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Processual Penal O Supremo Tribunal Federal e o prazo razoável da prisão preventiva Viviane de Freitas Pereira, Ana Carolina Mezzalira Resumo: Este trabalho visa analisar a aplicação do Princípio da Razoabilidade pelo STF como forma de fixação do tempo da Prisão Preventiva ante a ausência de delimitação legal sobre o tema e impossibilidade de utilização da regra dos 81 dias, em face do advento da reforma processual ocorrida em 2008. Utilizou-se o método dedutivo, pois, a partir de uma visão ampla das prisões preventivas e do Princípio da Razoabilidade, amparada pelo CPP, jurisprudência e súmulas preexistentes, se buscará a obtenção de uma conclusão sobre o tempo da prisão cautelar. Observou-se que o STF já vem aplicando o Princípio da Razoabilidade em suas decisões como fator de limitação do tempo da medida cautelar, utilizando para tanto critérios específicos que se coadunam com aqueles citados pela doutrina e jurisprudência internacional. Faz-se necessário a utilização do Princípio da Razoabilidade como forma de limitação do arbítrio da fixação da medida cautelar, impedindo a ocorrência de constrangimento ilegal ao acusado. Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal; Princípio da Razoabilidade; Prisão Preventiva; Prazo Razoável; critérios de fixação. Abstract: This study aims to examine the application of the principle of reasonableness of the federal supreme court as a way of fixing the time of preventive detention at the absence of legal boundaries on the subject and inability to use the rule of 81 days given the advent of the reform process which occurred in 2008. Will be used the deductive method, therefore, from a broad overview of preventive arrests and the principle of reasonableness, supported by the analysis of CPP, case summaries and background,search is to obtain a conclusion on the time of the arrest order.It was observed that the Supreme Court has been applying the principle of reasonableness in their decisions as a factor limiting the time of the injunction,using specific criteria for both in line with those cited by the doctrine.It is necessary to use the principle of reasonableness as a way of limiting the discretion to set the injunction, preventing the occurrence of illegal constraint to the accused. key words: the Federal Supreme Court; Principle of Reasonableness; Preventive Detention; Reasonable time; criteria for setting . Introdução

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Processual Penal 

O Supremo Tribunal Federal e o prazo razoável da prisão preventivaViviane de Freitas Pereira, Ana Carolina Mezzalira  

     

 

Resumo: Este trabalho visa analisar a aplicação do Princípio da Razoabilidade pelo STF como forma de fixação do tempo da Prisão Preventiva ante a ausência de delimitação legal sobre o tema e impossibilidade de utilização da regra dos 81 dias, em face do advento da reforma processual ocorrida em 2008. Utilizou-se o método dedutivo, pois, a partir de uma visão ampla das prisões preventivas e do Princípio da Razoabilidade, amparada pelo CPP, jurisprudência e súmulas preexistentes, se buscará a obtenção de uma conclusão sobre o tempo da prisão cautelar. Observou-se que o STF já vem aplicando o Princípio da Razoabilidade em suas decisões como fator de limitação do tempo da medida cautelar, utilizando para tanto critérios específicos que se coadunam com aqueles citados pela doutrina e jurisprudência internacional. Faz-se necessário a utilização do Princípio da Razoabilidade como forma de limitação do arbítrio da fixação da medida cautelar, impedindo a ocorrência de constrangimento ilegal ao acusado.

Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal; Princípio da Razoabilidade; Prisão Preventiva; Prazo Razoável; critérios de fixação.

Abstract: This study aims to examine the application of the principle of reasonableness of the federal supreme court as a way of fixing the time of preventive detention at the absence of legal boundaries on the subject  and inability to use the rule of 81 days given the advent of the reform process which occurred in 2008. Will be used the deductive method,  therefore, from a broad overview of preventive arrests and the principle of reasonableness, supported by the analysis of CPP, case summaries and background,search is to obtain a conclusion on the time of the arrest order.It was observed that the Supreme Court has been applying the principle of reasonableness in their decisions as a factor limiting the time of the injunction,using specific criteria for both in line with those cited by the doctrine.It is necessary to use the principle of reasonableness as a way of limiting the discretion to set the injunction, preventing the occurrence of illegal constraint to the accused.

key words: the Federal Supreme Court; Principle of Reasonableness; Preventive Detention; Reasonable time; criteria for setting.

Introdução

As medidas cautelares no Processo Penal brasileiro possuem como característica básica a garantia do bom andamento do processo, objetivando que, ao final, haja uma sentença válida e efetiva, passível de produzir efeitos. Assim, a tutela cautelar (lato sensu) desempenha um papel fundamental, pois é um dos principais meios utilizados para o alcance de uma eficácia prática da sentença final, possibilitando que o processo atinja todos os escopos (jurídicos, políticos, sociais) para os quais foi originado.

Entre tais medidas cautelares, as de caráter pessoal detêm características singulares, haja vista versarem sobre a garantia constitucional de liberdade do indivíduo antes de uma sentença condenatória transitada em julgado. Quanto às medidas cautelares pessoais, uma tem sido cada vez mais utilizada em nosso ordenamento jurídico: a prisão preventiva. Trata-se da prisão cautelar mais

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tradicional do Processo Penal brasileiro, tendo seus requisitos estabelecidos no art. 312 do Código de Processo Penal.

Apesar da taxatividade de tal previsão legal, situação diversa ocorre quando se parte para a análise do prazo que deve ser estabelecido para tal medida. Ao verificar-se o texto legal, percebe-se uma omissão do legislador em relação à fixação do tempo que tal medida cautelar deve possuir, causando dúvidas sobre quando esta medida passa a ser desproporcional, tornando-se verdadeira antecipação de pena, situação que vai de encontro à previsão constitucional de duração razoável do processo.

No intuito de solucionar essa "brecha" legal, a jurisprudência pátria passou a estabelecer o prazo de 81 dias para a conclusão da instrução criminal e, conseqüentemente, para o fim da prisão cautelar, haja vista a necessidade de que ao final deste prazo houvesse a prolação de sentença penal.  Ainda, com o mesmo objetivo de sanar a omissão legislativa, o consolidou-se entendimento sobre o tema através de algumas súmulas (Súmulas nº 21, 52 e 64 do STJ), todas no intuito de afastar argumentos sobre o excesso de prazo no processo penal. Apesar das discussões que o entendimento jurisprudencial e as súmulas causavam sobre a questão, sobre a possibilidade de avaliar-se o excesso de prazo nas prisões cautelares e, conseqüentemente, sobre um possível constrangimento ilegal do acusado, o prazo "razoável" da prisão cautelar parecia já estabelecido e pacificado através dos preceitos supra mencionados.

Entretanto, a reforma processual penal ocorrida em agosto de 2008 parece ter trazido novo fôlego à discussão sobre o excesso de prazo das prisões cautelares, em especial da prisão preventiva. Isso porque, com o advento da reforma processual, novos prazos foram estabelecidos para cumprimento dos procedimentos, não havendo mais qualquer justificativa para aplicação dos 81 dias anteriormente estabelecidos, haja vista tal prazo basear-se no tempo estabelecido para os procedimentos antigos.

Dessa forma, com a reforma do Processo Penal Brasileiro, novamente vem à tona a discussão sobre o tempo das prisões cautelares, em especial da prisão preventiva, bem como a reiterada omissão do legislador em estabelecer um prazo que possa ser considerado razoável para imposição da medida cautelar que restringe a liberdade do indivíduo.

Diante disso, através da percepção da inexistência atual de regramento ou entendimento jurisprudencial que determine o que venha a ser o excesso de prazo da prisão preventiva, a única saída passa a ser analisar o Princípio da Razoabilidade como fator determinante sobre o tempo de tal medida cautelar, verificando sua aplicação pelo Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal e, conseqüentemente, protetor do Princípio Constitucional de duração razoável do processo e das medidas cautelares.

Assim, faz-se necessária uma análise crítica sobre o Princípio da Razoabilidade como fator limitador do prazo da prisão preventiva, já que tal tornou-se a única forma de impedir a ocorrência do excesso de prazo da medida cautelar no processo penal, haja vista a reforma processual penal e, portanto, a inaplicabilidade dos antigos entendimentos jurisprudenciais e súmulas sobre o tema. Nesse sentido, é importante verificar decisões  do Supremo Tribunal Federal sobre o excesso de prazo a partir dessa nova realidade que se apresenta, analisando a  possibilidade de aplicação do Princípio da Razoabilidade como obstáculo para ocorrência de excesso de prazo na fixação das prisões preventivas e constrangimento ilegal do acusado. 

1 A Tutela Cautelar Pessoal no Processo penal brasileiro

A tutela cautelar processual penal, apesar de se inserir no processo penal, difere deste na medida em que se destina a prevenir um dano ou prejuízo que adviria da demora da prestação jurisdicional. Tal medida desempenha um papel fundamental ao longo da persecução penal, pois é um dos principais meios utilizados para o alcance de uma eficácia prática da sentença final, possibilitando que o processo atinja todos os escopos jurídicos, políticos e sociais para os quais foi originado.

Entre as medidas cautelares previstas no CPP, as de caráter pessoal detêm características singulares, haja vista versarem sobre a garantia constitucional de liberdade do indivíduo antes de uma sentença condenatória transitada em julgado. Destacam-se entre as medidas cautelares pessoais as variadas

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formas de prisão cautelar, como a prisão em flagrante, prisão temporária e a prisão preventiva. Esta última chama a atenção na medida em que tem sido sobejamente utilizada no ordenamento jurídico pátrio, consoante salienta Alberto Martín Binder (apud, GOMES, 2007, p. 64):

“[...] na realidade de nossos sistemas processuais, a prisão preventiva é uma medida habitual, aplicada com um alto grau de discricionariedade e constitui, em muitos casos, a verdadeira pena. Este fenômeno é denominado de “os processos sem condenação” e sua proporção na América Latina está entre 60% e 90% do total das pessoas presas.”

A partir da percepção do uso corriqueiro da medida cautelar preventiva, faz-se necessário melhor analisar tal medida, pois, para Luigi Ferrajoli (2006, p. 711), “por causa de seus pressupostos, de sua modalidade e da sua dimensão assumida, tornou-se o sinal mais vistoso da crise da jurisdição, [...] e, sobretudo, da sua degeneração no sentido diretamente punitivo”. Segundo Marcellus Polastri Lima (2005, p. 259) "será indispensável para a decretação da prisão preventiva a identificação de um dos motivos do art. 312 do CPP, a saber: garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e assegurar a aplicação da Lei Penal."

Tais motivos elencados no art. 312 do CPP são considerados os requisitos taxativos para aplicação de tal medida cautelar. Assim, tem-se nesse dispositivo legal,

“[...] os dois pressupostos de toda prisão cautelar: o fumus boni iuris e o periculum libertatis. A fumaça do bom direito é exigência da segunda parte do referido dispositivo, quando prevê, para a decretação da prisão preventiva, a existência do crime e indício suficiente de autoria. O periculum encontra-se previsto nas quatro hipóteses autorizadoras da prisão constantes na parte inicial do mencionado artigo” (FERNANDES, 2005, p. 315).

Verificados a existência do fumus boni iuris no caso concreto, há de se verificar posteriormente os fundamentos da prisão preventiva, elencados na parte inicial do dispositivo do art. 312 do CPP, demonstrando o periculum libertatis.

Quanto ao primeiro requisito existente, qual seja, a garantia da ordem pública, explica o autor Marcellus Polastri Lima (2005, p. 260) tratar-se de “necessidade de preservação da boa convivência social”. Para Antonio Scarance Fernandes (2005, p. 316), "a necessidade da prisão por garantia da ordem pública revela-se, essencialmente, nos casos em que o acusado vem reiterando a ofensa à ordem constituída". O segundo fundamento previsto no art. 312 do CPP, a garantia da ordem econômica, é enfatizada como “uma redundância, uma vez que atingida a ordem econômica, também estará atingida a ordem pública” (LIMA, 2005, p. 261), mesmo posicionamento possui Fernando Capez, que entende ser tal fundamento "uma repetição" (CAPEZ, 2007, p. 269).

Quanto ao requisito da Conveniência da instrução criminal, deve tal ser analisado frente a “possibilitar o bom andamento da instrução criminal, e não uma mera “conveniência”, consoante a letra da lei” (LIMA, 2005, p. 261). Antonio Scarance Fernandes (2005, p. 316) entende que a prisão por conveniência da instrução criminal "serve para garantir a prova", sendo exemplos típicos dessa hipótese "a prisão porque há ameaça a testemunhas ou porque pode o acusado fazer desaparecer importantes fontes de prova".

Por fim, entende-se por assegurar a aplicação da Lei Penal, “o periculum in mora, pois em casos que o agente visa se furtar a cumprir futura sanção penal” (LIMA, 2005, p. 261). Ainda, "a custódia para assegurar a aplicação da lei penal normalmente é utilizada para evitar a fuga, o desaparecimento do acusado" (FERNANDES, 2005, p. 316).

2 Os Princípios norteadores da Prisão Preventiva

Além das hipóteses de cabimento e dos fundamentos que devem necessariamente ser analisados, outro fator de extrema relevância quando da análise da decretação da prisão preventiva são os princípios norteadores de tal medida. Segundo entendimento de Mônica Ovinski de Camargo (2005, p. 258), os traços da excepcionalidade, provisoriedade e proporcionalidade devem estar presentes para a fixação da medida cautelar, "os quais atuam como limites legais para sua atuação".

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Segundo leciona a autora, o princípio da excepcionalidade determina que "tal medida deve ser fixada como exceção à regra geral de manutenção de todos os direitos que pertencem ao inocente" (CAMARGO, 2005, p. 258). A partir desse pressuposto constitucional, nenhuma medida restritiva da liberdade do indivíduo deve ser tomada senão em caráter excepcional, quando devidamente evidenciados os fundamentos justificáveis para tal ordem.

Em relação ao princípio da proporcionalidade, entende a autora que este

“[...] oferece regras para que o magistrado se oriente no momento de julgar a adoção da medida excepcional.  A proporcionalidade atua no momento em que o juiz vai sopesar todas as razões e provas que recomendam a aplicação da medida cautelar, em confronto com aquelas que argumentam sobre suas consequências” (CAMARGO, 2005, p. 259).

Assim, deve-se sempre antes de aplicar a prisão preventiva verificar se esta é proporcional ao caso concreto, sob pena de tornar-se uma medida mais gravosa do que aquela que receberia o acusado em caso de uma sentença condenatória final, o que vai de encontro à característica principal da medida cautelar, qual seja, não ser uma sanção, tampouco reprimenda penal.

Por fim, quando ao princípio da provisoriedade, assevera-se que [...] o critério da provisoriedade designa que a medida cautelar é instrumental e que, como tal, serve para alcançar determinado objetivo no decorrer do processo criminal, podendo ser conferida ou retirada a qualquer momento, de acordo com a sorte dos motivos que a ensejarem (CAMARGO, 2005, p. 259).

O que se depreende destes ensinamentos é a importância de se fixar um termo máximo para a duração da medida cautelar, sob pena dela perder esse caráter, tornando-se "duradoura demais, firmando-se como inescusável execução antecipada de pena" (CAMARGO, 2005, p. 258). Nesse sentido, deve-se ter em mente que uma prisão com excesso de prazo não é provisória nem proporcional, gerando, assim, um constrangimento ilegal, fato que a Constituição Federal rechaça, já que garante a duração razoável do processo ao acusado.

3 O excesso de prazo da Prisão Preventiva e a reforma processual penal

As Leis n.º 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008 alteraram substancialmente o Processo Penal brasileiro. Com elas, novos procedimentos foram estabelecidos e, conseqüentemente, novos prazos vieram à tona. Entretanto, para a compreensão do tema sobre o tempo da prisão preventiva após as reformas advindas, necessário faz-se analisar como era a situação anterior, ou seja, de que forma se estabelecia o prazo razoável de tal medida cautelar nos termos do antigo Código de Processo Penal.

Apesar de haver previsão legal sobre os fundamentos da prisão preventiva (já elencados), situação diversa ocorria quanto ao prazo dessa medida. Quanto a tal situação, assevera Frederico Abrahão de Oliveira (1998, p. 93) que “à Prisão Preventiva não são estipulados prazos, nem momentos precisos para decretação”.

Leciona Antonio Scarance Fernandes (2005, p. 125) que, para combater o excesso de prisão, invocava-se o art. 648, II Código de Processo Penal, “que considera constituir constrangimento ilegal, sanável por Habeas corpus, a permanência de alguém preso por mais tempo do que determina a lei”. Posteriormente, entretanto, com o advento da Lei n.º 9.303/96 (Lei do Crime Organizado), determinou-se que o prazo limite para a manutenção do indivíduo em prisão cautelar seria de 81 dias, passando-se a utilizar tal prazo também em outros casos de processos por crimes de reclusão por construção jurisprudencial, no intuito de suprir a lacuna legal (FERNANDES, 2005, p. 125).

Com o mesmo objetivo de sanar a omissão legislativa, o STJ consolidou seu entendimento sobre o tema através de algumas súmulas, todas no intuito de afastar argumentos sobre o excesso de prazo no processo penal; Súmula n.º 21 do STJ: “Com a pronúncia resta superado o alegado constrangimento ilegal por excesso de prazo na instrução”; Súmula n° 52 do STJ: "Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo; "Súmula nº 64-STJ: “Não há constrangimento ilegal por excesso de prazo se a demora, em feito complexo, decorre de requerimentos da própria defesa”. Entretanto, entendimentos jurisprudenciais passaram a admitir

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exceções a essa regra, tornando-se os oitenta e um dias “somente um marco para a verificação do excesso. A sua superação não traduzia necessariamente constrangimento ilegal, o qual deveria ser verificado em cada processo”. (FERNANDES, 2005, p. 125).

Nesse mesmo sentido já lecionada Antonio Scarance Fernandes (2005, p. 127) ao afirmar que “há, contudo, necessidade de que se evolua, no plano constitucional e legislativo, para fixação de regras mais claras a respeito do tempo de prisão cautelar, evitando-se excessos injustificáveis”. 

Apesar das críticas sobre a omissão legislativa em fixar um prazo legal como sendo aquele razoável para a fixação da prisão preventiva, a reforma processual penal advinda em agosto de 2008 novamente silenciou quanto a tal matéria, permanecendo a ausência de previsão legal sobre o tempo da prisão cautelar. Ainda, com o advento da reforma processual, além da percepção de que se permanece sem um limite legal para tal medida cautelar, constata-se também que o prazo de 81 dias já não pode mais ser considerado como limitador de tal medida, haja vista as alterações ocorridas nos procedimentos, que necessariamente alteraram os prazos existentes no Processo Penal. Veja-se que os procedimentos foram alterados visando a celeridade processual, a fim de fazer valer o princípio constitucional da razoável duração do processo.

Não obstante a reiterada omissão legislativa no que diz respeito à fixação do tempo da prisão preventiva, parece óbvio que a garantia de um prazo razoável a tal medida cautelar merece uma melhor análise, pois

“[...] ninguém pode ser mantido preso, durante o processo, além do prazo razoável, seja ele definido por lei, seja ele alcançado por critério de ponderação dos interesses postos em confronto dialético. É dizer, todos têm o direito de ser julgados em prazo razoável e também o direito de não serem mantidos presos por prazo irrazoável” (CRUZ, 2006, p.107).

Sobre tal matéria, o Supremo Tribunal Federal também se posicionou, asseverando que:

“Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar, considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu. O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei.  A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. - O indiciado e o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável(e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes” (BRASIL, 2008, s.p.).

Em face dessa necessidade imperiosa de delimitar um prazo máximo para a prisão preventiva, situação que a reforma processual penal não resolveu, surge como fonte para análise do tempo de tal medida cautelar o Princípio da Razoabilidade, o qual será analisado a seguir.

4 O Princípio da Razoabilidade e seus contornos no processo penal

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A idéia de “prazo razoável” surgiu, inicialmente, nas declarações internacionais de direitos humanos (LOPES JR.;BADARÓ,2009, p.19); a Convenção de Roma, de 1950, foi a primeira a expor em seu texto legal a preocupação com a duração razoável do processo, em seu art. 6º, § 1º, o qual estabelece: “Toda pessoa tem o direito a que sua causa seja ouvida com justiça, publicamente, e dentro de uma prazo razoável [...]”  (Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, 1950,s.p.).

No art. 5º, § 3º da mesma declaração internacional, preceituou-se sobre a aplicação de limitação temporal, mais especificamente para as hipóteses de prisão cautelar: 

“Toda pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1º, c, do presente artigo, deve ser trazida prontamente perante um juiz ou um outro magistrado autorizado pela lei a exercer a função judiciária, e tem o direito de ser julgado em um prazo razoável ou de ser posto em liberdade durante a instrução. O desencarceramento pode ser subordinado a uma garantia que assegure o comparecimento da pessoa à audiência” (Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, 1950,s.p.).

Posteriormente, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, em seu art. 9º, n.º 3, passou a determinar que,

“[...] qualquer pessoa acusada de um crime, quer esteja presa cautelarmente, quer esteja respondendo ao processo em liberdade, tem direito a ser julgada sem dilações indevidas. Porém, se o acusado estiver preso, tem o direito de ser julgado em um prazo razoável, sob pena de ser posto em liberdade’ (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 1966, s.p.).

Ainda, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em San Jose da Costa Rica, de 22 de dezembro de 1969, também trouxe regramentos sobre o tema do tempo razoável (LOPES JR.; BADARÓ, 2009). A partir da incorporação do Pacto de São José da Costa Rica[1] no ordenamento jurídico, o direito fundamental a um processo em prazo razoável passou a integrar o direito brasileiro.  

No intuito de enfatizar tal preceito, a Emenda Constitucional nº. 45 acrescentou formalmente ao inciso LXXVIII do art. 5º da Carta Magna[2] “o direito a uma duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação entre os direitos e garantias fundamentais constitucionais” (DIAS, 2007, p. 235). Apesar da referência constitucional ser direcionada para a duração processual como um todo, assevera Rogério Machado Cruz (2006, p. 107) que através desse preceito pode-se concluir acerca da garantia de que,

“[...] ninguém possa ser mantido preso, durante o processo, além do prazo razoável, seja ele definido em lei, seja ele alcançado por critério de ponderação dos interesses postos em confronto dialético. É dizer, todos têm o direito de ser julgado em prazo razoável e também o direito de não serem mantidos presos por prazo irrazoável.”

Não obstante tal preceito, o Princípio da Razoabilidade também se evidencia no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III da CF), dos direitos fundamentais que expressam vedação constitucional à tortura e tratamento desumano ou degradante (art. 5º, inciso III da CF), da garantia do devido processo legal (art. 5º, inciso LVI da CF) e do direito do contraditório e da ampla defesa previsto no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal (STOCK, 2006, p. 147).

Aury Lopes Jr. e Gustavo Badaró (2009, p. 38) chamam atenção para o fato de que o dispositivo constitucional brasileiro o qual prevê o prazo razoável, apesar de se embasar na Convenção Americana de Direitos Humanos, “não prevê, de forma expressa, um direito equivalente ao assegurado no artigo da CADH, qual seja, o direito de o acusado preso ser colocado em liberdade, se a duração do processo excede ao prazo razoável”. E seguem os autores, referindo que, ainda que não haja esse entendimento na Carta Magna, “pela conjugação do inc. LXXVIII com o inc. LXV, pode se concluir que existe de forma explícita no ordenamento jurídico o direito de o acusado ter sua prisão imediatamente relaxada se a duração do processo penal exceder ao prazo razoável” (LOPES JR.; BADARÓ, 2009, p. 38).

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Existem alguns fundamentos que justificam a aplicação do princípio da razoabilidade no processo penal, quais sejam: a) respeito à dignidade do acusado (pois um processo com dilações indevidas causa “altíssimos custos econômicos, físicos, psíquicos, familiares e sociais” ao réu); b) interesse probatório (na medida em que “o tempo que passa é a prova que se esvai”); c) interesse coletivo (pois a sociedade possui interesse no “correto funcionamento das instituições”) e; d) confiança na capacidade da justiça (de “resolver os assuntos que a ela são levados, no prazo legalmente considerado como adequado e razoável”- LOPES JR., 2007, p. 144). 

Quanto ao conceito de prazo razoável, entende-se que este “parte daqueles conceitos tidos como vagos ou indeterminados do Código de Processo Penal e Penal” (apud, GIORGIS, 2004, p. 112). Assim, tal expressão depende de um conceito valorativo (seja ele ético, moral, social, econômico etc.), devendo ser atribuído pelo magistrado no momento de julgar o caso fático (apud, GIORGIS, 2004, p. 119). Para Aury Lopes Jr. e Gustavo Badaró (2009, p. 44) a idéia de razoabilidade “é aquela relativa à necessidade de uma justiça tempestiva, como um dos elementos necessários para se atingir o justo processo”.

Segundo assevera Bárbara Sordi Stock (2006, p. 148), a legislação brasileira não prevê limite temporal à duração do processo penal, tampouco as Cortes Internacionais, situação que dificulta a definição de “prazo razoável”. Entretanto, essa ausência de fixação legal acerca dos prazos máximos para duração do processo e da medida cautelar preventiva no ordenamento jurídico brasileiro surge em decorrência da opção do legislador de utilizar-se da “doutrina do não-prazo”, também utilizada pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos e Convenção Americana de Direitos Humanos (LOPES JR. 2007, p. 153). Na opinião de Aury Lopes Jr. e Gustavo Badaró (2009, p. 41), tal doutrina “deixa amplo espaço discricionário para avaliação segundo as circunstâncias do caso e o sentir do julgador”.

A partir dessa doutrina, passou-se a analisar-se alguns critérios para aferição da razoabilidade da prisão cautelar, haja vista inexistência de previsão legal. A Corte Européia, diante da análise de casos que versavam sobre a duração razoável do processo, determinou critérios para aferição do prazo, denominado “teoria dos três critérios”, a saber: “a) complexidade do caso[3]; b) a atividade processual do interessado (imputado)[4]; c) a conduta das autoridades judiciárias[5]”(LOPES JR.;BADARÓ,2009,p.40).

Percebe-se, portanto, que a ausência de fixação legal do prazo razoável da medida cautelar preventiva deixa nas mãos do julgador o poder de delimitar o tempo dessa prisão, levando em conta requisitos eleitos conforme seu entendimento para dirimir a questão, não havendo qualquer parâmetro legal para análise da razoabilidade da medida.

Apesar dessa inexistência legal de fixação do prazo razoável da prisão cautelar, é inegável a necessidade de imposição de limites para tal medida, sob pena de causar constrangimento ilegal ao acusado, violação de suas garantias fundamentais, bem como tornar a prisão inócua para o processo, perdendo, assim, sua característica principal de ser medida instrumental para o bom desenvolvimento da lide processual. Mandel Martins Dias (2007, p. 230) informa que “a longa duração da relação jurídica processual representa prejuízos bastante indesejáveis, porquanto faz perdurarem os próprios e repudiáveis fatores anti-sociais que levaram o Estado a assumir o fado de resolver os conflitos interindividuais da sociedade”.

Apesar de tais posicionamentos, a reforma processual penal advinda em agosto de 2008 permaneceu utilizando-se do critério do não-prazo, omitindo-se em relação à fixação de limites para o tempo da prisão cautelar preventiva. A decisão do legislador em não delimitar prazos legais para o tempo de duração da prisão preventiva vai ao encontro da doutrina que entende pela desnecessidade desse marco legal.

A indeterminação do tempo da prisão cautelar pessoal preventiva, mesmo após a reforma do CPP, corrobora a necessidade de utilização do princípio da Razoabilidade como fator determinante para estabelecer os contornos de duração daquela medida. Conforme já verificado neste trabalho, atualmente não há qualquer critério para limitar o tempo da medida cautelar, havendo a imperiosidade de análise da razoabilidade como fixador do prazo máximo de duração da prisão preventiva e conseqüente verificação de constrangimento ilegal em face do acusado encarcerado.

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Verificando a necessidade de análise do Princípio da Razoabilidade frente a qualquer situação fática que envolva a prisão cautelar do indivíduo, parece claro que a partir da reforma do Código de Processo penal, omissão do legislador em tomar para si a responsabilidade de determinar o prazo da medida cautelar com a reforma processual e sucessiva queda da doutrina dos 81 dias, o princípio constitucional recebe um statusainda maior, deixando de ser apenas um norteador das decisões jurisprudenciais e passando a ser o único meio de fixação do tempo da prisão preventiva e delimitação do excesso de prazo de tal medida. Em face de tal conclusão, faz-se necessário analisar de que forma o STF, instância máxima jurisdicional, responsável por fazer valer os preceitos constitucionais, o qual analisa diariamente pleitos de liberdade daqueles que se vêem presos cautelarmente e que suscitam a análise da razoabilidade dessas medidas, vem aplicando o Princípio do Prazo Razoável em suas decisões, o que se fará a seguir.

5 O posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o prazo razoável da prisão preventiva

Conforme já analisado, o prazo da prisão preventiva permanece como uma incógnita em nosso ordenamento jurídico, tendo se tornado questão ainda mais controversa a partir da reforma do Código de Processo Penal, a qual alterou os prazos dos procedimentos e, conseqüentemente, impossibilitou a aplicação da doutrina dos “81 dias”, anteriormente pacificada pelo Supremo Tribunal Federal através de súmulas.

A importância do posicionamento do STF acerca do tema desse trabalho se perfectibiliza na medida em que o Princípio da Razoabilidade, desde a emenda constitucional n.º 45, recebeu status constitucional, tornando o prazo razoável não apenas um instrumento para delinear o tempo da prisão cautelar preventiva em face da omissão legislativa de fixar parâmetros legais, mas sim, uma garantia constitucional de respeito ao acusado no processo penal que deve, obrigatoriamente, ser assegurado.

Em face de tal conclusão, faz-se necessário analisar de que forma o Supremo Tribunal Federal vem aplicando o Princípio da Razoabilidade em suas decisões, o que se fará a seguir. Salienta-se que o trabalho se propôs a analisar algumas decisões emanadas pelo STF, as quais versaram sobre o excesso de prazo da prisão preventiva. Nesse sentido, nove decisões foram verificadas, tendo todas elas ressaltado os três critérios anteriormente analisados ao longo do trabalho (complexidade do caso, conduta das autoridades judiciárias e conduta do acusado e defesa e ao longo do feito) no intuito de embasar a utilização do Princípio da Razoabilidade para solucionar os casos concretos enfrentados; todas as decisões analisadas foram colegiadas e unânimes, ou seja, não houve divergência entre os julgadores no momento de optar pelos critérios subjetivos para analisar a existência ou não do excesso de prazo da prisão cautelar preventiva. 

5.1 Os requisitos analisados pelo STF para definir o Prazo razoável

Em análise de decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o excesso de prazo da Prisão Preventiva, percebe-se que alguns requisitos são constantemente trazidos à tona no momento de definir a razoabilidade da medida, trazendo fundamentos objetivos para determinar a limitação o tempo razoável da prisão preventiva. Tais fundamentos são aqueles já referidos ao longo do trabalho (complexidade do caso, atividade processual do interessado e conduta das autoridades judiciárias).

Quanto a complexidade da causa, em decisão de Habeas Corpus n.º 94486 o STF determinou que “afigura-se razoável o prazo para o encerramento da instrução criminal diante da complexidade da causa e da respectiva instrução probatória” (BRASIL, 2008, s.p.). Em outra decisão, o Tribunal declinou haver no processo “registro de elementos nos autos da ação penal de origem que evidenciam a complexidade do processo, com pluralidade de réus (além do paciente), defensores e testemunhas” (BRASIL, 2008, s.p.).

Em julgamento de Habeas Corpus nº 95045, a Ministra relatora Ellen Gracie, além de asseverar sobre a importância da análise principiológica sobre o tempo da prisão preventiva, também informou acerca da complexidade da instrução criminal como justificativa para determinar o prazo razoável da medida cautelar:

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DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PROCESSUAL. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. DENEGAÇÃO. (...) A razoável duração do processo (CF, art. 5°, LXXVIII), logicamente, deve ser harmonizada com outros princípios e valores constitucionalmente adotados no Direito brasileiro, não podendo ser considerada de maneira isolada e descontextualizada do caso relacionado à lide penal que se instaurou a partir da prática dos ilícitos. A prisão cautelar do paciente pode se justificar, ainda que não encerrada a instrução criminal, com fundamento no parâmetro da razoabilidade em se tratando de instrução criminal de caráter complexo. Habeas corpus não conhecido” (BRASIL, 2008, s.p.).

No mesmo sentido foi o posicionamento em decisão de outro Habeas Corpus pelo STF, ao afirmar que

“[...]excesso de prazo não configurado. Complexidade da causa. Quatorze acusados. Está presente a complexidade do feito, que envolve 14 acusados, bem como a expedição de cartas precatórias e a oitiva de elevado número de testemunhas, o que afasta a alegação de excesso de prazo. Ordem conhecida em parte e, nessa parte, denegada” (BRASIL, 2009, s.p.).

Outro dado bastante referido pelos ministros do STF para verificar a razoabilidade da prisão preventiva é a conduta das partes no processo. Em decisão de Habeas Corpus julgada pelo Relator Ministro Joaquim Barbosa, a conduta dos réus no sentido de intimidar as vítimas do delito justificaram a permanência da medida cautelar como sendo razoável, afirmando que:

“A custódia cautelar foi decretada por se ter constatado, em audiência, que as testemunhas poderiam deixar de colaborar com a Justiça em razão do medo que os réus, em liberdade, lhes provocam. Periculosidade também destacada na decisão que decretou a custódia, considerando indícios de que os pacientes seriam pistoleiros profissionais. A diversidade entre as situações dos pacientes e a da co-ré beneficiada por alvará de soltura impede a extensão do writ” (BRASIL, 2008, s.p.).

No mesmo sentido posicionou-se o Ministro Marco Aurélio, alegando que o tempo da prisão cautelar do acusado não se configurava irrazoável em decorrência do comportamento do próprio réu, o qual, utilizando-se de recursos processuais, causava a demora da prestação jurisdicional: “Operada a prisão preventiva, releva-se o tempo anterior à sentença de pronúncia, se, depois desta, a demora decorre do exercício do direito do réu de, retardando a realização do júri, insistir-lhe no reexame mediante recurso em sentido estrito” (BRASIL, 2008, s.p.).

O mesmo argumento também foi utilizado para conceder a liberdade ao réu que, conforme entendimento, não havia contribuído para a demora de seu julgamento: “a duração prolongada e abusiva da prisão cautelar, assim entendida a demora não razoável, sem culpa do réu, nem julgamento da causa, ofende o postulado da dignidade da pessoa humana e, como tal, consubstancia constrangimento ilegal” (BRASIL, 2008, s.p.).

O outro requisito encontrado nas decisões do Supremo Tribunal Federal para suprir a ausência de prazo razoável da prisão preventiva é a gravidade do delito o qual versa o processo; tal fundamento se coaduna com o critério da complexidade da causa, bastante presente nos julgados que analisam o tempo da prisão preventiva. Em decisão do Habeas Corpus nº 93523, afirmou-se que “a gravidade da imputação não obsta o direito subjetivo à razoável duração do processo (inciso LXXVIII do art. 5º da CF – BRASIL, 2008, s.p.). Em outra decisão, asseverou-se que “a circunstância de o paciente e outros responderem pela prática de quatro homicídios qualificados [chacina] torna razoável a dilação da instrução criminal para além do prazo legalmente estipulado” (BRASIL, 2007, s.p.).

Dessa forma, verifica-se que a omissão do legislador em fixar um limite razoável para a prisão cautelar preventiva trouxe o surgimento da construção de uma outra forma de delimitação do tempo da medida cautelar, qual seja, a verificação de determinadas circunstâncias presentes no processo que, aparentemente, são capazes de fornecer subsídios aos julgadores para que supram a lacuna legislativa.

As características eleitas pelo Supremo Tribunal Federal se coadunam com aquelas trazidas pela doutrina e jurisprudência internacional, sendo, sem dúvida, os critérios que, ante a ausência de fixação legal, têm sido levadas em especial consideração para análise do tempo da prisão preventiva, haja

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vista a importância jurisdicional do STF, tendo suas decisões enorme repercussão em todos os âmbitos do Poder Judiciário.

6 Conclusão

A partir da análise de inexistência atual de regramento ou entendimento jurisprudencial que determine o que venha a ser o excesso de prazo da prisão preventiva, parece claro que a solução mais acertada é verificar a aplicabilidade do Princípio da Razoabilidade como fixador do tempo da Prisão Preventiva pelo Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal e, conseqüentemente, protetor do princípio constitucional de duração razoável do processo e das medidas cautelares.

Após verificar vários julgados, percebe-se que o STF vem há tempos se posicionando no sentido de analisar o Princípio da Razoabilidade diante dos casos concretos como forma de fixação do tempo da medida cautelar. Não obstante, com a reforma do Código de Processo penal e conseqüente queda da doutrina dos 81 dias, o princípio constitucional recebe um status ainda maior, deixando de ser apenas um norteador das decisões do STF e passando a ser o único meio de fixação do tempo da prisão preventiva e delimitação do excesso de prazo de tal medida.

Ante as decisões prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal, alguns requisitos práticos puderam ser verificados como sendo reiteradamente  trazidos à tona no momento de definir a razoabilidade da medida, trazendo fundamentos objetivos para determinar a limitação o tempo razoável da prisão preventiva. Tais requisitos são: complexidade da causa, conduta das partes no processo e gravidade do delito. Tais fundamentos também são asseverados pelo doutrina como sendo de verificação fundamental para delimitar o tempo da Prisão Preventiva no Processo Penal.

 

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Informações Sobre os Autores

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Viviane de Freitas Pereira

Mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM; Juíza de Direito da Justiça Militar Estadual do RS; professora de processo penal do Curso de Direito do centro Universitário Franciscano (Unifra).

Ana Carolina MezzaliraAdvogada; pesquisadora do Centro Universitário Franciscano (Unifra).

Prisão Preventiva e seu tempo de duração

» Cristiane Soares de Almeida

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Prisão Cautelar. 3. Prazo cominado pela doutrina e jurisprudência. 4. Direito comparado. 5. Conclusão. 6. Referências.

1-    INTRODUÇÃO

Questão que merece destaque, pois contraria alguns dispositivos de direitos e garantias fundamentais previstos na CR/88, disporemos a seguir sobre período de duração da prisão preventiva do investigado, réu ou querelado. A fim de melhor entendermos a complexidade do tema serão analisadas preliminarmente as prisões cautelares. Faz-se também relevante abordar alguns princípios constitucionais e processuais orientadores do direito Processual Penal e Constitucional brasileiro e alienígena para compreendermos o direcionamento que a boa doutrina e Jurisprudência posicionaram acerca do tema, a fim de suprir a omissão do legislador.

2-    PRISÃO CAUTELAR.

Primeiramente é importante conceituar alguns termos, comecemos com o ensinamento do

ilustríssimo Nestor Távora:

“Prisão é o cerceamento da liberdade de locomoção, é o

encarceramento. Pode advir de decisão condenatória transitada em

julgado, que é a chamada prisão pena, regulada pelo Código Penal,

com o respectivo sistema de cumprimento, que é verdadeira prisão

satisfativa, em resposta estatal ao delito ocorrido, tendo por título a

decisão judicial definitiva”.

A prisão cautelar ou provisória, que ocorre na da persecução penal, sem condenação transitada

em julgado, trata-se de uma prisão anterior ao julgamento e ao recebimento da denuncia ou queixa

crime pelo juiz, que priva, provisoriamente, o suspeito de ter praticado um delito, da sua liberdade

de locomoção,

Page 14: Processual Penal

Ao discorrer sobre as modalidades de prisões cautelares nos limitaremos às que atualmente

são utilizadas no ordenamento jurídico.

A prisão em flagrante, prevista nos artigos 301 a 310 do CPP, ocorre no momento e lugar onde

ocorreu o delito, podendo ser efetuada por qualquer pessoa do povo e pelos agentes de policia,

sendo que ambos devem comunicar à autoridade policial em prazo hábil, tendo este o prazo de 24h

para comunicar o auto de prisão em flagrante delito (APFD) à autoridade judiciária. São tipos de

flagrantes aos quais podemos citar o flagrante próprio, facultativo, presumido, impróprio, diferido,

entre outros. Com duração média de 2 a 7 dias, em que o juiz deverá convertê-la em temporário ou

preventiva e ainda caso a prisão seja ilegal deverá relaxa-la de imediato. São legitimados ativos

para requerê-las: o MP e o chefe de policia, podendo o juiz decreta-las ex officio.

A prisão temporária encontra-se prevista na Lei 7960/89, e por sua vez, substituiu a prisão para

averiguação, em que o suspeito ficava detido na delegacia com a finalidade de ser feita uma

investigação se este tinha algum debito com o judiciário, que acertadamente foi declarada

inconstitucional. Também de natureza cautelar, sendo exclusivamente para fase investigatória, tem

como escopo garantir a fase do inquérito policial. Ao ser decretado pelo juiz terá duração de 5 dias

podendo ser renovada por prazo igual. Excepcionalmente, nos crimes considerados hediondos, sua

duração será de 30 dias prorrogável por prazo igual, destarte dizer que assim como no inquérito

policial, em que não há ampla defesa e o contraditório, por ser fase inquisitiva, contra essa

capitulação, que é feita pelo delegado de policia, também não os cabe. Poderá ser decretada pelos

seguintes fundamentos:

Que seja imprescindível para a investigação criminal.

Quando não tenha o investigado residência fixa.

Quando o investigado não fornecer elementos suficientes para que seja

identificado civilmente.

Quando à autoridade policial considerar presente indícios de autoria,

coautoria, e participação em crimes hediondos.

O pedido de prisão temporária deve ser fundamentado assim como a decisão que a decretar, porém o pedido de prorrogação poderá ser feito pelos mesmos motivos que fundamentaram seu pedido, assim como a decisão que prorroga-la, não sendo necessária que se tenha fato ou motivo novo.

Passemos então para o principal objeto o artigo, a prisão preventiva, prevista nos artigos 311 a 316 do CPP, e como nos ensina Fernando da Costa TOURINHO FILHO,

“prisão preventiva é aquela medida restritiva da liberdade determinada

pelo Juiz, em qualquer fase do inquérito ou da instrução criminal, como medida

cautelar, seja para garantir eventual execução da pena, seja para preservar a

ordem pública, ou econômica, seja por conveniência da instrução criminal”.

Os requisitos da prisão preventiva são mais rígidos dos que os da temporária, se dividindo em sine qua non, que é materialidade comprovada e indícios de autoria, sendo necessária a presença dos dois requisitos

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simultaneamente; e os facultativos, em que a presença de apenas um deles já autoriza a decretação, são eles: garantir a ordem pública ou social, segundo a jurisprudência significa garantia a vida do réu ou então garantir a paz na sociedade; garantir a ordem econômica, aplicada quando o individuo tem poder de alterar a ordem financeira, de forma a conturbar sua movimentação norma; risco da aplicação da lei penal ou risco a instrução penal, a exemplificar, se aplica aos casos em que haja a probabilidade, o acusado destrua provas ou ameace testemunha (s). Poderá, ainda, ser decretada, caso o individuo não esteja devidamente identificado.

Têm-se alguns requisitos que impede a decretação da prisão preventiva, são eles: se o agente que cometeu o ato estiver amparado por alguma excludente de ilicitude ou de punibilidade, não pode ser decretação nos crimes em que é previsto pena de detenção, somente pode ser decretada em crimes punidos com reclusão e em crimes dolosos, no ultimo caso temos uma exceção, em que se o agente já foi condenado com sentença transitada em julgado por um crime doloso sua prisão preventiva pode ser decretada em um crime culposo e punida com detenção.

O Código de Processo Penal estabeleceu de forma claro acerca de quando se aplica ou não a

prisão preventiva, porém muito deixa a desejar quanto a outros critérios, sendo o legislador omisso

ao dispor sobre o tempo de sua duração, o que não só defasou as garantias e direitos dos réus,

como também afronta o direito constitucional de liberdade previsto na CR/88, em que dispõe que

ninguém será preso sem o devido processo legal, ao não estabelecer o prazo de duração,

deixando-nos, a mercê da discricionariedade do julgador.

Não obstante termos os princípios da celeridade processual e da duração razoável do processo,

aos quais não tem efetivo cumprimento, por analogia deve aplicar também ao tempo de duração da

prisão, uma vez que por não se ter um título judicial que enseje a prisão, o princípio da presunção

de inocência deve ser obedecido, e deve esses princípios ser aplicados ao procedimento da prisão

preventiva, não permitindo que a mesma seja usada como mecanismo para suprir e camuflar a

incapacidade e insuficiência da prestação jurisdicional, configurando a mesma flagrante desrespeito

inclusive e principalmente ao princípio da dignidade humana.

3-    PRAZO COMINADO PELA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA.

Buscou-se a jurisprudência e a doutrina cominar um prazo eu entenderam razoável para

duração da prisão preventiva, fixou o entendimento de que o prazo máximo de prisão processual

durante a instrução é de 81 dias, isso claro, seria o razoável, através da seguinte metodologia:

“inquérito”: 10 dias (art. 10 do CPP); denúncia: 5 dias (art. 46); defesa prévia: 3 dias (art. 395);

inquirição de testemunhas: 20 dias (art. 401); requerimento de diligências: 2 dias (art. 499); para

despacho do requerimento: 10 dias (art. 499); alegações das partes: 6 dias (art. 500); diligências ex

officio: 5 dias (art. 502); sentença: 20 dias (art. 800); soma: 81 dias, sob pena de caracterizar

constrangimento ilegal. Porém não abarcou completamente todas as vertentes do problema, pois

não diferenciando esse tempo de acordo com crime imputado, podemos ter casos incoerentes em

que um crime de maior complexidade tenha o mesmo prazo de um de menor. O ideal seria fazer

essa diferenciação de acordo com a pena em abstrato prevista ao ilícito penal.

Têm-se inúmeros casos em que impetrado pedido de Habeas Corpus, fundamentado pelo

excesso de prazo e inobservado o princípio da razoabilidade, aa decisão foi denegada, sob

Page 16: Processual Penal

fundamento da necessidade do tempo para os tramites processuais, ou seja, estão imputando ao

individuo o ônus da ineficácia e morosidade do judiciário. Configura-se sim evidente

constrangimento ilegal esse excesso, e, apesar de boa parte da doutrina e jurisprudência considerar

como prazo razoável a instrução criminal 81 dias, os tribunais superiores não têm considerado e

nem respeitando, ao mesmo esse prazo, como pode constatar com os exemplos abaixo:

HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.

PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. INSTRUÇÃO CRIMINAL.

EXCESSO DE PRAZO. RAZOABILIDADE. COMPLEXIDADE DO

PROCESSO. HC 82138 SC. DJ 14-11-2002 PP-00053 EMENT VOL-

02091-02 PP-00217.

1. É legítima a prisão preventiva fundada na necessidade da instrução

criminal, na garantia da aplicação da lei penal e na preservação da ordem pública,

estando esses requisitos concretamente demonstrados na decisão que a

decretou.

2. Excesso de prazo na instrução criminal. Alegação improcedente, dada a

complexidade do processo caracterizada pela quantidade de co-réus e a

necessidade da expedição de precatórias para a oitiva de testemunhas residentes

em outras comarcas. Precedentes. Habeas-corpus indeferido.

Processo HC 116815 / SP HABEAS CORPUS 2008/0214929-0 Relator (a)

Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO (1133) Órgão Julgador T5 – QUINTA

TURMA Data do Julgamento 18/12/2008 Data da Publicação/Fonte DJe

16/02/2009 Ementa HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. TRÁFICO DE DROGAS E

ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO COMETIDOS NAS DEPENDÊNCIAS DE

ESTABELECIMENTO DE ENSINO (ART. 12, ART. 14 C/C ART. 18, IV DA LEI

6.368/76). RÉU PRESO PREVENTIVAMENTE EM 31.03.06. EXCESSO DE PRAZO (2

ANOS E 9 MESES). INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INSTRUÇÃO

ENCERRADA. SÚMULA 52/STJ. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT.

ORDEM DENEGADA. 1. A concessão de Habeas Corpus em razão da configuração

de excesso de prazo é medida de todo excepcional, somente admitida nos casos

em que a dilação (1) seja decorrência exclusiva de diligências suscitadas pela

acusação; (2) resulte da inércia do próprio aparato judicial, em obediência ao

princípio da razoável duração do processo, previsto no art. 5o., LXXVIII da

Constituição Federal; ou (3) implique em ofensa ao princípio da razoabilidade. 2.

O período de 81 dias fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, não deve

ser entendido como prazo peremptório, eis que subsiste apenas como referencial

para verificação do excesso, de sorte que sua superação não implica

necessariamente um constrangimento ilegal, podendo ser excedido com base em

um juízo de razoabilidade. 3. Neste caso, a demora para conclusão da instrução

criminal (2 anos e 9 meses), apesar de manifesta, é plenamente justificável pelas

circunstâncias próprias do feito, especialmente em razão da pluralidade de réus

(6 acusados), da necessidade de expedição de cartas precatórias e da

Page 17: Processual Penal

complexidade dos crimes a serem apurados. Ademais, encontrando-se o processo

concluso para sentença, inafastável, na espécie, o enunciado 52 da Súmula desta

Corte Superior, segundo o qual encerrada a instrução criminal, fica superada a

alegação de constrangimento por excesso de prazo. 4. Ordem denegada, em

conformidade com o parecer ministerial.

Processo HC 116395 / PE HABEAS CORPUS 2008/0211540-0 Relator (a)

Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO (1133) Órgão Julgador T5 – QUINTA

TURMA Data do Julgamento 09/12/2008 Data da Publicação/Fonte DJe

09/02/2009 Ementa HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS COMETIDO NAS

DEPENDÊNCIAS DE ESTABELECIMENTO DE ENSINO (ART. 33 C/C ART. 40, III DA LEI

11.343/06). RÉU PRESO EM FLAGRANTE EM 17.08.07. EXCESSO DE PRAZO (1 ANO

E 4 MESES). INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INSTRUÇÃO

ENCERRADA. SÚMULA 52/STJ. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT.

ORDEM DENEGADA. 1. A concessão de Habeas Corpus em razão da configuração

de excesso de prazo é medida de todo excepcional, somente admitida nos casos

em que a dilação (1) seja decorrência exclusiva de diligências suscitadas pela

acusação; (2) resulte da inércia do próprio aparato judicial, em obediência ao

princípio da razoável duração do processo, previsto no art. 5o., LXXVIII da

Constituição Federal; ou 3) implique em ofensa ao princípio da razoabilidade. 2. O

período de 81 dias, fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, não deve

ser entendido como prazo peremptório, eis que subsiste apenas como referencial

para verificação do excesso, de sorte que sua superação não implica

necessariamente um constrangimento ilegal, podendo ser excedido com base em

um juízo de razoabilidade. 3. Encontrando-se o processo concluso para sentença,

inafastável, na espécie, o enunciado 52 da Súmula desta Corte Superior, segundo

oqual encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de

constrangimento por excesso de prazo. 4. Ordem denegada, em conformidade

com o parecer ministerial.

4-    DIREITO COMPARADO

Ao contrario dos legisladores brasileiros, legisladores da Espanha, Alemanha e Portugal, entre

outros, estipularam em suas leis o prazo de duração da prisão provisória, veremos então cada uma

delas.

Na Alemanha o prazo de duração da prisão cautelar é de ate 6 meses, que pode ser prorrogado

se a instrução criminal o exigir, de acordo com a complexidade, extensão da investigação ou outro

motivo que configure a necessidade da prorrogação.

Em Portugal o legislador estipulou diversas regras para que a prisão cautelar seja aplicada se

houver necessidade e enquanto a houver, assim estabelece o artigo 215 do CPP Português que se

extingue a prisão preventiva em 6 meses se não iniciado o processo, em 10 meses sem que,

havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória; em 18 meses sem haver

sentença e em 2 anos se não houver condenação transitada em julgado, podendo ser prorrogados

de acordo com o crime praticado e a necessidade e complexidade do caso.

Page 18: Processual Penal

A extinção observa os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Prescrevendo que além

dessas medidas, deve o juiz revisar, a cada 3 meses, a necessidade da cautelar e os motivos e

pressupostos que a autorizaram.

O sistema processual espanhol adotou um meio similar ao que adotamos quanto à prescrição

da pretensão punitiva ou executória, usando como referencial a pena em abstrato aplicável ao

crime, assim nos crimes com pena em abstrato de 7 a 15 finais de semana o tempo de duração é

de até 3 meses, quando a pena for de 6 meses a 3 anos a duração é de ate 1 ano e quando for

acima de 3 anos, a duração é de ate 2 anos, podendo nos dois últimos casos serem prorrogadas de

acordo com a necessidade da instrução ou risco de fuga do réu se for solto.

5-    CONCLUSÃO.

Diante do que foi exposto e da analise dos princípios fundamentais fica claro que o legislador pátrio ao ser omisso quanto à duração da prisão preventiva concedeu grande poder aos magistrados, mesmo criando algumas diretrizes, tais como requisitos da sua decretação, difícil dizer se essa omissão foi proposital ou se foi uma falha.

Em alguns países estrangeiros, seus legisladores optaram por definir esse tempo e cada um estabeleceu critérios que melhor adequassem a suas realidades, acredito ser o sistema espanhol o mais adequado no Brasil. É sim evidente que a criminalidade tem sempre aumentado e alguns dizem que não deve ter prazo para prisão preventiva, mas ouso discordar, pois não se pode punir e nem transferir a responsabilidade que o Estado tem em garantir um julgamento em prazo razoável e sua dificuldade em fazê-lo para o cidadão, impondo-o o encarceramento enquanto se aguarda o processo, e o principio da presunção de inocência, deve ser afastado quando o Estado não cumprir com suas obrigações, de quais direitos mais, teremos de abrir mão porque o Estado não cumpre com suas obrigações? Se usarmos como desculpa que o individuo é muito perigoso para ser posto de volta a sociedade, teremos então que repensar o escopo da pena e também instituir pena de caráter perpétuo o que nossa Carta Magna proíbe expressamente, pois é isso que muitos, de forma velada, esperam, entretanto está não é a finalidade dessa prisão e de nenhuma outra, presente na nossa lei.

A imposição de prazo pra duração da prisão preventiva acarretaria obrigatoriamente em um Judiciário mais eficiente e um processo mais célere, evitando-se assim a perda da sua real finalidade, que é garantir, dentre outros, a instrução criminal, e não, de servir como pena antecipada. Não podemos chegar ao ponto em que o réu, então condenado, seja posto em liberdade após ser proferida a sentença condenatória, por já ter cumprido sua pena em prisão preventiva.

"É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador

sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa

legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem estar

possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar,

segundo o cálculo dos bens e dos males da vida." (1) - (Cesare Beccaria)

6-    REFERÊNCIAS:

Page 19: Processual Penal

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 7ª ed.rev. atual. E ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

TÁVORA, Nestor, ANTONNI, Rosmar. Curso de Processo Penal. 3ª ed.rev. atual. E ampl. Editora JusPODIVM, 2009. p.449.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal.10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008,p.423.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 6ª ed. Saraiva,2011.

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 6ª ed.Saraiva, 2011.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas . Trad. De Flório de angelis. Bauru, Edipro, 1997

http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Codigo_de_Processo_Penal_-_Anotado.pdf

http://noticias.juridicas.com/base_datos/Penal/lecr.l2t6.html

http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2500457/habeas-corpus-hc-116395-pe-2008-0211540-0-stj

http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2465979/habeas-corpus-hc-116815-sp-2008-0214929-0-stj

http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/772873/habeas-corpus-hc-82138-sc-stf.

15fevereiro2013

EXECUÇÃO PENAL

Prazo máximo para prisão preventiva é um começoPor Antonio Eduardo Ramires Santoro

Em 14 de setembro de 2012 foi publicada a Lei 12.714 (que entrará em vigor 365 dias depois da sua publicação), que “dispõe sobre o sistema de acompanhamento de execução das penas, da prisão cautelar e da medida de segurança”.

De acordo com a referida lei, os dados e as informações da execução da pena, da prisão cautelar e da medida de segurança deverão ser mantidos e atualizados em sistema informatizado de acompanhamento da execução da pena.

Page 20: Processual Penal

Embora a lei denomine em seu artigo 1o “sistema informatizado de acompanhamento da execução da pena”, o sistema inclui informações sobre todas as fases processuais, incluindo data para encerramento do inquérito e oferecimento da denúncia, por exemplo. Também não é demais atentar para o fato de que na epígrafe da lei o sistema não se destina apenas ao acompanhamento da execução da pena, mas se estende à prisão cautelar e à medida de segurança.

Podemos verificar, ademais, que a lei, no artigo 3º, atribui a cada autoridade atuante no sistema penal a responsabilidade pela inserção de determinadas informações.

Assim, caberá à autoridade policial, “por ocasião da prisão”, inserir no sistema as informações sobre nome, filiação, data de nascimento e sexo do preso; data da prisão ou da internação; comunicação da prisão à família e ao defensor; o tipo penal e a pena em abstrato.

Ao magistrado “que proferir a decisão ou acórdão” caberá inserir no sistema informações quanto ao tempo de condenação ou de medida aplicada; aos dias remidos; e à utilização de equipamentos de monitoração eletrônica pelo condenado.

O diretor do estabelecimento prisional deverá inserir informações sobre os dias de trabalho ou estudo; o atestado de comportamento carcerário; e as faltas graves.

O diretor da unidade de internação deverá inserir os dados sobre o exame de cessação da periculosidade, no caso de medida de segurança.

Algumas perplexidades surgem de imediato: o que ocorrerá se o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, der ao fato definição jurídica diversa da que fez o delegado, já que este é quem tem atribuição para inserir a informação referente ao tipo penal no sistema? Vejam que o Ministério Público não é autoridade “alimentadora” do sistema, portanto, não pode corrigi-lo ou alterá-lo. A eventual (e provavelmente necessária) correção demandará, burocraticamente, decisão judicial.

Isso implica dizer que o sistema terá um “diálogo” com a pessoa errada, já que o dominus litis, quem deve tipificar a conduta em última e mais circunstanciada análise, não é a mesma pessoa que irá informar o sistema.

Outra, no mínimo interessante previsão, é que o magistrado incumbido de “alimentar” o sistema é aquele que proferiu decisão ou acórdão. Como a lei não especifica a espécie de decisão, parece que refere-se a decisão de qualquer natureza, não apenas sentença. Isso é muito importante quando verificamos que ele é incumbido de inserir no sistema informações a respeito do “tempo de condenação ou da medida aplicada”. A pergunta é: a que “medida” o texto legal se refere? Se for apenas referente às medidas de segurança, o objeto da lei, tal qual descrito na sua epígrafe, torna-se inócuo e parcial, porquanto o mesmo se refere não apenas à pena e a medida de segurança, mas também à prisão cautelar.

A melhor interpretação, constitucionalmente adequada e em favor rei, inclusive dando um passo (embora ainda lento) na direção da observância dos direitos fundamentais, mormente no que concerne à limitação do tempo de prisão cautelar tal como previsto no artigo 7º do Decreto 678/1992 (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), é que a “medida” a que se refere o texto da lei inclui as medidas cautelares, incluindo a prisão preventiva e temporária.

Assim, torna-se uma obrigação do magistrado “que proferir a decisão” de decretação da prisão cautelar ou de conversão da prisão em flagrante em preventiva inserir no sistema o tempo de duração desta medida, obrigando todas as agências do sistema penal à observância do prazo por ele mesmo fixado.

Page 21: Processual Penal

Isso implica dizer que afora os confusos e permissivos limites temporais de duração da prisão preventiva construídos pela jurisprudência à guisa de prazo legal, sempre renegados por hipóteses excludentes da obrigação de observá-los convenientemente aplicados conforme o caso concreto, podemos compreender que o juiz passa a ter um papel ativo não apenas na observância do prazo prisional, mas na fixação prévia deste, isto é, na determinação do prazo máximo de duração da prisão preventiva no ato da decisão que impõe a medida restritiva cautelar.

Esta é uma interpretação que se aduna ao sistema acusatório, pois que o sigilo dos atos processuais e, sobretudo, o desconhecimento das regras atinentes ao processo penal são características inquisitórias próprias dos mais sombrios procedimentos do Santo Ofício.

Ainda que a lei processual penal não fixe com exatidão tempo máximo de duração das prisões cautelares, é conditio sine qua non de existência de um processo de garantias que seus agentes, sobretudo aquele que se submete ao exercício do poder (leia-se, o acusado), conheça previamente suas regras. A surpresa não é parte do jogo processual penal.

Não saber o prazo máximo que deve durar a prisão cautelar é desconhecer o direito à liberdade. E desconhecer o direito à liberdade é negar o direito à liberdade.

Por isso, conquanto não se possa afirmar que a obrigação do juiz fixar previamente o prazo de duração da prisão preventiva seja um avanço, vez que deveria haver definição do prazo máximo em lei, é um começo.

Antonio Eduardo Ramires Santoro é advogado, professor adjunto da UFRJ e professor da Universidade Gama Filho e da Emerj. Doutor e mestre em Filosofia (UFRJ). Mestre em Direito (Universidade de Granada, Espanha).

Revista Consultor Jurídico, 15 de fevereiro de 2013

Extraído de: Poder Judiciário do Estado do Acre  - 12 de Março de 2012

Artigo da Semana: Prisão cautelar e excesso de prazo - estudo voltado à Lei de DrogasCompartilhe

  Por Gustavo Sirena *

Antes de ingressar no âmago da discussão, é oportuno traçar um sucinto comentário acerca da segregação cautelar.

Sabe-se que a prisão só deve ser decretada ou mantida em situações excepcionais, ou seja, quando presentes indícios suficientes de autoria e prova da existência do crime fumus comissi delicti, bem como pelo menos um dos pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal) periculum libertatis. A prisão cautelar não pode ser tratada como forma de antecipação da condenação.

Daí afirmar, segundo lição de Fernando da Costa Tourinho Filho (1997, p. 487):

"Já vimos que a prisão preventiva é medida excepcional e, por isso mesmo, decretável em casos de extrema necessidade. Segue-se, pois, que, se durante o processo o Juiz constatar que o motivo ou os motivos que a ditaram já não mais subsistem, poderá revogá-la. É claro que, se a medida excepcional fica condicionada a uma daquelas circunstâncias - garantir a ordem pública, preservar

Page 22: Processual Penal

a instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal -, se nenhum desses motivos subsiste, outro caminho não resta ao Juiz senão revogar a medida odiosa. Cumpre observar que, atualmente, a prisão provisória, entre nós, fica adstrita a uma daquelas circunstâncias. Nem mesmo a prisão em flagrante, seja a infração afiançável ou inafiançável, pode subsistir, se não houver a necessidade de encarceramento, expressa naquela fórmula do art. 312 do CPP. Por outro lado, mesmo revogada a preventiva, tal como previsto no art. 316 do CPP, nada impede que o Juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público ou do querelante, venha a redecretá-la. Em que hipótese? Se sobrevierem as razões que a justifiquem".A propósito, sobre o assunto Luigi Ferrajoli (2002, p. 443) acentua:"Para Hobbes, a prisão preventiva não é uma pena mas um 'ato de hostilidade' contra o cidadão, de modo que 'qualquer dano que faça um homem sofrer, com prisão ou constrição antes que sua causa seja ouvida, além ou acima do necessário para assegurar sua custódia, é contrário à lei da natureza'. Para Beccaria, 'sendo a privação da liberdade uma pena, não pode preceder a sentença senão quando assim exigir a necessidade': precisamente, a 'custódia de um cidadão até que seja julgado culpado, ... deve durar o menor tempo e deve ser o menos dura possível' e 'não pode ser senão o necessário para impedir a fuga ou não ocultar a prova do crime'. Para Voltaire, 'o modo pelo qual em muitos Estados se prende cautelarmente um homem assemelha-se muito a um assalto de bandidos'. Analogamente, Diderot, Filangieri, Condorcet, Pagano, Bentham, Constant, Lauzé Di Peret e Carrara denunciam com força a 'atrocidade', a 'barbárie', a 'injustiça' e a 'imoralidade' da prisão preventiva, exigindo sua limitação, tanto na duração como nos pressupostos, aos casos de 'estrita necessidade' do processo".Essas orientações têm como único objetivo registrar a excepcionalidade da prisão cautelar.Importante trazer a colação as palavras de Roberto Bovino (1997, p. 57) acerca das funções das prisões-pena e das prisões cautelares:

(...) Resulta completamente ilegítimo detener preventivamente a una persona com fines retributivos o preventivos (especiales o generales) propios de la pena (del derecho penal material), o considerando critérios tales como la peligrosidad del imputado, la repercusión social del hecho o la necesidad de impedir que El imputado cometa nuevos delitos. Tales critérios no están dirigidos a realizar la finalidad procesal del encarlemamiento preventivo y, por ello, su consideracíon resulta ilegítima para decidir acerca de la necesidad de La detención preventiva.Após sucinto retrospecto, voltamos à especificidade do assunto.

É de sabença uníssona que o excesso abusivo de prazo para o encerramento da instrução processual implica em constrangimento ilegal. Às partes deve ser garantido um prazo razoável para a conclusão da instrução.

Resta saber quando estará caracterizada a tardança injustificada para a formação da culpa.

Com o advento da Lei 11.343/06 os prazos para a conclusão da instrução processual passaram a ser os mais diversos possíveis, razão pela qual é oportuna uma abreviada explanação acerca daquela lei para uma melhor concepção da dimensão processual da matéria.

À luz da Lei 11.343/06, em caso de prisão em flagrante, a autoridade policial deve comunicá-la imediatamente ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado que será encaminhado ao Ministério Público em no máximo 24 horas (art. 50, caput).

O limite para a arrematação do inquérito policial, em se tratando de réu preso, é de 30 (trinta) dias. Vale frisar que esse prazo pode ser duplicado pelo juiz, depois de ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade policial, a possibilitar que o termo para a conclusão da peça policial venha a chegar ao montante de 60 (sessenta) dias (art. 51, parágrafo único).

Depois de concluído o inquérito, o Ministério Público tem o prazo de 10 (dez) dias para adotar uma providência, exemplo, oferecer denúncia (art. 54).

Page 23: Processual Penal

Oferecida a peça inicial, o acusado apresentará defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias (art. 55). Caso a resposta não seja ofertada no tempo determinado, o juiz nomeará novo defensor para oferecê-la em 10 (dez) dias (art. 55, § 3º).

Proporcionada a defesa, o juiz decidirá em 5 (cinco) dias (art. 55, § 4º).

Levando-se em consideração a imprescindibilidade, o magistrado determinará a realização de diligência, exames e perícias no prazo máximo de 10 (dez) dias (55, § 5º).

Recebida a denúncia, o julgador designará audiência de instrução e julgamento no tempo limite de 30 (trinta) dias, a contar da data do recebimento da denúncia (art. 56, § 2º). Em sendo determinada realização de avaliação para atestar a dependência de drogas, esse prazo será estendido para 90 (noventa) dias (art. 56, § 2º), a ser computado a partir do recebimento da denúncia.

Encerrada a instrução, o juiz decidirá de imediato ou fará em 10 (dez) dias (art. 58).

Pois bem. Ajustando-se os prazos acima mencionados, chega-se à seguinte conclusão:

O prazo para ser proferida a sentença, via de regra, é de 85 dias ; Mantendo-se inerte o defensor titular e havendo a necessidade de nomeação de novo profissional para a apresentação de defesa prévia, o prazo se estenderá para 95 dias ; Tendo diligências a serem realizadas, o prazo será de 95 dias ; Existindo, nos autos, pendência de avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 145 dias ; Ocorrendo a nomeação de novo defensor para a apresentação de defesa prévia e existindo diligências a serem requeridas pelo juiz, o prazo será de 105 dias ; Designado novo defensor para a apresentação de defesa prévia, bem como estando os autos no aguardo da avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 155 dias ; Havendo a necessidade de novas diligências e pendência de conclusão da avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 155 dias; Instituído novo defensor para a apresentação de defesa prévia, tendo diligências a serem realizadas e pendência de conclusão da avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 165 dias . Pode, ainda, ocorrer uma nova dilação de prazos caso haja duplicação do termo para a conclusão do inquérito policial (60 dias), o que avança ainda mais o prazo legal, senão vejamos:

O prazo para a prolação da sentença será de 115 dias ; Ocorrendo a nomeação de novo defensor para a apresentação de defesa prévia, o prazo será de 125 dias ; Advindo a necessidade de novas diligências, o prazo será de 125 dias ; Havendo pendência de conclusão da avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 175 dias ; Designado novo defensor para a apresentação de defesa prévia e tendo diligências a serem realizadas, o prazo será de 135 dias ; Em caso de nomeação de novo defensor para a apresentação de defesa prévia e havendo pendência de avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 185 dias ; Existindo diligências a serem realizadas, bem como pendência de avaliação de dependência de drogas, o prazo máximo será de 185 dias ; Advindo a nomeação de novo defensor para a apresentação de defesa prévia, tendo diligências a serem realizadas e pendência de avaliação de dependência de drogas, o prazo teto será de 195 dia s. Não obstante ser possível ocorrer 16 (dezesseis) combinações, existem 12 (doze) prazos distintos a serem considerados quando da análise do alegado excesso de prazo. Em suma, os prazos para a formação da culpa variam de 85 (oitenta e cinco) a 195 (cento e noventa e cinco) dias.

Ressalte-se, ainda, que os termos acima descritos leva em consideração a sentença proferida no ato da audiência de instrução e julgamento; porém, esse marcos pode sofrer um acréscimo de 10 (dez) dias, caso o julgador opte em não decidir na aludida audiência (art. 58), o que modifica o patamar mínimo para 95 (noventa e cinco) e o máximo para 205 (duzentos e cinco) dias, além de render mais 16 (dezesseis) combinações.

Logo, aqui se aplica o notório adágio de que "cada caso é um caso".

Page 24: Processual Penal

Vale registrar, ainda, que os termos tratados pela lei de drogas não podem ser avaliados com rigorismo exacerbado, devendo, sempre, ser realizado um estudo em consonância com os princípios norteadores da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em vista as peculiaridades de cada caso, v. g., trâmites processuais complexos, comportamento das partes e quantidade de réus.

As medidas cautelares detêm características singulares, visto que versam sobre a garantia da liberdade do indivíduo.

O tempo determinado para o término da instrução processual não é absoluto, podendo ser dilatado conforme as particularidades de cada episódio.

A demora razoável e justificada na formação da culpa não configura constrangimento ilegal.

Resta perguntar: mas que efeitos haveriam de se reconhecer caso o excesso prazal venha a ocorrer após o término da instrução criminal? Desde que a defesa não tenha contribuído para a mora, entendemos que o réu não pode ficar aguardando uma decisão ad eternumsó por que cessou a instrução.

A simples alegação de que a instrução processual atingiu seu fim, não serve como escusa para afastar o tão-famigerado constrangimento ilegal.

Em caso de retardamento imputável à máquina judiciária a soltura do agente é medida que se impõe, sob pena de se ofender os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da razoável duração do processo (artigo 5º, incisos III e LXXVIII da Constituição Federal). Assim, fica suplantada a Súmula 52 do Superior Tribunal de Justiça que apregoa: "encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo".

A razoável duração do processo deve ser harmonizada com princípios e valores constitucionalmente abraçados pelo Direito brasileiro. Não deve ser apreciada de modo independente e descontextualizada do caso a ser apreciado.

_________

Bibliografia

BOVINO, Roberto. El encarcelamiento preventivo em los tratados de derechos humanos. In. ABREGÚ, Martín e COURTIS, Cristian (Orgs.). La aplicación de los tratados internacionales sobre derechos humanos por los tribunales locales . Buenos Aires: Del Puerto,1997.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . Vol. 3, 18. Ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

_________

* Gustavo Sirena é juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Acre. Atualmente é titular da Comarca de Feijó.

Page 25: Processual Penal

AS NOVAS REGRAS DA PRISÃO PROCESSUAL E MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS (LEI 12.403/11): UMA ANÁLISE CRÍTICA DESDE SUA PRINCIPIOLOGIA

O presente trabalho versa sobre as medidas cautelares no processo penal, com enfoque no instituto da prisão preventiva, buscando conciliar a teoria com a prática de tal instituto. Sem dúvida, trata-se de um tema bastante polêmico e interessante.

Texto enviado ao JurisWay em 9/8/2012.

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INTRODUÇÃO 

Depois de transcorridos 10 (dez) anos de tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 4.208/2001 foi finalmente aprovado, convertendo-se na Lei 12.403/2011, tendo a novel legislação proporcionado significativas mudanças no Código de Processo Penal, no tocante ao procedimento cautelar e aos demais temas que lhe norteiam, entre eles a decretação da prisão preventiva.

Assim como todo instituto jurídico, as medidas cautelares possuem sua aplicabilidade limitada às regras de princípios, quais sejam: jurisdicionalidade, contraditório, provisionalidade, provisoriedade, excepcionalidade e proporcionalidade (este último tripartido em adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).

Tratando-se de prisão preventiva, a prática forense vem mostrando a difícil coexistência entre teoria e prática; de um lado está toda a principiologia cautelar voltada à presunção de inocência, o que excepciona de vez qualquer prisão prévia ao trânsito em julgado; doutro lado decisões coercitivas cuja legalidade de suas fundamentações pode ser questionada, pois parece olvidar que a segregação cautelar deve ser considerada a ultimaratio do nosso sistema processual penal.

Como prova da dificuldade prática de respeito às regras processuais, o exacerbado número da população carcerária brasileira assusta, pois, de acordo com dados da pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes[1], até dezembro de 2010, a quantidade de presos já havia passado de 500.000 (quinhentos mil), sendo que desse numerário 44% são detentos provisórios, equivalendo a aproximadamente 220.000 (duzentas e vinte mil) pessoas. Ademais, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça[2], entre 2000 e 2008 a quantia de detentos cresceu 89%, saltando de 232 mil para mais de 440 mil presos.

Para evitar que detentos provisórios alcancem quase que em mesmo número os reeducandos já condenados definitivamente, antes da decretação de qualquer medida cautelar, uma série de regras deve ser respeitada pelo julgador no decorrer da persectio criminis. O

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primeiro é partir da concepção de que não só a pena definitiva, mas o próprio processo; o peso de estar sendo processado criminalmente, já é uma forma de apenamento. Apenas a partir desse ideal, se a todos tal fato restasse claro e incontroverso, muitas das prisões preventivas já seriam consideradas desnecessárias.

Outrossim, mas agora levando em conta aspectos técnico-processuais, o requisito, tido como fumus comissi delicti, consistente na prova do cometimento do crime e indícios suficientes de autoria, é um dos primeiros passos a ser dado pelo magistrado no decorrer da tramitação dos autos. De igual importância, o fundamento da segregação preventiva, opericulum libertatis, previsto no artigo 314 do Código de Processo Penal, elenca taxativamente as quatro modalidades que possibilitam ao juiz deter preventivamente o imputado, dentre elas: garantia da ordem pública e econômica, assegurar a aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal.

Há de se levar em consideração, ainda, a importantíssima regra de que toda prisão cautelar deve ser, vedadas exceções, devidamente motivada, elencando, além da exposição da(s) modalidade(s) presente(s) no artigo 314 do Código de Processo Penal, as circunstâncias peculiares ao caso sub judice, a ponto de individualizar ao máximo a detenção de determinado sujeito.

Além disso, a tutela cautelar possui como função típica a sua instrumentalidade, pois está intimamente ligada ao procedimento principal, devendo apenas ser utilizada para auxiliar a bom andamento do processo. Todavia, as prisões calcadas na garantia da ordem pública e econômica não possuem um exercício cautelar, senão policialesco voltado à segurança pública, desvirtuando, pois, a natureza jurídica do procedimento cautelar.

Ademais, a amplitude conceitual do termo “ordem pública” possibilita uma alta (e perigosa) discricionariedade ao magistrado, podendo invocar inúmeras justificativas para restar vislumbrada a desordem pública. Termos como clamor social, periculosidade do agente, credibilidade das instituições etc., são fundamentos corriqueiramente utilizados pelos tribunais e aceitos por parte da doutrina, fazendo com o que o magistrado, que deveria estar alheio ao processo, seja contaminado por opiniões de terceiros, como, por exemplo, os espetáculos midiáticos ostentados pelos meios de comunicação quando do cometimento de um crime considerado grave pela sociedade.

O presente estudo busca expor o duplo papel do processo penal, consistente em, além de ser o meio necessário para restringir direitos ou a liberdade de certo indivíduo, ao mesmo tempo proteger o imputado de violações de direitos fundamentais, garantidos fortemente pela Constituição Federal, mas sem esquecer da necessidade de resposta do Estado frente ao cometimento de crimes, só que de uma forma incisiva e inteligente, logrando combater a criminalidade com base nos verdadeiros motivos do delito, e não somente em relação à materialidade do ilícito penal em si.

 1.            DA PRINCIPIOLOGIA CAUTELAR

 

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Antes de discorrer acerca de qualquer instituto jurídico, é imperioso ressaltar a principiologia do tema que virá a ser abordado, como, in casu, a prisão cautelar. Os princípios cautelares podem ser definidos em: a) jurisdicionalidade; b) contraditório; c) provisionalidade; d) provisoriedade; e) excepcionalidade e f) proporcionalidade.

 1.1         DA JURISDICIONALIDADE

 

O princípio da jurisdicionalidade está previsto no artigo (art.) 5º, inciso LXI, da Carta Maior, que aduz que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Assim, toda prisão cautelar deve partir de uma decisão fundamentada oriunda de um magistrado, inexistindo qualquer excepcionalidade a tal regra. Defendemos o entendimento de que a prisão em flagrante não é uma exceção no tocante a esse procedimento, ao contrário do que aduzem outros doutrinadores[3], tendo em vista ser uma medida “pré-cautelar”.

Trata-se de um instituto repressivo precário, podendo ser efetuado, segundo o artigo 301 do Código de Processo Penal (CPP)[4], pelas autoridades policiais e seus agentes, bem como, inclusive, qualquer um do povo.

Sem embargo, como consequência de a prisão em flagrante prescindir de ordem escrita e fundamentada, o juiz deve ser imediatamente comunicado após a detenção do suspeito, tendo o magistrado, então, o prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas para decidir acerca do relaxamento ou homologação do auto de prisão em flagrante[5]. De toda a sorte, em havendo homologação do flagrante, o julgador deverá optar entre conceder a liberdade provisória ou decretar a prisão preventiva do agente, decisão essa que deverá ser motivada, nos moldes do artigo 315 do Código de Processo Penal[6].

Outrossim, como leciona Aury Lopes Júnior[7], o presente princípio está relacionado intimamente com o due process of law[8], pois ninguém terá sua liberdade ou seus bens privados sem o devido processo legal, prevalecendo a máxima nulla poena sine praevio iudicio, que nada mais é do que o monopólio da jurisdição penal por parte do Estado[9].

Portanto, pertinente o seguinte questionamento: é possível o suspeito ser preso por ordem escrita e fundamentada por autoridade policial ou por seus agentes?

A resposta só pode ser negativa. O caput do artigo 283 do CPP[10] é claro e taxativo no sentido de que a competência para decretar a prisão por ordem escrita e motivada é apenas da autoridade judiciária. Ademais, como bem frisado por Fernando da Costa Tourinho Filho[11], será competente o Relator, e não o juiz a quo, quando o processo for de competência originária dos Tribunais, forte ao art. 2º, § único, da Lei 8.038/90.

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Há de se fazer uma diferenciação entre competência para deter o suspeito em flagrante delito – medida pré-cautelar – e para decretar uma ordem fundamentada de prisão – medida cautelar ou não[12]. Aquela está ligada à precariedade da modalidade do flagrante, não fazendo parte do monopólio da jurisdição penal, pois ainda não iniciado o processo. Já esta, agora sob o prisma do magistrado, compete tão-somente ao julgador, sendo o único legitimado a emitir tal ordem.

Aliás, em consonância com o raciocínio de Jorge Vicente Silva[13], no momento em que o juiz for motivar a manutenção da prisão em virtude do flagrante, deve, além de expor os motivos da decretação da prisão preventiva, fundamentar a existência do estado de flagrância, expondo qual modalidade das hipóteses previstas no artigo 302 do Código de Processo Penal está presente, com base no teor da notitia criminis

Demais disso, não se deve olvidar que o princípio da legalidade possui um papel importantíssimo na execução da jurisdicionalidade, pois somente as causas previstas na legislação (artigo 312 do CPP) devem ser invocadas para ensejar a prisão preventiva.

 1.2.       DO CONTRADITÓRIO

 Até pouco tempo, falar em contraditório durante a realização de uma

investigação criminal soava como algo inapropriado e ilógico, dada a natureza inquisitiva do procedimento investigativo policial. Aliás, aduzia-se que ceder ao investigado o direito de contrapor eventuais medidas requeridas pela autoridade policial “não traria qualquer benefício ao interesse público, nem mesmo ao próprio investigado, eis que o sujeitaria antecipadamente a uma forma de processo”.[14]

Ademais, Guilherme de Souza Nucci[15] sustentava que chancelar a hipótese deaudiatur et altera pars em plena investigação policial acabaria por criar duas hipóteses de instruções idênticas, cuja presidência da primeira seria exercida pelo delegado; a segunda pelo juiz, sendo, portanto, totalmente desnecessária a presença do princípio do contraditório na fase inquisitorial.

Outro forte argumento era no sentido de que estender a possibilidade do investigado contrapor na fase preliminar estaria frustrando a própria função do Estado durante o inquérito, “dificultando-se a descoberta não só de crimes, mas, sobretudo, de sua autoria e, em última análise, frustrado estaria o próprio combate à criminalidade”.[16]

De outra banda, o contraditório era um princípio bastante defendido por alguns juristas brasileiros, entre eles Aury Lopes Jr.[17], que sugeria que fosse cedido ao detido o direito à audiência, proporcionando que o sujeito fosse “ouvido” pelo juiz antes de ser tomada qualquer decisão, evitando, assim, muitas prisões cautelares desnecessárias.

Agora, com a vigoração da Lei 12.403/11, finalmente o direito ao contraditório foi consagrado no instituto da prisão cautelar, timidamente[18] previsto no § 3º do artigo 282 do Código Processual Penal.

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Embora não nos exatos moldes do defendido pelo aludido autor, notável o avanço da nova redação, pois ao indivíduo que possui potencialidade em ser preso, cabe a ele, depois de intimado e ter sido estipulado prazo para sua defesa, expor todos os motivos que entende cabíveis para evitar sua segregação, dando espaço – e já era hora – ao artigo 5ª, inciso LV, da Carta Magna[19].

Ademais, em que pese o novo sistema aparentar ser mais burocrático[20], certamente o magistrado se sentirá mais seguro caso decida determinar uma medida cautelar em detrimento do imputado, pois o requisito e o fundamento de sua decretação restarão analisados (fumus commissi delicti e periculum libertatis respectivamente).

Mas como tal direito deve ser exercido?A redação do parágrafo terceiro do referido artigo diz que, ao receber o pedido

de medida cautelar, deve o juiz intimar a parte contrária[21]. E nada mais.Assim, em virtude de a aludida norma não ser exemplificativa nem taxativa,

cabe ao juiz escolher entre duas possibilidades: intimar o investigado/indiciado/acusado para apresentar uma resposta escrita, estipulando prazo para a elaboração da defesa, ou para comparecer a uma audiência.

Pensamos que a medida mais correta nesse caso é a realização de audiência, na qual o acusador e o imputado teriam a chance de, frente a frente com o julgador, respectivamente, expor os motivos para a decretação da medida, bem como refutar a hipótese de segregação cautelar.

Tal possibilidade estaria atrelada ao princípio da identidade física do magistrado, “na medida em que o processo penal é um instrumento no qual as partes lutam pela captura psíquica do juiz, um ritual de recognição em que o importante é convencer o julgador”.[22]

Não se deve olvidar que o referido parágrafo excepciona a garantia ao contraditório antes da decretação da medida cautelar, nos casos de “urgência ou de perigo de ineficácia da medida”.

Não sejamos hipócritas e irrealistas ao asseverar que tal ressalva seria uma afronta ao princípio aqui defendido, pois há de se fazer um balanceamento entre as garantias do imputado e a efetividade da sanção. Logo adiante, seguem dois exemplos de perigo de ineficácia da medida e dois de casos de urgência, respectivamente:

a) Intimação do imputado para contrapor o pedido de prisão preventiva sob o fundamento de assegurar a aplicação da lei penal, em face de fortes indícios de que estaria planejando fuga; b) intimação do investigado ou acusado para afastar a medida de interceptação telefônica; c) intimação do imputado para manifestar-se acerca do pleito de prisão preventiva em virtude da conveniência da instrução criminal, pois o réu estaria apresentando condutas inadequadas frente às testemunhas, como, por exemplo, as ameaçando caso deponham em seu desfavor; d) intimação do suspeito para discorrer contra a sua proibição de manter contato com pessoa determinada (inciso III do artigo 319 do Código Processual Penal), pois certo indivíduo – vizinho do imputado – teria sido agredido pelo mesmo, tendo registrado ocorrência e juntado aos autos prova da agressão.     

Todavia, em que pese certos casos como os acima citados prescindirem de prévia intimação do imputado, seja em decorrência de urgência, seja por causa do

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perigo de ineficácia de medida, o direito ao contraditório não deve ser esquecido pelo magistrado, devendo o juiz, imediatamente após decretar a prisão preventiva ou medida cautelar diversa, designar uma audiência para que o investigado/réu possa expor seus motivos contrários à segregação, para, finalmente, decidir acerca da manutenção ou não da detenção.

Aliás, Américo Bedê Junior e Gustavo Senna lecionam que a exigência da ciência e participação do imputado apenas são protraídas para outro momento, “o que não significa completa eliminação de tal direito”.[23]

Com base em uma simples leitura do § 3º do artigo 282 do Código Processual Penal, já é possível presumir que a exceção é a postergação do contraditório, e não a sua prévia aplicação. Ora, caso o legislador houvesse raciocinado o contrário, não teria feito uma ressalva aos casos de urgência ou perigo de ineficácia da medida, dando a crer que se trata de uma excepcionalidade no exercício da prática forense.

Discordamos, portanto, da ideia[24] de que a regra é a posterior manifestação do imputado, pois à exceção dos exemplos supramencionados e outros poucos casos que configurariam a urgência ou ineficácia de medida, inexistem outros motivos para o contraditório ser adiado.

Exemplificando: o Ministério Público requereu ao juízo a quo a decretação da prisão preventiva do suspeito de cometer um roubo, pois tal indivíduo já seria reincidente específico, sendo necessário garantir a ordem pública por risco de reiteração criminosa. Eis um caso bastante corriqueiro na praxis forense. Pensamos que não há óbice algum, nesse caso, em o imputado ser ouvido previamente pelo julgador singular, expondo seus motivos para que se mantenha em liberdade.

Ressalte-se que não há falar em impunidade no caso acima, senão em oportunidade de contraditório, pois, caso seja, de fato, necessária a decretação da segregação cautelar do sujeito, o magistrado, mesmo ouvindo o suspeito, irá, a partir de uma decisão fundamentada, decretar a sua prisão preventiva. A diferença é que, nesse caso, mesmo havendo a detenção do indivíduo, houve uma prisão com um mínimo de humanidade[25], pois dada ao imputado oportunidade de fala e defesa.

Portanto, há, sim, como imaginar o contraditório como a regra geral no plano cautelar penal, não devendo tal hipótese ser atrelada à impunidade, pois a segregação cautelar sem a prévia manifestação do imputado, se realmente necessária, será decretada pelo juízo a quo de uma forma excepcional. Até porque, seguindo os ensinamentos de Francesco Carnelutti, a verdade é que não há lei sem que se tenha exceção, pois “no hay razón, ni de hecho ni de derecho, que este a cubierto de uma razón contraria”.[26]

Por fim, caso haja indícios de descumprimento de qualquer modalidade de medida cautelar diversa (artigo 319 do Código de Processo Penal), deverá o imputado ser, via de regra, intimado para exercer o contraditório quanto à substituição, cumulação ou revogação da medida, evitando, assim, que lhe seja decretada a prisão preventiva.

 1.3.       DA PROVISIONALIDADE

 

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O princípio da provisionalidade está previsto nos §§ 4º e 5º do artigo 282 do Código Processual Penal[27], partindo do ideal de que as prisões cautelares são provisionais[28], pois estão umbilicalmente ligadas a uma situação fática. Portanto, uma vez desaparecida a hipótese ensejadora do decreto cautelar, nesse instante a prisão não apenas merece, senão deve ser revogada.

Assim, as segregações preventivas estão atreladas, vedadas exceções, ao requisito de sua decretação – fumus commissi delicti – e ao fundamento da medida –periculum libertatis.

Aliado ao fato de que as prisões preventivas são circunstanciais, podendo sempre ser canceladas ou substituídas, o presente tema também é denominado como princípio da revogabilidade, aplicando-se, segundo Edilson Mougenot Bonfim, a cláusula rebus sic stantibus (enquanto as coisas permanecerem como estão).[29]

Portanto, trata-se de uma garantia valiosa ao imputado que, diante de uma situação modificativa favorável, capaz de afastar os indícios de crime e/ou de perigo em manter-se solto, a liberdade deve prevalecer sobre o seu enclausuramento preventivo. É justamente o que Vicenzo Manzini[30] defendia, pois se os indícios que “en el momento de emitirse el mandato o la orden de captura parecían suficientes, resultan, en cambio, insuficientes por ulteriores indagaciones, debe cesar la custodia preventiva”.

Exemplificando: Júlio restou incurso na denúncia pelo cometimento do crime previsto no artigo 121 do Código Penal (homicídio). Tendo sido decretada a sua prisão preventiva em virtude da ordem pública, pois o denunciado seria uma ameaça ao bom convívio social[31], sobrevieram fortes indícios, através de uma testemunha ocular, de que o réu atuou em legítima defesa[32]. Convencido o juiz de que já não existe o fumus commisi delicti, “evidentemente não deve ele esperar a sentença para relaxar prisão decretada”.[33]

Sem embargo, não se deve olvidar que ao mesmo tempo em que a provisionalidade é favorável ao investigado/réu, pode tal característica, desde que novamente presentes circunstâncias fáticas novas, mas agora vindas em seu desfavor, gerar consequências graves ao imputado, conforme conceitua o § 4º do artigo 282.

E a crítica a tal redação não deve passar por batida; não em virtude da possibilidade de os requisitos e fundamentos da prisão preventiva serem tão mutáveis a ponto de vir em desfavor do réu, mas sim pela possibilidade de ativismo do magistrado nesse sentido, pois o referido parágrafo chancela expressamente a atuação de ofício do juiz, podendo, inclusive, decretar uma prisão preventiva sem a necessária provocação do Ministério Público.

Segundo Carnelutti[34], o primeiro cuidado que o juiz deve ter ao instruir um processo é formar “ante todo, un plan, aun cuando sea simple y elemental, de trabajo”, afirmando que nenhum construtor, “antes de proveer a los medios para la construcción, no lleve a cabo, o al menos, no esboce, um proyecto de la misma”.

  Ora, permitir que o julgador atue de ofício em desfavor do réu, a ponto de substituir uma medida cautelar diversa para uma grave prisão preventiva, nada mais é do que o esboço do magistrado de um plano de condenação ao imputado; uma preparação a uma futura segregação, só que lá adiante, definitiva. Um verdadeiro absurdo possibilitado pelo legislador.

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Afinal, Aury Lopes Jr., partindo da mesma indignação, sustenta que o juiz ativista primeiro decide e só apenas depois vai atrás dos fatos a ponto de justificar a sua decisão (“que na verdade já foi tomada”).[35]

Portanto, partindo do ideal de que o nosso sistema processual é “misto”[36] – inquisitivo na fase extrajudicial e acusatório na fase processual[37] –, qualquer atuação de ofício do julgador deveria ser considerada ilegal, pois o princípio acusatório, que se diz presente em juízo, restaria afunilado de vez com tal hipótese.

Portanto, nos moldes dos ensinamentos de Eugênio Pacelli de Oliveira[38], o fato de o inquérito policial acompanhar a denúncia e seguir anexado à ação penal não legitima a violação da imparcialidade do julgador ou a violação ao devido processo legal.

 1.4.       DA PROVISORIEDADE

 

No tocante à provisoriedade, em que pese a nomenclatura quase confundir-se com a de antes mencionada, ambos os princípios diferenciam-se, pois este está intimamente ligado ao aspecto temporal, partindo do pressuposto de que toda prisão cautelar é temporária. Portanto, a prisão provisória já deve começar – ou ao menos deveria – com o seu fim programado.

Todavia, em face da falta de amparo legal quanto ao tempo máximo de duração de uma prisão preventiva – diferentemente da prisão temporária (Lei 7.960/89) –, bem como a carência de qualquer sanção caso o tempo razoável venha a ser extrapolado, situações absurdas como as do caso abaixo têm se mostrado não tão raras na praxis jurídica:

 CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO

QUALIFICADO. WRITIMPETRADO CONTRA DECISÃO LIMINAR. SUPERVENIÊNCIA DE ACÓRDÃO. NÃO CONHECIMENTO. ILEGALIDADE PATENTE. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO DA SEGREGAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM NÃO CONHECIDA E CONCEDIDA DE OFÍCIO.

I. Seguindo a linha que vem sendo adotada por esta Turma, no sentido de proteger os limites do habeas corpus para manter sua credibilidade e funcionalidade e, do mesmo modo, a fim de respeitar o sistema de recursos legalmente previsto e sistematizado, com o julgamento do habeas corpus impetrado na origem, novo título judicial é expedido, e contra ele deve se insurgir a parte.

II. Entretanto, a hipótese dos autos revela ocorrência de constrangimento ilegal patente, apto a ensejar a concessão da ordem de ofício.

III. Segregação cautelar que se estende por mais de cinco anos, prazo evidentemente longo e que ultrapassa o razoável, a despeito da eventual complexidade dos autos, quanto mais se tal lentidão ocorre a despeito de já ter se efetivado a pronúncia do paciente.

IV. Ordem não conhecida e concedida de ofício, nos termos do voto do relator (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC. 196.566, Quinta Turma.

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Relator Ministro Gilson Dipp. Brasília, publicado em 31-08-2011. Lex: Jurisprudência do STJ, v. 266, p. 184 – grifo nosso).

A primeira lição a ser tomada ao discorrer acerca da provisoriedade, a fim de evitar casos infelizes como o anteriormente citado, é partir da concepção de que não existe pena apenas quando sentenciado o processo, senão durante a própria tramitação dos autos. Ou seja, processo também é a uma forma de apenamento.

Francesco Carnelutti[39], tempos atrás, já adiantava que literalmente as palavras processo e pena possuíam um significado diverso: “el proceso alude a una evolución; y la pena, por el contrario, a un sufrimiento”. Todavia, aprofundando o estudo de ambos os conceitos, é inegável que “la pena es proceso, no solo en cuanto procede del delito, sino además en cuanto se actúa a través de una evolución”[40].

Portanto, o abalo psicológico da pena começa a aflorar a vida do imputado desde quando investigado; iniciada a longa marcha processual, o apenamento só tende a aumentar, pois o sofrimento progride conforme a duração do feito, sendo seu custo ainda maior “a partir do momento em que se configurar a duração excessiva do processo, pois então, essa violência passa a ser qualificada pela ilegitimidade do Estado em exercê-la”.[41]

O legislador brasileiro optou pela “doutrina do não-prazo” ao deixar de estipular um limite máximo de tempo para a duração do processo (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Lei Maior[42]). Ademais, sendo a legislação infraconstitucional da mesma forma omissa quanto ao limite temporal da prisão cautelar, a jurisprudência pátria tentou impor o ideal de que superada a soma dos prazos que formam o procedimento de cada caso criminal (por exemplo, 81 dias para o procedimento ordinário), e o réu continuasse enclausurado sem que a sentença houvesse sido prolatada, estaria configurado o excesso de prazo.

Todavia, nada disso vem sendo aplicado pelos tribunais, sobretudo por inexistir sanção aos casos que extrapolam o limite razoável de detenção cautelar, além de tal entendimento não ter caído no agrado do senso comum, “adorador do simbólico e fracassado law and order”.[43] A prática demonstra a ineficácia da aludida construção jurisprudencial:

 HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. PRETENSÃO DE

REVOGAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO NÃO CONFIGURADO. PRECEDENTE. Por mais que conste dos autos o transcurso de prazo superior a 81 dias quanto à segregação do paciente, a alegação de excesso de prazo resta esvaziada ante à informação de que o desenrolar do feito está a contento, na fase da instrução processual, com a produção da prova oral em vigência. Esse dado aliado à constatação de que o fato imputado ao paciente é complexo, pois praticado com ameaça, torna plausível a manutenção da prisão sob os fundamentos vertidos pelo juízo originário e justificado o prolongamento da instrução. A existência de condenações, com trânsito em julgado, por fatos semelhantes, evidenciam a necessidade da prisão para a garantia da ordem pública e para a segurança da aplicação da lei penal, diante de nova acusação. ORDEM DENEGADA (BRASIL. Tribunal de

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Justiça do Rio Grande do Sul. HC. 70044524049, Quinta Câmara Criminal. Relator Desembargador Diogenes Vicente Hassan Ribeiro. Brasília, publicado em 13-10-2011. Lex: Jurisprudência do TJ/RS).

 

Entende-se o propósito da manutenção da prisão preventiva da decisão acima: o fato imputado ao réu é complexo. Inquestionável o fato de que existem casos mais trabalhosos, que exigem maior dilação probatória, enquanto outros demandam menos pedidos e possibilitam decisões mais ágeis. 

Mas possibilitar total discricionariedade ao magistrado no tocante ao prazo da prisão preventiva, ou seja, deixar o tempo da segregação cautelar ao mero bom senso do julgador, não nos parece uma alternativa correta optada pelo legislador frente à nossa realidade carcerária[44]. É necessário, sim, impor um limite temporal para esse instituto, sob pena de igualar as garantias do preso preventivo com as do definitivo[45].

Aliás, não apenas impor um limite de tempo expresso quanto à duração da prisão preventiva no Código Processual Penal, senão também prever sanções ao extrapolamento de tal garantia, como, por exemplo, a automática soltura do imputado[46], são objetos urgentes para uma futura e verdadeira reforma processual penal.[47]

A nossa legislação não deve ignorar a latente lacuna jurídica que vem se mantendo com o passar dos anos, não tendo sido nenhuma “reforma” capaz de suprir a falta de prazo máximo para cumprimento de uma grave prisão cautelar, prevalecendo verdadeiros “tempos mortos”[48] da lei, possibilitando que o Judiciário reste inerte ou atue de maneira deveras morosa, sem que esse tempo seja contado como excesso de prazo na prisão cautelar. Afinal, para Aury Lopes Jr. e Gustavo Henrique Badaró a única explicação para a inexpressão do legislador é o fato de que “a arrogância jurídica não quer esse limite, não quer reconhecer esse direito do cidadão e não quer enfrentar esse problema”.[49]

 Por fim, é comum algumas pessoas confundirem a provisoriedade com a celeridade processual. O fator tempo, aqui tratado, volta-se ao prazo da prisão cautelar imposta ao investigado/réu e não unicamente ao prazo de julgamento do feito. Ademais, nos moldes da valiosa lição de Augusto Jobim do Amaral:

 atropelar o tempo tornando-o mais célere é tolher os direitos de

defesa, da mesma forma que procrastiná-lo demasiadamente também representa sofrimento desnecessário como forma de punição do réu.[50]

 1.5.       DA EXCEPCIONALIDADE

 A ultima ratio. Talvez a definição perfeita para tal princípio. Consiste no fato de

que prejudicar o imputado cautelarmente deve ser a exceção; fugir da regra. A prisão

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preventiva, portanto, deve ser o ultimato final de todas as medidas cautelares disponíveis em nosso ordenamento jurídico.

 A excepcionalidade encontra previsão no § 6º do artigo 282 do CPP, verbis: 

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: [...]

§ 6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).

 

Igualmente importante a leitura do inciso segundo do artigo 310 do mesmo diploma processual:

 Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá

fundamentadamente: [...]II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes

os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão.

 

Perceptível a importância que deu o legislador à preferência das medidas cautelares diversas em relação à prisão preventiva. Exauridas todas as alternativas que proporcionam um gravame menor ao investigado/réu, somente então cabível a decretação da detenção cautelar.

A doutrina norte-americana explica de forma simples e objetiva o presente princípio:first things first. Ou seja, a medida cautelar a ser tomada deve ser a primeira na ordem de preferência, e não já partir para a última (prisão preventiva). Seguindo tal raciocínio, Herbert L. Packer[51] aduz que “the criminal sanction is the law’s ultimate threat. [...] The sanction is at once uniquely coercive and, in the broadest sense, uniquely expensive. It should be reserved for what really matters”.

Portanto, quando esgotadas todas as circunstâncias motivadoras de liberdade; no momento em que o juiz não veja outra alternativa, senão a segregação do sujeito, é que a prisão preventiva deve ser autorizada. Essa última medida, por ser uma exceção ao in dubio pro reo, pois tira a liberdade do sujeito antes mesmo de uma condenação, apenas é legitimada quando visar à proteção da persecução penal, e “quando se mostrar a única maneira de satisfazer tal necessidade”.[52]

E é justificável a imperiosidade em excepcionar a restrição de liberdade prévia ao trânsito em julgado da ação penal, pois ao tratar de liberdade está da mesma forma se direcionando ao poder do Estado em diminuí-la ou restringi-la, em nome, forte aos ensinamentos de Adauto Suannes[53], de interesses difusos ocultados pelo termo “interesse público”. Ou seja, falar de liberdade “é falar, em suma, no processo penal”.

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Aplaudível a decisão prolatada pelo Desembargador Nereu Giacomolli integrante do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que trata do assunto aqui discutido:

 HABEAS CORPUS. DELITO DE AMEAÇA. PACIENTE COM 70

ANOS DE IDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO POR MEDIDA DIVERSA, DE NÃO SE APROXIMAR DA VÍTIMA. 1. Com o advento da Lei 12.403/2011, a prisão preventiva é a última cautelar a ser aplicada. Antes dela, devem ser verificadas a necessidade e a adequação das medidas alternativas à prisão preventiva. Portanto, a prisão preventiva ocupa o último patamar da cautelaridade, na perspectiva de sua excepcionalidade, cabível quando não incidirem outras medidas cautelares (art. 319 do CPP). O artigo 282, § 6º é claro: a prisão preventiva será aplicada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar. Não se decreta a prisão preventiva para depois buscar alternativas. Após, verificado que não é o caso de manter o sujeito em liberdade sem nenhuma restrição (primeira opção), há que ser averiguada a adequação e necessidade das medidas cautelares alternativas ao recolhimento ao cárcere (segunda opção). Somente quando nenhuma dessas for viável ao caso concreto é que resta a possibilidade de decretação da prisão processual (terceira opção). 2. No concreto, em razão da idade do acusado, somado ao fato de possuir apenas um processo o qual não restou denunciado, a exigência de cautelaridade se satisfaz com uma medida, sendo a do art. 319, III, do CPP (proibição de se aproximar da vítima). LIMINAR CONFIRMADA. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. HC. 70047549217, Terceira Câmara Criminal. Relator Desembargador Nereu José Giacomolli. Brasília, publicado em 13-04-2012. Lex: Jurisprudência do TJ/RS).

 

Assim, a excepcionalidade (decretação de uma medida cautelar – e não somente a prisão preventiva) apenas restará legitimada quando realmente necessária e desde que adequada às peculiaridades do caso sob apreciação. Esse é o escopo dado aos incisos do artigo 282 do CPP. Afinal, nos moldes dos ensinamentos de Fernando da Costa Tourinho Filho[54], embora a prisão que antecede a decisão seja necessária, “não é menor a necessidade de ser ela restringida, limitando-se aos casos indispensáveis, pelo mal irreparável que causa àqueles declarados inocentes no final da instrução”.

 Mas novamente a prática desmonta de vez todas as garantias proporcionadas pelo teor do princípio agora discorrido. Não por acaso Luigi Ferrajoli[55] salienta que o cárcere preventivo não tem sido utilizado somente para tutelar o processo, mas também para gerar uma imagem de defesa social aos cidadãos, ampliando, portanto, as causas de incidência da prisão cautelar.

Destarte, no momento em que o enclausuramento preventivo for decretado sem cumprir as exigências da adequação e necessidade, que são voltadas somente ao processo (e não extra-autos – pena antecipada), a privação cautelar de liberdade não será uma exceção, restando, segundo Aury Lopes Jr.[56], totalmente desnaturada, dividindo seus casos de incidência com o princípio da inocência (um absurdo!).

 

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1.6.       DA PROPORCIONALIDADE Trata-se do instituto que obriga o juiz a manter um ponto de equilíbrio, diante

do caso sob apreciação, entre a gravidade da medida (adequação) e a sua necessidade de imposição, resguardando a incidência cautelar somente quando realmente necessária, e, em caso positivo, tornar o prejuízo do imputado o menor possível. Desmontando-o, triparte-se nos subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação, cuja previsão está insculpida no inciso II do artigo 282 do Código de Processo Penal[57], visa resguardar o menor gravame ao suspeito/indiciado/réu, pois existindo uma opção menos onerosa para a finalidade pretendida, como os casos descritos no artigo 319 do CPP, ela deve ser optada pelo juiz, deixando a prisão preventiva como a última alternativa.

O termo adequação não está ligado somente à melhor opção das medidas cautelares disponíveis, senão, também, à correta aplicação de tal alternativa. Por exemplo: suspeitando o magistrado de que o réu venha a viajar no dia da realização de determinada perícia, a pedido do Ministério Público, o juiz proíbe o acusado de se ausentar da Comarca durante dois anos a contar da intimação da medida, forte ao inciso IV do artigo 319 do CPP. É verdade que o julgador acertou ao optar pela proibição de ausentar-se da Comarca jurisdicional em detrimento da prisão preventiva por risco de fuga, mas o tempo de duração de tal medida mostra-se evidentemente desproporcional, restando inadequada frente ao caso exposto.

O subprincípio da adequação, juntamente com a leitura dos artigos 313[58] e 283[59], § 1º, ambos do CPP, deveria ser utilizado como prevenção aos casos em que o imputado restou segregado preventivamente durante toda a instrução e, no decisum, teve sua pena privativa de liberdade substituída por uma sanção restritiva de direito. Notadamente uma medida novamente não adequada à hipótese lançada.[60]

A fim de exemplificar o acima exposto, eis o que decidiu o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

 HABEAS CORPUS. ART. 288 CÓDIGO PENAL. (...) PRISÃO

PREVENTIVA. LEI 12.403/11. INCABÍVEL. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS À PRISÃO. ART. 319 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SUBSTITUIÇÃO.

1. Paciente que teve decretada prisão preventiva no curso das investigações, cujo mandado não logrou ser cumprido, e mantida na sentença condenatória para assegurar a aplicação da lei penal e garantir a ordem pública. Inobstante as razões que fundamentaram o decreto prisional, com a entrada em vigor da Lei 12.403/11, não mais subsiste requisito objetivo para sua manutenção, uma vez que o delito imputado (art. 288 do Código Penal) ao paciente não tem pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos.

2. Aplicação de medida alternativa à prisão preventiva, sendo cabível na espécie a fixação de outras medidas acauteladoras, conforme disciplina o art. 282 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela lei 12.403/11, ante a necessidade de garantir a aplicação da lei penal. Substitui-se o decreto

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de prisão preventiva expedido em desfavor do paciente, por medidas alternativas mais brandas, previstas na nova redação do art. 319 do Código de Processo Penal, notadamente aquelas constantes dos seus incisos I (comparecimento em juízo) e VIII (fiança). (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. HC. 0010337-16.2011.404.0000, Sétima Turma. Relator Desembargador Federal Márcio Antônio Rocha, publicado em 16-10-2011. Lex: Jurisprudência do TRF-4).

 

Já a necessidade, agora prevista no inciso I do artigo 282 do Código de Processo Penal[61], nas lições de Aury Lopes Jr.[62], assemelha-se à soma da provisoriedade e provisionalidade, pois nada mais é do que a imprescindibilidade da decretação da segregação cautelar, ou seja, quando não há mais nada a fazer, senão optar pela prisão do indivíduo.

Conforme aduz Vicenzo Manzini[63], o magistrado, “cuando la ley le encomienda un poder discrecional en esta materia, debe inspirarse en ese criterio de necesidad”, mas respeitando as garantias constitucionais admitidas para a liberdade pessoal.

É de se estranhar a parte final da redação do aludido inciso, pois dispõe que a necessidade, aos casos expressamente previstos, será aplicada para evitar a prática de infrações penais.

Não há nenhuma previsão jurídica que discorra acerca de medidas cautelares voltadas para evitar a perpetuação de crimes. Aliás, os únicos quatro casos previstos que ensejam a decretação de uma prisão preventiva estão arrolados taxativamente no artigo 312 do CPP. Até porque partimos da mesma concepção de  para garantia da ordem pública, com vistas a abranger uma causa [reiteração] que ali não pode estar”.[64]

Enfim, seguindo os ensinamentos de Luiz Flávio Gomes[65], o princípio da necessidade acaba refletindo a ideia de intervenção mínima do Estado. Em sendo caso de aplicação de uma medida cautelar, deve ser ela a menos onerosa ao imputado. Caso o magistrado opte pela prisão, deverá motivar o porquê da necessidade em tal magnitude.

Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito, posta figuradamente, assemelha-se a uma balança, em que de um lado está o enorme ônus de submeter alguém ao cárcere, pessoa essa cuja presunção é de inocência, e, doutro lado, a necessidade de prendê-la preventivamente, ou impor qualquer medida cautelar diversa. É por isso que Cândido Rangel Dinamarco[66] assevera que, ao julgador, a boa técnica de sopesamento influi muito antes de tomar qualquer decisão, seja para qual lado for.  

Nos pensamentos de Herbert L. Packer, para saber se a medida será proporcional ao caso tratado, deverá o julgador ter em mente que de um lado da contabilidade está o aspecto positivo (o que seria o crédito) dos ganhos sociais, que advirão do sucesso da prevenção ou redução da conduta em questão; no lado do débito, estão os custos morais e práticos na decretação de cada medida.[67]

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Destarte, deverá a lógica do magistrado estar voltada à ponderação e bom senso, devendo ter proporcionalidade, segundo Francesco Carnelutti, “entre el malum actionis y elmalum passionis”.[68]

Dada, pois, a noção introdutória da principiologia cautelar, cabe, agora, voltar total atenção ao requisito da prisão preventiva.

 2.            DO REQUISITO DA PRISÃO PREVENTIVA

 Não é consenso por parte dos juristas a escolha pela termologia do requisito da

segregação preventiva. Alguns doutrinadores[69] preferem resgatar termos do processo civil para o processo penal (como a expressão fumus boni iuris), quase que equiparando a teoria geral processual civilista com a penalista.

Partimos do ideal de que utilizar a expressão “fumaça do bom direito” como requisito para decretação da prisão preventiva é um claro erro de semântica. Seguindo a lógica de Aury Lopes Jr. “o delito é a negação do direito, sua antítese”[70], restando inapropriado discorrer sobre a verossimilhança de um “bom direito” no tocante ao cometimento de um crime, senão em probabilidade de um fato aparentemente punível – ofumus commissi delicti. Nesse sentido, Paulo Rangel[71] afirma que “a fumaça é da prática do crime e não do bom direito”, pois o direito, por si só, “já é bom, incluindo aqui o conceito de direito justo”.

Dada tal ressalva, passemos a entender melhor o pressuposto autorizador da detenção cautelar.

O fumus commissi delicti consiste na soma da prova da materialidade de um crime e indícios suficientes de sua autoria delitiva. Aliado à presença do fundamento da segregação cautelar (periculum libertatis), poderá ensejar a prisão preventiva do imputado.

Interessante é a hipótese lançada por Edilson Mougenot Bonfim[72], a qual sustenta que quando evidenciada a provável ocorrência de prescrição abstrata ou virtual da pena, embora o magistrado, em respeito à Súmula 438 do Superior Tribunal de Justiça[73], não possa desde logo extinguir a punibilidade do agente, é inapropriado decretar a prisão preventiva do imputado nessas circunstâncias, dada a sua inutilidade instrumental, pois ao final o réu provavelmente terá a sua punibilidade extinta.

Para que o fumus commissi delicti atinja o seu grau de verossimilhança, é necessário, segundo Francesco Carnelutti, um grau de probabilidade não tão alto quanto o próprio da condenação definitiva, mas mais forte do que o necessário para o indiciamento do acusado, pois, afinal, “no se puede someter el imputado a la captura si no aparece como prabable su culpabilidad”.[74] Nesse mesmo sentido, Gustavo Henrique Badaró afirma que entre a ignorância da existência do direito e a certeza plena de sua ocorrência, “há um longo caminho a ser percorrido”.[75]

Exemplificando o acima mencionado, para melhor elucidação do tema, Guilherme de Souza Nucci[76] assevera que, em um caso de homicídio, consiste prova suficiente da materialidade do delito, a ponto de gerar probabilidade de uma futura condenação, relatos de testemunhas ouvidas no inquérito policial atestando a morte da

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vítima, bem como a juntada nos autos da certidão de óbito do lesado. Dispensa-se, pois, o laudo necroscópico, que poderá ser posteriormente apresentado. 

Aliás, como muito bem observado por Roberto Delmanto Junior[77], se para uma medida cautelar real, como o sequestro de bens (art. 126 do CPP), é exigido “indícios veementes da proveniência ilícita dos bens”, para uma medida cautelar real, que poderá acarretar uma grave prisão, “desponta absolutamente irrazoável e desproporcional exigir-se menos para a imposição de uma medida cautelar pessoal de privação da liberdade”.

Além da presença de probabilidade em certo indivíduo ter perpetrado uma conduta ilícita, os elementos constitutivos do delito, quais sejam, a tipicidade, ilicitude e culpabilidade, devem ter sido analisados e estar presentes quando do decreto segregativo cautelar. Portanto, evidenciada alguma das modalidades previstas no artigo 23 do Código Penal[78], não deverá o magistrado decretar o enclausuramento preventivo do imputado, em total acordo com o artigo 314 do CPP.

Destarte, tendo o réu agredido fisicamente um sujeito, mas havendo indícios de que a sua conduta foi praticada em estado de necessidade[79], mostra-se presente uma provável causa de exclusão de ilicitude, não preenchendo os requisitos do artigo 23 do Estatuto Repressivo, sendo defeso ao magistrado decretar a prisão preventiva do imputado.

Assim sendo, deve o juiz analisar todos os elementos formadores do tipo penal: ação – simples manifestação de vontade; resultado – consequência externa derivada dessa manifestação; nexo causal – imputação física do crime ao autor da ação produtora de resultado; dolo ou culpa – animus agendi capaz de identificar e qualificar a atividade comportamental do agente – e tipicidade – decorrência natural do princípio da reserva legal:nullum crimen nulla poena signe praevia lege.[80]

Entretanto, como bem frisado por Roberto Delmanto Junior[81], o legislador não incluiu a culpabilidade como uma elementar do crime, tanto é que em caso de inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput, do Código Penal), há a expressão “é isento de pena”, ao invés de “não há crime”. Portanto, enquanto não sobrevier prova de sua saúde mental, não há impedimento nenhum, ao menos por lei, de ser decretada uma prisão preventiva em detrimento do agente que se enquadre no artigo supramencionado, pois, mesmo inimputável, sua conduta ainda é considerada um crime.

Convém ressaltar que caso haja indícios de que o delito perpetrado pelo imputado tenha sido cometido em sua forma culposa, é dever do juiz não decretar a prisão preventiva, pois esta modalidade segregativa é permitida apenas em crimes dolosos, forte ao inciso I do artigo 313 do CPP.

Importantíssima a ponderação feita por Francesco Carnelutti[82], a qual parte do pressuposto de que a resposta do Estado não é e não deve ser tão rápida como o é o delito. Portanto, caso não haja prova cabal da materialidade criminosa ou indícios suficientes de autoria delitiva, antes da decretação da prisão preventiva, os dois sujeitos citados no exemplo anterior da briga deveriam ser identificados; toda a instrução deveria ser realizada (procedimentos fáceis de dizer, mas difíceis de fazer); mesmo se algum deles confessasse a agressão, existiria a grande probabilidade de o indivíduo apresentar alguma tese de justificação, como, por exemplo, o estado de

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necessidade. Afinal, conforme aduzido pelo aludido autor, “quem vai devagar, vai bem e vai longe”.

Transportando os ensinamentos do jurista italiano para as medidas cautelares, é criticável a prematuridade de certas prisões preventivas, quando na verdade se deveria aguardar a coleta de provas mais verossímeis a ponto de justificar o fumus commissi delicti, bem como o periculum libertatis. Nesse diapasão, quando houver incerteza por parte do juízo, deve ser aplicada a regra geral do ônus da prova, pois a questão trata de fatos constitutivos da pretensão do acusador, devendo ser indeferido o pedido da tutela cautelar.[83]

Ademais, impende lembrar que o fumus commissi delicti, assim como todo o procedimento cautelar, forte aos argumentos de Piero Calamandrei, está fatalmente ligado à emanação do procedimento principal. Ou seja, verificado no processo que os indícios de autoria anteriormente tidos como suficientes restaram enfraquecidos, a fumaça do crime desaparece, “porque a aparência, na qual ela estava baseada, revela-se ilusória”.[84]

Sem embargo, mesmo quando preenchidos todos os requisitos configuradores dofumus commissi delicti, ainda assim não é o suficiente para legitimar a prisão preventiva, pois faltante o fundamento do enclausuramento cautelar: o periculum libertatis.

 3.            DO FUNDAMENTO DA PRISÃO PREVENTIVA  

 Novamente há dissenso quanto ao termo a ser utilizado para conceituar a

fundamentação da detenção cautelar. Parte da doutrina[85] segue resgatando termos civilistas, como a expressão periculum in mora, a ponto de justificar a segregação do imputado.

Segundo Piero Calamandrei[86], o periculum in mora restaria configurado não apenas com o genérico perigo de dano jurídico, mas sim quando o dano derivar de um atraso, tido como inevitável em razão da lentidão do procedimento comum.

Concordamos com Aury Lopes Jr.[87] ao afirmar que a conceituação explicitada pelo autor italiano se amolda perfeitamente às medidas cautelares reais, em que a demora decisória enseja a deteriorização ou perecimento do bem tutelado. Entretanto, na realidade criminal, em se tratando de medidas coercitivas pessoais, não é o tempo o fator nevrálgico da periculosidade, senão a conduta do investigado/réu; qualquer atitude sua que gere risco ao desenvolvimento do processo. Assim, o risco decorre da situação de liberdade do sujeito passivo, devendo o fundamento da prisão preventiva ser conceituado comopericulum libertatis.

Pois bem.Os fundamentos previstos para a decretação da prisão preventiva estão

elencados taxativamente no art. 312 do CPP: 

A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

 

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Presente qualquer[88] um dos fundamentos expostos no artigo supra, resta configurado o perigo decorrente da situação de liberdade do imputado. Entretanto,independentemente da modalidade que se fizer presente para a segregação cautelar, deverá a motivação restar bem elaborada, não bastando meras presunções dotadas de puro “achismo”[89], pois o perigo de o indivíduo restar liberto deve ser real, acompanhado de um suporte fático suficiente a ponto de ensejar a tão gravosa medida.

Não basta ao juiz, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a mera explicitação textual dos fundamentos previstos no artigo 312 do CPP, devendo, além de citar qual(is) das quatro modalidades que se fizer(em) presente(s) no caso sub judice, expor fatos concretos capazes de demonstrar a situação grave de perigo decorrente da situação de liberdade do imputado, tornando-se uma exceção – e não uma ofensa – à regra do princípio da não-culpabilidade (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC. 89238, da 2ª Turma. Relator Ministro Gilmar Mendes. Brasília, publicado em 28-02-2008. Lex:Jurisprudência do STF, v.2289-03, p. 439).

Sobre a necessidade de uma motivação bem formulada, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes[90], defende que fundamentar “significa dar razões pela qual determinada decisão há de ser prolatada, expor as suas justificações e motivos fático-jurídicos determinantes”, garantindo, pois, uma proteção judicial efetiva, para que o decisumprolatado possa ser submetido a um processo de controle e, inclusive, impugnado. Na mesma concepção, Paulo Rangel[91] afirma que ao decretar a prisão preventiva, o juiz deverá demonstrar os requisitos e fundamentos que o autorizam, “não copiando o que diz a lei, mas, sim, mostrando, por exemplo, onde está a necessidade de garantir a ordem pública com a prisão do acusado”, citando, por exemplo, depoimentos de testemunhas que se dizem ameaçadas com a liberdade do imputado.

Ademais, nos moldes das lições de Gustavo Henrique Badaró, o juiz, diferentemente quando da análise do fumus commissi delicti, deverá exercer um papel eminentemente intelectivo, e não investigativo, pois não há como chegar-se à certeza de um perigo de dano, senão em uma previsão, “um prognóstico sobre um dano futuro”.[92]

Convém, pois, discorrer acerca de cada modalidade passível de ensejar a prisão preventiva, deixando a crítica para o capítulo seguinte.

 3.1. DA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA

 Tido como um dos conceitos mais amplos constantes no procedimento

cautelar, a detenção baseada na garantia da ordem pública abre um leque gigantesco de possibilidades para prender preventivamente o imputado, dada a sua amplitude conceitual.

A garantia da ordem pública seria a necessidade de se impor ordem em uma sociedade, pois ficaria ela “abalada”[93] com a ocorrência de um crime, não sendo, portanto, uma medida instrumental – voltada ao processo. Aliás, tal modalidade segregativa estaria atrelada à segurança pública, restando prescindível que o delito

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tenha repercutido na cidade inteira, “bastando um bairro, uma região ou uma comunidade”.[94]

Justamente em face da lacuna[95] explicativa quanto ao termo “ordem pública”, hipóteses como a) gravidade do crime; b) condições pessoais negativas do autor; c) repercussão social; d) maneira destacada de execução; e) envolvimento com quadrilha, bando ou organização criminosa; f) clamor público; g) possibilidade de linchamento; h) risco de reiterações criminosas; i) insensibilidade moral do acusado/investigado; j) repercussão midiática; k) resguarde da credibilidade da justiça etc. são invocadas como fundamentos para garantir a ordem pública.

Em que pese a gravidade do crime, o clamor público e a credibilidade da justiça ser um dos argumentos corriqueiramente invocados e defendidos por parte da doutrina[96], vêm prevalecendo o entendimento da Corte suprema de que tais hipóteses, por si só, ou se inexistentes motivos concretos expostos pelo magistrado, são insuficientes para gerar uma prisão (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC. 100012, da 1ª Turma. Relator  Ministro Ricardo Lewandowski. Brasília, publicado em 26-02-2010. Lex: Jurisprudência do STF, v. 32, n. 375, p. 384-395, 2010).

Em que pese o teor da decisão anteriormente citada, a própria alta Corte não possui um entendimento uníssono, pois já justificou a prisão preventiva em virtude do risco de reiteração criminosa, bem como pela gravidade do delito (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC. 92.735, da 2ª Turma. Relator Ministro Cézar Peluso. Brasília, publicado em 22-02-2012. Lex: Jurisprudência do STF).

Notável a incerteza e imprecisão do termo “ordem pública”, o que, em face de sua abertura, possibilita a invocação de, além de todos os fundamentos anteriormente citados, tantas outras hipóteses quanto bastem, todas elas, frise-se, voltadas para a prisão preventiva.[97]

 3.2.       DA GARANTIA DA ORDEM ECONÔMICA

 O aludido fundamento foi trazido ao artigo 312 do CPP pela Lei 8.884/94 (Lei

Antitruste), sob o escopo de combater os chamados “crimes de colarinho branco”. Assemelha-se à modalidade da ordem pública por não ser, também, uma medida instrumental, não possuindo uma finalidade estritamente cautelar e processual, pois visa atingir o acusado/investigado como forma de prevenir a reiteração de perpetrações criminosas causadoras de fortes danos financeiros, ou que coloque em risco “a credibilidade e o funcionamento do sistema financeiro ou mesmo o mercado de ações e valores”.[98]

Ainda, são utilizados termos idênticos aos invocados para prevenir o risco à ordem pública, como “salvaguardar a credibilidade da Justiça, afastando a sensação de impunidade”[99], bem como a gravidade do delito, que ficaria atrelada à magnitude da lesão econômica, hipótese essa prevista no art. 30 da Lei 7.492/86[100]. Não por menos, a semelhança é tanta que Aury Lopes Jr.[101] assevera que corriqueiramente a motivação baseada na “magnitude da lesão” é atrelada, também, à tutela da ordem pública.

Ademais, Guilherme de Souza Nucci afirma que a garantia da ordem econômica é uma espécie do gênero garantia à ordem pública, pois “a ordem

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econômica, quando abalada, tende a acarretar gravame à ordem pública”.[102] Não por acaso Fernando Capez argumenta que a referida hipótese “trata-se de uma repetição do requisito ‘garantia da ordem pública’”.[103]

Eugênio Pacelli de Oliveira compartilha do mesmo raciocínio, sustentando que caso o imputado, que se encontra em liberdade, puder significar um risco à ordem econômica por chance de reiteração criminosa, a fundamentação poderia ser facilmente deslocada para a tutela da ordem pública.[104]

 3.3.       DA CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL

 Diferentemente dos dois institutos anteriormente discorridos, tal modalidade

coercitiva possui caráter eminentemente instrumental, pois visa tão-somente o bom andamento do processo. In casu, o periculum libertatis restaria configurado quando a coleta da prova ou o normal desenvolvimento do feito estiverem em risco, em virtude de ameaças ou constrangimentos às testemunhas, vítimas e peritos, bem como em caso de destruição ou alteração do local do crime.[105] Todas essas atitudes, portanto, no intuito “de afastar o julgador da reconstrução verídica dos fatos apurados”.[106]

Segue jurisprudência, nesse mesmo diapasão, da Corte guardiã da legislação infraconstitucional:

 CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO.

PRISÃO PREVENTIVA FUNDAMENTADA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ACUSADOS QUE FAZEM PARTE DE GANGUE. EVIDÊNCIAS. AMEAÇAS ÀS TESTEMUNHAS. ORDEM DENEGADA.

I. A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação.

II. In casu, extrai-se dos autos que os acusados pertencem a perigosa gangue que estaria agindo no local dos fatos ocorridos, existindo também evidências de que estariam ameaçando testemunhas e familiares da vítima, hipóteses que, por si sós, são suficientes para justificar a decretação da prisão preventiva, de modo a assegurar a conveniência da instrução criminal e a garantia da ordem pública.

III. Ameaças às testemunhas na apuração do delito é fundamento idôneo para a prisão preventiva. Precedentes.

IV. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC. 234944, da Quinta Turma. Relator Ministro Gilson Dipp, publicado em 30-04-2012. Lex: Jurisprudência do STJ).

 Imperioso se ter em mente que a presente fundamentação não engloba

aquelas atuações procrastinatórias do acusado e de seu defensor, pois tais atitudes podem ser feitas, segundo Eugênio Pacelli de Oliveira, “nos limites da própria lei”.[107]

Defendemos que a expressão “conveniência” da instrução criminal é um termo deveras aberto, proporcionando uma ampla discricionariedade[108] ao magistrado, o que vai contra, principalmente, ao princípio da excepcionalidade. Tal medida não pode ser decretada ao mero “bem-querer”[109] do juiz, pois quando a detenção cautelar

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mostrar-se imprescindível, a prisão será medida a ser impor, desde que fundadas nas hipóteses anteriormente aludidas.

Outrossim, o imputado não deve ser preso com o mero objetivo de interrogá-lo, ou para forçá-lo a participar de algum meio de prova, como, por exemplo, a acareação. Isso porque o interrogatório não serve para tornar o denunciado um “objeto de prova”[110], mas sim para proporcionar um meio de defesa. Assim, por ser uma oportunidade defensiva, a presença do acusado no interrogatório torna-se uma faculdade, pois a autodefesa nem sequer é um ônus, vez que não consiste em uma escolha, conforme Gustavo Henrique Badaró[111], cujo exercício seja imprescindível para obtenção de determinada vantagem, sobretudo em virtude de a obrigação para comprovar a imputação formulada compete única e exclusivamente ao Ministério Público.

Seguindo esse mesmo toar, Luigi Ferrajoli[112] aduz que o interrogatório, em uma visão não inquisitiva do processo, não consiste em uma necessidade da acusação, senão de um direito da defesa, não servindo para formar prova da culpabilidade, mas sim para contestar a imputação e permitir a defesa do acusado. Aliás, o referido autor defende a posição de que quando se tratar de crimes particularmente graves e complexos, uma alternativa à prisão preventiva seria a simples condução coercitiva do imputado à presença do magistrado e sua detenção durante o período estritamente necessário – podendo variar de horas a no máximo dias, e não anos – para o intuito de realizar o interrogatório em uma audiência preliminar ou em um incidente probatório.

Outrossim, utilizando os princípios da provisoriedade e provisionalidade, a manutenção da custódia preventiva calcada na conveniência da instrução criminal mesmo após o interrogatório “pode ser considerada favorável somente por quem considere o papel da defesa como obstáculo inoportuno e a investigação como inquisição de parte”[113], pois, finda a instrução, não mais prevalecem os motivos fáticos que deram cabo à segregação do imputado, merecendo, então, o denunciado voltar ao convívio em sociedade.

 3.4.       DA GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL

 Igualmente ao fundamento segregativo anteriormente exposto, consiste em

uma tutela tipicamente cautelar, pois visa assegurar a eficácia, as consequências da sentença, tutelando, dessarte, o próprio processo.

A chance de fuga do imputado é a hipótese que ensejaria o risco de ineficácia da lei penal, sendo necessário, portanto, o Estado evitar tal provável atitude do sujeito passivo. Mas a mera presunção de fuga não é o suficiente para o enclausuramento preventivo, pois necessária a colheita de dados fáticos veementes a ponto de motivar a potencialidade de o indivíduo evadir-se durante a persecutio criminis.[114] Ademais, Fernando da Costa Tourinho Filho[115] afirma que se a Lei Maior presume a inocência daquele ainda não condenado, é defeso ao juiz apenas presumir que o imputado venha a escapar da ação da Justiça.

Outrossim, devem ser refutadas decisões calcadas na mera imaginação[116] do julgador, que motiva o risco de fuga do imputado em virtude de sua

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riqueza, pois, mesmo que tal circunstância facilite a execução de um plano de fuga, gerando um risco maior de evasão, o poder econômico, por si só, é insuficiente para prender cautelarmente determinado sujeito (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC. 83179, Tribunal Pleno. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, publicado em 22-08-2003. Lex:Jurisprudência do STF, v. 02120-35, p. 07299).

É de se ressaltar que a adequação (subprincípio da proporcionalidade) nunca deve ser deixada de lado em qualquer que seja o fundamento da prisão preventiva. Portanto, caso haja indícios não tão robustos de que o imputado esteja planejando uma fuga, o magistrado, ao invés de prender preventivamente o investigado/réu para assegurar a aplicação da lei penal, deve analisar se cabíveis medidas cautelares diversas, como as previstas no incisos I e IX do artigo 319 do CPP (comparecimento periódico em juízo e monitoramento eletrônico, respectivamente).  

E é justamente o esquecimento aos princípios apresentados no início do presente trabalho que provocam grande parte das fugas protagonizadas pelos indivíduos submetidos ao processo penal. O não respeito à principiologia cautelar possui como principal causalidade a decretação desmedida de prisões preventivas. Justificável, então, o raciocínio trazido por Liugi Ferrajoli, o qual explica que as evasões acontecem não por medo de uma futura pena, mas pelo temor da possibilidade de ser preso a qualquer momento, sem a mínima segurança jurídica. Afinal, de outro modo, se respeitados os ditames cautelares, o imputado, “ao menos até a véspera da condenação, teria ao contrário todo interesse de não se refugiar e de se defender”.[117]

Não se deve olvidar que a atual sociedade possui um grau incrível de informação, proporcionado, apenas pelas redes sociais, notícias e atualizações constantes. Outrossim, o nível tecnológico dos dias atuais permite a instalação de câmeras de segurança, bem como qualquer outra forma de monitoramento seja onde for. Isso tudo, sem dúvida, vai a favor do réu quando o assunto é prisão por risco de fuga.

 Ora, com tanto acesso à informação e com tanta tecnologia disponível, fica difícil imaginar uma verdadeira situação de fuga definitiva, quando na maioria[118] dos casos uma vigilância mais intensa ao réu nos dias precedentes à sentença já seria o suficiente para assegurar a aplicação da lei penal.[119]

Visto, pois, cada um dos fundamentos da prisão preventiva, partiremos, agora, à crítica das segregações cautelares em virtude da ordem pública e econômica.

 4.            A PROBLEMÁTICA ACERCA DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E ECONÔMICA

 Preliminarmente, é de suma importância entender o verdadeiro escopo de uma

medida cautelar; o seu fim como procedimento processual, para, depois, verificar a finalidade do processo em si e, finalmente, perceber que a prisão preventiva em virtude da garantia da ordem pública e econômica não possui um caráter cautelar.

A característica típica de uma tutela cautelar, além de todos os princípios anteriormente expostos no decorrer da leitura do trabalho, consiste em sua instrumentalidade, ou seja, é um meio para atingir o fim do processo. A tutela cautelar,

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portanto, está totalmente à mercê do procedimento principal. Piero Calamandrei[120]salienta que a instrumentalidade recebe a função de “predispor o terreno e de preparar os meios mais adequados para o seu êxito”, além de ser uma tutela mediata, pois, “mais do que fazer justiça, serve para garantir o eficaz funcionamento da justiça”. Com similar diapasão, Vicenzo Manzini[121] sustenta que “la privación de la libertad individual del imputado solo es justificable racional y políticamente cuando se vea que es necesaria para conseguir los fines del proceso penal”.

Não se deve olvidar que a instrumentalidade da tutela cautelar é, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco[122], eventual e de segundo grau. Eventual porque apenas se efetivará quando houver necessidade do processo principal (princípio da provisionalidade e subprincípio da necessidade). É de segundo grau por a tutela cautelar ser um instrumento a serviço do instrumento: são eficientes para o provimento jurisdicional principal. Sim, o procedimento principal também deve ser considerado como um instrumento, mas este disposto ao direito material e à própria sociedade.

Já o fim do processo em si (não só o penal) não deve ser confundido com os objetivos de quem nele atuam, como o Ministério Público, o réu e o próprio juiz. A finalidade do processo, conforme as lições de Jaime Guasp[123], não é simplesmente a atuação de pretensões, pois tal hipótese é tão-somente o que se faz no feito, mas não o que se almeja nos autos. O escopo processual deve ser resguardado em um plano superior aos pleitos das partes, possuindo como fim a paz social, a partir da “represión de las perturbaciones jurídicas en el senso de la comunidad”. Mas não basta a simples manutenção da paz, pois para alcançá-la deve ser conquistada de uma forma justa, nunca ultrapassando os limites da lei.[124]

Pois bem.Defendemos que a prisão preventiva em função da ordem pública ou

econômica não exerce um papel instrumental dentro do processo, pois as detenções calcadas nessas duas fundamentações já visam, de antemão, a finalidade do feito: a paz social; fazer justiça (mas na visão somente do Ministério Público).

Fazer justiça, quando o assunto é processo penal, automaticamente já está se falando em pena, pois àquele que comete ilícitos – o que abalaria a sociedade – lhe é reservado um apenamento, seja através do cárcere, seja por outras medidas coercitivas diversas cabíveis.

A segregação de um indivíduo, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, por decorrência de uma prisão preventiva baseada, por exemplo, no clamor social, nada mais é, portanto, do que a antecipação da finalidade do processo em si, mas sem respeitar a lei, evidenciando-se, neste caso, uma verdadeira antecipação de pena.[125] Nesse mesmo diapasão, Fernando da Costa Tourinho Filho[126] aduz que admitir tal hipótese de prisão cautelar trata-se de um retrocesso no processo penal, pois “é como se o Juiz já estivesse condenando o réu, à semelhança do que havia na Inglaterra e na França antes do século: XII: exécution sommairer”.

Notável que as segregações baseadas nas fundamentações aqui discutidas não exercem nenhum caráter instrumental como tutela cautelar, mas sim uma função eminentemente policialesca, revelando-se uma medida totalmente voltada à defesa social[127], não possuindo nenhuma fundamentação processual, senão de prevenção

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de perigo. Seria, bem dizer, nas palavras de Odone Sanguiné[128], permitir “uma condenação antecipada pela polícia, se a esta o fato lhe parecesse mais ou menos cruel ou a pessoa mais ou menos perversa”.

Vicenzo Manzini[129] há tempos já informava que “la custodia preventiva no tiene el fin de ejemplaridad que es exclusivamente proprio de la pena”, pois é um absurdo admitir que a detenão preventiva se ordene para servir de exemplo a uma pessoa que não se sabe ainda se é ou não culpada. Prossegue o referido jurista afirmando que, pela mesma razão, é errôneo pensar que a tutela cautelar possui como seu fim, também, dar satisfação ao sentido público de justiça. Na prática, a autoridade judicial se inspira às vezes neste falso critério, “cual si la justicia fuesse sierva de la política, o peor aún, de la demagogia”.

E não consiste papel do Direito Penal (embora continuem a insistir) impedir que as pessoas venham a cometer delitos, pois, conforme Manoel Messias de Sousa[130], não adianta colocar sobre essa Ciência do Direito o “ônus de acabar ou diminuir com as práticas delitivas levadas a efeito pelas pessoas (homens e mulheres, adolescentes e crianças) no seio de nossa sociedade”. De forma também acertada, Paulo Rangel[131]ressalta que devemos não confundir prisão cautelar com política pública de combate à violência, pois “nada tem a ver com a prisão cautelar os altos índices de violência urbana que assolam nosso País”.

Concordamos que a correta atitude a ser feita, a ponto de prevenir a perpetração de delitos, papel esse dado erroneamente à prisão preventiva para garantia da ordem pública ou econômica, seja, por exemplo, o investimento em construção de escolas públicas e em professores; uma maior quantidade de hospitais e clínicas psiquiátricas; oportunidade de trabalho aos reeducandos, além de indenizar as vítimas de crimes[132].

Sem embargo, haverá aquele sujeito que irá refutar a aludida proposta com base no seguinte raciocínio: não há possibilidade financeira de a União, Estados ou Municípios arcarem com os custeios de tantas obras públicas. Mas será que esse mesmo sujeito já foi informado de quanto custa apenas um preso ao erário?

Estima-se[133] que cada detento custe em torno de R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais) por mês. Caso esse reeducando estiver em um presídio de segurança máxima, o custo sobe para R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais) mensalmente. Levando em consideração que, segundo dados do CNJ[134], o nosso país conta, atualmente, com mais de 500.000 (quinhentos mil) presos, talvez o crítico de nossa proposta se retrate após fazer os cálculos e se deparar com o absurdo gasto com tantas segregações.

Outra sugestão de combate ao crime, e, portanto, diminuição da violência, mas agora dada por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho[135], é a aproximação da polícia às comunidades, a fim de que todos saibam os nomes dos policiais presentes nos locais, bem como ajudem as pessoas que são necessitadas e que todos tenham em mente os seus telefones celulares, “enfim, sejam o referencial simbólico do Poder e da proteção, resgatando a confiança que se foi por uma impessoalidade ofensiva às relações humanas”. Tal alternativa transparece o raciocínio de Paulo Rangel[136], de que “polícia nas ruas, garantindo nossa segurança, é problema do Executivo. Prisão

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cautelar, para assegurar o curso do processo penal justo, é medida a ser adotada pelo Judiciário”.

É urgente a necessidade de suprimir os resquícios ainda inquisitoriais de nosso processo penal. Sim, porque delegar a uma medida cautelar uma função policialesca, em seu sentido pejorativo[137], trata de rebaixar o imputado, constrangendo-o a ponto de colaborar ou confessar a prática de eventual delito, além de inferiorizá-lo em relação ao Ministério Público, pois, afinal, nada mais degradante do que manter-se entre as grades, ainda mais sem um julgamento definitivo.

Antes de tudo, previamente à decretação de uma medida cautelar, deve o julgador ter em mente, seguindo o raciocínio de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho[138], que a defesa do outro significa a defesa de si mesmo e das “regras do jogo”, pois “nunca se sabe se o próximo a ser perseguido não será o próprio”. O que o referido autor busca mostrar com tal frase é que, diante do grande número de leis penais, é certo que absolutamente ninguém escapa do cometimento de algum crime (dirigir embriagado ou, como na prática forense, dar presença ao advogado e ao parquet não presentes à audiência[139]), o que nos torna potencialmente criminosos. Portanto, e isso vale muito para o instituto da prisão preventiva, é de se perceber que nós cidadãos precisamos, sim, da proteção das leis, mas, além disso, é imperiosa a nossa sensibilidade e compreensão dos nossos iguais. Caso contrário, o medo aflorará a vida de cada um de nós, causando temor apenas dos outros, “como se só eles fossem os infratores das leis”.[140]

Todavia, isso não significa defender um discurso de proteção à criminalidade e aos próprios criminosos. Deve-se elaborar uma motivação vigorosa e inteligente, justamente de combate à criminalidade, mas de forma racional e humanitária, “começando pelas causas e nunca agredindo os postulados constitucionais, pelo pouco que ainda representam na esperança do povo deste País”.[141]

Apenas aqui, nesse ponto, quando se discursa a favor de uma fundamentação vigorosa e inteligente, além de racional e humanitária, a prisão preventiva em função da ordem pública já não passaria por uma filtragem constitucional, justamente por sua indefinição semântica, pois nada conceitua ou explica o sentido de “ordem pública”, fazendo-se total abstração, segundo Fernando da Costa Tourinho Filho[142], “de que ela é uma coação cautelar, e sem cautelaridade não se admite, à luz da Constituição, prisão provisória”.

Em face de sua indefinição conceitual, concede-se ao juiz muita liberdade para motivar algo excepcional, o que Luigi Ferrajoli chama de “poder de disposição”[143], fruto de carências ou imperfeições do sistema, estando em contradição com a natureza da jurisdição. O citado autor refere que indefinições desse tipo ainda dificultam a própria defesa, pois equivalem a caixas vazias ou semi-vazias da lei, sendo posteriormente preenchidas pelo julgador “ao teor de juízos constitutivos e não simplesmente declarativos dos tipos puníveis”.[144]

Eugenio Raúl Zaffaroni[145], crítico de conceitos e fundamentações mal elaboradas, ressalta que um simples conjunto de requisitos não chega a constituir um conceito, pois ninguém se atreveria a afirmar que “a vacinação, a corrente, a focinheira e demais apetrechos utilizados quando levamos um cão a passear fundem um conceito de ‘cão’ adequado à administração municipal”.

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Tal ponderação feita pelo brilhante penalista argentino é apropriada à prisão preventiva, pois o que vem buscando a doutrina e a jurisprudência, em face da “caixa vazia” da lei, é juntar situações que constituiriam o conceito de “ordem pública”, através de termos – como já mencionado no capítulo anterior – como “clamor público”. Deste modo, Odone Sanguiné[146] aduz que o magistrado, privado pela lei, a partir da ampla discricionariedade, assume um poder muitas vezes condicionado pelas informações da polícia e pelos meios de comunicação, que lhe permitem “instrumentalizar sabiamente o alarma social conforme os diversos momentos políticos ou econômicos”, prevalecendo, na maioria dos casos, as políticas de repressão governamentais em prejuízo de direitos fundamentais, como a presunção de inocência.

Atento à problemática aqui tratada, Aury Lopes Jr.[147] narra que o clamor público acaba se confundindo com opinião pública, ou até mesmo com opinião publicada. A imprensa acaba explorando midiaticamente algum fato, em algumas oportunidades com a intenção de vazar informações, como gravações telefônicas e filmagens (o que deveria ser resguardado ao inquérito policial e não ao público), colocando, pois, o assunto em pauta aos cidadãos.

Ademais, torna-se uma dificílima tarefa do magistrado, nos moldes dos ideais de Roberto Delmanto Junior[148], distinguir se a revolta da sociedade – o que motivaria a detenção cautelar do imputado – condiz, por si só, com a gravidade do delito em tese perpetrado, ou se o choque do público não seria fruto de exagero mostrado pela mídia, distorcendo o verdadeiramente ocorrido para gerar maior audiência.

Assim, constroem-se através da mídia os pressupostos para prender preventivamente determinado sujeito, vindo, posteriormente, o magistrado a decretar a segregação cautelar do imputado sob o argumento de manter a ordem pública, pois existe um clamor social em decorrência dos fatos ostentados pela imprensa. Felizmente o Superior Tribunal de Justiça vem refutando segregações voltadas somente para o impacto dado pela imprensa ao suposto crime cometido:

 HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO

PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. ART. 312 DO CPP. GRAVIDADE ABSTRATA DA INFRAÇÃO.

1. A jurisprudência desta Corte tem proclamado que a prisão cautelar é medida de caráter excepcional, devendo ser imposta, ou mantida, apenas quando atendidas, mediante decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da Constituição Federal), as exigências do art. 312 do Código de Processo Penal. Isso

 porque a liberdade, antes de sentença penal condenatória definitiva, é a regra, e o enclausuramento provisório, a exceção, como têm insistido esta Corte e o Supremo Tribunal Federal em inúmeros julgados, por força do princípio da presunção de inocência, ou da não culpabilidade.

2. A fundamentação declinada pelo Magistrado de primeiro grau não indicou de que forma a liberdade do paciente colocaria em risco a ordem pública, a conveniência da instrução criminal ou a aplicação da lei penal. Procurou alicerçar a medida constritiva na gravidade abstrata do crime consubstanciada em expressões genéricas do tipo, "apreensão no meio social", "reflexos negativos e traumáticos na vida da sociedade", "sentimento de impunidade e de insegurança",

não afirmando, concretamente, de que forma a liberdade do paciente colocaria em risco a ordem pública.

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3. Ademais, o fato de o delito ter sido amplamente noticiado na imprensa local e estadual, não é, por si só, fundamento suficiente para a determinação de segregação cautelar.

4. Ordem concedida (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC. 206.726, da Sexta Turma. Relator Ministro Og Fernandes, publicado em 26-09-2011. Lex:Jurisprudência do STJ – grifo nosso).

 Outrossim, o “clamor público” trata-se, em conformidade com a tese de Odone

Sanguiné[149], de uma espécie de “sede de vingança” coletiva em relação à violência. Todavia, o caminho legítimo para acalmar o alarma social não deve ser a prisão preventiva, senão uma sentença de mérito mais rápida, “porque somente a decisão judicial prolatada em um processo pode determinar a culpabilidade e a sanção penal”.

Demais disso, tal argumento ainda poderia ser invocado no sentido da comunidade local revoltar-se contra o acusado ou investigado, a ponto de correr risco de linchamento. Nas lições de Paulo Rangel[150], é dever do Estado garantir a integridade física e mental do provável autor do crime, pois segregar cautelarmente um indivíduo nesse moldes, é reconhecer a incompetência dos poderes encarregados de atingir os fins sociais a que se destinam, pois acaba transferindo “para o cerceamento de sua liberdade de locomoção a responsabilidade do Estado de manter a ordem e a paz no seio da sociedade”.

Outra fundamentação problemática consiste na prisão do investigado/réu para garantia da ordem pública para manter a “credibilidade das instituições”. É extremamente preocupante que a credibilidade de nossas instituições dependa de prisões. Os poderes públicos podem ser bem quistos através de estratégias e políticas inteligentes, buscando atingir, conforme já citado anteriormente, nas palavras de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, as causas nevrálgicas dos crimes e não apenas o delito em si.

Ademais, a forma correta de resposta do Estado a um delito é através de uma condenação e nunca por via de uma medida cautelar. Afinal, atrelar o bom funcionamento das instituições públicas à decretação de prisões é, ao mesmo tempo, admitir um país totalmente policialesco e autoritário, “incompatível com o nível de civilidade alcançado”.[151]

Salo de Carvalho, sobre o poder das instituições, assevera que atualmente há uma tendência de hierarquia dos direitos dos poderes públicos em detrimento dos direitos individuais, justificando, assim, as lesões dos direitos fundamentais de indiciados, réus e condenados. Em razão disso, os princípios de garantia dos direitos individuais “seriam preteridos em relação aos demais, sendo momentaneamente afastados como forma de assegurar a efetividade dos interesses sociais/públicos”.[152]

Convém frisar que um dos aspectos negativos da hierarquia de direitos das instituições é conceder aos direitos e garantias individuais a natureza privada, de caráter egoístico. Ora, como aduz o autor indicado, o interesse público, acima de tudo, deve zelar pela não submissão de “cidadãos à experiência degradante do processo ou da pena sem o rigoroso respeito das regras do jogo”[153], fato esse que vem acontecendo com a função policialesca dada à tutela cautelar.

Outro argumento dado à prisão preventiva para garantia da ordem pública é o risco de reiteração criminosa. Admitida pela grande maioria dos países europeus

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(Alemanha, Espanha, Portugal, Itália etc)[154], tal fundamentação vem sendo corriqueiramente utilizada, também, pelos nossos tribunais.

Concordamos com Aury Lopes Jr. [155] ao afirmar que há um desvio de função da polícia do Estado ao processo penal, função essa “alheia ao objeto e fundamento do processo penal”. Demais disso, há uma prisão por um “direito penal do futuro”, vindo a nos proteger de algo que sequer ocorreu.[156]

Aliado à crítica de tal instituto, Roberto Delmanto Junior[157] afirma que prender preventivamente alguém por risco de reiteração criminosa trata-se de uma dupla presunção: a primeira de que o imputado, de fato, cometeu um delito; a segunda consiste crer que, em liberdade, o sujeito, aos mesmos estímulos, “praticará outro crime, ou, ainda, envidará esforços para consumar o delito tentado”.

Entretanto, não se deve desconsiderar que, de fato, certos indivíduos possuem, sim, um potencial de reiterar condutas criminosas. Em um país violento como o Brasil, além do altíssimo índice de reincidência, o qual atinge, segundo dados do CNJ[158], a margem de 60% a 70%, não deve a Justiça, em que pese incompetente para prevenção de crimes, restar inerte e alienada da realidade criminosa brasileira.

Por isso mesmo, nas hipóteses de uma efetiva reiteração criminosa, restaria a prisão em flagrante totalmente cabível, com base no raciocínio de Roberto Delmanto Junior[159], em relação ao novo delito ou da tentativa de consumação do anterior. Caso inexistente a detenção em flagrante nesse caso, o referido autor não vê problema na decretação da prisão preventiva no tocante ao crime anterior, tendo em vista a probabilidade de o “acusado vir a perturbar a tranqüilidade [sic] das testemunhas, da vítima (se é que já não o tenha feito quando da reiteração), dos jurados etc.”.

A busca de soluções menos gravosas como, por exemplo, o monitoramento eletrônico e a prisão domiciliar já seriam tentativas de reprimir futuras condutas delituosas, através de uma maior fiscalização da polícia – e não do próprio Judiciário – daqueles sujeitos já restringidos parcialmente de liberdade. Além do mais, as substituições aqui sugeridas iriam, sem dúvida, proporcionar um menor custo às instituições, visto o altíssimo ônus ao erário que gera apenas um preso, para ainda reiterar, após liberto, as mesmas ou ainda mais graves atitudes criminosas.

 No tocante ao cárcere preventivo para garantia da ordem econômica, apesar de raramente aplicada, a crítica não deve ser deixada de lado. O foco que deveria ter dado o legislador aos casos de crimes de grande abalo econômico não deveria ter sido a liberdade do imputado em si, senão os seus próprios bens, pois o imbróglio não envolve a urgência em ser segregado, mas sim cessar com que o sujeito aufira tanto dinheiro de forma ilícita a ponto de gerar uma “crise econômica”.

Concordamos com Eugênio Pacelli de Oliveira[160] ao aduzir que se o risco é contra a ordem econômica, “a medida cautelar que nos parece mais adequada é o sequestro e a indisponibilidade dos bens dos possíveis responsáveis pela infração”. Até porque, continua logicamente o referido jurista, se o fato de o imputado continuar em liberdade poderá ensejar a repetição de condutas criminosas e a geração de mais danos, a prisão poderia ser facilmente deslocada ao argumento da tutela da ordem pública e não econômica. Seguindo o mesmo toar, relata Fernando da Costa Tourinho Filho[161] que “para o ganancioso, para o avaro, meter-lhe a mão no bolso é o castigo maior”.

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Além disso, convém frisar que em um país com um fraco capital financeiro como o Brasil, chancelar uma modalidade de prisão preventiva – que insistimos, deveria ser a exceção da exceção – para tutelar a própria economia do Estado, partimos da mesma indignação de Aury Lopes Jr.[162], que “seria risível se não fosse realidade”, pois mostra-se totalmente desnecessária e fora da realidade de nosso país.

Demais disso, como aponta brilhantemente Fernando da Costa Tourinho Filho[163], mostra-se uma prisão um tanto quanto esdrúxula, pois além de não exercer, ao exemplo da prisão preventiva para garantia da ordem pública, uma função cautelar, visa a satisfação do delírio e o desvairamento do povo ao ver certa pessoa de prestígio social ser presa. Outrossim, bem apontado por Eugênio Pacelli de Oliveira[164], tal fundamentação segregativa é inapropriada, pois já havia previsão expressa, no art. 30 da Lei 7.492/86, de decretação de prisão preventiva em razão da magnitude da lesão causada. Sobre esse ponto, há de ser lembrado que não existe bem maior do que a vida, o que, pela aplicação do princípio da proporcionalidade, se a magnitude de lesão econômica já é suficiente para prender cautelarmente determinado sujeito, sobraria como consequência estatal ao crime de homicídio, a “prisão perpétua ou a pena capital”[165], o que revela, pois, a desnecessidade de enclausurar antes do trânsito em julgado da sentença o sujeito acusado de ter praticado qualquer crime que desvirtue a “ordem econômica”.

 

CONCLUSÃO 

Sem sombra de dúvida, antes de ser feita qualquer medida coercitiva durante apersectio criminis, a principiologia cautelar deve estar clara no exercício da jurisdição de qualquer magistrado. A partir dela, é possível constatar que qualquer medida cautelar é ligada a um fato, que, quando modificado ou desaparecido, enseja a reapreciação dos suportes legitimadores de tal medida, possibilitando a substituição ou a revogação da antiga decisão. Isso, bem dizer, trata-se da provisionalidade do instituto cautelar.

Mesmo assim, quando não modificado o quadro fático, não deve a tutela cautelar perdurar por um tempo exacerbado, em virtude, justamente, da característica provisória que compõe o referido procedimento. Sobre esse tópico, nada foi contemplado pelo legislador brasileiro, possibilitando prisões ininterruptas antes do trânsito em julgado do processo criminal. É urgente a imposição de um prazo-limite para a duração da prisão preventiva, ou, em caso de descumprimento, sanções expressas em nosso ordenamento jurídico. Depender de entendimentos jurisprudenciais para um assunto tão delicado, pois delimita a liberdade de determinado sujeito antes da apuração definitiva de sua autoria criminosa, consiste em uma política muito arriscada e pouco comprometida com os princípios basilares proporcionados pela Constituição Federal. Ao que a praxis transparece, quanto menos limitações se impõem ao restringir a liberdade de outrem, mais casos de desrespeito às garantias individuais – entre elas, o direito a ser julgado em um prazo razoável (art. 5º, LXXVIII, da Carta Magna) – acabam, infelizmente, ocorrendo.

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Outrossim, no momento em que o magistrado estiver diante de um pedido de prisão preventiva, compete a ele verificar se existentes medidas cautelares diversas à privação de liberdade, por gerarem gravames menores ao investigado/réu. Portanto, previamente ao impor a detenção cautelar para assegurar a aplicação da lei penal, deve o julgador verificar se realmente necessária tal medida radical, e se não adequado, como alternativa ao enclausuramento preventivo, o comparecimento periódico do imputado em juízo (art. 319, I, do CPP). Trata-se de uma técnica de sopesamento que excepciona a prisão preventiva aos casos extremamente necessários e, obviamente, adequados, gerando proporcionalidade com o delito supostamente cometido e a medida imposta em detrimento do provável infrator.

Além disso, o fumus comissi delicti, resultante da soma da prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, necessariamente deve estar presente de forma clara nos autos. Sem embargo, a expressão “indícios suficientes de autoria” não significa permitir muitas dúvidas, pois, apesar de ser uma medida cautelar, o que está em pauta é um bem jurídico absolutamente indiscutível: a liberdade.

É necessário, portanto, um juízo de probabilidade, devendo ter uma provável chance de comprovação doravante, até a prolação da sentença. Assim, diferentemente dos indícios de autoria necessários para a imputação do cometimento de um crime a um réu – esse, um juízo de possibilidade –, para que sua liberdade reste privada, tais indícios seriam, por si só, insuficientes.

Quanto ao fundamento da prisão preventiva, rotulado acertadamente comopericulum libertatis, há latente ilegalidade quando decisões apenas invocam genericamente as quatro[166] hipóteses presentes em lei, pois viola a regra da motivação dos atos judiciais, além de banalizar o princípio da excepcionalidade das medidas cautelares. Uma simples manifestação do magistrado, não é, necessariamente, uma efetiva decisão jurisdicional.

Partindo da concepção de que a tutela cautelar possui como característica típica a sua instrumentalidade, ou seja, consiste em um meio para assegurar a eficácia da futura prolação decisória; visa o bom andamento do processo, tem-se que, diferentemente da prisão preventiva para garantir a eficácia da lei penal e por conveniência da instrução criminal, as segregações cautelares para garantia da ordem pública e econômica não são, substancialmente, medidas de natureza cautelar.

As duas últimas hipóteses passíveis de prisão aludidas anteriormente exercem um papel policialesco à sociedade, visando uma política de “proteção social”. Decisões calcadas em fundamentações voltadas à “periculosidade do agente” e ao “clamor público” admitem, nesses casos, a odiosa presunção de culpabilidade, o que, em um processo que se diz acusatório, nunca deve ser permitido, sob pena de conter, na verdade, raízes ainda inquisitoriais.

Além disso, o “clamor público” não condiz, necessariamente, com a gravidade do delito, em tese, cometido. Isso porque nada garante que a mídia não tenha exagerado nas condições criminosas, gerando um ódio social nada condizente com a conduta supostamente

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perpetrada. O espetáculo midiático quando se trata de uma investigação ou processo criminal, deve ser ignorado, para não dizer totalmente abstraído. A realidade da jurisdição condiz aos autos, e não às edições televisionais.

Outrossim, a credibilidade das instituições nunca deveria ser invocada para elencar os inúmeros conceitos de “ordem pública”, pois atrelar a elas apenas o crédito de realizar prisões (antes ainda do trânsito em julgado), é retroagir à eras autoritárias e totalmente repressivas. As instituições públicas deveriam demonstrar credibilidade se preocupando com as verdadeiras causas do cometimento de delitos, e não apenas reprimir o provável infrator para demonstrar comprometimento ao combate à criminalidade. Mas o investimento mais acentuado na educação, na construção de hospitais, na oportunidade de trabalho aos reeducandos e outros elementos essenciais da sociedade, é que irá combater não de frente o delito, mas pela sua base; sua raiz, sua origem.

Todavia, não se deve olvidar a realidade da violência de nosso país. A sociedade também não deve ser esquecida diante da alta criminalidade, razão pela qual a aproximação da polícia às comunidades, tornando os policiais mais ligados aos moradores de certa região, também consiste em uma alternativa importante de repressão ao crime.

O chamado “risco de reiteração criminosa”, também usado para configurar a desordem pública, admite um “Direito Penal do futuro”[167], pois através de uma mera presunção o juiz restringe a liberdade do imputado, sem que ao menos o provável infrator tenha cometido outro ilícito. E é por isso que é correto afirmar que existe, nesse caso, uma dupla presunção. A um por passar a ideia, já de antemão, de que o investigado/réu cometeu o crime ao qual restou indiciado ou denunciado. A dois, por além de presumir a culpa no delito anterior, pressupõe, também, uma futura perpetração delituosa. Sem dúvida, a referida fundamentação segregativa afronta a presunção da inocência. Aliás, mostra-se não uma exceção a tal princípio, senão uma grande violação.

Entretanto, não há como – reitere-se – olvidar da nossa realidade criminosa. Repetindo dados do CNJ, os índices de reincidência variam entre 60% a 70%, mostrando que existem, sim, indivíduos propensos à novamente agir de forma ilícita. Sem embargo, alternativas à prisão, nesse caso, serão bem-vindas, respeitando, sobretudo, a instrumentalidade da tutela cautelar, além de gerar um menor gravame ao imputado, estando de acordo com o princípio da proporcionalidade. Assim, o monitoramento eletrônico, por exemplo, seria uma acertada alternativa àquele que, já reincidente, vem sendo processado criminalmente. Aliás, uma maior fiscalização policialesca aos imputados/réus que seriam alvo dessa modalidade de prisão preventiva, consistiria, também, em uma atitude acertada, pois não consiste papel do Judiciário fiscalizar e impedir o cometimento de crimes. Cada função deve ser exercida por seu órgão competente: prevenir crimes e buscar a proteção social compete à polícia; exercer a jurisdição com respeito aos direitos fundamentais é papel do Judiciário.

 O presente estudo demonstrou que é inadmissível a amplitude conceitual do termo “ordem pública”, pois equivale, segundo a teoria garantista de Luigi Ferrajoli[168], à “caixas vazias ou semivazias da lei”. Ao julgador, então, lhe é proporcionada uma exagerada

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discricionariedade, o que vai contra a ideia de última ratio da prisão preventiva, pois o juiz, em face de tanta liberdade conceitual, acaba muitas vezes assumindo discursos condicionados pelas informações da polícia e pelos meios de comunicação, quase que abstraindo, novamente, a realidade dos autos.

No que concerne à detenção cautelar voltada à garantia da ordem econômica, concordamos que se mostra, além de desnecessária, uma medida esdrúxula[169]. Ora, a atitude estatal correta para impedir a continuação de crimes capazes de causar um grave prejuízo econômico, o que, diga-se de passagem, é questionável em face do fraco poder econômico do nosso país, é a decretação de sequestro ou a indisponibilidade de bens do imputado. Em nada irá mudar as finanças do Estado caso tal indivíduo venha a ser preso. Aliás, conforme discorrido no decorrer do trabalho, irá, na verdade, aumentar ainda mais os prejuízos, pois apenas um detento custa em média por mês o equivalente a R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais).

Tal fundamentação trata-se, também, de um fetiche do chamado “povão”, ao ser noticiado nos jornais a prisão de um sujeito com invejáveis aportes financeiros e prestígio social. Não deve o Direito Penal rotular indivíduos certos para gerar prisões, o chamadolabeling approuch[170], seja com ou sem capacidade econômica. O monopólio estatal do apenamento deve se comprometer a um juízo sério e imparcial, não disposto a prejulgamentos e somente à satisfação momentânea da sociedade. O combate à criminalidade – insistimos nessa ideia – parte de atitudes vigorosas e de fundamentações inteligentes, preocupado com a verdadeira base e origens do delito. Apenas rotular determinado sujeito e lhe impor uma pena, que sequer definitiva é, em nada ajuda a controlar a paz no Estado, tão pouco a reeducar o imputado.

É com base em políticas sociais e não repressivas e autoritárias, que a prevenção de crimes deve ser calcada, não consistindo papel do Judiciário buscar meios repressivos para lograr obter ordem na sociedade. Ao que parece se olvidar, o processo penal não é apenas um meio legítimo de repressão, mas também um instrumento voltado a proporcionar garantias ao réu. O sujeito passivo já parte da presunção de que é inocente. O ônus da prova, que compete única e unilateralmente a quem acusa, é que deve ser utilizado para excepcionar a regra in dubio pro reo, mas somente nos casos estritamente necessários e possíveis. Afinal, a falta de policiamento nas ruas é uma coisa, outra, bastante diferente, como consequência disso, haver necessidade de, no curso do processo, o réu ser preso.[171]

A tutela cautelar, portanto, quando destinada apenas a proteger o bom andamento do feito, como prender cautelarmente o acusado por conveniência da instrução criminal, em razão do denunciado estar ameaçando testemunhas, exerce naturalmente uma função instrumental, função essa tida como o limite do alcance de uma medida prévia ao trânsito em julgado.

De outra banda, segregar preventivamente determinado indivíduo por ser uma ameaça à sociedade, em nada se relaciona com o processo, pois, o que deveria ser um meio para assegurar a eficácia do fim de uma persecução penal, acaba adiantando, desde logo, o escopo da acusação, quase que se confundido o objetivo do parquet com o que se almeja no final do processo. O que deveria ser a busca pela recognição dos fatos apurados, acaba se

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transformando, pois, em uma evidente antecipação de pena. Uma atrocidade a uma Constituição que elenca toda uma principiologia de direitos, pois, quando deveria ser o processo um instrumento que, além de impedir a impunidade, cedesse segurança a quem lhe é movido, acaba sendo um árduo caminho dotado de inseguranças jurídicas e lacunas da lei, gerando a sensação de que a qualquer momento o imputado possa ser detido, antes mesmo de ser condenado.

Conclui-se, pois, invocando as lições de Francesco Carnelutti[172], que a tragédia não está somente em condenar sem julgar, mas também em não saber julgar. Cautela, portanto, aos magistrados, pois é muito fácil equivocar-se. “Infelizmente, a justiça, se for segura, não será rápida, e, se for rápida, não será segura”. Antes de escolher pela atitude mais radical do processo penal – a prisão prévia ao trânsito em julgado – todas as “regras do jogo” devem ser inquestionavelmente respeitadas, sob pena de trapacear as normas infraconstitucionais e as cedidas pela Lei Maior. Afinal, trapacear quando o assunto é uma apuração criminosa, trata-se, lamentavelmente, de violar direitos do sujeito investigado ou já denunciado. E ter seus direitos violados gera sofrimento, amargura e, na pior das hipóteses, exclusão social diante do cárcere. Destarte, como lição básica ao instituto cautelar, o processo penal não serve tanto para castigar, mas mais para saber se deve se castigar, pois, em caso contrário, corre-se o risco de lesar alguém que sequer deveria estar fazendo parte da persecução penal: um inocente.

 

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[2] Prisões Cautelares. Disponível em http://www.ibccrim.org.br/site/noticias/conteudo.php?not_id=13709/. Acesso em 21-05-2012.

[3] Exemplificando, Guilherme de Souza Nucci classifica o flagrante como uma modalidade de prisão cautelar, de natureza administrativa, “realizada no instante em que se desenvolve ou termina de se concluir a infração penal” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 8.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 584). Nesse mesmo sentido defende Fernando Capez (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 309).

[4] Art.301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

[5] Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. [...]

§1o Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

[6] Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada.

[7] LOPES JÚNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Diversas. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 19.

[8] Art. 5º, LV, da Constituição Federal: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[9] “Não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena” (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 24. 1v.). 

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[10] Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

[11] TORUINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 30.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 518. 3v.

[12] A medida será cautelar se a ordem de prisão for emitida no curso das investigações criminais ou em qualquer momento antes do trânsito em julgado da sentença; não será cautelar se a detenção for decretada após o trânsito em julgado da decisão condenatória.

[13] SILVA, Jorge Vicente. Comentários à Lei 12.403/11: prisão, medidas cautelares e liberdade provisória. Curitiba: Juruá, 2011. p. 59.

[14] BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo. Princípios do Processo Penal: entre o garantismo e a efetividade da sanção. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 174.

[15] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 167.

[16] CÂMARA, Luiz Antonio Medidas Cautelares Pessoais: prisão e liberdade provisória. Curitiba: Juruá, 2011. p. 70.

[17] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2011. p. 61. 2v.

[18] Idem. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Diversas: Lei 12.403/2011. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 21.

[19] Art. 5º, LV, da Carta Magna: Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

[20] BIANCHINI, Alice. et al. Prisão e Medidas Cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 72.

[21] Pertinente a crítica de Aury Lopes Jr. no tocante à redação do referido parágrafo, especificamente no que tange à “parte contrária”: “Ora, ali deveria constar indiciado ou acusado, pois ainda não se tem notícia de réu pedindo a prisão preventiva de promotores” (LOPES JÚNIOR, Aury. op.cit. p. 21). Nesse mesmo sentido aduz Luiz Flávio Gomes (BIANCHI, Alice. et al. op.cit. p. 72).

[22] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 554. 1v. Entretanto, na mesma oportunidade, o referido autor salienta que tal princípio apresenta certos inconvenientes, como, por exemplo, o juiz ser “seduzido” por seus prejulgamentos (idem, ibidem).

[23] BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo. Princípios do Processo Penal: entre o garantismo e a efetividade da sanção. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 172.

[24] Guilherme de Souza Nucci afirma que “a tendência, no âmbito das medidas cautelares, será a prevalência dos casos de urgência ou de perigo na demora (periculum in mora), justificando a decretação sem prévia oitiva do indiciado ou réu” (Prisão e Liberdade: as reformas processuais penais introduzidas pela Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2011. p. 31).

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[25] José Antonio Paganella Boschi afirma que sem o sentimento de humanidade por parte do juiz, “as penas voltarão a ser o ‘mal’ contra o crime, como propunham os clássicos, desprovidas de finalidades construtivas ou integradoras, negando os avanços da civilização e reaviventando o estado de barbárie” (Das Penas e seus Critérios de Aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011. p. 49).

[26] CARNELUTTI, Francesco. Lecciones Sobre el Proceso Penal. Buenos Aires: Bosch Y Cía. Editores, 1950. p. 212. 1v.

[27] Art. 282.  As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: [...]

§ 4o  No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).

§ 5o  O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

[28] LOPES JÚNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Diversas. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 23.

[29] BONFIM, Edilson Mougenot. Reforma do Código de Processo Penal: comentários à Lei n. 12.403, de 4 de maio de 2011: prisão preventiva, medidas cautelares, liberdade provisória e fiança. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 21.

[30] MANZINI, Vicenzo. Tratado de Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa – América, 1952. p. 652. 3v.

[31] Essa decisão poderia ser remedida através de habeas corpus, sob o escopo de relaxar a prisão preventiva, pois a fundamentação da segregação cautelar restou genérica e impessoal (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. HC. 70047328877, 5ª Câmara Criminal. Relator Desembargador Luís Gonzaga da Silva Moura. Porto Alegre, publicado em 01-03-2012. Lex: Jurisprudência do TJ/RS).

[32] “[...] quando em um processo por homicídio se estabeleceu a certeza de que o imputado, com um tiro de pistola, tenha matado um homem, não se sabe, todavia, dele tudo o que é necessário saber para dever condená-lo. O homicídio não é somente ter matado, senão ter querido matar” (CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. São Paulo: Editora Pillares, 2009. p. 72).

[33] TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 89.

[34] CARNELUTTI, Francesco. Lecciones Sobre el Proceso Penal. Buenos Aires: Bosch Y Cía. Editores, 1950. p. 163. 2v.

[35] LOPES JÚNIOR. Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 80).

[36] Aury Lopes Jr. aduz que o nosso sistema processual deve ser conceituado como (neo)inquisitório, pois, em que pese dito como misto, “o ponto nevrálgico é a identificação de seu núcleo”, sendo inquisitivo na sua essência, pois possibilitado ao juiz a gestão da prova (idem. p. 74 e 76).

[37] Ao diferenciar o sistema inquisitório do acusatório, Ada Pellegrini Grinover sustenta que “no primeiro, as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a órgãos distintos, enquanto no segundo as

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funções estão reunidas e o inquisidor deve proceder espontaneamente” (A Marcha do Processo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p. 78).

[38] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 14.

[39] CARNELUTTI, Francesco. Lecciones Sobre el Proceso Penal. Buenos Aires: Bosch Y Cía. Editores, 1950. p. 70. 1v.

[40] “Desde la primera sospecha del delito, que pone en movimiento el mecanismo judicial, al último acto, que cierra la expiación, el castigo se desperça a manera de uma cadena, a la que el concepto de proceso corresponde exactamente” (idem. op. cit. p. 70).

[41] LOPES JÚNIOR, Lopes; BADARÓ, Gustavo. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 61.

[42] Art. 5º, LXXVIII, da Lei Maior: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

[43] LOPES JÚNIOR, Lopes; BADARÓ, Gustavo. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 104.

[44] Segundo Luiz Flávio Gomes, de acordo com a última atualização (28-12-2010) do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “os condenados no regime fechado representam 56% da população carcerária (total de 277.601), enquanto que 44% correspondem aos presos provisórios (total de 220.886), que aguardam decisão definitiva” (BIANCHINI, Alice. et al. Prisão e Medidas Cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 28).

[45] Luigi Ferrajoli critica a indiferença de tratamento entre o preso preventivo e o já condenado definitivamente. Ao cidadão que é imposta uma medida cautelar, como uma prisão preventiva, “deveria ao menos ter o direito de cumpri-la em institutos dotados de todas as comodidades de um bom albergue” (FERRAJOLI, Luigi.Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 717). Nesse mesmo sentido defendia Vicenzo Manzini (Tratado de Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa – América, 1952. p. 633-634. 3v.).

[46] Na Argentina é previsto no artigo 141 do Código Procesal Penal que estando o acusado preso, o processo não poderá durar mais do que dois anos.

[47] “Alguns padrões de conexão com a Constituição Federal e com os diplomas internacionais humanitários, em razão de sua debilidade, desaparecem nas forças da cooptção e da resposta policialesca e penológica das reformas, desvinculados funcionalmente das atribuições de cada sujeito processual” (GIACOMOLLI, Nereu. Reformas (?) do Processo Penal: Considerações Críticas. Rio de Janeiro, 2008. p. 2).

[48] DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 262.

[49] LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 106.

[50] AMARAL, Augusto Jobim do. Violência e Processo Penal: crítica transdisciplinar sobre a limitação do poder punitivo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 141-142.

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[51] PACKER, L. Herbert. The Limits of The Criminal Sanction. California: Stanford University Press, 1968. p. 250.

[52] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 524.

[53] SUANNES, Adauto. Os Fundamentos Éticos do Devido Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 147.

[54] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 677.

[55] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 716.

[56] LOPES JÚNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Diversas. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 31.

[57] Art. 282: As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: [...] 

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. 

[58] Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

[59] § 1º do art. 283 do CPP: As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.

[60] “[...] en todos aquellos casos en que no haya condena o no sea infligida una pena de detención o la pena infligida no alcance la duración de la detención o la pena infligida no alcance la duración de la detención preventiva sufrida por el condenado, éste ha cumplido una pena injusta” (CARNELUTTI, Francesco.Lecciones Sobre el Proceso Penal. Buenos Aires: Bosch y Cía. Editores. 1950.  p. 171. 2v.).

[61] Art. 282: As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais. 

[62] LOPES JÚNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Diversas. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 34.

[63] Vicenzo, MANZINI. Tratado de Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa – América, 1952. p. 629. 3v.

[64] LOPES JÚNIOR, Aury. op. cit. p. 29.

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[65] BIANCHINI, Alice. et al. Prisão e Medidas Cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 51.

[66] DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 14.ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2009. p. 309.

[67] PACKER, L. Herbert. The Limits of The Criminal Sanction. California: Stanford University Press, 1968. p. 250. Tradução nossa. Texto original: “On the credit side of the ledger are the social gains that will accrue form de successful prevention or reduction of the conduct in question, discounted by the prospects of achieving success (however defined). On the debit side are the moral practical costs, reckoned in terms of values other than the prevention of antisocial conduct”.

[68] CARNELUTTI, Francesco. Lecciones Sobre el Proceso Penal. Buenos Aires: Bosch y Cía. Editores, 1950. p. 109. 1v.

[69] Guilherme de Souza Nucci afirma que o requisito para decretação de uma prisão preventiva é a probabilidade de condenação “(fumus boni juris, ou seja, ‘fumaça do bom direito’)” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos tribunais. p. 599). Nesse mesmo sentido afirma Fernando Capez (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18.ed.São Paulo: Saraiva, 2011. p. 324) e Piero Calamandrei (CALAMANDREI, Piero. Introdução ao Estudo Sistemático dos Procedimentos Cautelares. Campinas: Servanda, 2000).

[70] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 55. 2v.

[71] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 561.

[72] BONFIM, Edilson Mougenot. Reforma do Código de Processo Penal: comentários à lei 12.403, de 4 de maio de 2011: prisão preventiva, medidas cautelares, liberdade provisória e fiança. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 28

[73] “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.

[74] E prossegue o referido autor: “[...] si un juicio de posibilidad basta para la imputación, no puede bastar para la captura, con la cual el peso del proceso se agrava notablemente sobre las espaldas del imputado” (CARNELUTTI, Francesco. Lecciones Sobre el Proceso Penal. Buenos Aires: Bosch y Cía. Editores, 1950. p. 182. 2v.). 

[75] BADARÓ. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 423.

[76] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 602.

[77] DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 168.

[78] Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

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[79] Segundo Cezar Roberto Bitencourt, o estado de necessidade é um “direito facultativo do indivíduo de escolher entre deixar perecer o seu interesse juridicamente protegido ou sacrificar o interesse antagônico, igualmente tutelado pela ordem jurídica” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 14.ed.  São Paulo: Saraiva, 2009. p. 332. 1v.).

[80] Todos os conceitos foram extraídos dos ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt (idem. op. cit. p. 275).

[81] DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 164.

[82] CARNELUTTI, Francesco. Como se Faz um Processo. Belo Horizonte: Livraria Líder e Editora, 2010. p. 18-19.

[83] BADARÓ. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 422.

[84] CALAMANDREI, Piero. Introdução ao Estudo Sistemático dos Procedimentos Cautelares.Campinas: Servanda, 2000. p. 101.

[85] Seguindo esse toar: CALAMANDREI, Piero. Introdução ao Estudo Sistemático dos Procedimentos Cautelares. Campinas: Servanda, 2000; NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais; CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

[86] CALAMANDREI, Piero, op. cit. p. 37.

[87] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 56.  2v.).

[88] Aury Lopes Jr. afirma que as quatro modalidades inseridas no art. 312 do CPP são alternativas e não cumulativas, bastando a presença apenas de um fundamento para a decretação da prisão preventiva (idem. op. cit. p. 108).

[89] SILVA, Jorge Vicente. Comentários à Lei 12.403/11: prisão, medidas cautelares e liberdade provisória.Curitiba: Juruá, 2011. p. 195.

[90] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 559-560.

[91] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.p. 597.

[92] BADARÓ. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 426-427.

[93] TASSE, Adel El; SANTOS, Cássia Camila Cirino dos. Cautelares no Processo Penal: comentários à Lei 12.403 de 4 de maio de 2011. Curitiba, Juruá: 2011. p. 64.

[94] NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e Liberdade: as reformas processuais penais introduzidas pela Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2011. p. 63.

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[95] Eugênio Pacceli de Oliveira aduz que, diferentemente da legislação brasileira, o Direito português, no artigo 204, c, do CPP de Portugal, tece com detalhes o que poderia gerar a desordem pública: “perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa” (OLIVEIRA, Eugênio Pacceli de. Curso de Processo Penal. 13.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 527). 

[96] Nesse toar: NUCCI, Guilherme de Souza. op.cit. p. 63-64; BONFIM, Edilson Mougenot. Reforma do Código de Processo Penal: comentários à lei 12.403, de 4 de maio de 2011: prisão preventiva, medidas cautelares, liberdade provisória e fiança. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 131.

[97] É de se atentar a indignação emanada por Aury Lopes Jr. acerca da vagueza conceitual do termo ordem pública: “Não sem razão, por sua vagueza e abertura, é o fundamento preferido, até porque ninguém sabe ao certo o que quer dizer” (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 108.  2v.).

[98] Idem. op. cit. p. 109.

[99] BONFIM, Edilson Mougenot. Reforma do Código de Processo Penal: comentários à lei 12.403, de 4 de maio de 2011: prisão preventiva, medidas cautelares, liberdade provisória e fiança. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 131.

[100] Art. 30. Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, a prisão preventiva do acusado da prática de crime previsto nesta lei poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada.

[101] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 109.  2v.

[102] NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e Liberdade: as reformas processuais penais introduzidas pela Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2011. p. 65.

[103] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 326.

[104] OLIVEIRA, Eugênio Pacceli de. Curso de Processo Penal. 13.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 527. 

[105] LOPES JÚNIOR, Aury. op. cit. p. 109.

[106] MINAGÉ, Thiago. Da Prisão, Medidas Cautelares e Liberdade Provisória: Lei n. 12.403/2011 interpretada e comentada. São Paulo: EDIPRO, 2011. p. 85.

[107] OLIVEIRA, Eugênio Pacceli de. Curso de Processo Penal. 13.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 526. 

[108] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 109.  2v.

[109] MINAGÉ, Thiago. op. cit. 85.

[110] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 109.  2v.

Page 70: Processual Penal

[111] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 230-231.

[112] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 512-513.

[113] Idem, op. cit. p. 514.

[114] Guilherme de Souza Nucci elenca cinco circunstâncias fáticas que poderiam ensejar a prisão preventiva para assegurar a lei penal: “a) sumir logo após a prática do crime, sem retornar, nem dar o seu paradeiro; b) dispor de seus bens e desligar-se de seu emprego; c) despedir-se de familiares e amigos, buscando a transferência de valores ou bens a outro Estado ou ao exterior; d) viajar a local ignorado, sem dar qualquer satisfação do seu paradeiro, ao juiz do feito, por tempo duradouro; e) ocultar sua residência e manter-se em lugar inatingível pela Justiça” (NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e Liberdade: as reformas processuais penais introduzidas pela Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 66).

[115] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 30.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 526. 3v.

[116] “[...] é comum juízes presumirem a fuga, pois, (in)conscientemente, estão se identificando (ficar-idem) com o imputado e, a partir disso, pensam da seguinte forma: se eu estivesse no lugar dele, tendo praticado esse crime e com as condições econômicas que tenho (ele tem), eu fugiria! Ora, por mais absurdo que isso pareça, é bastante comum e recorrente” (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 110.  2v.).

[117] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 514.

[118] Ao se falar em prisão preventiva, já está se falando em minoria, por respeito ao princípio da excepcionalidade.

[119] FERRAJOLI, Luigi. op.cit. p. 515.

 

[120] CALAMANDREI, Piero. Introdução ao Estudo Sistemático dos Procedimentos Cautelares.Campinas: Servanda, 2000. p. 41-42.

[121] MANZINI, Vicenzo. Tratado de Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa – América,1952. p. 641. 3v.

[122] DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 14.ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2009. p. 308.

[123] GUASP, Jaime. Concepto y Metodo de Derecho Procesal. Madrid: Editorial Civitas, 1997. p. 41.

[124] Idem. op. cit. p. 43.

[125] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 712.

Page 71: Processual Penal

[126] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 30.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 522. 3v.

[127] Idem. op. cit. p. 716.

[128] SANGUINÉ. Odone. A Inconstitucionalidade do Clamor Público como Fundamento da Prisão Preventiva.Revista de Estudos Criminais. n. 10, p. 116, 2003.

[129] MANZINI, Vicenzo. Tratado de Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa – América, 1952. p. 629. 3v.

[130] SOUSA, Manoel Messias de. Por que as Pessoas Praticam Crimes no Brasil? De Quem é a Culpa? Uma Reflexão Crítica. Prática Jurídica, n. 121, p. 35, abr. 2012.

[131] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 557.

[132] SOUSA, Manoel Messias de. op. cit. p. 35-36.

[133] SOUSA, Manoel Messias de. Por que as Pessoas Praticam Crimes no Brasil? De Quem é a Culpa? Uma Reflexão Crítica. Prática Jurídica, n. 121, p. 34, abr. 2012.

[134] BIANCHINI, Alice. et al. Prisão e Medidas Cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 28.

[135] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Segurança Pública e o Direito das Vítimas. Revista de Estudos Criminais, n. 08, p. 141-142, 2003.

[136] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 557

[137] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 717.

[138] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. op. cit. p. 139.

[139] ZAFFARONI, Eugenio Raúl apud COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Segurança Pública e o Direito das Vítimas. Revista de Estudos Criminais, n. 08, p. 139, 2003.

[140] Idem, ibidem.

[141] Idem, p. 139-140.                                                           

[142] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 30.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 523. 3v.

[143] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 159.

[144] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 163.

[145]ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 4.ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 247

Page 72: Processual Penal

[146] SANGUINÉ. Odone. A Inconstitucionalidade do Clamor Público como Fundamento da Prisão Preventiva.Revista de Estudos Criminais. n. 10, p. 115, 2003.

[147] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 116.  2v.

[148] DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 188.

[149] SANGUINÉ. Odone. A Inconstitucionalidade do Clamor Público como Fundamento da Prisão Preventiva.Revista de Estudos Criminais. N. 10, p. 114-115, 2003.

[150] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.p. 590-591.

[151] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 121.  2v.

[152] CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 119.          

[153] CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 119.

[154] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 529.

[155] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 121.  2v.

[156] “Como provar que amanhã, se permanecer solto, não cometerei um crime? Uma prova impossível de ser feita, tão impossível como a afirmação de que amanhã eu o praticarei. Trata-se de recusar o papel de juízes videntes, pois ainda não equiparam os foros brasileiros com bolas de cristal...” (idem, ibidem).

[157] DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 179.

[158] Direitos humanos: ressocialização de presos e combate à reincidência. Disponível em:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=116383. Notícias do dia 23-11-09. Acesso em: 17-05-12.

[159] DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 179-180.

[160] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 527.

[161] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 684.

[162] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 153.  2v.

Page 73: Processual Penal

[163] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 30.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 526.

[164] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. op. cit. p. 526.

[165] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 529.

[166] Prisão preventiva para garantia da ordem pública, econômica, para assegurar a eficácia da lei penal e por conveniência da instrução criminal.

[167] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 121.  2v.

 

[168] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 163.

[169] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 30.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 526.

[170] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. 3.ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002.

[171] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 557.

[172] CARNELUTTI, Francesco. Como se Faz um Processo. Belo Horizonte: Livraria Líder e Editora, 2008. p. 18-20.