” (Coutinho, 2002, p.157), como no caso do

aluno que inseriu a Torre Eiffel no desenho quando a proposta do professor não era

exatamente essa. Sem essa flexibilidade de entender e aceitar o outro com suas

experiências, não há troca. No caso do educando, por exemplo, quando o vemos

também como um multiplicador da sensibilidade artística, que tem suas próprias

referências, que podem se perder quando não há um direcionamento adequado do

professor, como pudemos perceber nas questões apresentadas sobre reciclagem como

recurso didático. Houve a realização da proposta isopogravura, com a realização de

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belos trabalhos, mas não houve conscientização sobre o material empregado ser de

origem reciclável. Observamos, assim, que não é em todos os momentos que esses

caminhos se cruzam, mas o efeito de cruzá-los é significativo e ajudam a sinalizar os

caminhos da prática do ensino em arte.

Referências

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FERRAZ, Maria Heloisa C. de T. , FUSARI, Maria F. de Rezende. Metodologia do

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2009.

GRANDO, Ângela; CIRILLO, José. Arqueologias da Criação estudos sobre o

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MARTINS, Mirian Celeste. Aquecendo uma transforma – ação: atitudes e valores no

ensino de arte In: BARBOSA, Ana Mae (org) Inquietações e mudanças no ensino de

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WEFFORT, Madalena Freire. Observação registro reflexão: Instrumental

metodológica I. s/1: Espaço Pedagógico, 1996 (Série seminários)

1º Conferência Nacional de Cultura 2005/2006: estado e sociedade construindo

políticas públicas de cultura. Secretaria de Articulação Institucional do Ministério da

Cultura. Brasília: Ministério da Cultura, 2007, p. IX – 207.