caderno tratamento penal

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CADERNOS DO DEPENDEPARTAMENTO PENITENCIRIO DO PARAN

ESCOLA PENITENCIRIA

Prticas de Tratamento Penal nas Unidades Penais do Paran

CADERNOS DO DEPENDEPARTAMENTO PENITENCIRIO DO PARAN

ESCOLA PENITENCIRIA

Prticas de Tratamento Penal nas Unidades Penais do Paran

CURITIBA 2011

GOVERNO DO ESTADO DO PARANCARLOS ALBERTO RICHA Governador do Estado do Paran MARIA TEREZA UILLE GOMES Secretria de Estado da Justia e da Cidadania CEZINANDO VIEIRA PAREDES Diretor Geral do Departamento Penitencirio do Paran SNIA MONCLARO VIRMOND Diretora da Escola Penitenciria do Paran

APOIO

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Organizao geral do carderno de prticas de tratamento penal nas unidades penais do Paran Maria do Rocio Novaes Pimpo Ferreira Snia Monclaro Virmond Responsvel pelo texto O Tratamento Penal e suas Interfaces Maria do Rocio Novaes Pimpo Ferreira Responsvel pela rea de Psicologia Maria do Rocio Novaes Pimpo Ferreira Responsvel pela rea de Servio Social Roque Rogrio Virssimo Hoffer Responsvel pela rea de Educao Sara Cristina do Rocio Bueno Silva Responsvel pela rea de Capacitao Profissional Snia Monclaro Virmond Responsvel pela rea do Trabalho Gilberto Antnio Demoliner Responsvel pela rea Jurdica Eliana Dal Col Horne Reviso Jos Roberto Rodrigues Santos Maria do Rocio Novaes Pimpo Ferreira Snia Monclaro Virmond

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Equipe de elaborao Psicologia Acir Pereira da Luz Arlete Maria Chinasso Ivony Bastos Falkowski Leani Kreuz Mrcia Regina Koch Margarete Rodrigues Priscila Budeisky Rita de Cssia Rodrigues Costa Naumann Zilcar de Jesus Maia Servio Social Iara do Rocio de Paula Irene Pagliarin Batista Josefa Aparecida Pereira Juara Helena Nunes Kllia Helena Girardello Kern Magna Loreine Nunes da Cruz Maria Cristina Kotwisky Maria Helena Castangnoli Marisa de Ftima Ramos Educao Ana Maria Correia de Almeida Cristina Aparecida Campos Ribas Graa Ane Hauer Lea Galvo Costa Liliam Zeghbi Cochenski Maria da Glria Pinheiro Lima Myriam Regina Zapatterra Mendes Rosemari Carneiro Pietrochinski Snia Monclaro Virmond Suzana Maria Rodrigues Martins Trabalho Osmar Dezinho da Silva Jurdica Andr Ayres Kendrik Josiane Linjardi Colaboradores Alan Ricardo Sampaio Galleazzo ngela Maria Bernardini Conceio Aparecida Santos Oliveira Gilmar Alves Joice Rezeznik Juclia Maria dos santos Perez Kazuco Numata Marcelo Inocncio Maria Bernadete Gealh Sanches Maria de Ftima Barbosa Andretta Miriam Kenappe Regina Clia de Oliveira Roberto da Cunha Saraiva Sandra Mrcia Duarte

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Vanessa Rodrigues Raue Vera Baptista Wosniak Suely Vieira Santos Erasto Gasto Marcondes Stokler Sueli Cristina Rohn Bespalhok Thas Pondelli Telles Neiva Siqueira Pielak Equipe de validao Maria Cludia Murakami Conceio Aparecida Santos Oliveira Dalmy Margarete MiIlo Eliana Dal Col Horne Gilberto Demoliner Heliane Boaventura Negrini Iara do Rocio de Paula Irecilse Drongek Jos Roberto Rodrigues Santos Joyce Rezeznik Juara Helena Nunes Magna Loraine Nunes da Cruz Marcelo de Jesus Inocncio Mriam Kenappe Priscila Budeisky Rita de Cssia Rodrigues Costa Naumann Roque Rogrio Virssimo Hoffer Sara Cristina do Rocio Bueno Silva Snia Monclaro Virmond Suely Vieira Santos

Capa Ilustrao de Lionel Andeler Projeto Grfico / Diagramao Sinttica Comunicao Impresso Universidade Estadual de Ponta GrossaDados internacionais de catalogao na publicao Bibliotecria responsvel: Mara Rejane Vicente Teixeira Prticas de tratamento penal nas unidades penais do Paran / organizadoras Maria do Rocio Novaes Pimpo Ferreira e Snia Monclaro Virmond. Curitiba, PR : Secretaria de Estado da Justia e Cidadania, 2011. 132p. ; 21 cm. - ( Cadernos do Departamento Penitencirio do Paran ) 1. Prises Paran. 2. Direito penitencirio Brasil. I. Ferreira, Maria do Rocio Novaes Pimpo. II. Virmond, Snia Monclaro. CDD ( 22 ed.) 365.98162

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A PALAVRA DA SECRETRIA

O sistema penal paranaense enfrenta o maior desafio de sua histria: manter cerca de trinta mil homens e mulheres sob sua custdia, num ambiente humanizado, sob o cumprimento estrito do que prev a Lei de Execuo Penal e, mais importante, devolvendo-os ao convvio social com alguma perspectiva de reincluso socioeconmica. Para atingir esses objetivos, os caminhos a serem trilhados so rduos, mas alguns passos importantes j foram dados. No que se refere especificamente ao sistema penitencirio, com cerca de quinze mil presos, entre provisrios e condenados, pode-se dizer que as unidades penais, de modo geral, possuem uma estrutura fsica condizente, embora caream de mais programas voltados reinsero social. O grande problema, no entanto, concentra-se no mesmo nmero de presos que se encontram em condies precrias nas cadeias pblicas e devero, ao longo dos prximos anos, migrar para o sistema penitencirio estadual. Dessa forma, a perspectiva que, no quadrinio 2011-2014, o sistema penitencirio praticamente dobre a sua capacidade de atendimento, construindo, reformando, ampliando unidades penais, contratando pessoal, entre outras tantas aes. Para absorver esse nmero de pessoas e, ao mesmo tempo, dar um salto de qualidade no atual sistema de gesto, coloca-se, como imperativa, a necessidade de se proceder a um alinhamento conceitual e padronizao de procedimentos em todas as reas de atuao, incluindo-se a o Departamento Penitencirio e as unidades penais. O que ora se torna disponvel , pois, a sistematizao das prticas realizadas no sistema penitencirio, nas reas de segurana, tratamento penal, sade e gesto administrativa. Tal material, que se apresenta sob a forma de cadernos, foi elaborado por grupos de servidores, responsveis pelas reas em questo ou por operadores do sistema penitencirio. A partir da publicao dos cadernos do DEPEN, os procedimentos ali expostos e sistematizados sero implantados e monitorados, tendo-se, como horizonte, a unidade, a melhoria e o funcionamento em rede do sistema penitencirio paranaense, e visando cumprir, de forma plena, o princpio da dignidade da pessoa humana. MARIA TEREZA UILLE GOMES SECRETRIA DE ESTADO DA JUSTIA E DA CIDADANIA

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APRESENTAO

O caderno de Tratamento Penal fruto de uma necessidade objetiva: a de alinhar conceitos e a de sistematizar prticas e procedimentos, no intuito de constituir um material de referncia a todos os operadores do sistema penitencirio do Paran, bem como fornecer apoio terico-prtico aos novos servidores. Ao mesmo tempo, pretendeu-se com esse trabalho recuperar, junto aos profissionais experientes do Departamento Penitencirio do Estado do Paran DEPEN, um rico conhecimento acumulado ao longo de muitos anos, que, por falta de registro e de sistematizao, poderia facilmente perder-se ao longo do tempo. Dessa forma, o material que ora se apresenta o resultado do encontro de alguns servidores que, ao discutir suas concepes de trabalho e as suas prticas junto aos presos e internados, tomou uma forma textual, que foi se amoldando num processo de mo dupla entre as intervenes dos tcnicos e da equipe da Escola Penitenciria do Paran ESPEN. Num trabalho de tal envergadura, torna-se muito difcil estender a discusso a todos, sob pena de se perder o foco, invialibilizando a sua produo. Assim, o caminho escolhido foi convidar dois tcnicos de cada unidade de Curitiba ou da regio metropolitana, e, quando possvel, mesclar um servidor mais antigo com um outro que tenha assumido nos ltimos anos. A maioria dos textos deste caderno possui a mesma estrutura: uma discusso conceitual e o detalhamento dos procedimentos, tanto daqueles realizados, ou possveis de serem realizados no mbito do DEPEN, como suas interfaces com as unidades penais. O princpio que orientou a confeco deste material foi o da transformao e renovao constantes do conhecimento e da prtica, o que ser respeitado pela sua forma de disponibilizao: a publicao num repositrio institucional, acessvel por meio da Internet, possibilitar o seu permanente monitoramento no sentido de perceber se ele est atendendo s necessidades dos seus usurios, e a proposio de modificaes. Espera-se que com esta publicao tenha-se inaugurado no DEPEN um espao permanente de discusso, de proposio e de publicao sobre as questes relativas s prticas e ao pensamento penitenciarista.

Snia Monclaro Virmond DIRETORA DA ESCOLA PENITENCIRIA

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SUMRIO17 17 21 25 26 29 29 29 31 32 35 35 35 36 38 39 39 39 39 40 40 41 42 42 42 42 44 44 45 45 46 47 48 49 50 50

I - O TRATAMENTO PENAL E AS SUAS INTERFACES 1. ABORDAGEM DO CONCEITO DE TRATAMENTO PENAL 2. A LEI DE EXECUO PENAL E O TRATAMENTO PENAL 3. O ESTATUTO PENITENCIRIO 4. A COMISSO TCNICA DE CLASSIFICAO 4.1. Atribuies da Comisso Tcnica de Classificao 4.1.1. Atribuies gerais 5. O CONSELHO DISCIPLINAR 6. O CONSELHO DE RECLASSIFICAO E TRATAMENTO 7. O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO E O REGIME DE ADEQUAO AO TRATAMENTO PENAL II - DO ATENDIMENTO TCNICO 1. A PSICOLOGIA NO SISTEMA PENITENCIRIO 1.1. Breve histrico 1.2. Psiclogo jurdico x Psiclogo clnico 1.3. Da sistematizao das prticas do psiclogo no sistema penitencirio 1.4. Procedimento dos psiclogos no sistema penitencirio do Paran 1.4.1. Entrevistas psicolgicas 1.4.2. As diversas finalidades das entrevistas e a sua aplicao nos diferentes regimes 1.4.2.1. No Centro de Observao Criminolgica e Triagem, nas unidades do interior do estado (porta de entrada) e nos patronatos 1.4.2.2. Nas unidades de regime fechado, semiaberto e aberto 1.4.2.3. Nas unidades de regime fechado e semiaberto 1.4.3. Grupos 1.4.4. Tipos de grupos e sua aplicao nos diferentes regimes 1.4.4.1. No Centro de Observao Criminolgica e Triagem, nas unidades do interior do estado (porta de entrada) 1.4.4.2. Nas unidades de regime fechado e semiaberto e aberto 1.4.4.3. Nas unidades de regime fechado e semiaberto 1.4.4.4. Nas unidades femininas de regime fechado e semiaberto 1.4.4.5. Nas unidades de regime semiaberto 1.4.4.6. Outros grupos 1.4.4.7. Recursos utilizados nos diversos tipos de grupo 1.4.5. Nas unidades de regime fechado, semiaberto e aberto 1.4.6. Avaliao Tcnica Psicolgica 1.4.6.1. Informaes para a avaliao psicolgica 1.4.6.2. Instrumento de apoio para a avaliao psicolgica 1.4.7. Elaborao de laudos-percia realizados no Complexo Mdico Penal 1.4.7.1. Objetivos da percia no direito penal

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1.4.7.2. Passos importantes para a realizao de uma percia 1.4.7.3. Formatao do laudo 1.4.7.4. Exemplos de laudos 1.4.8. A psicologia e a Comisso Tcnica de Classificao 2. O SERVIO SOCIAL NO SISTEMA PENITENCIRIO 2.1. Procedimentos dos assistentes sociais no sistema penitencirio 2.1.1. Procedimentos para o atendimento do preso no Centro de Observao Criminolgica e Triagem-COT 2.1.2. Procedimentos para o atendimento do preso em regime fechado e semiaberto 2.1.3. Procedimentos relacionados documentao do preso 2.1.4. Algumas instrues junto aos familiares do preso 2.1.5. Procedimentos para o credenciamento de visitas 2.1.6. Procedimentos para a assistncia religiosa 2.1.7. Procedimentos para o desenvolvimento de atividades relativas recreao 2.1.8. Procedimentos para o atendimento do preso no Complexo Mdico Penal- CMP 2.1.9. O sentenciado no regime aberto 2.1.9.1. Atendimentos realizados pelo setor de Servio Social 2.1.9.2. Os programas de tratamento penal 2.2. A Comisso Tcnica de Classificao e o servio social 2.3. A avaliao tcnica 2.3.1. Informe social 2.3.2. Avaliao social 2.3.3. Parecer social 2.4. Portarias e normatizaes do DEPEN 3. A ASSISTNCIA EDUCACIONAL NO SISTEMA PENITENCIRIO 3.1. Consideraes gerais 3.2. A assistncia educacional no sistema penitencirio do Paran 3.2.1. Educao formal 3.2.2. Educao profissional 3.2.3. Educao social 3.3. As atividades orgnicas no sistema penitencirio do Paran 3.3.1. Conselho Disciplinar 3.3.2. Comisso Tcnica de Classificao 3.3.3. Parecer especfico do Complexo Mdico Penal 3.3.4. Parecer para benefcios 3.3.5. Avaliao tcnica 3.3.6. Entrevista de triagem 3.3.7. Alimentao do SPR 3.3.8. Atividade de grupo 3.4. Atribuies da Diviso de Educao 3.4.1. O setor de educao e de capacitao profissional de uma unidade penal e as suas atribuies 3.4.2. As atividades de educao formal 3.4.3. As atividades extracurriculares

51 51 52 60 61 62 62 63 66 68 69 69 69 69 73 73 74 75 75 75 76 76 77 77 77 78 79 81 82 82 82 82 83 83 83 84 84 84 85 86 87 89

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3.4.4. As atividades orgnicas 3.4.4.1. No regime fechado e semiaberto feminino 3.4.4.2. No regime semiaberto 3.4.4.3. No Complexo Mdico Penal CMP 3.4.4.4. No regime aberto 4. A CAPACITAO PROFISSIONAL NO SISTEMA PENITENCIRIO 4.1. Breve histrico 4.2. Algumas consideraes sobre a origem do sistema prisional 4.3. O desafio da profissionalizao no sistema prisional no sculo XXI 4.4. Objetivos da capacitao profissional 4.5. Perfil dos presos 4.6. Caractersticas do Programa 4.7. Metodologia 4.8. rgos financiadores do Programa 4.8.1. Fundo Penitencirio DEPEN/SEJU 4.8.2. Fundo de Amparo ao Trabalhador FAT 4.8.3. Ministrio da Justia 4.8.4. Atribuies dos rgos envolvidos no Programa 4.8.4.1. Secretaria do Estado da Justia e da Cidadania/Departamento Penitencirio (SEJU/DEPEN) 4.8.4.2. Secretaria de Estado de Educao/Superintendncia de Educao (SEED/SUED) 4.8.4.3. Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoo Social/ Coordenao de Capacitao Profissional (SETP) 4.8.4.4. Entidades executoras de servio na rea de capacitao profissional 4.9. Operacionalizao do Programa Atribuies 4.9.1. Atribuies da Diviso de Educao DIED 4.9.2. Atribuies da direo da unidade 4.9.3. Atribuies do setor de educao e capacitao profissional da unidade penal 4.9.4. Atribuies da chefia de segurana 4.9.5. Atribuies da diviso de ocupao e qualificao 4.9.6. Atribuies do preso-aluno 4.9.7. Atribuies do instrutor do curso de capacitao profissional 4.9.8. Patronatos e Pr-egressos 4.10. Papel das entidades envolvidas no Programa 4.11. Normas de conduta 5. O TRABALHO NO SISTEMA PENITENCIRIO 5.1. As atribuies da DIPRO 5.2. Gesto de convnios 5.2.1. Convnios para canteiros de trabalho com atividades internas 5.2.2. Convnios para canteiros de trabalho com atividades externas 5.3. Implantao de empresa no sistema penitencirio 5.4. Arrecadao das taxas 5.5. Pagamento ao Preso 5.5.1. Pagamento de preso implantado em canteiros prprios

89 90 91 91 91 92 92 93 94 95 95 96 96 96 96 97 97 97 97 97 97 97 98 98 99 99 100 101 101 101 102 102 102 104 104 105 105 105 105 106 107 107

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5.5.2. Pagamento de preso implantado em canteiros de empresa cooperada 5.6. Gesto de Canteiros 5.6.1. Prprios 5.6.2. Comunitrios 5.7 As atividades desenvolvidas pela DIPRO e suas interfaces com as unidades penais 5.7.1 Com relao ao funcionamento da Diviso de Ocupao e Qualificao DIOQ 5.8. Com relao ao processo de implantar e desimplantar preso em canteiro de trabalho 5.9. Com relao carga horria de trabalho do preso 5.10. Com relao alimentao dos dados 5.11. Com relao aos cursos profissionalizantes e treinamento do preso para o trabalho 5.12. Com relao compra de material para os canteiros de trabalho 5.13. Com relao ao preenchimento das informaes 6. A JURDICA NO SISTEMA PENITENCIRIO 6.1. Atribuies da Diviso Jurdica 6.2. Interface entre o trabalho da Diviso Jurdica e as unidades penais 6.3. Procedimentos do setor Jurdico 6.3.1. Procedimentos relacionados s diversas condies do preso quando de seu ingresso no sistema penitencirio 6.3.1.1. Preso provisrio 6.3.1.2. Preso condenado sem o trnsito em julgado da sentena condenatria 6.3.1.3. Preso condenado com o trnsito em julgado da sentena condenatria 6.3.2. Procedimentos relacionados ao ingresso do preso na unidade penal 6.3.3. Procedimentos relacionados aos benefcios 6.3.3.1. Requisito objetivo 6.3.3.2. Requisito subjetivo 6.3.3.3. Progresso de regime fechado para o semiaberto 6.3.3.4. Progresso de regime semiaberto para o aberto 6.3.4. Procedimentos relacionados regresso 6.3.5. Procedimentos relacionados ao livramento condicional 6.3.6. Procedimentos relacionados ao decreto presidencial 6.3.6.1. Indulto 6.3.6.2. Indulto humanitrio 6.3.6.3. Comutao de pena 6.3.6.3.1. Documentos necessrios para instruir pedidos de Indulto e comutao de pena 6.3.7. Procedimentos relacionados detrao 6.3.8. Procedimentos relacionados unificao da pena( em decorrncia de crime continuado) 6.3.9. Procedimentos relacionados remio 6.3.10. Procedimentos relacionados ao habeas corpus

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6.3.11. Procedimentos relacionados ao agravo 6.3.12. Procedimentos relacionados s sadas temporrias 6.3.13. Procedimentos relacionados ao alvar de soltura 6.3.14. Procedimentos relacionados medida de segurana 6.3.14.1. Ambulatorial 6.3.14.2. Detentiva 6.3.15. Procedimentos relacionados ao preso estrangeiro 6.3.16. Procedimentos relacionados ao mbito administrativo 6.3.16.1. Da transferncia do preso 6.3.16.2. Da defesa em procedimento disciplinar 6.3.16.3. Da Comisso Tcnica de Classificao 6.4. rgos Vinculados Execuo Penal 6.4.1. Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria 6.4.2. Conselho Penitencirio 6.4.3. Ministrio Pblico 6.4.4. As Varas de Execues Penais 6.4.4.1. Setor de registro e autuao 6.4.4.2. Setor de atualizao de relatrio 6.4.4.3. Setor de certides 6.4.4.4. Setor de cumprimento de despacho 6.4.4.5. Setor de juntada 6.4.4.6. Setor de registro de sentena

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I - O TRATAMENTO PENAL E AS SUAS INTERFACES

1. ABORDAGEM DO CONCEITO DE TRATAMENTO PENALMuitos so os sentidos, significados e significantes para o termo tratamento. Para as cincias mdicas, e tambm no mbito da psicologia, tratar nos remete procura da remoo de um sintoma ou de uma doena a ele relacionada. No entanto, numa concepo mais genrica, no senso comum, na linguagem coloquial, a noo de tratamento pode implicar o julgamento, quase sempre subjetivo, que emerge das diversas relaes interpessoais: ser bem ou mal tratado pela me, pai, marido, esposa, filho, amigo, chefe, vizinho, irmo, famlia, professor etc. Temos ainda um sentido mais abstrato, como tratar de determinado assunto, especular a respeito de. O presente texto, por exemplo, prope-se a tratar do conceito de tratamento penal. Pois bem, palavra tratamento uma outra foi adicionada: penal. Qual o sentido dessa ltima? Refere-se aplicao da pena, execuo da pena ou a ambas? importante fazermos essa pergunta, uma vez que, no contexto penitencirio, o termo tratamento penal tem sido relacionado apenas execuo da pena, embora tenhamos conhecimento de que esse mesmo termo aplica-se tambm forma de punir determinado delito, ou seja, aplicao da pena. Devemos lembrar, portanto, que antes mesmo da execuo da pena, o preso1 recebeu determinado tratamento penal, em funo do delito que cometera, das circunstncias do delito, dos antecedentes criminais, e at mesmo em funo de fatores relacionados ao seu comportamento social e a sua personalidade. Segundo o Cdigo Penal Brasileiro, nenhum ato pode ser considerado crime sem que haja uma lei anterior que assim o classifique, o que equivale a dizer que determinado ato receber, na lei, o tratamento penal a ele correspondente. Essa primeira etapa do tratamento penal ou da individualizao da pena, presente no Cdigo Penal em vigor, denominada de individualizao legal ou legislativa ou ainda criminalizao primria. Entretanto, o Cdigo Penal no absolutamente estanque, situa-se no plano abstrato-normativo e permite uma certa elastici1

O termo preso ou o termo interno neste documento ser adotado, em diversas referncias, sem distino de gnero ou nmero, ou seja, conforme o contexto pode referir-se a preso/presa, presos/presas; interno/interna, internos/internas.

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dade que confere ao juiz os limites legais a serem observados no momento do estabelecimento da resposta penal a ser aplicada no caso concreto (Cunha, 2006). Aqui entra a segunda etapa do tratamento penal, denominada de individualizao penal ou judiciria ou ainda criminalizao secundria, que leva em conta, alm das circunstncias e consequncias do ato ilcito, a conduta social do autor, seus antecedentes e sua personalidade. Ela imposta pelo juiz no momento da sentena, de acordo com as cominadas previstas no artigo 59 do Cdigo Penal Brasileiro2. E, finalmente, o que chamamos de tratamento penal no mbito da execuo penal corresponde terceira etapa da individualizao da pena, conhecida como individualizao executiva ou executria. Nas definies acima, observamos que os termos tratamento penal e individualizao da pena caminham juntos e at se confundem, mas pretendemos, num outro momento, diferenci-los. Quando nos referimos ao tratamento penal na execuo da pena, muitas vezes, fica a subentendido o sentido de tratamento herdado das cincias mdicas, como se o preso fosse portador de alguma doena, cujo sintoma seria a prtica do ato ilcito. Desta forma, os chamados elementos do tratamento penal, como o trabalho, estudo, disciplina, entre outros, so tidos como remdios para a eliminao do sintoma. Por outro lado, a noo de tratamento no sentido mais amplo, aquela do senso comum, que emerge das diversas relaes interpessoais, parece no ser levada em conta no contexto penitencirio. Ao contrrio, parece ser estipulado e aceito que o preso no deva ser bem tratado. Nesses casos, os prprios elementos relacionados ao tratamento penal executivo, como as assistncias mdicas, pedaggicas etc, so questionados por alguns funcionrios do sistema penitencirio, e, tambm, por alguns membros da populao no carcerria, que alegam, eles prprios, cidados cumpridores da lei, no receberem a mesma assistncia que o Estado dedica aos criminosos. Na maioria das vezes, esse discurso est associado ao questionamento da eficcia da priso como meio de recuperao dos que l se encontram. Esses entendimentos negativos acerca do tratamento penal na execuo da pena e os questionamentos sobre sua eficcia, s vezes atribudos m vontade e/ou preconceito em relao populao carcerria, na verdade refletem a ambiguidade presente nas concepes acerca da finalidade da imputao da pena. A transio da imputao da pena com a finalidade de punio para a2 Fixao da pena Art. 59 O juiz, atendendo culpabilidade, aos antecedentes, conduta social, personalidade do agente, aos motivos, s circunstncias e consequncias do crime, bem como ao comportamento da vtima, estabelecer, conforme seja necessrio e suficiente para reprovao e preveno do crime (Alterado pela L-007.209-1984).

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imputao da pena com a finalidade de recuperao e reintegrao do apenado, ao mesmo tempo em que impe a ideia de tratamento penal com o sentido de cura, tambm deixa rastros da noo retribucionista a retribuio do mal pelo mal - presente na concepo da punio. Portanto, para que evitemos equvocos ao abordarmos a questo do tratamento penal, faz-se necessrio um breve passeio pela histria da concepo de crime e de criminoso, bem como das finalidades da imputao da pena atreladas a essas concepes. O breve passeio tem como roteiro um resumo das trs principais escolas que fundamentam a criminologia: a Escola Clssica, a Escola Positiva e a Escola Moderna Alem. Para a Escola Clssica, o crime concebido como uma escolha do sujeito que, portador de livre arbtrio, rompera o pacto social e deve ser punido por isso. No interessa aqui a etiologia do delito, o que importa para os clssicos a concepo do crime como consequncia da livre e consciente vontade do autor, que deve ser castigado por seu comportamento. As teorias que subsidiam a Escola Clssica so chamadas de absolutistas ou retributivistas, e, em ltima anlise, pregam a retribuio do mal (crime), por outro mal equivalente (pena). A Escola Clssica tem em Cesare Beccaria o seu principal precursor e Francesco Carrara um de seus mais importantes adeptos, os quais podem ser consultados para um aprofundamento dessa concepo da pena e de sua finalidade retribucionista. com a Escola Positiva que a noo de recuperao do criminoso, como uma das finalidades da pena, se impe. Nomes conhecidos como Lombroso e Ferri so os precursores dessa Escola, que questiona a concepo do sujeito criminoso como portador de livre arbtrio; questiona, portanto, o ato de crime como uma opo, como uma escolha, e em contrapartida argumenta ser o crime um fenmeno natural e social. Para essa Escola o criminoso seria psicologicamente um anormal, seja de forma temporria ou permanente, da a ideia de tratamento para a recuperao do criminoso. Tratamento aqui com tudo o que esse termo traz do contexto mdico. Por ltimo, a Escola Moderna Alem que, atualmente, norteia o direito penal no Brasil, apoiada por Durkheim e chamada, por alguns estudiosos, de utilitarista, prega a preveno como a principal finalidade da pena. A preveno aqui entendida no apenas no sentido de evitar que o criminoso venha a cometer novos delitos, mas tambm que outros membros da sociedade venham a comet-los. Temos, ento, dois tipos de preveno: a geral, voltada para a comunidade como um todo, e a especial, voltada para o autor do ato ilcito. A preveno geral tem

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como estratgias a intimidao (veja o que pode acontecer se voc cometer um crime) e a integrao, que visa manuteno da fidelidade ordem jurdica, e esto relacionadas s duas primeiras fases da individualizao da pena: as fases legislativa e judicial. J a preveno especial, voltada para o autor do delito, para que este no volte a praticar atos ilcitos, refere-se terceira fase da individualizao da pena e , em ltima anlise, a proposta da Lei de Execuo Penal LEP. Podemos assim inferir que, pelo menos em tese, a Lei de Execuo Penal tem como meta no a recuperao de um ser doente, como prope a Escola Positiva, mas a integrao social do preso. E, nesse caso, o termo integrao bastante oportuno, uma vez que se refere expectativa de que o egresso do sistema penitencirio passe a agir com fidelidade ordem jurdica. No entanto, a funo de preveno geral da pena, cuja operacionalizao ocorre na fase legislativa e judiciria, embora norteada pela Escola Moderna Alem, no abandona totalmente os pressupostos retributivistas, tampouco os contidos na Escola Positivista. Isso porque, segundo Leonardo Rosa Melo Cunha, o legislador penal brasileiro adotou o que se chama teoria ecltica unificadora, que tenta, paradoxalmente, contemplar as trs escolas aqui citadas, o que se expressa no artigo 59 do Cdigo Penal. Entre outras questes, essas contradies, essas incoerncias entre o Cdigo Penal e a Lei de Execuo Penal resultam no emaranhado em que ns, operadores do tratamento penal executivo, nos encontramos. Emaranhado que se reflete nos diversos termos por ns adotados quando nos referimos aos objetivos do tratamento penal. Ora nosso objetivo ressocializar, ora recuperar, ora reintegrar e, por que no, ora punir. No entanto, se quisermos ser coerentes com a Lei de Execuo Penal, j que na execuo da pena que atuamos, o termo mais apropriado dispensa o prefixo re. O termo mais apropriado para definir o objetivo de nossa atuao no mbito da execuo penal simplesmente promover a integrao social, como veremos na abordagem mais detalhada da LEP.

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2. A LEI DE EXECUO PENAL E O TRATAMENTO PENALA Lei de Execuo Penal brasileira surge, em seu formato final, em 1984. Tendo pegado carona com a elaborao da grande reforma da parte geral do Cdigo Penal de 1940, antecipa-se Constituio da Repblica de 1988, que, por sua vez, vem a reboque de todos os movimentos polticos e sociais que caracterizaram a reconstruo democrtica no pas. , portanto, uma lei jovem, se pensarmos que o Cdigo Penal de 1940, mesmo tendo passado por significativas transformaes, vigora ainda hoje. Cunha (2006) alega que o surgimento tardio da LEP reflete a negligncia dos estudiosos do direito em relao populao carcerria, negligncia que se reflete na maioria dos cursos de Direito no Brasil, cujas grades curriculares no incluem a execuo penal como disciplina obrigatria. No entanto, desde 1933, vrios projetos para uma codificao prpria para a execuo penal foram elaborados, sem, contudo, entrarem em vigor. Irm caula da Lei 7.209/84, a da reforma da parte geral do Cdigo Penal de 1940, e batizada como Lei 7.210/84, com data de nascimento em 11 de julho de 1984, o maior mrito da LEP foi introduzir, na execuo penal, o princpio da legalidade, impondo ao juiz a posio de garantidor dos direitos fundamentais dos condenados. A Lei de Execuo Penal logra estabelecer, entre o condenado e o Estado, uma relao de direitos e deveres bilaterais. Para tanto, conta com 204 artigos, sendo que o primeiro deles trata justamente do objetivo da execuo penal, ou finalidade da pena. Para a LEP, a execuo penal tem por objetivo no s efetivar as disposies de sentena ou deciso criminal, mas, tambm, proporcionar condies para a harmnica integrao social do condenado e do internado. Para alcanar tal objetivo, a LEP estabelece que o Estado deve recorrer cooperao da comunidade na execuo penal. Na Exposio de Motivos da Lei, o item 24 argumenta que nenhum programa destinado a enfrentar os problemas referentes ao delito, ao delinquente e pena se completaria sem o indispensvel e contnuo apoio comunitrio, o que, infelizmente, raramente ocorre. Para Marcondes (2001), a LEP evidencia a presena de postulados da Nova Defesa Social, movimento de poltica criminal de inspirao humanista, que busca em outras escolas ensinamentos que lhe sejam convenientes e descarta os que no so adequados a seus objetivos. Para esse movimento, a sociedade s defendida se o cumprimento da pena proporcionar a adaptao do condenado ao meio social. Marcondes elenca trs motivos que conferem ao movimento da Nova Defesa Social aspectos essencialmente humanitrios:

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a) funda-se no conhecimento e na apreciao do delinquente; b) refuta a idia da proteo da sociedade com o sacrifcio do indivduo, mesmo que se trate de criminoso, procurando, isto sim, a ressocializao dessa pessoa humana, cuja ao se processa em vista de sua personalidade; e c) busca a individualizao judiciria e executria da pena privativa de liberdade, mediante a observao, classificao e ressocializao, esta por medidas assistenciais, sempre tendo em conta o respeito dignidade humana.

Acrescenta ainda que:No aceita o determinismo positivista, no admite que se negue, a priori, o livre arbtrio e a responsabilidade, rechaa o enfoque atribudo criminalidade, em vista apenas da preveno da sociedade, nega a adoo somente do mtodo experimental dos fenmenos e no admite a considerao do ser humano como objeto. 3 (p. 69)

J Miguel Reale Junior (1983), um dos idealizadores da Lei de Execuo Penal, afirma que em sua elaborao foi adotadauma postura realista, sem ortodoxia e comprometimentos tericos, instaurando-se um realismo humanista, que v a pena como reprimenda; que busca harmonizar o Direito Penal recorrendo a novas medidas que no o encarceramento; que pretende fazer da execuo da pena a oportunidade para sugerir e suscitar valores, facilitando a resoluo de conflitos pessoais do condenado, mas sem a presuno de transformar cientificamente sua personalidade. 4

Como podemos observar, ambos concordam que a LEP surge com o propsito de humanizar o sistema penitencirio. E, no Paran, o Governo do Estado antecipa-se e prepara-se para a implantao da lei com o Projeto de Humanizao do sistema penitencirio, que, no incio do ano de 1984, por meio de uma parceria entre a Secretaria de Estado da Sade e a Secretaria de Estado da Justia, seleciona uma equipe multidisciplinar para a execuo do Projeto. No entanto, vale relembrar que no ano de 1978, o ento secretrio de Estado da Justia, Tlio Vargas, tambm instituiu a contratao de tcnicos para o atendimento de presos do sistema penitencirio, o que revela mais um aspecto de vanguarda em relao proposta de tratamento penal.

3 Marcondes, P. Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Penal da Universidade Estadual de Maring, 2001, p.69. 4

Reale Junior, M. Novos Rumos do Sistema Criminal. Rio de Janeiro: Forense. 1983.p. 48.

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Na LEP, as atividades mais diretamente relacionadas individualizao da pena e ao tratamento penal encontram-se distribudas entre os art. 5 e 37. Devemos observar, no entanto, que na redao da LEP, no foi utilizado o termo tratamento, e sim o termo assistncia. Mas, se tivermos em mente as consideraes feitas na abordagem do conceito de tratamento penal, e os compararmos com os postulados do movimento da Nova Defesa Social, recm-visitados neste texto, poderemos entender os motivos que levaram os legisladores brasileiros a adotarem, na Lei de Execuo Penal, o termo assistncia (art. 10 a 27) e no o termo tratamento, j que este ltimo poderia estar contaminado pela concepo estritamente positivista da pena. A LEP prev, no art. 10, a assistncia ao preso, objetivando prevenir o crime5 e orientar o retorno sociedade. Encontramos aqui a finalidade preventiva da pena, como j anunciada anteriormente. O artigo 11 aborda as reas nas quais o preso deve receber assistncia: rea de sade, rea jurdica, educacional, social, religiosa, alm da assistncia material. Curiosamente, a LEP no prev a assistncia psicolgica, embora determine a presena do profissional de psicologia para atuar na Comisso Tcnica de Classificao (art. 7). Poderamos inferir que a assistncia psicolgica estaria implcita na assistncia sade. Mas no. Por assistncia sade entendem-se atendimentos mdico, farmacutico e odontolgico (art. 14). No entanto, nas Regras Mnimas para Tratamento do preso no Brasil, publicada no Dirio Oficial da Unio em 02 de dezembro de 1994, dez anos depois da LEP, a assistncia psicolgica includa nos servios de sade e assistncia sanitria. Se a Lei de Execuo Penal, como dissemos no incio, logra estabelecer, entre o condenado e o Estado, uma relao de direitos e deveres bilaterais, temos, como principais direitos do preso, as diversas modalidades de assistncia, o contato com o mundo externo, entre outros previstos no art. 41 da LEP; e como deveres, o cumprimento das regras e normas disciplinares que garantem a segurana do estabelecimento penal, art. 38 e 39. No entanto, h certa ambiguidade quanto ao entendimento dos direitos, que so, em ltima anlise, os elementos do tratamento penal, que leva a entend-los como dever. A pergunta que se faz refere-se obrigatoriedade ou no do preso submeter-se ao tratamento oferecido, o que equivale a questionar: o tratamento um direito ou um dever? Segundo Marcondes (2001), o tratamento penitencirio ressocializador, de natureza assistencial, deve ser concebido como uma assistncia ao preso, para que ele5

Grifo nosso.

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ajude a si prprio, e somente pode ser realizado com o consentimento esclarecido do condenado.6 A mesma interpretao defendida por Anabela Miranda Rodrigues, que alega que a imposio de um tratamento compulsrio desrespeita os direitos fundamentais do recluso, entre eles, o direito de no ser tratado, j que a imposio implicaria na infantilizao do preso, sendo, portanto, uma medida dessocializadora a ser evitada. Assim, o tratamento penal oferecido ao recluso deve se entendido no como um dever que lhe possa ser imposto coativamente, caso em que sempre se abriria a via de uma qualquer manipulao sobre a personalidade amplificada na hiptese em que o tratamento afetasse a sua conscincia ou sua escala de valores. 7 Essas discusses so importantes, uma vez que, por um lado, aponta para um paradoxo da LEP, e, por outro, interfere diretamente nas prticas dos operadores da execuo penal, mais especificamente quelas relacionadas com a elaborao dos pareceres tcnicos, que levam em conta a resposta do preso ao tratamento penal, assunto que ser abordado em item especfico neste caderno. De qualquer forma, essa questo aponta para um paradoxo da LEP, na medida em que, como vimos, tem como subsdios dogmas das teorias socializadoras, cujas premissas consideram o recluso como sujeito da execuo da pena e no objeto desta, ao mesmo tempo em que condiciona a progresso de regime adaptao do preso disciplina, art. 112, e, embora subliminarmente, adaptao ao tratamento penal. Finalmente, podemos concluir que, apesar das crticas a ela destinadas, tanto pelos adeptos do Direito Penal total, quanto pelos adeptos do Direito Penal mnimo, a LEP representa a entrada do sistema penitencirio brasileiro, ao menos em tese, para a era moderna, cuja barbrie anterior a ela, se ainda sobrevive, est prestes a definhar. A LEP representa o contrato social no interior da instituio penal, nem sempre respeitado como sabemos, mas, uma vez legislado, abre a possibilidade de denncias e interferncias para faz-la se impor. claro que a anlise da LEP no se esgota neste texto, e no caderno que ora apresentamos. Retornaremos a ela ao abordarmos as especificidades inerentes a cada rea do tratamento penal.

6 Marcondes, P. Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Penal da Universidade Estadual de Maring, 2001. p. 132. 7 Miranda, A. R. A Determinao da Medida da Pena Privativa de Liberdade Os Critrios da Culpa e da Preveno. Coimbra Editora, 1995. p. 59

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3. O ESTATUTO PENITENCIRIO DO ESTADO DO PARANO primeiro Estatuto Penitencirio do Paran foi elaborado em 1973, quando era secretrio de Estado de Interior e Justia o procurador Mrio Faraco. Esse Estatuto j continha as principais diretrizes para a assistncia ao preso no Brasil que, posteriormente, em 1984, foram preconizadas pela Lei de Execuo Penal. Em 1995, atravs do decreto 1276, torna-se pblico pelo Dirio Oficial 4625 de 31 de outubro daquele ano, o segundo e atual Estatuto Penitencirio do Estado do Paran. Para a elaborao desse ltimo, foi instituda, no mbito da Secretaria de Estado da Justia e da Cidadania, pelo ento secretrio e procurador de justia, Ronaldo Antonio Botelho, uma comisso responsvel pela realizao de estudos que pudessem orientar a reviso e atualizao do Estatuto anterior e proceder elaborao do atual. Essa comisso foi presidida pelo ento juiz do Tribunal de Alada, Jair Ramos Braga, e integrada pelos senhores Felix Fisher (procurador de justia), Mauricio Kuehne (promotor de justia), Cezinando Vieira Paredes, poca subcoordenador do sistema penitencirio, e Peter Andr Ferenczy (defensor pblico), e secretariada pela servidora pblica Zelma Zampieri. Composto por quatro captulos e oitenta e nove artigos, o Estatuto Penitencirio do Estado do Paran, alm de reforar e regulamentar a aplicao da Lei de Execuo Penal no Estado do Paran, a complementa, j que leva em conta tambm as regras recomendadas pela Organizao das Naes Unidas (ONU) e pelo Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria CNPCP. Insere, por exemplo, a assistncia psicolgica, no prevista na Lei de Execuo Penal, e estabelece, com detalhes, os atos considerados como faltas disciplinares leves e mdias e as sanes a elas correspondentes. Em maro de 1996, por iniciativa do secretrio da Justia, Edson Luiz Vidal Pinto, um grande nmero de exemplares do Estatuto publicado e distribudo em todas as unidades penais do Paran, proporcionando aos servidores penitencirios um guia para que a justia e as prerrogativas constitucionais norteiem o exerccio de sua profisso.

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4. A COMISSO TCNICA DE CLASSIFICAOInstituda pelo artigo 6 da LEP, a Comisso Tcnica de Classificao (CTC) a responsvel pela elaborao do programa para a individualizao da pena e indicao do tratamento penal adequado a cada preso. Para tanto, deve contar com uma equipe multidisciplinar composta, no mnimo, por psiquiatra, psiclogo e assistente social. Embora no haja previso legal, a fim de dar uma maior abrangncia a essa Comisso, profissionais de pedagogia, terapia ocupacional e setor de segurana, tambm participam das reunies. Todos os participantes da CTC, bem como seus suplentes, so designados para comp-la atravs de portaria especfica do Departamento Penitencirio. Para proceder chamada classificao do preso, os membros da CTC devem, alm de examin-lo diretamente, obter o maior nmero de informaes possveis a seu respeito. As informaes contidas no pronturio devem estar sempre s mos, e outras podero ser obtidas atravs de entrevistas com pessoas da famlia ou da comunidade e/ou atravs de solicitaes de dados e informaes de instituies pelas quais o condenado eventualmente tenha passado. imprescindvel que o pronturio contenha a carta de guia e a cpia de sentena para que os profissionais das diversas reas tcnicas possam analisar as informaes ali obtidas e compar-las com as emitidas pelo preso. Cada rea tcnica envolvida na classificao buscar as informaes especficas a sua rea e deve, para tanto, acessar o Sistema de Informaes Penitencirias o SPR. O conjunto destes procedimentos denominado de exame criminolgico, e tem por objetivo traar um perfil do preso segundo seus antecedentes e caractersticas de personalidade. A partir desse perfil, indica-se o tratamento penal adequado na execuo da pena, e, posteriormente, se solicitado pelo juiz, subsidia-se a deciso judicial em relao s chamadas progresses e regresses do regime de cumprimento da pena. At o ano de 2003, a progresso de regime, prevista no art. 112 da LEP8, estava condicionada a um parecer da CTC. No entanto, a lei n 10.792 de 1/12/2003 altera a redao do art. 112 e, o que antes era definido como mrito, agora aparece como bom comportamento carcerrio. E, se antes a deciso era motivada e precedida

8 Art. 112. A pena privativa de liberdade ser executada em forma progressiva com a transferncia para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena em regime anterior e seu mrito indicar a progresso.

Pargrafo nico. A deciso ser motivada e precedida de parecer da Comisso Tcnica de Classificao e do exame criminolgico, quando necessrio.

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de parecer da CTC, agora motivada e precedida de manifestao do Ministrio Pblico e do defensor. 9 Essa alterao na LEP merece ateno na medida em que deixa explcita uma tendncia que vem se observando na questo da poltica penitenciria brasileira, em que, cada vez mais, constroem-se estabelecimentos penais com estruturas de segurana mxima (o que no , a priori, incompatvel com as aes de tratamento penal). Dessa forma, o que se prioriza o bom comportamento do preso, a disciplina. Mas, segundo discurso oficial, tal alterao, que foi precedida por quatro anos de discusso at a sua aprovao, fora motivada pelo questionamento das tcnicas e instrumentos que embasam a avaliao do preso, mais especificamente, das tcnicas utilizadas pelos profissionais da rea psi: psicologia e psiquiatria. A questo do exame criminolgico tem sido motivo de polmicas tanto entre os operadores da execuo da pena quanto entre os tericos de diversas reas que se propem a pensar a execuo penal. E, por outro lado, muitas vezes, motivo de pnico entre os condenados que buscam informaes sobre como passar no exame para a progresso de regime. Algumas crticas dirigidas ao exame criminolgico e classificao fundamentamse no forte vis positivista que tais procedimentos ostentam, o que implica numa coisificao do sujeito preso, que passa a ser objeto de estudo e anlise, como o era nas anlises de personalidades obtidas pela fisionomia e caractersticas fsicas lambrosianas. Outras alegam que as tcnicas de explorao do psiquismo podem no ser fidedignas, podendo ser burladas pelos examinandos. A mudana na lei gerou diferentes interpretaes acerca do exame. A nova redao determina que o preso tem direito progresso de regime depois de cumprir ao menos um sexto da pena do regime anterior e ostentar bom comportamento carcerrio, comprovado pelo diretor do estabelecimento penal. Como o novo texto no faz qualquer referncia ao exame criminolgico, muitos criminalistas enten-

9 Art. 112. A pena privativa de liberdade ser executada em forma progressiva com a transferncia para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerrio, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progresso. (Redao dada pela Lei n 10.792, de 1.12.2003)

1o A deciso ser sempre motivada e precedida de manifestao do Ministrio Pblico e do defensor. (Redao dada pela Lei n 10.792, de 1.12.2003) 2o Idntico procedimento ser adotado na concesso de livramento condicional, indulto e comutao de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes. (Includo pela Lei n 10.792, de 1.12.2003)

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deram que ele havia sido extinto. O Supremo Tribunal Federal STF, no entanto, decidiu que, apesar de a lei ter excludo o exame criminolgico, nada impede que os magistrados determinem sua realizao quando entenderem necessrio, considerando as peculiaridades do caso. Os ministros do STF entendem que o exame criminolgico constitui um instrumento necessrio para a formao da convico do magistrado. Ele deve ser realizado como forma de obter uma avaliao mais aprofundada acerca dos riscos de colocar um condenado em contato amplo com a sociedade. Consideram tambm que o exame no configura constrangimento por se tratar de uma avaliao feita por meio de entrevista, sem qualquer ofensa fsica ou moral. No entanto, na prtica, a alterao do art. 112 parece no ter entrado em vigor, j que os pareceres dos tcnicos que compem a CTC continuaram sendo solicitados pelos juzes e precedendo as suas decises. E, diante disto, por antecipao, os prprios advogados os solicitam para instruir os pedidos de benefcios. Portanto, os exames criminolgicos no lograram ser extintos. O que se observa so pequenas mudanas formais, entre elas, a denominao de avaliao tcnica e no de exame criminolgico, e a facultatividade da posio conclusiva no que concerne a explicitar se o avaliando encontra-se apto ou no ao benefcio pleiteado. Assim, temos uma entrevista preliminar, com pareceres tcnicos quando da chegada do preso na unidade penal, para fins de classificao e individualizao da pena e um exame criminolgico final, quando da possibilidade de sada do preso para o cumprimento da pena em um regime mais brando (progresso de regime). A entrevista de triagem deve ser realizada pela Comisso Tcnica de Classificao do Centro de Observao e Triagem (COT) e encaminhado s CTCs das unidades penais em que o preso cumprir sua pena para que sejam efetivadas as orientaes sugeridas no referido exame e se processe a individualizao da pena e o tratamento penal. Entretanto, quando isso no for possvel, tal entrevista deve ficar a cargo das CTCs de cada estabelecimento penal. Essa entrevista tem por objetivo identificar, no incio do cumprimento da pena, as mltiplas causas que, na histria dos indivduos, constituram fatores geradores da conduta delituosa, traando, assim, um perfil sociopsicolgico com vistas ao tratamento penitencirio, e, por ocasio do livramento condicional ou progresso de regime, permitir a avaliao das mudanas ocorridas ao longo da pena no sentido de sua superao, apontando ao juiz da Vara de Execues Penais um prognstico quanto a um possvel retorno ou no delinquncia.

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4.1. Atribuies da Comisso Tcnica de Classificao Seguem algumas atribuies gerais da Comisso Tcnica de Classificao. As atribuies especficas dos setores de psicologia, servio social, pedagogia e terapia ocupacional encontram-se nas partes dedicadas a cada uma destas reas de atuao. 4.1.1. Atribuies Gerais a) Buscar, no pronturio do preso, os tipos de delitos cometidos e suas circunstncias, as penas recebidas, o tempo j cumprido, os eventuais benefcios concedidos, o cumprimento ou no das condies impostas nos benefcios, bem como o cometimento ou no de faltas disciplinares nas unidades penais de origem e os motivos dessas faltas; b) tomar conhecimento dos dados contidos nas entrevistas preliminares; c) comparar as informaes obtidas no pronturio com os dados contidos nas entrevistas; d) pesquisar e anotar as informaes obtidas nas diversas avaliaes tcnicas a que o preso tenha se submetido; e) buscar informaes sobre os acompanhamentos tcnicos realizados com o preso; f) proceder anlise de desempenho do preso quando de sua participao nos programas de sade, educao, cursos profissionalizantes, canteiros de trabalho, entre outros; g) buscar a troca de informaes entre as diversas reas profissionais que compem a CTC; h) identificar no preso possveis efeitos da prisionizao.

5. O CONSELHO DISCIPLINARO captulo IV da Lei de Execuo Penal trata dos deveres, dos direitos e da disciplina dos presos. Como deveres, previstos nos artigos 38 e 39 da Lei, constam, entre outros, o comportamento disciplinado; a obedincia ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se; a urbanidade e respeito no trato com os demais condenados; a conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subverso ordem ou disciplina; a execuo do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; a higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento; a conservao dos objetos de uso pessoal e a submisso sano disciplinar imposta.

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O artigo 47 estabelece que o poder disciplinar, na execuo da pena privativa de liberdade, ser exercido pela autoridade administrativa conforme as disposies regulamentares. No Paran essas disposies regulamentares encontram-se no Estatuto Penitencirio que, em seu artigo 67, prev a existncia de um Conselho Disciplinar em cada estabelecimento penal. O Conselho Disciplinar deve ser presidido pelo diretor da unidade penal e composto por um secretrio, um defensor e quatro tcnicos: um psiclogo, um assistente social, um profissional da laborterapia e um da pedagogia. Se um preso no cumprir com o que na LEP est estabelecido como seu dever, ou se cometer uma ao que no condiz com as normas do estabelecimento penal em que se encontra, e for flagrado nessa ao, deve ser imediatamente encaminhado ao setor de inspetoria do estabelecimento para registro da ocorrncia. O comunicado da ocorrncia deve ser encaminhado ao diretor, que, por sua vez, o encaminha para o secretrio do Conselho Disciplinar. Cabe ao secretrio requisitar o pronturio individual do preso envolvido, obter o seu depoimento, do ofendido (se houver) e das testemunhas, para apresent-los aos membros do CD. Em reunio, aps ouvirem o relato do ocorrido, os depoimentos e a defesa, decidiro, atravs de votao, pela sano cabvel quele caso, ou pela absolvio. A sano depender da classificao da ocorrncia que, de acordo com a LEP (art. 49) e com o Estatuto Penitencirio (art. 60), pode ser classificada como falta leve, mdia ou grave. Para cada uma destas faltas existem quatro opes de sanes, para o caso de faltas leves e mdias, e trs para as faltas graves. Embora a LEP especifique os fatos e as sanes correspondentes s faltas graves, deixando para a legislao local a especificao para as leves e mdias, o Estatuto Penitencirio do Paran, em seu captulo III, dispe sobre todas elas. Assim, os membros do Conselho Disciplinar devem ter em mos o Estatuto e a LEP para subsidiar suas decises, que sero tomadas por maioria de votos. Somente os tcnicos e o diretor tm direito ao voto, o que implica em extrema responsabilidade aos tcnicos, uma vez que, sendo maioria em direito votao, praticamente so eles que tm o poder de deciso. Ser membro do Conselho Disciplinar confere ao tcnico um poder que deve ser exercido com cautela, uma vez que as decises ali tomadas podem interferir de modo direto na vida e no destino do preso. Para a aplicao das sanes disciplinares, segundo o artigo 57, da LEP, deve-se levar em conta a natureza, os motivos, as circunstncias e as consequncias do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de priso, ou seja, deve seguir os mesmos princpios da individualizao da pena. Buscando ser coerente e justo nesse processo, compete a cada tcnico, membro do Conselho Disciplinar, um estudo minucioso no s da situao que motivara o

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fato em si, mas tambm de todas as circunstncias que fizeram com que tal fato chegasse ao conhecimento do Conselho. Para tanto, o tcnico no pode se embasar apenas no comunicado e depoimentos apresentados pela secretaria do Conselho; ao contrrio, deve ele prprio proceder a entrevistas com os presos envolvidos, bem como consultar o pronturio, as pastas, o SPR e a que mais tiver acesso. Por outro lado, as entrevistas feitas com o preso, para fins de reunio do Conselho, podem e devem ultrapassar o mbito da investigao para alcanar o mbito do prprio tratamento penal, atravs de coleta de dados que possam auxiliar na dinmica da individualizao da pena e apontar para eventuais necessidades de encaminhamentos at ento no detectados.

6. O CONSELHO DE RECLASSIFICAO E TRATAMENTOInstitudo pelo artigo 82 do Estatuto Penitencirio do Paran, os membros do Conselho de Reclassificao e Tratamento CRT so nomeados anualmente pelo secretrio da Justia e da Cidadania e compreende, no mnimo, seis diretores de unidades penais e um defensor pblico. A proposta de nomeao parte da coordenao geral do Departamento Penitencirio que membro nato e seu presidente. Cabe ao Conselho de Reclassificao e Tratamento a reabilitao das faltas disciplinares quando graves, sendo que o pedido de reabilitao dever ser requerido pelo preso ou por seu procurador, e instrudo com a cpia dos dados gerais e da ficha de comportamento carcerrio (artigo 80, 1 e 2). Conforme o artigo 81 do Estatuto PenitencirioOs pedidos de reabilitao de falta grave sero submetidos apreciao do Conselho de Reclassificao e Tratamento, que decidir no prazo de 15 dias, desde que: I transcorrido o perodo mnimo de seis meses, aps o trmino do cumprimento da sano, para os presos que cumpram pena em regime fechado; II transcorrido o perodo mnimo de trs meses, aps o trmino do cumprimento da sano, para os presos que cumpram pena em regime semiaberto, desde que no haja regresso de regime imposta pelo juiz da execuo.

Adiante, o artigo 83 prev queCaber ao Conselho Disciplinar do estabelecimento a reabilitao das faltas leves e mdias, desde que transcorridos trinta dias aps o trmino do cumprimento da sano disciplinar.

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Pargrafo nico A no reabilitao, qualquer que seja a natureza da falta, decorridos doze meses do cumprimento da ltima sano imposta, ensejar ao preso ou internado o retorno condio de primrio, para os fins previstos neste Estatuto.

Tratamento por intermdio da direo. enquanto as mdias e leves so reabilitadas pelo prprio Conselho Disciplinar da unidade penal, quando transcorridos trinta dias aps o trmino do cumprimento da sano aplicada. O Conselho de Reclassificao e Tratamento pode, ainda, rever os processos de faltas graves, quando essa deciso for motivada pelo diretor do estabelecimento penal.

7. O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO E O REGIME DEADAPTAO AO TRATAMENTO PENALO Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) caracteriza-se por um conjunto de regras rgidas que orienta o cumprimento da pena privativa de liberdade ou a custdia do preso provisrio e pode ser prescrito tanto como punio quanto como medida de cautela. No Brasil, o RDD surge como resposta dos encarregados das seguranas pblicas e penitencirias s diversas rebelies, motins, manifestaes de insatisfao da populao carcerria, ligao interestadual de faces criminosas e assassinatos de autoridades judicirias e diretores de presdios, que assolaram o pas, no incio deste sculo. Em fevereiro de 2001, no estado de So Paulo, num domingo, ocorre uma megarrebelio que atinge simultaneamente vrias unidades penais e vrias pessoas so mantidas como refns. Foi o estopim para que a Secretaria de Estado da Administrao Penitenciria de So Paulo editasse a Resoluo n. 26, de 04 de maio de 2001, regulamentando a incluso, permanncia e excluso dos presos no Regime Disciplinar Diferenciado. No Rio de Janeiro, atravs de uma resoluo da Secretaria de Justia daquele estado, implantado, em 16 de novembro de 2002, o equivalente ao RDD, l chamado de Regime Disciplinar Especial de Segurana (RDES), em resposta rebelio na Penitenciria Larcio Costa Pelegrino, a Bangu 1, ocorrida em setembro do mesmo ano.

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No Paran, tambm atravs de uma resoluo da Secretaria de Estado da Justia e da Cidadania, implantado o RDD local, aqui denominado de Regime de Adequao ao Tratamento Penal (RATP). A Resoluo n. 092, de 07 de maro de 2003, institui o Regime de Adequao ao Tratamento Penal, estabelece os procedimentos para sua operacionalizao e determina seu cumprimento nas celas da Penitenciria Estadual de Piraquara (PEP). Essas iniciativas de implementao de instrumentos de custdias por meio de simples atos administrativos foram alvos de crticas j que, em nosso ordenamento jurdico, somente lei em sentido formal estrito constitui veculo constitucionalmente legtimo para dispor sobre tpico que envolva restries aos direitos fundamentais. Assim, o Governo Federal, aps uma tentativa de criar o RDD em fevereiro de 2002, atravs da medida provisria nmero 28, rejeitada pela Cmara dos Deputados em abril do mesmo ano, finalmente adere ao Regime Disciplinar Diferenciado no ano de 2003, agora atravs da Lei n. 10792/03, que incorporada Lei de Execuo Penal. A legitimao do RDD pelo governo federal, atravs da Lei n. 10792/03, desencadeou resistncias vindas de organizaes tanto da sociedade civil quanto do prprio governo, inclusive do Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria (CNPCP). Esse Conselho, em 2004, emitiu um parecer acusando o RDD de impor um tratamento desumano e degradante ao preso e tambm o condena por permitir a punio por suspeitas de participao em faco criminosa, quadrilha ou bando, sem que haja comprovao de tais suspeitas. Ressalta, ainda, a incompatibilidade do RDD com a Constituio Federal, com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos e com as Regras Mnimas das Naes Unidas para o Tratamento dos Prisioneiros, ao permitir o isolamento total do preso por 22 horas dirias num perodo de 360 dias, com a possibilidade de extenso at o limite de um sexto da pena aplicada. Para Leonardo Rosa Melo da Cunha, o RDD consubstancia a total excluso do preso j excludo pela apartao compulsria decorrente do encarceramento. J Ren Dotti o apelidou de Regime da Desgraa ou Regime da Desesperana. H quem ainda alegue sua inconstitucionalidade e os que o veem como um mal necessrio. Outros reconhecem no Regime Disciplinar Diferenciado a explicitao da funo meramente punitiva da priso com foco na manuteno da disciplina no crcere em favor da segurana. De qualquer forma, o RDD agora lei e no apenas resolues como em seus primrdios. Contudo, vale ressaltar que a topografia normativa

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do RDD, instituto sediado nas Subsees da Lei de Execuo Penal, que tratam, respectivamente, Das Faltas Disciplinares e Das Sanes e Recompensas, gera ainda perplexidade e alguns equvocos interpretativos acerca da natureza da medida e das possibilidades de sua aplicao. Resta a constatao de que tambm pelo fato de se tratar de tema relativamente novo para os padres do mundo jurdico, a escassez de subsdios doutrinrios e jurisprudncias contribuem para o quadro cinzento das dvidas e incertezas sobre o assunto. No entanto, vale destacar que a prpria Lei em seu artigo 5, V, prev queos Estados e o Distrito Federal podero regulamentar o regime disciplinar diferenciado, em especial para: ... V - elaborar programa de atendimento diferenciado aos presos provisrios e condenados, visando a sua reintegrao ao regime comum e recompensando-lhes o bom comportamento durante o perodo de sano disciplinar. (NR)

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II - DO ATENDIMENTO TCNICO

1. A PSICOLOGIA NO SISTEMA PENITENCIRIO1.1 Breve Histrico Em 2007, por meio de uma parceria entre o Departamento Penitencirio Nacional (Ministrio da Justia) e o Conselho Federal de Psicologia, foram publicadas as Diretrizes para Atuao e Formao dos Psiclogos do Sistema Prisional Brasileiro. Tal publicao foi fruto de uma ampla pesquisa realizada com os profissionais de psicologia que atuam na rea de execuo penal. Verificou-se, na pesquisa, que a prtica do psiclogo nessa rea foi se dando empiricamente, sem uma formao especfica, e tendo como principal funo a realizao de percia e elaborao de laudos e pareceres para integrarem o as avaliaes tcnicas. Ao mesmo tempo, a atividade do psiclogo era permeada por questionamentos sobre tal funo e pela busca de outras formas de interveno no contexto prisional. A publicao faz, tambm, referncia a um trabalho realizado pelos psiclogos do sistema penitencirio do estado do Rio de Janeiro, intitulado Resgate Histrico da Psicologia no Sistema Penitencirio do Rio de Janeiro. Esse trabalho situa, naquele estado, nos meados da dcada de 1960, logo aps a regulamentao da profisso no Brasil (1962), o ingresso dos primeiros psiclogos no sistema penitencirio brasileiro, que ocorreu via Manicmio Judicirio, no mbito, portanto, das medidas de segurana. J no mbito das penas privativas de liberdade, a presena dos profissionais de psicologia, embora com variaes nos diversos estados brasileiros, deu-se a partir do final da dcada de 1970, concomitante elaborao do projeto da Lei de Execuo Penal (LEP), que passa a vigorar em 1984. o caso do estado do Paran, onde a introduo do servio de psicologia nos presdios precede a LEP e sucede justamente no final da dcada de 1970, juntamente com os servios de assistncia social e de pedagogia, como decorrncia de uma poltica de atendimento ao preso e ao internado.

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A partir de 1980, acompanhando o processo de redemocratizao do pas, o estado do Paran imprimiu a poltica de humanizao nos presdios, que culminou com o Projeto de Humanizao do Sistema Penitencirio, quando profissionais dessas reas passaram a ocupar espao em todas as unidades prisionais. Em relao aos psiclogos, atividades de suporte e apoio psicolgico para os encarcerados estavam entre as principais demandas desse projeto. Porm, com o advento da publicao da Lei de Execuo Penal, em 1984, as atribuies da psicologia nesse campo foram definidas e o exame criminolgico passou a centralizar a demanda. Esta situao se explica pelo fato de a LEP ter imposto a presena do psiclogo nos presdios como integrante da Comisso Tcnica de Classificao, mas no o ter includo no rol das assistncias ao preso, restringindo-o prtica pericial. A partir de ento, os profissionais de psicologia buscaram os instrumentos de avaliao psicolgica que mais respondessem s necessidades do exame e s condies de sua aplicao intramuros. A seriedade e consistncia deste trabalho fizeram com que a avaliao psicolgica passasse a ser referncia tanto para as Varas de Execues Penais quanto para o preso, j que o parecer do psiclogo logrou ter bastante peso para a concesso ou no de benefcios como indulto, comutao de pena e progresso de regime. Tal fato acabou por posicionar o profissional de psicologia como detentor de grande poder na massa carcerria. Poder, anteriormente, somente atribudo ao profissional de psiquiatria. No entanto, nas Regras Mnimas para o Tratamento do Preso no Brasil, publicada no Dirio Oficial da Unio em 02 de dezembro de 1994, pouco mais de dez anos depois da LEP, a assistncia psicolgica includa nos servios de sade e assistncia sanitria, conferindo um novo horizonte para a atuao do psiclogo nos presdios. Desde ento, em alguns casos, o acompanhamento psicolgico passa a ser requisitado pelos prprios juzes como pr-condio para a concesso de benefcios ao preso e visto como importante etapa no processo de reintegrao social. A crescente demanda por acompanhamento psicolgico aos presos leva os profissionais de psicologia, mais uma vez, a buscarem alternativas e solues exequveis prtica teraputica no interior das unidades penais.

1.2. Psiclogo jurdico x Psiclogo clnico Em 1992, o Conselho Federal de Psicologia elaborou as Atribuies Profissionais do Psiclogo no Brasil, como uma contribuio ao Ministrio do Trabalho para integrar o catlogo brasileiro de ocupaes. Esse trabalho contm tanto as atribuies

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gerais do psiclogo, quanto s definies e atribuies especficas a cada rea de atuao, entre elas, a rea de psicologia jurdica. O psiclogo jurdico est l definido como aquele queatua no mbito da Justia, nas instituies governamentais e no-governamentais, colaborando no planejamento e execuo de polticas de cidadania, direitos humanos e preveno da violncia. Para tanto, sua atuao centrada na orientao do dado psicolgico repassado no s para os juristas como tambm aos sujeitos que carecem de tal interveno. Contribui para a formulao, revises e interpretao das leis. 10

A essa definio segue a descrio da ocupao ou detalhamento das atribuies do psiclogo jurdico cujo campo no se resume, obviamente, ao sistema penitencirio. Mas as atribuies do psiclogo jurdico que atua especificamente na execuo penal esto representadas da seguinte forma: Orienta a administrao e os colegiados do Sistema Penitencirio, sob o ponto de vista psicolgico, quanto s tarefas educativas e profissionais que os presos possam exercer nos estabelecimentos penais. Participa da elaborao e do processo de Execuo Penal e assessora a administrao dos estabelecimentos penais quanto formulao da poltica penal e no treinamento de pessoal para aplic-la. 11 O psiclogo clnico, por sua vez, definido como aquele que atua na rea especfica da sade, colaborando para a compreenso dos processos intra e interpessoais, utilizando enfoque preventivo ou curativo, isoladamente ou em equipe multiprofissional em instituies formais e informais. Realiza pesquisa, diagnstico, acompanhamento psicolgico, e interveno psicoterpica individual ou em grupo, atravs de diferentes abordagens tericas. 12 Dentre os vrios itens do detalhamento de atribuies do psiclogo clnico encontramos:Realiza avaliao e diagnstico psicolgicos de entrevistas, observao, testes e dinmica de grupo, com vistas preveno e tratamento de problemas psquicos; realiza atendimento psicoteraputico individual ou em grupo, adequado s diversas faixas et10

http://www.pol.org.br/pol/export/sites/default/pol/legislacao/legislacaoDocumentos/atr_prof_psicologo.pdf. Acesso em 29 jun. 2009. idem idem

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rias, em instituies de prestao de servios de sade, em consultrios particulares e em instituies formais e informais; participa e acompanha a elaborao de programas educativos e de treinamento em sade mental, a nvel de ateno primria, em instituies formais e informais como: creches, asilos, sindicatos, associaes, instituies de menores, penitencirias, entidades religiosas e etc. 13

Essas definies e atribuies so aqui citadas para que possamos referenciar a atuao do psiclogo no sistema penitencirio, cuja prtica parece situar-se num hbrido entre a psicologia jurdica e clnica. Embora seja mais comum que tal atuao seja reconhecida como pertencente ao mbito da psicologia jurdica, veremos, na descrio dos procedimentos, que, em muitos casos, faz-se necessrio recorrer aos ensinamentos e prticas da psicologia clnica.

1.3. Da sistematizao das prticas do psiclogo no sistema penitencirio Se a atuao do profissional de psicologia no mbito da execuo penal se deu de forma emprica, sem uma formao especfica, uma compilao das prticas desenvolvidas nesta rea impe-se como um primeiro passo para o preenchimento deste vcuo e transmisso dos saberes advindos das diversas experincias proporcionadas por esta atuao. Uma primeira sistematizao das atividades realizadas pelos psiclogos no sistema penitencirio do Paran ocorreu em 2005, quando foi lanado o Manual de Procedimentos do Psiclogo, cuja proposta foi agrupar, por tipo de regime (fechado, semiaberto, aberto), a competncia na rea de psicologia, tendo como referncia as atribuies que constam no Regimento Interno do DEPEN PR. O Manual apresenta as vrias modalidades de atendimentos e de documentos a cargo dos setores de psicologia nas unidades penais do Paran, e prope fichas e relatrios padronizados, os quais sero revistos para a adequao neste novo material. No entanto, pretende-se com o Caderno em pauta um avano, tanto pela reflexo terica e conceitual que antecede a exposio dos procedimentos de cada setor tcnico, quanto por propor uma viso da operacionalizao desses procedimentos.

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1.4. Procedimentos dos psiclogos no sistema penitencirio do Paran 1.4.1 Entrevistas psicolgicas Em qualquer mbito de atuao do psiclogo, as entrevistas so tidas como um dos principais instrumentos. Cabe ao profissional de psicologia o manejo eficaz deste instrumento de acordo com a finalidade a que se presta a sua utilizao. No mbito penitencirio, o campo relacional ocorre em meio a uma interposio de fatores que, em maior ou menor grau, podem comprometer a disponibilidade do entrevistado, ou mesmo do entrevistador, para a construo de um vnculo produtivo. Assim, o primeiro passo para a eficcia de uma entrevista, no sentido de atingir o objetivo a que se prope, a desconstruo de eventuais resistncias do entrevistador ou do entrevistado. A do entrevistador, no contexto penitencirio, muitas vezes ocorre em funo do tipo de delito cometido pelo entrevistado ou em funo de seu histrico prisional; e a do entrevistado ocorre, principalmente, por temer ser prejudicado por alguma informao que venha a fornecer no momento da entrevista. Cabe ao psiclogo detectar tais resistncias para lograr suprimi-las, ou, ao menos, minimiz-las, a fim de estabelecer um ambiente propcio operacionalizao da entrevista de acordo com a sua finalidade.

1.4.2 As diversas finalidades das entrevistas e a sua aplicao nos diferentes regimes 1.4.2.1 No Centro de Observao Criminolgica e Triagem, nas unidades do interior do Estado (porta de entrada do sistema penitencirio) e nos patronatos a) Entrevista de triagem o procedimento inicial de coleta de dados com o preso provisrio, condenado ou interno, a ser realizado somente pelas unidades porta de entrada do sistema penitencirio. Atravs da anamnese deve ser traado o perfil psicolgico, objetivando subsidiar, com informaes, outros profissionais da rea. um pr-requisito ao tratamento penal no que se refere classificao do sentenciado. Para a entrevista de triagem deve-se utilizar o formulrio padro do DEPEN. Conforme previsto na LEP (Cap. I Art 5.), os condenados sero classificados, segundo seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualizao da execuo da pena. Para tanto, a entrevista psicolgica de triagem deve focar os requisitos necessrios a tal propsito.

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1.4.2.2 Nas unidades de regime fechado, semiaberto e aberto a) Entrevista preliminar o primeiro atendimento psicolgico na unidade penal onde o sentenciado est sendo implantado. Para proceder entrevista preliminar, o psiclogo deve ter em mos os dados j coletados na entrevista de triagem e outros atendimentos que constem no SPR. A entrevista preliminar visa subsidiar e complementar a elaborao do perfil psicolgico do preso, interno e egresso. Esta somatria de dados levada reunio da Comisso Tcnica de Classificao com o objetivo de se elaborar o plano individualizado de tratamento penal. O roteiro dessa entrevista faz parte dos formulrios-padro do DEPEN. 1.4.2.3 Nas unidades de regime fechado e semiaberto a) Entrevista para o Conselho Disciplinar (CD) a entrevista realizada pelo psiclogo designado, atravs de portaria do DEPEN, para compor a Conselho Disciplinar, com o preso que aguarda julgamento desse Conselho. Os dados coletados nesta entrevista subsidiam o voto do profissional na reunio do CD, e os argumentos para justificar seu voto, caso haja necessidade. Na entrevista para o CD, o psiclogo deve averiguar, com o preso acusado de cometer infrao, as circunstncias da ocorrncia, o real envolvimento do entrevistado na ocorrncia em questo, e, ainda, trabalhar com a hiptese de este preso estar sendo utilizado como instrumento de interesse de outros presos. Para tanto, o profissional de psicologia deve ler o comunicado da ocorrncia, antes de proceder entrevista. A entrevista para o CD, no entanto, alm de investigativa, tem a finalidade de proporcionar ao preso, quando realmente infrator, espao para reflexo sobre a prtica do ato cometido, apontando para a possibilidade de aspectos inconscientes estarem intervindo em seu comportamento inadequado como uma forma de autopunio, por exemplo. Desta forma a entrevista para o CD tem, tambm, uma funo teraputica. Em algumas unidades penais estas entrevistas so realizadas em conjunto com profissionais de outros setores tcnicos, como servio social e pedagogia. Vale lembrar que, em se tratando de egresso, considerado falta o descumprimento de qualquer das condies constantes da carta de guia suplementar, podendo seu regime ou benefcio ser revogados.

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b) Entrevista para implantao em canteiro de trabalho A Comisso Tcnica de Classificao (CTC) define, no plano individualizado de execuo da pena, quais presos tm prioridade para canteiro de trabalho. Mas, quando abre vaga para algum canteiro de trabalho, interno ou externo, aqueles presos priorizados para implante devem ser reavaliados, tendo em vista a especificidade do canteiro. Esta entrevista tem como objetivo dar um parecer favorvel ou desfavorvel implantao do preso em determinado canteiro de trabalho. Para tanto, nesta entrevista, o profissional de psicologia deve avaliar, atravs de sondagem, das aptides, interesses, habilidades e motivaes do preso. Para a emisso do parecer relacionado ao canteiro de trabalho deve-se levar em conta tambm o perfil crimingeno, evitando, assim, por exemplo, que um pedfilo seja implantado em canteiro externo no qual haja crianas, ou que um estelionatrio seja implantado em locais de fcil acesso a documentao. No caso de egressos, essa avaliao servir para o encaminhamento s instituies receptoras de prestadores de servio e, eventualmente, ao mercado de trabalho. c) Entrevista para implantao em cursos Ocorre quando a Diviso de Ocupao e Qualificao (DIOQ) fornece uma lista com os nomes dos presos passveis de serem selecionados para participarem de cursos profissionalizantes. O objetivo desta entrevista a verificao da adequao ou no do perfil do preso para um determinado curso. Para tanto, o profissional de psicologia deve ter conhecimento detalhado das caractersticas do curso proposto. Tendo em mos o relatrio socioeconmico, o histrico sociofamiliar, a participao ou no em outros cursos profissionalizantes, a escolaridade e as condies de disciplina do preso, o entrevistador deve, na entrevista, buscar dados sobre o grau de interesse do preso no curso proposto, sua vocao e a real possibilidade de aproveitamento da formao em sua reinsero social. 1.4.3 Grupos Os grupos tm, de forma geral, o objetivo de treinar as habilidades sociais do preso/ egresso; promover o resgate de papis sociais, familiares e profissionais; promover a interao positiva entre os membros do grupo atravs do compartilhamento de preocupaes, problemas e dificuldades; prevenir evases, fugas, infraes disciplinares; e prevenir o descumprimento de condies quando do cumprimento da pena em regime mais brando e usufruto de sadas temporrias.

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1.4.4 Tipos de grupos e sua aplicao nos diferentes regimes 1.4.4.1 No Centro de Observao Criminolgica e Triagem, nas unidades do interior do Estado (porta de entrada do sistema penitencirio) e nos Patronatos a) Grupos de triagem ou implantao Caracterizam-se por um nico encontro com os presos/egressos, quando de sua entrada na unidade penal ou no Patronato Penitencirio. Esses grupos tm por objetivo, promover o acolhimento do indivduo, bem como traar um plano para o cumprimento da pena e aderncia a seu tratamento penal. 1.4.4.2 Nas unidades de regime fechado e semiaberto e aberto a) Grupos dos Narcticos Annimos (NA) e Alcolicos Annimos (AA) Destinam-se queles que tm pedido de incluso no AA ou NA pelo juiz, e tambm queles cujas necessidades de incluso so detectadas pelo setor psicossocial, demais setores tcnicos e de segurana. Esses grupos podero ser conduzidos por membros das entidades (NA e AA), ou outro servidor da unidade qualificado para tal atividade. Os encontros costumam ser semanais, cabendo ao psiclogo o encaminhamento, suporte tcnico e posterior acompanhamento dos participantes, quando necessrio. No caso de egressos, faz-se o encaminhamento aos recursos existentes nas redes sociais.

1.4.4.3 Nas unidades de regime fechado, semiaberto e Patronato a) Grupos teraputicos Caracterizam-se por ser um grupo fechado, com contrato que estabelece o nmero de encontros (de seis a oito) e a durao de cada encontro. O pblico-alvo destes grupos so os presos que tm pedido de acompanhamento psicolgico expedido pelo juiz, via Mandado de Intimao (MI), ou constante na carta de guia suplementar, quando se tratar de egresso. Para a seleo dos participantes deste grupo deve-se levar em conta a data de expedio do MI. O contrato compreende a opo do preso de participar do grupo, aceitar o seu regulamento, e ter cincia de que, em caso de desistncia, o juiz ser informado de sua recusa. A ao do psiclogo neste tpico visa propiciar aos presos as condies favorveis a uma reflexo mediante a realidade vivenciada por eles, possibilitando uma anlise frente a valores ticos, morais, familiares. Alm disso, os grupos buscam estimular a capacidade de transformar as relaes que o preso estabelece na sociedade, identificando novas

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formas possveis de comportamentos e atitudes que visem o fortalecimento dos vnculos familiares, sociais e profissionais. b) Grupos de CD Definem-se por terem como pblico-alvo os presos que foram sancionados por faltas disciplinares nas unidades penais em que cumprem pena. A ao do psiclogo neste tpico visa promover reflexes frente ao comportamento e condutas contrrias s normas estabelecidas pelo Estatuto Penitencirio, bem como reforar a importncia no s de adaptao, mas tambm de introjeo de regras e limites, apontando-as como fatores inerentes reestruturao comportamental e social. Os grupos de CD tambm podem ser realizados com os egressos resistentes ao cumprimento das determinaes judiciais constantes da carta de guia suplementar. c) Grupos para implantao e acompanhamento do desempenho em canteiro de trabalho Caracterizam-se por terem como pblico-alvo os presos que sero ou esto implantados nos diversos canteiros de trabalho oferecidos pela unidade penal. Esses grupos podem ocorrer tanto como uma etapa para a seleo dos presos para a implantao em determinado canteiro, quanto como um acompanhamento do desempenho dos presos j implantados nos canteiros de trabalho. O principal objetivo desses grupos proporcionar aos participantes um espao para a reflexo sobre a importncia do trabalho na vida do ser humano, para a troca de experincias e valorizao das mesmas, e, a partir da, motivar a elevao da autoestima. Devem-se focar tambm os diversos benefcios do trabalho, que, alm do autossustento, proporciona novas relaes interpessoais, promove a autodisciplina e, em ltima anlise, a cidadania. Vale enfatizar que essa atividade deve estar articulada ao setor de Produo, responsvel pelos canteiros de trabalho das unidades. d) Grupos para progresso de regime e liberdade condicional Caracterizam-se por encontros com os presos que esto na iminncia de sair de uma unidade penal para dar prosseguimento ao cumprimento da pena em um regime mais brando ou em liberdade condicional. A ao do psiclogo nesse tpico visa discutir o processo de transio de regime, enfocando questes relacionadas insegurana, expectativas e conflitos; fornecer informaes sobre as condies impostas pelo juiz para o cumprimento da pena no novo regime ou na liberdade condicional, bem como sobre as propostas teraputicas oferecidas nos regimes

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semiaberto e aberto, com enfoque na adaptao ao novo regime. Deve-se inserir tambm a discusso de temas correlacionados com a realidade social do preso. Esse tipo de grupo dever ser realizado de forma interdisciplinar, ou seja, com a participao dos setores jurdico, do servio social e da educao. e) Grupos de alvar de soltura ou de extino final da pena Visa promover sesses em grupo para que os sentenciados prestes a ganhar a liberdade possam expressar e discutir seus temores, expectativas e anseios, bem como fornecer repertrios e prepar-los para possveis dificuldades da vida em liberdade. Com o advento da extino final da pena, pode-se trabalhar com o egresso a sua desvinculao definitiva do sistema penitencirio. 1.4.4.4 Nas unidades femininas de regime fechado e semiaberto a) Grupos de gestantes e mes de recm-nascidos As Regras Mnimas para o Tratamento dos Reclusos, da ONU, da qual o Brasil signatrio, preveem, na Regra 23-1, a existncia, nos estabelecimentos para mulheres, a existncia de instalaes especiais para o tratamento das presas grvidas e das que tenham acabado de dar luz. Na Penitenciria Feminina do Paran, as presas nessas condies so alojadas em galeria prpria. No entanto, no bastam instalaes especiais, sendo importante um tratamento penal que atenda s necessidades especficas das presas gestantes e mes de recm-nascidos. Assim, esses grupos tm por objetivo minimizar a ansiedade advinda da gestao, da proximidade do parto e do puerprio, tendo em vista ainda a experincia da maternidade nas condies impostas pela pena privativa de liberdade. Deve-se proporcionar a um espao para a troca de informaes sobre a gravidez e sobre o desenvolvimento da criana em seu primeiro ano de vida, alm de fornecer informaes sobre as normas relacionadas especificamente convivncia me e filho na unidade penal em que se encontram. Busca-se tambm estimular o papel de me, mulher e cidad e promover a cooperao e solidariedade para os cuidados necessrios aos recm-nascidos. 1.4.4.5 Nas unidades de regime semiaberto a) Grupos para sadas temporrias (portarias) So realizados nas unidades penais de regime semiaberto. Caracterizam-se por um encontro semanal com os presos no dia ou perodo imediatamente anterior sada de portaria. Para tanto, o setor de Segurana deve, semanalmente, entregar ao setor

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Psicossocial a listagem com o nome dos beneficiados com portaria naquela semana. A ao do psiclogo neste tpico visa orientar o preso com relao s normas e regras estabelecidas pela Vara de Execues Penais, tais como: no permanecer fora da sua residncia aps as 22h00min, no fazer uso de drogas e/ou bebidas alcolicas e no frequentar bares e prostbulos. Compreende, tambm, reforar o comprometimento do preso em retornar unidade dentro do horrio estabelecido, bem como a assinatura e carimbo na folha da portaria na delegacia local ou em uma igreja. No entanto, nesses grupos, o psiclogo no deve ater-se a somente fornecer informaes, mas tambm trabalhar as expectativas relacionadas a essas sadas que representam o retorno gradual sociedade. Assim, podem-se focar, em cada encontro, determinados temas, como preconceito, datas comemorativas, expresses de sentimentos a implicados, entre outros tpicos. 1.4.4.6 Outros grupos Foram citados acima vrios tipos de trabalhos em grupo que tm relevncia no contexto penitencirio. No se pretende esgot-los, j que os tipos de grupos devem responder s demandas de situaes pontuais, as quais dependem da especificidade de cada unidade penal e de outras mltiplas variveis, tais como as aes dos demais setores tcnicos na abordagem grupal. Assim, outros tipos de grupos podem ser disponibilizados aos presos/egressos tais como grupos para implantao em cursos, grupos de retorno de portaria, grupos ps-visitas, grupos para mes de creche etc. 1.4.4.7 Recursos utilizados nos diversos tipos de grupo Vrios recursos e instrumentos podem ser utilizados nas atividades em grupo, devendo, no entanto, ser adaptadas aos diversos tipos de grupo e aos objetivos especficos de cada um deles. Pode-se recorrer a filmes e posterior discusso; textos; desenhos; redao; exerccios de empatia; dinmicas de grupo e informaes pertinentes como orientaes quanto sexualidade e doenas sexualmente transmissveis, quanto s normas relativas ao cumprimento da pena em regime mais brando, s sadas temporrias e mesmo quanto s caractersticas da unidade penal na qual o preso est sendo implantado. Para proceder ao trabalho de grupo, o profissional de psicologia deve ter conhecimento de tcnicas de manejo de grupo e ter o cuidado de no provocar situaes que no possam ser elaboradas. Deve-se ter clara a diferena entre grupos teraputicos e as demais modalidades aqui citadas que mais se aproximam do que conhecido como grupos operativos. Os grupos operativos foram desenvolvidos por Enrique Pichon-Rivire (1907-1977),

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mdico psiquiatra e psicanalista de origem sua radicado na Argentina. Esses grupos caracterizam-se pela reunio de pessoas com um objetivo comum. A tcnica consiste na abordagem de uma tarefa explcita, e outra subjacente primeira. Assim, prope-se um tema: informaes sobre as sadas temporrias, por exemplo (tarefa explcita), e abordam-se os problemas pessoais dos participantes relacionados ao tema (tarefa implcita). O objetivo dos grupos operativos provocar a reflexo, a partir da desconstruo de conceitos estabelecidos, do rompimento de esteretipos, para a promoo de uma nova leitura da realidade. Para tanto, devese recorrer s dinmicas de grupo que trabalhem preconceitos, tabus, fantasias inconscientes, atravs das quais os participantes deixam de ser espectadores e passam a ser os protagonistas na abordagem do tema proposto. 1.4.5 Nas unidades de regime fechado, semiaberto e aberto a) Acompanhamento psicolgico O acompanhamento psicolgico pode ser operacional ou teraputico. O acompanhamento teraputico um procedimento prestado de forma sistemtica (semanal, quinzenal ou mensal), individual ou em grupo, destinado ao preso, interno ou egresso. Tem como metas principais a preservao da integridade fsica e mental do indivduo e o pleno desenvolvimento dos aspectos positivos de sua personalidade. Para proceder ao acompanhamento psicolgico teraputico no contexto prisional, o profissional de psicologia deve fazer uso dos recursos e embasamentos tericos da psicologia clnica e adapt-los s limitaes impostas no crcere. Essas limitaes impem a necessidade de priorizar a utilizao de tcnicas e instrumentos oferecidos pelas chamadas psicoterapias breves, cujas principais caractersticas so a eleio de um tema a ser focado e a determinao de um prazo para a elaborao teraputica deste tema. No contexto prisional esses temas devem possibilitar o desenvolvimento das habilidades sociais do preso e promover reflexes sobre a sua condio prisional. O acompanhamento teraputico pode ser desencadeado por solicitao do prprio interessado, por encaminhamentos de terceiros (direo, segurana ou outro setor tcnico) ou, ainda, por ordem judicial. O direcionamento do acompanhamento e a priorizao do tema a ser focado vo depender da origem da demanda, que pode ser situacional (progresso de regime, instabilidade emocional etc) ou preventiva (adaptao, reestruturao interna etc.). Para um acompanhamento bem sucedido deve ser instaurada uma aliana teraputica, envolvendo trs dimenses: empatia, confiana e disponibilidade para a mudana.

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O acompanhamento operacional aquele destinado a subsidiar a Comisso Tcnica de Classificao, e ser tratado no item destinado CTC. b) Atendimento de Apoio O atendimento de apoio um procedimento prestado ao preso, interno, egresso ou as suas famlias, sem carter sistemtico. Trata-se de uma orientao psicolgica emergencial e / ou em situaes de crise, objetivando os equilbrios pessoal, institucional ou familiar. Da mesma forma que o acompanhamento, pode ocorrer por solicitao do prprio interessado ou de terceiros. O direcionamento do atendimento dever ser focado na questo que desencadeou a solicitao. O atendimento de apoio poder se transformar em acompanhamento. 1.4.6 Avaliao Tcnica / Psicolgica A avaliao tcnica um instrumento que tem como objetivo analisar e avaliar o criminoso, oferecendo um diagnstico criminolgico, prognstico de convvio social e indicao do tratamento penal correspondente. A avaliao tcnica/psicolgica pode ter como finalidade a classificao do preso para a individualizao da pena na fase executiva ou subsidiar o juiz para a concesso ou no de benefcios pleiteados pelo preso (progresso de regime e liberdade condicional), bem como para a regresso de regime e, ainda, para a implantao do preso em Regime de Adequao ao Tratamento Penal. Para todas essas finalidades, a avaliao deve ser operacionalizada por um profissional de psicologia que tenha sido designado como membro da Comisso Tcnica de Classificao. A avaliao tcnica deve apresentar dados acerca de aspectos relevantes da vida do indivduo, dados relacionados ao crime cometido e os principais traos de personalidade do avaliando. Esses elementos devem ser observados para todas as avaliaes psicolgicas, qualquer que seja sua finalidade. Nos Patronatos, o profissional subsidia o juiz com informaes referentes ao cumprimento da pena ou benefcio, sobre sua adaptao psicossocial para a concesso de outros benefcios, tais como a mudana no lapso temporal das apresentaes ou as dificuldades encontradas pelo egresso no cumprimento da pena.

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1.4.6.1 Informaes relevantes para a avaliao psicolgica a) Qualificao individual (pessoal) do preso: seu nvel socioeconmico, religio, dados jurdicos, informes gerais colhidos na entrevista preliminar; b) estrutura do contexto e histrico familiar e sua dinmica (origem e constituio da famlia e convalidao de vnculos): situao socioeconmica da famlia e aspectos relacionados com a reao da famlia diante do crime praticado; relacionamentos significativos: namoro, filhos; qualidade de vnculos e constituio familiar atual; c) contexto e histrico social e sua dinmica relacional: vivncias e experincias significativas da infncia, adolescncia e vida adulta; intercursos negativos na infncia e adolescncia (uso de lcool, drogas, infraes, expulso de escolas, passagens por instituies correcionais, delegacias etc); d) histrico da vida escolar: acesso ao lazer, esporte, cultura; trajeto educacional; estmulos sociais; dificuldade de aprendizagem; evaso escolar; cursos profissionalizantes; vocao; e) contexto profissional (vida produtiva lcita / trabalho), como forma de preservao e autossustento; f) histrico de sade: dependncia qumica; avaliao mdica (doenas de infncia e m