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Caderno do II Encontro Nacional de Agroecologia Financiamento da Transição Agroecológica Grupo de Trabalho de Financiamento da Transição Agroecológica Articulação Nacional de Agroecologia Junho de 2007

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Caderno do II Encontro Nacional de Agroecologia

Financiamento da

Transição Agroecológica

Grupo de Trabalho de Financiamentoda Transição Agroecológica

Articulação Nacional de Agroecologia

Junho de 2007

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Editor:Jean Marc von der Weid

Revisão técnica:Jean Marc von der Weid

Revisão gramatical:Rosa Peralta

Projeto gráfico e diagramação:I Graficci

Tiragem:1000 exemplares

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Apresentação .........................................................................................5

Capítulo 1 – Questões sobre o financiamento da transição para aagroecologia e para a produção agroecológica ..........................................7

Capítulo 2 – Subgrupo de trabalho sobre o Pronaf....................................15

Relatório...................................................................................................................15

Resumo das experiências apresentadas: .......................................................................20

Pronaf Agroecologia – CTA-ZM.......................................................................................20

Pronaf Semi-Árido – Pólo da Borborema..........................................................................25

Pronaf Agroflorestal – Copatiorô....................................................................................32

Capítulo 3 – Subgrupo de trabalho sobre o Proambiente...........................37

Relatório...................................................................................................................37

Resumo das experiências apresentadas: .......................................................................40

Pólo Baixada Maranhense – Coospat ..............................................................................40

Pólo Noroeste de Mato Grosso – Ajopam .........................................................................43

Capítulo 4 – Subgrupo de trabalho sobre Fundos Não-Governamentais .......47

Relatório...................................................................................................................47

Resumo das experiências apresentadas: .......................................................................50

Fundos Rotativos Solidários – ASA-Paraíba ......................................................................50

Fundo Rotativo Banco da Mulher – Assema-MA.................................................................56

Fundo de Crédito Solidário – CTA-ZM...............................................................................57

Fundo Dema – Fase-Amazônia .......................................................................................63

Cooperativa de Crédito da Agricultura Familiar de Araponga (Ecosol) – CT.............................69

Capítulo 5 – Subgrupo de trabalho sobre Compra Antecipada (Conab)........73

Relatório...................................................................................................................73

Resumo das experiências apresentadas: .......................................................................79

Merenda Escolar – Pólo Sindical da Borborema.................................................................79

Banco de Sementes Comunitárias – AS-PTA .....................................................................83

Capítulo 6 – Oficina de debate sobre o Crédito Pronaf com osrepresentantes da Secretaria de Agricultura Familiar/MDA,Banco do Brasil e Banco do Nordeste do Brasil.........................................93

Capítulo 7 – Conclusões ......................................................................101

SUMÁRIO

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5Financiamento da Transição Agroecológica

Apresentação

Financiamento da Transição AgroecológicaCaderno do II Encontro Nacional de Agroecologia(ENA)

Este caderno do II ENA apresenta os resultados do Grupo de Trabalho sobreo Financiamento da Transição Agroecológica da Articulação Nacional deAgroecologia (ANA) que fundamentaram a preparação e a realização dos semi-nários e oficina sobre o tema durante o encontro.

O GT Financiamento deriva do GT Crédito criado logo após o I ENA. Duranteos dois primeiros anos do governo Lula, o GT atuou fortemente polarizado pelasiniciativas, demandas e oportunidades de participação criadas pela Secretariade Agricultura Familiar (Pronaf/SAF) e teve papel significativo nas negociaçõesque levaram à criação dos Pronaf Agroecologia e Pronaf Semi-Árido. Além dis-so, o GT influiu nas modificações normativas que buscaram facilitar o acessodos agricultores agroecológicos às modalidades convencionais do Pronaf (A, B,C, D e E), eliminando condicionantes do uso do pacote agroquímico.

O GT revisou essas normativas e as novas modalidades de crédito juntocom a SAF em 2004, mas sem conseguir resolver alguns problemas de fundo quevieram a aflorar e se explicitaram na preparação e realização do II ENA.

Em 2005, o GT reconfigurou-se para incorporar entidades com experiênciasde financiamento diferenciadas incluindo, além do crédito Pronaf, os FundosNão-Governamentais, os Fundos Rotativos Solidários e o Proambiente.

A participação no GT envolveu entre oito e onze entidades? e voltou-separa a identificação de experiências de referência, a formulação de uma matrizde sistematização e a discussão da pedagogia a ser utilizada no semináriotemático durante o II ENA.

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Sem dúvida, as limitações de tempo e recursos deixaram de fora um grandenúmero de experiências que foram sendo identificadas, algumas das quais sefizeram representar no II ENA. Por outro lado, a orientação da Coordenação daANA de restringir o número de participantes por entidade levou a que, em nãopoucas vezes, os portadores das experiências na área de financiamento nãopudessem estar presentes.

Este caderno se inicia com a apresentação de abertura do seminário quebuscou discutir algumas questões de fundo no financiamento da transiçãoagroecológica. Em seguida, cada um dos quatro capítulos apresenta o relatóriodas discussões dos subgrupos e um resumo das experiências que serviram dereferência em cada um deles. Nem todas as experiências apresentadas foramreproduzidas no caderno, pois algumas não chegaram a ser sistematizadas porescrito.

No capítulo 6, apresentamos uma síntese dos debates realizados na oficinaque confrontou as bases da ANA com representantes da SAF, do Banco do Brasile do Banco do Nordeste do Brasil.

Finalmente, o capítulo 7 procura fazer um balanço desse processo, muitoembora seja um texto de autoria do coordenador do GT e voltado para provocaro debate sobre os desdobramentos do II ENA e não exprima uma posição do GT.

AS-PTA, coordenação do GT; Centro Ecológico; Fetraf; Capa; Fase-Pará;CTA-ZM; Pólo da Borborema; Patac; ASA-Paraíba; Tijupá; Fórum do Cen-tro-Sul do Paraná.

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Capítulo 1

Questões sobre o financiamento da transiçãopara a Agroecologia e da produçãoagroecológica

As necessidades de financiamento de custeio e investimen-to na transição para sistemas agroecológicos

Quanto custa produzir com base nos princípios da agroecologia? A questãotem que ser olhada por dois ângulos: o do custo de produção de um sistema jáconvertido para a agroecologia e o do custo de converter um sistema, conven-cional ou tradicional, para os princípios agroecológicos.

Costuma-se afirmar que os sistemas agroecológicos são mais caros eque, por isso mesmo, necessitam de um sobrepreço para poder remunerar oagricultor devidamente. Como os produtos vendidos como orgânicos (mui-tas vezes confundidos com os agroecológicos) costumam ter esse sobrepreço,acredita-se que, de fato, os custos de produção da agroecologia sejam mai-ores dos que os da agricultura convencional. A verdade, porém, é que ascoisas não são assim.

Por que produtos que não usam insumos químicos e sementes melhoradaspor empresas custariam mais caro para produzir? A única explicação para ummaior custo dos produtos agroecológicos seria ou uma produtividade mais bai-xa ou custos de mão-de-obra ou maquinário mais altos. No entanto, em umsistema agroecológico pleno e equilibrado, a produtividade total por hectarenão é menor do que em um sistema convencional. Explicando melhor: um hec-tare produzido em sistema agroecológico deve ter um conjunto de produtos

Jean Marc von der WeidAS-PTA

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variado, já que esses sistemas funcionam melhor em culturas combinadas, comalta diversificação em um mesmo espaço. O total de produção obtido nessehectare será maior do que qualquer cultura solteira no mesmo espaço.

Esses sistemas com alto grau de diversificação em um mesmo espaço colo-cam problemas para a mecanização, mas, por outro lado, exigem pouca mão-de–obra, já que várias operações, como aração, gradagem e subsolação, sim-plesmente não são necessárias nos sistemas agroecológicos, assim como asoperações de limpeza de ervas invasoras ou de aplicação de agrotóxicos. Umaoperação que é difícil de mecanizar e que requer uma mão-de-obra mais inten-siva é a colheita, dependendo do grau de complexidade dos sistemas em ques-tão. Já o plantio pode ser mecanizado, pelo menos em parte e dependendo dotipo de sistema.

Assim, as experiências mostram que os sistemas agroecológicos na verda-de têm custos menores que os sistemas convencionais e usam muito menosinsumos externos à propriedade. Além disso, mesmo quando necessários, oscustos em insumos externos tendem a ser episódicos e não recorrentes, isto é,não se trata de um custeio anual obrigatório. Eventualmente as propriedadesmanejadas segundo princípios agroecológicos têm que comprar sementes deadubos verdes, esterco, calcário ou pós de rocha, além de micronutrientes ouinsumos para preparar caldas para controle de pragas ou fungos. Entretanto,em uma propriedade bem equilibrada, o agricultor tirará suas próprias semen-tes de adubos verdes, terá criações que permitirão utilizar o esterco nas cultu-ras, etc. Na agroecologia é o manejo que importa, mais do que os insumos.

Os preços mais altos dos produtos orgânicos não se devem, em geral, poreles terem custos mais altos, mas porque há pouca oferta para muita demanda.Além disso, a oferta está dispersa no espaço, aumentando o custo de conduçãoao mercado, a não ser que sejam comercializados nos mercados locais.

O exposto anteriormente aponta para sistemas que têm pouca necessidadede custeio, nos casos mais avançados de aplicação dos princípios da agroecologia,ou moderada necessidade de custeio, nos casos menos avançados. De qualquerforma, os valores são muito inferiores aos custos recorrentes dos sistemas con-vencionais. Tudo isso aponta para uma necessidade pequena de crédito de cus-teio, mas e quanto ao crédito de investimento?

No caso do investimento, a situação varia de região para região. No Sul dopaís há pouca necessidade de investimentos que estejam intrinsecamente liga-dos às práticas agroecológicas. Afinal, pequenas infra-estruturas e equipamen-tos para produzir composto, adubo da independência, pós de rochas ou caldasnão chegam a ser investimentos vultosos. No entanto, verificou-se que a agri-

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cultura familiar na região está muito descapitalizada e necessita de investi-mentos significativos em equipamentos e infra-estruturas que não têm a verespecificamente com as práticas agroecológicas, mas com a eficiência do siste-ma produtivo de maneira geral. Esses investimentos seriam os mesmos de qual-quer propriedade convencional (silos, secadores, equipamentos de tração, ani-mais de tração, microtratores, estábulos, apriscos, chiqueiros, paióis, carroças,mudas de árvores, cercas, eletrificação, etc).

Já na região Nordeste, para se conseguir operar uma propriedade em siste-mas agroecológicos, é precisa haver mais investimentos, embora se use poucosrecursos de custeio. Não só as propriedades estão ainda mais descapitalizadasque nas regiões Sul e Sudeste, como também as práticas agroecológicas reque-rem infra-estruturas mais pesadas devido à necessidade de se enfrentar os ris-cos de seca com obras de retenção das águas de chuva para diferentes fins, douso humano ao animal, passando pelos cultivos. Também no Nordeste é essen-cial haver infra-estruturas de criação de animais para se poder equilibrar ossistemas em base agroecológica.

Esses investimentos nas duas regiões não são recorrentes, são pontuais enão se repetem, a não ser com largos intervalos, e nem todos ao mesmo tempo.De toda forma, um processo de conversão agroecológica cobrará, tanto numcaso como no outro, um investimento inicial que pode chegar até R$ 25 mil,dependendo do tamanho da propriedade, do projeto do agricultor e do nível dedescapitalização em que ele estiver.

Os Pronafs Semi-Árido e AgroecologiaComo conseguir esses recursos de investimento? Em princípio, os Pronafs

de investimento chamados agroecológico e semi-árido podem financiar esses

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montantes, em dois projetos que podem se suceder a partir do pagamento daprimeira parcela do primeiro deles. Como o prazo de carência é de três anos, oagricultor pode distribuir seus investimentos ao longo de seis anos, se quiser.No entanto, ele receberá a totalidade dos recursos a investir em cada projetono primeiro ano, mesmo que só pense em usar parte dos recursos mais adiante.Isso coloca um problema de eficiência no uso dos recursos e encarece o créditopara o agricultor. O ideal seria o agricultor poder planejar seus investimentosao longo de seis ou mesmo oito anos, no caso do semi-árido, e os recursos iremsendo liberados ano a ano pelos bancos segundo as necessidades definidas peloagricultor. Assim, a dívida só passaria a contar para fins de carência e de prazode pagamento a partir do momento do desembolso de cada parcela pelos ban-cos. Isso permitiria escalonar a dívida de forma bem mais suave, em até onzeanos, se o prazo de carência de cada parcela for, por exemplo, de cinco anos.

Por que os prazos da transição são tão longos? Na verdade, os prazos acimasugeridos, de seis ou oito anos, podem ser estendidos ou encolhidos de acordocom a situação do agricultor, mas é prudente regulamentar o crédito com pra-zos tão longos quanto possível para que diferentes tipos de agricultor possamser contemplados. Afinal, a transição para um sistema agroecológico não podeser pensada em prazos curtos e acelerados, pois não se trata de aplicar umpacote, mas sim de elaborar um sistema específico para cada agricultor.

Os agricultores que se engajam em processos de conversão agroecológicavão definindo aos poucos as diferentes técnicas que vão utilizar, testando-asprimeiro em pequena escala e uma de cada vez. Para estender as práticas paraa propriedade como um todo o agricultor pode tanto aumentar a escala de cadatécnica individualmente como montar um minissistema integrado experimentalpara depois reproduzi-lo na escala da propriedade. De uma ou de outra forma, aimplantação do novo sistema na escala da propriedade será paulatina e tãolonga quanto a complexidade da proposta adotada. A seqüência de técnicas aserem introduzidas na escala da propriedade também não pode ser prevista deforma rígida, pois a prática pode cobrar ajustes e mudanças a partir de proble-mas encontrados ou devido a questões climáticas. Por essas razões a propostado Pronaf Agroecologia, que obriga o agricultor a apresentar um plano de tran-sição rígido de três anos com indicações de que técnicas vai abandonar e quaisvai introduzir a cada ano, é inviável. Seria necessário flexibilizar muito osprocedimentos para que o agricultor possa efetivamente chegar a usar o PronafAgroecologia. O mesmo vale para o Pronaf Semi-Árido.

Além de problemas de ajuste nas regras dessas modalidades de Pronaf, háinúmeros problemas na operacionalização do crédito para os agricultores familiares.

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Em primeiro lugar, é difícil montar um sistema computadorizado complanilhas em que os dados fornecidos pelos agricultores vão sendo alimentadose o apertar de uma tecla permite dizer se o projeto vai ou não dar certo (se vaificar no azul ou no vermelho, numa avaliação de rentabilidade). Essa normatizaçãoresponde bem aos pacotes técnicos simplificados dos sistemas convencionais, mascom sistemas complexos e altamente diversificados ela não funciona.

Em segundo lugar, os gerentes dos bancos ficam inseguros com essastecnologias que não estão certificadas pelos manuais da Embrapa e criam asmaiores dificuldades para aceitar esses projetos. Os gerentes questionam o podergerminativo das sementes crioulas, a eficiência dos adubos orgânicos e dos pós derochas, a eficácia das caldas como controles de pragas e doenças, etc.

Finalmente, há uma resistência dos sistemas financeiros a operar commuitos pequenos projetos que dão muito trabalho e acarretam baixo rendi-mento para o banco.

Para completar esta análise da situação atual do financiamento da transi-ção agroecológica por meio dos mecanismos do Pronaf, devemos apontar obaixo nível de informação dos agricultores sobre essas oportunidades e a poucacapacidade das organizações de apoio para facilitar o acesso dos agricultoresem uma escala significativa.

Os fundos rotativosOutros mecanismos de financiamento da transição agroecológica têm se

mostrado mais adequados para os ritmos do cuidadoso processo de experimen-tação que precede qualquer alteração dos sistemas de produção da agriculturafamiliar. Os fundos rotativos, muito comuns na região Nordeste, têm operadocom alta eficiência, ainda que, na grande maioria dos casos, funcionem como

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apoios pontuais para a adoção de uma tecnologia específica. Esses fundos, demodo geral, financiam infra-estruturas hídricas, como cisternas e barragenssubterrâneas, silos, sementes, mudas, cercas, esterco, etc. Em princípio, nadaimpede que se organizem fundos de tipo mais complexo que incorporem váriasdessas opções de uma só vez, mas isso tornará a gestão mais difícil de realizare aumentará os riscos do empreendimento. Financiar vários equipamentos, infra-estruturas e insumos simultaneamente não parece ser um imperativo, comovimos anteriormente na discussão sobre os Pronafs, mas combinar alguns dosinvestimentos pode ser uma necessidade.

Se o agricultor, por exemplo, quiser construir uma cisterna de placas elepode entrar em um fundo rotativo específico e não precisará de nenhum outroinvestimento complementar para operar essa infra-estrutura, a não ser, even-tualmente, uma bomba d’água. Já para operar uma barragem subterrânea elevai precisar de outros insumos e, eventualmente, equipamentos. Os fundosrotativos que financiam barragens não disponibilizam recursos para outros finse, para explorar essa infra-estrutura, o agricultor precisará recorrer a outrostipos de financiamento. Essa questão do escopo dos fundos rotativos, no en-tanto, pode ser objeto de novos arranjos segundo a vontade e capacidade degestão dos grupos de agricultores, e não de empecilhos estruturais para queesse instrumento não venha a se complexificar e responder a situações demaior exigência de recursos para diversos fins.

A grande vantagem dos fundos rotativos é que eles permitem uma transi-ção paulatina dos sistemas, seguindo o ritmo da capacidade técnica e de paga-mento dos agricultores. Além disso, essa modalidade não tem burocracias nemintimida os agricultores, já que são eles mesmos que a gerem.

As compras antecipadas da produção da ConabEmbora operando ainda em pequena escala e de forma experimental, essa

forma de financiamento é das mais promissoras por interligar financiamentocom escoamento da produção. As regras são claras e bem mais simples do queas complexas planilhas dos contratos de crédito oficiais do Pronaf. Os limitesde valor das operações, entretanto, colocam problemas em algumas regiõesonde os agricultores têm mais produtos ou maior volume para entregar. Porexemplo, R$ 2,5 mil por agricultor significa 33 sacos de feijão a R$ 75,00 osaco. Na região Sul do país, um agricultor com boa eficiência em sistemasagroecológicos tira essa produção com 2/3 de hectare. Fica claro, portanto, queseria preciso um volume maior de recursos por agricultor para responder àsnecessidades de comercialização de boa parte dos produtores daquela região.

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Já na região Nordeste,onde as produtividades sãomais baixas nas condiçõesde sequeiro, o rendimentomais comum entre os agri-cultores familiares e as pro-priedades também é demenor porte, mas 33 sacosde feijão ainda é um volu-me irrisório para a maioriados produtores. De qual-quer maneira, o sistema de compra antecipada representa um grande avançoem termos de modo de acesso aos recursos de financiamento da produção com-binado com a garantia de escoamento do produto. A questão é ampliar o núme-ro de agricultores com acesso a essa modalidade e ampliar o limite de recursospor agricultor.

Os fundos de financiamento da produçãoExistem inúmeros fundos, públicos e privados, que financiam tanto a pro-

dução agroecológica como a transição para sistemas agroecológicos. Esses fun-dos ainda são pouco conhecidos e estudados e não se sabe muito sobre seusprós e contras. Entretanto, pelo menos um deles apresenta características damaior relevância para o futuro da agroecologia. Trata-se do fundo de financia-mento Proambiente – Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produ-ção Familiar Rural –, centrado, até agora, na região amazônica. O Proambientetem um conceito inovador e revolucionário do ponto de vista dos paradigmasdo desenvolvimento agrícola que é o pagamento de uma compensação ao agri-cultor por adotar práticas de conservação dos recursos naturais e do meio am-biente. A aplicação desse princípio de remuneração aos chamados serviçosambientais prestados pelos sistemas de tipo agroecológico, se combinada comuma taxação dos agricultores que produzem impactos negativos sobre os mes-mos recursos, liquidará com eventuais vantagens econômicas das grandesmonoculturas predadoras do meio ambiente. Como já foi dito antes, aagroecologia produz com maior rendimento físico e econômico por hectare,mas não permite cultivos em grande escala, sendo portanto ideal para as di-mensões da agricultura familiar. O que os grandes monocultores-predadores domeio ambiente perdem em lucratividade por hectare eles ganham pelo númerode hectares que conseguem cultivar. Uma dupla taxação positiva e negativa aos

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protetores e destruidores do meio ambiente poderá, assim, ser a forma maisadequada de se garantir a sustentabilidade da agricultura e a eliminação dosgrandes produtores insustentáveis.

Perspectivas para o Encontro Nacional de Agroecologia (ENA)Esses temas serão debatidos no ENA, em quatro subgrupos que tratarão da

questão do financiamento da agroecologia e da transição para sistemasagroecológicos. Através da apresentação e discussão de experiências concretasde agricultores com vivência de cada uma dessas várias modalidades de finan-ciamento se procurará estabelecer uma visão crítica dos vários aspectos positi-vos e negativos de cada uma delas e formular propostas de melhoramento quepermitam fazer avançar a agroecologia tal como é praticada pelos diferentestipos de produtor que participarão do ENA.

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Capítulo 2

Subgrupo de trabalho sobre o PronafCoordenadores: Ivo Macagnan do Centro de Apoio ao

Pequeno Agricultor (Capa) e Gilmar Pastorio da Federa-ção dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf)

1. Relatório do subgrupo Pronaf

2. Resumo das experiências apresentadas

2.1. Pronaf Agroecologia – Centro de Tecnologias Alternativas da Zonada Mata (CTA-ZM) – Minas Gerais

2.2. Pronaf Semi-Árido – Pólo da Borborema - Paraíba

2.3. Pronaf Florestal – Cooperativa de Serviço e Apoio Humano e Sus-tentável Atiorô – (Copatiorô) - Pará

1. Relatório do subgrupo PronafRelator: Pablo Renato Sidersky

a. Apresentação

Setenta pessoas participaram da reunião desse subgrupo, realizada na tar-de do dia 4 de junho de 2006.

Os trabalhos começaram com a apresentação de seis experiências:

• Pronaf Agroecologia (Zona da Mata, MG)

• Elaboração de projetos para o Pronaf Semi-Árido (Agreste da Borborema,PB)

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• Pronaf Mulher (Apodi, RN)

• Pronaf Florestal (Altamira, PA)

• Cooperativa de Crédito Rural com Interação Solidária – Cresol Central(vários municípios de SC e RS)

• Cooperativa de Economia e Crédito Solidário – Ecosol (Araponga, Zonada Mata, MG)

Seguiu-se uma discussão. As principais conclusões do subgrupo foram sin-tetizadas e apresentadas para a plenária do GT Financiamento, realizada namanhã do dia 5, o que propiciou outro rico debate sobre o tema.

O presente relatório inclui, para além dos resultados dos trabalhos do subgrupo,alguns elementos da discussão da oficina sobre Pronaf, realizada no próprio II ENAno dia 3 de junho, e as contribuições colhidas a partir da discussão plenária.

b. Análise da concepção de diversas modalidades do Pronaf

De um modo geral, viu-se que a Agricultura Familiar (AF) leva uma fatiapequena do total de crédito direcionado para a atividade agropecuária. E, ana-lisando aquilo que vai para AF, percebeu-se que, na sua quase totalidade, oPronaf está apoiando a agricultura convencional. Isso permite dizer que umafatia enorme dos recursos não vai efetivamente para a AF e sim acaba indo paraa Monsanto, Bayer, etc.

Permanece no seio do Pronaf uma contradição de fundo, quando ele éanalisado do ponto de vista da agroecologia: é a contradição produto x sistema.Em algumas modalidades, ela não aparece muito, como no caso do PronafAgroecologia. Também em um dos casos apresentados no subgrupo, o fato dese tratar de café facilitou a relação com os bancos. Já em outros casos, acontradição é gritante. Talvez o melhor exemplo seja o Pronaf Florestal. Naexperiência de Altamira discutida no subgrupo, foram necessárias longas nego-ciações com o banco para que este aceitasse financiar um sistema agroflorestaldiversificado. E é por isso que essa modalidade é vista por muitos como oPronaf eucalipto ou pinus, ou seja, incentivadora de monoculturas.

Quanto ao Pronaf Mulher, foi dito na discussão no subgrupo que, do pontode vista da concepção, tem significado um avanço, sobretudo no sentido deabrir maior espaço para as mulheres. No entanto, a discussão também mostrouque a exigência de que o esposo ou companheiro não esteja inadimplente paraa mulher poder acessar essa linha a transforma em Pronaf Esposa. Porém, viu-se que essa questão é de difícil solução, já que o embasamento jurídico dessaexigência está no código civil.

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17Financiamento da Transição Agroecológica

Outra conclusão tirada da discussão foi que a única coisa que realmente distin-gue o Pronaf Agroecologia da modalidade Crédito de Investimento convencional,por exemplo, é a existência do sobreteto (ou seja, da possibilidade de se obter umasoma um pouco maior). Foi visto que é necessário sair dessa situação, buscando acriação de uma modalidade de crédito diferenciado para incentivar a agroecologia.

Finalmente, foi dito que o formato da modalidade recém-criada PronafComercialização é realmente muito ruim. É apenas um “Pronaf capital de giropara as cooperativas”. Não era nada disso que as organizações dos agricultoresestão propondo.

c. Sobre as dificuldades operacionais

Nesse ponto cabe diferenciar as dificuldades que se referem à relação entreas famílias que buscam crédito e os agentes financeiros daquelas que não sesituam nesse campo.

Sobre a relação com os agentes financeiros

As discussões evidenciaram a existência de muitas dificuldades naoperacionalização do Pronaf, que têm como principal efeito prático a limitaçãodo número de famílias atendidas pelo programa. A seguir listamos algumas.

• Em muitos lugares criam-se dificuldades com respeito à Declaração deAptidão ao Pronaf (DAP), dizendo, por exemplo, que ela venceu de umano para outro e exigindo uma nova, quando na realidade a DAP temvalidade de cinco anos, a não ser que a família tenha mudado de cate-goria (de C para D, por exemplo).

• Há demoras inexplicáveis na análise das propostas.

• Em certos casos, as planilhas apresentadas pelos bancos para formularos projetos dificultam a elaboração dos projetos.

• Outro problema importante é a relação entre o Pronaf e o zoneamentoda Embrapa, que impõe limitações no que se refere às atividades quepodem ser financiadas em uma determinada região.

Essas dificuldades multiplicam-se quando se trata dos Pronaf específicos:Agroecologia, Florestal, Mulher e Jovem. Um companheiro do Ceará exemplificoudizendo que, na região dele, “se for para destruir a natureza, o Pronaf sairapidinho”, mas ele estava esperando há um ano pela aprovação da sua propos-ta agroecológica. Embora não tenha sido dito explicitamente durante as dis-cussões, é provável que isso também aconteça no caso dos Pronafs Agroindústria,Produção Orgânica, etc.

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Em certos casos parece que as exigências burocráticas são maiores (sãosolicitados mais documentos, etc.). Em outros casos, a lentidão e a má vontadepodem estar ligadas ao fato de que existe um profundo desconhecimento porparte dos funcionários dos bancos sobre essas modalidades. Nessas circunstân-cias, os bancos (ou melhor, esses funcionários) preferem lidar com as modali-dades mais conhecidas. Assim, chega a acontecer que falta dinheiro, quando,depois de muita luta, os projetos dessas modalidades são finalmente aprova-dos: é que ele já foi todo gasto com os Pronafs convencionais.

As apresentações das experiências das cooperativas de crédito deixaram a im-pressão de que, nesses casos, os problemas operacionais são menores. Evidente-mente, como elas dependem, em grande parte, de liberação de verba dos bancos,nem todos os problemas podem ser evitados. Mas a proximidade das cooperativascom o público delas tende a favorecer uma relação bem mais tranqüila.

Outras dificuldades operacionais

Constatou-se que uma parte enorme do público da AF sabe pouco ounada sobre o Pronaf. Essa situação é ainda pior quando se trata das moda-lidades especiais. Nesse quesito as mulheres estão numa situação pior doque os homens.

Em vários momentos da discussão foi levantado o problema da assistênciatécnica. Por um lado, em muitos locais, os técnicos das Ematers não têm afini-dades com a agroecologia e, portanto, só fazem preparar propostas de créditocom pouca conversa com os interessados. Em contraste, muitos técnicos donosso campo fazem muitas reuniões, sendo muito bons de conversa, mas nãoelaboram projetos, como disse uma companheira da Bahia. Além disso, muitosdestes últimos praticamente não conhecem o Pronaf.

Duas das experiências apresentadas (MG e PB) mostraram um esforço gran-de para mudar a forma em que são elaborados os projetos. Tentaram, por exem-plo, garantir uma participação intensa das famílias na elaboração da proposta.Também buscaram construir a proposta a partir de uma visão do conjunto daunidade familiar. Mas ambas concluíram que o esforço demandado paraimplementar esse enfoque diferenciado na elaboração de propostas era muitogrande. A tal ponto que, em uma das experiências, o processo de elaboraçãonem conseguiu chegar até o fim. Dessa maneira, fica ainda a pergunta no ar:como resolver esse dilema?

Outro problema da assistência técnica é que, em geral, ela é muito mascu-lina. Isso estabelece uma dificuldade a mais que as mulheres devem enfrentarno processo de elaboração a apresentação de propostas de crédito.

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d. PropostasDiante do quadro descrito, foram apresentadas diversas propostas.

Sobre a concepção e o desenho das diversas modalidades

Diante dos problemas identificados na concepção das diversas modalida-des do Pronaf, vai ser necessário formular propostas de mudança e negociá-lasjunto à Secretaria de Agricultura Familiar (SAF).

• Nesse sentido, no caso do Pronaf Semi-Árido, propõe-se acabar com aobrigatoriedade de que 50% do crédito seja para infra-estrutura hídrica.

• Uma segunda proposta é juntar essa modalidade com o PronafAgroecologia, o que passaria a dar ao Pronaf Semi-Árido uma cara ex-plicitamente agroecológica, coisa que não tem hoje.

• Propõe-se também que seja bem demarcada a especificidade do PronafAgroecologia, fazendo dessa modalidade algo que incentive a expansãoda AF agroecológica. Uma primeira medida seria a redução da taxa dejuros para 1% ao ano. A segunda seria o alongamento da carência e doprazo para pagar. Nesse ponto a proposta seria de até cinco anos decarência e mais oito para pagar (num máximo de treze anos). Umaterceira especificidade dessa modalidade seria a possibilidade de que aliberação dos recursos fosse paulatina, se for interessante para a famí-lia, em lugar da prática atual que obriga a gastar tudo no primeiro ano.

• Seria importante garantir que o leque de possibilidades abertas parauma proposta de crédito nessa modalidade seja o mais amplo possível.Nesse ponto, a questão do zoneamento da Embrapa, que hoje limitaeste leque, precisa ser revista.

• Também não basta ter um Pronaf com um grande volume de recursos. Éprecisa orientá-lo para a transição e produção agroecológica.

• Finalmente, propõe-se a criação de uma modalidade específica de Pronafpara atender a agricultura familiar urbana, já que atualmente ela nãotem acesso.

Sobre os problemas operacionais

• Uma boa parte das dificuldades operacionais não poderá ser superadase não desenvolvermos uma atitude de cobrança mais ativa. Poder-se-ia falar da necessidade de desenvolver uma cultura do 08001... Tambémserá necessário mais diálogo e pressão junto aos diversos níveis daestrutura de administração dos bancos. E, quando necessário, “pôr umporquinho na agência”...

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20 Financiamento da Transição Agroecológica

• Poder-se-ia propor a reserva de recursos para as modalidades especiais(descendo até o nível da agência), para evitar a situação de “acabou orecurso”.

• No caso dos bancos que usam planilha, propor a sua substituição porinstrumentos mais simples, do tipo roteiro, para orientar a montagemde propostas.

• Diante da constatação de que é necessária uma reciclagem profunda dosfuncionários dos bancos, propõe-se que as direções dessas entidadesfaçam isso maciçamente.

• Também se propõe que as direções dos bancos criem oportunidades dediscussões cara a cara entre gerentes e funcionários de um lado e lide-ranças e agricultores do outro, com o objetivo de aparar arestas.

• Montar iniciativas mais sistemáticas de busca e divulgação ampla deinformações sobre as diversas modalidades do Pronaf. Nesse ponto, darespecial atenção ao público feminino, tradicionalmente ainda menosinformado.

• Diante do problema levantado de que, em certos casos, a DAP poder seremitida pelo sindicato patronal, propõe-se que se reivindique junto àSAF que essa medida seja revista, já que ela tem implicações bastantesérias.

• Mesmo com uma necessária simplificação da forma de apresentação dosprojetos será importante desenvolver uma metodologia participativapara a elaboração dos mesmos de modo a diminuir a dependência doapoio de técnicos.

2. Resumo das experiências apresentadas

2.1. Pronaf Agroecologia

Sistematização: Sérgio da Silva Abrahão (CTA-ZM)

a. Localização

• Estado: Minas Gerais

• Região: Zona da Mata

• Municípios: Divino, Orizânia, Espera Feliz, Caparaó, Tombos, Pedra Dou-rada, Eugenópolis, Araponga, Ervália, Guidoval e Paula Cândido

• Bioma/região ecológica: Mata Atlântica

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b. PúblicoOs participantes da experiência se identificam como agricultores(as) familiares.

O grupo foi composto por representantes de 82 famílias, dos quais quatrojovens participaram como proponentes do projeto. Essas famílias estão classi-ficadas dentro dos Grupos C e D, estabelecidos pelo Pronaf.

c. Papel das organizações

Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM)

• Buscar informações sobre a documentação necessária para a elaboraçãoe negociação dos projetos junto aos bancos.

• Propor metodologia para elaboração coletiva dos projetos.

• Formatar os projetos após a elaboração coletiva.

• Assessorar as organizações parceiras (associações e STRs) na negocia-ção dos projetos com os bancos.

• Assessorar as famílias na implementação dos projetos.

Associação Regional dos Trabalhadores Rurais da Zona da Mata

• Definir, juntamente com o CTA-ZM, o grupo de famílias que participarãoda experiência.

• Validar a metodologia proposta pelo CTA-ZM para a elaboração dos pro-jetos.

• Contatar instâncias superiores responsáveis pelo Pronaf (Superinten-dências do Banco do Brasil, Pronaf/DF, etc.).

Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs)

• Articular as famílias para participarem das diversas atividades necessáriaspara acessar o crédito (mutirões para elaboração dos projetos, reuniõescom gerentes dos bancos, reuniões de monitoramento do processo, etc.).

• Manter as famílias informadas sobre as negociações com os bancos.

• Apresentar os projetos aos bancos e assessorar as famílias na negocia-ção do crédito com os agentes bancários.

d. Objetivo do financiamentoO recurso acessado pelas famílias foi, em maior parte, utilizado para inves-

timentos em infra-estrutura e aquisição de equipamentos e, em menor parte,para custeio. Os financiamentos foram individuais. Porém, houve o caso de um

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grupo de famílias que após o recebimento do recurso resolveu adquirir coletiva-mente um trator para o uso do grupo. Essas famílias já haviam previsto em seusprojetos gastos individuais com alguma forma de transporte para a produção.

As principais infra-estruturas instaladas foram: terreiros para secagemde grãos, estruturas para armazenamento da produção, currais, chiqueiros emelhoria de estradas.

Os principais equipamentos adquiridos foram: picadeiras, ensiladeiras eroçadeiras.

A produção de café foi a principal atividade agroecológica beneficiadapelos projetos. O período de carência para devolução do recurso é de trêsanos e o período para pagamento do empréstimo é de cinco anos (umaparcela por ano).

Em todos os casos o agente financeiro foi o Banco do Brasil.

e. Período da experiência

A experiência se iniciou em setembro de 2003 com a articulação das famí-lias e organizações para a elaboração dos projetos. A previsão de término dadevolução dos recursos emprestados é 2011.

f. Histórico

Em setembro de 2003, o CTA-ZM, juntamente com seus parceiros (STRse Associações de Agricultores Familiares da Zona da Mata), decidiu elaborare encaminhar projetos de investimento à Linha de Crédito do PronafAmbiental: Agroecologia, cujos recursos seriam destinados aos seus beneficiários.Essa foi a primeira vez que o CTA-ZM de fato se envolveu e investiu no apoio àbusca de crédito, via Pronaf, para o público que assessorava.

Como o CTA-ZM não dispunha de pessoal em sua equipe técnica paraa elaboração desse tipo de projeto, optou-se por restringir o grupobeneficiário e utilizar uma metodologia que fosse capaz de agilizar o traba-lho envolvendo o(a) proponente e seus(suas) companheiros(as) de organi-zação na elaboração do conjunto de projetos.

Em relação ao grupo beneficiário, optou-se por trabalhar, nessa primeiraexperiência, apenas com os(as) agricultores(as) que estavam diretamente en-volvidos em dois projetos específicos do CTA-ZM: o Plano Estratégico do CaféAgroecológico (PEC) e o Programa de Formação de Agricultores(as) (PFA).

Para a elaboração dos projetos, a equipe técnica formulou, juntamentecom os(as) agricultores(as), um roteiro com o qual cada proponente pudesse

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fornecer informações sobre seu sistema de produção agroecológica e dadossobre a renda da família demandados pelas agências bancárias.

Entre os meses de novembro e dezembro de 2003 foram feitas reuniões nosmunicípios de Divino, Espera Feliz, Tombos, Viçosa e Araponga, para elabora-ção dos projetos em regime de mutirão. Durante os mutirões, além doassessoramento da equipe técnica do CTA-ZM, houve uma grande interação etroca de informações técnicas entre os(as) próprios(as) agricultores(as)envolvidos(as), possibilitando uma rápida e eficiente construção dos projetos.

De posse das informações e solicitações de cada família fez-se, com oapoio de estudantes – estagiários(as) –, a adequação do projeto para o formatoa ser apresentado às agências bancárias.

Em janeiro de 2004, uma primeira versão dos projetos foi apresentadapara duas agências do Banco do Brasil para que estas apontassem sugestões e/ou mudanças que deveriam ser feitas. Algumas sugestões foram propostas porambas as agências e, para que fossem acatadas, foi necessário promover umanova reunião com os proponentes, em cada um dos municípios envolvidos, paraa revisão dos projetos. Feita a revisão junto às famílias, concluiu-se a elabora-ção dos projetos, e cada STR encaminhou os projetos à agência do Banco doBrasil (BB) de seu município.

A partir desse momento cada município teve uma história diferente emrelação à aquisição do crédito, dependendo da agência bancária. Apenas umaagência do BB foi pouco exigente e, logo no final de março de 2004, liberou orecurso, de uma só vez. Todas as outras cinco agências do BB envolvidas noprocesso fizeram mais exigências e/ou solicitaram maiores informações alémdas apresentadas após a revisão dos projetos. As principais solicitações foram:apresentação de declaração do CTA-ZM afirmando que iria fazer o acompanha-mento técnico do projeto, maior detalhamento dos orçamentos dos projetosque incluíam algum tipo de construção e justificativas técnicas para o queestava sendo solicitado. A declaração e as justificativas técnicas foram apre-sentadas. Porém, em relação ao detalhamento do orçamento, foi negociadocom a gerência dos bancos apenas a apresentação de planilhas genéricas comcustos de construção por metro quadrado. As próximas liberações ocorreram nofinal de 2004 e as últimas só vieram a acontecer em meados de 2005.

Vale ressaltar que nem todos os projetos elaborados foram encaminha-dos aos bancos e que nem todos os que foram encaminhados foram aprovados.Inicialmente foram elaborados 82 projetos. Porém, após a revisão, 11 famíliasdesistiram de dar continuidade ao processo, principalmente por verificar quenão dispunham de determinados documentos. Foram então apresentados ofici-

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almente 71 projetos às agências bancárias. Durante as negociações com osbancos, mais 26 famílias saíram do processo, algumas por desistência devido àmorosidade, outras por falta de documentos exigidos pelo banco. Por fim, ape-nas 45 projetos foram aprovados e tiveram os recursos liberados.

g. Gestão

De uma forma geral, a gestão financeira do recurso é feita pela própriafamília. No entanto, nos momentos de dúvidas, as famílias recorrem à redesocial em que estão inseridas (comunidade, STR, CTA-ZM e associações).

Há também momentos de avaliação coletiva do desenvolvimento do pro-cesso, que normalmente ocorrem em reuniões nos municípios com a participa-ção das organizações locais e o CTA-ZM.

Em um dos municípios houve fiscalização do banco aos projetos e surgiramalguns questionamentos dos fiscais. Para resolver essas questões, foi necessá-ria a assessoria do STR e do CTA-ZM.

h. Avaliação

As famílias que participam desse processo são famílias que já estão numestágio avançado em relação à vivência agroecológica. Dessa forma, os princi-pais resultados, para as famílias, estão diretamente relacionados com a melhorianas condições de trabalho, ou seja, o financiamento possibilitou a melhoria deinfra-estruturas e/ou aquisição de equipamentos que facilitaram a vida dessasfamílias na roça.

A elaboração do projeto em si é um grande entrave, que impede as famíliasde acessar o crédito, uma vez que sem ele não há possibilidade de acesso epoucas famílias têm a oportunidade para elaborar o projeto.

O período de carência e o longo prazo para a devolução do empréstimo, poroutro lado, possibilitam melhor planejamento da propriedade e contribuempara garantir o retorno financeiro dos sistemas de produção.

Entretanto, pior que a burocracia dos bancos, foi a falta do recurso nasagências. Com exceção de uma agência, todas as outras tiveram dificuldades eindisponibilidade de recursos para a imediata liberação do crédito. Em um dosmunicípios envolvidos o recurso só foi liberado depois de um ano e meio daapresentação dos projetos.

i. Políticas PúblicasVerificou-se que nenhum dos agentes bancários conhecia a proposta de

crédito do Pronaf Agroecologia. Dessa forma foi preciso gastar tempo, com

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cada um deles, para fazer as devidas explicações. A maior parte dos agentes foireceptiva e cooperou sem colocar grandes dificuldades. No entanto, houve ca-sos em que foi necessário recorrer à Superintendência do Banco do Brasil paraque o processo andasse.

A questão da falta de dinheiro do Pronaf nos bancos também foi um gran-de complicador. Por várias vezes foi solicitado do Pronaf/DF informações sobrea falta do recurso. Porém, o máximo que se obteve de resposta do pessoal deBrasília foi que realmente o programa estava sem dinheiro.

j. Propostas

Capacitar as pessoas envolvidas nos processos de aquisição de financia-mento –técnicos(as), lideranças, agentes bancários – para que possam auxiliarum maior número de agricultores(as) no acesso ao crédito.

Os sistemas em transição devem ter maior subsídio e/ou rebate, assimcomo maior tempo para a devolução do dinheiro, pois constituem experiênciasinovadoras. No entanto, devem ser criadas regras ou formalizados compromis-sos entre proponentes e financiadores para que sejam cumpridos os objetivosdos projetos.

Finalmente, o Pronaf deve garantir recursos para as linhas especiais decrédito: Agroecologia, Mulher, Jovens, Florestal, Turismo, etc.

2.2. Projeto de crédito para a transição agroecológica no Semi-Árido:buscando novos caminhos para a elaboração, análise e acompanhamento

Sistematização: Geovanni Medeiros (Pólo da Borborema)

a. Localização

• Estado: Paraíba

• Município: Lagoa Seca

b. Público imediatoCinco agricultores do município de Lagoa Seca, técnicos e lideranças das

organizações citadas a seguir.

c. Organizações envolvidas

O Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema, oSTR de Lagoa Seca e as ONGs Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura

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Alternativa (AS-PTA) e Programa de Aplicação de Tecnologia Apropriada às Co-munidades (Patac).

d. Introdução: é preciso inovar também no crédito

Desde 1993, um conjunto de famílias agricultoras, de organizações de agri-cultores (STRs, associações, Pólo), além de ONGs e grupos de igreja da regiãodo Agreste da Borborema, vem experimentando inovações agroecológicas, nabusca de uma maior sustentabilidade das unidades familiares da região. Diver-sas propostas inovadoras têm sido testadas. Assim, por exemplo, foram implan-tadas barragens subterrâneas, cisternas de placas, parcelas de palma consorci-ada com árvores forrageiras, etc. Também existem instalações (como cercas,barreiros) e equipamentos (como a máquina forrageira) que não são propria-mente inovações, mas que geralmente são elementos importantes para asustentabilidade das unidades familiares.

Embora a maior parte das inovações, instalações e equipamentos mencio-nados não tenham custos muito altos, a situação de descapitalização da gran-de maioria das unidades familiares é tal que impede a realização dos investi-mentos necessários com recursos próprios. Nessas circunstâncias, o crédito passaa ser um elemento importante para acelerar e até possibilitar a transformaçãoagroecológica das unidades familiares.

Os problemas do crédito convencional

Existem linhas de crédito para a agricultura há muitos anos. Também éverdade que, a partir dos anos 1990, foi criada uma linha específica de crédito– o Pronaf – com o intuito de atender a Agricultura Familiar (AF). No entanto,na região em questão, os agricultores familiares têm muitas dificuldades paraacessar esse crédito. E, para os poucos que conseguiram, o crédito assim obti-do tem sido mais uma fonte de problemas que um instrumento de reforço daeconomia e da propriedade familiares.

Os principais motivos disso podem ser atribuídos à própria natureza docrédito. A seguir listaremos algumas das características do que chamaremosde crédito convencional, que são um empecilho para o fortalecimento dasunidades familiares:

• Ele privilegia o custeio (crédito de curto prazo) e financia produtosisolados (por exemplo, na região do Agreste da Borborema, finan-ciou a batatinha), em lugar de privilegiar a estruturação das propri-edades como um todo.

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• É o sistema de crédito (os bancos, as normas) que define as atividadesque podem ser financiadas, muitas vezes em função de zoneamentosopacos, desconhecidos do grande público.

• Também é o sistema de crédito que define a tecnologia que deverá serempregada, sendo ela sempre do padrão agroquímico.

• O processo de elaboração, a análise de viabilidade exclusivamente fi-nanceira e as regras burocráticas dos bancos, também opacas e “decima para baixo”, são outros tantos fatores que dificultam o acesso.

Quais podem ser as características de um crédito adaptado à AF agroecológica?

A crítica do sistema creditício vigente e a reflexão que aos poucos vemsendo desenvolvida sobre a sustentabilidade da AF na região ajudaram adefinir alguns elementos daquilo que poderia ser um sistema de créditodiferente, que deveria:

• Comportar e estimular a participação das famílias na elaboração daspropostas.

• Partir de uma compreensão global, sistêmica da unidade familiar, con-siderando ao mesmo tempo o conjunto e o funcionamento dossubsistemas.

• Priorizar as demandas da família, ajudando-a a estabelecer prioridades.

• Financiar projetos capazes de aumentar receitas e diminuir custos, ga-rantindo ao mesmo tempo uma maior capacidade de resistência e auto-nomia.

e. Um experimento metodológicoEmbora o Pronaf continue sendo bastante convencional, com a chegada do

Governo Lula foram aparecendo espaços que possibilitaram o início de um de-bate sobre a política de crédito para a AF. Resultado disso foi a criação denovas linhas de crédito dentro do Pronaf. A partir de 2004, foram instituídos oPronaf Mulher, o Pronaf Agroecologia, o Pronaf Semi-Árido, entre outros. Algu-mas dessas linhas tinham como ponto importante a possibilidade de financiara transformação do conjunto da unidade familiar.

Estimulados, por um lado, pela necessidade das famílias de ter acesso aocrédito e, por outro, pelo aparecimento de linhas que em tese pareciam sermais propícias, o Pólo, a AS-PTA e o STR de Lagoa Seca decidiram se lançar numexercício experimental de elaboração de propostas. O debate travado sobre oPronaf Semi-Árido no Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável

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(Condraf), entre o final de 2004 e início de 2005, foi outro fator de estímulo.Esse exercício tinha como uma das suas ambições aproximar o processo deelaboração de propostas de crédito das famílias e das organizações. Imaginou-se a possibilidade de desenhar um processo que pudesse ser reproduzido pelasorganizações com um apoio técnico mínimo.

O Pronaf Semi-Árido, em janeiro de 2005

O Pronaf Semi-Árido foi concebido para favorecer a estruturação daspropriedades para a convivência com a seca.

É um recurso de investimento. O projeto pode ter um valor entre R$1,5 mil e R$ 6 mil. Até 35% do valor pode ser usado como custeio. Épossível solicitar um segundo empréstimo Pronaf Semi-Árido nos mesmoslimites do primeiro a partir do momento em que se fizer o pagamento daprimeira parcela do primeiro empréstimo. Ou seja, o empréstimo máximoque o Pronaf Semi-Árido pode fazer é de R$ 12 mil, em dois contratos.

Inicialmente cada projeto podia contemplar até 65% para infra-estru-tura hídrica. Durante o exercício isso mudou: cada projeto deveria prever,obrigatoriamente, o gasto de pelo menos 40% nesse item.

Os juros são de 1% ao ano sem rebate. O prazo de carência é de atétrês anos, e o pagamento deve ser feito em até sete anos. (Total: até 10anos)

O público: agricultores enquadrados nas categorias B e C.

Exige a apresentação de projeto técnico.

Algumas dessas características foram mudando no decorrer de 2005.

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Cinco famílias do município de Lagoa Seca, contatadas pelo STR, aceitaram seras cobaias. O experimento começou com a realização de um pequeno seminário (emjaneiro de 2005), que teve a participação de lideranças do STR de Lagoa Seca e doPólo, técnicos da AS-PTA e do Patac, além dos cinco agricultores. Foi apresentada ediscutida a linha Pronaf Semi-Árido, que seria usada como referência na elaboraçãodas propostas. O primeiro passo no processo de elaboração foi a análise dos siste-mas produtivos das famílias participantes. Para isso cada família foi visitada poruma equipe formada por um técnico e uma ou duas lideranças do STR.

O levantamento da realidade incluiu a elaboração de um croqui da propriedadejunto com a família. Nessa mesma visita também foi discutida a visão de futuro quea família tinha para a propriedade, o que serviu de base para listar os investimentosdesejados pela família. Feito esse trabalho de campo, o resultado foi apresentadoao conjunto de técnicos, lideranças e agricultores que participava do exercício. Nadiscussão buscou-se sempre analisar a unidade familiar no momento atual, assimcomo as idéias para o futuro, do ponto de vista da sustentabilidade2.

O caso da família de J. e V.

J. e V. têm três filhos jovens. Possuem 6,5 de hectares. Cultivam ametade com milho, feijão, mandioca e batatinha. A principal cultura derenda é a batatinha. O restante da área é pasto. Criam um rebanho de oitobovinos e três ovinos, mas a maior parte do rebanho é de terceiros, criadode meia. Há dois barreiros, que secam no verão. Atualmente, a família nãopossui área irrigada, mas deve receber como doação um kit, por meio deum projeto com a Sociedade Anônima de Eletrificação da Paraíba (Saelpa).

Esse agricultor já foi um produtor convencional de batatinha. Utiliza-va o crédito de custeio. Mas ele ficou endividado e teve que “vender quasetudo” para pagar. Depois disso ele passou a cultivar uma área menor usan-do menos insumos. Hoje usa biofertilizante e as caldas “do STR”.

O primeiro desejo da família, em relação ao crédito, era aumentar eestabilizar a oferta de água, através da reforma de um açude. Tambémqueria criar um rebanho próprio de dez bovinos. Além disso, V. queriainstalar uma pequena pocilga para criar porcos para vender. Essas idéiasiniciais foram modificadas depois do exercício de quantificação: J. decidiudesistir da reforma do açude e se concentrar na melhoria do sistema decriação de gado. Incluiu no projeto, fora a compra de animais, a compra deuma forrageira, a construção de uma cocheira, etc.

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30 Financiamento da Transição Agroecológica

É interessante registrar aqui que em todos os cinco casos o projeto dasfamílias dava uma grande importância à criação de gado, como pode ser obser-vado na tabela a seguir.

Tabela. Investimentos solicitados pelas cinco famílias

Definidas assim as grandes linhas para a elaboração das cinco propostas, aetapa seguinte foi a quantificação, entendida, sobretudo, como o cálculo dosvalores necessários à elaboração da proposta a ser apresentada ao banco. Asfamílias foram visitadas, em alguns casos mais uma vez, com o objetivo decalcular o custo dos investimentos que elas queriam realizar. Quando restavauma dúvida, o agricultor ficava com a incumbência de obter as informações quefaltavam. Para algumas famílias o resultado dessa segunda etapa foi uma mu-dança na idéia original da família. Por exemplo, no caso do quadro sobre afamília J. e V., quando a família viu que a reforma do pequeno açude custariamais do que R$ 6 mil – valor máximo possível do projeto –, ela decidiu desistirdesse investimento.

Outra tarefa realizada nesse momento foi o levantamento das atividadesagropecuárias da família, dando ênfase à produção, às receitas e aos custos. Issopermitiu, na fase seguinte, fazer um cálculo detalhado das receitas e despesas daunidade familiar, pensando na demonstração da capacidade de pagamento.

O passo seguinte foi um exercício de tradução dos projetos assim desenha-dos para a linguagem das planilhas utilizadas pelo Banco do Nordeste. Para talcontamos com a colaboração de um técnico que já tinha trabalhado nas elabo-

• Equip. irriga-ção p/ capi-neira

• Aquisição debovinos

• Cercas

• Capineira

• Palma

Família A

• Barreiro (refor-ma)

• Cercas

• Pastagem (bra-quiária)

• Bebedouros

• Palma

• Galpão

• Equipamento

• Tração animal

• Apiário

• Pocilga (refor-ma)

Família B

• Máquina forra-geira

• Curral e cochei-ra

• Aquisição debovinos

• Carroça

• Cercas

• Galpão

• Esterco (p/ ro-çado)

• Pocilga

Família C Família D

• Máquina forra-geira

• Cocheira

• Depósito de for-ragem

• Cercas

• Aquisição debovinos

• Área de mara-cujá

Família E

• Máquina forra-geira

• Curral

• Cocheira

• Depósito de for-ragem

• Aquisição debovinos

• Capineira

• Barreiro

• Esterco (pararoçado)

• Galinheiro

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rações de projetos de crédito para esse banco. Ele conseguiu montar uma planilhasimplificada (preparada em Excel). Como foi feita tendo como referência osoftware do Banco do Nordeste3, ela permitiu colocar as informações requeridase, entre outras coisas, fazer os cálculos da famosa capacidade de pagamento.

Entretanto, durante essa parte do exercício, apareceram problemas paralevar adiante a nossa elaboração. Um deles foi a descoberta de que não seriapossível financiar a compra de bovinos para recria/engorda (como queriamquase todos os agricultores que participaram do exercício), ainda que os textosnormativos do Pronaf Semi-Árido não digam nada a respeito disso. Disseram-nos que isso era “uma norma do banco”...4 Apareceram ainda outras dificulda-des, também relacionadas às normas. Por exemplo, o banco determina que oagricultor tem que destinar entre 30 e 60% da sua receita líquida para pagar oempréstimo. Embora pareça natural colocar um limite máximo, qual a lógica decolocar um mínimo? Assim como acontece no processo convencional de elabo-ração de propostas, essa exigência é um estímulo para quem está elaborando aproposta fazer uma conta de chegada, colocando os dados necessários para tal.Outro impedimento foi a dificuldade de financiar reformas, por exemplo, de umaçude, já que a norma pede obra ou implemento novo. A própria operação daplanilha, embora simplificada em relação à original, foi outro problema.

Houve então uma modificação nas diretrizes do Pronaf Semi-Árido, quepassou a exigir que no mínimo 40% do crédito fosse dedicado às infra-estrutu-ras hídricas. Como, na maior parte dos casos envolvidos no exercício, as famí-lias não tinham solicitado esse tipo de investimento (no caso de J. e V., elestinham desistido de reformar o açude, por ser esta obra cara demais), viu-seque seria necessário retomar o exercício, pelo menos em parte.

Foi nesse momento que o experimento foi interrompido. Não se chegou alevar as propostas elaboradas para serem discutidas com o Banco do Nordeste.As dificuldades relatadas tiveram uma certa influência nisso, já que criaram umcerto desânimo nos participantes. Mas também houve outros problemas relaci-onados com a agenda e as prioridades dos envolvidos.

f. Lições e desafios

Embora não tenha sido levada a bom término, essa experiência foi bastan-te rica em ensinamentos.

O processo aqui descrito permitiu uma participação bastante intensiva dasfamílias. Destaque especial nesse ponto para as visitas feitas pelas equipes àspropriedades, que permitiram assegurar uma contribuição mais plena do casal etambém dos filhos.

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Por outro lado, a seqüência completa do processo relatado consumiu muitotempo e esforço, não somente por parte da família agricultora, mas também daequipe encarregada da preparação das propostas. A pergunta que fica, nessequesito, é como acelerar o processo sem sacrificar a participação. Isso é umaequação de solução difícil. Por exemplo, as visitas mencionadas são um instru-mento de participação ampliada para a família e, ao mesmo tempo, uma ativi-dade que consome muito tempo.

O que pode ser dito sobre a metodologia usada para analisar asustentabilidade? Embora nenhuma proposta tenha saído concentrada num pro-duto único, de certa maneira, a importância da criação de bovinos nas propos-tas não deixa de ser instigante. Em um caso, a propriedade já tinha sido muitodiversificada, mas a evolução em curso, que buscava apoio na proposta dese-nhada pela família, era de pecuarização acentuada. Certamente as famílias ti-nham boas razões para isso, mas caberia uma discussão mais profunda sobre aquestão.

Na época em que foi feito o exercício, a planilha e as normas representa-ram dificuldades significativas. Conforme vimos, a planilha, mesmo com a sim-plificação construída, é de difícil manuseio. O exercício mostrou que, mantidoesse formato, a idéia de um processo de elaboração de propostas de créditoimplementado pelas próprias famílias com apoio das organizações seria muitodifícil de realizar.

Algumas normas, como já foi dito, também foram um obstáculo importan-te. Mas entendemos que nesse quesito houve, posteriormente, uma evoluçãopositiva. Por exemplo, parece que as normas de 2005/2006 aceitam as ativida-des de recria e engorda de bovinos. Nesse ponto o desafio é, por um lado,manter-se atualizado. Por outro lado, seria necessário identificar as dificulda-des que permanecem para reivindicar as mudanças necessárias.

2.3. Implantação e ampliação de Sistemas Agroflorestais (SAFs) naregião sul do Pará com recursos do Pronaf Florestal

Sistematização: Antônio Carlos Cavalcante Pereira eRoberto Araújo de Lima (Copatiorô)

a. Localização

• Estado: Pará

• Região: Sul do estado

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• Município: Conceição do Araguaia

• Bioma/região ecológica: Zona de transição entre os biomas do Cerradoe da Amazônia.

b. Público

Participaram da experiência 17 famílias que se identificaram como de agri-cultores familiares, sendo que em 15 delas o proponente do financiamentoeram homens e 2 eram mulheres.

c. Organização

A Copatiorô, juntamente com alguns movimentos sociais da região – Asso-ciação do P.A. Canarana, Grupo do MPA do Projeto de Assentamento PadreJosimo Tavares, Grupo do P.A. de Curral das Pedras –, mobilizou algumas famí-lias e está implantando e ampliando Sistemas Agroflorestais (SAFs) com recur-sos do Pronaf Florestal.

A Copatiorô teve o papel de assessoria na qualificação da demanda dosgrupos de agricultores familiares para a elaboração dos projetos técnicos parafinanciamento no Pronaf Florestal.

As organizações dos agricultores familiares participaram do processo de dis-cussão do crédito e selecionaram as famílias que participaram da experiência.

d. Objetivo do financiamento

Implantação e ampliação de SAFs com recursos governamentais. A maiorparte do valor do crédito concedido às famílias se destinou, sobretudo, para aprodução de mudas de espécies frutíferas e madeireiras, aquisição de materiaise equipamento e custeio de parte da mão-de-obra, principalmente para o aceiro,visando evitar acidentes provenientes de queimadas descontroladas.

e. Período da experiência

A região já vem discutindo há algum tempo a necessidade de se ter um modelode desenvolvimento com um menor impacto ambiental. Em 2005, essa discussãotomou maiores proporções devido o alto índice de desmatamento dos últimos anosocasionados principalmente pela pecuária, pelos grandes plantios de soja, pelavenda de madeira para as serrarias e pela produção de carvão para as guseiras.

Os movimentos sociais, juntamente com a Copatiorô, Copserviços e o Ban-co da Amazônia (Basa), discutiram a implantação do Pronaf Florestal para al-gumas famílias da região. A formulação dos projetos e sua contratação foirealizada em dezembro daquele ano.

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A experiência está em andamento, pois a implantação dos SAFs na formaem que se trabalha na região leva de três a quatro anos.

f. Histórico

A maioria dos agricultores familiares da região segue o sistema convenci-onal que é feito da seguinte forma: desmatando as áreas de lavouras comqueimadas para logo em seguida transformá-las em pasto para a pecuária. Talprática tem ocasionado um alto índice de desmatamento na região.

A venda de madeira (magno, castanha, candeia-da-noite, aroeira, cedro,favão, jatobá, entre outros) e a produção de carvão foram elementos importan-tes da economia da Agricultura Familiar (AF), mas todas essas atividades leva-ram a um intenso desmatamento e degradação ambiental, devastando a maio-ria das florestas do sul do Pará.

Os lotes da maioria dos AFs não cumprem a legislação ambiental, queexige 80% de áreas preservadas com florestas. Além disso, as crescentes difi-culdades dos sistemas em processo de degradação suscitaram uma discussãoenvolvendo várias entidades da região amazônica, como o MDA/SAF e o Basa,para identificar formas viáveis de reflorestamento. A adoção de SAFs foi aceitacomo a opção mais promissora e decidiu-se promover uma série de experiênciasde implantação de SAFs com recursos do Pronaf Florestal, operacionalizadaspelo Basa.

A pressão das entidades ambientais na região e a intensificação da fiscali-zação do Ibama têm gerado uma crise nas serrarias e indústrias de ferro gusa.Estas, por sua vez, têm pressionado para que o reflorestamento da região sejafeito em monocultivo com espécies energéticas (eucalipto) e madeireiras (Teça),justificando assim o seu passivo ambiental. Com isso, essas empresas que nãotêm áreas de reflorestamento se beneficiariam com a produção de matéria-prima para as mesmas no futuro. No entanto, por entendermos que o reflores-tamento em monocultura e com culturas exóticas não é sustentável, temostrabalhado somente com SAFs.

Na região sul do Pará, a Copatiorô, entidade de apoio técnico à AF baseada emConceição do Araguaia, ficou responsabilizada pela condução da experiência.

A Copatiorô, em diálogo com técnicos da SAF/MDA e do Basa, elaborouuma proposta básica de SAF que foi apresentada aos agricultores relacionadospor suas organizações para participar da experiência. Após acordo em relação àproposta técnica básica, houve uma série de reuniões de esclarecimento sobreo Pronaf Florestal de modo a que ficassem bem claras para os agricultores asquestões relativas aos juros, carências e prazos de pagamento.

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A proposta técnica foi então elaborada com cada uma das famílias em seuslotes, por meio do diálogo entre estas e os técnicos, observando-se as áreasonde o SAF iria ser implantado e a aptidão das famílias, elaborando-se assimarranjos específicos de SAF para cada situação particular.

Nos SAFs elaborados foram incluídas espécies frutíferas comerciais da re-gião e espécies madeireiras dos biomas Cerrado e Amazônia. A maioria dasfamílias implantou seu SAF em áreas de roça, somente duas famílias implanta-ram o seu sistema na capoeira.

Não houve dificuldades na aprovação dos projetos, já que técnicos do Basaparticiparam do processo de elaboração. E, em janeiro de 2006, as famíliascomeçaram a preparar as áreas para a implantação dos SAFs.

A Copatiorô assessorou a implantação dos SAFs com cursos de produção demudas a partir de manejo florestal e de outras adquiridas no mercado com osrecursos dos projetos.

Os agricultores familiares introduziram vários tipos de fruteiras, tais como:o cupuaçu, laranja, tangerina, murici, manga, coco, açaí, pequi, acerola, cajá,banana e outras. Dentre as espécies madeireiras, a maioria das famílias estáplantando espécies nativas da região como: mogno, aroeira, candeia da mata,paricá, castanha-do-pará, frutão, entre outras.

A Copatiorô vem trabalhando com essas famílias a integração do sistemade produção introduzindo, além dos SAFs, a venda residual de madeira extraídados remanescentes florestais e a criação de pequenos animais, como porcos,aves, abelhas (apicultura) e peixes (piscicultura).

A lavoura branca também tem sido incentivada de forma que a segurançaalimentar dos AFs seja restabelecida em todos os níveis em roças com milho,arroz e feijão. Enfatizamos que essa parte da produção é dirigida sobretudopara o consumo das famílias com manejo de leguminosas e rotação de culturasem uma mesma área evitando assim novas áreas de desmatamento.

g. AvaliaçãoA implantação dos SAFs tem apresentado um bom desenvolvimento. As

mudas e as sementes das plantas semi-perenes e perenes já foram plantadas.Apesar de este ano ter tido um menor índice pluviométrico, as plantas têmresistido bem à essa situação.

As famílias têm apresentado um bom grau de satisfação com a atividade,visando principalmente a melhoria da segurança alimentar e a geração alimen-tar a médio prazo e a espécies florestais a longo prazo. Todas estão participan-

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do das capacitações e estão implantando o seu sistema inserindo até outrasespécies, conforme observação in loco pela equipe técnica, embora haja umaexceção, em que a família vendeu a terra e desistiu de seu financiamento oca-sionado pela desagregação da família.

Apesar de ter havido a desistência de uma das famílias a equipe temavaliado que os trabalhos têm tido um bom resultado, pois as demais têmdemonstrado um bom interesse, principalmente por já termos implantadoalguns SAFs com outros recursos e estes apresentarem uma boa produção jáestando com oito anos.

Esperamos que o Pronaf Florestal se apresente como uma alternativa deimplantação de SAFs e também venha a incentivar/facilitar as famílias, fatoesse que já vem ocorrendo, pois a região encontra-se com uma demanda quali-ficada de 96 famílias para o próximo ano agrícola.

1 Uma referência ao número de telefone criado pela SAF especialmente para receberreclamações ligadas ao Pronaf: 0800 787000.2 Essa análise valeu-se de quatro“atributos da sustentabilidade”: a) produtividade(ouseja, a capacidade do agroecossistema prover o nível adequado de bens, serviços eretorno econômico para a família); b) estabilidade (a capacidade de o sistema man-ter ou aumentar a produtividade ao longo do tempo); c) resiliência ou resistência (acapacidade do sistema em absorver os efeitos de perturbações graves, retornandoao estado de equilíbrio, mantendo o potencial produtivo); d) autonomia: (a capaci-dade de o sistema regular e controlar suas relações com agentes externos - bancos,atacadistas, etc.).3 Na época, o Banco do Nordeste era o único banco que operava com o Pronaf noestado da Paraíba. Atualmente o Banco do Brasil também passou a operar com oPronaf.4 Soubemos que essa questão foi resolvida no Plano Safra 2005/2006: atualmente épossível o Pronaf financiar as atividades de recria e engorda.

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Capítulo 3

Subgrupo de trabalho sobre proambienteCoordenadores: Fábio Pacheco (Tijupá) e Vânia de Carvalho (Fase)

1. Relatório

2. Apresentação do Programa de Desenvolvimento Socioambiental da ProduçãoFamiliar Rural (Proambiente)

3. Resumo das experiências apresentadas

3.1. Pólo Baixada Maranhense – Cooperativa de Serviços, Pesquisa e As-sessoria Técnica (Coospat)

3.2. Pronaf Semi-Árido – Pólo da Borborema - Paraíba

2.3. Pólo Noroeste do Mato Grosso – Associação Juinense Organizadapara a Ajuda Mútua (Ajopam)

1. Relatório do subgrupo ProambienteRelatores: Vânia de Carvalho e Fábio Pacheco

Participantes: 59 pessoas de 33 entidades de 16 estados,com a participação de quase 50% de mulheres

Após uma apresentação do Proambiente e de três experiências de PólosPiloto do programa, a plenária discutiu tanto as apresentações como outrasexperiências e chegou às seguintes conclusões:

1.1. Avanços

• Superação da visão economicista da “remuneração dos serviços ambientais”.

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• Envolvimento das mulheres (família) nas discussões.

• Disseminação dos princípios da agroecologia e crescimento do nível deconsciência ambiental das famílias envolvidas, o que levou à diminui-ção imediata do uso de pesticidas; a uma visão integrada da proprieda-de; a que cada família envolvida fizesse o planejamento, a longo prazo,da propriedade; e à conservação e recuperação de áreas degradadas,principalmente de Áreas de Preservação Permanente (APPs).

• Maior presença da assistência técnica nas propriedades.

• Melhora na comercialização da produção.

1.2. Problemas

• Falha no cronograma de recursos financeiros.

• Falta de garantia de recursos para compensação financeira (a nãooperacionalização do fundo socioambiental devido à falta de legisla-ção), criando expectativa entre as famílias.

• Programa ainda não priorizado pelo Governo Federal devido à ausênciade um marco legal para garantir recursos para o fundo.

1.3. Propostas

• Definição legal dos princípios dos serviços ambientais a partir do Pro-grama Proambiente.

• Regulamentação dos serviços ambientais.

• Definição legal das fontes do orçamento público para efetivação daconstituição do fundo.

• Definição de uma linha de crédito diferenciada dentro do ProgramaNacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) que preve-ja o rebate e um tempo maior de pagamento para o público doProambiente, tendo como referência os cadastros e planos de utilizaçãodas Unidades de Produção Familiares (UPFs).

• Consolidar os pólos existentes a partir das questões apontadas anteri-ormente tendo como prazo até 2007, efetivando a nacionalização doprograma.

• Dar prioridade ao Proambiente na pauta da Articulação Nacional deAgroecologia (ANA) e dos diversos atores sociais amazônicos, provo-cando uma ampla mobilização, em caráter estadual, regional e nacio-nal, com manifestações e elaboração de documentos públicos.

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1.4. Questões gerais

A falta de profissionais com formação em agroecologia gera dificuldadesna comunicação e falta de garantia de Assistência Técnica e Extensão Rural(Ater). Diante disso, a proposta seria haver maior intercâmbio (elo de comuni-cação) entre técnicos e agricultores e entre os pólos.

2. Apresentação do ProambienteShigeo Shiki: gerente do Proambiente (Ministério do Meio Ambiente)

O Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Ru-ral da Amazônia (Proambiente) surge por uma demanda da sociedade civil –organizações de agricultores(as) familiares, extrativistas e pescadores(as) – deuso dos recursos naturais para a geração de renda com um menor impactoambiental. Essa proposta de programa nasceu do Grito da Amazônia/2000, or-ganizado pelos movimentos sociais liderados pela Federação dos Trabalhadorese Trabalhadoras da Agricultura (Fetag); pelo Movimento Nacional dos Pescado-res (Monape) e pela Coordenação das Organizações Indígenas da AmazôniaBrasileira (Coiab).

A partir de 2004, o Proambiente passa a incorporar o Programa Plurianual(PPA) de 2004-2007 do governo Lula, adquirindo assim um caráter nacional.

O Proambiente visa tanto a construção de modelos de produção de menorimpacto ambiental (agroecológicos) como também a recuperação e conserva-ção do ambiente natural pelos(as) próprios(as) produtores(as), sendo essesserviços reconhecidos pelo poder público e pela coletividade como um serviçode importância para a melhoria da qualidade de vida geral. Por adotarem práti-cas agroecológicas, esses produtores são considerados como prestadores deserviços ambientais que devem ser remunerados de alguma forma (financeira,prestação de Ater, crédito diferenciado, apoio à comercialização, etc.).

Entre os mencionados serviços ambientais, podemos citar: a redução dodesmatamento, conservação do solo, conservação da água, preservação dabiodiversidade, redução do risco do fogo, redução do uso de agrotóxicos eabsorção do carbono atmosférico. Essas atividades podem tanto buscar o au-mento da renda como dirigir-se à recuperação ambiental.

O Proambiente por enquanto somente está sendo experimentado em dozeprojetos chamados pólos, localizados nos nove estados da Amazônia legal. OProambiente é um projeto piloto que tem a perspectiva de ser expandido paraoutros biomas brasileiros, mas que dependerá da experiência amazônica para

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ganhar mais força, pois atualmente encontra muitas dificuldades na execução,principalmente com relação ao repasse dos recursos para os pólos.

3. Resumo das experiências apresentadas

3.1. Proambiente: valorização dos serviços ambientais nos espaços deprodução rural – Pólo da Baixada Maranhense

Laurilene Muniz da Cooperativa de Serviços, Pesquisa e Assessoria Técnica(Coospat) - Pólo da Baixada Maranhense

A primeira ação do Proambiente no Maranhão acontece em 2002, quandofoi realizado o I Encontro Estadual de Agricultura Familiar e Extrativismo em SãoLuís. O evento, promovido por representantes das instituições idealizadoras daproposta, tinha como objetivo a divulgação e socialização do programa, bemcomo a criação do Conselho Estadual do Proambiente (Conges) e, principalmen-te, a indicação da região na qual seria implantado o programa no Maranhão.Por meio de votação, e em virtude de apresentar uma maior representatividadede lideranças locais, a região da Baixada Maranhense foi escolhida para ser oPólo Pioneiro do Proambiente, abrangendo, inicialmente, os municípios de Viana,Matinha, Penalva, Vitória do Mearim e São João Batista.

O Conges teve como atividade inicial a definição de uma entidade executo-ra que obedecesse a um perfil de trabalho junto à agricultura familiar comenfoque nos princípios agroecológicos. Atendendo a esses requisitos, a Coope-rativa de Serviços, Pesquisa e Assessoria Técnica (Coospat) foi eleita para exe-cução do programa, responsabilizando-se pela elaboração do projeto e pelaformação da equipe de assessoria técnica, implantando dessa forma o PóloProambiente Baixada Maranhense.

O Pólo Proambiente Baixada Maranhense começa suas atividades na regiãopor meio de seminários de nivelamento nos municípios, com o objetivo depromover o entendimento e a compreensão do público-alvo como também daslideranças locais. Posteriormente ocorre no município de Viana um seminárioregional para a formação do Conselho Gestor do Pólo (Congep), composto porlideranças sindicais, membros da sociedade civil e poder público municipal.

No primeiro ano de atuação do pólo, considerado como de estudo paraconhecimento da realidade local (estudo macro) de execução do programa, éelaborado o Diagnóstico e Plano de Desenvolvimento Sustentável do Pólo, comenfoque em quatro pontos temáticos de organização, infra-estrutura, sistemasde produção e processo de comercialização, utilizando uma metodologia

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participativa respeitando-se as questões de gênero, geração e etnia. O Plano deDesenvolvimento Sustentável do Pólo Proambiente Baixada Maranhense foiaprovado durante a Assembléia dos 500, quando se fizeram presentes agriculto-res e agricultoras dos cincos municípios que compõem o pólo, além de lideran-ças sindicais, representantes da sociedade civil, entidades parceiras e membrosdas esferas municipal, estadual e federal.

O segundo ano de estudo (micro) iniciou-se com o cadastro e seleção dasfamílias, estruturando-se o pólo em sete núcleos comunitários englobando osmunicípios de Viana, Matinha, Vitória do Mearim e Penalva e totalizando 210famílias até o final de 2005. Posteriormente foi feita a elaboração dos Planosde Utilização (PUs) das Unidades Produtivas Familiares (UPFs) respeitando-se aproposta de prestação dos serviços ambientais.

Atualmente o programa encontra-se em processo de assessoria técnica juntoàs famílias, tendo como metas a elaboração e revisão de PUs, a construção deAcordos Comunitários, visitas técnicas de monitoramento e orientação para exe-cução dos PUs nas unidades de produção.

Nesse processo participativo a equipe de assessoria técnica passa a serformada, também, por agricultores e agricultoras escolhidos pelas famílias dosnúcleos comunitários para exercerem a função de agentes agroecológicos, faci-litando, dessa forma, o processo de assessoria junto às famílias.

Entre as categorias participantes da experiência, estão agricultores famili-ares, mulheres agricultoras e assentados. Os primeiros caracterizam-se por ex-plorar a terra com roçado, num sistema de derruba e queima representado,principalmente, pelas culturas da mandioca, arroz, milho e feijão. Eventual-mente, atividades como a pesca artesanal e fabrico do carvão também têm umpapel na economia familiar.

Já as mulheres agricultoras, em sua grande maioria, participam da atividade deroça nas tarefas de plantio, capinas e colheitas e beneficiamento. Contudo, valeressaltar que, apesar de fazerem uma leitura de que apenas ajudam nas tarefas, asmulheres se encarregam das atividades domésticas, da criação de pequenos animais(galinha caipira), da coleta e quebra do coco babaçu, bem como do fabrico docarvão a partir das cascas do coco. O extrativismo do coco babaçu, para algumasfamílias, representa aproximadamente 50% da renda familiar.

Com relação ao grupo dos assentados provenientes de reforma agrária doInstituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), estes se asseme-lham à categoria dos agricultores familiares, apresentando como diferencialatividades de bovinocultura, em virtude de serem beneficiários do Pronaf Acom investimento para gado.

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As atividades de produção nas UPFs são desenvolvidas em áreas de capoei-ra com tempo médio de pousio de três a quatro anos, demonstrando fragilidadedo sistema de cultivo por ser baseado no trinômio derruba-queima-pousio. Écomum as atividades ultrapassarem os limites de capoeiras, utilizando tambémáreas destinadas a Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente (APPs),sobretudo as matas ciliares.

No que tange a questão fundiária, as UPFs do pólo são caracterizadas, emsua maioria, por terras de herança e terras do Estado. Apresentam-se, também,como terras de reforma agrária, compreendendo três núcleos em dois municípi-os. As famílias estão inseridas em um contexto organizacional estruturado porrelações de parentesco e associativismo formal por meio dos sindicatos de tra-balhadores e trabalhadoras rurais e associações comunitárias de produtores.

Principais pontos de conversão de uso da terra das atuais unidades de produção

√ Conversão do sistema de roçados de corte e queima em sistema detransição com queimada controlada e iniciativas de conversão em sis-tema sem queima e adubação verde a partir do segundo e terceiro ano.

√ Pousio de capoeiras por três a cinco anos, objetivando a implantaçãofutura de roçados já numa perspectiva de não uso do fogo.

√ Recuperação de mata ciliar, predominando o açaí como espécie a serinserida e/ou replantada.

√ Consórcio de plantas perenes com arranjos que permitam a estruturação desistemas agroflorestais. Essa conversão, em geral, objetiva também acomplementação do percentual relativo à reserva legal da unidade familiar.

√ Definição da Reserva Legal, adotando práticas que permitam a recupe-ração e/ou consolidação do ecossistema. As práticas mais dominantesrumam na perspectiva da sucessão natural, do extrativismo do babaçu,do manejo da madeira para uso doméstico e na agroindústria, do mane-jo da fauna, destacando-se o manejo da abelha.

√ Criação de pequenos animais, como peixes (piscicultura) e cabras(caprinocultura).

√ Construção de açudes para atender a atividade de piscicultura e comoreservatório para abastecimento da criação, sobretudo dos bovinos.

O processo de conversão de uso da terra das atuais unidades de produçãona perspectiva de manejo ecológico dar-se-á de forma gradativa, pois aindaestão presentes entre as famílias a expectativa e práticas na linha do manejo

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tradicional e/ou convencional. Por isso, as capacitações e trocas de experiênci-as serão de fundamental importância logo no primeiro ano. Os conteúdos des-sas capacitações devem atender as demandas das famílias e abordar: o manejoecológico do solo, o manejo e uso múltiplo da floresta, a criação ecológica, aprodução de mudas florestais, bem a agroecologia, gestão participativa ecomercialização coletiva.

Estratégias políticas para fortalecimento do Programa no Pólo Baixada Maranhense

Pelo próprio caráter desafiador do programa, que busca redesenhar o espa-ço rural numa perspectiva de mudança de cenários, a sua sustentabilidade econtinuidade passam pelo empoderamento das famílias a partir de uma com-preensão política e técnica, visando o envolvimento efetivo das entidades debase, iniciando pelos STRs. Nesse contexto, é de vital importância que o Conse-lho Gestor do Pólo, funcionando como interface desse processo, possa inteirar-se do seu papel a partir do entendimento de gestão autônoma capaz de promo-ver interlocuções tanto no campo específico com as famílias quanto na esferapública municipal.

Portanto, para que haja o fortalecimento do programa, torna-se necessárioreverter o atual quadro de não envolvimento integral de algumas prefeiturasmunicipais e órgãos estaduais. E será assim que poderá tornar-se uma políticapública capaz de instrumentalizar a execução e consolidação de ações aponta-das no Plano de Desenvolvimento do Pólo, gerando com isso melhoria de qua-lidade de vida para as famílias.

Outro aspecto a ser destacado é a importância da criação de uma rede dearticulação de parceria com entidades governamentais e não-governamentaisque possam dar suporte às capacitações e treinamentos das famílias em práti-cas agroecológicas, bem como possam promover intercâmbios e visitas técni-cas para que os agricultores e agricultoras consigam visualizar e conhecer ex-periências concretas e auto-sustentáveis como proposta de mudanças para asatuais atividades agropecuárias desenvolvidas nas UPFs.

3.2. Proambiente – Pólo pioneiro noroeste de Mato Grosso

Sistematização: Eder Luiz Weber (Ajopam)

O Proambiente é um programa piloto que começou a ser discutido na re-gião Noroeste de Mato Grosso no primeiro semestre do ano de 2001, pólo queabrange o município de Juína e seus distritos. Já nesse período, a Associação

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Juinense Organizada para Ajuda Mútua (Ajopam) foi escolhida como entidade exe-cutora do programa no pólo pelas demais entidades parceiras que compõem o Con-selho Gestor do Pólo (Congep), sendo elas: Secretaria Municipal de Agricultura eMeio Ambiente (Samma), Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), Ibama,Empresa Mato-Grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer), Insti-tuto de Defesa Agropecuária (Indea), Comissão Pastoral da Terra (CPT), AssociaçãoMunicipal dos Produtores Feirantes de Juína (Aprofeju), Pastoral da Saúde, Pastoralda Criança, Associação Agrossocioambiental (Aasa) e STR.

Em 2004 foram liberados os primeiros recursos para a contratação da equipe técnica.

Entre as primeiras atividades realizadas no pólo, esteve a divulgação doprograma nos meios de comunicação do município, com o objetivo de despertaro interesse nos produtores.

Em seguida foi realizado um seminário, a fim de apresentar melhor o programaaos agricultores e realizar o cadastramento das 300 famílias interessadas.

As famílias foram distribuídas em doze grupos com aproximadamente 25famílias. Cada grupo elegeu um agente comunitário, que deveria apresentar umcerto perfil, já que passaria a fazer parte da equipe técnica do programa nopólo juntamente com quatro Técnicos de Nível Médio (TNM) e um Técnico deNível Superior. Desta forma, cada TNM ficou responsável por acompanhar trêsgrupos de famílias.

Logo no início do programa, foram realizadas, em campo, oficinas deagroecologia junto aos grupos. Em seguida, os técnicos realizaram uma ativida-de que chamamos de diagnóstico das Unidades de Produção Familiares (UPFs),que foi realizada pelo técnico, pelo agente comunitário e pela família. Ametodologia de desenvolvimento e construção desse produto foi participativa,envolvendo toda a família, e as principais ferramentas utilizadas foram: cami-nhada transversal pela UPF, construção do croqui atual da propriedade e coletade dados sobre renda, atividades e situação dos diferentes subsistemas de pro-dução e conservação de APPs e Reserva Legal.

No intervalo entre uma visita e outra da equipe técnica, as famílias ficaramresponsáveis por construir um croqui futuro da UPF, ou seja, colocar no papeltodos os sonhos de transformação da propriedade. Esse croqui serviu de basepara o planejamento das UPFs, que foi realizado em seguida, e também paraidentificar os pontos de conversão necessários em cada unidade.

Quando todas as famílias já tinham seus planejamentos, foi o momentodos grupos de famílias formularem seus Acordos Comunitários, nos quais cadafamília assume com o grupo algumas medidas possíveis de serem mudadas em

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benefício da conservação e reposição de ecossistemas, além de se comprometera utilizar práticas de manejo na produção menos agressivas ao solo, à água, aoar e ao meio ambiente.

Paralelamente a essas atividades, outras foram acontecendo nos grupos,tais como:

• Oficinas de produção de compostagem.

• Oficinas de produção de caldas e biofertilizantes.

• Oficina para disseminação e uso de controle biológico para pragas e doenças.

• Assistência técnica às UPFs.

Todo esse trabalho tem surtido vários efeitos positivos. Dentre eles pode-mos destacar alguns:

√ Crescimento do nível de consciência ambiental das famílias envolvidas.

√ Envolvimento da família nas discussões.

√ Diminuição imediata do uso de pesticidas.

√ Disseminação da agroecologia.

√ Diversificação da produção.

√ Assistência técnica nas propriedades.

√ Comercialização da produção.

√ Cada família envolvida tem o planejamento a curto, médio e longoprazo da propriedade.

√ Conservação e recuperação de áreas degradadas, principalmente APPs.

Porém, nem tudo foi conquistado nesse período. Temos algumas limita-ções a serem superadas:

• Recursos para a manutenção da equipe técnica.

• Profissionais habilitados em agroecologia.

• Comunicação deficiente entre vários cenários.

• Execução das atividades de acordo com o planejamento das UPFs.

• Difícil acesso às linhas de crédito.

• Vizinhança (divisa) com produtores convencionais.

Para resolver essas situações, enxergamos algumas possíveis saídas:

• Capacitar cada vez mais os profissionais envolvidos, bem como asfamílias.

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• Criar maior elo de contato entre produtores e entre produtores e a equi-pe técnica.

• Articular meios para que as famílias executem os planejamentos.

• Buscar a regularização fundiária das Unidades de Produção Familiares.

• Estimular as famílias do entorno a aderirem às novas técnicas de produção.

• Articular momentos de formação também para os demais membros dacomunidade.

Os principais objetivos do programa são unir e desenvolver os lados social,econômico e ambiental nas UPFs. Todos devem estar em equilíbrio, visando afixação do homem no campo, a geração de renda e a preservação e conservaçãodos recursos naturais.

1Entende-se por núcleo comunitário o agrupamento de famílias que aderiram à pro-posta do Proambiente, apresentando uma distribuição espacial, respeitando a pro-ximidade das unidades de produção familiar (escala de paisagem). Em 2006,tem-se a perspectiva de inclusão de mais um núcleo comunitário.

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Capítulo 4

Subgrupo de trabalho sobre fundos não-gover-namentais

Coordenador: José Camelo da Rocha (AS-PTA PB)

1. Relatório do subgrupo Fundos não-governamentais

2. Resumo das experiências apresentadas

2.1. Fundos Rotativos Solidários da Articulação do Semi-Árido (ASA) -Paraíba

2.2. Fundo Rotativo Banco da Mulher no Maranhão

2.3. Fundo de Crédito Solidário da Zona da Mata de Minas Gerais

2.4. Fundo Demana Amazônia

2.5. Cooperativa de Economia e Crédito Solidário (Ecosol) de Araponga/Minas Gerais

1. Relatório do subgrupo Financiamentos por fonte não-governamental

Relatora: Ghislaine Duque (UFCG)

a. Apresentação

O grupo, composto de cerca de 30 pessoas, analisou quatro experiênciasde financiamento da agricultura familiar agroecológica por fontes não-gover-namentais.

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Os Fundos Rotativos Solidários (FRS) praticados pela Articulação do Semi-Árido (ASA) na Paraíba para todas suas ações. Iniciados em 1993 pelas ONGsque compõem a ASA, os FRS são administrados por cada comunidade que deci-de coletivamente a seleção dos participantes e as formas de organização egestão. Apresenta diversas modalidades de reembolso. Não se cobram juros,mas certas comunidades prevêem o reajuste da devolução pelo valor do materi-al. Os FRS vêm cumprindo o objetivo de fortalecer a agricultura familiaragroecológica, reforçando a organização comunitária e a auto-estima das famí-lias. As organizações de assessoria cumprem um papel na formação técnica epolítica mediante intercâmbios, encontros, etc.

O Fundo Rotativo do Banco da Mulher, organizado pela Associação em Áreas deAssentamentos (Assema) no Maranhão, favorece o empoderamento das mulheres ea integração entre os membros da família, a partir do financiamento das atividadesdirigidas pelas mulheres (por exemplo, pequena criação e horticultura orgânica). Ovalor do crédito (hoje R$ 700,00), os prazos de reembolso (dois anos) e os juros(5,4% nos dois anos) são fixados pela Assema que gerencia o fundo.

Os Fundos de Crédito Solidário (FCS), organizados pela Associação Regional dosTrabalhadores Rurais da Zona da Mata de Minas Gerais, têm como objetivo fomentara geração de renda e a organização das agricultoras e agricultores. O projeto, indi-vidual ou em grupo, é apresentado pela associação local ou pelo STR filiado àassociação regional e é analisado e liberado por uma Comissão de Gestão compostade dois representantes da associação, dois representantes do Centro de TecnologiasAlternativas da Zona da Mata (CTA-ZM), enquanto parceiro, e um representante daComissão Regional de Mulheres. Os valores (R$ 5 mil para grupos e até R$ 1,5 milpara projetos individuais), a taxa de juros (6% ao ano) e o prazo de reembolso (até20 meses, com oito meses de carência) são fiscalizados pelo Conselho Regional,que dá grande atenção ao acompanhamento técnico do projeto. São previstas nor-mas quanto ao tipo de atividade financiada, à análise da gestão dos FCS, à repre-sentação das associações regionais na Comissão de Gestão, etc.

O Fundo Dema na Amazônia, cuja gestão é assegurada pela Fase-Amazô-nia, foi criado a partir da venda do mogno apreendido pelo Ibama, cujo valorformou um capital depositado em banco. São os rendimentos desse capital quefinanciam, a fundo perdido, projetos a favor das populações prejudicadas pelosdanos ambientais. O capital permanece intocado.

b. Análise

O grupo observou que, das quatro experiências apresentadas, três são namodalidade de fundos rotativos solidários, sendo um gerido pela comunidade e

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dois pelas organizações. A ges-tão pela comunidade favorece aauto-estima e o empoderamentodos agricultores e das agricul-toras familiares.

Quanto à quarta experiên-cia, a do Fundo Dema, trata-sede uma doação do poder públi-co. O capital é mantido e con-trolado pelo banco segundo pro-cedimentos burocráticos bancários próprios, mas a gestão é feita pela organi-zação, no caso a Fase. Não se trata de um fundo rotativo, pois o financiamentoé a fundo perdido. Cabe ressaltar um aspecto interessante, que é o fato de apunição dos prejuízos ambientais se tornar uma fonte de benefícios a favor dascomunidades das áreas devastadas.

c. Alcance das quatro experiências

Os FRS da Paraíba têm capilaridade em todo o estado. Atingem aproxima-damente 22 mil famílias em 147 municípios. Já os dois outros fundos são maislocalizados na área de abrangência da organização responsável.

Quanto ao Dema, ele atinge uma área bastante grande, mas tem limitaçõesquanto às famílias beneficiadas em função das exigências burocráticas do ban-co (por exemplo, documentação necessária).

d. Propostas

Reconhecendo a importância dos Fundos Rotativos Solidários geridos pe-las comunidades como forma de organização que contribui eficientemente paraa auto-estima, o empoderamento e a cidadania dos agricultores e das agricultorasfamiliares, recomenda-se que seja criada, no quadro da política pública de fi-nanciamento da agricultura familiar agroecológica, uma modalidade de financi-amento que alimente a poupança comunitária mediante esses fundos, permi-tindo a autonomia da comunidade na gestão dos recursos. Que a avaliação dosfundos leve em conta não apenas aspectos financeiros, mas também os impac-tos sobre o progresso da agroecologia, a capacitação das comunidades campo-nesas em termos de gestão e o empoderamento das famílias. Que todas asmultas aplicadas em decorrência de danos ambientais sejam destinadas ao fi-nanciamento de projetos em beneficio das populações prejudicadas e adminis-trados por elas na forma de fundos rotativos solidários.

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2. Resumo das experiências apresentadas

2.1. A ASA Paraíba e os Fundos Rotativos Solidários

Sistematização: José Waldir Costa (Patac)

a. Caracterização da região do Semi-Árido

A agricultura familiar no semi-árido brasileiro é caracterizada por diversidadesnos cultivos, nas espécies de criação animal e até nos costumes e(inter)relacionamentos, sejam individuais ou coletivos. Também manifesta histori-camente, no trato com as finanças, ricas e variadas formas de relação e lógicas paraotimização do trabalho, bem-estar familiar e garantia da produção, num sentimen-to mútuo de cumplicidade. Todos contribuem e igualmente recebem, sejambenfeitorias, respeito, apoio à produção e mesmo afirmação e reprodução da cultu-ra de relações que amenizam flagelos e permitem a convivência técnica, social eorganizativa. Assim, podemos dizer que a solidariedade, na agricultura familiar, éuma importante manifestação de crédito, vivenciada, no geral, no sentimento depertencimento à localidade onde se vive – entre os vizinhos, amigos e familiares –, onde cada um demonstra preocupações para com todos.

Essa cultura – viva expressão de resistência das comunidades empobrecidaspor muito tempo – ficou isolada nos grupos, que a desenvolvem mesmo semdiálogo entre eles, assim como sempre foi sufocada e sofreu pressões do siste-ma financeiro predominante, que a considera ineficaz por não gerar lastro edispensar o uso de papéis como moeda. Com o passar do tempo, muitas das antigaspráticas de organização e socialização do trabalho têm sido desvalorizadas, emboralembradas com certo saudosismo. Outras foram esquecidas e poucas têm permane-cido e/ou se moldado para atender as atuais exigências das comunidades. Assim éque afirmamos que as relações estabelecidas pela comunidade, seja com pessoasestranhas à lógica de solidariedade – como os fazendeiros –, seja com chefes polí-ticos ou comerciantes dos aglomerados urbanos, sempre foram conflituosas e desfa-voráveis às iniciativas de fortalecimento organizativo e mesmo econômicos dasfamílias agricultoras. A perspectiva do lucro, da produtividade e da acumulação decapital auxilia o descrédito no potencial local e traz consigo desvantagens à agri-cultura familiar e à identidade organizativa, desestruturando as dinâmicas sociaispor décadas construídas.

As famílias agricultoras, portanto, convivem em um espaço de rica afirma-ção existencial, mas também repleto de contraditórios desdobramentos. Parailustração, basta analisar que as famílias do semi-árido têm a água como escas-sa, uma verdadeira “dádiva divina”, e, assim sendo, quem tem água é guardião

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de um patrimônio com significado imensurável: “água não se nega”. Mas a lógica daespeculação – reforçada por políticas públicas governamentais – inunda vastasáreas com represas que simbolizam poder e dominação. Represas cercadas para nãodarem acesso logo a essa população, que contempla a divindade na chuva que cai,e vê-se desprovida dela que está logo ali, fora de seu alcance. Isso quebra todasimbologia que sua cultura de ser integrado foi capaz de absorver.

Com essa percepção, as organizações de apoio à agricultura familiar comenfoque agroecológico, no semi-árido paraibano, vêm motivando as comunida-des a descreverem por meio de gravuras, desenhos, mapas, linha cronológica oumesmo textos expressões de sua identidade histórica, cultural, produtiva e desociabilidade. Além disso, as incentivam a resgatarem sua história de cumplici-dades e vivências solidárias.

Uma das dinâmicas que melhor tem assimilado essa motivação é amobilização para a formação e gestão dos Fundos Rotativos Solidários paraapoio às iniciativas de experimentação técnica e produtiva e ao fortalecimentoorganizacional.

b. Os Fundos Rotativos Solidários (FRS)

A experiência com Fundos Rotativos Solidários (FRS) no Brasil e, em espe-cial, no Nordeste, tem sido estimulada desde a década de 1980, apostando deforma incisiva na perspectiva de quebra das estruturas geradoras de dependên-cia e empobrecimento das trabalhadoras e trabalhadores. Apesar dos tantosdesafios e do muito a conquistar para o fortalecimento dessa dinâmica, jáconstatamos significativas mudanças no comportamento e estruturação entreas pessoas, suas comunidades/localidades e nas políticas públicas governa-mentais e suas amarrações de fortalecimento à reprodução do sistema de de-pendências e concentração.

A experiência com FRS, relatada a seguir, está em aproximadamente milcomunidades distribuídas por 147 municípios do semi-árido paraibano, articu-lada na ação da ASA estadual. Participam desses FRS famílias agricultoras quese inserem em processos comunitários sócio-organizativos, com residência naárea rural e produção caracterizada pela diversidade de cultivos agrícolas ecriação animal voltada, primordialmente, para a auto segurança alimentar enutricional. Pessoas de todas as idades se inserem na experiência, embora oshomens e as mulheres responsáveis pelas famílias estejam em grande maioria,mesmo que os resultados contemplem toda a família.

Nessa dinâmica envolvem-se 350 organizações representativas e de apoioda agricultura familiar que interagem do espaço comunitário ao estadual, pas-

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sando por comissões municipais e regionais. As iniciativas com FRS presentesno estado se encontram e se retroalimentam nas dinâmicas da ASA Paraíba porsuas comissões de manejo da água, sementes e agrobiodiversidade, rede abelhae outras, sem que haja um espaço próprio para tratar de finanças solidáriasisoladamente. Participam, no entanto, no apoio e motivação aos FRSs, organi-zações juridicamente formalizadas e grupos informais nos diversos espaços (co-munitário, municipal e regional), contribuindo da mais variadas formas. A ex-periência é de fortalecimento dos processos sócio-organizativos, técnicos epolíticos junto às famílias agricultoras e suas organizações na construção egestão de um modelo de desenvolvimento pautado nos princípios da solidarie-dade e respeito ao meio ambiente. Iniciou em julho de 1993 – ano de seca emtodo Nordeste brasileiro – com apoio financeiro da ONG Patac captado junto àcooperação internacional para experimentações de armazenamento da água dechuva, sem ter o propósito inicial de estar motivando a formação dos FundosRotativos Solidários.

De fato, em 1993 centenas de municípios no semi-árido foram abastecidospor carros-pipa com água vinda de lugares de até 100 km de distância. Algumascomunidades não dispunham de reservatório adequado para receber a água,Caiçara, no município de Soledade, por exemplo, era uma delas. A saídaemergencial para a comunidade foi a escavação de um buraco em frente aogrupo escolar: “Era um buraco no chão batido sem revestimento nem cerca aoredor e os animais disputavam a água com as pessoas; os porcos se lambuza-vam dentro”, lembra José Maciel, morador de Caiçara. A prefeitura municipalhavia sido procurada anteriormente e transformara a fossa céptica da escolanuma cisterna para receber o carro-pipa, mas esta não resistiu e rompeu-se noprimeiro abastecimento.

Caiçara, no entanto, uma comunidade muito populosa e composta por agri-cultores familiares com pouquíssima terra, havia aprendido há bastante tempoa partilhar esforços, organizar mutirões e até um banco de sementes comunitá-rio “ já em 1983, com apoio da ONG Pracasa. A Igreja Católica e o Sindicato dosTrabalhadores Rurais de Soledade também estavam, desde 1989, motivandoações junto às comunidades para ampliação da capacidade de captação earmazenamento da água. Foi assim que no início de 1993 a igreja e o sindicatoformaram parceira com o Patac na execução do projeto Água é Vida, com apoiofinanceiro da Catholic Relief Service (CRS) e da Misereor, experimentando algu-mas tecnologias para reforçar o abastecimento das famílias com água de bebere cozinhar, como barreiros trincheira e cisternas de placas. O município deSoledade foi contemplado com 17 cisternas que foram encaminhadas para re-

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forçar as ações junto a quatro comunidades, entre elas Caiçara, por seu acúmulode iniciativas e organização e pela fragilidade no abastecimento.

A comunidade formou um grupo com dez famílias interessadas nas cister-nas para abastecimento familiar com água captada do telhado das própriasresidências. Havia uma cisterna para cada duas famílias envolvidas. As dezfamílias resolveram trabalhar em conjunto para a construção das cinco cister-nas, o que motivou a formação de um consórcio entre elas para garantir quecada uma ficasse com sua cisterna após determinado tempo. Assim, sortearam-se as famílias a serem contempladas com as cisternas recebidas da cooperaçãoe todas se comprometeram em ratear o valor de uma nova cisterna a cada anoconforme a capacidade de contribuição de cada uma delas. Com os valoresarrecadados em apenas três dos cinco anos previstos inicialmente, as dez famí-lias estavam contempladas. A comunidade contava com onze cisternas, sendodez familiares e uma construída no salão comunitário para receber o carro-pipa, se necessário.

A partir daí outros grupos de famílias foram estimulados na comunidade ena vizinhança, recebendo as primeiras cisternas das famílias já contempladas.Aos poucos essa idéia foi sendo incorporada a diversas iniciativas, tanto cole-tivas quanto familiares. Hoje Caiçara tem 87 cisternas construídas, sendo 67delas fruto dos rateios nos FRS, e aplicou sua experiência com esses fundos emações como cercas de tela para o sistema de criação animal, plantio de palmaforrageira, barragem subterrânea, tanques de pedras, animais e poços amazo-nas, entre outras.

O exemplo de comunidades como Caiçara sempre foi partilhado nos espa-ços de discussão regional com famílias agricultoras e mesmo na formação eprimeiros passos da ASA Paraíba. Muitas organizações de dentro e de fora doestado visitaram essas comunidades e motivaram a iniciativa em suas localida-des, sempre integrando os FRS aos processos de construção de cisternas. Comono caso do Centro de Educação Popular e Formação Sindical (CEPFS), que ado-tou a idéia no médio sertão. A partir do CEPFS, essa metodologia se estendeuno sertão. E assim a irradiação foi muito rápida por todo o estado.

A cisterna de placas ainda é responsável pela inserção da grande maioriados integrantes na dinâmica dos FRS na Paraíba, mesmo com a diversidade deatividades que os fundos têm motivado. Hoje podemos afirmar que os FRS sãoalimentadores de dinâmicas e ações que se refletem na transição da proprieda-de para produção agroecológica. Assim sendo, não há uma predeterminação deatividades a serem trabalhadas nem limites para apoios e experimentações. Oque existe são princípios e acordos que reforçam as dinâmicas - inclusive tradi-

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cionais –, valorizam as formas organizativas e de relações respeitosas entre aspessoas e das pessoas com o meio ambiente onde vivem, produzem e constro-em um modelo de desenvolvimento endógeno.

Esse estágio se deve à total autonomia de gestão que vem sendo construídanas comunidades há mais de uma década. A idéia inicial (1993) consistia emque haveria um retorno dos recursos repassados às comunidades a uma contacomum gerida pelo Patac ou por outras organizações de apoio regional. Noentanto, a experiência de Soledade e de algumas outras comunidades com ges-tão físico-financeira e organizativa compartilhada entre as famílias envolvidasdemonstrou que as ações para reforçar a organização e os processos emanci-patórios das comunidades são facilmente por elas apropriadas. Aliás, percebeu-se que as próprias comunidades têm melhor capacidade de gestão do que umaorganização que, ainda que as apóie, não viva seu cotidiano.

c. Gestão

A forma de gestão que melhor tem respondido ao anseio de autonomia,autogestão e auto-estima é construída com base nos seguintes indicativos:

– Existem comissões comunitárias formadas por membros de cada gruponas localidades para gestão do fundo, que assume formato de integraçãodas várias ações articuladas na comunidade. Então se organizam gruposde trabalho e de interesses, se discutem formas de repasse dos apoiosàs ações e se estabelecem critérios e normas adequadas para seremlocalmente apropriadas.

– Nos municípios, as várias comissões comunitárias e as organizações deapoio e da agricultura familiar, como Sindicatos de Trabalhadores Ru-rais (STRs) e igrejas, formam comissões de acompanhamento das expe-riências. Esse é um espaço de troca entre os vários grupos onde a pro-blemática vivenciada por um deles alimenta o processo junto aos de-mais. Também é um espaço onde se pensa o município a partir da açãodistribuída em cada localidade e se planejam as realizações e apoiosjunto aos vários grupos.

– Um conjunto de municípios próximos tem dinâmicas de interação com as co-missões municipais e/ou de várias comunidades de municípios distintos. Sãoespaços regionais de discussão e monitoramento das ações tendo como foco areflexão das experiências e a aproximação das políticas públicas comoalimentadoras da dinâmica. Nesse espaço também estão presentes organizaçõesnão-governamentais que apóiam e articulam as iniciativas, além de prestaremassessoria técnica e organizativa de promoção agroecológica.

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– Nos espaços organizativos e eventos da ASA Paraíba, as várias experi-ências têm dialogado. Esse também tem sido um espaço onde há refle-xão sobre algumas questões de ordem jurídico-administrativa e onde sefaz a leitura dos princípios que norteiam essa teia de dinâmicas e forta-lecimento da agricultura familiar agroecológica.

A gestão não tem, portanto, ficado limitada à quantia de dinheiro arreca-dado em um dado momento. Às vezes é estimulada pelos recursos disponíveis,mas tem se dado de verdade a partir das demandas e dos acúmulos das famíliasna própria localidade.

d. Conclusão

A motivação inicial para a formação dos Fundos Rotativos Solidários se deupela necessidade de ampliar o acesso de novas famílias às iniciativas de orga-nização e estruturação dos meios de produção, de forma apropriada. Os fundoscumpriam, portanto, a função de alimentadores das iniciativas julgadas estra-tégicas para contribuir na construção de uma nova sociedade. Com o passar dotempo, a estratégia de constituição dos FRS foi ganhando expressão e vidaprópria, conquistando, em particular, um dinamismo organizativo. Os FRS pas-saram então a ser considerados também como uma iniciativa de promoção eestruturação comunitária, e não mais só alimentadores delas. Foi assim que,em 2003, a ASA Paraíba, por ocasião do lançamento do Programa Um Milhão deCisternas (P1MC), compreendeu a necessidade de inversão da perspectiva detê-los como multiplicadores de cisternas junto a um número maior de famílias,embora tenha continuado a estimular a constituição dos fundos como estraté-gia de fortalecimento comunitário. Porém, como não houve investimento es-tratégico para a qualificação dessa ação, a conseqüência foi que mesmo osgrupos e comunidades com experiência em FRS anteriores ao P1MC têm mani-festado dificuldades para tratamento do tema e cumprimento dos acordos lo-calmente assumidos.

A abrangência de um grande número de famílias em um curto espaço detempo, com a expansão da dinâmica dos FRS para novos municípios e novascomunidades (possibilitada pelo P1MC, a partir de 2003), tem sido, surpreen-dentemente, uma das oportunidades de aproximação da temática com setoresdo governo, proporcionando a quebra de limites para que os fundos sejamassumidos por políticas estruturantes, capazes de gerar processos emancipatóriosnas comunidades. Prova disso é que está em pauta a Constituição do ProgramaNacional de Apoio aos FRS, que deverá ser assumido pelo governo federal.

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2.2. Banco da Mulher

Sistematização: Graciléia de Brito Sousa (Assema)

a. Localização

Região do Médio Mearim, no estado do Maranhão, incluindo os municípiosde Lago do Junco, Lago dos Rodrigues, Esperantinópolis, Lima Campos, Peritoró,São Luiz Gonzada e Capinzal do Norte. A região encontra-se na Pré-Amazônia,com predominância dos babaçuais.

b. Público

Participam dessa experiência 36 famílias, sendo: 31 homens adultos, 38 mulheresadultas, 28 homens jovens e 25 mulheres jovens que se identificam como extrativistas.

c. Organizações que participam da construção da experiência

• Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema)– entidade de apoio.

• Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais de Lago do Junco e Lagodos Rodrigues (AMTR).

• Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas deEsperantinópolis (Coppaesp).

• Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (RegionalMédio Mearim).

d. Objetivo do financiamento

• O Banco da Mulher oferece microcrédito para diversas atividades produ-tivas das famílias visando garantir a segurança alimentar e nutricional.

e. Histórico da experiência

A partir da conquista da terra ocorrida entre as décadas de 1970 e 1980, asfamílias dessa região organizaram-se de várias formas, criando associações deprodutores, cooperativas, Escolas Família Agrícola (EFAs) e grupos de mulheres.

As trabalhadoras quebradeiras de coco protagonizaram um dos mais signi-ficativos processos de organização, rompendo com os vínculos que as subordi-navam aos proprietários dos babaçuais e a comerciantes. A autonomia conquis-tada pelo movimento se deu tanto no plano político como no econômico.

As organizações das quebradeiras de coco voltaram-se para investir naagregação de valor ao produto do extrativismo, passando de vendedoras de

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matéria-prima (a amêndoa do coco) a produtoras de óleo orgânico e, maistarde, processando o óleo para produzir sabonetes naturais. O investimento embeneficiamento de produtos diversificou-se, incluindo doces e licores.

Visando fortalecer os grupos de quebradeiras de coco, a Assema desenvol-veu, a partir de 2002, a iniciativa de criar um fundo rotativo intitulado Bancoda Mulher. Esses microcréditos tiveram por objetivo financiar pequenos proje-tos das mulheres organizadas com o fim de garantir a segurança alimentar enutricional das famílias.

Os projetos levaram à diversificação das unidades de produção familiar,melhorando e ampliando a produção de hortaliças, de várias criações e de grãos.

O Banco da Mulher empresta um valor máximo de R$ 700,00 por família,iniciando em 2002 com créditos para projetos produtivos de 15 mulheres. Ocrédito tem dois anos de carência e juros de 1% ao ano. No ano de 2006, 21novos projetos foram financiados em parte com o retorno de 85% dos recursosdos primeiros empréstimos e outro com novos recursos mobilizados pela Assema.

f. Gestão

As organizações das trabalhadoras quebradeiras de coco gerem os recursosdo banco, selecionando os projetos e verificando os pagamentos.

g. Avaliação

A experiência provou a viabilidade de se financiar projetos de segurançaalimentar sem burocracia e a custos baixos assumidos pelo trabalho voluntáriodas organizações de mulheres que gerem os fundos. É um crédito ao alcance dacapacidade de pagamento das mulheres e de fácil acesso pelas interessadas naescala em que está operando.

h. Políticas públicas

O Estado deveria fortalecer e multiplicar esse tipo de crédito provendo,através de doações, as condições para que esses fundos rotativos deslanchem.

2.3. Fundo de Crédito Rotativo (FCR)

Sistematização: Sérgio da Silva Abrahão (CTA-ZM)

a. Localização

• Estado: Minas Gerais

• Região: Zona da Mata

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• Municípios: Divino, Orizânia, Espera Feliz, Caparaó, Tombos, Pedra Dou-rada, Carangola, Acaiaca, Visconde do Rio Branco, Araponga, Ervália,Guidoval e Paula Cândido

• Bioma/região ecológica: Mata Atlântica

b. PúblicoOs participantes da experiência se identificam como agricultores(as)

familiares.

O FCR é destinado a agricultores(as) filiados às associações locais e STRs asso-ciados à Associação Regional de Trabalhadores Rurais da Zona da Mata (MG).

c. Papel das organizações

O trabalho de gestão do FCR é executado por uma comissão denominadaComissão de Gestão do Fundo de Crédito Rotativo.

Composição da Comissão:

– Dois representantes da Associação Regional dos Trabalhadores Ruraisda Zona da Mata.

– Dois representantes do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona daMata (CTA-ZM).

– Um representante da Comissão Regional de Mulheres da Zona da Mata.

Principais funções da Comissão:

– Analisar e selecionar os projetos apresentados ao FCR.

– Acompanhar e orientar a gestão administrativo-financeira dos recursos do FCR.

– Contribuir na resolução de dificuldades técnicas que venham a ocorrerna implementação dos projetos financiados pelo FCR.

– Promover encontros e eventos de capacitação com os beneficiários do FCR.

– Acompanhar e monitorar os projetos financiados pelo FCR

Especificamente, as organizações que atuam nesse trabalho exercem asseguintes funções:

Associação Regional dos Trabalhadores Rurais da Zona da Mata

– Executa a contabilidade do FCR (repassar e receber empréstimos, emitirdocumentos aos beneficiários, controlar o fluxo de caixa, etc).

– Mantém informadas as organizações associadas.

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Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM)

– Promove os eventos de capacitação.

– Assiste tecnicamente os projetos.

Associações locais e STRs

– Divulgam o FCR nos municípios.

– Articulam os(as) agricultores(as) para a participação nos eventos do FCR.

– Respaldam os(as) proponentes dos projetos.

– Colaboram na elaboração dos projetos.

d. Objetivo do financiamentoO principal objetivo do FCR é fomentar iniciativas de geração de renda de

famílias e organizações de agricultores(as) a partir de crédito devolutivo. Aprioridade é dada ao financiamento de atividades de beneficiamento,agroindustrialização e comercialização. Entretanto, nos casos de propostas co-letivas, são também financiados projetos para compra de insumos, capital degiro e produção de artesanato.

e. Histórico

O Fundo de Crédito Rotativo (FCR) é um fundo de financiamento devolutivocriado no ano de 2000 pela Associação Regional dos Trabalhadores Rurais da Zonada Mata em parceria com o CTA-ZM. Seu objetivo principal é fomentar iniciativas degeração de renda das famílias e organizações de agricultores(as) vinculadas à asso-ciação regional. Tem como prioridade financiar atividades de beneficiamento,agroindustrialização, comercialização e compra coletiva de insumos.

A gestão do FCR é feita por meio de uma comissão formada por membrosda associação regional e do CTA-ZM. Para aquisição do financiamento, os(as)proponentes apresentam um pequeno projeto. Em caso de dificuldade para es-crever o projeto, o(a) proponente procura a organização a que pertence, oumesmo a associação regional ou o CTA-ZM, para obter auxílio na elaboração doprojeto. A proposta do projeto deve ser sustentada nos aspectos sociais,ambientais e de gênero.

Os recursos para composição do FCR foram adquiridos a partir de doaçõesde projetos do CTA-ZM e também da Cáritas/MG. O montante de recursos movi-mentado entre empréstimos, devoluções e aplicações está em torno de R$ 100mil. Desse montante, 30% se destinam exclusivamente a projetos administra-dos e executados por mulheres e os 70% restantes podem ser utilizados pelos

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grupos, organizações, homens e mulheres. Para projetos coletivos, o valor em-prestado é em torno de R$ 5 mil, e para projetos individuais o valor é de R$ 1,5mil. A taxa de juros é de 6% ao ano, mas, se for pago em dia, será de 4% aoano. O prazo para pagamento é de 20 meses, sendo de até oito meses o tempode carência. Até abril de 2006, o FCR beneficiou, diretamente, 270 famílias e,entre os resultados do FCR, podemos destacar: a geração de serviços na propri-edade contribuindo para a manutenção da família na roça; a oportunidade definanciamento de atividades que muitas vezes não podem ser financiadas pelocrédito formal; o incentivo à diversificação e/ou ampliação da produção; e oincentivo financeiro para projeto de mulheres.

f. Gestão

Existem vários espaços de discussão e de tomada de decisão (reuniões daComissão de Gestão do FCR, Encontros de Avaliação do FCR, reuniões da Asso-ciação Regional, etc) onde se dá todo o processo de gestão do FCR. Cada umdesses espaços segue um cronograma próprio, sendo alguns especificamentecriados com a função de gerir o FCR.

g. Avaliação

De uma forma geral, o aporte financeiro aplicado ao projeto, via FCR, temcontribuído para manter ou ampliar os postos de trabalho e as formas de gera-ção de renda das famílias e/ou grupos de agricultores(as), pois essa injeção derecursos cria novos serviços ou incrementa os já existentes na propriedade.

Uma análise mais qualitativa, levando em consideração algumas formas decondução dos projetos e alguns fatores que influenciam o seu percurso, indica que:

– Quando a atividade proposta no projeto já estava em andamento, antesdo aporte financeiro do FCR, há uma maior chance de sucesso e normal-mente esse recurso potencializa a atividade;

– As experiências anteriores da família ou grupo com atividades iguais ou seme-lhantes à proposta do projeto garantem uma maior possibilidade de êxito;

– O grau de conscientização do(a) proponente em relação aos fatores derisco e de oportunidades que podem influenciar no desempenho doprojeto, associado à forma de gestão do recurso emprestado, tem rela-ção direta com o sucesso ou insucesso do projeto;

– A forma de ver ou quantificar o lucro, ou seja, o conceito de lucro paramuitos(as) agricultores(as) familiares, leva em consideração elementosque normalmente não fazem parte da contabilidade clássica. A percep-

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ção desses elementos como forma de renda leva-os a afirmar que oapoio financeiro do FCR contribui para aumentar a renda da família.

h. Políticas Públicas

Dependendo do olhar, esta atividade pode ser considerada ilegal. Políticaspúblicas que, de alguma forma, possam abonar essa atividade dariam maissegurança para as organizações envolvidas e incentivariam o crescimento des-se tipo de iniciativa.

Regras gerais do FCR

Quem pode usar o FCR?

O projeto poderá ser apresentado individualmente, em grupo ou pela associa-ção local ou STR, desde que filiados à Associação Regional dos Trabalhadores Ruraisda Zona da Mata e em dia para com suas obrigações de associado. Os projetosdeverão ser encaminhados com uma carta de apresentação da associação ou STR dorespectivo município, os quais se responsabilizarão como avalistas pelo pagamentodo projeto e farão o acompanhamento junto com a Comissão de Gestão do FCR.

Que atividades financia?

Atividades de beneficiamento, agroindustrialização e comercialização.

Compra de insumos, capital de giro e para produção de artesanato.

• Para capital de giro e aquisição de insumos (calcáreo, adubo, semente,biofertilizante), só serão financiados projetos coletivos, para as associ-ações, STRs ou grupos vinculados a essas organizações.

• Projetos para compra de insumos deverão abranger um número mínimode cinco famílias, tendo como teto o valor de R$ 300,00 por família.

• Não serão financiadas atividades de custeio para plantio e culturas anuaise permanentes como arroz, feijão, cana e milho.

• O FCR deverá ter uma linha específica para o financiamento do café orgânico.

Como é o projeto?

Para conseguir o financiamento do FCR a pessoa ou organização deveráapresentar um projeto que demonstre que a atividade não vai dar prejuízo e queaponte as datas de devolução do dinheiro.

No caso de dificuldade para escrever o projeto, a pessoa ou organizaçãopoderá enviar uma carta dizendo o que pretende financiar com o dinheiro dofundo e solicitando apoio para escrever o projeto.

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Agrotóxico não!

A proposta deve apresentar a sustentabilidade da atividade, nos aspectossociais, ambientais e de gênero. Sendo assim, o FCR não financiará projetos empropriedades que utilizem agrotóxicos.

Como e quando o dinheiro sai?

A liberação do dinheiro e a assinatura do contrato serão feitas em umareunião marcada na sede da associação local ou do STR do município onde o(a)beneficiário(a) será esclarecido(a) sobre o funcionamento do FCR.

Nessa reunião deverão estar presentes, pelo menos, um membro da Comis-são de Gestão do FCR, uma pessoa responsável pelo projeto e um(a) represen-tante da entidade que indicou o projeto.

Nesse momento também será agendada pelo menos uma visita da Comis-são de Gestão, juntamente com a entidade local responsável, ao local do proje-to para acompanhamento técnico.

Quanto de dinheiro e que juros a gente paga?

Para associações e STRs, o valor por projeto será em torno de R$ 5 mil. Onúmero de pessoas envolvidas vai pesar na avaliação do projeto.

A taxa de juros é de 6% ao ano (meio por cento ao mês) e as despesas comCPMF serão por conta do(a) beneficiário(a).

Prazo para pagar e atraso de pagamento

• Prazo de 20 meses, tendo até oito meses de carência de acordo com aatividade proposta e mais 12 meses para o pagamento.

• Após a carência, a primeira parcela deverá ter um valor mínimo de 1/12do valor total do projeto.

• No caso de dificuldade de pagamento das parcelas, abrir negociaçãotendo como referência o tempo do projeto e os juros de 6%a.a.

• Se o atraso do pagamento for de até dez dias, será cobrada uma multaproporcional aos dias de atraso da parcela.

• Após os dez dias a multa será de 5% ao mês sobre o saldo devedor dasparcelas vencidas. Isso quer dizer que a cada mês será calculado mais5% sobre o saldo da dívida do mês anterior.

E se perder tudo?

A perda total ou de parte da atividade deverá ser comunicada imediata-mente à Comissão de Gestão, que indicará um técnico para fazer o laudo. De

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acordo com o laudo, a comissão decidirá sobre a anulação total ou de parte dopagamento da dívida.

Preste atenção

O dinheiro do FCR não poderá ser usado para pagamentos de dívidas ante-riores ou de dívidas que não estejam relacionadas com o projeto.

A pessoa ou organização deverá ter no mínimo 30% do valor do projetocomo contrapartida. A contrapartida pode ser na forma de dinheiro, mão-de-obra, produto, equipamento, embalagem, infra-estrutura, etc.

Os projetos só serão avaliados quando o FCR tiver dinheiro na conta. En-quanto isso, os projetos ficarão arquivados na associação regional esperando asdevoluções dos empréstimos. A ordem de chegada dos projetos não será crité-rio para a ordem de liberação dos recursos.

Terão prioridade para aprovação de projetos as organizações e pessoas queainda não foram contempladas com recursos desse fundo rotativo ou outraslinhas de crédito, desde que preencham todos os outros critérios.

2.4. Fundo Dema1 - Uma conquista dos movimentos sociais naAmazônia

Sistematização: Mateus Otterloo (FASE-Pará)

a. Os antecedentesContando a história...

No final da década de 1990, um conjunto de ONGs passou a realizar cam-panhas contra a exploração ilegal de madeira vinda, principalmente, das terrasindígenas na Amazônia. O mogno foi escolhido como madeira símbolo, por seruma das madeiras tropicais mais cobiçadas e de alto valor no comércio externo,caracterizando o início das ocupações ilegais de grandes áreas. Além disso, porser sua extração uma exploração seletiva, chegando bem ao interior da floresta,abrindo estradas no coração da Amazônia.

Uma característica biológica dessa espécie é que ela se dá em uma faixalimitada da floresta amazônica. Parte das terras indígenas do Xingu, chamadaTerra do Meio, denominação local da terra entre os rios Xingu e Iriri, no Oestedo Pará, estava nessa faixa do mogno.

Depois de várias investigações realizadas entre 1997 e 2001, em colabora-ção com entidades ligadas à Igreja Católica do Xingu e outras, entre as quais o

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Greenpeace, fora diagnosticado que a exploração do mogno avançava para aregião da Terra do Meio.

Em outubro de 2001, o relatório do Greenpeace “Parceiro no Crime” denun-ciou o esquema criminoso envolvendo políticos, funcionários do Ibama, empre-sas madeireiras e engenheiros florestais na extração ilegal do mogno na regiãoda Terra do Meio. Uma verdadeira quadrilha foi denunciada publicamente, ten-do seus nomes expostos.

Nesse mesmo ano, o Ibama, acompanhado por um jornalista e uma equipedo Greenpeace, realizou uma das maiores operações na Amazônia, focada paraTerra do Meio, quando foram apreendidos mais de sete mil metros cúbicos demadeira, além de caminhões, tratores e motosserras, sendo que havia mognonos rios Xingu, Iriri, Carajari e Curuá. Uma parte foi retirada das terras indíge-nas Xipaia e Curuaia.

Mesmo antes da operação do Ibama em campo, já havia um clima de guer-ra instalado entre os madeireiros de São Felix do Xingu ligados à máfia domogno e ao mega grileiro Cecílio Rego de Almeida, que reivindicava o mogno jáderrubado e em toras, apreendido por uma equipe do Ibama de Belém, usandoa Polícia Militar e seus homens. Dizia o mega grileiro que parte dessa madeirateria saído de suas propriedades, tanto no Xingu quanto no Iriri.

O grileiro completava o discurso através de seus representantes, dizendo queiria “doar o dinheiro do mogno depois de vendido para as famílias ribeirinhas”.

Aguardando a decisão judiciária em relação à madeira apreendida, o Ibamanomeou um funcionário da empresa CR Almeida como fiel depositário, dandoao mesmo a responsabilidade de trazer o mogno apreendido de todos os riospara o rio Xingu na frente de Altamira.

b. A construção e funcionamento do fundo

Um fato que veio à tona, via imprensa, foi um acordo entre a CR Almeida eum madeireiro da região que acabaram instalando uma serraria ao lado doAssurini. Começaram então a testar as máquinas que estavam sendo preparadaspara serrar o mogno. Em uma dessas tentativas foi serrado jatobá, que é damesma cor do mogno. Esse jatobá foi colocado em um barco que veio até oporto de Altamira, principal concentração urbana dessa região.

O Ibama de Altamira recebeu a denúncia de que o mogno apreendido esta-va sendo serrado. Uma equipe de Brasília do Ministério do Meio Ambiente (MMA)e do Ibama chegou poucos dias depois em uma missão de impacto na mídiapara tirar o mogno das mãos de Cecílio e repassar para o Ibama.

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O aparecimento da imensa jangada com milhares de toras de mogno nafrente da sede do município de Altamira deu a visibilidade necessária para osmovimentos sociais do eixo da Transamazônica, ligados ao Movimento peloDesenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX)1, se darem conta da pro-blemática em todas as suas dimensões. A denúncia nos jornais da jogada pla-nejada pelo grileiro e da retomada do mogno pelo Ibama criou a vontade polí-tica nos movimentos sociais de impedir que a madeira roubada voltasse de umaou outra maneira para os madeireiros ilegais e fosse devolvida para a região deonde foi tirada.

Surge então a proposta da criação de um fundo para receber a doaçãodessa madeira que já estava nos portos de Altamira e destiná-la às comunida-des da região da Terra do Meio.

Em novembro de 2002, o então Ministro do Meio Ambiente veio para Altamiradiscutir a possibilidade de fazer um leilão com as cinco mil toras de mogno. Naocasião, o movimento protestou contra a idéia de fazer o leilão, já que essaforma já era conhecida como um meio indireto para os madeireiros ilegaisrecuperarem a madeira de origem criminosa. O movimento então apresentouao ministro uma proposta pela qual o MMA doaria o mogno para uma organiza-ção regional, que transformaria o mogno em móveis para as escolas, demaisinstituições públicas e instituições privadas sem fins lucrativos e desenvolveriaprojetos de uso sustentável de recursos naturais.

Após muitas negociações, o MMA2 decidiu fazer a doação da madeira parauma entidade que representasse os movimentos sociais da região. Entre osvários critérios, constava a necessidade de que a entidade possuísse o registrocomo entidade beneficente, de utilidade pública, no Conselho Nacional de Ser-viço Social, o que excluiu as entidades representativas da região, como a Fun-dação Viver, Produzir e Preservar (FVPP)3 e a Prelazia do Xingu4, que não tinhamna época o registro e, portanto, não puderam ser recebedoras, tendo de procu-rar uma entidade parceira para receber a doação.

A Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase)5, aten-dendo à solicitação das entidades da região, decidiu aceitar ser a entidaderecebedora da referida doação. No dia 18 de junho de 2003 foi assinado, emBrasília, pelo Ibama e a Fase, o termo de doação (6 mil toras de mogno6) comencargo de 13 itens para a Fase em relação à constituição do fundo e suagestão democrática e participativa, colocando para a Fase toda a responsabili-dade jurídica por tudo o que ocorresse com a administração desse fundo.

A partir dessa doação, já num processo participativo, tendo como os prin-cipais componentes a Fase, a FVPP, a Prelazia do Xingu, o Ministério Público

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Federal do Pará e o Ibama, foi elaborado o regulamento interno do Fundo Dema,aprovado em 11 de fevereiro de 2004. Com isso, constituiu-se formalmente oFundo Dema e o Manual de Operações, aprovado em 30 de junho de 2004. Dessaforma a Doação com Encargo, o Regulamento Interno e o Manual de Operaçõessão os elementos básicos que orientam a ação atual do fundo.

O rendimento líquido da comercialização no mercado externo (fevereiro 2004)do mogno doado formou o capital inicial do Fundo Dema de R$ 4.830.174.12 (qua-tro milhões, oitocentos e trinta mil, cento e setenta e quatro reais e doze centa-vos). Em outubro de 2005, a Fundação Ford, como reconhecimento da validade daação dos movimentos sociais da região, alocou uma doação de R$ 2.227.000.00(dois milhões duzentos e vinte sete mil reais). Dessa forma, o Fundo Dema terminao ano de 2005, tendo incorporado a correção monetária, com um capital de inves-timento na ordem de R$. 7.607.845,82 (sete milhões, seiscentos e sete mil, oito-centos e quarenta cinco reais e oitenta e dois centavos).

O rendimento líquido desse investimento fornece os recursos financeirosdestinados ao atendimento, em forma de doação, das solicitações provenientesdas organizações da região, sempre de caráter coletivo e formalizadas de acor-do com um roteiro preestabelecido. Em função disso, estabeleceu-se uma dinâ-mica de publicação de um edital por semestre. Num período de dois meses, asorganizações formulam as suas propostas e enviam para o secretariado do fun-do, passando mais um período para a sua habilitação documental. O ComitêGestor, composto por seis representantes da Fase, da FVPP e da Prelazia deXingu, aprecia e aprova as solicitações, as quais têm o seu teto máximo fixadoem R$ 20 mil. Além disso, 10% do rendimento líquido do capital investidoainda é destinado para pequenas iniciativas, instantâneas, com um teto de atéR$ 5 mil e uma apreciação de mais curto prazo.

Em dois anos de funcionamento, o Fundo Dema já publicou três editais, aten-deu 64 projetos, num total de R$ 855.523.42 (oitocentos e cinqüenta e cinco mil,quinhentos e vinte e três reais e quarenta e dois centavos), e está prestes a concre-tizar o quarto edital, chegando, ainda em 2006, à aplicação de um milhão de reais.

A força da gestão participativa e da estrutura da base social do fundo atéhoje garantiu a aplicação das doações com 97% de aproveitamento pleno.

c. Como está estruturado o movimento social que forma atualmente abase do Fundo Dema

A base do movimento social da Transamazônica e Xingu se estrutura orga-nicamente por meio de associações, cooperativas, sindicatos, grupos infor-mais, comitês, comissões e pastorais sociais. Em nível regional temos a FVPP, a

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Federação dos Trabalhadores Rurais (Fetagri), o movimento de mulheres e deigrejas e sua expressão no MDTX. Entre essas formas organizativas se destacama Prelazia de Xingu e a FVPP como os principais interlocutores no cenário queconstruiu o Fundo Dema.

A Prelazia do Xingu está estruturada numa área geográfica de 332 mil km2

com sede na cidade de Altamira (Oeste do Pará). Possui aproximadamente 800comunidades de base nas áreas urbanas e rurais da Transamazônica, no trechoentre Anapu e Placas, e na região do Xingu, de Gurupá até a região de São Felixdo Xingu. Além disso, estende sua ação às comunidades indígenas da região.

A FVPP é composta por associações, sindicatos, cooperativas, movimen-tos, grupos e comitês, na BR 230, no trecho entre Pacajá e Itaituba, e na BR163, nos municípios de Rurópolis e Novo Progresso. Essas entidades trabalhamcom uma parcela da sociedade menos favorecida (agricultores familiares, ne-gros, pescadores, ribeirinhos, sem-terras, trabalhadores rurais, vítimas de tra-balho escravo em fazendas, mulheres vítimas de violência, etc.), fazendo de-núncias e apoiando iniciativas de formação e construção de estratégias dedesenvolvimento sustentável junto a essas populações.

d. Estratégia da ação do Fundo Dema

O Fundo Dema foi pensado para alimentar a estratégia elaborada pelasorganizações do movimento social regional, contribuindo para o fortalecimen-to institucional das entidades locais e populações tradicionais, possibilitandoapoio para implementar ações de desenvolvimento local sustentável, seja naforma de projetos pilotos, seja na difusão de resultados, além de outras inicia-tivas de combate ao desmatamento da floresta amazônica.

Para esse fortalecimento o fundo tem apoiado a estruturação de rádioscomunitárias, a difusão de experiências agro-ambientais e de iniciativas degeração de renda (manejo florestal comunitário, acordos de pesca, criação deunidades de conservação, criação de abelhas, etc.), a estrutura para as organi-zações locais, oficinas e cursos de formação. Nessa perspectiva se ressalta aimportância da estratégia de apoiar financeiramente a formação de redes emque essas organizações estão inseridas: a comunicação, a partir das rádioscomunitárias; as mulheres, a partir de suas atividades de formação e iniciativasde geração de renda e controle social das políticas públicas; os jovens, filhos deagricultores, por meio das Casas Familiares Rurais (CFR), entre outros exem-plos. São iniciativas que não estão isoladas em um único município, mas simem sintonia com as demais organizações da região. Além disso, fazem parte doplanejamento estratégico traçado pelas organizações regionais.

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O Fundo Dema, portanto, em sua ação, objetiva fortalecer o conjunto des-sas iniciativas que constituem a proposta de desenvolvimento sustentável debase familiar na região. Decorrente disso, fortalece a resistência do movimentosocial regional aos grandes projetos, os quais formam uma ameaça crucial paraa região, como a expansão da soja e/ou de qualquer monocultura de grandeporte; a construção de hidrelétricas; a expansão da pecuária, da grilagem daterra e da extração ilegal dos recursos naturais; e todos os seus impactoscolaterais, como conflitos fundiários, trabalho escravo, assassinatos, entre ou-tros. De outro lado, práticas agroecológicas e florestais sustentáveis ganharãocada vez mais força nas prioridades do Fundo Dema como elementos estratégi-cos da ação dos movimentos da região, no combate ao desmatamento.

e. Considerações finais: a punição exemplar para um crimesocioambiental

Até o ano 2002, aconteceram, na Amazônia, muitas apreensões de recursos naturaisextraídos de forma ilegal, como madeira, animais silvestres, peixes, quelônios, entreoutros. Tudo que era apreendido sempre acabava sob a responsabilidade dos própriosinfratores, que ficavam como fiéis depositários. O leilão tornava-se uma forma de legali-zação do ilegal. Essa prática se dava na maioria dos casos com a conivência e participaçãodos órgãos de fiscalização. As denúncias da sociedade civil organizada quase nunca eramanalisadas ou até mesmo divulgadas na grande imprensa.

Acreditamos que a forma de denunciar e propor alternativa viável foramsem dúvida o diferencial do movimento social da Transamazônica e Xingu, quenesse caso demonstrou não só sua capacidade de propor algo novo, mas tam-bém de se colocar à disposição para implantar a proposta. Algo que foi apreen-dido como fruto de uma ação criminosa serviu para apoiar uma alternativa dedesenvolvimento sustentável na região oeste paraense. Deu um exemplo clarode que o exercício da punição dos crimes ambientais precisa ter horizontesmais largos, ir além de multas, apreensões e prisões dos culpados. Isso deveriase tornar uma política pública, visando o fortalecimento do manejo sustentávelcomunitário dos recursos naturais da Amazônia.

A estrutura democrática e participativa, formulada no regulamento doFundo Dema, lhe permite abrir outras áreas prioritárias de atendimento,mantendo os objetivos estratégicos formulados e formando conselhos regi-onais correspondentes aos movimentos sociais existentes, que têm comogarantia a gestão participativa. Nesse sentido, o seu capital de investimen-to permanente poderia ser reforçado com os resultados das puniçõessocioambientais. Também elas poderiam ser perfeitamente investidas na

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fundação de outros fundos de caráter semelhante, em outras sub-regiões, naimensidão da região Amazônica, fortalecendo focos de desenvolvimento sus-tentável articulados entre si.

2.5. Cooperativa de Economia e Crédito Solidário de Araponga (Ecosol-Araponga)

Sistematização: Sérgio da Silva Abrahão (CTA-ZM)

a. Público

Os participantes da experiência se identificaram como agricultores(as) fa-miliares.

Participaram 69 famílias, sendo 54 homens adultos, 39 mulheres adultas,19 homens jovens e duas mulheres jovens.

b. Localização da experiência

Área geográfica:

A experiência é desenvolvida no município de Araponga, região leste daZona da Mata de Minas Gerais que se encontra no bioma da Mata Atlântica.

c. Organizações que promovem a experiência

Agência de Desenvolvimento Sustentável (ADS/MG): Criada pela Central Únicados Trabalhadores com o propósito de divulgar e incentivar o crédito solidárioentre as diferentes classes de trabalhadores através da criação de cooperativas.A ADS promoveu vários cursos de cooperativismo para os agricultores e asagricultoras familiares em Araponga de forma a capacitá-los no gerenciamentode uma cooperativa de crédito, mostrando a vantagem na instalação da coope-rativa na cidade.

Associação Regional dos Trabalhadores Rurais da Zona da Mata e Associaçãodos Agricultores Familiares de Araponga/MG (AFA): Contribuem na divulgaçãoda cooperativa nas comunidades junto a agricultores e agricultoras.

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Araponga: Além de auxiliar na divul-gação, disponibiliza uma sala com mesas e cadeiras na sede do sindicato paraa cooperativa funcionar.

Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM): Assessora acooperativa, principalmente nas questões de gestão institucional (assembléi-as, reuniões de planejamento, etc.).

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d. Objeto do financiamentoOs financiamentos foram destinados à produção de café, milho, feijão,

etc., em sistemas agroecológicos ou em transição para o agroecológico. Sãotambém usados para custeio de lavouras, comercialização e empréstimos indi-viduais (utilizados para compra de equipamentos para a produção ou para aresidência). Os recursos são próprios da cooperativa (adquiridos por meio dacota paga pelos filiados) e no vencimento dos empréstimos são retornados àcooperativa com os juros.

e. Período da experiência

A experiência começou em janeiro de 2005 e não tem prazo para término.O objetivo é ampliar os financiamentos para mais famílias que se interessaremem investir na transição agroecológica.

f. Histórico

A partir de algumas discussões que ocorreram em 2001, diversos trabalha-dores e trabalhadoras rurais participaram de vários cursos de cooperativismo ede capacitação em gestão de cooperativas promovidos pela Agência de Desen-volvimento Solidário (ADS). Esses trabalhadores e trabalhadoras rurais deAraponga fundaram em junho de 2003 a Cooperativa de Crédito da AgriculturaFamiliar Solidária de Araponga (Ecosol–Araponga), com o objetivo de adminis-trar um fundo rotativo de conquista de terra em conjunto e por entender que ostrabalhadores conseguem produzir. Percebeu-se que o que falta em muitos ca-sos é o recurso para aplicar na lavoura e conseguir produzir para o sustento dafamília. Assim a cooperativa foi fundada, apreciada e aprovada pelo BancoCentral do Brasil e pela junta comercial no início de 2004. Em novembro de2004, a Ecosol-Araponga abriu as portas para a filiação de novos sócios, traba-lhadores e trabalhadoras rurais. Em de maio de 2005 a cooperativa começou afinanciar os associados.

Primeiro trabalhamos com empréstimos de baixo valor. Em seguida foramcriadas as linhas pró-insumo e pró-animal. Mais tarde criamos o pró-comércio.Essas linhas ajudaram muito e alguns agricultores compraram bezerro e vaca,outros usaram o recurso para comprar insumos para adubar e plantar na épocacerta sem precisar se desfazer do seu café estocado quando o preço estavabaixo e assim esperar o produto melhorar de preço para comercializá-lo. Com aexperiência adquirida em 2005, criaram-se novas linhas em 2006 para poderatender melhor o trabalhador e principalmente as trabalhadoras que vinhamreivindicando linhas específicas.

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71Financiamento da Transição Agroecológica

g. Gestão

A Cooperativa é composta por uma diretoria formada por cinco pessoas eum conselho fiscal formado por seis pessoas, todos trabalhadores e trabalhado-ras rurais associados(as). A diretoria se divide em um coordenador geral, umcoordenador financeiro, um secretário geral e dois coordenadores conselheiros.O conselho fiscal se divide em três efetivos e três suplentes. O associado quereivindica o recurso se compromete a devolvê-lo no prazo estipulado num con-trato que é assinado entre a cooperativa e o sócio. Primeiramente se faz umaavaliação do recurso disponível, depois são avaliados os pedidos de financia-mento para então montar o projeto e liberar o recurso. Para acessar o recurso otrabalhador deve ser sócio da cooperativa há pelo menos dois meses e estar emdia com as obrigações com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Araponga.As regras para acessar o recurso são definidas nas assembléias com os sócios e,com base no que é decidido, são lançadas as linhas (por exemplo, pro-insumos,pro-animais, pessoal, etc.). Cada linha possui datas e prazos diferenciados devencimentos, sendo que o prazo de vencimento deve ser respeitado para não sepagar multas por atraso. A Ecosol-Araponga até o momento não teve nenhumcontrato não honrado pelos tomadores. Alguns dos empréstimos são de 150dias com 90 de carência, outros com 180 dias e 120 dias de carência. Há outroscom prazos menores e, nesses casos, o associado e a cooperativa verificam omelhor que se encaixa para a situação do cooperado no momento.

h. Avaliação

Foi muito positiva, já que os financiamentos são destinados para culturasque respeitam o meio ambiente. O acesso ao recurso é facilitado, tendo prazosde pagamento que estão adequados ao período de plantio e colheita dos prin-cipais produtos no município. A cooperativa sempre orienta os agricultores naaplicação dos recursos de forma que possam obter com a produção o suficientepara pagar o financiamento e ainda retorno para a família.

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i. Políticas públicasO governo deu um grande incentivo à criação de novas cooperativas

com o propósito de ampliar o crédito aos setores produtivos. Esse incentivofoi decisivo para criação da Ecosol-Araponga e de muitas outras cooperati-vas de crédito. Os trabalhadores rurais devem procurar aproveitar a chancepara criar novas formas de financiamento da sua produção, sendo as coope-rativas de crédito uma ótima alternativa, já que são os próprios agriculto-res que vão administrá-las.

j. Propostas

Facilitar a criação de novas cooperativas de crédito, já que a grande buro-cracia ainda emperra e inibe o surgimento de novas cooperativas em todo oBrasil. O governo deve dar condições às cooperativas para trabalharem comrecursos governamentais, já que elas estão mais próximas dos agricultores e,dessa forma, podem investir melhor os recursos.

1 Articulação criada pelos movimentos sociais do Oeste do Pará nos anos 1990.2 Ministério de Meio Ambiente3 Articulação de movimentos na área da Transamazônica e Xingu.4 Forma organizativa da Igreja Católica.5 ONG nacional de educação e desenvolvimento com 40 anos de atuação na Amazô-nia.6 Somente a madeira foi doada, os restantes dos equipamentos foram devolvidospara os madeireiros.

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Capítulo 5

Subgrupo de trabalho sobre compra antecipada(CONAB)

Coordenador: Emanuel Dias do Programa de Aplicaçãode Tecnologia Apropriada às Comunidades (Patac)

1. Relatório

2. Resumo das experiências apresentadas

2.1. Merenda Escolar – Pólo da Borborema (Paraíba)

2.2. Banco de Sementes Comunitário – AS-PTA (Paraíba)

1. Relatório do Subgrupo Compra Antecipada Especial daAgricultura Familiar (Caeaf)Caeaf – PAA/Conab

Relatora: Vanúbia MartinsParticipantes: 21

1.1. Funcionamento do PAA

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi criado pela Lei 10.696 de2 de julho de 2003, como parte integrante das políticas de segurança alimentare combate à fome desenvolvidas pelo Governo Lula, por meio da estratégiaFome Zero.

A lei que criou o PAA tornou possível a aquisição de alimentos produzidospor agricultores familiares, assentados da reforma agrária, extrativistas,quilombolas, pescadores artesanais, acampados da reforma agrária, atingidos

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por barragens e comunidades indígenas, nas diferentes regiões do país, peloGoverno Federal através de procedimentos simplificados.

Os produtos comprados pelo governo são distribuídos a programas sociaisde caráter governamental ou não-governamental, ou destinados à formação deestoques públicos, sendo posteriormente repassados a bancos de alimentos,doados a instituições assistenciais, distribuídos como cestas de alimentos agrupos sociais em situação de risco alimentar ou vendidos a pequenos criadorese pequenas agroindústrias. O excedente, que não tem encaminhamento social,é comercializado pelo governo por meio de leilões públicos.

O PAA tem por objetivos:

• fortalecer a agricultura familiar, garantindo renda e sustentação de pre-ços aos agricultores;

• promover a inclusão social no campo;

• fortalecer a segurança alimentar e nutricional das populações urbanase rurais;

• propiciar a formação de estoques públicos de alimentos;

• incentivar o associativismo e o cooperativismo;

• reforçar a estruturação de circuitos locais e regionais de abastecimen-to; e

• incentivar o manejo agroecológico dos sistemas produtivos e o resgatee preservação da biodiversidade1.

O acompanhamento das ações do programa fica sob a responsabilidade deum grupo gestor, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Com-bate à Fome (MDS) e integrado por representantes de cinco diferentes ministé-rios: Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério da Agricultura,Pecuária e Abastecimento (Mapa) – representado pela Companhia Nacional deAbastecimento (Conab) –, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão(MP), Ministério da Fazenda (MF) e do próprio MDS.

As normas que regulamentam o PAA estabelecem um valor máximo deacesso ao programa de R$ 3.500,00 ao ano por família, devendo os agricultoresestar enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Fa-miliar (Pronaf).

As aquisições podem ser feitas através de diferentes mecanismos. Encon-tram-se atualmente em vigor: a Compra Direta da Agricultura Familiar, a Com-pra Antecipada Especial da Agricultura Familiar (CPR Doação), a Formação deEstoque pela Agricultura Familiar (CPR Estoque), a Compra Direta Local da Agri-

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cultura Familiar e o Programa de Incentivo à Produção e ao Consumo do Leite.Os três primeiros instrumentos são operacionalizados pela Conab em relaçãodireta com os agricultores familiares e suas organizações. Já os dois últimossão operados pelo MDS por meio de convênios com os governos estaduais emunicipais. O quadro a seguir apresenta uma síntese desses mecanismos hojeem operação.

Quadro 1.Mecanismos do PAA em operação

Mecanismo Descrição

Compra Direta da AgriculturaFamiliar

Operacionalizado pela Conab, esse mecanismo pos-sibilita aos agricultores a venda de alimentos para oEstado na época da colheita. Os produtos são comer-cializados a preços de referência (situados em umafaixa intermediária entre o preço mínimo e o preçode mercado), cujo cálculo é feito por uma meto-dologia desenvolvida pela Conab. Os produtos am-parados por esse instrumento (arroz, castanha decajú, castanha do Brasil, farinha de mandioca, fei-jão, milho, sorgo, leite em pó integral e farinha detrigo) destinam-se à formação de estoques governa-mentais e podem ser vendidos ao governo tanto poragricultores individuais como por grupos formais.

Compra Antecipada Especial daAgricultura Familiar (CPR Doa-ção)

Destina-se à aquisição de diferentes produtos ali-mentícios oriundos da agricultura familiar, visando àformação de estoques ou à doação simultânea a po-pulações em situação de risco alimentar atendidaspor programas sociais de caráter governamental ounão-governamental. Para acessar esse mecanismo,operacionalizado pela Conab, os agricultores preci-sam estar organizados em grupos formais (associa-ções e cooperativas). Nos casos de doação simultâ-nea, a entrega dos produtos deverá obedecer a umcronograma apresentado pelas organizações envol-vidas no projeto através da Proposta de Participa-ção. O controle social dessas doações se dá peloenvolvimento do Conselho de Segurança Alimentar(municipal ou estadual) ou organismo similar.

Formação de Estoque pela Agri-cultura Familiar (CPR Estoque)

Tem por objetivo a compra pelo governo de produ-tos oriundos da agricultura familiar visando à for-mação de estoques pelas próprias organizações dosagricultores. A CPR Estoque é operacionalizada pormeio de associações, cooperativas, agroindústrias

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Quadro 1. Continuação

familiares, condomínios e consórcios, exigindo-secomprovação de que o produto é de produção pró-pria ou foi adquirido de agricultores familiares porpreço igual ou maior ao valor definido pelo GrupoGestor do PAA ou acordado entre a Conab e a orga-nização na Proposta de Participação. A operaçãodeverá ser liquidada financeiramente mediante opagamento do valor recebido acrescido de encargosde 3% ao ano. Se o Governo Federal tiver interessena compra do produto, o pagamento também pode-rá ser feito por meio da entrega da produção.

Compra Direta Local da Agri-cultura Familiar

Visa a promover a articulação entre a produção fa-miliar e as demandas locais de suplementação ali-mentar e nutricional dos programas sociais, viabi-lizando a aquisição de produtos comercializados porassociações, cooperativas e grupos informais de agri-cultores, a serem distribuídos em creches, hospitais,restaurantes populares, entidades beneficentes eassistenciais. Esse mecanismo é bastante semelhan-te à CPR Doação, mas é operacionalizado pelo MDSatravés de convênios com governos estaduais oumunicipais e não diretamente com as organizaçõesda agricultura familiar.

Incentivo à Produção e ao Con-sumo do Leite

Busca assegurar o consumo de leite a gestantes, cri-anças, nutrizes e idosos pela aquisição da produçãoleiteira de agricultores familiares com produção mé-dia diária de até 100 litros de leite, com prioridadepara os que produzam até 30 litros de leite por dia.O mecanismo é operacionalizado pelo MDS atravésde convênios com os governos estaduais. Atualmen-te o programa atende os nove estados do Nordeste,assim como Minas Gerais, nas regiões Norte, Vale doJequitinhonha e Mucuri.

O instrumento denominado Compra Antecipada da Agricultura Familiar,implementado em 2003 e durante o primeiro semestre de 2004, principalmentejunto aos assentados da reforma agrária, encontra-se suspenso por determina-ção do Grupo Gestor do PAA. Esse mecanismo permitia ao governo comprarantecipadamente a produção dos agricultores, ainda na época do plantio, pos-sibilitando aos mesmos adquirirem os insumos necessários para a implantaçãode suas lavouras, ou seja, financiando sua produção, não através do crédito,mas por meio de um instrumento específico de apoio à comercialização. No entan-

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to, em função de uma série de problemas relacionados a ocorrências climáticas, adificuldades enfrentadas pelos diferentes órgãos governamentais envolvidos naoperacionalização do mecanismo e à própria situação de vida nos assentamentos dereforma agrária, muitos agricultores não saldaram seus compromissos com o pro-grama, o que levou o Grupo Gestor do PAA a interromper sua execução.

Atualmente, o PAA funciona com recursos provenientes do MDA e do MDS,que é o órgão responsável pela maioria das ações do Fome Zero, do qual fazparte o PAA. Os recursos oriundos do MDS podem ser utilizados para aoperacionalização de todos os mecanismos do programa. Já os recursos prove-nientes do MDA são destinados apenas à operacionalização da Compra Direta eFormação de Estoque pela Agricultura Familiar, pois precisam necessariamenteretornar aos cofres da União.

Dessa forma, as ações do PAA são viabilizadas pelo MDS, em convênio comgovernos estaduais, municipais e com a Conab, e pelo MDA, em convênio coma Conab.

No âmbito do PAA foram desenvolvidas, também, algumas ferramentas de apoioao uso sustentável da agrobiodiversidade agrícola e alimentar e à incorporação depráticas de agricultura orgânica ou agroecológica pelos produtores familiares.

Alimentos oriundos do agroextrativismo, como a castanha do Brasil e acastanha do baru, são adquiridos pelo PAA a preços de referência. Produtosorgânicos ou agroecológicos comercializados através do programa recebem umincentivo de preço de até 30%. Sementes de variedades locais, tradicionais oucrioulas, produzidas por agricultores familiares, são compradas por meio domercado institucional e distribuídas a populações rurais em situação de insegu-rança alimentar, como forma de resgatar a produção para auto-consumo e esti-mular a atividade produtiva.

1.2. Principais dificuldades enfrentadas pelos agricultores e suas or-ganizações no acesso ao PAA

As principais dificuldades apontadas pelos agricultores familiares e suasorganizações no acesso ao PAA, particularmente no que se refere ao mecanis-mo de Compra Antecipada da Agricultura Familiar, mas também, em algumamedida, em relação aos demais mecanismos do programa, foram:

• desinformação por parte dos órgãos operadores e entidades apoiadorasdo programa (bancos, Conab, entidades de assistência técnica);

• falta de agilidade na operacionalização do Programa de Garantia daAtividade Agropecuária (Proagro);

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• plantio fora da época recomendada;

• secas no Sul e Sudeste e chuva em excesso no Norte e Nordeste (safra2003 e 2004);

• orientação política para o não pagamento;

• volume produzido insuficiente, permitindo apenas o auto-consumo dasfamílias;

• falta de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária (Ates);

• atrasos na liberação dos recursos;

• falta de capacitação e divulgação da proposta;

• falta de apoio político estadual e local;

• falta de estrutura da Conab;

• falta de cultura na Conab para operacionalizar o programa;

• o fato de a proposta ser uma ação de governo e não um programa degoverno, e tampouco ser uma política pública de Estado;

• falta de organização social;

• o fato de a proposta ter sido encaminhada como substituta ao Pronaf A;

• falta de logística para operacionalizar a proposta nas comunidades.

1.3. Potencialidades

As principais potencialidades identificadas em relação ao PAA foram:

• o programa ter proporcionado o reconhecimento público das sementescrioulas;

• o apoio do programa ter tornado possível aumentar o volume produzi-do, o número de bancos de sementes e o número de famílias envolvi-das;

• o programa ter proporcionado crédito a famílias excluídas do Pronaf;

• o fortalecimento também da segurança alimentar das famílias benefici-adas (agricultores, principalmente).

1.4. Propostas

Foram levantadas, também, algumas proposta em relação ao programa:

• vincular o Pronaf à garantia de comercialização – doação e Fundo Naci-onal de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com acompanhamentotécnico;

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• transformar PAA em política de Estado, com os incrementos necessári-os para tal;

• manter o mecanismo de Compra Antecipada da Agricultura Familiar parasegmentos especiais (ribeirinhos, quilombolas, indígenas, recém-assen-tados);

• parcelamento das dívidas dos agricultores referentes ao pagamento dasoperações de Compra Antecipada em quatro anos, permitindo o paga-mento em dinheiro ou mediante a entrega de qualquer produto;

• produção de materiais de divulgação e capacitação.

2. Resumo das experiências apresentadas

2.1. Complemento da merenda escolar com produtos agroecológicospor meio do PAA/Conab: a experiência do Pólo Sindical da Borborema

Sistematização: Pablo Renato Sidersky

Localização

Esta experiência, em andamento, envolve sete escolas e cinco creches, nosmunicípios de Lagoa Seca, Queimadas e Soledade, localizados na região doAgreste da Borborema, na Paraíba.

A gestação da experiência

No ano de 2004, três pessoas dos municípios mencionados visitaram acidade de Constantina (RS), onde conheceram a experiência de complementaçãoda merenda escolar com compra de produtos da agricultura familiar por partedaquela prefeitura. Essa iniciativa tinha o apoio do PAA da Conab.

Na sua busca de instrumentos para fortalecer a agricultura familiar naregião, o Pólo da Borborema tem se interessado pela criação de novas oportu-nidades de mercado para os seus produtos. A visita a Constantina mostrou opotencial da merenda escolar nesse sentido. Ao mesmo tempo, permitiu verque havia uma segunda vantagem: a garantia de que as crianças das escolastivessem uma alimentação de melhor qualidade, com produtos da culinária re-gional.

Assim, o Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar daBorborema tomou a iniciativa de formular uma proposta à Conab, por meio domecanismo de Compra Antecipada Especial da Agricultura Familiar (Caeaf), comdoação simultânea, do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

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Objetivos e públicoA proposta busca fornecer um complemento de produtos agroecológicos

regionais, produzidos localmente, para a merenda escolar de oito escolas ecinco creches dos municípios de Lagoa Seca, Queimadas e Soledade. Com isso,espera-se melhorar a nutrição das crianças das escolas atendidas, além de pro-ver uma fonte de renda para as famílias fornecedoras.

Paralelamente, a iniciativa busca valorizar os alimentos regionais, estimular aprodução agroecológica local e conscientizar os alunos e seus pais acerca da impor-tância de uma produção agroecológica e de uma alimentação mais saudável.

A experiência envolve dois públicos. Por um lado, 31 agricultores eagricultoras familiares (17 homens e 14 mulheres) dos três municípios mencio-nados fornecem mais de 50 produtos agroecológicos1 para as escolas e creches.

Por outro lado, no seu formato original, a iniciativa devia beneficiar maisde 1.400 crianças empobrecidas em situação de insegurança alimentar de oitoescolas e cinco creches nos três municípios mencionados. No entanto, com asdificuldades encontradas na implementação, esses números foram ajustadospara cinco escolas e quatro creches, num total de 970 crianças.

Organizações participantes

Além do Pólo acima mencionado, estão envolvidos na montagem eoperacionalização os Sindicatos de Trabalhadores(as) Rurais (STRs) e as prefeiturasdos municípios de Lagoa Seca, Queimadas e Soledade, além das ONGs Programa deAplicação de Tecnologia Apropriada às Comunidades (Patac) e AS-PTA. Cada umdesses parceiros tem funções, como podemos ver na tabela a seguir.

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Funcionamento

A proposta original apresenta a lista dos(as) agricultores(as) forne-cedores(as) e também determina quais os produtos que cada um deverá forne-cer. Além disso, define as quantidades de cada produto a serem entregues, opreço e o período durante o qual isso deverá ser feito.

O Pólo e as prefeituras ficam encarregados de organizar a entrega dosprodutos. Em cada município foi formada uma comissão para acompanhar oandamento do projeto. Cada entrega deve gerar documentos que atestem aprópria entrega e a qualidade dos produtos. Esses documentos são consolidadosnum relatório periódico para a Conab, que deposita o montante total dos recur-sos (R$ 64.600,00) numa conta especial, em nome do Pólo. Mas o dinheiro sópode ser sacado após uma ordem específica da Conab, depois do Pólo fazer umaprestação de contas periódica, como foi anteriormente mencionado.

Paralelamente, o Pólo e os STRs têm organizado reuniões e eventos de forma-ção com os(as) agricultores(as). No caso de Lagoa Seca, também foram organizadosmomentos de capacitação com as merendeiras das escolas e creches.

Quadro 2.As responsabilidades das diversas entidades participantes

Instituições Responsabilidades

Pólo Sindical e das Organiza-ções da Agricultura Familiar daBorborema

• Gerenciar o programa (gerir os recursos financei-ros, preparar a prestação de contas, etc)

• Acompanhar a implementação

• Organizar o planejamento e a avaliação da iniciativa

Prefeituras de Lagoa Seca,Queimadas e Soledade

• Fazer a formação dos(as) agricultores(as) envol-vidos(as)

• Garantir o transporte das mercadorias

• Formação e acompanhamento nutricional dos alunos

STRs de Lagoa Seca, Queima-das e Soledade

• Organizar as famílias fornecedoras

• Apoiar a formação dessas famílias e a distribuiçãodos alimentos

Patac e AS-PTA Apoiar a produção agroecológica dos alimentos efornecer atestado comprovando que os produtos dis-tribuídos foram produzidos com base nos princípiosda agroecologia

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Resultados e desafiosEssa experiência é muito recente: começou a funcionar no segundo semes-

tre de 2005, tendo completado apenas o primeiro ano.

A implementação tem encontrado problemas. Na prática, a iniciativa estáfuncionando bem somente em Lagoa Seca. Em Queimadas e Soledade “a coisaestá devagar”, conforme indicou um entrevistado. Uma das razões apontadaspara isso é a questão dos preços. Acontece que os preços foram definidos nomomento em que foi elaborada a proposta. Aparentemente, a Conab não aceitaalterações nesse quesito. E, atualmente, os preços de mercado de alguns produ-tos estão bem acima daquilo que consta na proposta original. Pelo menos essatem sido a justificativa colocada pelas organizações de Soledade para não esta-rem utilizando os recursos disponíveis1. Por outro lado, conforme já foi dito, aimplementação da proposta requer um esforço significativo de acompanha-mento, o que nem sempre tem sido possível.

Outra possível razão é que a operacionalização dessa iniciativa requer umacontrapartida importante por parte das organizações parceiras. Em Lagoa Seca,por exemplo, a Secretaria de Agricultura Municipal tem colocado uma pessoaexclusivamente para cuidar dessa iniciativa. O STR também faz a sua parte. Jáos outros municípios têm tido dificuldades nesse ponto.

Um resultado bastante importante tem sido a possibilidade de que as cri-anças das escolas beneficiadas passem a consumir mais produtos regionais,produzidos localmente. Em alguns casos, as crianças consomem os produtos deseus próprios pais. Isso representa uma valorização da qualidade do alimento,mas também da regionalidade do produto. Vale lembrar que muitas vezes amerenda escolar tem servido refrigerante, salsicha e outros produtos de baixovalor nutritivo. Por outro lado, como o valor da merenda escolar oferecida pelaprefeitura é muito baixo (R$ 0,22 por criança por dia), esse complemento dadopelo programa representa muitas vezes uma melhoria no lanche dos alunos.

Para algumas das famílias fornecedoras de Lagoa Seca, esse mercado estátendo um retorno concreto. Por exemplo, a família que fornece as polpas defrutas decidiu tirar um crédito pelo Pronaf para se estruturar melhor e comprouum freezer e outros equipamentos. O mercado garantido pela iniciativa foifundamental para isso.

No entanto, esse mercado novo ainda não tem sido determinante para incor-porar novas famílias na produção e comercialização agroecológica. Sempre toman-do o exemplo de Lagoa Seca, das dez famílias envolvidas, oito já participavam dafeira agroecológica existente e as duas restantes fazem parte de outros espaços decomercialização criados recentemente. Segundo o membro do Pólo que acompanha

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a iniciativa, há uma possibilidade de expandir o trabalho em Lagoa Seca para outrasescolas, o que implicaria a entrada de novos fornecedores. Mas nos outros doismunicípios a perspectiva não é tão promissora.

Onde a proposta funciona melhor, as organizações participantes destacam aimportância dessa experiência no que diz respeito à conscientização de grupos que,até então, não tinham sido atingidos. Um deles é o público das escolas. Esseprojeto tem possibilitado levar a discussão sobre uma agriculturaagroecológica local para alunos, pais de alunos e funcionários (auxiliaresde serviço, merendeiras, professoras e diretoras) das escolas envolvidas. Éclaro que esse universo é ainda pequeno (em Lagoa Seca a iniciativa atingetrês das 23 escolas existentes no município), mas considera-se que é umcomeço promissor. Ao mesmo tempo, o STR tem discutido a proposta nasreuniões regulares em sua sede e nas comunidades.

Outro desafio é introduzir essa prática de comprar produtos locais de qua-lidade no funcionamento da merenda escolar convencional, já que a iniciativada Conab é apenas um complemento. Sabe-se que existem dificuldades rele-vantes, já que para usar os recursos convencionais a licitação é obrigatória. Epara a agricultura familiar local, isso é uma barreira difícil de ultrapassar.

Finalmente cabe mencionar aqui um fato interessante. Tudo indica que os recursosdo programa da Conab podem ser usados para financiar a produção estipulada. Ou seja,nessa modalidade é possível o pagamento adiantado dos produtos. O Pólo, porém, deci-diu que isso não seria uma boa alternativa e nem se cogitou colocá-la em prática, umavez que avaliou-se que seria muito arriscado.

2.2. Fortalecimento dos Bancos de Sementes Comunitários (BSCs) daParaíba com apoio da Conab

Sistematização: Pablo Renato Sidersky

Localização e contexto da experiência

A Rede de Bancos de Sementes Comunitários contava, no início de 2006,com 228 comunidades em 61 municípios, em praticamente todas as regiões doestado da Paraíba (para mais detalhes ver quadro em anexo).

A área onde a Articulação do Semi-árido Paraibano (ASA-PB) atua é parteda região do Semi-Árido nordestino, domínio do bioma caatinga. A própriadenominação de Semi-Árido põe em relevo os aspectos climáticos, dentre osquais destaca-se a pluviometria. No Semi-Árido paraibano, as chuvas variamentre 300 e 800 mm por ano, em média, mas caracterizam-se sobretudo poruma extrema variabilidade no tempo (volume, freqüência das chuvas, data de

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inicio, duração dos invernos) e no espaço (é bastante comum haver chuvasmuito localizadas), sendo freqüentes as secas prolongadas.

Os sistemas agropecuários familiares da região têm como base o policultivo(cultivos alimentares, comerciais e forrageiros) e a criação animal. Tambémfazem uso de plantas nativas. A estratégia técnica desses sistemas apóia-se namanutenção e no uso da biodiversidade, assim como na constituição de esto-ques de recursos (de água, sementes, forragem, alimentos) como forma deenfrentar os desafios colocados pelo Semi-Árido.

Caracterização da experiência

O problema a ser enfrentado

Para o agricultor paraibano, o estoque familiar de sementes é crucial paraa renovação do ciclo anual de plantio. Normalmente esse estoque é constituídoa partir da produção agrícola do ano anterior. Em geral ele é composto desementes de variedades locais, preferidas dos agricultores – as chamadas se-mentes da paixão. Às vezes ele é renovado e/ou expandido por meio da troca,da doação de parentes e amigos ou da compra de sementes junto a outrosagricultores. O intercâmbio de materiais e de informação sobre essas sementesé outro elemento tradicional do sistema.

Mas, não raro, esse estoque familiar fica reduzido a zero. O limitado tama-nho das áreas plantadas e, sobretudo, a instabilidade climática (a ocorrênciade invernos irregulares e/ou secas) fazem com que as colheitas fiquem compro-metidas. E assim, quando a colheita é nula ou muito pequena, a família nãoconsegue reconstituir o seu estoque de sementes. Resultado: no ano seguinte,quando chega a hora de plantar, fica numa situação crítica.

Quais são as alternativas possíveis nesse caso? Às vezes, um empréstimoou doação familiar ou de vizinhos pode aliviar a situação, mas não resolve. Osórgãos de governo, por sua vez, raramente têm a agilidade necessária paraprestar socorro, além de existir o problema do uso politiqueiro dessa sementequando ela aparece. Por outro lado, quando acontecem, as iniciativas governa-mentais nesse campo trabalham normalmente com poucas variedades de se-mentes de fora2. Outra opção para a família é a compra, feita então numacondição muito desfavorável, já que o momento do plantio é justamente quan-do o preço do milho ou do feijão atinge o nível máximo3. Quem não consegueobter semente por meio desses mecanismos pode terminar tendo que recorrerao sistema de semente de meia, pelo qual o agricultor obtém semente empres-tada com alguém que a possa comprar, ficando com o compromisso de pagarcom a metade da colheita.

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Os Bancos de Sementes Comunitários (BSCs) surgem como forma de en-frentar esses problemas. Funcionam como um instrumento que possibilita areconstituição do estoque familiar de sementes, quando este falha, tendo tam-bém um papel na conservação da biodiversidade agrícola. Neste documentoenfocaremos mais a primeira dessas funções.

O BSC como estoque de reserva

O BSC surge como uma alternativa para quem precisa de sementes paraplantar4. Trata-se de um mecanismo através do qual uma família toma empres-tada uma quantidade de sementes do estoque do banco que, em geral, é cons-tituído a partir de uma doação externa5 feita à comunidade. A família se com-promete a pagar, no momento da colheita, a mesma quantidade acrescida deuma percentagem, segundo regras definidas na própria comunidade. Assim, oBSC funciona como um crédito de custeio, fornecendo um insumo crucial para afamília, para pagamento posterior.

A estocagem, a entrega e a devolução da semente são todas feitas nacomunidade, sob a responsabilidade da associação ou de um grupo designadopara tal. Esse grupo é responsável por guardar a semente devolvida nos silos,buscando armazenar o estoque em boas condições, para que possa ser usadonovamente no ano seguinte.

Mas nem sempre é possível reconstituir o estoque do BSC. Às vezes isso éresultado da falta de organização, embora em geral o principal motivo seja o clima.A ocorrência de veranicos pode ter um impacto importante nesse ou naquele ban-co. Quando vem uma seca, a quebradeira passa a ser praticamente geral. A tabela aseguir, que apresenta dados referidos aos municípios de Solânea, Remígio e LagoaSeca para o período entre 1995 e 1999, ilustra o que acabamos de dizer. Note-seque os anos de 1998 e 1999 foram anos de seca intensa em toda a Paraíba.

Diante desse quadro, foi necessário buscar formas de realimentar os BSCsexauridos.

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86 Financiamento da Transição Agroecológica

A busca de apoio para os BSCs

No início de 1999, os agricultores em todo estado da Paraíba estavamnuma situação difícil, com os seus estoques de sementes praticamente vazios.O próprio governo estadual demonstrou preocupação e montou um programa dedistribuição de sementes1. Como os BSCs estavam também em situação crítica,em lugar de buscar sementes junto a outras fontes, a Rede de Sementes daASA-PB (veja quadro ao lado) optou por questionar a política proposta pelogoverno do estado. O objetivo era fazer com que essa política contemplasse arede estadual de BSCs. Depois de uma série de iniciativas que culminaram umanegociação com a Secretaria de Agricultura (Saia), a ASA conseguiu que 85toneladas de sementes2 fossem destinadas ao fortalecimento de 130 BSCs dasregiões do agreste e do litoral3.

Ainda que essa ação tenha servido para reabastecer alguns dos BSCs, aASA-PB buscou aprimorar a proposta. É formulado, então, um documentointitulado “Programa Especial de Fortalecimento e Ampliação dos BSCs daParaíba”. A diferença entre essa idéia e a iniciativa de 1999 está principalmen-te na reivindicação de que o apoio aos BSCs deveria ser também uma políticaque favorecesse a diversidade. No entanto, o programa de reforço aos BSCsforneceu mais 85 toneladas de sementes nas mesmas condições do ano anteri-or. Foi somente em 2001 que se conseguiu que a Saia aceitasse fazer o repassede 50% dos recursos do programa de fortalecimento dos BSCs para que fossem

Tabela 1.Resultados dos BSC em três municípios do Agreste paraibano

Nº de BSCs

Indicador 1995 1996 1997 1998 1999

Kg de sementes distribuídas

17 17 17 16 25

9.800 9.761 6.633 4.593 7.941

Kg de sementes devolvidas aos BSCs 11.511 7.279 8.723 1.394 4.233

Variação do estoque (em %)

Nº de famílias que receberam sementes

17,5 (25,4)* 31,5 (69,7)* (46,7)*

Nº de famílias que devolveram sementes

530 416 276 143 467

441 276 266 24 258

% de famílias que devolveram sementes 83 66 96 17 55

Fonte: AS-PTA. * Os números que aparecem entre parênteses são negativos.

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compradas sementes dos agricultores. Nesse ano foram compradas dos agricul-tores 66 toneladas de sementes da paixão, que foram repassadas para 220 BSCsnas diversas regiões do estado.

O papel da Conab

Com a chegada do Governo Lula, a ASA-PB lança o debate sobre o papeldos BSCs na segurança alimentar. Com base nisso, elabora-se uma propostapara a Conab, já em 2003.

Foi assim que foi feita uma solicitação ao Programa de Compra Direta,parte do PAA. Nesse caso, a própria Conab foi com um caminhão aos diferenteslocais (em 26 municípios diferentes) para fazer a compra, diretamente, naépoca da safra. Dessa maneira, foram compradas cerca de 80 toneladas demilho, feijão, fava, gergelim, arroz, amendoim. Em seguida, os produtos assimcomprados foram estocados nos armazéns da Conab, para depois seremredistribuídos como doações para os BSCs na época do plantio (no caso, noinício de 2004).

A Rede de Sementes da ASA-PB

A base da rede são os Bancos de Sementes Comunitários (BSCs) geridospelas comunidades. Geralmente o STR e/ou a paróquia tem um papel deapoio e articulação dos BSCs no município.

Em praticamente todas as regiões existe uma forma de organização,como a Rede de Sementes do Alto Sertão, que coordena e implementainiciativas de apoio aos municípios. Essas atividades incluem o levanta-mento de necessidades, a distribuição de sementes, quando isso é necessá-rio, e a organização de encontros, cursos, visitas, etc.

No âmbito estadual existe, desde 1995, a Comissão de Sementes daASA-PB, que tem como função coordenar as iniciativas locais e organizaratividades e eventos estaduais. É também essa comissão que organiza enegocia as propostas de parceria com diferentes instituições – o governoestadual, a Conab, os órgãos de pesquisa, etc.

O conjunto da Rede Estadual integra, além dos BSCs e STRs, váriasONGs (Cepfs, Pracasa, AS-PTA, Patac, Sedup, etc.) e organizações regionais(tais como o Pólo Sindical da Borborema, a Caaasp, o Coletivo do MédioSertão, CPT de Campina Grande, do Alto Sertão e de Guarabira, etc.). Esseconjunto faz parte da ASA-PB.

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88 Financiamento da Transição Agroecológica

Contudo, essa experiência também enfrentou dificuldades: uma delas foi opreço pago pelos produtos. A ASA foi obrigada a fazer um projeto emergencial,com o qual conseguiu com o governo do estado uma verba adicional para pagara diferença entre o preço da Conab e o preço do mercado do momento. Tambémavaliou-se que o processo todo era complicado, sobretudo porque a compra, aestocagem em armazéns da Conab e a posterior redistribuição tornavam o pro-cesso custoso.

Em 2004, formulou-se uma segunda proposta, através do programa Comprae Doação Simultânea de Produtos, outra parte do PAA. Isso permitiu tornar oprocesso bem mais ágil. Por meio desse mecanismo, uma entidade proponenteé quem se responsabiliza pelo conjunto das operações de compra, estocagem ere-distribuição, com dinheiro da Conab. O Conselho Nacional de Segurança Ali-mentar e Nutricional (Consea) do estado é solicitado para dar o seu aval nahora da apresentação da proposta.

Tabela 2.Mecanismos da Conab e valores envolvidos para compra de sementes

Ano Mecanismo da Conabutilizado

* Valor estimado, já que a compra foi feita diretamente pela Conab.

Valor(em R$)

Quantidade desementes com-

pradas

N0 de famíliasfornecedoras

2003/04

2004/05

2005/06

Compra direta

Compra com doação simultânea

Compra com doação simultânea

80.000,00*

16.735,00

22.003,00

80.660 kg

12.797 kg

19.260 kg

50(aproximadamente)

11

13

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89Financiamento da Transição Agroecológica

- Sem informação

* Estoque total de sementes disponível nos BSCs antes do plantio (levantamento feito nos últimosmeses do ano).

** O levantamento de 2005/06 foi feito em março, quando o plantio já tinha sido realizado emdiversas regiões do estado.

Cabe comentar o momento vivido pela rede entre 2001 e 2003. No ano 2000, houve uma expansãodramática do número de BSCs, muito ligada a um aporte de sementes conseguido num convênio com ogoverno estadual. Porém, muitos desses bancos novatos, criados às pressas, não conseguiram se fir-mar. A partir de 2003, no entanto, o crescimento voltou a ser mais comedido, ainda que mais sólido.

Isso aparece quando se analisa a evolução da necessidade de aquisição de sementes para o reforço dosBSCs nos últimos três anos. Na tabela a seguir podemos observar que, enquanto entre 2003 e 2004 oreforço da Conab foi distribuído a praticamente todas as famílias atendidas pelos BSCs (99,6%), nosanos seguintes a proporção caiu significativamente.

Resultados, impactos e desafios

Abrangência do trabalho

Embora o trabalho tenha começado em 1995, só existem dados a partir de1998. A tabela a seguir nos permite acompanhar o crescimento desse trabalho.

Tabela 3.Abrangência da Rede de Bancos de Sementes Comunitários da ASA-PB

Ano N0 deBSCs

N0 defamílias

Estoque desementes

N0 demunicípios

N0 desilos

1998/99 62 1.860 15.000 kg --- ---

1999/00 129 3.838 66.419 kg --- ---

2001/02 --- --- --- --- ---

2002/03 175 7.441 77.900 kg 51 ---

2003/04 205 7.170 127.907 kg 60 437

2004/05 207 7.145 161.960 kg 56 344

2005/06 228 6.560 39.592 kg** 61 476

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90 Financiamento da Transição Agroecológica

O reconhecimento da Agricultura Familiar (AF)

Entretanto, é muito importante destacar que essa iniciativa representa oreconhecimento das sementes dos agricultores – as sementes da paixão – e,conseqüentemente, reconhece os agricultores como produtores de sementes.As iniciativas feitas com apoio da Conab permitiram a compra de sementes decerca de 50 famílias.

Destaque-se ainda que a Conab só pôde proceder dessa forma porque hou-ve uma mudança na legislação. Anteriormente os programas governamentaisnão podiam destinar recursos para a compra de sementes crioulas. Mas, com arevisão da Lei de Sementes em 2003 (regulamentada em 2004), foi possívelreconhecer a semente de cultivar local, ou tradicional, ou crioula e, ao mesmotempo, fazer com que não fosse mais necessário que ela seja registrada noRegistro Nacional de Cultivares (RNC). Assim, os produtores dessas sementesnão precisam de registro para produzi-las. Com essas modificações, os progra-mas governamentais não podem mais usar a legislação como motivo para nãoincluir as sementes crioulas.

Alguns desafios

Embora possa parecer simples à primeira vista, no detalhe a operação dasiniciativas Conab é bastante complexa. Envolve, por exemplo, a identificaçãode cada um dos agricultores fornecedores das sementes. Cada um precisa tirar asua Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). A compra precisa de nota fiscal.Também é necessário especificar o BSC que receberá a doação, além identificarindividualmente cada uma das famílias beneficiárias (inclusive com o CPF). Asentidades proponentes é que garantem toda a operacionalização, o que inclui otransporte, além da estocagem feita em bancos mãe em diferentes regiões. Essetrabalho requer recursos humanos e financeiros consideráveis. Portanto, a questãoque fica é: como simplificar a operacionalização desses programas?

Tabela 4.Comparação das famílias atendidas pela Conab e pelos BSCs

Ano A (Nº de famílias atendidaspelo programa da Conab)

2003/04

2004/05

2005/06

B (Nº de famíliasatendidas pelos BSCs

A/B

7.145 7.170 99,6%

3.224 7.145 45,1%

2.400 6.560 36,6%

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91Financiamento da Transição Agroecológica

1Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do Ministério da Agricultu-ra, Pecuária e Abastecimento. Esse órgão, que andava sucateado, viu a sua impor-tância crescer a partir de 2003, sobretudo em função do Programa Fome Zero. Umdos seus programas é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA),que busca sus-tentar os preços de alguns produtos básicos,além de constituir estoques de reservae atender a populações em situação de insegurança alimentar. Esse mesmo progra-ma faz doações para programas sociais, sendo que os alimentos assim doados sãoadquiridos da agricultura familiar.

Anexo

Região Municípios

Alto Sertão Aguiar, Aparecida, Bonito de Santa Fé, Igaracy, Brejo dos San-tos, Cachoeira dos Índios, Cajazeiras, Catolé do Rocha, Coremas,Diamante, Itaporanga, Jericó, Lagoa, Marizópolis, Mato Gros-so, Paulista, Pedra Lavrada, Poço Dantas, Poço José de Moura,Pombal, Riacho dos Cavalos, Santa Cruz, S. Domingos de Pom-bal, S. José da Lagoa Tapada, S. José de Piranhas, Triunfo,Uiraúna, Vieirópolis

Médio Sertão Cacimbas, Desterro, Maturéia, Princesa Isabel, Santana dosGarrotes, Tavares, Teixeira

Municípios envlvidos

AltoSertão

Aguiar, Aparecida, Bonito de Sta. Fé, Igaracy, Brejo dos Santos, Cacho-eira dos Índios, Cajazeiras, Catolé do Rocha, Coremas, Diamante,Itaporanga, Jericó, Lagoa, Marizópolis, Mato Grosso, Paulista, PedraLavrada, Poço Dantas, Poço José de Moura, Pombal, Riacho dos Cavalos,Santa Cruz, S. Domingos de Pombal, S. José da Lagoa, Tapada, S. Joséde Piranhas, Triunfo, Uiraúna, Vieirópolis

Médio Sertão Cacimbas, Desterro, Maturéia, Princesa Isabel, Santana dos Garrotes,Tavares, Teixeira

Cariri Alcantil, Barra da São Miguel

Curimataú/Seridó

Cuité, Damião, Juazeirinho, Olivedos, Pedra Lavrada, Seridó, Sossêgo

BorboremaAlagoa Nova, Areial, Cacimba de Dentro, Campina Grande, Casserengue,Esperança, Lagoa Seca, Massaranduba, Matinhas, Montadas, Queimadas,Remígio, S. Sebastião de Lagoa de Roça, Solânea

Brejo Areia, Pilões, Sertãozinho

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92 Financiamento da Transição Agroecológica

2Entre os produtos distribuídos, estão diversas hortaliças, mas a lista inclui tambémxerém de milho, goma de mandioca, ovos caipira, mel, frutas in natura, sucos defruta, geléias, queijo de coalho, carne caprina, etc.3Um dos preços que se encontra defasado é o da carne de bode, produto que seriafornecido por famílias domunicípiode Soledade.5Nessa época o preço pode chegar a ser quatro vezes maior que na época da colhei-ta.6No Brasil, os BSCs tiveram origem na década de 1970, a partir da iniciativa daIgreja Católica junto às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), em diversas partesdo Nordeste. Na Paraíba, existem BSCs bastante antigos, a exemplo daquele dacomunidade de São Tomé (município de Alagoa Nova), fundado em 1974.7A maior parte dos BSCs da Paraíba foram constituídos a partir de um estoque inicialobtido junto a diversos programas governamentais, que chegaram às comunidadesatravés das diversas organizações que apóiam a Rede de Bancos de Sementes. Masexistem casos em que esse estoque inicial do BSC foi estabelecido, pelo menos emparte, a partir de doações obtidas na própria comunidade e vizinhança.8Essa iniciativa foi batizada de “Programa de Distribuição de Sementes Selecionadasa Preço Subsidiado em Tempo Hábil do Governo do Estado da Paraíba”. A EmpresaEstadual de Pesquisa Agropecuária (Emepa) devia fornecer essa semente, que seriadistribuída pela Emater.9Foram 35 toneladas de feijão carioquinha e 50 toneladas de milho (variedade BR106).10 O atraso na liberação dessas sementes fez com que não fosse possível atender àsáreas do sertão, onde a época de plantio começa mais cedo do que no agreste e nolitoral.

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93Financiamento da Transição Agroecológica

Oficina organizada pelo Grupo de Trabalho – Financiamentoda Articulação Nacional de Agroecologia (GT – Financiamentoda ANA)

Título: Debate sobre a operacionalização dos Pronafs Agroecologia, Semi-Árido e Floresta.

Convidados: Márcio Hirata - representante do Pronaf/SAF; Luis Sérgio FariaMachado- representante do Banco do Nordeste do Brasil (BNB); Carlos AlbertoRhoden – representante do Banco do Brasil (BB)

Coordenação: Jean Marc von der Weid – AS-PTA

Participantes: 47 se identificaram na abertura da oficina, vindo de treze estados (SC, RS, PR, RJ, ES, MG, BA, SE, AL, PE, PB, CE, MT e PA). Outros 30participantes se juntaram ao grupo durante os debates.

Entre os 47 que se identificaram, 25 eram produtores(as).

Os três convidados apresentaram a visão de suas instituições e 24 partici-pantes levantaram questões, críticas, análises e propostas.

Capítulo 6

Oficina Pronaf/ BB / BNBRelator: Jean Marc von der Weid – AS-PTA

Coordenador : Jean Marc von der Weid – AS-PTAApresentações : Márcio Hirata – Pronaf/SAF

Luís Sérgio Faria Machado – Banco do Nordeste do Brasil (BNB)Carlos Alberto Rhoden – Banco do Brasil (BB)

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94 Financiamento da Transição Agroecológica

Síntese da apresentação de Márcio Hirata (Pronaf/SAF)As novas linhas Pronaf Agroecologia, Pronaf Semi-Árido e Pronaf Flo-

restal foram criadas em 2003 e tinham a intenção de facilitar os processosde transição para a agroecologia em situações diferenciadas: sistemas conven-cionais; sistemas tradicionais na região semi-árida que necessitavam de infra-estruturas hídricas; ou sistemas tradicionais na região amazônica onde os Sis-temas Agroflorestais (SAFs) eram vistos como um caminho para a agroecologia.

No entanto, o desenho dessas propostas de crédito gerou problemas naoperacionalização. Em particular, a exigência de apresentação de um proje-to de transição em três anos com descrição ano a ano das práticas a seremintroduzidas mostrou-se uma barreira intransponível no acesso ao PronafAgroecologia.

Na prática, o Pronaf não conseguiu monitorar os acessos a essas li-nhas, cuja pouca transparência não permitia identificar quem e quantos assolicitavam. Além disso, havia confusão entre agroecologia e agriculturaorgânica. Em 2005, o Pronaf corrige a formulação da linha Agroecologiacom duas portarias assinadas em setembro e novembro, eliminando a exi-gência do projeto de transição e liberando recursos de investimento de atéR$ 6 mil no grupo C e R$ 15 mil no grupo D. Dessa forma, não é maispreciso especificar as práticas agroecológicas a serem adotadas ano a ano,mas apenas apontar o objetivo final.

No Pronaf Florestal, os prazos de pagamento dos créditos foram ampli-ados para até 16 anos, com prazos amplos de carência, desde que bemjustificados nos projetos.

Alguns entraves foram identificados e que levaram a um baixo acessoàs linhas mencionadas. Em primeiro lugar, a ausência de uma cobertura deseguro para esse tipo de projeto sistêmico, já que o seguro é dirigido aculturas. Além disso, o sistema de Assistência Técnica e Extensão Rural(Ater) está pouco preparado para a elaboração dos projetos dessas linhas.Para buscar suprir essas demandas, a SAF programou um processo de forma-ção de 8.000 agentes de extensão das Emater, das cooperativas de técnicose das ONGs.

Síntese da apresentação de Luis Sérgio Faria Machado do Banco doNordeste do Brasil (BNB)

O BNB é um banco de investimentos para a região Nordeste, onde aplicacerca de R$ 5 bilhões por ano, dos quais R$ 1,5 bilhão são destinados à agricul-tura familiar.

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95Financiamento da Transição Agroecológica

O BNB considera que vários fatores contribuíram para que as novaslinhas não pegassem no Nordeste. A já mencionada questão da Ater é críti-ca, mas também a organização dos produtores não é suficiente para conse-guir explorar as novas oportunidades – o crédito sozinho não promove odesenvolvimento.

Para o Pronaf Agroecologia vingar, é preciso uma maior extensão dessacultura com economias de escala e inserção no mercado. O BNB quer ajudaras ONGs a promoverem essas linhas por meio de parcerias, mas constata quefaltam alguns requisitos básicos, tais como maior número de organizaçõesde certificação de produtos agroecológicos.

O Pronaf Semi-Árido foi divulgado pelo BNB em programas de rádio echegou-se a aplicar R$ 30 milhões na safra 2005/2006. O banco acreditaque o teto dessa linha também impede o acesso e que as outras modalida-des do Pronaf são melhores para investimentos em infra-estruturas hídricas.Atualmente é possível acessar R$ 10 mil sem garantia e entre R$ 10 e 20mil com aval.

O BNB procurou usar um cadastro e uma planilha de projetos simplifi-cados para facilitar o acesso dos agricultores e disponibilizou um GerentePronaf em cada agência do banco.

O crédito mais acessado no Nordeste é o Pronaf B, identificado comomicro-crédito e que teve uma Ater apoiada pelo banco com cerca de 360técnicos em apenas uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Públi-co (Oscip), que atua como agente de desenvolvimento.

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96 Financiamento da Transição Agroecológica

Síntese da apresentação de Carlos Alberto Rhoden do Banco do Brasil (BB)

O BB distribuiu R$ 5 bilhões em créditos na safra 2005/2006, com R$ 1milhão de contratos de custeio e de investimento. As cooperativas de cré-dito (Crenor, Cresol e Ascob) receberam R$ 300 milhões.

Cada estado tem uma gerência do Pronaf que dialoga com os movimen-tos sociais e cooperativas de crédito. O BB constata que há dificuldadespara os cerca de 260 engenheiros agrônomos do banco entenderem o temada agroecologia, muito embora isso varie de estado para estado. Na regiãosul, por exemplo, o entendimento com a Federação dos Trabalhadores naAgricultura Familiar (Fetraf) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)sobre o tema da agroecologia tem sido mais fácil.

O número de contratos realizados pelo BB obriga a uma simplificaçãodo acesso aos recursos, com planilhas de projetos mais sucintas e comsistemas de pedidos via internet, previstos para serem implantados a partirde julho de 2006.

Apesar do esforço de simplificação, há elementos-chave de informaçãoque não podem faltar nos projetos, tais como os mercados onde os produtosfinanciados serão vendidos.

Síntese dos comentários e questionamentos dos participantes

1. Sobre o Pronaf Agroecologia

• É muito complicado

• Financia a transição, mas não a produção agroecológica

• Os agentes financeiros locais têm muita resistência à agroecologia

• Há poucos recursos para Ater e vincular a remuneração com o valordo projeto é um erro

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97Financiamento da Transição Agroecológica

• Burocracia ainda é grande

• Quem vai sozinho ao banco não consegue o que quer

• Os bancos orientam para o uso do pacote

• O zoneamento da Embrapa impõe restrições injustificáveis a proje-tos agroecológicos

• Os créditos estão orientados para uma cultura ou um animal e nãopara um sistema produtivo

• Os prazos de análise dos projetos são muito longos e os recursoschegam atrasados ou acabam faltando para os projetos agroecológicos

• O Pronaf Agroecologia foi para os tipos C e D, deixando os assenta-dos (A) de fora

• Os bancos tendem a atender primeiro as demandas dos agricultoresdo tipo D, que têm projetos com valores mais altos, fazendo comque acabe faltando recursos para os outros

• Os prazos para a transição agroecológica são muito apertados

2. Sobre o Pronaf Semi-Árido

As observações feitas sobre essa modalidade repetem as que se referem aoPronaf Agroecologia com os seguintes adendos:

• A planilha de projeto do BNB inviabiliza o Pronaf Semi-Árido

• O Pronaf Semi-Árido não está orientado para a agroecologia, mas paraa infra-estrutura hídrica

• A exigência de 50% de investimento em infra-estrutura hídrica não éadequada, uma vez que nem sempre essa é a questão mais importanteem um projeto agroecológico de convivência com o semi-árido

3. Sobre o Pronaf Florestal

O Pronaf Florestal só financia plantio de pinus e eucalipto e, portanto, éum Pronaf monofloresta

4. Sobre o Pronaf Jovem e Mulher

Não estão chegando ao público-alvo

5. Sobre o Pronaf B

• Houve avanços: diminuiu a burocracia, facilitou o acesso dos mais po-bres, inclusive de mulheres

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98 Financiamento da Transição Agroecológica

• Os agentes de crédito impõem projetos técnicos direcionados para pa-cotes que o agricultor não quer

Síntese das respostas dos três convidados

O BNB colocou um gerente de agricultura familiar em cada banco eé ele quem orienta os kits de projetos B, com base nos manuais e nozoneamento da Embrapa. Luis Sérgio reconhece que o zoneamento pre-cisa ser aperfeiçoado e que é preciso “tirar o Pronaf B de dentro dasagências” e levá-lo aos agricultores por agentes de desenvolvimento.Já a crítica aos prazos de análise dos projetos não foi aceita, pois eleafirma que leva-se 21 dias para essa operação.

O BB alega que a burocracia não é culpa dos bancos, mas dos ma-nuais do Banco Central. Carlos Alberto admite que há a necessidade deum processo de educação sobre agroecologia para os agentes financei-ros e que estes estão condicionados por anos a lidar com o agronegócio.Além disso, justifica o fato de que as operações de crédito de investi-mento são mais lentas porque são mais complexas.

Márcio Hirata alega que os demais problemas existem pela novida-de do processo e vê grande importância em agilizar no Ministério doDesenvolvimento Agrário (MDA) e nos bancos as respostas às questões

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99Financiamento da Transição Agroecológica

colocadas pelos agricultores. Ele vê, contudo, uma grande desinformaçãotambém por parte da grande massa dos agricultores em relação às novasmodalidades de Pronaf.

Márcio apresenta três questões como mais estratégicas: o financiamen-to de sistemas produtivos e não de produtos; a simplificação/flexibilizaçãodas planilhas de projetos; e a carimbagem de recursos para projetos de tipoagroecológico, com uma dotação garantida.

Quanto ao Pronaf Florestal, Márcio não vê problemas em financiar cul-turas de pinus e eucaliptos se elas não substituírem vegetação nativa, masacha que a prioridade deve ser o financiamento de SAFs e de revegetaçãocom espécies locais.

Síntese das propostas apresentadas pelos participantes

• Os bancos devem priorizar os projetos de agroecologia

• Criar um Pronaf de produção agroecológica além do dirigido à transição

• Recursos para a agroecologia devem ser carimbados

• Dar formação em agroecologia aos técnicos e gerentes dos bancos

• Promover encontros entre técnicos/gerentes e agricultores em cadaagência para discutirem as novas linhas de Pronaf

• Simplificar e flexibilizar os projetos de crédito reduzindo as planilhasao mínimo

• Financiar os sistemas produtivos, ou o conjunto da propriedade, enão produtos ou animais específicos

• Unificar o Pronaf Semi-Árido e o Pronaf Agroecologia, eliminando aexigência de investimento em infra-estrutura hídrica

• Ampliar os prazos de transição agroecológica segundo as regiões –até 8 anos no sul e sudeste, até 14 anos no nordeste e até 18 anosno norte

• Permitir o Pronaf Agroecologia nos assentamentos

• Garantir o financiamento de Ater para a elaboração dos projetossem vincular a remuneração ao valor do projeto

• Garantir financiamento de Ater de forma continuada no longo prazo

• Ajustar o zoneamento aos conceitos da agroecologia

• Garantir o seguro para os sistemas agroecológicos com ou sem aces-so ao crédito

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100 Financiamento da Transição Agroecológica

• Dirigir o Pronaf Florestal para SAFs e sistemas agroecológicos

• Criar um Pronaf de Comercialização de produtos agroecológicos

• Liberar o crédito de investimento na transição agroecológica ano aano, conforme as necessidades do agricultor

• Vincular os prazos de carência aos prazos da transição agroecológica

• Prazos de pagamento de até 8 anos

• Juros de 1% ao ano

• Teto de R$ 30 mil independente da classe do projeto

• Possibilidade de apresentar mais de um Pronaf Agroecologia em sucessão

• Rapidez nos processos de avaliação e liberação dos recursos

• “Confiar nos agricultores familiares”

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101Financiamento da Transição Agroecológica

Capítulo 7

Conclusões

Algumas conclusões sobre o seminário do II ENA e perspec-tivas para o GT Financiamento da ANA

Jean Marc von der WeidAS-PTA

O tema do financiamento da transição e da produção agroecológica foi umdos que menos suscitou interesse entre os participantes do II ENA. Foi o semi-nário com menor número de participantes, cerca de 150. O número de experi-ências identificadas e sistematizadas também foi reduzido, embora bastanterico. Comparado com outros temas, o do financiamento da transiçãoagroecológica foi ainda pouco mobilizador. Por outro lado, a maioria dos parti-cipantes dos vários subgrupos em que o tema se dividiu era de produtores eprodutoras, com baixa presença de técnicos de apoio.

Por que esse pouco interesse e pouca participação (em termos relativos, éclaro)? Penso que a grande maioria das organizações de apoio ao desenvolvi-mento agroecológico da agricultura familiar não se envolveu ainda com essatemática, a não ser em pequena escala, assessorando processos experimentaisnas propriedades dos agricultores. A experiência está mais concentrada nosprocessos de geração participativa de tecnologias do que na promoção de suaadoção na escala das propriedades como um todo.

Está bastante claro que há uma grande diferença entre facilitar processosde experimentação e o passo seguinte que é facilitar a generalização dessasexperiências para o conjunto da propriedade de cada agricultor. Esse passoenvolve não apenas ajustes nas propostas técnicas como o uso de recursos

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humanos e materiais em outra dimensão, que talvez não esteja dispo-nível para o produtor. É freqüente encontrar um número significativode agricultores envolvidos em processos de experimentação que nãochegam a se generalizar para o conjunto da propriedade. E então nosperguntamos por que o agricultor não sai nunca da experimentação.

Os casos de agricultores que realizaram o processo de transição noconjunto de suas propriedades correspondem, na sua maioria, a situa-ções em que o agricultor resolveu, por conta própria, os entraves fi-nanceiros exigidos pela transição para o novo sistema. Mais de uma vezouvimos técnicos afirmarem que a agroecologia significa economias decusto de produção e que, portanto, o problema do financiamento nãodeveria existir. É uma verdade relativa, pois ao mesmo tempo que aprodução agroecológica economiza custos de insumos químicos e, emcertas circunstâncias, de uso de maquinário, ela tem outros custos, emgeral de mão-de-obra, pelo menos nas fases de transição. Em outroscasos, o custo das infra-estruturas capazes de dar suporte aos proces-sos agroecológicos exige investimentos significativos, embora poucosrecursos de custeio. Finalmente, a agricultura familiar se encontra emtal estado de descapitalização que há uma exigência não pouco signifi-cativa de investimentos em quase todas as situações, independente dese tratar ou não de uma transição agroecológica.

Há problemas significativos identificados nas normativas e, sobre-tudo, na operacionalização do crédito Pronaf dirigido para a transiçãoagroecológica, embora seja a única modalidade que opera com um po-tencial de recursos disponível a altura das necessidades do público comque trabalhamos. As outras modalidades se mostraram mais adequadase acessíveis (fundos não-governamentais e Proambiente), mas a dispo-nibilidade de recursos foi ínfima. Os Fundos Rotativos Solidários (FRS)foram a alternativa com maior potencial, quer pela sua aceitabilidadepelo público quer pela facilidade de acesso. No entanto, foram utiliza-dos, até agora, fundamentalmente para obras de infra-estrutura (cis-ternas, barragens subterrâneas) ou para alguns insumos como sementesou esterco. Além disso, ainda seria necessário testar a capacidade des-sa modalidade de enfrentar os processos de financiamento mais com-plexos e de maior porte que se dão em longo prazo e que podem sernecessários na transição agroecológica. Por outro lado, os recursos dis-poníveis para os FRS estão centrados no Nordeste e no Programa UmMilhão de Cisternas (P1MC), agora em vias de se ampliar para a modali-

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dade P1+2 (Uma Terra e Duas Águas, significando duas infra-estruturashídricas das quais uma é a cisterna). Seria portanto necessário pensaruma expansão desse tipo de financiamento para outras regiões e outrasnecessidades de investimento.

Entretanto, o problema da extensão das experiências em pequenaescala para o conjunto da propriedade do agricultor familiar não é sóde capital humano ou financeiro, mas também de ajustes nas própriaspropostas técnicas. Há ainda uma questão de caráter metodológico so-bre como facilitar esse tipo de experiência em maior escala apoiando osesforços dos agricultores em processos coletivos, tal como já se fazcom a experimentação em pequena escala. Essa nova modalidade deexperimentação é ainda mais complexa que a outra, pois os itineráriostécnicos para fazer a transição no conjunto da propriedade podem sermuito diferenciados de agricultor para agricultor, dependendo da suadisponibilidade de mão-de-obra, de recursos financeiros, de terras, etc.

Conhecer e entender esses processos de transição em escala de pro-priedade, verificando os tempos necessários para sua completude, osmecanismos de financiamento dos investimentos necessários, são ques-tões básicas para se poder identificar como será possível mobilizar re-cursos em apoio aos processos, quais as melhores modalidades de fi-nanciamento, em que prazos, com que tipo de pagamentos, etc.

Diante desse contexto, o GT Financiamento vai ter que se reciclarpara traçar um programa mais ajustado a essas necessidades. Mais doque reagir às demandas e oportunidades criadas pelo governo, devemosnos debruçar no estudo dos processos de transição para a agroecologiae dos problemas de financiamento dos seus custos para poder formularuma proposta mais precisa ao governo sobre a adequação das distintasmodalidades de crédito hoje disponíveis para a agricultura familiar.

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