caderno de resumos - ii sihermeneia 2013

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Caderno de Resumos II Simpósio Internacional Hermeneia vida e narração Pensar Ricoeur - 2nd International Symposium Hermeneia Thinking Ricoeur: Life and narrative 2e Symposium International Hermeneia Penser Ricoeur: Vie et narration

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  • Caderno de Resumos

    II Simpsio Internacional Hermeneia

    vida e narrao

    Pensar Ricoeur -

    2nd International Symposium Hermeneia

    Thinking Ricoeur: Life and narrative

    2e Symposium International Hermeneia

    Penser Ricoeur: Vie et narration

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    Caderno de Resumos

    II Simpsio Internacional Hermeneia Pensar Ricoeur: vida e narrao

    2nd International Symposium Hermeneia Thinking Ricoeur: Life and narrative 2e Symposium International Hermeneia Penser Ricoeur: Vie et narration

    Organizadores: Roberto Wu (UFSC)

    Cludio Reichert do Nascimento (UFSC) Adna Candido de Paula (UFVJM)

    lsio Jos Cor (UFFS) Evandro Bilibio (UFFS)

    Nefiponline Florianpolis

    2013

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    Caderno de Resumos

    II Simpsio Internacional Hermeneia Pensar Ricoeur: vida e narrao

    2nd International Symposium Hermeneia Thinking Ricoeur: Life and narrative 2e Symposium International Hermeneia Penser Ricoeur: Vie et narration

    Organizadores: Roberto Wu (UFSC)

    Cludio Reichert do Nascimento (UFSC) Adna Candido de Paula (UFVJM)

    lsio Jos Cor (UFFS) Evandro Bilibio (UFFS)

    Nefiponline Florianpolis

    2013

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    Campus Universitrio Trindade Florianpolis Caixa Postal 476 Departamento de Filosofia UFSC CEP: 88040-900 http://www.nefipo.ufsc.br/ Projeto grfico: Daniel Schiochett Capa: Carolina Reichert Diagramao: Daniel Schiochett

    Apoio:

    Licena de uso Creative Commons: (http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/deed.pt)

  • 3

    SUMRIO

    Culpabilidade e angstia: uma perspectiva dialgica para a hermenutica do mal

    Adna Candido de Paula........................................................................ 11

    A importncia do smbolo na obra de Paul Ricoeur

    Adriane da Silva Machado Mbbs .............................................. 13

    O enigma do mal em Paul Ricoeur Alino Lorenzon ..................................................................................... 15

    Intersubjetividade e solipsismo nas Meditaes cartesianas de Husserl

    Allan Josu Vieira ................................................................................ 17

    A vida de Jesus: Consideraes sobre a linguagem em Friedrich Schleiermacher

    Alosio Ruedel ....................................................................................... 19

    Comunicao, identidade narrativa e intersubjetividade

    Andrs Bruzzone ........................................................................ 21

    Penser autrement la reconnaissance Azadeh Thiriez-Arjangi ....................................................................... 23

    O crculo da compreenso narrativa Bernardo Barros Coelho de Oliveira ....................................................... 25

    Compreenso hermenutica e suspeio genealgica Celso R. Braida ..................................................................................... 27

    La vhmence ontologique: du symbole au rcit Chiara Pavan ........................................................................................ 29

    A experincia hermenutica da arte em Gadamer Clara Machado Pontes .......................................................................... 31

  • II H e r m e n e i a

    4

    Dialtica entre argumentao e interpretao no plano jurdico: uma proposta de Paul Ricoeur

    Claudia Aita Tiellet.............................................................................. 33

    Uma resposta leitura de Ricoeur da Potica aristotlica Claudia Drucker ................................................................................... 35

    Observaes sobre as interpretaes da antropologia do homem capaz

    Cludio Reichert do Nascimento ............................................................ 37

    Mythos e Histria Constana Marcondes Cesar .................................................................. 39

    Sobre a pressuposio hermenutica da fenomenologia: a noo de interpretao nas Meditaes cartesianas de Husserl

    Cristina Amaro Viana ......................................................................... 41

    As contribuies ticas e polticas da concepo ricoeuriana de lngua para as Polticas Lingusticas

    Cristine Gorski Severo .......................................................................... 43

    Tudo metfora? A teoria da metfora em Ricoeur luz de teorias cognitivistas contemporneas

    Daniel Schiochett ................................................................................... 45

    Narrativas de trabalhadores do setor de produo de energia hidreltrica e os (des)encontros trabalho-famlia: dilogos entre a psicossociologia e a hermenutica

    Daniele Almeida Duarte ....................................................................... 47

    Olhar interior e olhar exterior a partir do exemplo literrio de Funes, o memorioso

    Diego Siqueira Rebelo Vale .................................................................. 49

    Baudelaire e a simblica do mal Eduardo Horta Nassif Veras ............................................................... 51

    Um tratado de paz entre o pensar e o querer: a sugesto de Hannah Arendt

    Elizabete Olinda Guerra ...................................................................... 53

    Imaginrio poltico no discurso constitucional: uma leitura da articulao entre ideologia e utopia no pensamento de Paul Ricoeur

    Ernane Salles da Costa Junior .............................................................. 55

  • II H e r m e n e i a

    O conceito de aplicao segundo a hermenutica ricoeuriana: desafios e questes

    Fbio Galera ......................................................................................... 57

    Paul Ricoeur e uma hermenutica do trgico Flvia Maria Schlee Eyler ..................................................................... 59

    La prueba del pobre Francisco Martn Dez Fischer .............................................................. 61

    A prxis dialgica na hermenutica filosfica de Gadamer Gabriela Miranda Zabeu ...................................................................... 63

    As implicaes ticas da narrao Geraldo Luiz De Mori ......................................................................... 65

    Nas fronteiras da identidade narrativa: o voluntrio e o involuntrio

    Hlio Salles Gentil ................................................................................ 67

    O justo e o moral na anlise de Ricoeur sobre John Rawls Itamar Soares Veiga ............................................................................. 69

    Efetividade das aes humanas e a reconstruo narrativa em Paul Ricoeur

    Ivanho Albuquerque Leal .................................................................... 71

    Da Littera Vox na arte de compor: uma proposta clnica a partir da mmesis ricoeuriana

    Jane Borralho Gama ............................................................................. 73

    O lugar da historiografia em Paul Ricoeur: a conscincia histrica e a constituio do sujeito

    Joo Margarida Evangelista dos Santos Filho ........................................ 75

    Da encarnao esperana: as sendas comuns de Gabriel Marcel e Paul Ricoeur

    Jos Manuel Beato ................................................................................. 77

    Reflexo sobre a natureza do direito a partir da tica e da moral em Paul Ricoeur

    Jos Rogrio Machado de Paula Jlio Cesar Machado de Paula ............................................................... 79

    When the Ineffable is Beyond Translation - A Ricoeurian Reading of Exodus 3:14

    Joseph A. Edelheit ................................................................................ 81

  • II H e r m e n e i a

    6

    Poesia: preldio filosofia Kaique Leonnes de Sousa Oliveira ......................................................... 83

    A influncia de Frege na concepo de referncia de Ricoeur Kariel Antonio Giarolo ......................................................................... 85

    Do legado de Paul Ricoeur para a sociologia: uma discusso sobre hermenutica e tica

    Ktia Marly Leite Mendona ................................................................ 87

    Entre narrar o viver e viver o narrar: o conceito de experincia em P. Ricoeur

    Leandro R. Lage ................................................................................... 89

    O si-mesmo autntico: Ricoeur, leitor de Heidegger Leila Rosibeli Klaus .............................................................................. 91

    La construccin narrativa identitaria como forma de construccin del mundo de la vida: irrealidad y prueba del dolor

    Luisa Ripa ........................................................................................... 93

    Consideraes sobre R. M. Rilke Luiz Hebeche ........................................................................................ 95

    Tiempo y apora en la magdalena de Proust Una interpretacin fenomenolgico-hermenutica

    Luz Ascrate ........................................................................................ 97

    Heidegger, Hlderlin e a fundao potica: superao da metafsica e platonismo

    Maicon Reus Engler .............................................................................. 99

    Time, narrative and hermeneutics of otherness Marco Casucci ..................................................................................... 101

    La doble adscripcin de la memoria: los procesos de memoria entre lo singular y lo colectivo

    Mara Beatriz Delpech ........................................................................ 103

    A experincia hermenutica: da reabilitao dos preconceitos ao conceito de experincia hermenutica

    Maria dos Santos Silva Lopes ............................................................. 105

    Existncia e narrao: Agostinho na leitura de Ricoeur Noeli Dutra Rossatto .......................................................................... 107

  • II H e r m e n e i a

    O problema do outro desde um enfoque tico-fenomenolgico em Ricoeur

    Paulo Gilberto Gubert ........................................................................ 109

    Sobre a aplicao da destruio heideggeriana em A Origem da Obra de Arte

    Pedro Baratieri ................................................................................... 111

    O arco crtico percorrido pela noo ricoeuriana de justia Rafael Alves Padilha .......................................................................... 113

    Base filosfica para uma estrutura dogmtica? A relao entre dialtica, hermenutica e dogmtica em Schleiermacher

    Raphaelson Steven Zilse ..................................................................... 115

    Energtica e hermenutica: o problema epistemolgico do freudismo discutido por Paul Ricoeur

    Ricardo Jardim Andrade .................................................................... 117

    H uma teoria do romance em Temps et Rcit? Rita de Cssia Oliveira ...................................................................... 119

    Pessoa e promessa em Paul Ricoeur: no caminho das instituies justas

    Roberto Roque Lauxen ...................................................................... 121

    Imagem e smbolo: em torno de uma diferena entre as hermenuticas de Gadamer e Ricoeur

    Roberto Wu........................................................................................ 123

    A aportica agostiniana do tempo na hermenutica de Paul Ricoeur Rogaciano Rodrigues Maciel................................................................ 125

    A refigurao do direito no Outro: uma leitura desinstuticionalizante de Ressurreio, de L. Tolstoi

    Sandro Alex De Souza Simoes .......................................................... 127

    Paul Ricoeur e projetos industriais: a hermenutica de Tempo e Narrativa na compreenso de controvrsias tcnicas

    Saulo Costa Val de Godoi ................................................................. 129

    A dimenso individual da memria em Notas do subsolo Svio Augusto Lopes da Silva Junior Francis Paulina Lopes da Silva .......................................................... 131

    Paul Ricoeur e o paradoxo dos direitos humanos Sergio de Souza Salles ........................................................................ 133

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    Tempo, experincia e atividade narrativa em Paul Ricoeur Sheila Couto Caixeta .......................................................................... 135

    Laporie du rcit Umut kszan .................................................................................. 137

    Paul Ricoeur: a identidade pessoal entre manuteno e traio da promessa

    Vereno Brugiatelli ............................................................................... 139

    O papel funcional da imaginao potica: metfora, vida e linguagem

    Vinicius Oliveira Sanfelice .................................................................. 141

    A Theology of the Divine Name in Paul Ricoeur Vitor Chaves de Souza ....................................................................... 143

    A imaginao entre o potico e o prxico em Temps et Rcit Wanderley Martins da Cunha ............................................................. 145

    Ricoeur leitor da psicanlise: notas sobre a questo do sujeito em Freud

    Weiny Csar Freitas Pinto .................................................................. 147

    Verdade e jogo: a experincia com a arte na hermenutica gadameriana

    Weksley Pinheiro Gama...................................................................... 149

    Narrative identity and individuality. The aporias of time reconsidered

    Yusuf Yldrm .................................................................................... 151

    Personalism in ethics and Ricoeurs response to it Zeynep Direk ...................................................................................... 153

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    APRESENTAO

    O presente Caderno de Resumos rene os resumos das comunicaes apresentadas durante o II Simpsio Internacio-nal Hermeneia Pensar Ricoeur: vida e narrao, realizado de 30 de setembro a 02 de outubro de 2013, no Auditrio do Cen-tro de Educao da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, SC, Brasil, promovido pelo Programa de Ps-graduao em Filosofia - UFSC. O evento contou com o apoio financeiro da Capes e do PPG em Filosofia da UFSC e com o reconhecimento institucional do Fonds Ricoeur - Paris e da As-sociao Ibero-americana de Estudos Ricoeurianos (ASIER).

    Ao longo de trs dias foram apresentadas mais de setenta comunicaes sobre Fenomenologia e Hermenutica e suas in-terfaces com a Histria, a Literatura, as Cincias Sociais e a Psi-cologia, centradas, em sua maioria, na obra do filsofo francs Paul Ricoeur. A presena de pesquisadores da Turquia, Itlia, Argentina, Peru, Frana, Austrlia, Estados Unidos da Am-rica, Portugal e de todas as regies do Brasil, mostra a dissemi-nao mundial e nacional do pensamento ricoeuriano.

    O tema Pensar Ricoeur: vida e narrao evoca a ex-presso o smbolo d a pensar utilizada pelo filsofo em seu livro Finitude et culpabilit, publicado em 1960, que marca a sua entrada na hermenutica. Na ocasio, Ricoeur afirma que o smbolo d; mas o que ele d a pensar, do que pensar. Assim como a reflexo sobre o smbolo parte da linguagem que j se deu, a reflexo sobre a obra de Ricoeur, sem dvida, acon-tece a partir dos mais de trinta livros e das centenas de artigos

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    de sua produo em mais de cinco dcadas. A filosofia de Ri-coeur no primeira, no sem pressuposio, nem ele aspi-rava que fosse. Ricoeur pe em discusso um grande nmero de questes filosficas clssicas sem deixar de lado o debate e a preocupao com os problemas contemporneos. Ademais, procurou dialogar com as cincias humanas e as outras tradi-es filosficas distintas da filosofia reflexiva, da fenomenolo-gia e da hermenutica, com as quais ele se reconhecia. Pensar Ricoeur preciso e, com efeito, sua filosofia d a pensar e, ao

    invs de somente afirmar a convico na grandeza de suas re-flexes, necessrio tambm ter uma postura cuidadosa e cr-tica, como ele prprio tivera acerca de outros filsofos e, cer-tamente, desejava que tivessem com sua obra. Como veremos, esta postura crtica faz-se presente nos resumos abaixo.

    Os organizadores Outubro de 2013, Florianpolis, SC, Brasil. Boa leitura!

    Os organizadores

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    CULPABILIDADE E ANGSTIA: UMA PERSPECTIVA DIALGICA PARA A

    HERMENUTICA DO MAL

    Adna Candido de Paula UFVJM - Brasil

    [email protected]

    Esta comunicao tem por objetivo apresentar um re-corte da pesquisa sobre a hermenutica do mal realizada no projeto O mal: uma aproximao crtica interdisciplinar entre a filosofia da religio, a teoria literria e a filosofia moral. A proposio feita, para esta ocasio, a da aproximao do conceito de angs-tia, apresentado pelo pensador dinamarqus, Sren Kierke-gaard, na obra O conceito de angstia - Uma simples reflexo psi-colgico-demonstrativa direcionada ao problema dogmtico do pecado hereditrio de Virgilius Haufniensis, com a noo de culpabilidade, problematizada pelo filsofo francs, Paul

    Ricoeur, na obra Filosofia da vontade II - Finitude e culpabilidade. A proposta de Kierkegaard, na referida obra, era de tratar psico-logicamente o conceito de angstia, mantendo no horizonte o dogma do pecado original, abordando, portanto, a ideia da he-reditariedade da falta. Ricoeur, por sua vez, apresenta a culpa-bilidade na ruptura com a ordem do pecado original, mas con-sidera o movimento de interiorizao da falta inerente ao pe-cado. Nesse sentido, a culpabilidade compreendida em seu movimento duplo de ruptura e de retomada. Para Ricoeur, a

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    culpabilidade uma espcie de castigo antecipado, que, interi-orizado, antecipa o castigo da queda e do pecado. Assim sendo, o essencial da culpabilidade j est contido na conscincia do ser carregado de um peso. Por sua vez, Kierkegaard observa que a compreenso do pecado necessria para esclarecer a esfera da existncia e, por conseguinte, a esfera religiosa. Esta comunicao dar destaque a dois pontos de contato destes discursos concepo de liberdade e dimenso tica impl-cita na subjetivao da falta, ou da angstia. O que parece apro-ximar os dois referidos pontos a noo de salto presente na obra dos dois pensadores. Segundo Kierkegaard, a culpa que brota da angstia, com o salto qualitativo, conserva o mesmo grau de imputabilidade que a de Ado, e a angstia, a mesma ambiguidade. Isto porque a angstia como uma vertigem, de fato, ela a vertigem da liberdade, que surge quando o esprito quer estabelecer a sntese (entre corpo e alma), e a liberdade olha para baixo, para sua prpria possibilidade, e assim, se-gundo Kierkegaard, agarra a finitude, para nela firmar-se. Aqui, na vertigem, tambm h um movimento duplo, no qual a liber-dade desfalece, mas, no mesmo instante, reergue-se se sentindo culpada. Entre estes dois movimentos, h o salto. Isto ocorre porque na angstia reside a infinitude egosta da possibilidade, que no instiga como uma escolha, mas angustia. Para Ricoeur, desde a possibilidade do mal realidade deste, h um abismo, que s pode ser compreendido como um salto da falibilidade falta. Para alm da aproximao de termos semelhantes, que no necessariamente possuem o mesmo sentido ou derivam da mesma tradio filosfica, h, nas obras dos dois pensadores, pontos de contato que indicam a relevncia dessa investigao. Outrossim, os dois discursos, no que tange hermenutica do mal, tangenciam uma teoria da subjetividade e transitam nas esferas da filosofia e da dogmtica.

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    A IMPORTNCIA DO SMBOLO NA OBRA DE PAUL RICOEUR

    Adriane da Silva Machado Mbbs UFSM - Brasil

    [email protected]

    Este artigo constitui-se num pequeno ensaio acerca dos resultados obtidos at o momento na pesquisa de doutorado. Objetiva-se apresentar a importncia do smbolo na obra de Paul Ricoeur. Nossa inteno demonstrar como se constitu esta problemtica na obra ricoeuriana e qual a sua importncia para o autor. Alguns comentadores acreditam que a obra ri-coeuriana est constituda com base em trs paradigmas: o sm-bolo, o texto e a traduo e, que cada paradigma complemen-taria o outro. Assim como h aqueles outros comentadores que acreditam que no possvel confinar a importncia do sm-bolo apenas a fase de Finitude et culpabilit, embora possam ad-mitir uma progresso e estratificao na relao entre o sm-bolo, o texto e a traduo. possvel perceber que as duas ver-tentes aqui mencionadas, a que possuem como seus princi-pais representantes Domenico Jervolino e Marco Salvioli, res-pectivamente , embora contrrias, admitem a importncia do smbolo na obra do autor. Portanto, por questes metodolgi-cas, dividimos essa pesquisa em trs momentos, a saber: (i) a funo do smbolo na filosofia ricoeuriana, momento em que estaremos elucidando a funo do smbolo e a sua contribuio problemtica do mal e, ainda, a abordagem feita por Ricoeur em relao aos smbolos primrios (mancha, pecado e culpabi-lidade) e os secundrios do mal (os mitos). Iniciaremos pela

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    conceituao feita por Ricoeur sobre o smbolo e sua origem, bem como sua tentativa de explicar a origem do mal; posteri-ormente, (ii) apresentar-se-o as teses de dois de seus comen-tadores, a saber: Domenico Jervolino e Marco Salvioli, e as suas concepes acerca do papel do smbolo na filosofia de Ricoeur. E, por fim, (iii) apresentaremos a nossa hiptese a respeito da importncia do smbolo na filosofia de Ricoeur. Nossa hip-tese consiste em dizer que h a permanncia do smbolo em toda a filosofia de Ricoeur; e ainda, nos trs paradigmas, o sm-bolo, o texto e a ao, mas no em um sentido progressivo, como pretende Jervolino. Para ns, o smbolo tratado como multiplicidade de sentido; e, num segundo momento, Ricoeur passa a tratar o texto como smbolo; e posteriormente, o texto tratado como ao; e uma vez que o texto em nossa opinio smbolo, este estaria presente em toda a obra ricoeuriana. E, abordaremos ainda o tratamento que o filsofo d acerca dos smbolos do mal em sua obra A simblica do mal interpretada - Ensaios de hermenutica (1990).

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    O ENIGMA DO MAL EM PAUL RICOEUR

    Alino Lorenzon UFRJ - Brasil

    [email protected]

    A discusso filosfica que visa uma interpretao cada vez mais aprofundada do mal atravessa toda a obra de Ricoeur. Ora, tanto o mal fsico (doenas, mortes, cataclismas e hoje a explorao destruidora dos recursos da natureza) quanto o mal moral e o mal poltico ligado paixo do poder constituem de-safios, tericos e prticos, para quem reflete sobre suas origens, natureza e consequncias. Ademais, a banalizao do mal, na clebre expresso de H. Arendt, continua sendo um dos maio-res problemas da tica, bem como das reas que se consagram ao conhecimento da conduta das pessoas, dos grupos humanos e da complexidade de suas instituies. Um aspeto importante do percurso intelectual de Ricoeur que a sua reflexo sobre o mal no fica apenas no campo terico. o exemplo de coern-cia entre o pensamento e a ao, enquanto filsofo e enquanto cristo, comprometido na denncia e no combate ao mal. Desde a sua infncia vive a experincia do mal com a morte da me e, logo depois, do pai, morto na Guerra de 1914. Ele mesmo, na sua juventude, feito prisioneiro na Segunda Guerra Mundial, passa quatro anos confinado num campo de concen-trao na Pomernia oriental. No sem razo que o mal atra-vessa a obra de Ricoeur desde as suas primeiras publicaes (a trilogia que compe a Philosophie de la volont) at seus ltimos escritos. Nessa obra, Ricoeur desenvolve suas pesquisas ticas,

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    concentradas no estudo dos mitos e dos smbolos, referentes ao mal, culpabilidade e confisso, utilizados sobretudo pelas antigas populaes da Sria, da Babilnia, do judasmo e da Grcia. Conclui com a famosa frase O smbolo d que pensar. A aplicao da fenomenologia e da hermenutica constitui seu principal recurso terico para esse trabalho intelectual. E aqui preciso frisar seu grande mrito e sua contribuio original, porquanto no campo da tica inaugura um tipo novo de estudo o de desvendar a riqueza dos mitos e dos smbolos dessas culturas, quando se voltam para o conhecimento do problema do mal. que eles exprimem uma experincia vivida de uma comunidade. Por exemplo, o smbolo da mancha o que apa-rece com frequncia na linguagem primitiva dos povos judaico e grego, e, consequentemente, da culpabilidade, do pecado e da necessidade duma purificao. Na ndia, no judasmo e no cris-tianismo esse smbolo (o da mancha ou mcula) ainda faz parte da linguagem religiosa. Na ndia, ainda hoje, os prias so os dalits (oprimidos) e os que nem sequer podem ser tocados, de to impuros. Ao se tratar do problema do mal, Ricoeur apresenta um avano com relao a outros pensadores, atravs do uso dos conceitos de finitude e de falibilidade, que apresentam um aprofundamento do problema do mal. Ainda, o mal se expressa pela confisso (laveu), isto , pela palavra. E os mitos o expres-sam de forma narrativa e atravs dos smbolos e da ao em vista duma transformao espiritual de sentimentos. Por isso, alm da pergunta sobre sua origem: de onde vem o mal?, deve-se formular esta outra: o que fazer contra o mal?. O mal no atinge apenas o seu autor (o mal infligido), mas sobretudo a vtima (o mal sofrido). Em forma de concluso, podemos dizer que os mitos e os smbolos, de um lado, e a contribuio dos filsofos, de outro, avanaram no estudo e nas explicaes da origem, das consequncias e amplido do mal, muito pouco sa-bemos ainda quanto ao seu lado do injustificvel. Tanto o mal fsico, quanto o mal moral e poltico continuam um grande ponto de interrogao, um problema no resolvido, o mysterium iniquitatis e um enigma a ser desvendado.

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    INTERSUBJETIVIDADE E SOLIPSISMO NAS MEDITAES CARTESIANAS

    DE HUSSERL

    Allan Josu Vieira UFFS - Brasil

    [email protected]

    O presente trabalho visa discutir a temtica do solip-sismo a partir da leitura das Meditaes cartesianas de Husserl. A questo que emerge referente ao estatuto da fenomenologia enquanto idealismo transcendental, tal como exposto nas Me-ditaes, e, a partir da, irrupo do solipsismo. Com efeito, ao praticar a reduo fenomenolgica e identificar a fenomenolo-gia com uma egologia, o prprio Husserl adverte para o surgi-mento de um solipsismo aparente. E, aps construir o itine-rrio que, ao longo das quatro primeiras meditaes, o conduz afirmao de que a fenomenologia deve ser um novo tipo de idealismo transcendental, Husserl inicia a quinta meditao, de-dicada ao tema da intersubjetividade, colocando explicitamente a questo relativa objeo do solipsismo que poderia ser diri-gida contra a fenomenologia. Mas, se, tal como apontado nas Meditaes, a reduo no altera em nada o sentido que o mundo tem para o ego transcendental, ficando, desse modo, suspensa apenas a tese geral da atitude natural relativa existncia ftica do mundo, no deveria a esfera intersubjetiva ser mantida, na qualidade de puro correlato noemtico? A reduo j no se revela, desde o princpio, como intersubjetiva? Assim, o pro-blema que se pretende investigar o sentido que o solipsismo

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    possui na fenomenologia, tendo como ponto de partida as Me-ditaes cartesianas. O objetivo buscar estabelecer de que ma-neira esse solipsismo pode encontrar um sentido legtimo den-tro da fenomenologia transcendental e de que modo Husserl procura ultrapassar essa questo. A metodologia utilizada foi a de anlise de textos, dada a especificidade das pesquisas em fi-losofia. Procurou-se investigar, alm das Meditaes, outras obras de Husserl que tivessem relao com os temas a trata-dos. Tambm se buscou apoio na literatura especializada sobre o assunto. Os resultados alcanados demonstram que a posio do problema do solipsismo, em Husserl, possui implicaes di-versas daquelas presentes na formulao clssica deste mesmo problema, tal como nas crticas a Descartes. Com efeito, o que Husserl procura abordar na quinta meditao no a possibili-dade de provar a existncia de outros fora do ego, mas encon-trar uma resposta que possa ser relevante a partir do nico plano ao qual a fenomenologia volta sua ateno: o das ideali-dades, do puro sentido enquanto correlato intencional das vi-vncias do ego transcendental. A questo husserliana concerne ao sentido alter ego na qualidade de outro ego transcendental; so-mente esse sentido que, dado o contexto e os problemas com os quais Husserl est lidando nas Meditaes, possui significado para o estabelecimento da fenomenologia como cincia dos fe-nmenos puros da conscincia.

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    A VIDA DE JESUS: CONSIDERAES SOBRE A LINGUAGEM EM

    FRIEDRICH SCHLEIERMACHER

    Alosio Ruedel UNIJU - Brasil

    [email protected]

    O propsito deste texto fazer uma discusso sobre a linguagem em Friedrich Schleiermacher, com referncia espe-cfica a suas consideraes no livro Das Leben Jesu (A vida de Jesus). Talvez o subttulo da proposta Consideraes sobre a lin-guagem em Friedrich Schleiermacher no expresse bem o que se pretende apresentar e o que o filsofo discute em seu texto. Embora sua discusso esteja focada na linguagem, ele trata o tema de maneira mais ampla, sugerindo que se fale em comu-nidade lingustica. A propsito de uma abordagem especfica sobre a vida de Jesus, desenvolve uma reflexo geral sobre a relao ou influncia recproca entre o individual e o coletivo ou comunitrio, entre a linguagem universal ou comunitria e a fala singular de cada indivduo. A convico que acompanha o texto e que se constitui em tese : no se pode arrancar nin-gum de seu tempo, de sua poca e de seu povo. O contexto social ou comunitrio determinante e indispensvel na cons-tituio do indivduo humano. ftil querer pensar o ser hu-mano sem suas circunstncias. Mas, de outro lado, tambm verdade que a sociedade ou a comunidade somente existe por-que constituda, mantida e/ou transformada pela ao dos in-divduos. Em tese, todos so influenciados pelo contexto social

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    e, em certa medida, tambm deixam nele sua marca ou influn-cia. A discusso ainda adquire um desafio especial quando se aplica ao caso especfico da vida de Jesus. Imaginando a discus-so entre cristos ou crentes, evoca-se logo a grande influn-cia que Jesus exerceu sobre sua comunidade de origem e, por fim, sobre toda a humanidade. Mas, de outro lado, teria Ele tambm sofrido a influncia de seu contexto social, da mesma forma como qualquer outro indivduo humano? Isso no dimi-nuiria sua dignidade? Para responder a essa pergunta, Schleier-macher argumenta que no h exceo nessa relao recproca entre o individual e o social ou comunitrio. Pode-se at admi-tir diferentes graus ou nveis de influncia sofrida e/ou exer-cida. H, sem dvida, homens que, em sua trajetria de vida, destacam-se positivamente pela enorme influncia que exer-cem sobre a sociedade. Jesus , sem dvida, um exemplo des-tes. Mas, at mesmo Ele no teria deixado nenhuma influncia para a humanidade, se, na poca, no tivesse acolhido os valo-res lingusticos de sua comunidade de origem, servindo-se de uma linguagem j existente. Sua vida e sua mensagem, antes de terem um sentido peculiar e nico, trazem tambm a marca ou a influncia de uma comunidade lingustica.

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    COMUNICAO, IDENTIDADE NARRATIVA E INTERSUBJETIVIDADE

    Andrs Bruzzone USP - Brasil

    [email protected]

    O que de um sujeito passa pela comunicao? e O que permanece fundamentalmente incomunicvel? so as pergun-tas que fecham a conferncia Discours et Communication (2004), onde Paul Ricoeur tematiza a comunicao a partir de um en-contro entre filosofias da linguagem, teoria do discurso e feno-menologia, partindo de uma viso mondica tradicional. Pos-tulada a mnada husserliana e leibniziana, a possibilidade da comunicao exige ser provada. Cabe ao discurso efetuar a transgresso, isto , atravessar aquilo que no pode ser atraves-sado, retirar as mnadas de sua condio solipsista. Para isso, Paul Ricoeur procede em trs movimentos: 1) Comea pelo ncleo lgico do discurso: o que comunicado , em primeiro lugar, a logicidade do discurso, capaz de exteriorizar o evento em relao a si mesmo, colocar o discurso fora de si mesmo e abri-lo a um outro locutor. 2) Continua com a fora do discurso, no sentido de Austin: um enunciado vale como assero, ou como ordem, ou como promessa. 3) Finaliza no nvel das in-tenes, onde o carter sui-referencial do discurso permite o acesso inteno do locutor, que se comunica ou comunica algo sobre si mesmo comunicando o sentido, a referncia e a fora de seu discurso. Ricoeur conclui que o comunicvel pelo discurso o notico, o intencional, o que aparece nas aluses sui-referenciais do discurso. Resta incomunicvel o que da

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    esfera do psquico, o encadeamento do vivido, a continuidade de eventos ligados pelo tempo, a pertena destes eventos mesma srie fechada e singular. Neste trabalho indagamos so-bre as consequncias desta concluso para a construo de uma subjetividade hermenutica. Perguntamos qual o espao que resta e qual sustento que faz possvel a intersubjetividade quando se introduz a mnada. Seguindo a anlise ricoeuriana, possvel preservar a intersubjetividade sem a incorporao de outros construtos filosficos (como Lvinas, por exemplo)? E, ainda, qual a necessidade de preservar este espao e de garan-tir este sustento para uma filosofia onde a subjetividade est ancorada na troca de narraes cruzadas e apropriadas, onde no h um eu independente de outros, um eu soberano. Volta-mos nossa ateno para o ltimo estudo de Soi-mme comme un autre, intitulado Vers quelle ontologie?, procurando analisar estas questes luz do desenvolvimento da noo de identidade nar-rativa, especialmente o que diz respeito presena do outro no si mesmo, a polissemia da outridade e o conceito de attestation.

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    PENSER AUTREMENT LA RECONNAISSANCE

    Azadeh Thiriez-Arjangi EHESS - Paris / Fonds Ricur - France

    [email protected]

    En abordant la question de la mmoire, Ricur avoue quil existe de nombreux points de dpart pour voquer le concept de la mmoire. Notre interrogation est la suivante: Serait-il galement lgitime de penser diffrentes ressources pour invoquer le concept de la reconnaissance? Afin dy rpondre et en saventurant aux frontires de la lecture ricurienne sur la psychanalyse nous trouvons loccasion de proposer une lecture du concept de la reconnaissance qui trouve son point de dpart dans une certaine investigation dialectique comme dit Ricoeur. Ce point de dpart originaire, entame son chemin partir de la psychanalyse freudienne et les questions poses sur la conscience et croise par la suite, le concept de la reconnaissance sur son passage. Ainsi, une autre approche pour aborder les questions de lthique, la politique et la reconnaissance, se forme. vrai dire, si de prime abord, cest la tentative ricurienne de dmarquer les frontires entre

    la phnomnologie hglienne de lesprit et la psychanalyse de Freud qui est en jeu, dans un second temps cest le rapprochement ou la comparaison entre ces deux penseurs qui ouvre la voie pour penser autrement la reconnaissance, ainsi que les questions de lthique et de la politique. Une telle lecture prsenterait-elle lopportunit de renverser le traitement de ces trois concepts? Sagirait-il de faire une archologie du

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    concept de la reconnaissance? Serait-il dsormais lgitime dinscrire le concept de la reconnaissance dans un nouveau contexte ontologique? Or, si Bergson a pens la reconnaissance au mme titre que des problmes poss par la mmoire, Ricur a saisi son tour une nouvelle source afin dapprhender le concept de la reconnaissance qui est la psychanalyse freudienne. En effet, cest la suite dune dtresse phnomnologique face linconscient et grce au travail de Freud que Ricur admet la conscience comme une tche et

    accepte de parler de la conscience en terme dpignse. Il faudra donc relier la question de la conscience une autre, qui porte sur la manire dont un homme devient adulte. La rponse de Ricur est sans quivoque. Or, ce nest quen devenant capable de nouveaux signifiants-cls, proches des moments de lEsprit dans la phnomnologie hglienne que lhomme devient adulte. Ces nouveaux signifiants-cls doivent rgler des sphres de sens entirement irrductibles lhermneutique freudienne. Ricur pense pouvoir associer la psychanalyse de Freud avec la mthode de la Phnomnologie de lesprit o Hegel refuse de dployer la srie de ses figures la suite de la conscience immdiate. Par consquent, la gense voque par Hegel nest rien dautre que celle de lesprit dans un discours. Do la lgitimit dune investigation dialectique, conduisant lexemple hglien du matre et de lesclave, et ouvrant ainsi la rflexion sur le concept de la reconnaissance. Cest dans cette perspective que je propose une lecture critique du concept de la reconnaissance embrassant le rapport de ce dernier avec les concepts de lthique et de la politique. Par consquent, cette lecture a pour ambition dinvoquer un dplacement dans lordre des concepts, procdant ainsi un nouveau point de dpart.

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    O CRCULO DA COMPREENSO NARRATIVA

    Bernardo Barros Coelho de Oliveira UFF - Brasil

    [email protected]

    Em seu importante ensaio De linterprtation, que faz parte da coletnea Du texte laction, Ricoeur encerra uma longa vi-sada retrospectiva sobre sua prpria obra, centrando no que ele ali chama de veemncia ontolgica da linguagem, segundo ele j presente em Ser e tempo e tambm em Verdade e mtodo. A expresso resume a convico de que o discurso no uma atividade independente, mas que sua funo dizer um mundo, e a sua recepo realizar a experincia de habitar este mundo. Tal convico seria o pano de fundo de suas investigaes a respeito das referncias metafrica e narrativa, nas obras A me-tfora viva e Tempo e narrativa. E acrescenta que uma de suas con-tribuies foi dar preciso analtica referida veemncia. no sentido de enfatizar o valor desta preciso analtica bus-cada por Ricoeur que propomos nesta comunicao mostrar como a teoria da trplice mmesis, proposta por Ricoeur no pri-meiro volume de Temps et rcit, pode ser lida como um muito oportuno detalhamento da proposta gadameriana de cr-culo da compreenso, expressa pela primeira vez em ensaio de 1959 (publicado no tomo 2 de Verdade e mtodo), e desenvol-vido na obra mestra de 1960, que , por sua vez, uma retomada explcita de importante passagem de Ser e tempo. Procuraremos mostrar que a construo da teoria da trplice mmesis, iniciada

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    na leitura que Ricoeur faz da Potica de Aristteles, replica a es-trutura circular descrita por Gadamer, conferindo-lhe, no en-tanto uma preciso analtica derivada da especificidade do as-sunto. Para Gadamer, a circularidade do compreender descreve a dinmica de encontro com qualquer proposio de sentido e sua respectiva pretenso de verdade, encontro este que se d sempre a partir de pressupostos, que so postos em movimento e reformulados no choque com um texto. O detalhamento proposto por Ricoeur, que procura descrever o processo de lei-tura ou recepo de textos narrativos, fiel lgica hermenu-tica gadameriana. Os pressupostos do leitor, ou seja, sua com-preenso pr-narrativa da dinmica temporal da ao humana, antecede e possibilita o choque com uma composio tex-tual, embate do qual surgir uma nova compreenso da mesma dinmica, passvel de ser reincorporada ao plano da ao, e as-sim indefinidamente. O detalhamento da circularidade compre-ensiva via leitura do discurso narrativo, no entanto, no gra-tuita dentro do plano mais geral da histria da hermenutica, que, desde Dilthey, impulsionada pelo problema desta forma discursiva, ou seja, que a compreenso de textos narrativos, seja na vertente ficcional, seja na da historiografia, ou mesmo na psicanlise, constitui um lugar privilegiado do trabalho filos-fico de compreender o compreender. Ricoeur procura mostrar que a pretenso de verdade, ou em outros termos, da referen-cialidade do texto narrativo no se d em uma remisso abstrata a um real anterior leitura, mas sim o coroamento da experi-ncia tripartida descrita em Tempo e narrativa. Atravs desta pre-ciso analtica Ricoeuriana, o tema gadameriano do crculo da compreenso ganha a espessura ontolgica e antropolgica que lhe cabe na filosofia contempornea.

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    COMPREENSO HERMENUTICA E SUSPEIO GENEALGICA

    Celso R. Braida UFSC - Brasil

    [email protected]

    Nesse texto discuto a distino entre dois tipos de ati-

    tude interpretativa proposta por Ricoeur, no livro De linter-prtation. Essai sur Freud (1965), captulo Le conflit des in-

    terprtations. Para o autor, essas duas formas de interpretao so ambas hermenuticas, pois nelas trata-se do problema da caracterizao do conceito de interpretao como apreenso de sentido das manifestaes de outrem, fundadas em duas atitu-des: de suspeita, de escuta. Proponho tomar essa distino como uma oposio entre duas metdicas filosficas que dis-putam acerca da matriz de sentido das aes e expresses hu-manas, uma psico-genealgica, outra fenomenologico-herme-nutica. A minha sugesto tomar a genealogia e a hermenu-tica como dois tipos de procedimento interpretativo: um, com-preensivo, baseado no princpio de aceitao do dado, que trata a manifestao do outro como de um sujeito soberano livre, no-interessado em dominar, e consciente de si e do que quer dizer; outro, suspeitoso, que trata a manifestao de sentido como de um sujeito assujeitado, mas com interesses de domi-nncia, parcialmente consciente de si e do que quer dizer. Compreenso e Suspeio so as cifras para duas atitudes interpretativas que se diferenciam pela suposio de fundo quanto natureza do nexo de sentido: j interao lingustica

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    plena, ou ainda relaes de fora. Desse modo pode-se retomar a distino proposta por Ricoeur com o objetivo de reestabe-lecer a diferena metodolgica entre Hermenutica e Genealo-gia, a partir da diferena entre tomar ou no a linguisticidade como base da significatividade. Essa diferena incide sobre a significatividade, e tambm sobre a relao entre teoria filos-fica e cincia emprica. A meu ver, o conflito das interpretaes desdobrado por Ricoeur est j inscrito em Wahrheit und Methode na oposio entre Verstehen e Geschehen, e manifesta na tenso entre o conceito principal da segunda parte, dewirkungsgeschi-chtlichen Bewusstseins, e o da terceira parte, de Sprachlichkeit. Ga-damer opta claramente pela linguisticidade universal. Essa op-o, entretanto, retira a fora metdica do conceito de consci-ncia dos efeitos da histria. Na minha leitura, Ricoeur faz o mesmo tipo de opo metdica ao aderir interpretao her-menutica em detrimento da genealgica. Defendo que essa opo est na raiz da perda da dimenso crtica na hermenu-tica filosfica, como bem apontou Ineichen (1991). A minha proposta metodolgica a de manter as duas atitudes interpre-tativas como complementares, para assim recuperar a dimen-so crtica, ao incorporar a operao genealgica na metdica hermenutica. Para isso, entretanto, faz-se necessrio substituir a base metdica fenomenolgica da filosofia hermenenutica, pois ela que exclui a operao de suspeio genealgica. Com efeito, o princpio dos princpios da fenomenologia (Husserl, 1913) ater-se ao dado nos limites do dado, enquanto a gene-alogia de antemo suspende a validade do dado. Nos termos da hermenutica filosfica, esse princpio implica ater-se ao dado lingustico nos limites do que dado linguisticamente. A gene-alogia filosfica relativiza esse princpio ao questionar tanto a imediatidade do dado quanto a imediao do acesso ao dado, ao introduzir como significativa e interpretvel a dimenso das relaes de fora.

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    LA VEHEMENCE ONTOLOGIQUE: DU SYMBOLE AU RECIT

    Chiara Pavan Universit del Salento - Italia

    Universit Sorbonne Paris IV - France [email protected]

    Cest une troisime voie que Ricur ouvre chaque fois avec le rcit: mdiation entre temps individuel et cosmologique, mmet et ipsit, phnomnologie et hermneutique. La structure narrative permet, en effet, de dsubstantialiser les notions de temps et de soi, sans pour autant relguer dans lillusion lexprience que lhomme en a. Or, un des enjeux majeurs pour comprendre le statut du rcit vis--vis de la connaissance et de ltre demeure en la fonction ontologique de lattestation. Puisque, aujourdhui, plusieurs commentateurs interprtent la notion dipsit comme un concept trop faible, ou encore comme ce qui ncessite dun soi dj prsent, voire

    dun noyau originaire didentit, nous nous proposons de questionner la valeur ontologique du rcit lui-mme, en direction, peut-tre, dune radicalisation de la fonction du rcit dans la construction de lidentit personnelle. Pour ce faire,

    nous prendrons en considration les analyses ricuriennes du symbole, telles quil les dveloppe partir des annes 1950 et notamment dans larticle de 1959. Limportance attribue au symbole conduit Ricur en faire une sorte de modle ontologique, qui lui servira de guide aussi dans lesquisse du rapport entre le rcit et ltre. Ce nest pas par hasard que lexpression vhmence ontologique, ne dans le contexte de

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    la critique au structuralisme et de la rfrence des noncs mtaphoriques et narratifs, exprime au mieux le caractre du symbole ainsi que celui de lattestation. Si le symbole nest ni un signe qui vaut pour quelque chose, ni une reprsentation de ce qui est dj autrement donn, sil est en revanche ce qui se pose comme modle et ce qui anticipe sur des possibilits, de mme le rcit est une construction qui, loin de reposer sur un soi dj existant, ouvre sur un mode dtre. Tout comme le symbole (prolong par le mythe), le rcit devient chiffre de la suture entre historique et ontologique. Aussi faudra-t-il interroger, dans lanalyse du symbole, le rapport entre sa fonction douverture dun domaine dexprience et sa position au cur de ltre, afin de comprendre la transposition de ce modle ontologique la structure narrative de lidentit personnelle, mdiatise par le mythe et la temporalit, et le statut du rcit lui-mme. Ce parallle contribuera dterminer la fonction de la narration comme une vritable construction, irrductible une simple manire de se connatre soi-mme, et permettra de reformuler lide ricurienne des limites de lidentit narrative.

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    A EXPERINCIA HERMENUTICA DA ARTE EM GADAMER

    Clara Machado Pontes UFSC - Brasil

    [email protected]

    A partir da investigao da experincia da arte pela her-menutica filosfica de Hans-Georg Gadamer, desenvolvida no livro Verdade e Mtodo, este trabalho pretende refletir sobre a relao entre uma obra de arte e a legitimao dos diversos discursos interpretativos que uma mesma obra suscita. Pensar essa relao esclarecer a vinculao da arte com a linguagem. O conceito de jogo da arte servir como guia para pensar tanto o carter de declarao da arte como o processo dialgico que abre as mltiplas possibilidades de interpretar uma mesma obra de arte. Gadamer afirma que a arte declarao, assim, com-preendemos uma obra de arte quando realizamos o contedo de sentido que ela nos apresenta, ou seja, quando participamos de seu jogo. Mas o sentido de uma obra de arte no unvoco, no se reduz a um nico enunciado. Desse seu excesso de sen-tido provm a pluralidade de interpretaes. A linguagem ser o medium em que toda interpretao acontece legitima o pr em palavras aquilo que uma obra de arte nos apresenta. Essa plu-ralidade de interpretaes que uma mesma obra de arte suscita pretende estar de acordo com o contedo de sentido que a obra apresenta, pois, embora no haja nem um mtodo para inter-pretar nem um meio para garantir a correo de uma interpre-tao, toda interpretao pretende ser o reconhecimento da

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    unidade da obra. Ao intrprete caberia, ento, a tarefa de reco-nhecer na variedade dos modos de apresentao de uma deter-minada obra de arte a unidade que permanece a mesma em toda essa variedade. Seria, portanto, no somente devido ao excesso de sentido que traz em si a arte, mas tambm aos intrpretes de uma obra a realizao das diversas interpretaes possveis de uma obra de arte. Participar do jogo da arte entrar em dilogo com a obra. A dificuldade reside em que no apenas se deve responder sua pergunta, mas ser capaz de dizer qual essa pergunta. Aqui a estrutura do jogo pode ajudar a esclarecer, de modo geral, o sentido dessa pergunta. Ainda que a pergunta deva se restringir ao horizonte de sentido de cada obra de arte, de modo geral, no jogo que arte, portanto, nos jogos que so criaes humanas, pe-se em movimento questes que dizem respeito ao modo como somos, quilo que comum e, por-tanto, acessvel pela linguagem a todos. As interpretaes tam-bm comunicam esse comum. Pretende-se por fim refletir so-bre o modo como Gadamer descreve o entrar em dilogo com as diversas formas de arte, sejam elas de natureza lingustica ou no, especialmente atravs dos conceitos de leitura e imagem.

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    DIALTICA ENTRE ARGUMENTAO E INTERPRETAO NO

    PLANO JURDICO: UMA PROPOSTA DE PAUL RICOEUR

    Claudia Aita Tiellet UFSM - Brasil

    [email protected]

    Nosso escopo analisar, a partir do artigo Interpretao e/ou argumentao, que integra o texto O Justo 1 de 2008, do fil-sofo Paul Ricoeur, como se sustenta a oposio entre as teorias da hermenutica e da argumentao ao nvel do direito e pon-tuar a proposta de resoluo encaminhada pelo autor luz de sua teoria do texto, especialmente presente na obra Do texto ao Ensaios de hermenutica II, publicada no ano de 1986. Par-tiremos do ponto onde o autor identifica uma posio de anta-gonismo entre estas duas tendncias no interior do pensamento jurdico contemporneo. De um lado, Ricoeur localiza a posi-o de Ronald Dworkin que, na segunda parte de seu texto A Matter of Principle de 1985 (Uma questo de princpio, 2005), sob o ttulo Law as Interpretation, apresenta a proposta de hermenu-tica jurdica. De outro, se depara com a corrente da argumen-tao jurdica, identificada, sobretudo, nas teorias desenvolvi-das por Robert Alexy, Theoria der juristischen Argumentation de 1978; e Manuel Atienza, em Teora de la argumentacin jurdica de 1989. Mostraremos que o exame de Ricoeur acerca do suposto antagonismo entre as citadas teorias busca revelar que as insu-

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    ficincias internas presentes em cada uma das correntes alicer-am a proposta de uma dialtica entre interpretao e argumen-tao no debate judicirio, tal como o autor j havia feito em outras obras com o par compreender e explicar nas teorias do texto, da ao e da histria. A dialtica entre argumentao e interpretao, no plano judicirio e a dialtica entre explicao e compreenso no plano da teoria do texto, da ao e da hist-ria seriam semelhantes. Da mesma forma, a tradio hermenu-tica filosfica (hermenutica romntica de Dilthey e outros), que interpreta textos para encontrar a inteno do autor, para Ri-coeur no seria muito diferente daquela hermenutica jurdica que busca no texto da lei a inteno do legislador ou do juiz. Con-cluiremos, assim como o autor, que o objetivo de um relato (literrio ou legal) no em primeiro lugar o que h por trs deste relato, mas seno aquilo do que se fala, procurando des-fazer a danosa identificao entre a compreenso do texto e a compreenso do outro, daquele que fala por detrs do texto, firmando com a anlise estruturalista o conceito de coisa do texto, a saber, a espcie de mundo que, de certa forma, a obra revela pelo texto.

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    UMA RESPOSTA LEITURA DE RICOEUR DA

    POTICA ARISTOTLICA

    Claudia Drucker UFSC - Brasil

    [email protected]

    Discutirei o segundo captulo do volume I de Tempo e nar-rativa, onde Ricoeur oferece a sua leitura da Potica de Aristte-les. Ricoeur sublinha que a exibio de nexo causal entre atos e consequncias de grande importncia para Aristteles, para quem a poesia deve excluir da histria a aparncia de arbitrari-edade e devolver aos agentes a responsabilidade por seus atos. Sem a poesia, a histria no tem a organicidade de um todo. Na famosa observao de Aristteles sobre a poesia ser mais universal que a histria, encontramos a preocupao com o res-gate da dimenso ativa do ser humano. A poesia faz ressaltar a importncia da ao humana como desencadeadora de proces-sos livres, ou pelo menos significativos. O elemento central da poesia trgica o mito ou intriga, entendendo por este a re-constituio ordenada e resumida da histria. Mas isso s acon-tece porque a prpria vida tem a tendncia estruturante e no sentido de Ricoeur mimtica. Interessa-lhe a noo de mme-sis, no apenas como definio geral da obra de arte, mas prin-cipalmente como ponto de partida para uma tripla concepo de mmesis I, II e III, de forma no-aristotlica. A mmesis I anterior criao artstica. A simples compreenso da ao hu-mana j entendida como uma forma de imitao, partilhada

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    pelo poeta e pelo seu leitor. A mmesis artstica ou mmesis II a transposio literria de uma estrutura de que a vida j con-siste. Finalmente, a mmesis III acontece dentro do leitor. Das trs, a primeira mmesis parece ser a mais fundante e ao mesmo tempo a menos conforme ao esquema aristotlico. A partir deste ponto, as convergncias entre os dois pensadores pare-cem terminar, pois a imitao para Aristteles congnita a todo ser humano, mas enquanto fonte de prazer. A elaborao da mmesis natural como obra de arte governada por outra finalidade. Ademais, ainda que se possa falar de vrios nveis do mito, a recriao artstica do mito ou intriga prprios no interessa ao agente como veculo de autocompreenso. A mai-oria das vidas no rende um assunto para uma tragdia, e isso no problemtico para Aristteles. O sentido da identificao entre espectador e protagonista muito diferentemente com-preendido pelos dois filsofos, pois basta ao espectador aristo-tlico atingir o patamar do medo e da piedade. O objetivo da tragdia no o autoconhecimento ou a reconciliao com a prpria existncia, mas a depurao dos sentimentos de medo e piedade. Esta, por sua vez, pode ser entendida como uma transformao da purificao ritual e religiosa que est na ori-gem da tragdia. Se a depurao reconciliao com a existn-cia, no sentido geral e dionisaco em que o aspecto para-doxal e terrvel do mundo tornado aceitvel. Trata-se de um ensinamento sobre a existncia humana, ao invs de um re-torno hermenutico situao do espectador singular.

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    OBSERVAES SOBRE AS INTERPRETAES DA ANTROPOLOGIA

    DO HOMEM CAPAZ

    Cludio Reichert do Nascimento

    UFSC - Brasil [email protected]

    O falecimento de Paul Ricoeur, em 2005, deu termo produo prolixa de um filsofo que, como salienta Jean Gron-din, acostumara os seus leitores publicao de uma nova obra a cada cinco ou seis anos. No entanto, o desaparecimento de um brilhante professor e filsofo abre, agora, o espao para o debate acerca da unidade de sua obra. Em La promenade au fil dun chemin e em algumas entrevistas, Ricoeur dera indicaes que o fio tnue e contnuo de sua obra encontra-se na noo do homem capaz, a qual perpassaria os seus livros ainda que eles fossem oriundos de problemticas, por vezes, no resolvi-das em suas investigaes precedentes. H alguns anos comen-tadores, tais como Domenico Jervolino e Eduardo Casarotti, vm propondo notveis interpretaes da obra de Ricoeur, nas quais a questo da unidade temtica de sua obra a partir da an-tropologia do homem capaz um ponto manifesto. Pretende-mos apontar os pontos de divergncia ou convergncia entre estas interpretaes. A interpretao de Jervolino defende que a obra de Ricoeur pode ser tomada a partir da imagem de apro-fundamento em espiral, pois, no se trata de afirmar a coinci-dncia entre a obra de juventude e a obra tardia, tampouco o distanciamento completo entre estas, mas o enriquecimento da

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    discusso por meio da linguagem simblica e da textualidade. O tema da vontade teria reaparecido mais tarde sob o solo da responsabilidade do agente. Por sua vez, Casarotti defende que na antropologia fundamental da ao desenvolvem-se duas fa-ses distintas da antropologia ricoeuriana: a primeira diz respeito s investigaes de Le volontaire et linvolontaire, e a segunda diria respeito obra Soi-mme comme un autre e Parcours de la reconnais-sance. Para Casarotti, os objetos de tais fases seriam em alguma medida distintos: a primeira etapa antropolgica trataria da fi-losofia da vontade, enquanto a segunda explicitada a partir de uma filosofia da ao, amparada nas capacidades do agente. De nossa parte, para amplificar a discusso, analisamos tambm a interpretao de Johann Michel que aponta que h no pensa-mento de Ricoeur um modernismo paradoxal, pois, ainda que Ri-coeur critique o cogito cartesiano em nvel de nico e real fun-damento, ele reivindica o seu vnculo ao pensamento reflexivo, sendo assim um herdeiro da tradio filosfica moderna que vem de Descartes. Em meio ao modernismo paradoxal ricoeu-riano, Michel defende que h um quasi-vitalismo da perseverao na existncia e do desejo de ser, que frequentemente desco-nhecido e que no compactua com a vertente racionalista da modernidade. Este quasi-vitalismo afirmar-se-ia como potncia de existir, porm o carter ontolgico desta potncia de existir, que esta na base da antropologia do homem capaz, depara-se com a fragilidade humana, entendida como no-potncia ou potncia inferior. Neste sentido, encontraramos o paradoxo entre as nossas capacidades de ao e a fragilidade delas, o que pode sugerir que tais capacidades, como uma marca distintiva de nossa humanidade, no teriam outro aporte seno o onto-lgico, como afirma criticamente Guillaume Le Blanc. Por fim, retomamos a anlise das interpretaes supracitadas expondo que Jervolino tem razo ao defender que a obra de Ricoeur exibe um aprofundamento em espiral e assim a sua posio oposta de Casarotti.

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    MYTHOS E HISTRIA

    Constana Marcondes Cesar UFS - Brasil

    [email protected]

    Em um texto publicado em 1955, Histoire et Vrit, Ri-coeur agrupa diferentes ensaios sobre a epistemologia da hist-ria e a tica. Nos ensaios, a problemtica da verdade e objetivi-dade da histria posta em primeiro plano. Verdade e histria so temas que nosso filsofo abordar, tratando de compreen-der como se d a correlao entre o acontecer e o fazer, entre o cumprimento de aes e a construo do sentido da tarefa humana no tempo, co-implicando o registro epistemolgico e o registro tico. A objetividade da histria essencialmente o esforo de compreenso metdica, marcada pela busca da uni-versalidade, pela construo de uma subjetividade de reflexo que retifica e ordena a compreenso do passado, investigando seu sentido. Fazer histria no reviver o passado, mas recom-por, reconstituir, interpretar o acontecer. Nela, compreender e explicar no so excludentes, pois a compreenso decorre da anlise. A recomposio pura, a apreenso de um passado in-tegral funciona como uma ideia reguladora que orienta a pes-quisa do historiador, mas nunca se acha totalmente realizada no seu fazer. Por isso, a histria se apresenta como uma esco-lha, uma concepo ordenadora de eventos, uma interpretao a mais fiel possvel mas inexaurvel que busca, mediante julgamentos de importncia, selecionar os eventos segundo um encadeamento que torna o acontecer compreensvel. A abor-dagem ricoeuriana do problema da verdade em histria, nesses

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    textos publicados em 1955, mas que englobam artigos editados desde 1949, mostra dois pontos importantes que sero retoma-dos em obras ulteriores: a irredutvel correlao entre epistemo-logia e tica e o carter narrativo da descoberta da verdade por parte de quem o existir no tempo tem dimenso ontolgica. O carter narrativo da compreenso do tempo reaparece no mo-numental Temps et rcit. A obra em pauta responde, de um lado, questo epistemolgica da relao entre explicar e compreender, fo-calizando, no primeiro volume, a problemtica da epistemolo-gia da histria, assim como o parentesco entre a narrativa his-trica e a de fico. Narrar, do ponto de vista da cincia hist-rica, redescrever, interpretar o acontecer; narrar, do ponto de vista da fico, redescrever, interpretar a condio humana na sua pluralidade essencial. Nos dois casos, o que emerge, para o sujeito, a amplificao de sua conscincia, pelo encontro com a alteridade, com outros modos de ser e de realizar a existncia humana, expressos pela histria e pela fico. Aproximando a narrativa histrica e a narrativa de fico, nosso autor desvela a tarefa da narrativa: explicar e compreender, redescrever o agir para melhor compreender seus valores temporais.

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    SOBRE A PRESSUPOSIO HERMENUTICA DA FENOMENOLOGIA: A NOO

    DE INTERPRETAO NAS MEDITAES CARTESIANAS DE HUSSERL

    Cristina Amaro Viana UFAL / UNICAMP - Brasil

    [email protected]

    Em Le conflit des interprtations: Essais dHermneutique (1969), Ricoeur anuncia a famosa tese de que necessrio en-xertar a hermenutica na fenomenologia (la greffe). Em Du texte laction. Essais dHermneutique II (1986), ele desenvolver esta tese buscando tornar explcita a mtua pertena entre fenome-nologia e hermenutica, de modo que argumentar em favor de duas hipteses: (a) a hermenutica se edifica sobre a fenome-nologia; (b) a fenomenologia s pode se constituir a partir de uma pressuposio hermenutica. Na nossa comunicao, di-recionaremos nossos esforos para compreender esta segunda hiptese, que defendida por Ricoeur a partir da anlise da no-o de interpretao (Auslegung) em duas obras magistrais de Husserl: Investigaes lgicas (1901) e Meditaes cartesianas (1929). Focaremos na anlise ricoeuriana desta ltima, a qual propor que somente o recurso interpretao poder solucionar o conflito latente entre os dois projetos husserlianos das Medita-es: descrio transcendental e constituio na imanncia. O projeto husserliano de descrio transcendental pode ser sucin-tamente explicado como um corolrio do mtodo fenomeno-

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    lgico de conhecimento: uma vez que todo o contedo da ex-perincia consciente colocado entre parnteses enquanto efe-tividade, resta filosofia extrair as essncias das experincias fenomnicas; conhecer , assim, descrever as essncias dos diver-sos modos pelos quais os objetos podem ser visados por uma conscincia intencional (percepo, lembrana, imaginao etc.). J o projeto husserliano de constituio na imanncia re-fere-se tentativa de se evitar uma consequncia drstica da tese de que todos os objetos do mundo so constitudos pela e na conscincia intencional, qual seja, a de que tambm as outras conscincias intencionais so constitudas na conscincia parti-cular daquele que intenciona. Segundo a leitura de Ricoeur, Husserl leva a cabo o projeto de descrio transcendental nas quatro primeiras meditaes, ao passo que na quinta meditao passaria a ser desenvolvido o projeto de constituio na ima-nncia. Apesar dessa aparente ruptura da quinta meditao em relao ao restante do texto, Ricoeur observa que as quatro pri-meiras meditaes j continham o conflito, porm de modo latente: mesmo quando se trata da constituio de um objeto qualquer na conscincia, existe a dificuldade de explicar como ele se constitui como um outro em relao conscincia. Mas na quinta meditao que esse conflito vem tona de modo incon-testvel, na medida em que agora o outro que constitudo no mais um objeto, mas um outro como eu, uma conscincia in-tencional tal qual a minha. Husserl busca resolver esta dificul-dade com uma sada que Ricoeur considera enigmtica: a trans-cendncia do ego do outro explicada como uma modificao intencional do meu ego. Para resolver o conflito entre os dois projetos, Ricoeur prope que tanto descrio como constitui-o devem ser compreendidos com referncia interpretao. Partindo de uma anlise do conceito de explicitao, utilizado por Husserl tanto na quarta como na quinta meditao (41 e 59), Ricoeur argumentar que o fundo hermenutico j estava pressuposto na fenomenologia de Husserl. esta anlise que buscaremos apresentar.

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    AS CONTRIBUIES TICAS E POLTICAS DA CONCEPO

    RICOEURIANA DE LNGUA PARA AS POLTICAS LINGUSTICAS

    Cristine Gorski Severo UFSC - Brasil

    [email protected]

    Este trabalho prope uma releitura da rea disciplinar e aplicada de Polticas Lingusticas, vinculada ao campo de saber da Lingustica, a partir da concepo de Paul Ricoeur sobre ln-gua. Nota-se que a linguagem assume papel central nas refle-xes do filsofo ao, por exemplo, criticar um modelo reducio-nista, estrutural, abstrato e atemporal da lngua, apostando na plurivocidade, na interpretao, no contexto (tanto imediato como mais amplo) e nos interlocutores como elementos cons-titutivos de seu funcionamento. Desmembrando a concepo ricoeuriana de lngua com fins de se estabelecer um dilogo com a rea de Polticas Lingusticas , pretende-se apresentar e discutir as implicaes das seguintes noes para se pensar as dimenses poltica e tica presentes nas formas de compreen-so, gesto e apropriao (identitria, cultural, poltica e econ-mica) das lnguas: (i) Uma concepo de discurso, que diferen-temente da lngua como sistema virtual de signos, constitudo pela tenso entre significao (da ordem da permanncia) e evento (da ordem daquilo que escapa); no primeiro caso, a compreenso envolve os nveis da estrutura lingustica, a fora envolvida no ato de dizer e os efeitos produzidos pelo dizer.

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    No segundo caso, enquanto evento, o discurso possui sujeito, vincula-se a um contexto scio-histrico, destina-se a algum, estabelece relaes dialgicas e ideolgicas com outros discur-sos, com o mundo e com os interlocutores. (ii) Uma noo de texto tido como discurso e o dado primrio de todas as cin-cias humanas , que instaura o dialogismo e o distanciamento, em suas mltiplas dimenses e efeitos, como constitutivos da compreenso do prprio texto e de ns mesmos. E (iii) A ten-so entre explicao e compreenso, em que esta ltima rompe o nvel do mero conhecimento e da decodificao e incorpora a constituio dos sujeitos e de seu posicionamento axiolgico como constitutivos do trabalho de compreenso. Acredita-se que tais concepes de lngua possibilitam potencializar as re-flexes sobre o papel das dimenses tica e poltica, bem como a maneira como essas dimenses se relacionam, presente nas prticas e discursos em torno das Polticas Lingusticas, consi-derando ambas as modalidades, oral e escrita, como alvos de gerenciamentos ou construo identitria. A discusso sobre tica e poltica tomaro como base as noes de responsabili-dade e de dilogo muitas vezes deixadas de lado nas reflexes lingusticas sobre a lngua em que a lngua, especialmente em contextos perifricos, marginais e/ou ps-coloniais, se torna alvo de gesto, de discursivizao, de embates, de disputas e de construo e identificao dos sujeitos.

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    TUDO METFORA? A TEORIA DA METFORA EM RICOEUR

    LUZ DE TEORIAS COGNITIVISTAS

    CONTEMPORNEAS

    Daniel Schiochett UFSC - Brasil

    [email protected]

    A discusso sobre a noo de metfora nasce frente distino aparentemente clara entre significados literais e signi-ficados metafricos (ou figurados) de certas palavras e expres-ses. Ningum tem dificuldade em aceitar como metafrico o predicado uma flor da frase Maria uma flor ou a aplicao de hot a pepper. Entretanto, uma visada um pouco mais atenta borra tal distino. Se, num jogo de xadrez, um dos par-ticipantes falar Tua defesa uma torre inexpugnvel (Levin-son), temos a uma metfora ou o uso literal das palavras de-

    fesa e torre? Ou seriam os dois usos ao mesmo tempo? Para explicar este comrcio entre usos metafricos e literais de pa-lavras, demarcamos trs teses. A primeira e mais clssica (que chamamos simplificadamente de tese retrica) interpreta a met-fora como mero ornamento: possvel traduzir a metfora, re-duzir o desvio de significao e explicar o mesmo significado de forma literal. Ao extremo, a metfora nada acrescentaria ao significado das palavras ou frases na medida em que podemos prescindir dela. A segunda tese, crtica a esta, a que postula que tudo metfora, isto , a linguagem vitalmente metafrica e

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    os significados das palavras so construdos a partir dessa ca-pacidade virtualmente infinita de transposio de significados. Esta tese subjaz o livro de Paul Ricoeur, A metfora viva, e a denominaremos de tese hermenutica. Para ele, a linguagem viva porque metafrica, isto , por meio dessa capacidade de mul-tiplicao da referncia que acontece na metfora, a linguagem nunca esgota sua capacidade de significao. Todavia, ele faz isso cindindo em dois os modos de referncia da linguagem de tal modo que h dois modos de verdade e de fazer sentido: o literal ou objetivo, mola dos discursos cientficos e o metaf-rico, fonte do potico. Frente a estas teses anteriores, teorias cognitivistas contemporneas compreendem que h uma su-pervalorizao ora da noo de literalidade, ora da noo de metfora. Segundo esta tese (que denominaremos de tese cogni-tivista), as metforas so ancoradas e, como tais, dependem do uso que fazemos das palavras em determinado tempo e, prin-cipalmente, dependem da nossa constituio fsico-motora. Isto significa que as metforas tm um papel importante na constituio de novos significados, como prope a tese herme-nutica, mas elas tm uma ancoragem e uma literalidade ma-pevel (como pressupunha a tese retrica), ancoragem esta que se d na nossa constituio corporal ou nos modos de lida com o mundo. pergunta tudo metfora? nascida da tese de Ricoeur propomos, ento, contrapor outra tese: no a que nega a metfora ao traduzi-la, mas aquela que, por meio da noo de metfora, mapeia processos de constituio de significado mantendo um lugar importante para a noo de literalidade que, justia seja feita, ser sempre necessria se no quisermos esvaziar a noo de metfora.

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    NARRATIVAS DE TRABALHADORES DO SETOR DE PRODUO DE ENERGIA HIDRELTRICA E OS (DES)ENCONTROS

    TRABALHO-FAMLIA: DILOGOS ENTRE A PSICOSSOCIOLOGIA E A HERMENUTICA

    Daniele Almeida Duarte UEM / UNESP - Brasil

    [email protected]

    Este texto prope-se a discutir aspectos tericos que am-pararo a investigao das relaes entre trabalho e famlia a partir da narrativa de trabalhadores do setor de produo de energia hidreltrica. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de doutorado em Psicologia, em andamento, cujo campo terico-conceitual est referenciado na psicossociologia francesa em di-logo com elementos da hermenutica em seus fundamentos filosficos. Sero utilizadas, como tcnica de coleta de dados, as entrevistas-narrativas propostas por Bertaux e relidas luz dos referidos nortes tericos. Fundamentos da hermenutica de Ricoeur, Gadamer e autores afins possibilitou a construo de um trabalho interpretativo e compreensivo no apenas em relao s entrevistas-narrativas, mas tambm respaldou o per-curso cientfico em termos ontolgicos e epistmicos acerca da relao pesquisador-pesquisado, intrprete-interpretado. Fo-ram elementos tericos dialogveis entre a psicossociologia francesa e a hermenutica que garantiram avanar na investiga-o sem operar dicotomias, mas trabalhar com mediaes e in-ter-relaes que engendram a existncia humana e histrica,

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    onde a narrativa ocupa um lugar primordial. Reconhece-se atra-vs da hermenutica e da psicossociologia a historicidade da experincia humana. Ricoeur, ao retomar Aristteles e Agosti-nho, consolida sua proposio de que a narrativa significativa ao esboar os traos da experincia temporal. Desse modo, so as histrias vividas de trabalhadores do setor de produo de energia hidreltrica que se busca conhecer ao convid-los a produzir uma narrativa sobre esse tema. Ao vislumbrar suas experincias narradas acessam-se as histrias (ainda) no con-tadas a fim de coletar fragmentos de histrias de uma vida acerca do trabalho na contemporaneidade e seus desdobramen-tos sobre a famlia. Conhecer, nas interfaces dessas duas gran-des instituies, como se delineiam existncias e modos de ser, trabalhar e viver. A potncia do fazer narrativo ressignificar o mundo em termos de dimenso temporal e da ao. Uma ressignificao no apenas individual, mas coletiva, como aponta Gagnebin, que ao retomar a memria e as ameaas a esta imprescindvel o trabalho do historiador (que acrescemos o de pesquisador) de transmitir o inenarrvel, manter viva a memria uma produo de conhecimento que possui desdo-bramentos poltico, tico, psquico e social. Em Tempo e narra-tiva, como assinala Villela-Petit, reflete-se sobre o tempo hu-mano onde se v (sente-se) o tempo do agir, do sofrer, do afe-tar e ser afetado que s pode ser dito na forma narrativa. Lem-brando que a experincia do mundo remete linguagem e com-preender um modo do ser, o modo do ser que existe com-preendendo. Nesses termos, constata-se uma discusso prof-cua a ser realizada e fomentada entre os fundamentos herme-nuticos e o campo da psicologia, visto serem caminhos pro-missores para acessar de modo privilegiado a subjetividade e a imbricao viva das histrias vividas uma nas outras nas histrias contadas onde emerge o sujeito implicado, como diz Ricoeur mas tambm o sujeito social dotado de subjetividade e integrado em instituies, organizaes e grupos, como fala a psicossociologia francesa.

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    OLHAR INTERIOR E OLHAR EXTERIOR A PARTIR DO EXEMPLO LITERRIO

    DE FUNES, O MEMORIOSO

    Diego Siqueira Rebelo Vale CESUPA - Brasil

    [email protected]

    O tema desta comunicao a polaridade entre duas tradies aparentemente irreconciliveis, s quais Ricoeur denomina olhar interior e olhar exterior, situada ao termo de sua fenomenologia da memria, no terceiro captulo da pri-meira parte de sua obra A memria, a histria, o esquecimento. Nesta seo, opera-se um desvio atravs do qual a investigao acerca do objeto (de que se lembra), convertida na questo sobre quem se lembra, isto , a quem pode ser atribuda uma determinada lembrana. Ricoeur identifica a primeira tradio com abordagens inclinadas minhadade e a reflexividade da memria, isto , pertena da lembrana ao interior (o es-

    prito ou a mente) de um si mesmo de carne. J a segunda concebe a memria enquanto um fenmeno que ocorre para alm das fronteiras do indivduo (mundanidade), seja na pr-pria natureza, em um mundo de formas ideais ou no compar-tilhamento de uma estrutura simblica. Com isso, Ricoeur afirma que recordar-se , necessariamente, no apenas a evoca-o da lembrana de algo, mas tambm e talvez principalmente a ao reflexiva de lembrar-se de si, aquele que recorda. Em toda recordao aparece, a partir inclusive da acusao gramtica das

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    formas pronominais, alm da imagem daquilo de que se lem-bra, o reflexo daquele que est imerso na rememorao. Assim, a compreenso da memria depende da compreenso de quem esse homem que ou afetado pela lembrana ou se esfora por traz-la de volta mente. Isto significa que as lembranas no ficam presas em seu ter sido, e sim que exigem na mesma medida tanto o conhecimento do presente quanto o do pas-sado. Com este fim, utilizar-se- o exemplo literrio de Funes, o memorioso, de Jorge Luis Borges, para ressaltar que a me-mria se torna humana na medida em que se opera a referida reflexividade. Este exemplo fornece elementos para atribuir ao esquecimento no o lugar de negao da memria, e sim de parte constituinte dela. Na obra literria, a primeira tradio aparece na figura do narrador, que volta a suas prprias lem-branas (recordo-me) para construir o desenrolar da narra-tiva, de modo que Funes, a despeito das mudanas temporais operadas no desenvolvimento da intriga, permanece a mesma pessoa em todos os momentos. A segunda se manifesta no pr-prio Funes, o qual incapaz de reunir lembranas particulares em uma mesma identidade, inclusive as que tem por objeto ele mesmo, e que, por isso, no reconhece a si mesmo nelas. Por carncia de reflexividade, Funes fracassa em construir sua pr-pria identidade e morre trancado em um quarto escuro, abar-rotado pelo assdio de uma infinitude de lembranas, sem sa-ber quem ele . O personagem de Funes representa um ex-cesso de memria sua incapacidade de esquecer e, por con-seguinte, a deteno perptua de absolutamente todas as suas lembranas o impossibilitam de viver. Lembrar-se de si , se-gundo a formulao de Santo Agostinho, lembrar-se de ter se lembrado, o que inclui a possibilidade de lembrar-se de ter se esquecido.

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    BAUDELAIRE E A SIMBLICA DO MAL

    Eduardo Horta Nassif Veras

    UFMG - Brasil

    E-mail: [email protected]

    O conceito agostiniano de pecado original foi uma das prin-

    cipais armas usadas por Charles Baudelaire contra os fil-

    sofos do sculo XVIII. Em seus textos crticos, o poeta

    francs deixa transparecer que sua adeso ao dogma cristo

    funciona como um elemento de crtica ao pensamento ilu-

    minista, representado, especialmente, pelas teorias do bom

    selvagem e do progresso contnuo da humanidade. Ocu-

    pando um lugar central na cosmoviso de Baudelaire, o

    conceito de pecado original permanece, contudo, enclausu-

    rado no campo da especulao filosfica, isto , nos limites

    dos smbolos racionais, tornando extremamente proble-mtica sua aplicao direta leitura de obras literrias

    como Les Fleurs du mal (1857) e Le Spleen de Paris

    (1869). Sob o risco de reduzir o discurso potico quele da

    filosofia, preciso, portanto, retroceder na escala simblica

    traada por Paul Ricur em La Symbolique du mal (1960) a fim de compreender a relao da poesia baudelairiana

    com o problema do Mal. Para o filsofo francs, bom

    lembrar, derrire la spculation, sous la gnose et les constructions anti-gnostiques, nous trouvons les mythes. Dessa forma, possvel afirmar que a experincia viva (ex-

    prience vive) do Mal se manifesta de maneira muito mais

    contundente na dimenso simblica do mito da Queda que

    no conceito de pecado original, cunhado no contexto dos

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    acirrados debates entre Agostinho e o pensamento gnstico

    e associado por Ricur, em La symbolique du mal inter-prte (1969), a uma espcie de falso conhecimento (faux

    savoir). Com base na hermenutica dos smbolos secund-

    rios do mito, desenvolvida e colocada em prtica por Paul

    Ricur em sua anlise do mito de Ado, esta comunicao pretende refletir acerca da passagem da discusso filosfica

    para a experincia potica do Mal no mbito da obra de

    Baudelaire. Para tanto, buscaremos evidenciar algumas afi-

    nidades, no tanto temticas quanto formais, existentes en-

    tre a aventura do poeta baudelairiano na obra Les Fleurs du

    mal, aqui considerada em sua dimenso arquitetnica, con-

    forme pediu o poeta, e alguns dos principais elementos da

    estrutura narrativa do mito admico, conforme as anlises

    empreendidas por Paul Ricur no j citado La Symbolique du mal, onde se destaca o duplo ritmo da Queda, pensada

    ao mesmo tempo como evento nico e como drama consti-

    tudo por vrios personagens e episdios, e no ensaio Pen-

    ser la cration (1998), onde se desenvolve a noo de se-

    parao progressiva (sparation progressive) a fim de ex-

    plicar o movimento de ruptura do Homem em relao sua

    origem divina simbolizado pela narrativa contida no livro

    de Gnese.

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    UM TRATADO DE PAZ ENTRE O PENSAR E O QUERER:

    A SUGESTO DE HANNAH ARENDT

    Elizabete Olinda Guerra UFSC - Brasil

    [email protected]

    De acordo com as anlises de Arendt, se possvel refle-tir sem o apoio de teorias e tradies religiosas ou seculares, certamente difcil escapar concluso de que os filsofos pare-cem geneticamente incapazes de aprender a lidar com certos fenmenos do esprito e com sua posio no mundo. Essas palavras revelam a atitude enftica de Arendt em acusar a hos-tilidade de muitos filsofos em relao vontade; ela atribui este fato ao conflito que ocorre entre duas atividades espirituais que, aparentemente, so incapazes de coexistir, como o caso do pensar e do querer. Para Arendt, estas atividades mentais so antagnicas apenas no que afetam os estados psquicos, pelo fato de ambas, cada uma de acordo com sua peculiaridade, tornar presente ao nosso esprito algo que est ausente. por este vis que Arendt localiza a grande diferena existente entre estas faculdades espirituais, que considera suficiente para que se perceba que se trata de duas faculdades distintas entre si, ou seja, enquanto o pensamento traz aquilo que ou que foi ao seu presente duradouro, a atividade da vontade estende-se para o futuro, para uma regio de incertezas qual nossa alma rea-giria com expectativa alimentada pela esperana ou pelo medo.

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    Arendt acredita que a desconfiana levantada em relao fa-culdade da vontade no seja apenas devido sua conexo ine-vitvel com a liberdade, mas tambm que se deve a no distin-o entre as atividades de pensar e de querer, ou seja, a um conflito entre estas duas atividades mentais. A vontade, sob a perspectiva arendtiana, infinitamente mais livre que o pensa-mento, que mesmo em sua forma especulativa, no pode esca-par ao princpio da no-contradio. Esta, e outras diferenas assinaladas por Arendt entre a faculdade do pensar e a do que-rer, sero investigadas neste trabalho, pois so aspectos que re-fletem sua defesa de que cada faculdade espiritual autnoma e independente, e que atuam de acordo com seu prprio modus operandi. Mostrar-se- que, nesse mbito, a diferenciao feita por Arendt entre o pensar e o querer pode ser abarcada de acordo com os seguintes aspectos: passado versus futuro; in-certeza versus certeza absoluta; repetio versus comeo; sere-nidade versus inquietao; e universais versus particulares. Com suas anlises, Arendt tinha esperanas de sugerir um tra-tado de paz entre o pensar e o querer, um modo de apreciao mtua.

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    IMAGINRIO POLTICO NO DISCURSO CONSTITUCIONAL:

    UMA LEITURA DA ARTICULAO ENTRE IDEOLOGIA E UTOPIA NO PENSAMENTO DE PAUL RICOEUR

    Ernane Salles da Costa Junior UFMG - Brasil

    [email protected]

    O texto em questo tem por objeto analisar a polaridade entre ideologia e utopia como duas faces imprescindveis que integram uma mesma moldura conceitual: o imaginrio pol-tico-constitucional. Historicamente concebidas em sua dimen-so negativa e patolgica, as duas figuras foram alvo de duras crticas. A ideologia foi, constantemente, pensada como um processo de distores e dissimulaes que nos escondemos a ns mesmos; e a utopia acusada de ser uma fuga do real, uma espcie de fico aplicada poltica e ao direito. Num sentido contrrio a tal percepo, Ricoeur pretende mostrar que pos-svel pensar alm desse aspecto puramente polmico, enfati-zando a contribuio da ideologia e da utopia para a constitui-o analgica que faz de todo o homem meu semelhante, numa situao em que ambas possibilitam, de modo simblico, a construo do lao social. Se, de uma parte, o imaginrio pro-cura salvaguardar uma ordem social atribuindo uma imagem, uma identidade e meios pelos quais uma coletividade capaz de se identificar e projetar-se a si mesma (ideologia), de outro

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    lado, ele pode romper, questionar, abrir essa ordem possibi-lidade de ser diferente (utopia). Portanto, no existe uma sem a outra. Se, ao contrrio, estas duas orientaes do imaginrio poltico so separadas totalmente, elas tornam-se perversas: a ideologia transforma-se em conservadorismo ctico que dissi-mula conflitos e a utopia afunda-se numa lgica do tudo ou nada que impede todo o compromisso e logo, toda a ao responsvel. nesse sentido que a presente pesquisa visa situar o pensamento de Ricoeur no centro da problemtica do cons-titucionalismo contemporneo, ao demonstrar que tradio e inovao so duas direes fundamentais tambm do imagin-rio constitucional: so figuras que possibilitam, respectiva-mente, a reproduo e a produo do direito, sua continuidade e sua retomada crtica. Compreendo a ideologia e a utopia como complementares no apenas em razo do seu parale-lismo, mas em razo de suas trocas mtuas, torna-se inaceit-vel, sob a perspectiva do constitucionalismo, tomar isolada-mente uma dessas duas orientaes do imaginrio social: uma imaginao que s justifica o status quo a todo custo (ideologia) ou outro ideal que, de to elevado, fizesse com que todas as ordens constitucionais fundadas na realidade parecessem ileg-timas (utopia) no resultaria numa construo til e aceitvel do discurso constitucional. Assim, a formao de uma identi-dade constitucional ao longo do tempo se assenta entre a ideo-logia e a utopia, ou melhor, entre a integrao numa tradio poltico-constitucional e a reabertura das promessas criadoras capaz de compor no somente resistncias lamentveis ao real, mas tambm vias praticveis abertas pela experincia histrica.

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    O CONCEITO DE APLICAO SEGUNDO A HERMENUTICA RICOEURIANA:

    DESAFIOS E QUESTES

    Fbio Galera UFF / FTESM - Brasil

    [email protected]

    De acordo com o que o prprio Ricoeur afirma em sua nota nmero 1, do captulo Mundo do texto e mundo do leitor, cons-tante do terceiro volume de Tempo e narrativa, tudo indica que o conceito de aplicao possui extrema importncia para o seu projeto hermenutico. Ricoeur sugere uma certa aproximao entre o conceito de aplicao, lido a partir de Gadamer, e sua proposta do arco hermenutico. Ao se referir aplicao afirma que o conceito se assemelha a sua concepo de arco herme-nutico, que se eleva da vida, atravessa a obra literria e re-torna vida. A aplicao constitui o ltimo segmento desse arco inte-gral. A respeito do arco, este deve ser necessariamente associ-ado noo de trplice mmesis. Acerca da aplicao, no po-demos perder de vista que ela ir ocupar a tarefa de encadear a mmesis II e a mmesis III, em sua tripartio, operando assim a refigurao do tempo. Se estivermos corretos, isto significa, ento que a aplicao representa um momento essencial em sua hermenutica. Em outra passagem, ao trmino da apresentao de seu resumo sobre a Esttica da Recepo, fica sugerida uma aproximao entre o projeto ambicioso de Hans Robert Jauss, que pretende constituir uma hermenutica literria, e a prpria proposta hermenutica de Ricoeur. quela hermenutica, para

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    que viesse a se tornar um projeto digno de seu ttulo, seria atribu-da a tarefa necessria de responder a trs perguntas fundamen-tais que envolvem a tematizao da aplicao. Cabe afirmar que estas perguntas foram impostas por Ricoeur hermenutica li-terria de Jauss. Ainda no mesmo captulo, Ricoeur ir se em-penhar em responder a tais perguntas, sua maneira e de acordo com o seu projeto hermenutico. Seguindo essas res-postas, poderemos tentar identificar o papel da aplicao em seu projeto hermenutico. Para que sejamos capazes de apon-tar os desafios e questes a serem enfrentados pela aplicao no interior da hermenutica ricoeuriana, iremos tentar expor minimamente os seguintes passos: num primeiro momento, apresentaremos a temtica como apropriao, j que Ricoeur indica o tratamento do conceito de aplicao em seu texto Ap-propriation; em seguida, vamos tentar compreender o que diz Gadamer sobre a aplicao, posto ser da que Ricoeur parece ter retirado seu entendimento sobre o tema da aplicao, em Tempo e narrativa; posteriormente faremos a apresentao do modo como Ricoeur trata da aplicao, em Tempo e narrativa; por fim, pretendemos realizar uma comparao entre o con-ceito de aplicao, tal como o entende Ricoeur, e o conceito de apropriao em seu ensaio de 1972, reunindo ainda tudo o que conseguirmos conquistar nesse percurso. Com estes passos, acreditamos poder elucidar minimamente a importncia e a funo do conceito em seu projeto hermenutico.

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    PAUL RICOEUR E UMA HERMENUTICA DO TRGICO

    Flvia Maria Schlee Eyler PUC-Rio - Brasil

    [email protected]

    A linguagem s pode falar quando o hom