caderno de penal i - luan r

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UFBA Disciplina: Direito Penal Docente: Juliana Damasceno Aluno: Luan Silva Rosário. Fichamento Prova I UNIDADE I 1. Definição do Direito Penal: 1.1 Conceitos - Direito penal é o ramo do direito público que define as infrações penais, estabelecendo as penas e as medidas de segurança aplicáveis aos infratores. Direito Penal é um conjunto de regras e princípios jurídicos que disciplinam e limitam o poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes á sua aplicação. De acordo com Magalhães Noronha, o Direito Penal é uma ciência cultural, normativa, valorativa e finalista. Na clássica divisão entre ciências naturais e culturais, o Direito Penal pertence a essa classe, qual seja, á das ciências do dever ser e não do ser, isto é, a das ciências naturais. É ciência normativa porque tem como objeto de estudo a norma, do Direito Positivo. A ciência Penal tem como objeto de estudo o conjunto de preceitos legais, o “dever ser”, bem como as consequências jurídicas do não cumprimento dos preceitos normativos. Durkheim afirma que o delito não ocorre somente na maioria das sociedades de uma ou outra espécie, mas sim em todas as sociedades constituídas pelo ser humano.

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UFBA

Disciplina: Direito Penal

Docente: Juliana Damasceno

Aluno: Luan Silva Rosário.

Fichamento Prova I

UNIDADE I1. Definição do Direito Penal:

1.1 Conceitos - Direito penal é o ramo do direito público que define as infrações penais, estabelecendo as penas e as medidas de segurança aplicáveis aos infratores.

Direito Penal é um conjunto de regras e princípios jurídicos que disciplinam e limitam o poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes á sua aplicação.

De acordo com Magalhães Noronha, o Direito Penal é uma ciência cultural, normativa, valorativa e finalista. Na clássica divisão entre ciências naturais e culturais, o Direito Penal pertence a essa classe, qual seja, á das ciências do dever ser e não do ser, isto é, a das ciências naturais. É ciência normativa porque tem como objeto de estudo a norma, do Direito Positivo. A ciência Penal tem como objeto de estudo o conjunto de preceitos legais, o “dever ser”, bem como as consequências jurídicas do não cumprimento dos preceitos normativos.

Durkheim afirma que o delito não ocorre somente na maioria das sociedades de uma ou outra espécie, mas sim em todas as sociedades constituídas pelo ser humano.

O Direito Penal também é valorativo porque estabelece a sua própria escala de valores, que varia de acordo com o fato que lhe dá conteúdo. Nesse sentido, o Direito Penal valoriza suas próprias normas, que dispõe de forma hierárquica. O Direito Penal tem igualmente caráter finalista, na medida em que visa à proteção dos bens jurídicos fundamentais, como garantia de sobrevivência da ordem jurídica.

1.2 Denominação – Para alguns autores, há diferença entre direito penal e direito criminal, sendo este abrangente daquele, pois daria enfoque ao crime e suas consequências jurídicas, enquanto 'direito penal' seria mais voltado ao estudo da pena.

No Brasil, a concepção terminológica de direito criminal, existiu no Código Criminal em 1830. Depois disso passamos a adotar Código Penal para o conjunto de normas, condensadas num único diploma

legal, que visam tanto a definir os crimes, proibindo ou impondo condutas, sob a ameaça de sanção para os imputáveis e medida de segurança para os inimputáveis, não excluindo o vocábulo criminal do ordenamento.Basileu Garcia criticava a expressão Direito Penal porque esta dava ênfase a pena e não abrangia as medidas de segurança, que visam não á punição do agente que cometeu um injusto típico, mas, sim, ao efetivo tratamento.

Já Nilo Batista concorda com a expressão “Direito Penal”, uma vez que a pena é condição de existência do crime.

1.3 Características: O Direito Penal regula as relações dos indivíduos em sociedade e as relações destes com a mesma sociedade.

1.3.1 A finalidade do Direito Penal é proteger os bens mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade.

1.3.2 Segundo Luiz Regis Prado, o pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos – essenciais ao individuo e á comunidade.

1.3.3 Segundo Nilo Batista, a missão do direito penal é a proteção de bens jurídicos, através da cominação, aplicação e execução da pena.

1.3.3.1 A execução da pena é simplesmente o instrumento de coerção de que se vale o Direito Penal para a proteção dos bens, valores e interesses mais significativos para sociedade.

1.3.4 O Direito Penal objetiva-se tutelar os bens que, por serem extremamente valioso, não do ponto de vista econômico, mas sim politico, não podem ser suficientemente protegidos pelos demais ramos do Direito.

1.3.5 Os bens protegidos pelo Direito Penal não interessam ao indivíduo, exclusivamente, mas à coletividade como um todo.

1.3.6 Uma das principais características do moderno Direito Penal é o seu caráter fragmentário, no sentido de que representa a ultima ratio do sistema para a proteção daqueles bens e interesses de

maior importância para o indivíduo e a sociedade à qual pertence.

1.3.7 Subsidiário: o Direito Penal somente pode atuar quando fracassarem os outros ramos do direito. Se há um conflito e uma forma satisfatória de resolvê-lo, o Direito Penal deve ser deixado de lado. O Direito Penal é a última ratio, ou seja, última opção racional.

1.3.8 Constitutivo ou Sancionador?

1.3.8.1 Constitutivo: o Direito Penal teria autonomia para criar suas próprias ilicitudes de forma autônoma e independente dos outros ramos do direito.

1.3.8.2 Sancionador: O Direito Penal é sancionador, uma vez que protege a ordem jurídica cominando sanções.

1.3.8.3 Luis Régis Prado: Direito Penal é constitutivo e sancionador. Cézar Roberto Bittencourt: Direito Penal é constitutivo. Zafarone: é em regra sancionador e excepcionalmente constitutivo.

1.4 Funções do Direito Penal no Estado Democrático de Direito.

1.4.1 Função do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos fundamentais.

1.4.2 Os princípios constitucionais e as garantias individuais devem atuar como balizas para a correta interpretação e a justa aplicação das normas penais, não se podendo cogitar de uma aplicação meramente robotizada dos tipos incriminadores, ditada pela verificação rudimentar da adequação típica formal, descurando-se de qualquer apreciação ontológica do injusto.

1.4.3 O Direito Penal brasileiro somente pode ser concebido à luz do perfil constitucional do Estado Democrático de Direito, devendo, portanto, ser um direito penal democrático.

1.4.4 Do Estado Democrático de Direito parte um gigantesco tentáculo, a regular todo o sistema penal, que é o princípio da dignidade humana, de modo que toda incriminação contrária ao mesmo é substancialmente inconstitucional.

1.4.5 Da dignidade humana derivam princípios constitucionais do Direito Penal, cuja função é estabelecer limites à liberdade de seleção típica do legislador, buscando, com isso, uma definição material do crime.

1.5 Objeto do Direito Penal:

1.5.1 Segundo Welzel, que o “objeto de las normas penales es la ‘conducta’ humana, esto es la actividad o pasividad corporal del hombre sometida a la capacidad de dirección final de la voluntad. Esta conducta puede ser una acción, esto es, el ejercicio efectivo de actividad final, o la omisión de una acción, esto es, el no ejercicio de una actividad final posible. Para las normas del Derecho Penal la acción está con mucho en primer plano, mientras que la omisión queda notoriamente en un segundo plano.”

1.5.2 Direito Penal objetivo e Direito Penal subjetivo

1.5.2.1 Direito Penal objetivo coincide, justamente, com a ideia de conjunto de normas penais positivadas, isto é, constitui-se do conjunto de preceitos legais que regulam o exercício de ius puniendi pelo Estado, definindo crimes e cominando as respectivas sanções penais.

1.5.2.2 O Direito Penal subjetivo, isto é, o direito de punir, é limitado pelo próprio Direito Penal objetivo, que, através das normas penais positivadas, estabelece os lindes da atuação estatal na prevenção e persecução de delitos.

2. Direito penal comum e Direito Penal especial.2.1. Roberto Lyra definiu Direito Penal especial como uma “especificação, um

complemento do direito comum, com um corpo autônomo de princípios, com espírito e diretrizes próprias".

2.2. O melhor critério para distinguir Direito Penal comum e Direito Penal especial, a nosso juízo, é a consideração dos órgãos que devem aplicá-los jurisdicionalmente: se a norma penal objetiva pode ser aplicada através da justiça comum, sua qualificação será de Direito Penal comum; se, no entanto, somente for aplicável por órgãos especiais, constitucionalmente previstos, trata-se de norma penal especial.

2.3. Da Parte Geral do Código Penal: finalidade: Na concepção de Welzel, a finalidade da Parte Geral do Código Penal é assinalar as características essenciais do delito e de seu autor, comuns a todas as condutas puníveis.

3. Relações do Direito Penal com outros ramos jurídicos.

3.1. Direito Penal + Direito Constitucional: As regras e princípios constitucionais são os parâmetros de legitimidade das leis penais e delimitam o âmbito de sua aplicação. O Direito Penal deve harmonizar com as garantias estabelecidas pela Constituição Federal, estabelecendo como criminosas aquelas condutas que violam valores constitucionalmente consagrados (teoria constitucionalista do delito).

3.2. Direito Penal + Direito Administrativo: É o conjunto de princípios e normas que regulam a organização e o funcionamento da Administração Pública. O Direito Penal tutela esse valor estabelecendo os crimes contra a Administração Pública (CP, art.s 312 e 359).

3.3. Direito Penal + Direito Civil: Nítida se faz a correlação entre as doutrinas penais e civis nos casos de crimes contra o patrimônio, em que conceitos como propriedade, posse, detenção e coisa são utilizados em comum. Também os crimes contra o casamento dependem das regras de Direito de Família.

4. Direito Penal na Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988:

4.1. Princípios constitucionais penais (expressos e implícitos);

O principio da Dignidade Humana é o principio genérico e reitor do Direito Penal. Princípios Derivados da dignidade humana: legalidade, insignificância, alteridade, confiança, adequação social, intervenção mínima, fragmentariedade, proporcionalidade, humanidade, necessidade e ofensividade.

Celso Antônio Bandeira de Mello: “Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de

ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”.

4.1.1. Princípio da Legalidade:

4.1.1.1. A gravidade dos meios que o Estado emprega na repressão do delito, a drástica intervenção nos direitos mais elementares e, por isso mesmo, fundamentais da pessoa, o caráter de ultima ratio que esta intervenção deve ter, impõem necessariamente a busca de um princípio que controle o poder punitivo estatal e que confine sua aplicação em limites que excluam toda arbitrariedade e excesso do poder punitivo.

4.1.1.2. O princípio da legalidade corresponde aos enunciados dos arts. 5º, XXXIX, da Constituição Federal e 1º do Código Penal (“não há crime sem lei ante rior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”) e contém, nele embutidos, dois princípios diferentes: o da reserva legal, reservando para o estrito campo da lei a existência do crime e sua correspondente pena (não há crime sem lei que o defina, nem pena sem cominação legal), e o da anterioridade, exigindo que a lei esteja em vigor no momento da prática da infração penal (lei anterior e prévia cominação). Assim, a regra do art. 1º, denominada princípio da legalidade, compreende os princípios da reserva legal e da anterioridade.

4.1.1.3. O princípio da legalidade constitui uma efetiva limitação ao poder punitivo estatal.

4.1.1.4. Aspecto do princípio da legalidade:

4.1.1.4.1. Aspecto político: trata-se de garantia constitucional fundamental do homem.

4.1.1.4.2. Aspecto jurídico: somente haverá crime quando existir perfeita correspondência entre a conduta praticada e a previsão legal.

4.1.1.5. Princípios inerentes ao princípio da legalidade: são dois: reserva legal e anterioridade da lei penal.

4.1.1.5.1. Reserva Legal: Somente a lei, na sua concepção formal e estrita, emanada e aprovada pelo Poder Legislativo, por meio de procedimento adequado, pode criar tipos e impor penas.

4.1.1.5.2. Anterioridade da Lei Penal: é necessário que a lei já esteja em vigor na data em que o fato é praticado. “Dado o princípio da

reserva legal, a relação jurídica é definida pela lei vigente à data do fato”.

4.1.2. Princípio da Insignificância ou Bagatela:

4.1.2.1. Segundo tal princípio, o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico.

4.1.2.2. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado.

4.1.2.3. A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido.

4.1.2.4. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica. É que no tipo não estão descritas condutas incapazes de ofender o bem tutelado, razão pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos.

4.1.2.5. O princípio da insignificância não é aplicado no plano abstrato. Não se pode, por exemplo, afirmar que todas as contravenções penais são insignificantes, pois, dependendo do caso concreto, isto não se pode revelar verdadeiro.

4.1.3. Princípio da Alteridade ou transcendentalidade:

4.1.3.1. Tal princípio foi desenvolvido por Claus Roxin, segundo o qual “só pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de outras pessoas e que não seja simplesmente pecaminoso ou imoral. À conduta puramente interna, ou puramente individual — seja pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente —, falta a lesividade que pode legitimar a intervenção penal”.

4.1.3.2. Ninguém pode ser punido por ter feito mal só a si mesmo. Não há lógica em punir o suicida frustrado ou a pessoa que se açoita, na

lúgubre solidão de seu quarto. Se a conduta se esgota na esfera do próprio autor, não há fato típico.

4.1.4. Princípio da Confiança:

4.1.4.1. Trata-se de requisito para a existência do fato típico, não devendo ser relegado para o exame da culpabilidade.

4.1.4.2. Funda-se na premissa de que todos devem esperar por parte das outras pessoas que estas sejam responsáveis e ajam de acordo com as normas da sociedade, visando a evitar danos a terceiros. Por essa razão, consiste na realização da conduta, na confiança de que o outro atuará de um modo normal já esperado, baseando-se na justa expectativa de que o comportamento das outras pessoas se dará de acordo com o que normalmente acontece.

4.1.5. Princípio da Adequação Social:

4.1.5.1. Segundo Welzel, o Direito Penal tipifica somente condutas que tenham uma certa relevância social; caso contrário, não poderiam ser delitos. Deduz-se, consequentemente, que há condutas que por sua “adequação social” não podem ser consideradas criminosas. Em outros termos, segundo esta teoria, as condutas que se consideram “socialmente adequadas” não se revestem de tipicidade e, por isso, não podem constituir delitos.

4.1.5.2. Não se pode confundir o princípio em análise com o da insignificância. Na adequação social, a conduta deixa de ser punida por não mais ser considerada injusta pela sociedade; na insignificância, a conduta é considerada injusta, mas de escassa lesividade.

4.1.5.2.1.1. Critica-se essa teoria porque, em primeiro lugar, costume não revoga lei, e, em segundo, porque não pode o juiz substituir-se ao legislador e dar por revogada uma lei incriminadora em plena vigência, sob pena de afronta ao princípio constitucional da separação dos poderes, devendo a atividade fiscalizadora do juiz ser suplementar e, em casos extremos, de clara atuação abusiva do legislador na criação do tipo.

4.1.6. Princípio da Intervenção Mínima:

4.1.6.1. O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se

constituir meio necessário para a prevenção de ataques contra bens jurídicos importantes.

4.1.6.2. A intervenção mínima tem, por conseguinte, dois destinatários principais:

4.1.6.2.1. Ao legislador o princípio exige cautela no momento de eleger as condutas que merecerão punição criminal, abstendo-se de incriminar qualquer comportamento. Somente aqueles que, segundo comprovada experiência anterior, não puderam ser convenientemente contidos pela aplicação de outros ramos do direito deverão ser catalogados como crimes em modelos descritivos legais.

4.1.6.2.2. Ao operador do Direito recomenda-se não proceder ao enquadramento típico, quando notar que aquela pendência pode ser satisfatoriamente resolvida com a atuação de outros ramos menos agressivos do ordenamento jurídico. Assim, se a demissão com justa causa pacifica o conflito gerado pelo pequeno furto cometido pelo empregado, o direito trabalhista tornou inoportuno o ingresso do penal. Se o furto de um chocolate em um supermercado já foi solucionado com o pagamento do débito e a expulsão do inconveniente freguês, não há necessidade de movimentar a máquina persecutória do Estado, tão assoberbada com a criminalidade violenta, a organizada, o narcotráfico e as dilapidações ao erário.

4.1.6.2.3. Da intervenção mínima decorre, como corolário indestacável, a característica de subsidiariedade. Com efeito, o ramo penal só deve atuar quando os demais campos do Direito, os controles formais e sociais tenham perdido a eficácia e não sejam capazes de exercer essa tutela.

4.1.6.3. Principio da fragmentariedade:

4.1.6.3.1. Nem todas as ações que lesionam bens jurídicos são proibidas pelo Direito Penal, como nem todos os bens jurídicos são por ele protegidos. O Direito Penal limita-se a castigar as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes, decorrendo daí o seu caráter fragmentário, uma vez que se ocupa somente de uma parte dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica.

4.1.6.3.2. Resumindo, “caráter fragmentário” do Direito Penal significa que o Direito Penal não deve sancionar todas as condutas lesivas dos bens jurídicos, mas tão somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes. Além disso, como veremos mais adiante, o

princípio de fragmentariedade repercute de maneira decisiva tanto na determinação da função que deve cumprir a norma penal como na delimitação de seu conteúdo específico.

4.1.7. Princípio da Proporcionalidade:

4.1.7.1. Em matéria penal, mais especificamente, segundo Hassemer, a exigência de proporcionalidade deve ser determinada mediante “um juízo de ponderação entre a carga ‘coativa’ da pena e o fim perseguido pela cominação penal”. Com efeito, pelo princípio da proporcionalidade na relação entre crime e pena deve existir um equilíbrio — abstrato (legislador) e concreto (judicial) — entre a gravidade do injusto penal e a pena aplicada. Ainda segundo a doutrina de Hassemer, o princípio da proporcionalidade não é outra coisa senão “uma concordância material entre ação e reação, causa e consequência jurídico-penal, constituindo parte do postulado de Justiça: ninguém pode ser incomodado ou lesionado em seus direitos com medidas jurídicas desproporcionadas”.

4.1.7.2. Em outras palavras: a criação de tipos incriminadores deve ser uma atividade compensadora para os membros da coletividade.

4.1.7.3. Com efeito, um Direito Penal democrático não pode conceber uma incriminação que traga mais temor, mais ônus, mais limitação social do que benefício à coletividade.

4.1.8. Princípio da Humanidade:

4.1.8.1. O princípio de humanidade do Direito Penal é o maior entrave para a adoção da pena capital e da prisão perpétua. Esse princípio sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados.

4.1.8.2. Disso resulta ser inconstitucional a criação de um tipo ou a cominação de alguma pena que atente desnecessariamente contra a incolumidade física ou moral de alguém (atentar necessariamente significa restringir alguns direitos nos termos da Constituição e quando exigido para a proteção do bem jurídico).

4.1.8.3. Do princípio da humanidade decorre a impossibilidade de a pena passar da pessoa do delinquente, ressalvados alguns dos efeitos extrapenais da condenação, como a obrigação de reparar o dano na esfera cível, que podem atingir os herdeiros do infrator até os limites da herança (CF, art. 5º, XLV).

4.1.8.4. Concluindo, nesse sentido, nenhuma pena privativa de liberdade pode ter uma finalidade que atente contra a incolumidade da pessoa como ser social, o que violaria flagrantemente o princípio da dignidade humana, postulado fundamental da Carta da República.

4.1.9. Princípio da Necessidade e Idoneidade:

4.1.9.1. A incriminação de determinada situação só pode ocorrer quando a tipificação revelar-se necessária, idônea e adequada ao fim a que se destina, ou seja, à concreta e real proteção do bem jurídico.

4.1.10. Princípio da Ofensividade, princípio do fato e da exclusiva proteção do bem jurídico:

4.1.10.1. Não há crime quando a conduta não tiver oferecido ao menos um perigo concreto, real, efetivo e comprovado de lesão ao bem jurídico.

4.1.10.2. Como ensina Luiz Flávio Gomes, “o princípio do fato não permite que o direito penal se ocupe das intenções e pensamentos das pessoas, do seu modo de viver ou de pensar, das suas atitudes internas (enquanto não exteriorizada a conduta delitiva)...”.

4.1.10.3. O princípio da ofensividade no Direito Penal tem a pretensão de que seus efeitos tenham reflexos em dois planos: no primeiro, servir de orientação à atividade legiferante , fornecendo substratos político-jurídicos para que o legislador adote, na elaboração do tipo penal, a exigência indeclinável de que a conduta proibida represente ou contenha verdadeiro conteúdo ofensivo a bens jurídicos socialmente relevantes; no segundo plano, servir de critério interpretativo, constrangendo o intérprete legal a encontrar em cada caso concreto indispensável lesividade ao bem jurídico protegido.

4.1.11. Princípio da auto responsabilidade:

4.1.11.1. Os resultados danosos que decorrem da ação livre e inteiramente responsável de alguém só podem ser imputados a este e não àquele que o tenha anteriormente motivado. Exemplo: o sujeito, aconselhado por outro a praticar esportes mais “radicais”, resolve voar de asa-delta. Acaba sofrendo um acidente e vindo a falecer. O resultado morte não pode ser imputado a ninguém mais além da vítima, pois foi a sua vontade livre, consciente e responsável que a impeliu a correr riscos.

4.1.12. Princípio da responsabilidade pelo fato:

4.1.12.1. O direito penal não se presta a punir pensamentos, ideias, ideologias, nem o modo de ser das pessoas, mas, ao contrário, fatos

devidamente exteriorizados no mundo concreto e objetivamente descritos e identificados em tipos legais.

4.1.13. Princípio da imputação pessoal:

4.1.13.1. O direito penal não pode castigar um fato cometido por quem não reúna capacidade mental suficiente para compreender o que faz ou de se determinar de acordo com esse entendimento. Não pune os inimputáveis.

4.1.14. Princípio da personalidade:

4.1.14.1. Ninguém pode ser responsabilizado por fato cometido por outra pessoa. A pena não pode passar da pessoa do condenado (CF, art. 5º, XLV).

4.1.15. Princípio da responsabilidade subjetiva:

4.1.15.1. Nenhum resultado objetivamente típico pode ser atribuído a quem não o tenha produzido por dolo ou culpa, afastando-se a responsabilidade objetiva.

4.1.16. Princípio da Irretroatividade da Lei Penal:

4.1.16.1. A Constituição Federal, em seu art. 5º, XL, dispõe que a lei penal só retroagirá para beneficiar o acusado.

4.1.16.1.1. O princípio de que a lei não pode retroagir, salvo para beneficiar o acusado, restringe-se às normas de caráter penal.

4.1.16.2. Sem o princípio, não haveria nem segurança e nem liberdade na sociedade, em flagrante desrespeito ao princípio da legalidade e da anterioridade da lei.

4.1.17. Princípio de Culpabilidade

4.1.17.1. A culpabilidade, como afirma Muñoz Conde, não é um fenômeno isolado, individual, afetando somente o autor do delito, mas é um fenômeno social.

4.1.17.2. Resumindo, não há pena sem culpabilidade, decorrendo daí três consequências materiais:

4.1.17.2.1. Não há responsabilidade objetiva pelo simples resultado4.1.17.2.2. A responsabilidade penal é pelo fato e não pelo autor4.1.17.2.3. A culpabilidade é a medida da pena.

4.1.18.

4.2. Mandados de criminalização.

4.2.1. São ordens emitidas pela Constituição Federal ao legislador originário, no sentido da incriminação de determinados comportamentos, e determinadas condutas.

4.2.2. Exemplo: crime de racismo, crimes de tortura, crimes hediondos.

5. Teoria do bem jurídico

5.1. Os bens jurídicos não são realidades palpáveis, concretas, são antes valores da existência social.Não é efectivamente o legislador que cria esses bens, pois eles já existem, preexistem, sendo certo obviamente que quando o legislador lhes confere tutela jurídica transforma esses bens em bens jurídicos.

5.2. O bem jurídico não pode identificar-se simplesmente com a ratio legis, mas deve possuir um sentido social próprio, anterior à norma penal e em si mesmo preciso, caso contrário, não seria capaz de servir a sua função sistemática, de parâmetro e limite do preceito penal, e de contrapartida das causas de justificação na hipótese de conflito de valorações.

5.3. Atualmente, o conceito de bem jurídico desempenha uma função essencial de crítica do Direito Penal: por um lado, funciona como fio condutor para a fundamentação e limitação da criação e formulação dos tipos penais; por outro lado, auxilia na aplicação dos tipos penais descritos na Parte Especial, orientando a sua interpretação e o limite do âmbito da punibilidade.

6. Dogmática Penal. Criminologia: teorias etiológicas e críticas. Modelos de Política Criminal.

6.1. Virada Sociológica – Origem do crime passa a ser a sociedade, e não mais o indivíduo. A sociedade não é mais um aglomerado de pessoas, e sim uma grande estrutura repleta de papéis sociais. O crime passa a vir de uma disfunção na relação do individuo com a sociedade.

6.2. Oposição às escolas clássicas – crime é algo reconhecido socialmente, como um fenômeno implícito na formação de uma sociedade. Ele não é mais uma patologia, e pode até desempenhar uma função/papel social. O crime somente se torna patologia se ultrapassar certos limites, caso contrário, é apenas um fenômeno normal dentro de uma sociedade.

7. Ciências auxiliares do Direito Penal.

7.1. As ciências auxiliares do Direito Penal são aquelas cujo conhecimento faz-se necessário para a demonstração da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade de uma conduta. Como exemplos: a medicina legal, a criminalística e a psiquiatria forense.

8. Teoria do Crime:

8.1. Aspecto material: é aquele que busca estabelecer a essência do conceito, isto é, o porquê de determinado fato ser considerado criminoso e outro não. Sob esse enfoque, crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social.

8.2. Aspecto formal: o conceito de crime resulta da mera subsunção da conduta ao tipo legal e, portanto, considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador descrever como tal, pouco importando o seu conteúdo. Considerar a existência de um crime sem levar em conta sua essência ou lesividade material afronta o princípio constitucional da dignidade humana.

8.3. Aspecto analítico: é aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, já surge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu. Para a existência da infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico e ilícito.

8.4. Crime definição de lei no Brasil: Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

8.5. Concepção Bipartida:

8.5.1. Para Fernando Capez: A culpabilidade não integra o conceito de crime. Entendemos que crime é fato típico e ilícito (ou antijurídico).

8.5.1.1. Antijuridicidade: preferimos o termo ilicitude, uma vez que o crime, embora contrário à lei penal, não deixa de ser um fato jurídico, dado que produz inúmeros efeitos nessa órbita.

8.5.2. A culpabilidade não pode ser um elemento externo de valoração exercido sobre o autor do crime e, ao mesmo tempo, estar dentro dele. Não existe crime culpado, mas autor de crime culpado.

8.6. Concepção Tripartida: Para a maioria da doutrina, o entendimento é feito pela concepção de três aspectos: Fato Típico, Ilícito, e Culpável.

8.7. Fato Típico:

8.7.1. Conceito: é o fato material que se amolda perfeitamente aos elementos constantes do modelo previsto na lei penal.

8.7.2. Elementos são quatro:

8.7.2.1. Conduta dolosa ou culposa:

8.7.2.1.1. Conceito: conduta penalmente relevante é toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dolosa ou culposa, voltada a uma finalidade, típica ou não, mas que produz ou tenta produzir um resultado previsto na lei penal como crime.

8.7.2.1.2. Não se preocupa o direito criminal com os resultados decorrentes de caso fortuito ou força maior, nem com a conduta praticada mediante coação física, ou mesmo com atos derivados de puro reflexo, porque nenhum deles poderia ter sido evitado. Na arguta observação de Assis Toledo, “como não se pode punir uma pedra que cai, ou um raio que mata não se deve igualmente punir quem não age, mas é agido”.

8.7.2.1.3. Objeto Jurídico e objeto material:8.7.2.1.3.1. Objeto jurídico do crime: é o bem jurídico, isto é, o

interesse protegido pela norma penal.8.7.2.1.3.2. Objeto material do crime: é a pessoa ou coisa sobre

as quais recai a conduta. É o objeto da ação. Não se deve confundi-lo com objeto jurídico.

8.7.2.2. Resultado (só nos crimes materiais);

8.7.2.2.1. Conceito: modificação no mundo exterior provocada pela conduta.

8.7.2.2.2. Distinção com evento: evento é qualquer acontecimento; resultado é a consequência da conduta. Exemplo: um raio provoca um incêndio. Trata-se de um evento.

8.7.2.3. Nexo causal (só nos crimes materiais);

8.7.2.3.1. Conceito: é o elo de ligação concreto, físico, material e natural que se estabelece entre a conduta do agente e o resultado naturalístico, por meio do qual é possível dizer se aquela deu ou não causa a este.

8.7.2.4. Tipicidade.

8.7.2.4.1. Conceito de tipo: o tipo legal é um dos postulados básicos do princípio da reserva legal. Na medida em que a Constituição brasileira consagra expressamente o princípio de que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5º, XXXIX), fica outorgada à lei a relevante tarefa de definir, isto é, de descrever os crimes. De fato, não cabe à lei penal proibir genericamente os delitos, senão

descrevê-los de forma detalhada, delimitando, em termos precisos, o que o ordenamento entende por fato criminoso.

8.7.2.4.2. O conceito de tipo, portanto, é o de modelo descritivo das condutas humanas criminosas, criado pela lei penal, com a função de garantia do direito de liberdade.

8.8. Ilicitude:

8.8.1. Conceito: é a contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típicas tornam-se ilícitas. Em primeiro lugar, dentro da primeira fase de seu raciocínio, o intérprete verifica se o fato é típico ou não. Na hipótese de atipicidade, encerra-se, desde logo, qualquer indagação acerca da ilicitude. É que, se um fato não chega sequer a ser típico, pouco importa saber se é ou não ilícito, pois, pelo princípio da reserva legal, não estando descrito como crime, cuida-se de irrelevante penal.

8.8.2. Pode-se assim dizer que todo fato penalmente ilícito é, antes de mais nada, típico. Se não fosse, nem existiria preocupação em aferir sua ilicitude. No entanto, pode suceder que um fato típico não seja necessariamente ilícito, ante a concorrência de causas excludentes. É o caso do homicídio praticado em legítima defesa. O fato é típico, mas não ilícito, daí resultando que não há crime.

8.8.3. Análise por exclusão: partindo do pressuposto de que todo fato típico, em princípio, também é ilícito, a ilicitude passará a ser analisada a contrario sensu, ou seja, se não estiver presente nenhuma causa de exclusão da ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade etc.), o fato será considerado ilícito, passando a constituir crime.

8.8.4. ESTADO DE NECESSIDADE:

8.8.4.1. Conceito: causa de exclusão da ilicitude da conduta de quem, não tendo o dever legal de enfrentar uma situação de perigo atual, a qual não provocou por sua vontade, sacrifica um bem jurídico ameaçado por esse perigo para salvar outro, próprio ou alheio, cuja perda não era razoável exigir.

8.8.4.1.1. O estado de necessidade atua como causa justificadora, ou não é razoável, e o fato passa a ser ilícito.

8.8.5. LEGITIMA DEFESA:

8.8.5.1. Conceito: causa de exclusão da ilicitude que consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. Não há, aqui, uma situação de perigo pondo em conflito dois ou mais bens, na qual um deles deverá ser sacrificado.

8.8.5.2. Fundamento: o Estado não tem condições de oferecer proteção aos cidadãos em todos os lugares e momentos, logo, permite que se defendam quando não houver outro meio.

8.8.6. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL:

8.8.6.1. Fundamento: não há crime quando o agente pratica o fato no “estrito cumprimento de dever legal” (CP, art. 23, III, 1ª parte). Trata-se de mais uma causa excludente de ilicitude. Quem cumpre um dever legal dentro dos limites impostos pela lei obviamente não pode estar praticando ao mesmo tempo um ilícito penal, a não ser que aja fora daqueles limites. “Não se compreende, diz Bettiol, que a ordem jurídica impusesse a alguém o dever de agir e, em seguida, o chamasse a responder pela ação praticada”.

8.8.6.2. Conceito: causa de exclusão da ilicitude que consiste na realização de um fato típico, por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei. Exemplo: o policial que priva o fugitivo de sua liberdade, ao prendê-lo em cumprimento de ordem judicial.

8.9. Culpabilidade :

8.9.1. A culpabilidade é exatamente isso, ou seja, a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Por essa razão, costuma ser definida como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito. Não se trata de elemento do crime, mas pressuposto para imposição de pena, porque, sendo um juízo de valor sobre o autor de uma infração penal, não se concebe possa, ao mesmo tempo, estar dentro do crime, como seu elemento, e fora, como juízo externo de valor do agente.

8.9.2. Verifica-se, em primeiro lugar, se o fato é típico ou não; em seguida, em caso afirmativo, a sua ilicitude; só a partir de então, constatada a prática de um delito (fato típico e ilícito), é que se passa ao exame da possibilidade de responsabilização do autor.

8.9.3. Na culpabilidade afere-se apenas se o agente deve ou não responder pelo crime cometido. Em hipótese alguma será possível a exclusão do dolo e da culpa ou da ilicitude nessa fase, uma vez que tais elementos já foram analisados nas precedentes. Por essa razão, culpabilidade nada tem que ver com o crime, não podendo ser qualificada como seu elemento.

8.9.4.

UNIDADE II1. História do Direito Penal

a. As diversas fases da evolução da vingança penal deixam claro que não se trata de uma progressão sistemática, com princípios, períodos e épocas caracterizadores de cada um de seus estágios. A doutrina mais aceita tem adotado uma tríplice divisão, que é representada pela vingança privada, vingança divina e vingança pública, todas elas sempre profundamente marcadas por forte sentimento religioso/espiritual.

b. Vingança Divina:

i. Esta fase, que se convencionou denominar fase da vingança divina, resultou da grande influência exercida pela religião na vida dos povos antigos. O princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime. Pune-se com rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em relação com a grandeza do deus ofendido. A impregnação de sentido místico no Direito Penal ocorreu desde suas origens mais remotas, quando se concebia a repressão ou castigo do infrator como uma satisfação às divindades pela ofensa ocorrida no grupo social. Trata-se do direito penal religioso, teocrático e sacerdotal, e tinha como finalidade a purificação da alma do criminoso por meio do castigo. O castigo era aplicado, por delegação divina, pelos sacerdotes, com penas cruéis, desumanas e degradantes, cuja finalidade maior era a intimidação.

c. Vingança Privada:

i. Essa fase poderia envolver desde o indivíduo isoladamente até o seu grupo social, com sangrentas batalhas, causando, muitas vezes, a completa eliminação de grupos. Quando a infração fosse cometida por membro do próprio grupo, a punição era o banimento (perda da paz), deixando-o à mercê de outros grupos, que fatalmente o levariam à morte. Quando, no entanto, a violação fosse praticada por alguém estranho ao grupo, a punição era a “vingança de sangue”, verdadeira guerra grupal

d. Vingança Pública:

i. Nesta fase, o objetivo da repressão criminal é a segurança do soberano ou monarca pela sanção penal, que mantém as características da crueldade e da severidade, com o mesmo objetivo intimidatório.

2. Escolas penais

a. Escola Clássica:

i. A denominação Escola Clássica não surgiu, como era de esperar, da identificação de uma linha de pensamento comum entre os adeptos do positivismo jurídico, mas foi dada, com conotação

pejorativa, por aqueles positivistas que negaram o caráter científico das valorações jurídicas do delito.

ii. Os postulados consagrados pelo Iluminismo, que, de certa forma, foram sintetizados no célebre opúsculo de Cesare de Beccaria, Dos Delitos e das Penas (1764), serviram de fundamento básico para a nova doutrina, que representou a humanização das Ciências Penais. A crueldade que comandava as sanções criminais em meados do século XVIII exigia uma verdadeira revolução no sistema punitivo então reinante.

iii. O próprio Beccaria mencionava claramente o contrato social nos dois primeiros capítulos de sua obra. Essa teoria do Contrato Social pressupõe a igualdade absoluta entre todos os homens. Sob essa perspectiva se questionava a imposição da pena, os alcances do livre-arbítrio, ou o problema das relações de dominação que podia refletir uma determinada estrutura jurídica. Sob a concepção de que o delinquente rompeu o pacto social, cujos termos supõe-se que tenha aceito, considera-se que se converteu em inimigo da sociedade. Essa inimizade levá-lo-á a suportar o castigo que lhe será imposto.

iv. Apesar da evolução liberal da Escola Clássica, a teoria do Contrato Social representou um marco ideológico adequado para a proteção da burguesia nascente, insistindo, acima de tudo, em recompensar a atividade proveitosa e castigar a prejudicial. Em outras palavras, não fez mais do que legitimar as formas modernas de tirania.

v. No entanto, indiscutivelmente, os dois maiores expoentes desta escola foram Beccaria e Carrara: se o primeiro foi o precursor do Direito Penal liberal, o segundo foi o criador da dogmática penal.

vi. Carrara tinha como fundamento básico o direito natural, de onde emanavam direitos e deveres, cujo equilíbrio cabe ao Estado garantir. Para Carrara, “a pena não é mais do que a sanção do preceito ditado pela lei eterna: a qual sempre visa à conservação da humanidade e à tutela dos seus direitos, sempre procede da norma do justo: sempre corresponde aos sentimentos da consciência universal”.

vii. Cesare de Beccaria : Cesar Bonessana, Marquês de Beccaria (Milão, 1738-1794), publica em 1764 seu famoso Dei Delitti e delle Pene, inspirado, basicamente, nas ideias defendidas por Montesquieu, Rousseau, Voltaire e Locke. Os postulados formulados por Beccaria marcam o início definitivo do Direito

Penal moderno, da Escola Clássica de Criminologia, bem como o da Escola Clássica de Direito Penal.

Em realidade, muitas das reformas sugeridas por Beccaria foram propostas por outros pensadores. O seu êxito deve-se ao fato de constituir o primeiro delineamento consistente e lógico sobre uma bem elaborada teoria, englobando importantes aspectos penológicos.

Beccaria constrói um sistema criminal que substituirá o desumano, impreciso, confuso e abusivo sistema criminal anterior.

Beccaria menciona claramente o contrato social nos dois primeiros capítulos de sua obra. “Desta forma, os homens se reúnem e livremente criam uma sociedade civil, e a função das penas impostas pela lei é precisamente assegurar a sobrevivência dessa sociedade.”

Essa teoria do contrato pressupõe a igualdade absoluta entre todos os homens. Sob essa perspectiva nunca se questionava a imposição da pena, os alcances do livre-arbítrio, ou o problema das relações de dominação que podia refletir uma determinada estrutura jurídica.

Beccaria tinha uma concepção utilitarista da pena. Procurava um exemplo para o futuro, mas não uma vingança pelo passado, celebrizando a máxima de que “é melhor prevenir delitos que castigá-los”.

Defendia a proporcionalidade da pena e a sua humanização. O objetivo preventivo geral, segundo Beccaria, não precisava ser obtido através do terror, como tradicionalmente se fazia, mas com a eficácia e certeza da punição. Nunca admitiu a vingança como fundamento do ius puniendi.

b. Escola Positiva:

i. A Escola Positiva surgiu no contexto de um acelerado desenvolvimento das ciências sociais (Antropologia, Psiquiatria, Psicologia, Sociologia, Estatística etc.).

1. Esse fato determinou de forma significativa uma nova orientação nos estudos criminológicos. Ao abstrato individualismo da Escola Clássica, a Escola Positiva opôs a necessidade de defender mais enfaticamente o corpo social contra a ação do delinquente, priorizando os interesses sociais em relação aos individuais.

2. Por isso, a ressocialização do delinquente passa a um segundo plano. A aplicação da pena passou a ser concebida como uma reação natural do organismo social contra a atividade anormal dos seus componentes.

ii. A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos métodos de observação e investigação que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia, Antropologia etc.). No entanto, logo se constatou que essa metodologia era inaplicável em algo tão circunstancial como a norma jurídica.

iii. A Escola Positiva apresenta três fases, distintas, predominando em cada uma determinado aspecto, tendo também um expoente máximo. São elas: a) fase antropológica: Cesare Lombroso (L’Uomo Delinquente); b) fase sociológica: Enrico Ferri (Sociologia Criminale); e c) fase jurídica: Rafael Garofalo (Criminologia).

1. Cesare Lombroso:

a. Lombroso foi o fundador da Escola Positivista Biológica, destacando-se, sobretudo, seu conceito sobre o criminoso atávico.

b. Partia da ideia básica da existência de um criminoso nato, cujas anomalias constituiriam um tipo antropológico específico. Ao longo dos seus estudos foi modificando sucessivamente a sua teoria (atavismo, epilepsia, loucura moral).

c. Lombroso reconhecia que o crime pode ser consequência de múltiplas causas, que podem ser convergentes ou independentes. Todas essas causas, como ocorre com qualquer fenômeno humano, devem ser consideradas, e não se atribuir causa única.

d. Mas, apesar do fracasso de sua teoria, Cesare Lombroso teve o mérito de fundar a Antropologia criminal, com o estudo antropológico do criminoso, na tentativa de encontrar uma explicação causal do comportamento antissocial.

3. Histórico do Direito Penal positivo brasileiro. As codificações.

a. Período Colonial:

i. Antes do domínio português, na primitiva civilização brasileira adotava-se a vingança privada, sem qualquer uniformidade nas reações penais.

ii. Formalmente, a lei penal que deveria ser aplicada no Brasil, naquela época, era a contida nos 143 títulos do Livro V das Ordenações Filipinas, promulgadas por Filipe II, em 1603.

Orientava-se no sentido de uma ampla e generalizada criminalização, com severas punições. Além do predomínio da pena de morte, utilizava outras sanções cruéis, como açoite, amputação de membros, as galés, degredo etc. Não se adotava o princípio da legalidade, ficando ao arbítrio do julgador a escolha da sanção aplicável.

b. Código Criminal do Império:i. Com efeito, o Código Criminal do Império surgiu como um dos

mais bem elaborados, influenciando grandemente o Código Penal espanhol de 1848 e o Código Penal português de 1852, por sua clareza, precisão, concisão e apuro técnico. Dentre as grandes inovações, nosso Código consagrou, como destacam Régis Prado e Zaffaroni, o sistema dias-multa em seu art. 55, tido, equivocadamente, como de origem nórdica.

c. Período Republicano:

i. O Código Penal de 1890 apresentava graves defeitos de técnica, aparecendo atrasado em relação à ciência de seu tempo.

ii. Os equívocos e deficiências do Código Republicano acabaram transformando-o em verdadeira colcha de retalhos, tamanha a quantidade de leis extravagantes que, finalmente, se concentraram na conhecida Consolidação das Leis Penais de Vicente Piragibe, promulgada em 1932.

d. Perspectiva para o futuro:

i. O nosso apego aos Direito Humanos, unido ao presente caminhar em prol da efetividade material dos direitos e garantias individuais, em suma, alenta a nossa perspectiva de um futuro menos cruel para o Direito Penal. Esse caminho haverá de estar guiado pelo pluralismo jurídico, sem perder de vista a perspectiva de que a construção legítima do Direito e de seu sistema repressor depende, intrinsecamente, da paulatina consolidação do sistema democrático como reflexo de uma convivência social em condições materiais de igualdade. Somos os atuais agentes deste processo de transição, os artífices desse projeto de futuro.

UNIDADE III

1. Fontes do Direito Penal no direito interno. Fontes internacionais do Direito Penal. Direito Internacional Penal: Tribunal Penal Internacional.

a. De produção, material ou substancial: refere-se ao órgão incumbido de sua elaboração. A União é a fonte de produção do Direito Penal no Brasil (CF, art. 22, I).

b. Espécies de fonte formal:

i. Imediata: lei

1. Partes: preceito primário (descrição da conduta) e secundário (sanção).

2. Classificação: a lei penal pode ser classificada em duas espécies: leis incriminadoras e não incriminadoras. Estas, por sua vez, subdividem-se em permissivas e finais, complementares ou explicativas.

a. Leis incriminadoras: são as que descrevem crimes e cominam penas.

b. Leis não incriminadoras: não descrevem crimes, nem cominam penas.

c. Leis não incriminadoras permissivas: tornam lícitas determinadas condutas tipificadas em leis incriminadoras. Exemplo: legítima defesa.

d. Leis não incriminadoras finais, complementares ou explicativas: esclarecem o conteúdo de outras normas e delimitam o âmbito de sua aplicação.

3. Características das normas penais:

a. Exclusividade: só elas definem crimes e cominam penas.

b. Anterioridade: as que descrevem crimes somente têm incidência se já estavam em vigor na data do seu cometimento.

c. Imperatividade: impõem-se coativamente a todos, sendo obrigatória sua observância.

d. Generalidade: têm eficácia erga omnes, dirigindo-se a todos, inclusive inimputáveis.

ii. Mediata: costumes e princípios gerais do direito:

1. O costume não cria delitos, nem comina penas (princípio da reserva legal).

2. A analogia não é fonte formal mediata do Direito Penal, mas método pelo qual se aplica a fonte formal imediata, isto é, a lei do caso semelhante.

a. Os Estados Democráticos de Direito não podem conviver com diplomas legais que, de alguma forma, violem o princípio da reserva legal. Assim, é inadmissível que dela resulte a definição de novos crimes ou de novas penas ou, de qualquer modo, se agrave a situação do indivíduo. Dessa forma, as normas penais não incriminadoras, que não são alcançadas pelo princípio nullum crimen nulla poena sine lege, podem perfeitamente ter suas lacunas integradas ou complementadas pela analogia, desde que, em hipótese alguma, agravem a situação do infrator. Trata-se, nesses casos, da conhecida analogia in bonam partem.

b. Não é permitido o uso de Analogia para o Direito Penal empregada em prejuízo do Agente (“In malam partem”), exceto quando for para beneficio do réu (“In bonam partem”).

c.2. Norma penal:

2.1 Teoria da norma penal2.2 Características2.3 Classificações 2.5 Técnica legislativa. 2.6 Norma penal em branco. 2.6 Interpretação e integração da norma penal. 2.7 Conflito aparente de normas penais

3. Aplicação da lei penal no tempo4. Âmbito de validade espacial da lei penal. 5. Aplicação da lei penal em relação às pessoas6. Contagem de prazo. Frações não computáveis da pena. Eficácia da sentença estrangeira.

UNIDADE IV1. Classificação das infrações penais: tripartida e bipartida.2. Dessemelhanças entre crime e contravenção penal. 3. Conceitos de crime: formal, material e analítico. Análise introdutória do

conteúdo dos elementos do conceito analítico de crime. 4. Sujeitos e objeto do crime. 5. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 6. Categorias doutrinárias de crimes.

APROVADO PELO DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO EM SESSÃO DO DIA 13 DE NOVEMBRO DE 2012.