caio fernando abreu - as frangas

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  • 8/13/2019 Caio Fernando Abreu - As Frangas

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    AS FRANGASCAIO FERNANDO ABREU

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    EDITORA

    GLOBO

    Porto Alegre, vero de 2002

    Queridos amiguinhos e amiguinhas, meu nome Cludia, sou a irm caula do Caio Fernando, autor deste livro, e uerodi!er a voc"s ue As frangas uma mistura de #ist$ria com %est$ria&, 'ois

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    anti(amente a (ente di!ia ue %est$ria& uando se escreve so)re al(o ueno verdade* +ivi 'arte da min#a in -ncia em .antia(o, no Rio /rande do.ul, com o Caio, e 'osso con irmar a uilo ue ele escreveu, e ue voc"siro ler a se(uir* As frangasrealmente e0istiram e #o1e al(umas esto

    (uardadas com muito carin#o com o 2uis Feli'e 3so)rin#o do Caio e,conse 4entemente, meu5, outras % u(iram& do (alin#eiro* Na '(ina aolado, voc" v" uma oto das so)reviventes e de outras ue o Caio (an#oude'ois da 'u)licao*

    6uando o Caio escreve ue voc" 'ode con irmar as 'eri'cias de Ulla,/a)i, 7uara, Ot8lia, Blondie e das 9r"s :arias 3'*;

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    nem a'ro'riada ou estocada em sistema de )ancos de dados,sem a e0'ressa autori!a-o da editora*

    Reviso Ana :aria Bar)osa e Carmen .* da CostaFoto das ran(as Flvio Fontana Dutraro1eto (r ico e ca'a inc*desi(n editorial

    IlustraGes .u''a

    H edio, HJJ;; reim'resso, HJJK

    Dados Internacionais de Catalo(ao na u)licao 3CI 5C-mara Brasileira do 2ivro, . , Brasil

    A)reu,Caio Fernando

    As ran(as novela L Caio Fernando A)reu*H ed* rev* .o aulo Editora /lo)o, HJJ;*

    I.BN KMHKJM KJJM=

    ;* Fico 2iteratura in antoM1uvenil I*98tulo

    JHMJ < CDDMJH *K

    Pndice 'ara catlo(o sistemtico;* Fico 2iteratura in antoM1uvenil JH *K

    Direitos de edio em l8n(ua 'ortu(uesa, 'ara o Brasil,ad uiridos 'or Editora /lo)o .*A*

    Av* 7a(uar, ; K JK >M=JH .o aulo, .QQQ*(lo)olivros*com*)r

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    Para Clarice Lispector,que tambm gostava delas,

    ficar quentinha do lado de l.

    E para Rodrigo de Abreu Cabrale ernanda !auss de Abreu,

    meus primeiros sobrinhos, ficarem quentinhos enquanto crescem.

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    "ai sempre e#istir uma galinha como Laura

    e sempre vai haver uma crian$a como voc%.

    &'o (timo) Assim a gente n'o se sente s(.

    C2ARICE 2I. EC9OR, A "*+A &-* A +E LA/RA

    AC O*** 6UE A :E2 OR I.9ORIA so)re (alin#as ue eu con#eo c#amaMse A vida 0ntima de Laura.2aura era uma (alin#a, claro* 2endo esse livrovoc" vai desco)rir ue As (alin#as tam)m t"m uma vida 8ntima* 6uemcontou a #ist$ria de 2aura oi uma (rande escritora, a Clarice 2is'ector*Ela entendia muito de (alin#as* De (ente tam)m* Bem no in!in#o l dolivro dela, a Clarice di! assim %.e voc" con#ece al(uma #ist$ria de

    (alin#a, uero sa)er* Ou invente uma )em )oa!in#a e me conte&*=

    Foi 'or isso ue resolvi escrever esta #ist$ria* Eu (ostava muito da Claricee ueria a(radar um 'ouco a ela* Ela 1a morreu, mas sem're ac#o ue a(ente 'ode continuar uerendo a(radar a uem 1 morreu* /osto de 'ensar

    ue uem 1 morreu ica num lu(ar uentin#o, ue a (ente no v",cuidando de uem ainda no morreu* E se voc" uiser a(radar a essa 'essoa, s$ a!er coisas ue ela (ostava* A8 ela ica ainda mais uentin#a ecuida ainda mel#or da (ente*

    ois como eu sei umas #ist$rias de (alin#as )em en(raadas, vou tentarcontar elas 'ra Clarice e 'ra voc"s, certoS :as antes de comear ten#o uee0'licar ue (osto muito mais de c#amar (alin#ade franga do ue de(alin#a* or u"S Ol#a, 'ra di!er a verdade, nem sei direito* 6uando ol#o 'ara uma (alin#a, ac#o ela muito mais com cara de ran(a* Ac#o maisen(raado* Ou s$ ac#o ue ac#o, nem sei* Fa! tanto tem'o ue di(o ran(a

    ue a(ora 1 acostumei*

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    A #ist$ria ue uero contar uma #ist$ria de ran(as* :as se voc" uiserdi!er ue uma #ist$ria de (alin#as, tudo )em* ode di!er, eu no meim'orto*

    Antes de comear ten#o ue e0'licar tam)m ue nasci numa cidade muito 'e uena, numa casa com um 'tio enorme* o1e em dia as 'essoas uaseno moram mais em casas com 'tios* Nem enormes nem 'e ueninin#os*

    rinci'almente as ue moram em cidades (randes*

    ;J

    Eu tam)m moro a(ora numa cidade (rande* :as isso s$ vou contar da uia 'ouco*

    O ue eu ia di!endo ue no 'tio enorme dessa casa em ue eu nascitin#a todas as coisas ue t"m em 'tios* Uma 'oro de rvores, 'ore0em'lo* A ue eu mais lem)ro uma 'ereira* No vero ela enc#ia de 'eras* Da uelas meio avermel#adas, ue nem )oc#ec#a de )e)" (ordin#o*

    9in#a tam)m ormi(a, 'assarin#o, cac#orro* Os cac#orros mudavammuito, 'or ue uns iam em)ora, outros icavam vel#os e morriam* 9em casa

    ue cac#orro muda muito* A nossa era dessas*

    :as eu me lem)ro )em de dois* Um era o Faru ue* Ele tin#a esse nome 'or ue era o mesmo de um rei da rsia ue estava muito na moda, na ueletem'o* A rsia a(ora virou Ir, nem tem mais rei* O Faru ue no era reinem nada* ra ser )em sincero, era um cac#orro )em va(a)undo at*Desses ue adoram roer as 'ernas das cadeiras* Ac#o ue 'ensava ue tudoera osso*

    :e di(a voc" ue rei voc" con#ece ue (osta de roer osso ou 'erna decadeiraS T 'or isso ue eu di(o ue o Faru ue no era rei cois8ssimanen#uma* :as era $timo* 9am)m, no 'recisa ser rei 'ra ser le(al, no SA min#a me, ue sem're oi )oa 'ra dar nomes, oi uem

    ;;

    ac#o ue Faru ue nome de cac#orro mesmo* 6ue nem Du ue ou Re0* .$ue Faru ue muito mais ori(inal nunca mais encontrei outro cac#orro

    com esse nome*

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    O outro ue eu lem)ro no era cac#orro, era uma cadela* Como ela eramuito (randona e desa1eitada e ac#o tam)m ue todo mundo estavacom 're(uia de inventar um nome , a (ente c#amava ela de Cadeluda*

    O 'tio era to enorme ue tin#a tr"s 'artes* Uma icava ao lado da casa*Era mais um 1ardim ue um 'tio* Era c#eio de #ort"nsia, uma lor )em(rande como ue eu vou e0'licarS Uma lor assim eita de cac#os com

    lor!in#as a!uis, )rancas ou corMdeMrosa* As l de casa eram das a!uis*9in#a tam)m um 1asmineiro to c#eiroso ue dava at tontura na (ente,umas mar(aridas e uma )er(amoteira*

    +oc" sa)e o ue ber1ga1mo1tei1ra)

    ois a rvore ue d a )er(amota, entendeuS NoS 9 )om, eu e0'lico* Tue tudo isso aconteceu )em l no .ul do Brasil* 2 tem umas coisas uetam)m tem a ui, s$ ue a (ente c#ama de outro nome* Ber(amota, 'or

    e0em'lo, essa rutin#a amarela ue em outros lu(ares c#amam deme0erica*

    .em're ac#ei ue ela tin#a mais cara mesmo era de )er(amota* Assimcomo o Faru ue, mesmo no sendo rei, tin#a a cara 'er eita dum Faru ue*Assim ue nem c#amar (alin#a de ran(a* E a(ora eu estou 'ensando ue o )om, uando a (ente

    ;H

    conta uma #ist$ria, 'oder c#amar as coisas como a (ente uer c#amar,no como todo mundo c#ama* E0'erimente s$, voc" vai ver*

    Outra coisa )oa de inventar uma #ist$ria ue voc" 'ode ir contandoa uilo ue tem vontade de contar* Foi assim ue eu comecei a alar das

    ran(as e aca)ei alando no 'tio* De'ois 'arei de alar no 'tio e comeceialar no ue eu estava inventando*

    A(ora me lem)rei do 'tio e vou continuar*

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    A segundaparte do

    ptio

    Na segunda parte do ptio tin#a a uela 'ereira ue eu 1 alei* 9in#a tam)m um tan ue de lavar rou'a e uma 'arreira de uvas 'retas, )rancas e corMdeM rosa* As corMdeMrosa eram as maisdoces* Claro ue tam)m eram as ue todo mundo (ostava mais, uenin(um )o)o*

    Es uisito ue as uvas corMdeMrosa sem're eram as ltimas a amadurecer*Desde de!em)ro, icava todo mundo de ol#o nelas, na maior im'aci"ncia*2 'elo Natal, amadureciam as 'retas* As )rancas s$ amadureciam no meiode 1aneiro, na 'oca do aniversrio do meu irmo, /rin(o* :as as corMdeMrosa*** :eu Deus, como as dia)as demoravam s$ na altura do Carnaval*Isso ue todo dia a (ente cuidava*

    ;K

    Ac#o ue era im'lic-ncia delas* ura )irra* Ou medo de serem comidas, seil* 6uem 'ode sa)er se uma ruta sente coisas, ue nem a (enteS Eu ueno* +e!en uando ac#o ue at as 'edras sentem* 3 or alar nisso, voc"

    sa)ia ue tem umas 'edras ue no 'aram nunca de crescerS5

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    Outra coisa ue eu 'enso uando me lem)ro da uelas uvas corMdeMrosa ue, na vida, as coisas mais doces custam muito a amadurecer* :as isso

    'ensamento de (ente (rande, dei0a 'ra l*

    3+oc"s 1 re'araram como estou dis'ersivoS Dis'erso uando a (entecomea a contar uma coisa, a8 interrom'e e comea a contar outra, no meioda uela, de'ois comea a contar de novo a 'rimeira coisa, e interrom'etam)m 'ara contar uma terceira* or a8 vai* rometo ue da ui a 'oucovou me controlar* :as 'or en uanto estou )em dis'ersivo mesmo*5

    Bem, na uela 'arte do 'tio tin#a tam)m um 'oo* Esse 'oo tem uma#ist$ria to estran#a ue eu no 'osso dei0ar de contar*

    A (ente nunca sa)ia onde tin#a (ua* Claro, a (ua ica no undo da terra, a(ente no v" ela* A8, 'ara desco)rir, o meu 'ai mandou c#amar umdesco)ridor de (ua muito amoso na cidade* Ele veio com uma or uil#aenorme um 'edao de madeira assim meio 'arecido com a letra V* O#omem se(uraM

    ;>

    va as duas 'ontas de cima da or uil#a e a 'onta de )ai0o icava a'ontando 'ara a terra*

    Ele icou a tarde inteira camin#ando 'elo 'tio* 6uando c#e(ou atrs da 'ereira, nem te conto* ois no ue a tal da or uil#a comeou a se me0erso!in#aS Ento ele (arantiu ue ali tin#a (ua*

    A (ente duvidou e e! 'ouco* :as meu 'ai c#amou uns outros #omens, ueeram uns a!edores de 'oos muito amosos na cidade* Eles comearam acavar, cavar, cavar, muito undo* ois no ue, l na uele undo )em

    undo, tin#a (ua mesmoS

    Esse um dos mistrios mais misteriosos ue eu me lem)ro* .e voc" noacredita, meu 'ai, min#a me e meus irmos esto de 'rova at #o1e* T s$

    alar com eles, l no .ul* O tele one 3K;5 H M ;=

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    icava, ento, )em ali onde terminava a se(unda 'arte do 'tio e comeavaa terceira*

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    A terceiraparte do

    ptio

    Essa era a maior de todas.:eio ue

    dava medo na (ente de to misteriosa* 6uase nin(um ia l, c#eio de mato,de som)ra, de (rama alta* 9o alta ue todo mundo 'ensava ue 'odia terco)ra ali no meio* Ac#o ue no tin#a, 'elo menos nunca nin(um viuuma* :as cad" cora(em 'ra ir l con erirS Eu ue no tin#a mesmo, nemme enver(on#o de di!er*

    ;=

    or causa desse medo, a (ente sem're 'arava de )rincar ali 'or 'erto do(alin#eiro mesmo* or isso tam)m a (ente ol#ava tanto as (alin#as***A#, mas me )ateu de novo a tal dis'erso sa)e ue tam)m tin#a uma#orta 'or aliS Eu 1 ia es uecendo, dei0a eu contar ra'idin#o, de'ois volto 'ro (alin#eiro* Era to )onita, a #orta*

    Uma das coisas )oas de uem mora numa casa com um 'tio assim enorme ue 'ode ter uma #orta e 'lantar* o1e em dia as 'essoas s$ com'ramle(umes* Na eira, na uitanda, no su'ermercado, voc" sa)e*

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    :as voc" sa)ia ue os 'lantadores )otam remdio nesses le(umes 'ra elescrescerem mais, e mais de'ressaS 7uro ue verdade esses remdios so omaior veneno* Ento, 'ensa )em se voc" 'lantar voc" mesmo o seule(ume, voc" no vai )otar veneno nele, certoS Nem vai se im'ortar se ele

    no crescer muito, 'or ue no vai 'recisar c#amar a ateno de nin(um naeira*

    Da8 ue a (ente tin#a uma 'oro de le(umes sem veneno nen#um* Al ace,cenoura, couveM lor, re'ol#o, 'imento, ce)ola, ra)anete, va(em, mandiocae at uns 's de mil#o altos, com a uela es'cie de ca)eleira loura* :il#oera o ue eu mais (ostava* 7 couveM lor eu ac#ava ue deviaera )otar nasala, en eitando, no na 'anela* CouveM lor to )onita, voc" 1 re'arouS

    :as, com a uele monte de le(umes, era s$ ir l e col#er* No 'recisavacom'rar*

    HJ

    E o (alin#eiroS ois o (alin#eiro era 'ertin#o de onde a (ente mais )rincava* Da8 ue eu ac#o ue veio esse meu (osto 'or (alin#as, de tantover elas ciscando e cacare1ando o dia inteiro* :esmo a(ora, morando numacidade (rande, sem um 'tio enorme como a uele, continuo tendo um(alin#eiro*

    ComoS

    ois 1ustamente essa #ist$ria ue estou uerendo contar* .ai 'ra l,dis'erso***

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    O galinheirona geladeiraComo uase todo mundo

    numa cidade(rande, moro num a'artamento* .ei, a(ora voc" vai me 'er(untar assimmas como ue voc" conse(ue ter um (alin#eiro dentro de uma'artamentoS ois no ue ten#o mesmoS Bem, claro ue no um(alin#eiro de verdade.:as, a ui entre n$s, tam)m no estou nem um 'ouco me im'ortando com o ue ou o ue no de verdade*

    Eu comecei esse (alin#eiro meio sem uerer* No comeo, nem me davaconta ue estava criando ran(as em cima da (eladeira* .$ de'ois ue tin#aumas tr"s oi ue comecei a 'restar ateno*A(ora 'ensei outro 'ensamento de (ente (rande* T assim ve!en uando,uma coisa s$ comea mesmo a e0istir uando voc" tam)m comea a 'restar ateno na e0ist"ncia dela* 6uando a (ente comea a (ostar duma 'essoa, )em assim*

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    !lla e "a#iA mais antiga delas $ a !lla. Ela tem essenome es uisito 'or ue veio de um 'a8s c#amado .ucia* Esse um nomemuito comum l, ue nem :aria a ui* A Ulla assim toda 'e ueninin#a,(ordin#a, marromMclara com o )ico amarelo*

    6uem me deu a Ulla oi um ami(o, o Au(usto* Ele morou muito tem'o na.ucia, de'ois mudou 'ara um 'a8s ali 'erto, a Norue(a, onde s$ tem (enteloira e alta* Cada ve! ue o Au(usto me escreve, 'ede not8cias da Ulla* Eusem're res'ondo vai )em, mandou lem)ranas* E mandou mesmo, ela su'ereducada*

    /an#ei a Ulla a! uns uatro anos* Como o (alin#eiro ainda no e0istia, elavia1ou comi(o 'or uma 'oro de lu(ares* At na Ba#ia 1 oi, e adorou*Ima(ina ue na terra dela no a! calor, no tem 'almeiras nem sam)a*

    De'ois ue mudei 'ra este a'artamento, ela veio morar no meu uarto*

    A(ora estou ol#ando 'ra ela e ac#ando ue ela no est nem um 'oucoassustada 'or estar a ui de novo* T ue a Ulla 1 se acostumou com esseslivros todos e com o )arul#o da m uina de escrever*

    HK

    2o(o de'ois da Ulla, veio a /a)i* 6uem me deu a /a)i oi uma ami(amin#a ue ac#o ue a 'essoa ue eu con#eo ue mais (osta de ran(as*De'ois de mim, claro* O nome dela Cacaia* ois a(ora no ue melem)rei ue oi com a Cacaia ue a'rendi a alar frangaem ve! de (alin#aS

    A Cacaia mora no Rio de 7aneiro, mas ve!en uando vem a .o aulo mevisitar*

    Um dia ela c#e(ou de via(em e 'er(untou assim

    Adivin#a o ue eu trou0e de 'resente 'ra voc"S

    Eu disse

    Um disco*

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    Ela disse

    ErMraMdo* 9enta de novo*

    Eu disse

    Um livro*

    Ela disse

    u0a, mas voc" s$ 'ensa em disco e livroS Errad8ssimo* ode tentar s$mais uma ve!, seno no (an#a nada*

    Eu disse

    Um*** um*** um***

    Ela alou

    Uma ran(aW

    No ue era mesmo, (enteS

    Ela me deu um 'acotin#o ue ui desem)rul#ando, desem)rul#ando at

    encontrar a /a)i* A Cacaia me contou ueH>

    ia 'assando 'or um camel nordestino, em Co'aca)ana, uando ol#ou eviu um ta)uleiro c#eio de ran(as* A8 icou encantada e escol#eu a ue 'arecia mais ran(a de todas* Era a /a)i*

    A /a)i 'arece meio de verdade* :as alsa, claro* Ela tem 'enas deverdade* Os 's e o )ico so de cartolina? a crista de 'ano vermel#o* :asela )em assim da cor de uma ran(a mesmo* :eio des'enteada, comotoda ran(a ue se 're!a*

    A /a)i icou morando uma 'oro de tem'o na sala, 'erto dos discos*Como a Cacaia me (arantiu ue ela era nordestina 3da ara8)a, ten#o uasecerte!a5, eu sem're colocava uns orr$s e uns 0a0ados 'ra ela ouvir* A8comecei a notar ue, uando eu colocava al(um disco da El)a Ramal#o, a/a)i icava toda animadin#a* At #o1e ica nordestina mesmo*

    Acontece ue toda criana ue c#e(ava em casa inventava de arrancar as 'enas da 'o)re /a)i* T ue o lu(ar onde icam os discos )ai0in#o,

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    ual uer criana alcana* No ue eu no (oste de criana, mas a coitadaestava icando toda de'enada, #orrorosa*

    Foi 'or isso ue resolvi colocMla em cima da (eladeira* ara ue a /a)ino se sentisse muito so!in#a, 'e(uei a Ulla no uarto, colo uei ao ladodela* +i ue as duas tiveram uns desentendimentos no comeo, 'or ue aUlla ala 'ortu(u"s muito mal e a /a)i s$ ala com sota ue nordestino* Nen#uma conse(uia com'reender direito a outra* :as aos 'ou uin#os

    oram se acostumando* o1e so (randes ami(as*

    H

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    A% tr&s irms'epois disso, vieram as tr"s irms:aria Rosa, :aria Rita e :aria Rut#* Elas andam sem're 1untas, 'or ueso de madeira e esto 're(adas numa ta)uin#a* A8 voc" 'u0a umacordin#a ue tem em)ai0o e elas comeam a )icar eito umas deses'eradas,como se estivessem comendo mil#o*

    H=

    A :aria Rosa, a :aria Rita e a :aria Rut# ui eu mesmo ue com'rei* Issooi num dia meio triste* Eu estava camin#ando com um ami(o meu, o

    7aco), no centro da cidade, ali 'erto da raa da Re' )lica, O 7aco) outroue adora ran(as* Como ele desen#ista, at desen#a umas de ve! emuando* E desen#a tri)em, umas ran(as da 'esada*

    :as a uele dia tin#a acontecido uma coisa de (ente (rande com a (enten$s t8n#amos sido des'edidos do tra)al#o* Estvamos camin#ando meio de )o)eira uando vimos as tr"s* Eram umas (racin#as verdes e amarelas,com a crista vermel#a, uns ol#os a!uis )em redondin#os* Elas 'areciam toale(res na uela es uina, )icando sem 'arar, ue de re'ente a (ente icouale(re tam)m*

    Eu alei assim

    7aco), voc" sa)ia ue ran(a d sorteS

    A8 ele com'rou tr"s e eu com'rei mais tr"s* No ue deram sorte mesmoSo1e em dia eu e ele temos um tra)al#o )em mel#or ue o outro, (raas a

    Deus* Ou Xs ran(as*

    9ive certe!a ue a Ulla e a /a)i iam (ostar muito delas* ois dito e eitoaMdoMraMram* T ue a :aria Rosa, a :aria Rita e a :aria Rut# so muitonovin#as ainda, no incomodam nin(um* .$ 'er(untam o tem'o todo, so

    ran(as 'er(untadeiras o ue isto, o ue a uilo* Como a /a)i e a Ullaso muito sa)idonas, at ensinam coisas 'ra elas*

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    J

    Foi uando colo uei as tr"s em cima da (eladeira ue me dei conta ueestava ormando um (alin#eiro* A8 corri, 'e(uei A vida 0ntima de Lauraecolo uei em)ai0o delas, ue nem um ta'etin#o* ronto icaram $timas*

    ;

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    Ot(liaA pr)*ima ue chegou +oi a Ot8lia* E denovo a Cacaia estava envolvida na #ist$ria* Eu (osto muito de mar* Como.o aulo no tem mar, ve! em uando vou ao Rio de 7aneiro s$ 'ra ir X 'raia* 6uase sem're ico na casa da Cacaia* Uma noite, a (ente ia voltando 'ra casa uando 'assamos num 'ar ue de diversGes e resolvemos )rincarum 'ouco*

    A (ente estava saindo do trem antasma uando vi a Ot8lia* Ela estavanuma da uelas )arra uin#as onde tem uma 'oro de coisas* +oc" 1o(auma ar(ola e, onde a ar(ola cair, voc" (an#a a uilo ue a ar(ola ar(olou,

    uer di!er, 'e(ou*

    Eu de cara i uei louco 'ela Ot8lia* Inclusive 'or ue 1 tin#a visto umai(ual!in#a na casa duns ami(os meus, ue tam)m adoram ran(as a:aria Em8lia, o Reinaldo e o Ru@*

    E a :aria Em8lia tin#a me (arantido ue a Ot8lia dela tin#a muito )onssentimentos*

    :as acontece ue a min#a 'ontaria 'ssima* .ou da ueles ue no acertanum ele ante a tr"s 'assos de dist-ncia* A8 a Cacaia disse ue 1o(ava aar(ola 'ra mim* Na terceira ar(olada, mirou )em e ar(olou em c#eio a

    ran(a* 9ive a im'resso ue a Ot8lia at deu uma cacare1ada, de 'uro(osto* E a 'rimeira coisa ue alou oi ue estava doida de vontade de vir 'ara .o aulo morar com a Ulla, a /a)i e as tr"s :arias*

    A Ot8lia, nem te conto, em'inad8ssima* 9oda de loua )e(e, com um ol#o 'reto e um )ico meio a)erto, como se estivesse sem're reclamando deal(uma coisa* Ela carioca de nascimento, ala tudo c#iadin#o, adora 'raia, 'i!!a e c#o'e*/osta de via1ar, tam)m* Ela contou 'ra Ulla ue uma ve! e! umae0curso 'ela Euro'a* .$ ue era da uelas de visitar uns vinte 'a8ses nuns

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    de! dias* Ento ela mistura tudo* Outro dia ouvi ela di!endo, todaim'ortante

    .a)e, Ulla, o ue eu mais (ostei em 2ondres oi*** da 9orre Ei el*

    A Ulla, ue sa)e ue a 9orre Ei el ica em aris, e muito )emMeducada,nem disse nada* .$ 'iscou um ol#o 'ra mim* :as a Ot8lia mistura tanto ascoisas ue at #o1e 'ensa ue a Ulla nasceu na .u8a, no na .ucia* A Ullanem corri(e mais* Outro dia a Ulla veio me contar em se(redo ue a Ot8liades're!a a /a)i, 'or ue as nicas via(ens ue a /a)i e! oram da

    ara8)a 'ara o Rio de 7aneiro, e de'ois do Rio de 7aneiro 'ara .o aulo*Ainda 'or cima anal a)eta* A Ullacontou ue a /a)i disse assim

    :as 'or ue ue uma ran(a 'recisa sa)er ler, Ot8liaS

    ra sa)er das coisas, ora res'ondeu a Ot8lia, toda estu ada* Ecomeou a ler o 1ornal* Ela adora ler 1ornal* rinci'almente not8cias so)re

    ran(as* 6ue, alis, so muito raras, no sei se voc"s 1 re'araram*

    A /a)i )oa (ente, no ica c#ateada* O divertimento 'rinci'al dela ensinar coisas 'ara a :aria Rosa, a :aria Rita e a :aria Rut#*

    6ue coisas ela ensinaS A#, so coisas )em de ran(a* ra (ente 'ode 'arecer at meio )esta, mas 'ra uma ran(a interessant8ssimo, uer verS

    /ro de mil#o, 'or e0em'lo, tem um 1eito certo de )icar* No 'ode ser delado, seno ele 'ula ora* 9em ue ser )em em cima* E uma )icada s$, )emra'idin#o* T esse ti'o de coisa ue a /a)i ensina* No alei ue 'areciameio )estaS .$ ue, como a :aria Rosa, a :aria Rita e a :aria Rut# s$

    'ensam em comer, ac#am da maior im'ort-ncia* E deve ser mesmo*35

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    u-araA outra ue chegou de'ois oi a7uara*

    A 7uara, (ente, um caso X 'arte* ro meu (osto 'essoal, c entre n$s eue nin(um nos oua, seno sai a maior )ri(a dentro do (alin#eiro,

    da uelas de voar 'ena , )em, a 7uara a mais )onita de todas* A7ac ueline, ue mora comi(o, tam)m ac#a* E isso ue a 7ac uelineentende #orrores de ran(a tam)m*

    6uem me deu a 7uara oi o edro* O edro mora l no .ul, tin#a vindo 'assar uns dias em .o aulo* 9oda 'essoa ue vem 'assar uns dias a uiem casa tem 'rimeiro ue ser a'resentada Xs ran(as* .eno elas a!em omaior escarcu na #ora em ue a 'essoa vai a)rir a (eladeira 'ra comeral(uma coisa* 9em coisa mais )arul#enta ue escarcu de ran(aS T

    Rosa, :aria Rita e :aria Rut#, nem se ala en im, uma com'an#ia 'ara )icar sem 'arar*

    A nica ue teve umas di iculdades, no comeo, oi a 7uara* T ue aBlondie adora cocaMcola, e come muita 'orcaria, #am) r(uer, cac#orroM

    uente, catc#u', coisas enlatadas* A 7uara ac#ava um #orror, mas aca)oudescul'ando* A(ora, vira e me0e, esto as duas de 'a'o* A 7uara conta#ist$rias de 8ndio? a Blondie conta #ist$rias de cau)$is d tudo certo*

    :as o ue a Blondie mais (osta mesmo de um )om rocYMandMroll* T s$ )otar um disco da Rita 2ee e virar o )oto!in#o dela ue ela 1 sai

    danando* Numa )oa, ac#o ue a'rendeu com a 2ena*

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    Oito #onsdiasAgora ue 3 contei a hist)ria de cada umadelas, vou colocMlas de novo em cima da (eladeira* :as ac#o ue elas(ostaram de icar uns dias no meu uarto*

    A Ulla, ue a mais min#a ami(a e me conta tudo ue elas alam, me disse# 'ouco ue at a Ot8lia ac#ou muito c#i ue essa 'oro de livros* A/a)i, coitada, anal a)eta, 'er(untou ima(inem 'ra ue serviam* AUlla disse ue de ve! em uando tem vontade de ensinar ela a ler, masde'ois 'ensa ue a /a)i muito )urra, no vale a 'ena*

    =

    or nature!a, ran(a mesmo meio )urra* Umas mais, outras menos* 9eme0ceGes, claro* A 7uara, 'or e0em'lo, eu ac#o triinteli(entin#a, :as a/a)i*** 7 alei so)re isso com a 7ac ueline, ela tam)m ac#a a /a)i )urr8ssima* :as mel#or ser )urra e )oa!in#a como ela do ue )urra emetida como a Ot8lia, no S

    3Ai, ue medo me deu a(ora ue a /a)i e a Ot8lia descu)ram ue andoalando essas coisas 'ra voc"sW5

    :as mesmo ue a /a)i sou)esse ler, ela no ia se im'ortar nem um 'ouco*A /a)i nunca (uarda m(oa de nin(um* ensando )em, ac#o ue ela amais ran(a de todas* or ue ran(a ue se 're!a assim mesmo )oa otem'o todo, nunca 'ensa em mac#ucar nin(um* E )urra de 'edra*

    +ai ver, 'or isso mesmo ue (osto tanto de ran(as* ensando mel#or,tam)m 'or ue uando eu era criana )rin uei tanto 'erto da uele(alin#eiro ue i uei con#ecendo )em a intimidade delas* A intimidade deuma ran(a a coisa mais )onita ue tem* E0atamente 'or ue meio )o)a*

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    No ue 'ensei outra coisa de (ente (randeS Esta assim tudo ue 'arece meio )o)o sem're muito )onito, 'or ue no tem com'licao*Coisa sim'les lindo* E e0iste muito 'ouco*

    Zs ve!es 'enso ue uando eu 'uder, um dia, morar de novo numa casacom um 'tio enorme nem 'recisa ser muito enorme vou ter(alin#eiro de verdade*

    7 'ensouS

    KJ

    A8 'odia at ter um cac#orro ue se c#amasse Faru ue esse ia ser oFaru ue II, mais nome de rei ainda* Ou ento uma cadela ue se c#amasseCadeluda* NossaW ensei a(orin#a ue 'odia tam)m ter uma #orta uenem a uela ue alei* Como a casa ia ser min#a, eu ia colocar couveM lor nasala, em vaso, ue nem rosa* At um 'oo de (ua encontrada com

    or uil#a, 'odia ter* E 'eras* E uvas corMdeMrosa* E le(umes sem venenonen#um*

    T ue ve!en uando d uma saudade na (ente dessas coisas* .o todascoisas sim'les* :eio )o)as, muito )onitas* 6ue nem as ran(as*

    :as tudo )em* A (ente sem're 'ode inventar* Inventar uma das mel#orescoisas ue tem no mundo* A Ot8lia ainda no desco)riu, mas a coisa maisc#i ue do mundo inventar* 6ue nem a Clarice, ue inventou a #ist$ria da2aura*

    .$ ue eu no inventei uase nada da Ulla, da /a)i, da :aria Rosa, :ariaRita e :aria Rut#, da Ot8lia, da 7uara, da Blondie* Elas e0istem mesmo,so )em como eu disse* Esto em cima da (eladeira a ui de casa 'ra uem

    uiser ver* +em tomar um (uaran comi(o ue eu te mostro*

    .e voc" uiser, invente uma #ist$ria e mande 'ra mim* .e or #ist$ria deran(a, mel#or ainda* rometo ler 'ra elas ouvirem* E, se voc" no tem um 'tio enorme nem um (alin#eiro de verdade, tam)m 'ode inventar um emcima da (eladeira ou em ual uer outro cantin#o* Eu (osto muito uandoacor

    KH

    do de man# e vou a!er ca na co!in#a* A8 as oito ran(as cacare1am ere'etem assim, oito ve!es, uma cada uma

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    Bom diaW

    Bom diaW

    Bom diaW

    Bom diaW

    Bom diaW

    BomdiaW

    Bom diaW

    Bom diaW

    No ue d certoS 6uase sem're, o dia )om mesmo* rinci'almenteuando eu invento sem 'arar*

    ois no estou alando o tem'o todo ue ran(a, alm de ser um )ic#o )omde ter 'or 'erto, d sorteS .e elas no e0istissem, eu nem tin#a escrito esta#ist$ria* E ac#o ue escrever uma #ist$ria uma coisa muito )oa* Ocorao da (ente ica mais uentin#o e a (ente (osta mais das 'essoas*

    A coisa ue uma 'essoa mais 'recisa na vida (ostar das outras 'essoas eser (ostada, tam)m* A8, 'ra ser (ostado, a (ente escreve #ist$rias* +oc"(ostou destaS Da8 est tudo certo, 'or ue ento voc" (ostou de mim e eu(ostei de voc" tam)m*

    6ual uer dia conto outra, com)inadoS

    KH

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    O AUTOR

    Caio 4ernando A#reu nasceu em;= , em .antia(o do Bo ueiro, no Rio /rande do .ul* Foi 1ornalista ecr8tico literrio* or seu tra)al#o literrio, rece)eu os 'r"mios FernandoC#ina(lia 3;=