caderno de direito processual penal ii_badaró_185-21

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Caderno de Direito Processual Penal II Professor Gustavo Henrique Badaró Organizadoras: Aline Nazareth e Débora Nachmanowicz. Colaboradores: Ana Prescendo, Daniela da Cunha, Felipe Pappini, Helô Russano, Suely Trindade. São Paulo, Setembro de 2014. Prova deverá ser realizada no dia 24 de setembro. Observação: inépcia material se assemelha mais à justa causa, nas faltas de comprovação. Já a inépcia formal é mais quanto à descrição – objetiva e subjetiva. Medidas cautelares 1. INTRODUÇÃO Para que serve a tutela cautelar? O que a tutela de conhecimento e a executiva têm de um lado e a cautelar tem de outro? As primeiras tutelas satisfazem o fim de uma pretensão, dão ou reconhecem um bem da vida. De forma diversa, a tutela cautelar strito sensu não satisfaz alguém, mas garante que haja satisfação quando houver a condenação ou execução, que em momento oportuno aquela tutela que satisfaz será efetiva, terá resultado eficaz e útil. Tem-se, então, que pensar nas características das tutelas. No processo penal, qual é a consequência da ação penal condenatória? Impõe a pena (pela reparação do dano) – prisão, restrição de direito ou multa. A sanção condenatória também tem outro efeito, de natureza civil, para assegurar a reparação do dano. Assim, se o processo demora, pode haver uma alteração no resultado final, de forma que não seja possível assegurar a sanção penal ou a reparação do dano: pode ser ineficiente no seu duplo aspecto. 2. ESPÉCIES E CARACTERÍSTICAS DAS TUTELAS CAUTELARES 2.1. Espécies de tutelas cautelares Tutela cautelar pessoal Dentro da categoria de tutela cautelar que assegure a sanção penal, têm-se as chamadas medidas cautelares pessoais. Tal nome se dá porque embarca o universo da pessoa. 1. Prisão preventiva (arts. 312 e 315, CPP); 2. Prisão temporária (Lei 7.690/89); 3. Medidas cautelares alternativas à prisão (arts. 319 e 320, CPP).

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Caderno do Badaró, da Aline

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Page 1: Caderno de Direito Processual Penal II_Badaró_185-21

Caderno de Direito Processual Penal II Professor Gustavo Henrique Badaró

Organizadoras: Aline Nazareth e Débora Nachmanowicz.

Colaboradores: Ana Prescendo, Daniela da Cunha, Felipe Pappini, Helô Russano, Suely Trindade.

São Paulo, Setembro de 2014.

Prova deverá ser realizada no dia 24 de setembro.

Observação: inépcia material se assemelha mais à justa causa, nas faltas de

comprovação. Já a inépcia formal é mais quanto à descrição – objetiva e subjetiva.

Medidas cautelares

1. INTRODUÇÃO

Para que serve a tutela cautelar? O que a tutela de conhecimento e a executiva têm de

um lado e a cautelar tem de outro? As primeiras tutelas satisfazem o fim de uma pretensão,

dão ou reconhecem um bem da vida. De forma diversa, a tutela cautelar strito sensu não

satisfaz alguém, mas garante que haja satisfação quando houver a condenação ou execução,

que em momento oportuno aquela tutela que satisfaz será efetiva, terá resultado eficaz e útil.

Tem-se, então, que pensar nas características das tutelas. No processo penal, qual é a

consequência da ação penal condenatória? Impõe a pena (pela reparação do dano) – prisão,

restrição de direito ou multa. A sanção condenatória também tem outro efeito, de natureza

civil, para assegurar a reparação do dano. Assim, se o processo demora, pode haver uma

alteração no resultado final, de forma que não seja possível assegurar a sanção penal ou a

reparação do dano: pode ser ineficiente no seu duplo aspecto.

2. ESPÉCIES E CARACTERÍSTICAS DAS TUTELAS CAUTELARES

2.1. Espécies de tutelas cautelares

Tutela cautelar pessoal

Dentro da categoria de tutela cautelar que assegure a sanção penal, têm-se as

chamadas medidas cautelares pessoais. Tal nome se dá porque embarca o universo da

pessoa.

1. Prisão preventiva (arts. 312 e 315, CPP);

2. Prisão temporária (Lei 7.690/89);

3. Medidas cautelares alternativas à prisão (arts. 319 e 320, CPP).

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Ressalta-se que a prisão em flagrante é algo efêmero, não é cautelar – não possui mais

autonomia, seno só o momento inicial, posto que o juiz declarará prisão preventiva, cautelar

ou a relaxará.

Tutela cautelar real

Por outro lado, têm-se as medidas cautelares reais porque asseguram a reparação

do dano, são voltadas ao patrimônio (sobre a res). Também terá efeito da perda do produto ou

proveito do crime que induzem à obtenção de lucro, além de gerar danos a alguém.

1. Sequestro de bens (art. 125 a 133, CPP). Sequestra-se tudo o que é proveniente da

atividade ilícita para assegurar a perda do produto ou proveito do crime, que é

consequência da pena patrimonial;

2. Especialização e registro da hipoteca legal (arts. 134 e 135, CPP). Os bens imóveis do

acusado ficam sujeitos à hipoteca legal para que seja assegurada uma reparação

posterior, resultado da pena;

3. Arresto de bens imóveis prévio à hipoteca legal (art. 136, CPP).

4. Arresto subsidiário de bens móveis (art. 137, CPP). Se a de bens imóveis for

insuficiente ou inexistente.

2.2. Características da tutela cautelar

As duas últimas características aqui apontadas não são sempre abarcadas pela

doutrina, apesar de serem essenciais às medidas cautelares e a um devido processo penal

legal.

1. Instrumentalidade hipotética

O que significa a instrumentalidade do processo? Não é um fim em si mesmo, é um

meio para a atuação do direito material – que é o fim. O processo é, então, um

instrumento para o direito material. O processo cautelar serve para dizer quem

tem o direito? Não. Quem faz isso é a cognição profunda, ordinária etc. O cautelar

só assegura – ele é um instrumento de um direito material hipotético, provável.

Outra expressão usada é a dupla instrumentalidade ou instrumentalidade ao

quadrado. Exemplo: ação penal condenatória – meio para aplicar o processo penal.

A cautelar é um instrumento do processo que é um instrumento do direito

material – por isso dupla instrumentalidade ou instrumentalidade ao quadrado. A

tutela cautelar nunca é bastante em si – não dá o que o indivíduo quer, só uma

segurança, uma conservação, para que posteriormente o direito material possa

atuar.

2. Assessoriedade

Não é um fim último, principal. É secundário, serve ao principal, para uma segunda

coisa. Vai, então, assessorar e assegurar a utilidade e eficácia do provimento final.

3. Cognição sumária

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O nível de profundidade é mais raso uma vez que a tutela cautelar é de

urgência(deve assegurar, prevenir, e não satisfazer) e, por isso, rápida, não é

possível para o juiz decidir "bem", mas "logo" –Calamandrei. Trabalha-se com

probabilidade, verossimilhança e não com a verdade, com a devida instrução – é

preciso se garantir um mínimo para que a medida seja justa.Por essa razão é com a

fumus boni iuris– fumaça do bom direito – que trabalhamos na cautelar, e não com

o ius(a questão do bem e do mal da decisão é deixada para momento oportuno,

após um processo ordinário). Dessa forma, chama-se cognição sumária porque é

superficial, não ha o juízo de certeza.

4. Provisoriedade

A tutela não serve para solução do caso e, portanto é provisória. É uma tutela que

previne um dano, uma ineficácia futura Mas até quando essa tutela provisória,

baseada numa cognição sumária, vai durar? Até que o juiz decida bem. A decisão

principal sempre substitui a decisão cautelar. Até porque o papel dela é assegurar,

prevenir, não é satisfazer. Por isso se afirma que a tutela cautelar é preventiva.

5. Referibilidade

Está sempre ligada a uma tutela principal, posto que a tutela cautelar não é um fim

em si mesmo – será substituída. Por isso, sempre tem a referência no processo

principal, está sempre ligada a uma tutela principal que será dada (ou negada).

Muitas vezes no processo penal há uma perda da referibilidade, pois se considera

outros fatos no julgamento do réu (sua posição social, seu papel, seu passado etc.).

Não se pode esquecer que o processo penal é do autor e não do fato: exemplo de

alguém que é estelionatário de golpes na internet e, paralelamente, cometeu crime

de ameaça à outra pessoa. Aqui não se pode pedir prisão preventiva no crime de

estelionato devido ao crime de ameaça porque o dinheiro conseguido não tem

nada a ver com este último. Assim, a ação cautelar deve se referir à eficácia de um

determinado processo, deve haver um objeto claro.

6. Proporcionalidade.

Se a tutela cautelar é instrumento, é provisória, visa assegurar o resultado

principal, ela não pode causar ao sujeito que vai sofrer a constrição um gravame

maior do que aquele que poderá ser causado ao final do processo. Ela tem que ser

proporcional ao resultado que a tutela definitiva, principal, a que a cautelar se

refere, pode causar àquela pessoa. Não faz sentido prender cautelarmente alguém

que terá, no máximo, como pena uma multa, por exemplo. É por isso que se tem

uma escala de medidas cautelares anteriores a da prisão.

3. LEGALIDADE DAS MEDIDAS CAUTELARES PENAIS

No processo penal não existem medidas cautelares atípicas.

CPC confere ao juiz o poder geral de cautela, que permite ao juiz, em breve, duas

coisas:(i) adequar a tutela a ser deferida (peço arresto, mas ele entende que quero assegurar a

devolução de bem e não indenização, assim, a medida adequada seria sequestro) e(ii) cautelar

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inominada (medida apta para assegurar aquele resultado no caso concreto porque o CPC não

tem previsão para a situação específica).

Qual é o regime do direito processual penal? É um regime de estrita legalidade ou não?

O consenso parece ser que,no direito processual penal, se uma medida processual for implicar

numa restrição de um direito fundamental isso só pode ser feito dentro do marco da

legalidade. Aqui não se pode fazer sem previsão legal.

Voltemos a antes de 2011: juiz fala que é mais provável que eu condene – tem

fumusbonus iuris e periculum in mora. Mas qual é a medida cautelar adequada para esse caso?

Prisão cautelar ou liberdade provisória?Ambas são incabíveis. Assim, os juízes se sentiram

compelidos a buscarem algo alternativo, medidas intermediárias – que acabaram sendo,

inicialmente, de criação jurisprudencial (para isso se valeu do próprio CPP). Exemplo dessa

época: apreensão do passaporte, que faz parte do CPP desde a reforma de 2011.

Essa discussão ainda existe hoje porque, quando o legislador criou as medidas

alternativas à prisão, algumas delas tiveram finalidades específicas definidas e outras não.

Dessa forma, poderia haver uma adequação das medidas, o que leva à utilização do poder

geral de cautela novamente para que haja aplicações em finalidades não definidas em lei. Qual

é a grande dificuldade? Lei é garantia (marco teórico) – se não for boa, mude a lei: entre um

bom juiz e uma boa lei, fique com o bom juiz porque em termos de adequação é melhor (o

problema é o mau juiz porque aqui a lei é a garantia).A legalidade serve para que não haja

aplicações de maneiras indistintas.

Assim, há vigência do princípio de taxatividade das medidas cautelares. Como

exemplo, o MP só pode requerer ao juízo as medidas previstas em lei. Isso advém do art. 7.2,

da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) que afirma que “ninguém será

privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas nas

Constituições políticas dos Estados Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas”.

Assim, a analogia utilizada não é de acordo com a lei, mas, na verdade, com a sua ausência –

com criações jurisprudenciais. Aí está o perigo de se admitir que a prisão cautelar, por

exemplo, não está sujeita à legalidade – haverá uma série de prisões que não estão

estabelecidas na lei como cautelares.

4. PROCESSO CAUTELAR E MEDIDAS CAUTELARES PENAIS

No processo penal, há as medidas cautelares, mas não há processo cautelar

autônomo, visto que o pedido não instaura nova relação processual. A decisão das medidas

cautelares é incidental, ocorre no meio do processo penal condenatório – chega a ser

incorreto falar em processo principal porque não existe, de fato, um processo acessório.

Assim, a tutela cautelar é conferida mediante simples requerimento, independentemente da

proposição de ação cautelar.

5. TUTELA CAUTELAR E ANTECIPAÇÃO DA PENA

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Dentro das tutelas de urgência (gênero), há duas espécies: (i) tutela cautelar e (ii)

tutela antecipada. A tutela cautelar visa assegurar a utilidade e a eficácia de um provimento

jurisdicional futuro, enquanto a tutela antecipada visa satisfazer provisoriamente,

antecipando os efeitos da tutela jurisdicional a ser proferida futuramente. Exemplo: alimentos

provisórios é antecipação da tutela, ao passo que arresto é tutela cautelar, visto que aquele

satisfaz o direito e este apenas assegura.

O princípio da presunção da inocência não é incompatível com a prisão antes do

trânsito em julgado, de natureza cautelar. Contudo, é incompatível com qualquer forma de

prisão antes do trânsito em julgado que constitua execução penal provisória ou antecipada. O

acusado deve ser tratado como inocente e não como acusado: a prisão não pode ser decretada

para desde já punir, mas sim quando há necessidade de se assegurar um fim. Em suma, são

compatíveis com tal princípio as medidas cautelares propriamente ditas – de natureza

conservativa, assecuratória. E são incompatíveis a forma de antecipação de eventual tutela

condenatória.

Assim, a prisão temporária não é pena, apesar de que a situação fática de uma prisão

cautelar e uma antecipada ser a mesma. Para diferenciar uma da outra é a finalidade, o

escopo, pelo qual é decretada e não pela natureza jurídica da medida: o juiz deve analisar o

fumus boni iuris e o periculum in mora para poder decretar a prisão cautelar – havendo

probabilidade de punição no futuro e o perigo de manter o réu em liberdade –, mas se prender

para antecipar a pena é antecipação da tutela. O problema gira sempre em torno da demora

do processo em ter o seu provimento final transitado em julgado – há quem pense que não é

justo o acusado ficar dez anos soltos se, no fim, ele for considerado culpado. O problema é a

demora, logo, tem-se que brigar por mudanças efetivas, por celeridade, e não pela antecipação

da pena.

Medidas Cautelares Pessoais

1. ESPÉCIES

Existiam cinco espécies de prisões cautelares no CPP: (i) prisão em flagrante; (ii)

prisão temporária, (iii) prisão preventiva, (iv) prisão decorrente de sentença condenatória

recorrível e (v) prisão decorrente de pronúncia.

Com a reforma no CPP em 2008, diminuiu-se o dito número para três tipos de prisão

cautelar: (i) prisão em flagrante, (ii) prisão temporária e (iii) prisão preventiva. Todavia,

atualmente, esse número sofreu outra redução devido à alteração sofrida pela Lei

12.403/2011. Assim, a prisão em flagrante deixou de ser medida cautelar autônoma e passou

a ser considerada a fase inicial de outras medidas cautelares. Além disso, foram criadas

medidas cautelares alternativas à prisão preventiva.

2. CARACTERÍSTICAS

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O art. 282, CPP, é o artigo principiológico da prisão cautelar, mas também dá as bases

gerais das medidas cautelares como um todo.

1. Necessidade – presente em três casos, descritos no inciso I.

a. Assegurar a aplicação da lei penal (evitar que fuja)

b. Investigação (inquérito) ou instrução (fase processual) criminal – correta

produção da prova

c. Nos casos expressamente previstos em lei, evitar práticas criminosas –

reiteração criminosa (se a pessoa permanecer em liberdade continuará a

praticar crimes)

2. Adequação – envolve a ideia do meio menos gravoso, presente no inciso II

(dentro dos direitos fundamentais, aqui cabe o papel da necessidade: acaba sendo

o contrário, pois cabe primeiro a necessidade e depois a adequação). A prisão

deixou de ser o epicentro do sistema para ser excepcional. O juiz tem que começar

pela medida menos gravosa, se essa servir para o mesmo propósito, e depois

buscar uma mais gravosa, se a menos gravosa não tiver a mesma eficácia. O juízo

de adequação se dá pela análise:

a. Gravidade do crime

b. Circunstâncias do fato

c. Circunstâncias do acusado (há pessoas que nem sairiam do país, por exemplo)

Ausência na lei: proporcionalidade em sentido estrito – mas isso tem que ser

feito, pelo juiz, dentro de uma lei de ponderação.

3. Contraditoriedade – presente no § 3º. A parte contrária a que se refere é o

próprio acusado: eu só não aplico o contraditório quando não for possível. Aqui se

presa pelo risco da eficácia ser muito alto ou urgente – aí estaria permitida a

ausência do contraditório. Hipóteses de cabimento: decretação da medida cautelar,

revogação da medida cautelar por outra mais gravosa ou mais benéfica, reforço da

medida cautelar por acréscimo de outra medida em cumulação (que não deixa de

ser “pedido de medida cautelar”) e atenuação da medida cautelar pela revogação

de uma das medidas anteriormente imposta de forma cumulada com outra.

4. Excepcionalidade da prisão preventiva – presente no § 6º. Com o surgimento

das medidas menos gravosas que a prisão, a reforma deixa claro a

excepcionalidade da prisão, que deve ser a ultima ratio, quando todas as outras

medidas se mostrarem inadequadas. Assim, há preferência pela medida menos

gravosa porque prisão é restrição de direito fundamental e, quando colide com

outro, pode ser protegido, só sendo restringido quando não houver outra medida

igualmente eficaz, isolada ou cumulativamente.

5. Cumulatividade – presente no § 1º. As medidas cautelares podem ser aplicadas

isolada ou cumulativamente. Contudo, isso só se aplica às medidas cautelares

alternativas à prisão com a liberdade provisória, tendo em vista que esta já implica

o grau máximo de restrição.

3. PRISÃO EM FLAGRANTE

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3.1. Noções gerais

Primeiramente cumpre salientar que, até 2011, a fiança era considerada contra-

cautela: a pessoa era presa em flagrante e, se esta não fosse adequada e necessária, a pessoa

poderia pagar uma fiança e passar à liberdade provisória. Hoje, a fiança tem caráter hibrido,

pois pode ser aplicada como medida alternativa, não existindo a necessidade de prisão em

flagrante. Até então era um erro comum falar em fiança e liberdade provisória como se fossem

coisas distintas, sendo que a primeira é espécie do gênero liberdade provisória.

Quanto à prisão em flagrante em si, hoje já não tem mais uma autonomia como

natureza jurídica, funcionando como uma medida pré-cautelar: momento inicial de

imposição de medida cautelar de prisão. Assim, é uma medida de caráter inicialmente

administrativo, sendo que depois se jurisdicionaliza.

A CF garante que só existirá prisão com ordem jurisdicional, salvo prisão em flagrante

– sistema garantista. Embora a prisão em flagrante, devido à questão da segurança pública,

costume ser realizada pela polícia e seus agentes (“deverá” – obrigatoriedade), qualquer um

do povo pode procedê-la (“poderá” – facultatividade): art. 301, CPP.

Sua finalidade é a de evitar a prática criminosa ou deter o seu autor (função

preventiva), além de tutelar a prova da ocorrência de um crime e a sua autoria (função

acautelativa das provas). Com isso, devido a urgência da prisão em flagrante, ela dispensa a

decretação de juiz para se iniciar, entretanto, depende do crivo jurisdicional para a sua

continuidade (aqui se nota a sua natureza pré-cautelar). Aqui, ela será examinada pelo juiz e

convertida em medidas cautelares menos gravosas ou transformada em prisão preventiva,

perdendo a natureza de prisão em flagrante.

A prisão em flagrante tem quatro momentos, nem sempre tão claros: (i) prisão

captura (captura fática do agente), (ii) lavratura do auto de prisão em flagrante (lavrado pelo

delegado responsável), (iii) prisão detenção e (iv) verificação judicial do flagrante (escrutínio

do juiz acerca da necessidade e adequação da medida pré-cautelar, transformando-a em

medida cautelar).

3.2. Espécies

Previstas no art. 302, CPP.

Flagrante próprio

A verdadeira situação de flagrante próprio é quando a pessoa está cometendo o crime

(inciso I), contudo, a jurisprudência e a doutrina equiparam o inciso II ao flagrante próprio,

posto que o agente acaba de cometer o delito.

Flagrante impróprio

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Percebe-se que o CPP acaba por usar o verbo presumir tanto para o inciso III quanto

para o IV. Todavia, o flagrante impróprio encontra-se tão-somente no inciso III: ocorre

quando o agente é perseguido logo após, em situação que faça presumir ser o autor, tanto pela

autoridade quanto por outra pessoa, o ofendido, por exemplo. Qual é o tempo? Variável, desde

que a perseguição seja ininterrupta, durante a qual a situação de flagrante persistirá.

Flagrante presumido

É encontrado logo depois com instrumentos que façam presumi-lo como autor do

delito – previsão do inciso IV. Daqui vem a idéia de que o agente tem que ficar foragido por

determinado tempo para não ser a hipótese anterior de flagrante. Com esse inciso se percebe

que a certeza visual do flagrante vai se reduzindo ao longo das espécies aqui tratadas.

Tudo isso está ligado à idéia do cometimento do crime. Quem define quando um crime

está sendo cometido? O direito penal material (e não o processual) é que define quando

ocorreu e se vai ser crime. O crime de extorsão não é receber, mas exigir o dinheiro. Então,

aquele “flagrante” de uma suposta corrupção não existe. Sempre tem que se observar o núcleo

do tipo do crime.

3.3. Situações especiais de prisão em flagrante

Tais situações estão previstas no art. 302, CPP.

Flagrante preparado ou provocado

É aquele em que a autoridade policial influencia a situação para que o criminoso

cometa o crime para depois prendê-lo. A Súmula 145 do STF determina que não há crime

quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a consumação, o que

caracterizaria crime impossível. Aqui se percebe que o maior problema seria o vício de

vontade, com base na teoria do dolo – este fica prejudicado enquanto elemento subjetivo. Se

há essa interferência, não há flagrante em delito nem há crime porque nunca houve perigo ao

bem tutelado. A maioria das denúncias por tráfico de drogas é por se ter em depósito, visto

que, pela influência da polícia, não pode ser por vender.

Flagrante esperado

É válido posto que a polícia não interfere, apenas aguarda a realização do crime – já há

fundamentada suspeita e prepara-se vigilância.

Flagrante retardado ou diferido (ação controlada)

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Regulada pela Lei 12.850, art. 8º, caput. É uma autorização, tendo em vista estratégia

policial, para que a autoridade deixe de efetuar a prisão em flagrante em determinado

momento, desde que mantenha a situação sob controle, para realizar a prisão em momento

mais oportuno em termos de questão probatória. Serve, então, excepcionando a regra da

obrigatoriedade da ação da autoridade e, quando concretizada, haverá flagrante impróprio

(há perseguição, não ostensiva, mas de observação e acompanhamento). Exemplo: pode

ocorrer num caso de entrega de drogas, em que você já sabe que a droga está no caminhão,

mas vai aguardar o carregamento chegar ao comprador. Claro que isso não irá ocorrer em

casos em que se envolve homicídio.

Flagrante em crime permanente

Prevista no art. 303, CPP. É situação em que a pessoa pode ser presa durante a

permanência da consumação do crime, como no caso de extorsão mediante seqüestro e

depósito de drogas. Ressalta-se que não se pode confundir crime permanente com crime

instantâneo de resultado permanente.

Flagrante em crime habitual

É aquele crime que só se consuma quando há uma prática reiterada de atos, uma

habitualidade, em que não apenas um ato é crime, mas a conduta reiterada. Ocorre, então,

uma impossibilidade de visualização de toda a atividade delitiva porque não dá para se

representar instantaneamente toda a habitualidade da prática delitiva. Exemplo: exercício

ilegal da medicina e exploração de prostituição alheia. Assim, é um ponto discutido haver

flagrante em crime habitual porque o flagrante é a certeza visual do crime e aqui só é possível

ver a prática irregular de um ato e não a habitualidade do crime.

Flagrante em crime de ação penal pública condicionada ou ação penal privada

Neste tipo de ação, o início do inquérito depende da manifestação da vítima ou do auto

de prisão em flagrante. Contudo, mesmo esse último depende de manifestação de vontade da

vítima, assim, não havendo, não se pode prender em flagrante. Dessa forma, conclui-se pela

impossibilidade de lavrar auto de prisão em flagrante e recolher à prisão – art. 5º, §§ 4º e 5º,

CPP.

3.4. Formalidades do auto de prisão em flagrante delito

A competência para lavrar o auto dessa prisão será da autoridade policial do local em

que ocorrer a prisão e não do local do crime – art. 308, CPP.

A peça do auto de prisão em flagrante é complexa porque depende de muitas pessoas

a serem ouvidas. Tais sujeitos se encontram elencados no art. 304: o condutor (quem conduz

o indiciado até a autoridade policial), duas testemunhas presenciais (ao menos duas) e o

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conduzido (indiciado). Na ausência dessas testemunhas presenciais, devem ser ouvidas duas

testemunhas da apresentação do conduzido (art. 304, § 2º). Nessa última hipótese são menos

elementos a serem valorados e se trata de um auto de prisão em flagrante com estrutura

anômala.

Ainda, o condutor não pode servir como testemunha, apesar de haver jurisprudência

nesse sentido. O caput do art. 304 estabelece que deverão ser ouvidos o condutor e as

testemunhas, o que implica na oitiva de, pelo menos, três pessoas distintas. O problema é

que a jurisprudência vem aceitando que o condutor seja ouvido também como primeira

testemunha, mesmo sendo importante haver duas testemunhas porque a autoridade, para

fazer seu juízo de valor se houve flagrante, usará basicamente destas testemunhas. Assim, as

fontes de prova são reduzidas de no mínimo três para no mínimo duas.

3.5. Infração cometida na presença de autoridade ou contra autoridade

O art. 304, § 3º, CPP, trata das testemunhas de leitura. Tais testemunhas assinarão

o auto de prisão em flagrante nas situações em que o preso não souber ler ou de não querer

apor assinatura ou não puder fazê-lo e tiver sido feita a leitura dos autos a ele. Ressalta-se que

essas testemunhas têm de ser diferentes daquelas que atuaram antes porque cada

testemunha cumpre um papel – do mesmo modo, não pode ser alguém da polícia.

Mesmo assim, pode-se afirmar que o conduzido pode se valer do direito ao silêncio.

Entretanto, acaba-se por ter um problema de ordem prática nos casos em que o preso se

recusa a falar, ou só falará na presença de advogados, e as testemunhas dizem o que ele falou

na hora em que são ouvidas ou o condutor narra algo que o conduzido disse no caminho,

dentro da viatura – para o professor, isso não deveria ser valorado.

Como desfecho, a autoridade irá valorar todos os elementos apresentados e lavrará

um auto de prisão em flagrante, se o caso. O art. 204, § 1º, então, trata da valoração dos

depoimentos.

Por fim, cabe afirmar que a inobservância das formalidades do auto de prisão em

flagrante acarreta a nulidade. Dessa forma, por mais que o auto de infração seja lavrado, este

não terá eficácia. Isso ocorre porque todas as formalidades em xeque visam coibir os abusos e

os flagrantes forçados e a jurisprudência tem sido bastante rígida nesse sentido. Assim, atos

coercitivos contra a liberdade e atos a serem valorados para convencimento judicial, como no

caso do condutor também ser testemunha, acabam por tornar ineficaz o próprio auto.

3.6. Infração cometida na presença de autoridade ou contra autoridade

Tal assunto é abordado pelo art. 307, CPP. Nesses casos, a autoridade pode dar voz de

prisão e não haverá oitiva do condutor porque o preso, diante disso, não é conduzido até a

autoridade visto que o flagrante ocorre na presença desta. Como exemplo, pode-se citar os

casos em que o averiguado resolve dar dinheiro a uma autoridade para que não registre uma

ocorrência: dá-se voz de prisão.

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Com isso, cabe destacar que autoridade é aquele quem tem poderes para a lavratura

do auto de prisão em flagrante, ou seja, ou é juiz ou é delegado de polícia. O problema ocorre

quando, por exemplo, se a autoridade é o juiz, tendo em vista que o auto de prisão em

flagrante será remetido, por vezes, ao mesmo, em face de quem ocorreu o crime (situações

comuns em lugares onde se tem vara única). É um caso grave de perda de imparcialidade

objetiva: o juiz, nesses casos, será a vítima ou a testemunha – dois casos de impedimento. É

por isso que o artigo em análise coíbe a remessa do auto a essa autoridade, nesses casos de

impedimento para a ação penal. Mesmo que não houvesse tal impedimento nesse artigo,

sabe-se que o rol de impedimentos não é taxativo, fazendo com que, havendo demonstração

de risco da perda de imparcialidade, esta deve ser considerada para provocar o afastamento.

3.7. Comunicação da prisão em flagrante e sua apreciação judicial

A comunicação está prevista no art. 306, caput, CPP. Essa tem o escopo de dar

visibilidade da prisão, garantindo a integridade da pessoa. Assim, deverão ser comunicados,

imediatamente: (i) a autoridade judiciária, (ii) o Ministério Público e (iii) a família do preso

ou alguma pessoa por ele indicada.

O CPP sofreu alteração em 2011, colocando que o envio do auto de prisão em

flagrante deverá ser feito dentro de 24 horas ao juiz e, nos casos em que o autuado não

informar advogado, uma cópia integral deverá ser remetida à Defensoria Pública (art. 306,§

1º).

Dentre as alternativas do juiz ao receber o auto de prisão em flagrante, este deve, de

acordo com o art. 310, caput, proceder ao (i) relaxamento da prisão quando esta for ilegal,

(ii) decretar prisão preventiva quando qualquer medida cautelar alternativa à prisão for

incabível ou (iii) conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança.

Ainda, pode-se falar da necessidade de audiência de custódia (art. 7.5, CADH), ou

seja, toda pessoa presa deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou autoridade

competente dentro de quatro dias: “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida,

sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções

judiciais [...]”. Isso ocorre porque é uma prisão que nasce administrativa e depois se

jurisdicionaliza. Ademais, há muita diferença entre o preso e o advogado argüirem com o juiz

e o juiz receber e apreciar o auto de prisão em flagrante.

4. PRISÃO PREVENTIVA

4.1. Decretação

Cumpre destacar, antes de tudo, que a prisão preventiva é a prisão cautelar por

excelência, sendo que a prisão em flagrante é efêmera, tem duração apenas inicial, posto que

convertida em liberdade, medida alternativa ou prisão preventiva. Assim, o seu momento de

decretação (art. 311, CPP) ocorre ou durante o inquérito policial ou no curso da ação penal.

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Todavia, em 1989, criou-se a prisão temporária, própria do inquérito, não sendo

cabível, então, a prisão preventiva durante o inquérito. Dessa forma, até a denúncia, era

cabível prisão temporária e, após, prisão preventiva. Com a reforma de 2011, retornou-se ao

entendimento anterior de que é cabível prisão preventiva, voltando o art. 282 a mencioná-la

dentro da fase de investigação ainda e deixando a prisão temporária de existir.

Os legitimados para requererem a prisão preventiva dentro do inquérito são o

Ministério Público e através de representação (já que não tem capacidade postulatória) da

autoridade policial. Já na ação penal, o juiz pode decretar, ex officio, ou pode ser através de

requerimento do Ministério Público, do querelante (quando for ação penal de iniciativa

privada) ou do assistente de acusação. Antes da reforma de 2011, o CPP defendia a

possibilidade de tal prisão ser decretada ex officio pelo juiz dentro do inquérito policial.

Contudo, a reforma questionou a iniciativa oficiosa do juiz, posta que duvidosa e indicaria

uma ação acusatória por parte deste.

Em relação à legitimidade para decretar, somente o juiz de direito, mediante decisão

fundamentada, poderá decretar a prisão. Essa prerrogativa exclusiva não cabe nas prisões em

flagrante, como vimos.

4.2. Cabimento

As hipóteses de cabimento da prisão preventiva são um ponto chave do tema. Os

pressupostos positivos (os que estão sempre presentes) estão tratados no art. 312. Caso

esses pressupostos estejam ausentes, não há prisão e são (i) a prova da existência do crime e

(ii) indício suficiente de autoria.

Em relação aos requisitos (art. 312), preliminarmente, afirma-se que, diferentemente

dos pressupostos, são alternativos, bastando, então, que um esteja presente:

a. Garantia da ordem pública;

b. Garantia da ordem econômica (esses dois conceitos são problemáticos, já que são

muito abertos e não definidos legalmente ou usados com a finalidade de antecipar a

pena, violando a presunção de inocência, sob o fundamento do “clamor público” ou de

“periculosidade do agente”);

c. Conveniência da instrução criminal (cautela instrumental, como nos casos de risco à

prova);

d. Assegurar a aplicação da lei penal (cautela final, com fulcro de assegurar a sentença

final);

e. Descumprimento de medida cautelar alternativa (não obrigatório de ser aplicado pelo

juiz. Alguns autores entenderam que esse parágrafo único criou uma hipótese nova,

mas, para o professor, isso não ocorreu porque o legislador não colocou isso no art.

313 e, sim, no art. 312. Assim, seria somente mesmo um requisito novo).

Há, ainda, os chamados pressupostos negativos, elencados no art. 314, que são

aqueles que não permitem a prisão preventiva – diferentemente dos pressupostos positivos. E

são eles: crime praticado sob condições de excludentes de ilicitude ou de culpabilidade (por

analogia).

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Depois, então, de observados os pressupostos e os requisitos, as hipóteses de

cabimento estão elencadas no art. 313. A ideia aqui é de proporcionalidade sem sentido

estrito, posto que as hipóteses são aplicáveis a determinados crimes que provavelmente serão

punidos com prisão. Se não houver probabilidade de punição por prisão, não deve ser

decretada a prisão cautelar – probabilidade de cometimento de um crime (fumus commici

delicti) e risco da demora do processo (periculum libertatis):

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4

anos;

Se a pessoa está cometendo um crime doloso com pena inferior a quatro anos, mesmo

com a presença de pressupostos, reiterado (ordem pública), ele será preso? Não. Se a pessoa

não vai para a prisão no fim do processo, por que deveria ser presa agora?

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado,

ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Código Penal;

Isso se dá porque o acusado não é réu primário e, com isso, poderá ir para a prisão.

Com crime culposo ele não poderá ser preso.

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança,

adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas

protetivas de urgência;

O fulcro aqui é garantir a execução de medida protetiva.

4.3. Nova situação de “periculum libertatis”: descumprimento de medida alternativa à prisão

Com a reforma de 2011, foi acrescentado um parágrafo único ao art. 312, dando a

faculdade ao juiz de, em caso de descumprimento de qualquer obrigação imposta por força de

medida cautelar, poder decretar a prisão preventiva. Dessa forma, não é automática a

implicância da prisão preventiva, já que deve se considerar que o descumprimento gera

periculum libertatis e pode bastar a substituição por medida alternativa mais gravosa ou

cumulação da medida descumprida com outra medida alternativa, posto que o juiz deve

continuar com a escalada de intensidade das medidas preventivas.

Parte da doutrina entende que esta é mais uma hipótese de cabimento da prisão

preventiva. Porém, se assim fosse, o modificado seria o art. 313, não o art. 312. Para o

professor, essa mudança gerou mais um requisito, devendo ser observados, sempre, as

hipóteses do art. 313 e a necessidade e a adequação da medida. Contudo, é uma questão

divergente.

4.4. Fundamentação da prisão preventiva

A decretação da prisão carece de pressupostos que devem ser demonstrados de

maneira a justificar dita decretação. Dessa forma, a justificação da prisão deve se dar com base

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em elementos concretos do inquérito policial ou do processo: deve-se ter fumus commissi

delicti (“fumaça do delito cometido”, ou seja, a comprovação da existência de um crime) e

periculum libertatis (“perigo na liberdade do acusado”). Aqui não se trata de periculum in mora

porque esta não gira em torno de um dano potencial, mas aqui não é o caso.

Fumus commissi delicti (arts. 312 e 314), enquanto prova da existência do crime,

aborda a questão do juízo de certeza, ainda que provisória, em relação à materialidade do

crime. Quanto ao indício suficiente de autoria, aqui se trata de um juízo de probabilidade. Se

houver mais de um acusado, deverá haver uma fundamentação específica para cada um.

Periculum libertatis obriga a não repetição do texto legal, indicando situações

concretas. Perigo não é fato (situação do perigo – arts. 312), é muito mais difícil de provar e

justificar porque é em relação à possibilidade de dano. Contudo, deve haver prognósticos

(como nos casos de vender a casa e comprar passagem), que são elementos concretos que

permitem tais prognósticos. Não basta, portanto, um temor sem base concreta – é por isso que

mais da metade dos habeas corpus são contra prisão preventiva, alegando ausência de

fundamentação. Alguns Tribunais, ao invés de julgar se o juiz fundamentou devidamente,

acabam por julgar novamente a necessidade da prisão preventiva.

Ademais, a reforma acrescentou um fator de dificuldade para a decretação da prisão –

art. 282, § 6º –, que é justificar a inadequação das medidas cautelares alternativas à prisão,

intensificando ainda mais a excepcionalidade da prisão preventiva. Tal escolha de

dificultar essa decretação foi política. Segundo dados do CNJ, atingimos o terceiro lugar no

nível de encarceramento.

4.5. Prisão domiciliar

Foi inserida no nosso sistema pela Lei 12.403/2011 e está prevista no art. 317, CPP.

É um modo de cumprimento da prisão preventiva, não se tratando de forma

autônoma de prisão cautelar ou de forma alternativa de medida cautelar. Não se devem,

também, confundir com o recolhimento ao domicílio em horário noturno, que é uma medida

cautelar alternativa, e com a prisão domiciliar estabelecida pela Lei de Execução Penal, posto

que esta já é cumprimento de pena e não medida cautelar.

A razão de ser da prisão domiciliar é que há situações em que o mal de manter a

pessoa presa nas condições em que o sistema carcerário oferece é pior do que a própria pena.

As situações de cabimento estão elencadas no art. 318:

a. Maior de 80 anos;

b. Extremamente debilitado por motivo de grave doença;

c. Imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 06 anos ou com

deficiência;

d. Gestante a partir do 7º mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

Alguns termos utilizados dão abertura ao juiz para interpretar a situação.

4.6. Revogação da prisão preventiva

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Sua previsão se encontra no art. 316, CPP. Entretanto, antes de tudo, precisa-se

salientar a diferença entre relaxamento e revogação. Há relaxamento da prisão quando esta é

decretada ilegalmente ou quando, depois de decretada, torna-se ilegal – ou seja, é nos casos de

prisão ilegal. Assim, não houve cumprimento dos seus requisitos, dos pressupostos, da

fundamentação. Mas se a prisão foi legal, a situação fática muda. Dessa forma, há revogação

quando a prisão legalmente decretada se torna desnecessária – como quando a intensidade

cautelar desaparece ou diminui. Pode-se, então, revogar a prisão preventiva e decretar outras

medidas cautelares alternativas, se o caso. Por fim, ressalta-se que a revogação também é

válida para outras medidas cautelares também.

Existe ainda o mecanismo de análise temporária da prisão cautelar, a cada três

meses, com o fulcro de evitar o esquecimento de presos, que ocorre muito. Isso se dá porque

não é justo que o Estado tire a liberdade de alguém e se torne isento de responder por isso.

Há, devido a isso, um projeto de custódia, de que a pessoa presa tem direito a ser levada, sem

demora, à presença do juiz, inclusive por meio de videoconferência.

5. PRISÃO TEMPORÁRIA

5.1. Noções gerais

Nosso sistema não tinha prisão temporária – havia a prisão para averiguação, tão

somente. Posteriormente, criou-se uma prisão para a fase do inquérito: a prisão temporária.

Assim, essa teve sua origem instituída pela Lei 7.960/1989 e com requisitos mais brandos

do que a prisão preventiva (por isso ela tem um prazo de duração mais restrito).

Dessa forma, a prisão temporária tem a natureza de ser uma modalidade de prisão

cautelar (posto que não pode ser considerada pena) e tem a finalidade de evitar que, em

liberdade, o investigado possa dificultar a colheita de informações para a investigação de

crimes de maior gravidade – forma de assegurar a própria investigação.

O momento será sempre durante o inquérito, pois será para assegurar a investigação,

mas não eh cabível em todos os crimes, mas apenas num rol taxativo de crimes de maior

gravidade, que em muitos pontos coincide com os crimes hediondos. Não eh possível prisão

temporária depois de já feita a denúncia. O prazo da prisão temporária é de 5 dias

prorrogáveis por mais 5, em caso de extrema e comprovada necessidade, o que dificilmente se

comprovará. Em 1990, vem a lei dos crimes hediondos, que prevê que, para esses crimes, o

prazo é de 30 dias, prorrogáveis por mais 30 (o rol de crimes hediondos é muito parecido com

aqueles em que se pode prever a prisão temporária, assim, quase todos acabaram tendo o

prazo alterado). Não há alvará de soltura, quando findo o prazo o réu deve ser solto.

5.2. Requerimento e decretação

Pode ser requerida pelo promotor de justiça ou autoridade policial, não pode ser feita

pode assistente de acusação. O juiz decreta, deferindo o pedido do Ministério Público ou

autoridade policial, não podendo decretar de ofício. A autoridade policial não tem capacidade

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para postular, não pode requerer, mas representar. Quando o juiz recebe a representação da

autoridade policial, o juiz deve apresentar ao Ministério Público, que poderá concordar ou não

concordar. Se não concordar o juiz não pode deferir. Se o juiz aceitar estará decretando a

prisão de ofício. O juiz não pode decretar sem a concordância do MP, pois ele é o destinatário

final do inquérito. Se o MP não é a favor da prisão que a autoridade policial entende que cabe

e o juiz decreta a prisão temporária, esta decretação é ex officio e não permitida (apesar de

acontecer costumeiramente). Se houver divergência entre a visão da autoridade policial ou do

MP, prevalece a visão do MP. Essa é uma impropriedade técnica: embora a lei diga que é

requerimento da autoridade policial, ela não tem esse poder, não tem capacidade postulatória,

ela noticia o fato, ela representa.

5.3. Cabimento

Quanto ao cabimento, temos a discussão de se o art. 1º da Lei 7.960/89 que trata do

assunto estabelece as hipóteses. Discute-se se esses incisos devem ser cumulativos ou

alternativos:

Art. 1° Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao

esclarecimento de sua identidade;

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na

legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);

b) sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);

c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);

e) extorsão mediante sequestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e

parágrafo único);

h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);

i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);

j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado

pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de

sua formas típicas;

n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);

o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986)

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São três incisos. O terceiro trata do fumus commissi delicti, o primeiro e o segundo, do

periculum libertatis. Os incisos não podem ser interpretados nem independentemente,

tampouco cumulativamente, pois podemos cair ou numa situação discriminatória como

prender moradores de rua, pois não têm residência fixa ou então se tornar impossível a prisão

temporária (caso interprete-se cumulativamente).

O que deve necessariamente haver é o fumus e o perigo, justamente por se tratar de

espécie de prisão cautelar. O inciso III estabelece o rol dos crimes. O fumus está no inciso III. É

preciso ter também um dos requisitos de periculum, o inciso I ou o inciso II. Para decretar eh

preciso ter inciso I + III ou II + III. Aqui não há garantia da ordem pública como fundamento

(isso é fundamento da preventiva), então se o investigado foi ouvido no 1º dia, não há

necessidade de se manter a prisão temporária e o juiz pode expedir o alvará de soltura, pois

foi antes do prazo de 5 dias.

6. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS À PRISÃO

6.1. Natureza e espécie

Os art. 319 e 320 estabelecem as medidas que são alternativas, não substitutivas. Isto

é, aplica-se da menos gravosa, adequada ao caso; caso fosse em substituição, a prisão seria

decretada e então poderia ser substituída. Os incisos não estão em escala de gravidade. A

prisão, ao ser decretada, deve ser a única medida cabível.

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para

informar e justificar atividades;

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias

relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais

para evitar o risco de novas infrações;

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias

relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou

necessária para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado

ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou

financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações

penais;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência

ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art.

26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

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VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do

processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à

ordem judicial;

IX - monitoração eletrônica.

§ 4o A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título,

podendo ser cumulada com outras medidas cautelares.

Art. 320. A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades

encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou

acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

6.2. Finalidade

As medidas cautelares são acautelatórias, não podem funcionar como antecipação da

pena. Os casos acima podem ser de cautela final, instrumental, ou ambas. Os pressupostos são

os das medidas cautelares, fumus e periculum. Os requisitos estão no art. 282 que ao tratar da

necessidade fala que se pode decretar cautelar quando for necessária para investigação ou

instrução criminal, e nos casos previstos em lei pra evitar reiteração criminosa. Algumas das

medidas aqui servem para mais de uma finalidade.

- Cautela instrumental e final: inc. I, III, V, VIII e IX do 319 e art. 320

- Cautela instrumental apenas: inc. IV do art. 319

- Finalidade extraordinária de evita a reiteração criminosa: inc. II, VI e VII do art.

319.

6.3. Cabimento

Não há para as medidas alternativas um rol de delitos, então seriam cabíveis só no art.

313? Não, aqui as hipóteses de cabimento seriam hipóteses menos graves, por se tratar

justamente de medidas menos intensas que a prisão cautelar. Ou seja, seriam situações menos

graves que as hipóteses do art. 313.

No entanto, são os mesmos pressupostos positivo (materialidade do crime e indícios

da autoria), ou seja, o fumus e negativo (excludentes) e com os requisitos cautelares do art.

282, caput, inc. I

6.4. Preferibilidade e cumulatividade

As medidas cautelares alternativas à prisão são preferíveis em relação à prisão

preventiva, sempre se deve privilegiar os meios menos gravosos e restritivos de direitos

fundamentais.

As medidas podem ser aplicadas cumulativamente, menos cumulativamente à prisão

preventiva. A análise da situação deve ser permanente.

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6.5. Variabilidade

Art. 282, § 5º. O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de

motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

O juiz poderá revogar a medida, ou substituí-la, bem como voltar a decretá-la, de

acordo com a necessidade. A mudança do estado de fato pode resultar a revogação da medida

cautelar, substituição por outra mais gravosa ou benéfica, reforço, cumulando medidas ou

atenuação das medidas, revogando uma medida anteriormente cumulada. A mudança ocorre

com surgimento de novas provas que alterem o convencimento sobre o fumus e o perigo

6.6. Taxatividade

Só há legalidade se aplicadas as medidas previstas em lei e nas hipóteses cabíveis. As

medidas que vem sendo aplicadas que estão fora do rol dos artigos ofendem o princípio da

legalidade. Como esse rol é insuficiente a jurisprudência vem suprindo, mas deve haver uma

alteração legislativa.

6.7. Medidas em espécie

Comparecimento a juízo:

Finalidade pode ser tanto para instrução quanto para investigação. Pode servir tanto

para evitar a fuga como para assegurar a prova, por exemplo, se alguém precisar comparecer

em audiência, ou seja, tem finalidade tanto cautelar instrumental quanto final. Nossa lei não

fala, mas tem que ser pessoal e em juízo (não na policia ou cartório), não acontece nada de

justificativa de atividades. O juízo não precisa ser onde esta tramitando, juiz deve estabelecer

peridiocidade e pode variar ao longo do processo.

Proibição de acesso ou frequência de lugares

Para evitar risco de novas infrações. Acesso é nunca, nenhuma situação. Frequência é

reiteração, mais de uma vez. Tem que ter nexo causal com o crime.

Proibição de manter contato com pessoa

Evitar também a reiteração. Finalidade instrumental (preponderante) e final. Pode se

aplicar a vítimas, testemunhas e corréus. Aqui também temos uma medida que vem da Lei

Maria da Penha, mas pode ser para evitar que um acusado tenha contato com outros

acusados, ou com uma testemunha do caso. A doutrina se inclina a possibilidade de limitar o

contato em meios virtuais, através de redes sociais, para certos crimes.

Proibição de ausentar-se da comarca

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É uma medida bastante criticada, por ser muito restritiva. Normalmente está mais

ligada a evitar a fuga. Esta medida tem aqui uma única finalidade, é uma medida cautelar

probatória, chamada cautelar instrumental, pois visa assegurar a prova. É razoável que o juiz

estabeleça algumas exceções temporais ou espaciais, para permitir seu cumprimento. Por

exemplo, a pessoa pode morar e trabalhar em comarcas diferentes.

Recolhimento domiciliar noturno

Pode ter finalidade probatória, mas o mais provável é ser uma cautela final para

impedir que a pessoa fuja. É pouco eficaz, pois a fiscalização é muito difícil, precisa ser

associada a outra medida como o monitoramento eletrônico. O juiz deve ter preocupação em

delimitar o período que será considerado noturno, e quais são dias de folga, pois são termos

que geram controvérsia, e podem ser discutidos depois. É melhor o juiz explicitar antes, do

que depois tentar se discutir se a medida foi descumprida. Como a medida interpõe alto grau

de restrição, podendo haver detração (abatimento do período caso o réu seja condenado).

Suspensão da função pública ou atividade econômica ou financeira

É uma medida bastante problemática pela falta do que o legislador deveria ter

disciplinado e não disciplinou. A finalidade é evitar reiteração, o que exige que haja nexo entre

a atividade exercida e o crime que a pessoa cometeu. Exemplo: funcionário publico

processado por briga no bar, não poderá ter chance de reiteração.

Poderia haver suspensão de mandato eletivo? Há duas posições: há quem diga que

sim, pois a lei não disciplinou que não; e outros dizem que não. Geralmente, a Constituição

estabelece procedimentos especiais para a cassação. E essa medida muitas vezes gera efeitos

semelhantes a da cassação, mas sem passar pelo rito estabelecido pela Constituição. É preciso

pesar o risco de reiteração criminosa, e o exercício da democracia (é como se o juiz

subvertesse o resultado das urnas). O Prof. Badaró acha que não pode.

Se a lei não estabeleceu, não poderá haver prejuízo dos vencimentos. O que não deixa

de ser uma injustiça, pois o Estado pagará sem o indivíduo trabalhar. Algumas leis específicas

e de funcionários públicos prevê suspensão de parte dos vencimentos em casos de

afastamentos administrativos.

O conceito de atividade econômica e financeira é muito amplo, e parece que não tem

sentido suspende uma atividade que não é fiscalizada por nenhum órgão, dificultando a

execução da suspensão.

O juiz deve estabelecer um prazo, e fazer um controle rigoroso do cumprimento da

medida. Tanto quanto possível, essa suspensão deve ser parcial, observando o risco de

reiteração criminosa.

Internação provisória do acusado inimputável ou semi-imputável

Ocorre nos casos de atos praticados com violência ou grave ameaça. O imputável

cumpre pena, o inimputável cumpre medida de segurança. A medida não é cautelar, mas

medida de segurança sem finalidade terapêutica.

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A medida pode ser aplicada mesmo quando a pessoa não era inimputável na data do

fato, pode ser por fato superveniente. Deve haver um laudo pericial, e pelo menos dois peritos.

Deve ser um estabelecimento com estrutura equivalente a um hospital psiquiátrico, e não

ambulatorial. Deve-se aplicar a detração, pois implica privação de liberdade.

Monitoração eletrônica

Foi criado em 2011, mas colocaram só a previsão no inc. IX, sem determinar as

condições e os requisitos. Pode ser utilizada cumulativamente com outras medidas como

forma de fiscalizar a execução de outras medidas.

O monitoramento eletrônico como medida processual é diferente daquele utilizado

quando a pessoa já está cumprindo a pena, e que é determinado na lei de execuções. Tem

finalidade instrumental e final.

Proibição de ausentar-se do país

Para dar efetividade a essa medida é necessário entregar o passaporte. As autoridades

fronteiriças devem ser comunicadas, pois para viagens do MERCOSUL não é necessário

apresentar passaporte.

No caso do estrangeiro, mesmo que ele entregue o passaporte, pode conseguir outro

no consulado, alegando que foi assaltado. Por isso, é importante comunicar as autoridades

consulares do país do estrangeiro. 90% dos acusados nunca saíram do país e nem têm

passaporte.

Disposições especiais relativas à fiança

A fiança está no inciso VIII, mas também no art. 310, III, como medida substitutiva da

prisão. Por isso passa a ter uma natureza híbrida, é tanto uma contracautela (caso de

conversão de prisão em flagrante), como também uma medida cautelar autônoma alternativa

à prisão. Tem a finalidade instrumental e de cautela final, conforme reforma de 2011, como

assegurar o comparecimento aos atos do processo, evitar a obstrução de seu andamento ou

em caso de resistência injustificada à ordem judicial.

Inafiançabilidade no art. 323 e não cabimento no art. 324:

Art. 323. Não será concedida fiança:

I - nos crimes de racismo;

II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos

definidos como crimes hediondos;

III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional

e o Estado Democrático;

Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:

I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido,

sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;

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II - em caso de prisão civil ou militar;

III - (Revogado)

IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).

Quem pode arbitrar a fiança é o juiz e o delegado de polícia nos casos em que o crime

tiver pena máxima não superior a 4 anos. Badaró: se fiança é medida cautelar quem tem que

arbitrar é o juiz. Usa-se a desculpa de que como não tem juiz 24 horas por dia, o delegado

pode fazer isso.

A fiança é fixada em salários mínimos. Art. 325, caput. Há duas faixas: de 1 a 100

salários se a pena não for superior a 4 anos. Maior que 4 anos, pode ser de 10 a 200 salários. O

quantum dentro desses limites deve corresponder à capacidade das pessoas. O que se tem

visto é a fixação de valores absurdos para a condição econômica da pessoa. Se o delegado

arbitra uma fiança muito alta, pode-se recorrer ao juiz. Se a pessoa comprovar que não tem

condição de pagar, a pessoa sai sem pagar na condição de liberdade provisória. Dependendo

da situação econômica a fiança pode ser reduzida em 2/3 ou aumentada em 1000 vezes.

A pessoa que está em liberdade provisória mediante fiança, além da garantia que

deverá pagar, deve comparecer a todos os atos do processo para os quais for intimado, art.

327. No Processo Penal não existe revelia, mas se ele deixa de cumprir essa obrigação está

quebrando a fiança. Além disso, não pode ausentar-se da comarca por mais de 8 dias sem

comunicar o juiz, ou mudar de residência sem autorização (inconstitucional), basta a

comunicação, não é uma autorização, art. 328.

A fiança é uma garantia real. Enquanto dura o processo o valor fica depositado em

conta judicial. Não pode ser tão pequena a ponto de ser insignificante para o acusado, nem

excessiva, deve ser proporcional à condição econômica do acusado. Há limites legais mínimos

e máximo. Pode ser paga em dinheiro e outros valores, mas também em imóveis. A destinação

dos bens dados em fiança depende se o acusado é condenado ou não. Será usado para

descontar custas processuais, indenizações, multas, se condenado. Se absolvido ou declarada

extinta a punibilidade o valor é restituído integralmente e atualizado.

A finança pode ser cassada nas hipóteses em que não poderia ser aplicada, como nos

casos de crimes inafiançáveis (art. 339). Pode ser cassada quando não era cabível (art. 338), e

quando por nova sentença ou determinação não for mais cabível.

Pode ser reforçada por insuficiente, depreciação ou perecimento do valor ou nova

classificação. Se o valor for pequeno demais pode-se exigir o reforço da fiança.

Art. 340. Será exigido o reforço da fiança:

I - quando a autoridade tomar, por engano, fiança insuficiente;

II - quando houver depreciação material ou perecimento dos bens hipotecados ou

caucionados, ou depreciação dos metais ou pedras preciosas;

III - quando for inovada a classificação do delito.

Parágrafo único. A fiança ficará sem efeito e o réu será recolhido à prisão, quando, na

conformidade deste artigo, não for reforçada.

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A fiança é quebrada quando ela deixa de cumprir alguns dos vínculos que firmou no

momento de recolhimento da fiança, como não comparecer aos atos do processo, mudar de

residência sem comunicar o juiz, se ausentar por mais de 8 dias sem comunicar o juiz. Se o

indivíduo não cumprir a medida que o juiz estabeleceu como cumulativa também há quebra.

Uma das consequências é que perderá metade da fiança, mesmo se depois for absolvido. O

risco maior do descumprimento da fiança é que a medida pode ser substituída por prisão.

Art. 341. Julgar-se-á quebrada a fiança quando o acusado:

I - regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo;

II - deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo;

III - descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança;

IV - resistir injustificadamente a ordem judicial;

V - praticar nova infração penal dolosa.

A perda da fiança se dá quando a pessoa for condenada e não aparecer para cumprir a

pena. A perda é total, mesmo se a pessoa for capturada depois. A fiança é sempre pessoal, do

acusado. Nos EUA a fiança é garantia real e fideicussória.

7. Liberdade provisória

7.1. Natureza e conceito

A liberdade provisória é gênero dos quais são espécie a liberdade provisória mediante

fiança e a liberdade provisória sem fiança. A liberdade provisória supõe que a pessoa já esteve

presa e a ela foi concedida uma liberdade, que não é plena. Há vínculos e obrigações impostas

a essa pessoa que, se descumpridos, farão com que ela retorne à prisão.

Vamos fazer uma distinção: quando a prisão é ilegal, o juiz relaxa a pena, como se

nunca tivesse sido presa; se a prisão for desnecessária, o juiz pode revogar, e a pessoa tem

liberdade plena; quando a pessoa é presa em flagrante o juiz pode dar a liberdade provisória

com ou sem fiança, quando você tem ainda algumas obrigações, como medida substitutiva.

7.2. Classificação

A fiança sem flagrante é medida cautelar alternativa à prisão, não é liberdade

provisória.

A liberdade provisória com fiança é espécie de liberdade provisória e é medida

alternativa à prisão em flagrante, disposta no inciso III do art. 310.

A liberdade provisória sem fiança só em possível em duas hipóteses, as do art. 310,

parágrafo único, quando há excludente de ilicitude e a do art. 350:

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Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do

preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts.

327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso.

Parágrafo único. Se o beneficiado descumprir, sem motivo justo, qualquer das obrigações

ou medidas impostas, aplicar-se-á o disposto no § 4o do art. 282 deste Código.

O problema na primeira hipótese, do art. 310, de excludente de ilicitude, é que aqui

nem sequer deveria ter ocorrido a prisão em flagrante, não há fumus, e deveria ocorrer o

relaxamento. A segunda situação é o caso de acusado pobre do art. 350, que não tem

condições de pagar a fiança. O juiz deixa ele sair em liberdade, mas com uma série de

obrigações a cumprir. O problema é a demora da liberdade provisória neste caso. No caso de

excludente de ilicitude, temos a hipótese daquele guarda noturno que aborda uma pessoa que

acha que iria assaltar alguém, e sem querer mata a pessoa, considerando fato típico em

legítima defesa. A autoridade policial lavra a prisão em flagrante, e o juiz concede a liberdade

provisória. Como tem grande chance da pessoa ser absolvida concede-se a liberdade e não

paga a fiança. Sua aplicação é difícil, pois o juiz não tem elementos para assumir que a pessoa

poderá ser absolvida.

No caso de acusado pobre, o juiz pode reduzir a fiança mínima em dois terços. Se

mesmo assim não tiver nada, o juiz pode conceder a liberdade provisória sem fiança, com

mais obrigações. Hoje isso não tem sentido, pois há outras medidas que podem ser utilizadas.

Momento: a LP pode ser concedida do inquérito policial (art. 332) até o trânsito em

julgado (art. 334).

Vedação da liberdade provisória: Lei 8072/90, art. 2, II (houve mudança em 2007, e

a vedação restou apenas para a liberdade provisória mediante fiança); Lei 9034/95, art. 7º; e

Lei 11343/06, art. 44 – respectivamente, lei dos crimes hediondos, do crime organizado e

drogas. A doutrina aponta que essas leis acabaram possibilitando a manutenção de uma

prisão automática, sem natureza cautelar, e que, portanto, feriria a presunção de inocência;

seriam, portanto, leis inconstitucionais.

A possibilidade de LP sem fiança e sem vínculo (infração sem cominação de pena

privativa de liberdade e pena não superior a 3 meses) deixou de ser aplicado na prática, pois

com a Lei 9099/95 estabelece-se a não lavratura do auto de prisão em flagrante quando a

pessoa for levada ao juizado ou se comprometer a comparecer (art. 66, parágrafo único) –

assim, o auto só seria lavrado se a pessoa se recusa a comparecer no juizado.