bruno rogÉrio tavares · do design thinking e de modelagem de negócios, além da interpretação...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
BRUNO ROGÉRIO TAVARES
MAPAS DOS PROCESSOS DE CRIAÇÃO DE FORMATOS DE PROGRAMAS
TELEVISIVOS: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
São Paulo
2017
BRUNO ROGÉRIO TAVARES
MAPAS DOS PROCESSOS DE CRIAÇÃO DE FORMATOS DE PROGRAMAS
TELEVISIVOS: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica sob a orientação da Profa. Dra. Lucia Isaltina Clemente Leão.
São Paulo
2017
BRUNO ROGÉRIO TAVARES
MAPAS DOS PROCESSOS DE CRIAÇÃO DE FORMATOS DE PROGRAMAS
TELEVISIVOS: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
BANCA EXAMINADORA
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A Deus, o criador da vida.
Pesquisa apoiada com bolsa do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, agência do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações (MCTI) do Brasil.
AGRADECIMENTOS Primeiramente, quero agradecer a Deus pelo milagre da vida, pela sua misericórdia
infinita e pelo seu amor irrestrito.
Agradeço à minha mãe. Muito obrigado pelo seu amor incondicional, pelo carinho
eterno, pelo companheirismo, pelas oportunidades e por estar sempre ao meu lado.
Te amo!
Agradeço especialmente à minha orientadora, professora Dra. Lucia Leão, por
acreditar em mim quando eu estava quase desistindo. Muito obrigado por me guiar
nessa jornada, pela compreensão, pelos ensinamentos e por ser um exemplo, uma
pessoa incrível, com inteligência, sabedoria, criatividade e elegância.
Muito obrigado à minha família, pessoas especiais que, mesmo nos momentos de
ausência, se fizeram presentes e foram fundamentais no processo da recuperação
da minha saúde.
Obrigado aos professores por todos os ensinamentos e por me proporcionarem
descobrir novos horizontes na comunicação e na semiótica. Obrigado aos
convidados da Banca Examinadora por terem aceitado o convite e pelo tempo
dedicado à apreciação deste trabalho.
Muito obrigado aos meus amigos pelo apoio incondicional, pela torcida e pelos
ensinamentos. Agradeço especialmente à amiga Carla Pollake pelo encorajamento
desde quando esta pesquisa era apenas um projeto e pela ajuda de sempre.
Agradeço à amiga Maria Aparecida Ruiz pelo estímulo na retomada do projeto.
Muito obrigado aos amigos e companheiros Angela Fernandes, Carlos Monteiro e
Luís Carlos Soares pela parceria de anos e pela ajuda irrestrita, profissional e
pessoal, principalmente em um momento tão delicado da minha vida. Agradeço
ainda aos amigos comunicadores Danielle Gaspar, Flávia Serralvo, Flávia Delgado,
Gerson Trajano, Joubert Brito, Katia Pelllici, Marcia Barros e Viviane Mendes pelo
incentivo e por sempre compartilharem conhecimento.
Obrigado aos companheiros da Record TV Bruno Stratotti, Detto Costa, Fernando
Berenguel Carvalho, Giovane Sturba Di Renzo, Izabela Ianelli, Leonardo Delvage
Garcia, Nádia Romero, Sofia Marote, Richard Mattei, Tati Montemór e Thamires
Polensan pela riquíssima vivência, pela troca de experiências e por momentos que
estão eternizados na minha memória.
Obrigado aos meus alunos por contribuírem sempre para o meu aprendizado. E
muito obrigado aos professores e funcionários da Universidade Cruzeiro do Sul e
aos colegas da PUC-SP, companheiros de classe, pela atenção, pela convivência,
pela troca de experiências e pelos momentos de aprendizado.
“Imaginar é o princípio da criação. Nós imaginamos o que desejamos, queremos o que imaginamos e,
finalmente, criamos aquilo que queremos.” (George Bernard Shaw)
TAVARES, Bruno Rogério. Mapas do processo de criação de formatos de programas televisivos: uma proposta metodológica. 2017. 131 f. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, São Paulo, 2017.
RESUMO
Há um novo panorama de construção de conteúdos audiovisuais que foi aberto com a expansão da indústria de formatos de programas para TV no mundo. O surgimento e a popularização da televisão podem ser considerados dois dos fenômenos mais relevantes no âmbito da comunicação social do século XX. No contexto das produções televisivas brasileiras, o presente estudo teve como objetivo criar uma metodologia para criação de novos formatos de programas de televisão, a partir da análise dos processos criativos utilizados por canais, emissoras e produtoras de TV, tendo como referência um novo mercado para exportação de ideias audiovisuais. Esta pesquisa justifica-se pelo fato de o Brasil ainda ter uma lacuna a ser preenchida, já que não se configura como exportador de formatos televisivos. A hipótese norteadora dessa pesquisa foi se a falta de sistematização do processo criativo para formatos de programas de TV inibe o desenvolvimento de novas ideias para programas de entretenimento. Foram analisadas também as hipóteses de que o modelo vertical das emissoras de TV desestimula o desenvolvimento de novos projetos de formatos de programas no Brasil; e que a maioria das emissoras de TV não possuem equipes de criação por não saberem como estimular ou avaliar as criações de novos programas. O método empregado para desenvolver este estudo foi o qualitativo, tendo sido utilizadas as técnicas de pesquisa exploratória, bibliográfica, análise documental e cartografia, incluindo mapas e diagramas. O referencial teórico baseia-se nos estudos da comunicação, dos gêneros e formatos, nas teorias da crítica genética, da criatividade, dos processos criativos, da inovação, do design thinking e de modelagem de negócios, além da interpretação de dados do cenário televisivo brasileiro. O desenvolvimento da pesquisa encontra respaldo científico e metodológico na linha de pesquisa Processos de Criação nas Mídias e no Grupo de Pesquisa Comunicação e Criação nas Mídias – CCM, alinhados com abordagem dos estudos da orientadora Profa. Dra. Lucia Leão.
Palavras-chave: Processos criativos. Criação. Formatos televisivos. Televisão. Programação.
TAVARES, Bruno Rogerio. Maps of the process of creating television program formats: a methodological proposal. 2017. 131 f. Thesis (PhD in Communication and Semiotics) - Pontifícia Universidade Catolica de Sao Paulo - PUC-SP, Brazil: Sao Paulo, 2017.
ABSTRACT
There is a new panorama of audiovisual content construction that has been opened with the expansion of the TV format formats industry in the world. The emergence and popularization of television can be considered one of the most relevant phenomena in the 20th century in social communication, in the context of Brazilian television productions, the present study aimed to create a methodology for creating new formats of television programs, Based on the analysis of the creative processes used by TV channels, broadcasters and producers, with reference to a new market for the export of audiovisual ideas. This research is justified by the fact that Brazil still has a gap to be filled, since it is not configured as an exporter of television formats. The guiding hypothesis of this research was whether the lack of systematization of the creative process for TV program formats inhibits the development of new ideas for entertainment programs. The hypotheses were also analyzed that the vertical model of the TV stations discourages the development of new projects of formats of programs in Brazil; And that most TV stations do not have creative teams because they do not know how to stimulate or evaluate the creations of new programs. The method used to develop this study was qualitative, using the techniques of exploratory research, bibliography, documentary analysis and cartography, including maps and diagrams. The theoretical framework is based on studies of communication, genres and formats, on theories of genetic criticism, creativity, creative processes, innovation, design thinking and business modeling, as well as the interpretation of data from the Brazilian television scenario. The development of the research finds scientific and methodological support in the line of research Creation Processes in the Media and in the Research Group CCM - Communication and Creation in the Media, aligned with approach of the studies of the professor Lucia Leão.
Keywords: Creative processes. Creation. Television formats. Television. Programming.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – Definição do termo televisão no dicionário Michaelis ............... 21
FIGURA 2 – Cabeça de rede, filiadas e afiliadas .............................................. 32
FIGURA 3 – Transmissão de TV aberta via satélite ......................................... 33
FIGURA 4 – Os tipos de emissoras de TVs públicas ...................................... 35
FIGURA 5 – Como funciona a TV por assinatura ............................................ 41
FIGURA 6 – Cadeia de valor da TV aberta ........................................................ 43
FIGURA 7 – Fluxo de receitas da TV aberta ..................................................... 46
FIGURA 8 – Cadeia de valor na TV por assinatura .......................................... 47
FIGURA 9 – Novos conceitos aplicados à distribuição do
sinal de televisão........................................................................... 51
FIGURA 10 – Pensando conteúdo transmídia ................................................. 53
FIGURA 11 – Remuneração média dos profissionais de televisão ................ 65
FIGURA 12 – Exportação de produtos criativos pelo mundo e resposta
se o Brasil é um país criativo ..................................................... 77
FIGURA 13 – Representação da abordagem múltipla da criatividade ........... 82
FIGURA 14 – Lista RIDER de análise do processo criativo ............................ 83
FIGURA 15 – Roda dos gêneros da televisão digital interativa ...................... 87
FIGURA 16 – Criação e nascimento de um programa de televisão ............... 91
FIGURA 17 – Modelo HPI de design thinking de criação ................................ 95
FIGURA 18 – O processo HCD (Design Centrado no Ser Humano) ............... 96
FIGURA 19 – A representaçãço da ideia do teleformato................................. 99
FIGURA 20 – Conceitos aplicados ao Teleformato ......................................... 100
FIGURA 21 – Os 11 elementos da matriz criativa Teleformato ....................... 102
FIGURA 22 – Teleformato: a matriz criativa ..................................................... 103
FIGURA 23 – Disposição dos elementos da matriz criativa ........................... 109
FIGURA 24 – Aplicação do Teleformato no programa The Voice Brasil ....... 119
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Linguagem televisiva contemporânea ....................................... 26
QUADRO 2 – Principais atividades de uma emissora de TV .......................... 28
QUADRO 3 – Quem pode executar os serviços de radiodifusão no Brasil ... 29
QUADRO 4 – Definições técnicas de termos da radiodifusão de
som e imagens ............................................................................ 31
QUADRO 5 – Ambientes propícios para o florescimento das ideias ............. 79
QUADRO 6 – As sete características fundamentais do processo de
criação/ inovação ........................................................................ 81
QUADRO 7 – Três condições para todos os tipos de criatividade ................ 83
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 – Composição das despesas das emissoras de TV no Brasil ... 36
GRÁFICO 2 – Composição das receitas das emissoras de TV no Brasil ...... 37
GRÁFICO 3 – Participação no número de televisores ligados ....................... 38
GRÁFICO 4 – Investimentos das emissoras de
TV no Brasil (2005/2006/2007) .................................................... 39
GRÁFICO 5 – Evolução do número de assinantes de TV ............................... 42
GRÁFICO 6 – Grau de instrução dos funcionários de TV aberta ................... 65
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Domicílios brasileiros (%) com rádio, TV, telefone,
microcomputador e micro com acesso à internet ..................... 21
TABELA 2 – Evolução do número de geradoras e retransmissoras de
TV no Brasil ................................................................................... 34
TABELA 3 – Quantidade de assinantes por tecnologia em números e
percentual de participação (fevereiro/ 2017) .............................. 42
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 15
CAPÍTULO 1 – AFINAL, O QUE É TELEVISÃO? ............................................... 20
1.1 Conexões da cadeia produtiva televisiva no Brasil .............................. 28
1.1.1 TV Aberta .................................................................................................. 28
1.1.2 TV por assinatura .................................................................................... 40
1.1.3 Produtoras de conteúdo ......................................................................... 43
CAPÍTULO 2 – PLATAFORMAS DIGITAIS, PROGRAMAÇÃO E
FORMATOS TELEVISIVOS ................................................................................ 49
2.1 Plataformas digitais de TV ...................................................................... 49
2.2 Transmídia ................................................................................................ 53
2.3 Programação: gêneros e formatos ........................................................ 54
2.3.1 Programação ............................................................................................ 54
2.3.2 Gêneros .................................................................................................... 57
2.3.3 Formatos .................................................................................................. 60
2.4 A formação do profissional de televisão ............................................... 63
CAPÍTULO 3 – PROCESSOS CRIATIVOS E INOVAÇÃO PARA TV ................. 70
3.1 A criação e as teorias .............................................................................. 71
3.2 As ideias e seus processos de criação ................................................. 79
3.3 Inovação na radiodifusão: TV e rádio .................................................... 84
3.4 Pensar a criação para TV ........................................................................ 95
CAPÍTULO 4 – TELEFORMATO: A MATRIZ CRIATIVA .................................... 97
4.1 Teleformato .............................................................................................. 101
4.2 O desenvolvimento de uma metodologia ............................................. 110
4.3 O conceito de matriz criativa .................................................................. 113
4.4 Ideação, modelagem e prototipagem ..................................................... 114
4.5 Piloto ......................................................................................................... 119
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 121
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 125
ANEXO A – MODELO CANVAS ......................................................................... 131
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INTRODUÇÃO
As mudanças econômicas, culturais e tecnológicas vivenciadas pela
sociedade moderna a partir do final do século XX constituem uma verdadeira
revolução. Em um mundo caracterizado pela globalização, pelo desenvolvimento
tecnológico e pela forte concorrência, o conhecimento, que se reflete no talento, na
criatividade e na inovação das pessoas, tornou-se o bem mais importante de
produtividade, promovendo a expansão de áreas distintas como a economia criativa,
na qual é possível destacar o crescimento do cenário de produção de conteúdos de
entretenimento em escala mundial. Nessa perspectiva, o conhecimento é a primeira
característica na configuração dos modelos de produtividade das indústrias criativas
que utilizam o talento, por meio da exploração do capital intelectual, e formam um
grupo diversificado de atividades com foco na criatividade, como: música, teatro,
cinema, artes visuais, editoração, publicidade, software, fotografia, game, rádio, TV,
entre outras.
Na atualidade, a televisão ainda é o meio de comunicação de massa mais
influente na sociedade, responsável pela disseminação de entretenimento e
informação para a maior parte da população mundial. É inegável que o advento e a
popularização da televisão são considerados dois dos fenômenos mais relevantes
no âmbito da comunicação social até a chegada da internet.
Nos últimos 20 anos, um novo nicho do mercado televisivo começou a surgir
em decorrência da consolidação de empresas especializadas na criação e produção
de formatos de programas televisivos originais. O formato televisivo é considerado o
gene da produção, pois materializa o modelo de um programa de TV que pode ser
reproduzido em vários países. Ele constitui legalmente o conceito do programa,
protegendo seus criadores, inventores e proprietários de plágios, com base nos
parâmetros estabelecidos e registrados. A criação de formatos faz parte da nova
economia criativa de produção televisiva, que comercializa novas ideias para a TV,
estabelecendo regras claras e fixas de produção, com uma pequena margem para
adaptações locais.
O surgimento do mercado dos formatos mudou significativamente os padrões
de comercialização de produtos televisivos. O licenciamento de formatos de
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programas de televisão é uma indústria bilionária. A cada ano, aumenta o número de
emissoras e canais de TV que procuram incluir em sua grade de programação
formatos testados em outros países. Ao optar pelo licenciamento do formato, a
emissora também tem acesso a todo o know-how acumulado na produção do
programa por canais/produtoras internacionais, o que, embora possa não ser
decisivo para o seu sucesso, certamente contribui para o bom desenvolvimento no
mercado local. Diante desse cenário, o objeto de estudo da presente pesquisa é o
processo de criação de formatos de programas de TV realizados pelos núcleos de
criação artística das emissoras de TV e produtoras de conteúdo audiovisuais.
O desenvolvimento e a exportação dos formatos de programas de TV têm
sido um dos acontecimentos mundiais mais inovadores da área ao longo dos últimos
anos. A cada dia se eleva o número de canais televisivos que promovem a troca
imediata de programas que não funcionam por outros mais interessantes, o que
provoca uma forte disputa entre as produtoras de formatos. Essa disputa passou a
dominar a programação das principais emissoras. Considerando o exposto, essa
pesquisa pretende discutir quais são as características de um método de criação de
formato de programa televisivo que possa ser adotado em universidades como
ferramenta para auxiliar na formação de profissionais e por emissoras de TV e
produtoras de conteúdo na estruturação de processos criativos internos.
Este estudo traz como principais contribuições a identificação, a conceituação
e a proposição de um processo de criação de novos formatos de programas de TV.
As emissoras de televisão de todo o mundo procuram por formatos de sucesso, que
agradem o público e que resolvam o problema da audiência para toda a temporada
da programação. Muitos negócios são gerados pela criação de novos formatos,
porém as emissoras brasileiras ainda não souberam aproveitar os caminhos já
abertos no mercado internacional por meio da comercialização de novelas,
minisséries, séries, filmes, animações e documentários para criar e exportar novos
formatos. Por isso, o tema proposto justifica-se, também, por analisar os processos
de criação de novos conteúdos televisivos, mas que só garantem a subsistência das
próprias emissoras.
A originalidade dessa pesquisa de doutorado está não apenas em classificar
os processos criativos da área, mas principalmente em apresentar uma nova
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proposta metodológica que pode contribuir com a formação de futuros profissionais
da área, com o desenvolvimento do mercado brasileiro de televisão e com a criação
de novos formatos nos mais diversos gêneros televisivos que possam ser
exportados para outros países, resultando em inovação para o Brasil.
O estudo apresentado tem como objetivo entender as demandas e as regras
preestabelecidas nos processos criativos e nas rotinas das produções das emissoras
de televisão e produtoras de conteúdo audiovisual, provocando reflexões acerca da
capacidade de construção de formatos televisivos com potencial de exportação, para
desenvolver uma nova proposta metodológica. Além disso, foi apresentado um breve
histórico dos processos criativos da maior produtora internacional de formatos e
realizada uma investigação sobre a falta de tradição do Brasil em criar e exportar
modelos de programas de TV, apesar de o país ter uma das maiores empresas de
televisão do mundo.
A hipótese fundamental que norteou essa pesquisa foi se a falta de
sistematização do processo criativo de formatos de programas de TV inibe o
desenvolvimento de novas ideias para programas televisivos. Ainda foram
trabalhadas as hipóteses de que o modelo vertical de produção e transmissão das
emissoras de TV desestimula o desenvolvimento de novos projetos de formatos de
programas no Brasil; e que a maioria das emissoras de TV não possui equipes de
criação por não saber como estimular ou avaliar as criações de novos programas.
As emissoras de televisão tentam inovar para que possam se diferenciar e
obter vantagens competitivas em suas funções básicas de entreter e informar. A
linguagem televisiva sempre foi marcada por experimentações com diferentes
conteúdos e formas, assim como pela utilização de inovações tecnológicas. O tema
central deste projeto diz respeito ao processo criativo e ao desenvolvimento de
novos formatos de programas de televisão. Tendo em vista esse contexto, o método
empregado para desenvolver esta pesquisa foi o qualitativo. A opção de adotar esse
método está baseada justamente no fato de que esta pesquisa buscou entender o
fenômeno como um todo, levando em conta sua complexidade e procurando
apanhá-lo no contexto em que se insere e do qual faz parte.
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No desenvolvimento dessa pesquisa, foram utilizadas as técnicas de pesquisa
bibliográfica, análise documental e pesquisa exploratória. Após as pesquisas
exploratória e bibliográfica, que orientaram a construção do referencial teórico do
trabalho, foi aplicada a técnica de análise documental com o propósito de identificar
e classificar a metodologia para criação de programas televisivos. Nesse sentido, a
pesquisa documental trouxe contribuições significativas a esta pesquisa, além de ter
possibilitado novas análises e novas interpretações.
Para desenvolver as construções teóricas necessárias à proposta da
metodologia Teleformato, a tese foi organizada em quatro capítulos. No primeiro
capítulo, “Afinal, o que é televisão”, a discussão gira em torno da contextualização
do conceito de televisão no Brasil, abordando aspectos históricos e legais referentes
a esse meio eletrônico de comunicação de massa. São apresentados dados do
mercado e descritas as principais diferenças entre os modelos de negócios das
emissoras de televisão aberta e os modelos das operadoras e programadoras de TV
por assinatura, incluindo toda a cadeia de valor desses setores, como as produtoras
de conteúdos audiovisuais. O capítulo também ressalta a importância do mercado
televisivo para a sociedade brasileira e a evolução da linguagem televisiva a partir
das transformações tecnológicas.
O segundo capítulo, “Plataformas digitais, programação e formatos
televisivos”, aborda as plataformas digitais de distribuição de conteúdos
audiovisuais, destacando a relevância da programação televisiva, expondo as
diferenças entre gêneros e formatos e retratando o programa de televisão como
produto cultural. É apresentada ainda a diferenciação entre formato de produção e
formato de programa televisivo utilizado nessa pesquisa, além de uma breve
discussão sobre a formação dos profissionais da área.
O terceiro capítulo, “Processos criativos e inovação para TV”, apresenta um
panorama dos conceitos e teorias sobre criatividade, abrindo espaço para a
abordagem de questões relacionadas aos processos criativos, segundo estudos da
teoria da crítica genética. Os motivos de valorização do talento humano como
principal bem nas Indústrias Criativas são mostrados para a melhor compreensão da
criatividade como elemento essencial da sociedade, apesar de todos os avanços
tecnológicos. Com o objetivo de fundamentar que a inovação na televisão pode
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surgir da implantação de processos criativos, o capítulo aborda as características
fundamentais e a representação da abordagem múltipla da criatividade para
estimular o desenvolvimento de ideias que podem ser transformadas em formatos
televisivos. Traz ainda uma abordagem sobre como nasce um programa de televisão
e propõe o uso de técnicas do design thinking para criação televisiva.
O quarto e último capítulo desta obra, “Teleformato: a matriz criativa”,
apresenta a metodologia desenvolvida nesta pesquisa para sistematizar o processo
de criação de formatos televisivos. São explicados os eixos temáticos que serviram
de embasamento para a formação da metodologia proposta a partir da elaboração
da matriz criativa e das técnicas de ideação, modelagem e prototipagem para
aprimorar a estruturação do formato de programa de TV criado, antes da gravação
do programa piloto. Na sequência, como forma de teste, a matriz do Teleformato é
aplicada em um formato de programa já existente.
Nas considerações finais, analisamos e discutimos os resultados obtidos
mediante a aplicação da metodologia criada com base na fundamentação teórica e
nas observações empíricas.
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CAPÍTULO 1 – AFINAL, O QUE É TELEVISÃO?
A televisão brasileira tem o poder de de fascinar o público e, por causa disso,
é alvo de críticas elaboradas por formadores de opinião. Considerada uma das
paixões nacionais, figura entre as principais fontes de lazer, entretenimento e
informação para a maioria da população. Até mesmo as famílias que vivem em
moradias simples, sem acesso às condições básicas de saneamento, como água
encanada e esgoto, possuem pelo menos um aparelho de TV, no qual assistem a
novelas, telejornais, jogos de futebol, reality shows e programas de auditório. Na
atualidade, nenhum outro meio de comunicação, no cotidiano dos brasileiros, é mais
influente do que a TV, capaz de influenciar ao mesmo tempo a cultura, a política e a
sociedade, apesar do crescimento constante da internet. Nesse sentido, a TV é
considerada o último meio de comunicação de massa em um cenário de incertezas
sobre os aspectos tecnológicos e de programação e distribuição de conteúdo,
indagadas nas discussões sobre o fim da televisão que procuram refletir sobre as
tendências da comunicação (CARLÓN; FECHINE, 2014).
Desde os seus primórdios, em 1950, quando foi trazida ao Brasil por Assis
Chateaubriand (1892-1968), a televisão encanta por transformar o cotidiano em um
espetáculo. Ao completar 67 anos de atividades em 18/09/2017, a TV brasileira
acumula elogios e prêmios como uma das melhores do mundo. Concomitantemente,
a regulamentação do setor de radiodifusão1 encontra-se defasada e propícia à
manutenção dos oligopólios de mídia criados nas décadas anteriores. Entretanto, a
televisão continua soberana em mais de 97% dos lares brasileiros (Tabela 1), em
plena era da internet e do digital.
1 Serviço de transmissão de sinais, sons ou imagens, por meio de ondas eletromagnéticas, destinado
ao público em geral [abrange rádio, televisão, telex etc.]. Fonte: Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/setorregulado/apresentacao-radiodifusao>. Acesso em: 20 mar. 2017.
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TABELA 1 – Domicílios brasileiros (%) com rádio, TV, telefone, microcomputador e micro com acesso à internet
Meios de comunicação 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Televisão 95,0% 96,9% 97,2% 97,2% 97,1% 97,1%
Telefone (Fixo ou Celular) 87,9% 89,9% 91,2% 92,5% 93,5% 93,3%
Celular e telefone fixo 36,1% 36,7% 36,9% 35,8% 34,8% 33,2%
Rádio 81,4% 83,4% 80,9% 75,7% 72,1% 69,2%
Microcomputador 38,3% 42,9% 46,4% 48,9% 48,5% 46,2%
Microcomputador com acesso à Internet 31,9% 36,6% 40,3% 42,4% 42,1% 40,5%
Total de Domicílios (milhares) 57.324 62.117 63.768 65.130 67.039 68.037
Fonte: PNAD 2015 (IBGE).
A TV Tupi, inaugurada em 18 de setembro de 1950, foi a primeira emissora
de televisão brasileira. Nos primeiros anos de transmissão, todos os programas
eram ao vivo e reconhecidos pela improvisação, experimentação e falta de
aparelhos receptores, devido ao alto custo. Naquele período, a linguagem dos
programas era adaptada do rádio e do teatro. O rádio era o principal meio eletrônico
de informação e entretenimento da sociedade brasileira. Vale destacar que o termo
televisão (Figura 1) é popularmente utilizado para designar tanto o aparelho televisor
que recebe os sinais, como a emissora que os transmite.
FIGURA 1 – Definição do termo televisão no dicionário Michaelis
Fonte: Michaelis (2015).
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Patenteado em 1884, o disco de Nikow é apontado como o primeiro aparelho
de televisão. Na sequência, vieram diversas outras inovações, como os tubos
catódicos, o leitor de vídeo, as imagens coloridas, as transmissões via satélite, a
digitalização, a alta definição e a televisão via internet. O desenvolvimento da
televisão é considerado, portanto, bastante complexo, pois reúne ciência
(tecnologia) e arte (conteúdo).
A palavra televisão tem origem no vocábulo grego tele (distância) e no termo
latino visio (visão). Trata-se de um sistema eletrônico composto de duas funções
básicas: a transmissão e a recepção imediata de imagens e sons por meio de ondas
eletromagnéticas instantâneas. A década de 1920 marca as experimentações, os
primeiros registros das transmissões televisivas realizadas por Inglaterra, Japão e
Estados Unidos da América. Começam a surgir as primeiras emissoras de TV pelo
mundo, como a CBS e a BBC. A década de 1930 inaugura as primeiras
transmissões oficiais e regulares de programas de TV, uma invenção tecnológica
que criou uma nova forma de comunicação.
Televisão é um sistema eletrônico de reprodução de imagens e som de forma instantânea. Funciona a partir da análise e conversão da luz e do som em ondas eletromagnéticas e de sua reconversão em um aparelho — o televisor — que às vezes recebe erroneamente também o mesmo nome do sistema ou pode ainda ser chamado de aparelho de televisão. As câmeras e microfones captam as informações visuais e sonoras, que são em seguida convertidas de forma a poderem ser difundidas por meio eletromagnético ou elétrico, via cabos; o televisor ou aparelho de televisão capta as ondas eletromagnéticas e através de seus componentes internos as converte novamente em imagem e som (TELEVISÃO, 2017).
Assis Chateaubriand, na época, era dono dos Diários Associados, um império
de comunicação que incluía vários títulos de jornais, revistas e emissoras de rádios.
Ele importou equipamentos e técnicos dos Estados Unidos e instalou duas antenas
em São Paulo, uma no prédio do Banespa, na região central da cidade, e outra na
sede da nova empresa, no bairro Sumaré. Estima-se que foram distribuídos 200
aparelhos receptores para os seus amigos, financiadores e lojas do centro de São
Paulo para que as pessoas pudessem assistir na rua à novidade que chegava.
Poucas pessoas puderam ver as imagens das primeiras transmissões. A
programação, montada às pressas, ficava no ar das 17h às 22h e incluía teleteatros,
programas de variedades e um noticiário. Os programas do rádio começaram a
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migrar para a televisão. Todos os programas eram exibidos ao vivo até meados da
década de 1960.
Como o aparelho televisor custava caro, assistir televisão era uma atividade
coletiva. Existia o conceito de televizinho, ou seja, aquele que assistia à televisão
através da janela do vizinho. Em 1951, foi inaugurada a TV Tupi Rio e, no final do
ano, já existiam sete mil televisores2 nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
Para se ter uma ideia clara de como a televisão encantou os brasileiros desde
a sua chegada ao país, no ano de 1952, o país já contabilizava aproximadamente 11
mil televisores. A expansão do meio de comunicação televisão começa com a
popularização dos aparelhos receptores.
Novas emissoras, como a TV Excelsior, a Rede Record, a Globo e a
Bandeirantes, foram inauguradas até o final da década de 1960. Nesta época, a TV
Tupi começou a entrar em declínio por motivos financeiros. A emissora teve a
concessão cassada em 1980, pois a renovação exigia que os impostos tivessem
sido pagos e que não houvesse processos trabalhistas e judiciais. Até o ano de
1961, surgiram 21 novas estações. Em 1964, o Brasil já contabilizava mais de 1,6
milhão de televisores e 34 emissoras de TV aberta.
Diferentemente de países da Europa, onde as primeiras emissoras eram
públicas e voltadas para um fim educativo, o Brasil adotou o modelo norte-americano
de emissora de TV aberta comercial. Com a criação de agências de publicidade
multinacionais, a TV passou a ser tratada como um meio de comunicação voltado
para a divulgação de marcas, produtos e serviços. Os patrocinadores incluiam suas
marcas nos títulos dos programas e decidiam o conteúdo, muitas vezes criando,
roteirizando e produzindo.
Esse modelo só foi quebrado quando a TV Globo ousou colocar uma vinheta
de passagem3 separando o conteúdo dos intervalos comerciais. A emissora carioca
decidiu também que quem deveria produzir os programas era a própria emissora e
não mais os patrocinadores.
2 Informações do site Tudo Sobre TV. Disponível em: <http://www.tudosobretv.com.br/histortv/tv50.ht-
m>. Acesso em: 29 maio 2017. 3 Selo em formato eletrônico com a logomarca da emissora ou do programa.
24
Assim, em 1969, a TV Globo, procurando integrar o território nacional, lançou
o Jornal Nacional, utilizando os primeiros sistemas de satélite disponíveis no Brasil.
A modernização do modo de operação da televisão começou a ser mais ainda
significativa a partir da década de 1970, quando adotou um perfil mais empresarial.
Os anunciantes passaram a comprar espaços comerciais nos intervalos entre os
blocos dos programas. A TV Globo foi a primeira emissora a operar em rede,
tornando-se especialista na produção e exportação de telenovelas. A Copa do
Mundo de Futebol de 1970 impulsionou a venda de aparelhos televisores e a
chegada da TV em cores.
O modelo de emissora de TV aberta comercial, escolhido pelo Brasil, exerce
influência direta sobre o conteúdo da programação e é motivode crítica de teóricos
da comunicação que consideravam a TV como um simples instrumento de controle
social e político. Intelectuais de orientação marxista desenvolveram a principal linha
de oposição (Teoria Crítica) aos meios de comunicação de massa (Indústria
Cultural), tendo como principal argumento a dominação dos meios por oligopólios
que utilizam os veículos para produzir bens de cultura e vendê-los meramente como
mercadorias, além de proliferar ideologias que interessassem às classes
dominantes. Na obra Dialética do Esclarecimento, dos autores Adorno e Horkheimer
(1944), produzida no Instituto de Pesquisa Social afiliado à Escola de Frankfurt,
estão reunidos todos os argumentos e reflexões que foram produzidos ainda na
década de 1930 sobre a influência dos meios de comunicação de massa na
sociedade.
Hoje, em uma sociedade democrática, é difícil enxergar uma população tão
manipulada e passiva, mas não podemos desconsiderar alguns aspectos
importantes da relação entre o poder (classes dominantes) e os meios de
comunicação, que geram consequências editoriais até os dias de hoje. Por exemplo,
entre os anos de 1964 e 1986, durante o regime militar, a televisão teve um papel
importante na integração do Brasil. Em contrapartida, o governo criou condições
para que houvesse o monopólio do setor, autorizando o uso de concessões para
exploração dos serviços de radiodifusão para um pequeno grupo de empresários
que matinham relações com o poder executivo.
25
O cenário do mercado de televisão no Brasil começou a sofrer mudanças a
partir da década de 1990, quando fatores tecnológicos começaram a permitir uma
diversidade de distribuição e conteúdos televisivos mais complexos: a ocupação total
do espectro de radiofrequência destinado aos canais de TV na faixa de VHF nos
grandes centros urbanos e abertura de novas concessões na faixa de UHF; início
das primeiras transmissões de TVs por assinatura; e o surgimento da internet e sua
revolução. As novas possibilidades tecnológicas influenciam diretamente na
diversidade de conteúdos que passa a chegar nos lares brasileiros.
A televisão aberta é difundida pelo serviço de radiodifusão brasileiro, que é
regulamentado pelo Ministério das Comunicações4 mediante um sistema de
outorgas, concedidas por meio de licitações apreciadas pelo Congresso Nacional e
sancionadas pela Presidência da República. Por lei, as concessões e autorizações
para televisão têm o prazo de 15 anos, que pode ser renovado por períodos
sucessivos e iguais. O fato é que, na maioria das vezes, são os deputados e
senadores ligados a empresas de comunicação quem concedem ou renovam as
concessões. Em outros casos, os políticos são os donos de emissoras de Rádio e
TV, porém utilizam o nome de outras pessoas, o que é proibido, para ludibriar o
artigo 54 da Constituição Federal, que proíbe deputados e senadores de possuírem
empresas que firmem ou mantenham contratos com autarquias, empresas públicas
ou concessionárias de serviço público, neste caso os serviços de radiodifusão.
Essa prática é denominada, entre os formadores de opinião, de coronelismo
eletrônico e viola também os seguintes artigos da Constituição Federal: o direito à
informação (artigos 5o e 220); e a separação entre os sistemas público, estatal e
privado de comunicação (art. 223).
A televisão brasileira chegou ao século XXI com um histórico repleto de
conquistas, avanços e contradições, além da necessidade de mutação diante das
possibilidades proporcionadas pela evolução da tecnologia digital, o que culmina: na
implantação do sistema de transmissão do sinal digital em alta definição das
emissoras de TV aberta (cuja transmissão foi iniciada em 2 de dezembro de 2007);
4 O Ministério das Comunicações foi criado em 1967 pelo Presidente da República Castello Branco.
Por meio da medida provisória no 726, de 12 de maio de 2016, publicada no Diário Oficial da União, o Ministério das Comunicações foi extinto. A estrutura passou a integrar o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
26
na multiplicidade de canais de TV por assinatura; na oportunidade de convergência
com outras plataformas de mídias, como computadores e celulares; e na expectativa
de uma maior interação com o público.
Com base nesses argumentos, a linguagem televisiva (Quadro 1) evoluiu
conceitualmente, agregando componentes oriundos de outras mídias, como cinema,
rádio e game.
QUADRO 1 – Linguagem televisiva contemporânea
Descrição Elementos
Linguagem televisiva é a
linguagem das imagens e dos
sons, transformados em áudio e
vídeo para a transmissão de
entretenimento e informação, de
forma intimista, reunindo o
conjunto de planos, ângulos,
movimentos de câmera e recursos
de edição, juntamente com os
elementos de sonoplastia (a
palavra, a voz, a música, os efeitos
sonoros e o silêncio), exibidos ao
vivo ou gravados, considerando a
narrativa, que, combinados com a
participação do público,
transmitem sensações, conceitos
ou representações, criando e
despertando o imaginário cultural
do telespectador.
Áudio
Voz, música, som ambiente, efeitos
sonoros, trilha sonora, sonoplastia.
Vídeo
Planos, movimentos de câmera,
angulação, iluminação, locação,
cenografia, interpretação,
apresentação, edição, gráficos,
caracteres.
Interatividade
Participação do público por carta,
telefone, e-mail, redes sociais, como
convidado e plateia.
Fonte: elaborado pelo autor.
A televisão está em constante mutação, uma vez que acompanha o
desenvolvimento político, cultural, econômico e tecnológico da sociedade brasileira.
27
O termo de televisão remete tanto ao sistema de transmissão como ao dispositivo
que permite a visualização das imagens, também chamado televisor, à emissora de
televisão e à programação televisiva. As recentes evoluções são marcadas
principalmente pelas transformações tecnológicas que possibilitaram a chegada do
videoteipe, a transmissão de imagens em cores, disponibilização de links, o uso de
satélites, o surgimento da televisão por assinatura, a TV digital interativa, o 4K5, 8K6,
as smart TV7, entre outros recursos.
Além da ampliação de conteúdo, a forma de comunicação de um para muitos,
ou seja, um emissor fala para muitos receptores ao mesmo tempo, mudou
radicalmente com a chegada da internet. O público telespectador encontrou no
mundo virtual a possibilidade de interagir com as emissoras de televisão e seus
artistas favoritos. Os telespectadores deixaram de ser meros receptores para se
transformarem em uma audiência parcialmente ativa. Esses telespectadores,
conhecidos como internautas por utilizarem a internet, transformaram-se em
produtores de conteúdos com os seus canais de vídeos em redes sociais virtuais. A
revolução digital provocada pelo crescimento constante da internet faz o conceito de
televisão evoluir.
No Brasil, o conceito de emissora de TV abrange a produção, programação,
comercialização e transmissão dos conteúdos televisivos, diferentemente de outros
países, em que o conceito se fixa somente na programação, comercialização e
transmissão de conteúdo (Quadro 2). A produção dos programas fica sob
responsabilidade de produtoras, com exceção do conteúdo jornalístico e
transmissões esportivas.
5 A tecnologia 4K, também conhecida como Ultra High Definition (ultra alta definição), possui uma
qualidade bem maior que a Full HD (alta definição). 6 O 8K ou SHV - Super Hi-Vision- é o formato de imagem com resolução 16 vezes maior do que o Full
HD desenvolvida pela NHK, TV pública, no Japão. 7 Smarts TVs são aparelhos televisores que podem ser conectados à internet e possuem aplicativos
de conteúdo e serviços exclusivos.
28
QUADRO 2 – Principais atividades de uma emissora de TV
Atividade Emissora de TV
Modelo Brasileiro Emissora de TV
Modelo Internacional
Produção Sim Não*
Programação Sim Sim
Comercialização Sim Sim
Transmissão Sim Sim
* Exceto programas jornalísticos e transmissões esportivas. Fonte: elaborado pelo autor.
Com o passar dos anos, novos sistemas de transmissão e recepção de sinais
de televisão foram surgindo, provocando mudanças significativas na cadeia
produtiva televisiva no Brasil. Contudo, as características dos primeiros programas
de TV, oriundas da soma das linguagens radiofônica e cinematográfica, formam o
modelo de produção predominante até os dias atuais.
1.1 Conexões da cadeia produtiva televisiva no Brasil
O meio televisivo é formado por uma cadeia produtiva ampla e por diferentes
modelos de negócios. Para compreender melhor como funciona esse mercado, é
oportuno descrever como se originam os canais, emissoras, produtoras e
plataformas de TV no cenário brasileiro.
1.1.1 TV Aberta
A legislação brasileira determina que radiodifusão são os serviços,
estabelecidos por legislação própria, que promovem a transmissão de sons
(radiodifusão sonora) e de sons e imagens (televisão), a serem direta e livremente
recebidos pelo público em geral, o que é modernamente denominado comunicação
eletrônica. No Brasil, esses serviços têm, legalmente, finalidade educativa e cultural,
além de serem considerados de interesse nacional8.
8 A lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962 estabelece o Código Brasileiro de Telecomunicações que
estabelece parâmetros para a prestação dos serviços de radiodifusão. Fonte: Anatel. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/legislacao/leis/475-lei-4117>. Acesso em: 20 mar. 2017.
29
Os serviços de radiodifusão, quanto à área de cobertura, podem ser locais,
regionais ou nacionais e são categorizados com a finalidade comercial, educativa,
comunitária e pública.
A radiodifusão de sons e imagens, conhecida como emissoras de TV Aberta,
é compreendida como:
o conjunto de atividades encadeadas, realizadas por diversos um ou vários agentes econômicos, necessárias à prestação do serviço de radiodifusão de sons e imagens, que consiste na oferta de conteúdos e obras audiovisuais em grades horárias específicas, por difusão linear, segundo linha editorial própria, ofertados ao consumidor final de forma gratuita (ANCINE, 2010).
As emissoras de televisão aberta podem ser comerciais ou de finalidade
educativa e cultural, que também são consideradas públicas. As TVs comerciais têm
seus serviços financiados predominantemente por venda de espaços publicitários,
enquanto as emissoras educativas e culturais se caracterizam por serviços
financiados substancialmente por recursos públicos e/ou publicidade institucional
cuja outorga de exploração do serviço de radiodifusão de sons e imagens foi
concedida para orgãos da União, estados, municípios, universidades e fundações
públicas.
QUADRO 3 – Quem pode executar os serviços de radiodifusão no Brasil
Serviços Quem pode executar
Comercial
com preferência estabelecida em lei, a União Federal,
os Estados e o Distrito Federal, os Municípios e as
universidades públicas;
sem nenhum tipo de preferência, as sociedades por
ações nominativas ou por cotas de responsabilidade
limitada, constituídas sob a égide da legislação brasileira;
as universidades particulares; as fundações particulares;
Com fins
exclusivamente
educativos
com preferência estabelecida em lei, a União Federal,
os Estados e o Distrito Federal, os Municípios e as
universidades brasileiras, públicas ou particulares;
sem nenhum tipo de preferência, as fundações
particulares com finalidades educativas;
30
Serviços Quem pode executar
Comunitária
sem nenhum tipo de preferência, as associações
comunitárias e as fundações particulares com finalidades
comunitárias;
De retransmissão e
repetição de
televisão
com preferência estabelecida em lei, a União Federal,
os Estados e o Distrito Federal e os Municípios;
sem nenhum tipo de preferência, as entidades da
administração direta ou indireta federais, estaduais ou
municipais; as concessionárias ou autorizadas de
serviços de radiodifusão de sons e imagens; as
fundações; as sociedade civis; as sociedades por ações
ou por cotas de responsabilidade limitada.
Fonte: JWSAT BROADCAST TECHNOLOGY (200?).
A legislação ainda prevê que a responsabilidade editorial e as atividades de
seleção e direção da programação veiculada são exclusivas a brasileiros natos ou
naturalizados há mais de dez anos em qualquer meio de radiodifusão.
Desde dezembro de 2007, começou a ganhar visibilidade a seguinte definição
de televisão digital: sistema de televisão com transmissão, recepção e
processamento digitais, podendo exibir programas por meio de equipamento digital
ou de aparelho analógico acoplado a um decoder.
As concessões de outorgas para execução dos serviços de TV aberta ainda
são classificadas em emissoras geradoras, retransmissoras e repetidoras. A
diferença fundamental entre elas é que as geradoras são autorizadas a produzir
conteúdo próprio e as demais apenas a retransmitirem e/ou repetirem o sinal do
conteúdo gerado por outras emissoras. É vedada para retransmissoras e repetidoras
a veiculação de programação própria, cabendo somente à geradora a possibilidade
de inserir publicidade destinada a determinada região.
Cabe aqui apresentar (Quadro 4) as definições técnicas dos serviços de
radiodifusão de sons e imagens fornecidas pela ANATEL (Agência Nacional de
Telecomunicações).
31
QUADRO 4 – Definições técnicas de termos da radiodifusão de som e imagens
Termo Definição
Emissora
É o conjunto de equipamentos, dispositivos e
instalações acessórias, destinados a gerar, processar e
transmitir sinais modulados em radiofrequência. O termo
também é usado para designar a entidade executante
do serviço de radiodifusão.
Estação Transmissora
É o conjunto de equipamentos e dispositivos, inclusive
as instalações acessórias, situados em um mesmo local,
destinados a transmitir a programação da emissora.
Sistema de
Transmissão
É o conjunto de equipamentos e dispositivos através
dos quais o sinal de áudio é gerado, processado, e
conduzido, desde a entrada dos transdutores até o
sistema irradiante, inclusive.
Estação geradora
É a estação radiodifusora que realiza emissões
portadoras de programas que tem origem em seus
próprios estúdios.
Estação retransmissora
de televisão
É o conjunto de receptores e transmissores, incluindo
equipamentos acessórios, capaz de captar sinais de
sons e imagens e retransmiti-los, simultaneamente, para
recepção pelo público em geral.
Serviço de
retransmissão
É aquele destinado a retransmitir, de forma simultânea,
os sinais de estação geradora de televisão, para a
recepção livre e gratuita pelo público em geral.
Serviço de repetição
(RPTV)
É aquele que se destina ao transporte de sinais de
sons e imagens oriundos de uma estação geradora de
televisão para estações repetidoras ou retransmissoras
ou, ainda, para outra estação geradora de televisão,
cuja programação pertença a mesma rede, funcionando
como uma ponte de sinais para e entre geradoras e
retransmissoras.
Fonte: SERT-PR (20??).
32
É importante não confundir os conceitos técnicos de geradora,
retransmissora e repetidora com os conceitos mercadológicos de cabeça de rede,
filiadas e afiliadas, utilizados pelas emissoras em suas relações comerciais.
Toda cabeça de rede é, obrigatoriamente, uma emissora geradora, que
possui uma relação contratual com outras geradoras próprias (filiadas) e com
emissoras pertencentes a outros grupos econômicos (afiliadas), cujo os objetos de
contrato entre ambas são uso da marca e da programação. Normalmente, até por
uma questão de contrato, as emissoras filiadas e afiliadas, apesar de serem
geradoras, apenas retransmitem o sinal da cabeça de rede, para a área de alcance
do seu sinal e para as estações retransmissoras e repetidoras (que não podem
produzir conteúdos). Independente do tipo de serviço outogardo, todas as
emissoras abertas precisam de uma concessão regulamentada pela Anatel
(Agência Nacional de Telecomunicações) para gerar e/ou transmitir programação
televisiva.
Uma rede nacional de televisão é composta de uma emissora líder,
denominada cabeça da rede, de emissoras filiadas, pertencentes ao mesmo grupo
econômico, e de emissoras afiliadas, que normalmente fazem parte de grupos de
comunicação regional (Figura 2), além das retransmissoras e repetidoras. A
produção de conteúdo e a programação ficam sob responsabilidade da cabeça de
rede, cabendo a ela determinar os horários destinados à programação local.
FIGURA 2 – Cabeça de rede, filiadas e afiliadas
Fonte: elaborada pelo autor.
33
Emissoras de televisão afiliadas e retransmissoras são empresas
independentes que, depois de receberem a concessão, associam-se a uma
emissora para levar a programação dela a locais aonde o sinal das geradoras não
chega. Algumas emissoras têm apenas uma geradora, em que é produzido todo o
conteúdo de caráter nacional, como, por exemplo, os telejornais, novelas, programas
de auditório e de entretenimento. Outras têm mais de uma geradora e dividem a
produção dos programas nacionais entre elas. As regiões que contam com
geradoras recebem o sinal direto delas, mas, para chegar mais longe, o sinal é
mandado para um satélite (Figura 3), que o retransmite para as afiliadas, as quais,
por sua vez, recebem a programação nacional, acrescentam alguns programas
produzidos localmente e transmitem esse novo sinal para as casas da sua região e
para as estações retransmissoras, que não produzem programas, mas levam mais
longe a programação das afiliadas.
FIGURA 3 – Transmissão de TV aberta via satélite
Fonte: ABERT (2014).
Ao contrário do que acontece em outros países, onde a internet está tomando
o espaço das mídias tradicionais de uma forma avassaladora, alguns fatores
importantes devem trazer oportunidades de crescimento para a televisão aberta
brasileira: o baixo poder econômico da população em geral; as dimensões
geográficas continentais do país; e a implantação do sinal de TV digital. Devido a
essas características, o Brasil viu se expandir ao longo dos últimos anos uma
indústria de televisão aberta por meio da utilização de antenas parabólicas que
34
captam o sinal do satélite da chamada Banda C. Não se sabe, ao certo, quantos são
os receptores de satélite existentes no país, mas as estimativas feitas pela ABERT
(Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) chegam a 22 milhões de
domicílios.
Esse aumento do número de emissoras é constatado em razão da elevação
expressiva da quantidade de emissoras comerciais e educativas de TV aberta no
Brasil nos últimos anos, como pode ser observado na Tabela 2.
TABELA 2 – Evolução do número de geradoras e retransmissoras de TV no Brasil
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015*
Geradoras de TV 492 498 512 514 519 541 542 395
Retransmissora de TV 10.044 10.208 10.403 10.506 10.471 10.513 11.308 6.593
* Os dados de 2015 não contemplam as geradoras e retransmissoras que estavam aguardando a regularização da documentação para renovação da concessão na Anatel. Fonte: Teleco (2016), com base em dados do Siscom da Anatel.
Proporcionalmente, os dados de consulta do serviço de radiodifusão da
ANATEL9 apontam que, do total de concessões de emissoras de TV aberta existente
no país, 59% são comerciais em relação a 41% que são geradoras educativas.
Indiretamente, algumas emissoras de TVs educativas ligadas a governos estatuais
começaram em 1998 um movimento em direção à formação de uma TV pública, mas
apenas no ano de 2007 que o Governo Federal criou, por meio da Medida Provisória
398, de 11 de outubro de 2007, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC),
responsável pela TV pública nacional, a TV Brasil.
A medida provisória determina também que as operadoras de TV por
assinatura devem oferecer, gratuitamente, além das demais emissoras consideradas
educativas ou públicas (Figura 4), dois canais do Poder Executivo: um canal
ocupado pela Rede Nacional de Comunicação Pública (TV Brasil) e um outro canal
responsável por divulgar os atos e matérias de interesse do Governo Federal (NBR).
9 Disponível em: <http://sistemas.anatel.gov.br/se/public/view/b/srd.php>. Acesso em: 11 jun. 2017.
35
FIGURA 4 – Os tipos de emissoras de TVs públicas
Fonte: elaborada pelo autor.
Apesar de esta tese ser desenvolvida com base em conceitos da área de
comunicação e semiótica, faz-se necessário traçar um panorama do mercado
televisivo no Brasil para que se compreenda de fato o que é a televisão e para
identificar as fragilidades relacionadas à área de criação de formatos, objeto de
estudo da presente pesquisa. Por isso, vamos apresentar alguns dados coletados da
Pesquisa sobre televisão, realizada no ano de 2007, encomendada pela ABERT e
elaborada pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), relacionados à gestão de emissoras
de TV aberta no Brasil.
O Gráfico 1 mostra que a maior parte das despesas das emissoras no Brasil é
composta por custos administrativos e gerais, que correspondem a 56,6%. A
propriedade intelectual, representada pelos direitos de exibição/ direitos autorais,
corresponde a 12,7% do total. No gráfico, não fica claro se os custos de produção
estão embutidos nas despesas gerais e administrativas ou se estão dentro do item
direitos de exibição/ direitos autorais. Talvez, os custos com direitos estejam
relacionados às transmissões de eventos esportivos e culturais, como o carnaval. De
qualquer forma, não há uma mensuração de custos relacionados à área de criação,
seja ela de programas, telejornais, novelas, minisséries, seriados, entre outros.
36
GRÁFICO 1 – Composição das despesas das emissoras de TV no Brasil
Fonte: FGV/ABERT (2007).
O modelo de negócios na TV aberta atende a dois tipos de público:
anunciantes e espectadores. Os anunciantes que financiam a produção dos
programas, pagando para inserir publicidade entre ou dentro dos conteúdos
transmitidos, para que os telespectadores, considerados consumidores, tenham
acesso de forma gratuita.
A receita da radiodifusão é composta, majoritariamente, pela venda de
espaços publicitários. A legislação determina que uma emissora de televisão aberta
pode veicular, no máximo, 25% de publicidade por cada hora de programação. Isso
equivale a 15 minutos por hora.
No Gráfico 2, fica evidente que as emissoras brasileiras não exploram o
segmento internacional de exportação de formatos, pois a venda de conteúdo para
exportação corresponde a apenas 0,1% das receitas. Isso sinaliza uma grande
oportunidade para a implantação ou fortalecimento de uma área dedicada à criação
de novos formatos televisivos que possam ser oferecidos à outros países.
37
GRÁFICO 2 – Composição das receitas das emissoras de TV no Brasil
Fonte: FGV/ABERT (2007).
A importância da publicidade para a TV aberta no Brasil é notória. Os serviços
de TV aberta concentram, ano após ano, o maior montante de recursos do bolo
publicitário, ficando com 69,23%, enquanto a TV por assinatura representa apenas
5,96%, conforme dados da 18ª edição da Pesquisa Global de Entretenimento e
Mídia 2017-2021, publicida pela jornalista Bárbara Sacchitiello (2017) na revista
especializada Meio & Mensagem. Em todo o mundo, de acordo com dados da
empresa de auditoria PwC (SACCHITIELLO, 2017), a importância da TV aberta
ainda é expressiva, chegando a concentrar até 75% dos investimentos publicitários
destinados ao audiovisual.
Entretanto, a competição entre emissoras não parece se dar majoritariamente
no âmbito dos valores, mas sim pela relação do conteúdo com a audiência, ou seja,
pelo tipo de programação a ser exibida e o público-alvo a ser alcançado. Dessa
forma, as emissoras de TV aberta procuram produzir uma programação atraente ao
maior número possível de espectadores, em busca de maior audiência e,
consequentemente, de um maior número de anunciantes interessados em financiá-
las, portanto de um maior volume de recursos provenientes de publicidade.
38
Dados do instituto de medição de audiência Kantar IBOPE10 mostram que,
apesar de a TV Globo, emissora de TV aberta tradicionalmente líder de audiência,
apresentar uma queda na preferência do público ao longo dos anos, o share11 de
todas as emissoras, entre os televisores ligados, indica que o serviço de radiodifusão
ainda mantém a preferência do telespectador, mesmo com os avanços na
distribuição de conteúdo por plataformas digitais e do crescimento do número de
assinantes na TV paga.
Na atualidade, com base nos dados de participação no número de televisores
ligados do instituto de pesquisa Kantar IBOPE, apresentados no Gráfico 3, os
grupos de comunicação Globo, SBT, Record e Band dominam 66,02% da audiência
televisiva. Os números representam o fato de essas emissoras de TV aberta terem
empresas afiliadas que, em sua maioria, retransmitem e reproduzem a grade de
programação das empresas sede, denominadas cabeças de rede.
GRÁFICO 3 – Participação no número de televisores ligados
Fonte: Grupo de Mídia São Paulo (2017).
Por intermédio das emissoras afiliadas, a TV Globo transmite sua
programação para 98,6% do território nacional, seguida por SBT (85,7%), Record
10 A Kantar IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) é líder no mercado de
pesquisa de mídia na América Latina e, após a aquisição, em 2015, faz parte da Kantar Media, líder global em inteligência, fornecendo informações importantes sobre todos os aspectos da medição, monitoramento e planejamento de mídia e audiência.
11 Parcela de participação de determinada emissora, programa, site, marca ou produto diante do total medido (IBOPE MEDIA, 20??).
39
(79,3%) e Band (64,1%), conforme informações do Observatório do Direito à
Comunicação (PELLEGRINI, 2015). Os dados mostram também que as cabeças
de rede têm um enorme domínio sobre a produção de conteúdo, respondendo por
quase 90% dos conteúdos veiculados pelas afiliadas.
Em 2016, o telespectador brasileiro passou, em média, 5 horas por dia em
frente à televisão, consumindo novelas, programas de auditório, eventos
esportivos, telejornais e reality shows, de acordo com dados divulgados pelo
instituto de pesquisa alemão GfK12 (2017). O prime time, ou horário nobre, que vai
das 18h à meia-noite, concentra a maior média do dia de pessoas em frente à TV,
totalizando duas horas.
Mesmo com todo o consumo e exibição de conteúdos, uma área dedicada à
criação de programas ainda não é uma realidade na maioria das emissoras. A
maior parte dos investimentos realizados no período da pesquisa da FGV/ABERT
teve como prioridade a compra de equipamentos.
GRÁFICO 4 – Investimentos das emissoras de TV no Brasil (2005/2006/2007)
Fonte: FGV/ABERT (2007).
12 A GfK é uma empresa de pesquisa de mercado de origem alemã, criada em 1934, com sede em
Nuremberga. É a maior empresa do ramo na Alemanha e a quinta maior do mundo. A tradução da sigla para o português significa “crescimento pelo conhecimento”. A empresa começou a medir a audiência da televisão brasileira em 2015.
40
Portanto, a televisão aberta é um sistema de transmissão de imagens e som a
distância através de ondas hertzianas13 e tem como modelo de negócios a venda de
espaços publicitários. Uma das características da televisão aberta é que o público
tem acesso gratuito à programação. Já na televisão por assinatura, ou TV paga, a
transmissão é feita através de uma rede especializada via cabo, micro-ondas ou
satélite.
1.1.2 TV por assinatura
O modelo de negócios da TV por assinatura é essencialmente baseado na
venda de pacotes de canais para o consumidor e na comercialização de espaços
publicitários, esse último representa uma pequena participação no faturamento do
setor. Esses canais de TV recebem um determinado valor por cada assinante que
tem acesso ao conteúdo ofertado, que é alterado de acordo com o gênero de
programação oferecido. Esse segmento da indústria televisiva é composto
basicamente por operadoras e programadoras.
A operadora é a empresa de telecomunicações responsável pela distribuição
de sinais (conteúdo) de TV por assinatura e, por lei, não pode produzir conteúdo. É
responsável por captar os sinais dos canais contratados ou dos canais abertos,
processando-os e os enviando aos assinantes via cabo, micro-ondas ou satélite. Ela
também é responsável pelo atendimento e cobrança dos assinantes.
Por sua vez, a programadora é a empresa encarregada da programação e do
empacotamento de canais que fornecem conteúdo para a TV paga. Pode produzir
programação própria, representar canais estrangeiros no país ou comprar
programas e reformatá-los em canais para o público local.
13 As ondas eletromagnéticas são também denominadas ondas hertzianas e popularmente
conhecidas como ondas de radiofrequência.
41
FIGURA 5 – Como funciona a TV por assinatura
Fonte: Maciel (2014).
Os serviços de TV por assinatura são prestados:
Por meios físicos seguros (TVC – Serviço de TV a Cabo e FTTH – Fiber to the
Home);
Mediante utilização do espectro radioelétrico em micro-ondas (MMDS14 –
Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal);
Na faixa de UHF (TVA15 – Serviço Especial de Televisão por Assinatura); e,
Por satélite (DTH – Direct to Home – Serviço de Distribuição de Sinais de
Televisão e de Áudio por Assinatura via Satélite).
Na distribuição da base de assinantes por tecnologia, os dados da ANATEL
mostrados na Tabela 3 destacam a participação majoritária da distribuição de sinal
via satélite.
14 MMDS é uma tecnologia que não desperta o interesse de novas operadoras de TV por assinatura,
pois o número de canais ofertado é muito pequeno. 15 TVA é um canal transmitido em uma frequência de TV aberta em que a assinante paga para ter
acesso ao conteúdo. O Governo Federal quer transformar essas concessões em emissoras de televisão aberta.
42
TABELA 3 – Quantidade de assinantes por tecnologia em números e percentual de participação (fevereiro/ 2017)
Tecnologia Número de assinantes
Percentual de participação
DTH 10.641.497 57,20%
FTTH 220.817 1,19%
MMDS 6.479 0,03%
TVA 66 0,00%
TVC 7.736.293 41,58%
Total 18.605.152 100,00%
Fonte: ANATEL (2017).
O acesso à TV por assinatura está diretamente ligado à condição econômica
do país. É possível observar no Gráfico 5 que a curva de crescimento do número de
adesões indica um aumento expressivo nos anos de crescimento da economia
brasileira. Outro fator apontado por especialistas em reportagem do site da Revista
Tela Viva16 é que o público, de maneira geral, gosta da qualidade dos programas da
TV aberta no Brasil. A TV aberta ainda é responsável por formar o imaginário cultural
nacional.
GRÁFICO 5 – Evolução do número de assinantes de TV
Fonte: Grupo de Mídia São Paulo (2017).
16 Disponível em: <http://convergecom.com.br/telaviva/paytv/06/08/2014/receita-com-publicidade-nao-
acompanha-aumento-da-base-de-assinantes-na-tv-paga/>. Acesso em: 30 jun. 2017.
43
Atualmente, existem 39 programadoras e 199 canais de TV por assinatura, de
diferentes gêneros, registrados na ANCINE17(2015a). No entanto, a ANATEL
contabiliza que as oito principais operadoras concentram 98,31% do total de
assinantes de TV no Brasil.
1.1.3 Produtoras de conteúdo
Após compreender o funcionamento da TV aberta e da TV por assinatura, é
fundamental conhecer as conexãos produtivas formadas pelos elos da cadeia de
valor do mercado de televisão no Brasil para perceber qual é o espaço destinado às
produtoras de conteúdo. O estudo TV aberta no Brasil: aspectos econômicos e
estruturais, apresentado pela ANCINE (2015b), com elaboração técnica da Bruna
Fontes Roppa, descreve, com base no estudo do relatório do Projeto Brasileiro de
Televisão Digital do CPqD – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em
Telecomunicações (2005) para implantação do sistema de TV digital no Brasil, a
cadeia de valor da TV aberta fragmentada em quatro elos: produção de conteúdo;
programação; transmissão e consumo; e os agentes envolvidos em cada uma delas.
FIGURA 6 – Cadeia de valor da TV aberta
Fonte: Relatório CPqD (2005).
17 A ANCINE (Agência Nacional do Cinema) é uma agência reguladora que tem como atribuições o
fomento, a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil. É uma autarquia especial, vinculada desde 2003 ao Ministério da Cultura, com sede e foro no Distrito Federal e Escritório Central no Rio de Janeiro.
44
É possível observar na cadeia de valor da TV aberta que o elo da produção
abrange da concepção de uma ideia de programa televisivo até sua transformação
em um produto. Nesse estágio, as produtoras de conteúdo, representadas pelos
núcleos de produção de emissoras de televisão, produtoras independentes e
produtoras internacionais, com a colaboração de roteiristas, produtores, técnicos,
apresentadores, atores, editores e diretores e com o apoio de estúdios e produtoras
finalizadoras, entre outros, elaboram o produto final a ser exibido pelas emissoras de
televisão.
Na Figura 6, é possível verificar que a área de criação começa a ganhar
espaço no fluxograma de produção, desencadeando as demais etapas, apesar da
falta de reconhecimento e valorização dos demais setores.
Existem dois modelos de produção considerados clássicos que são
encontrados no mercado: o modelo de produção própria, utilizado por emissoras de
TV aberta, muito comum no Brasil; e o modelo de aquisição de conteúdo produzido
por produtoras nacionais ou estrangeiras, tradicionalmente usado nos Estados
Unidos. Além desses, há casos: de terceirização da produção de conteúdo, em que
a emissora de televisão cria o conteúdo e uma produtora independente realiza a
produção; e o de coprodução, em que é feita uma parceria para produção conjunta
do programa entre a emissora de TV e a produtora independente.
No modelo norte-americano de produção televisiva, considerado horizontal,
as emissoras de televisão não ficam responsáveis pela produção do conteúdo de
entretenimento, conforme apontado anteriormente. Este pode ser apontado como
um dos fatores para o desenvolvimento e crescimento do mercado. Por outro lado,
no modelo brasileiro de produção, denominado vertical, a maioria das emissoras de
TV aberta concentra todos os elos da cadeia de valor.
O elo da programação compreende a organização da grade de programação
da emissora de televisão, distribuindo os programas produzidos ao longo do dia, de
acordo com o público-alvo que se pretende alcançar e inserindo a publicidade nos
intervalos comerciais, além do armazenamento do conteúdo para formar um acervo.
O elo de transmissão equivale à distribuição da programação entre as
emissoras de televisão e a entrega do conteúdo ao telespectador, seja por meio de
45
uma infraestrutura própria de estações geradoras e repetidoras, seja por meio de
empresas de telecomunicações. De acordo com o relatório do CPqD (2005), em
alguns países da Europa, como Alemanha, Espanha, Holanda, Itália e Reino Unido,
existe o operador de rede, que é responsável por todos os serviços de transmissão
de sinais de televisão, cabendo às emissoras de TV aberta concentrar-se nas
atividades de produção e programação de conteúdo.
O último elo é o de consumo, caracterizado pela recepção do conteúdo dos
programas de televisão e pelo seu consumo (fruição) pelos telespectadores,
finalizando as etapas da cadeia de valor da TV aberta.
As produtoras de conteúdo têm ganhado espaço no ecossistema da TV
aberta, principalmente por trazer ao público brasileiro, em parceria com as
emissoras, acesso a formatos internacionais de programas de televisão que são
sinônimos de audiência.
Vale destacar que, na configuração atual da TV aberta, as fases de produção,
de programação e de transmissão são de responsabilidade da geradora cabeça de
rede. Com o processo de verticalização, as funções de produção de conteúdo e,
muitas vezes, a própria autoria/ criação, ficam a cargo de uma mesma emissora.
Essa acumulação de papéis observada é determinante para a configuração de
forças entre os agentes, com reflexos diretos na forma como a receita gerada é
distribuída na cadeia de valor da TV aberta.
Na Figura 7, é apresentado um diagrama esquemático do fluxo de receitas do
mercado de TV aberta, com um mapeamento das trocas financeiras que ocorrem
entre os principais atores da cadeia de valor.
46
FIGURA 7 – Fluxo de receitas da TV aberta
Fonte: CPqD (2004, p. 30).
Diferentemente, na cadeia de valor da TV por assinatura, as produtoras de
conteúdo são essenciais, visto que as programadoras não possuem estúdios
próprios e quase toda a produção é terceirizada.
Na TV por assinatura, a cadeia de valor também é dividida em quatro elos:
produção, programação, empacotamento e distribuição. A rede produtiva do
mercado de TV por assinatura é interconectada com o sistema do mercado
audiovisual nas primeiras fases do processo, sendo considerada uma importante
fonte de receitas para a produção e circulação das produções audiovisuais. A
divisão apresentada foi recomendada pela Lei no 12.485/201118. O serviço de
televisão por assinatura foi recentemente “rebatizado” no Brasil, passando a ser
chamado de SeAC (Serviço de Acesso Condicionado). Isso se deu através da
resolução no 581, de 26 de março de 2012, que dispõe sobre a comunicação
audiovisual de acesso condicionado no Brasil, mais conhecida como nova Lei da TV
18 A Lei no 12.485/11, que alterou o marco legal para o setor, ampliou as atribuições da ANCINE, a
qual passou a ter como competência a regulação e fiscalização das atividades de programação e empacotamento da TV por assinatura, e manteve a competência da ANATEL no que se refere ao mercado de distribuição.
47
por assinatura, e cria cotas para a produção de conteúdos nacionais por produção
independente a serem veiculados por canais nacionais e internacionais.
FIGURA 8 – Cadeia de valor da TV por assinatura
Fonte: ANCINE (2015a).
O primeiro dos elos é o de produção, que envolve a atividade de criação de
conteúdos audiovisuais para serem exibidos na TV por assinatura. Os agentes que
atuam nessa fase são as produtoras independentes, nacionais ou internacionais, de
seriados, filmes, shows musicais, reality shows, game shows, programas de
variedade e outros formatos.
O segundo é o elo de programação, responsável pela seleção e formatação
dos conteúdos audiovisuais adquiridos das produtoras, que são organizados em
uma grade horária, a partir de uma estratégia editorial. É uma atividade considerada
essencial para o segmento da TV por assinatura, cujo produto principal é o canal de
TV temático, categorizado por gêneros televisivos.
O terceiro elo corresponde à atividade de empacotamento, que envolve a
negociação por parte das programadoras e seus representantes do licenciamento
dos direitos de transmissão dos canais de TV. Trata-se de uma incumbência editorial
responsável pela organização dos canais em pacotes, que serão comercializados
pelas operadoras aos assinantes.
O quarto e último elo é o de distribuição, encarregado do fornecimento de
pacotes ou conteúdos audiovisuais aos assinantes por intermédio de meios
48
eletrônicos. As operadoras comercializam os pacotes de TV por assinatura ao
consumidor final. Esse serviço contempla a instalação física do serviço, o
fornecimento do sinal e da infraestrutura, e as atividades complementares de
comercialização, como marketing, atendimento ao assinante, faturamento, cobrança
e manutenção de dispositivos.
O fluxo de receitas na cadeia de valor da TV por assinatura é administrado
pela operadora, que recebe o montante dos assinantes, repassa para as
programadoras que por sua vez remuneram os produtores de conteúdos
audiovisuais.
Ainda se observa, neste segmento, que algumas programadoras produzem
conteúdos que serão veiculados nos canais por elas programados. Além disso, no
Brasil, o empacotamento e a distribuição são exercidos pela mesma empresa,
operadoras de TV por assinatura.
Diante desse cenário televisivo, os avanços tecnológicos dos últimos anos
provocados pela evolução da internet fazem emergir novas plataformas digitais de
armazenamento e distribuição de vídeos que, a longo prazo, podem provocar uma
nova reconfiguração do setor.
49
CAPÍTULO 2 – PLATAFORMAS DIGITAIS, PROGRAMAÇÃO E FORMATOS
TELEVISIVOS
Durante muitos anos, a televisão continuou funcionando do mesmo modo: as
emissoras de TV com suas grades de programação definidas, com poucas
novidades ao longo do ano e com os anúncios publicitários que sustentam o sistema
de TV aberta.
A partir do começo dos anos 1990, o conteúdo televisivo começou a sofrer a
influência da cultura digital. A chegada do controle remoto, da TV por assinatura no
Brasil e da Internet, além do uso de ferramentas de interatividade e da possibilidade
de gravação e reprodução de mídias, influenciou a produção e distribuição de
conteúdos audiovisuais.
Novas oportunidades de criação e produção de conteúdos começaram a
ganhar espaço, principalmente a área de formatos televisivos, ao mesmo tempo que
a evolução da Internet provocava uma transformação no mercado por meio das
plataformas digitais de vídeos on demand, ao criar uma nova forma de distribuição e
de consumo de conteúdos.
2.1 Plataformas digitais de TV
A chegada da internet fez surgir, no começo dos anos 2000, as primeiras TVs
online com conteúdos exclusivos. Naquele momento, não havia, no Brasil, a
popularização do acesso à banda larga; o conteúdo produzido era similar ao da
televisão aberta, porém com menos recursos, e o internauta tinha que estar na frente
do seu computador no momento em que o programa era transmitido. A única
novidade era que o público podia interagir com os apresentadores por e-mail ou pelo
recurso do chat.
O primeiro grande marco na história da internet e das comunicações
relacionado ao conteúdo audiovisual digital surgiu em fevereiro de 2005, quando
nasceu o site YouTube, que permite aos usuários carregar e compartilhar vídeos,
transformando-se na maior rede social de armazenamento e distribuição de vídeos
produzidos por internautas. O YouTube tornou-se uma plataforma digital em que o
conteúdo é produzido, editado e programado pelo usuário, assistido por milhões de
50
pessoas a qualquer hora, em qualquer país, a partir de computadores, smartphones
e tablets.
Nesse sentido, é possível afirmar que a chegada de novas tecnologias de
compressão de vídeo, como o MPEG-4, permite a aplicação de ferramentas de
interatividade. Isso fez surgir também uma nova forma de distribuição de sinal de TV,
com base em conceitos como IPTV, smart TV, DVR, APP (aplicativos), entre outros.
Esse tipo de produção propriciou o desenvolvimento do mercado de TVs
corporativas, também conhecidas como mídia out of home, com conteúdos
exclusivos e direcionados a um determinado nicho de público. As linhas de ônibus,
trem e metrô também ganham canais de TVs direcionados.
Novas plataformas digitais de vídeo começaram a nascer a partir da
expansão da tecnologia de streaming19. Talvez a mais famosa seja a Netflix, uma
distribuidora mundial de filmes e séries de televisão que surgiu em 1997 fazendo a
distribuição de DVDs pelo correio. Só em 2007 a Netflix aderiu ao mundo digital,
permitindo que o seu assinante tivesse acesso ao conteúdo por meio da internet.
Hoje, está presente em 190 países e estima-se que tenha 90 milhões de assinantes.
Ela faz a distribuição de filmes, animações, documentários, novelas, telefilmes,
minisséries e séries de TV cujos direitos são adquiridos de produtoras/ emissoras de
TV para reexibição sem intervalos comerciais mediante o pagamento de uma
mensalidade, encaixando-se, nesse contexto, no conceito da cauda longa20.
Recentemente, a Netflix entrou na área de produção de conteúdo utilizando o
modelo de encomenda de produções originais a produtoras independentes.
19 Streaming é uma tecnologia que proporciona a prática de transmitir programação de áudio ou
vídeo, continuamente, através da internet. 20 Chris Anderson publicou, em 2006, o livro A Cauda Longa, apontada como um fenômeno
observado em empresas de internet que conseguem faturar com produtos de nicho de mercado tanto quanto ou até mais que os tradicionais arrasa-quarteirão. Isso se tornou viável com o advento da internet, já que a inexistência de limitação do espaço físico para exibição de produtos faz com que os nichos de mercado sejam explorados da mesma forma que o mercado de massas.
51
FIGURA 9 – Novos conceitos aplicados à distribuição do sinal de televisão
Fonte: Mídia Fatos – ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura) (2014, p. 9).
Atualmente, o Brasil tem a sua disposição 43 serviços de Vídeo sob Demanda
(VOD), segundo levantamento da Coordenação de Monitoramento de Cinema,
Vídeo Doméstico e Vídeo por Demanda da ANCINE (2017), incluindo os oferecidos
por operadoras e programadoras de TV por assinatura.
Não há dúvida de que o futuro é digital. Isso fica ainda mais claro com as
novas possibilidades interativas que a TV aberta começou a oferecer a partir do
modelo de TV digital que vem sendo implantado gradativamente desde 2007.
O Brasil optou pela criação de um sistema próprio de TV digital aberta. O
SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre) foi desenvolvido com base no
sistema japonês ISDB-T. A tecnologia desenvolvida abrange características como
HDTV, mobilidade, multiprogramação, interatividade e serviços, sendo considerado o
52
mais moderno do mundo atualmente. De acordo com o Fórum SBTVD21, o padrão
brasileiro será capaz de oferecer:
Qualidade técnica de imagem e som:
Alta definição de imagem (HDTV – High Definition Television);
Formato retangular da tela (16:9 polegadas);
6 canais de áudio;
Sintonia de sinal sem interferências ou ruídos.
Interatividade:
Interação com os programas de TV via controle remoto;
T-commerce (compras via controle remoto);
Grade de programa e sinopse dos programas na tela da TV.
Acessibilidade:
Armazenamento de vídeo em disco rígido;
Multiprogramação (aumento do número de canais e programas de TV
oferecidos).
Mobilidade:
TV portátil móvel em aparelhos de telefonia: celulares, palms, etc.
Inclusão digital:
Acesso à internet por meio da televisão.
Todo esse processo tecnológico interfere diretamente na criação de
programas de televisão. Na concepção de um novo produto televisivo ou
21 Fórum do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, o SBTVD.
53
audiovisual, é fundamental considerar o desdobramento do produto em outras
plataformas de mídias para estender o alcance da narrativa a outros públicos.
2.2 Transmídia
O conceito de transmídia foi criado há alguns anos e tem cases bem-
sucedidos em várias partes do mundo. O tema desenvolveu-se primeiro na indústria
de entretenimento (cinema e televisão) dos Estados Unidos e depois conquistou
entusiastas em vários países.
Henry Jenkins (2009), no livro Cultura da Convergência, aponta que
transmídia é a difusão de uma mensagem ou história através de várias mídias. Seu
foco é a narrativa a ser transmitida a partir de um universo criado e adaptado às
múltiplas plataformas; isso significa que as diferentes mídias (os meios) irão
transmitir diferentes conteúdos (as mensagens) para o público (receptor), de forma
que as narrativas se complementem.
A Figura 10 ilustra como os produtos gerados a partir da criação do universo
do conteúdo transmídia, cada um com uma narrativa distinta e distribuído em
diferentes plataformas de mídia, podem proporcionar acesso a um novo produto ao
serem combinadas todas as mídias, gerando uma experiência mais ampla.
FIGURA 10 – Pensando conteúdo transmídia
Fonte: Altermann (2013).
54
Os conteúdos televisivos oferecem grande potencial para aplicação do
conceito de transmídia, em um mundo cada vez mais conectado, interativo e
convergente. Isso fica mais evidente ao serem analisados os dados da 18a edição da
Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia 2017-2021, divulgada pela auditoria
PwC (SACCHITIELLO, 2017), mostrando que, de maneira geral, o mercado de mídia
e entretenimento no Brasil movimentou US$ 34.900 bilhões em 2016. Isso coloca o
país na nona posição do ranking global, que é liderado pelos Estados Unidos, China
e Japão.
A projeção para 2021 da PwC é que o valor do Brasil suba para US$ 43.716
bilhões, o que representa um aumento médio anual de 4,6%. Apesar da crise
financeira e da instabilidade econômica que acometem o país nos últimos dois anos,
a projeção da média de crescimento de mídia e entretenimento no Brasil ainda é
ligeiramente melhor do que a global, que ficou em 4,2% ao ano até 2021.
Em mercados como o brasileiro, a televisão assumiu o papel de protagonista
do conteúdo dada a sua relevância social e cultural, contribuindo para o
fortalecimento das outras plataformas de mídia.
2.3 Programação: gêneros e formatos
No contexto brasileiro, a televisão nasceu com o perfil comercial. Sob esse
aspecto, trata-se de uma indústria de conteúdo regida pelas leis do mercado, em
que as emissoras de TV aberta faturam com a venda de espaços comerciais, cujo
valor está relacionado à audiência obtida com os produtos que exibem em um
determinado horário. Dessa forma, a produção dos produtos televisivos segue
diretamente ligada aos princípios que norteiam o processo de produção de
mercadorias, de modo a despertar o interesse do telespectador e conquistá-lo. A
televisão é um negócio que depende de audiência e, hoje, constitui um mercado
extremamente disputado, portanto a programação é fundamental para alcançar
destaque.
2.3.1 Programação
Produto audiovisual isolado é apenas vídeo, não televisão. Televisão é
programação de conteúdo que cria hábito no telespectador.
55
Programação televisiva é entendida como o conjunto dos programas
apresentados numa emissora, organizado em uma grade de programação de forma
sequencial e cronológica.
Normalmente, a estrutura das grades de programação das emissoras de
televisão visa articular a oferta de produtos ao cotidiano de seu público-alvo, os
telespectadores. Em outras palavras, “a programação de uma determinada emissora
de televisão é o resultado do modo como os programas são organizados em uma
grade de exibição em função do dia da semana, do horário, do sexo e faixa etária,
entre outros critérios” (FECHINE, 2001, p. 18).
A televisão brasileira transmite entretenimento, cultura e lazer. A curadoria
dos programas e a definição do dia e horário de veiculação, levam em consideração
características como ritmo de vida de uma sociedade, o sexo, o perfil
socioeconômico, a escolaridade e os hábitos culturais. A grade de programação dos
diversos canais de TV e emissoras procuram atender ao gosto do telespectador. O
objetivo principal a ser levado em conta ao se pensar em programação é o de
conquistar e fidelizar uma audiência, com as mesmas características dia após dia,
para que a publicidade, especialmente nas emissoras de TV aberta, possa dialogar
com esse público específico.
Por essa razão, a programação não tem como meta incluir na grade um
programa que seja apenas original e dequalidade, mas sim um programa que atinja
a maioria do público telespectador disponível naquele horário em frente à TV, e, de
preferência, com o menor custo de produção possível. A televisão é um negócio, e a
programação provoca expectativas, reconfigura hábitos sociais e desperta desejo no
público consumidor.
A escolha dos programas ocorre segundo um critério de seleção de
conteúdos (curadoria), que leva em consideração a definição do público-alvo, a
análise da grade de programação das emissoras concorrentes, a aplicação da
classificação indicativa22 e as faixas horárias adequadas à exibição, observando o
22 A Classificação Indicativa é uma informação prestada às famílias sobre a faixa etária para a qual
obras audiovisuais não se recomendam. São classificados produtos para televisão, mercado de cinema e vídeo, jogos eletrônicos, aplicativos e jogos de interpretação (RPG) (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2016).
56
fluxo da grade diária no horário estabelecido. A pesquisadora Elizabeth Bastos
Duarte aponta, em seu artigo Reflexões: os sentidos sociais da programação, os
elementos que são levados em consideração ao se construir uma grade de
programação.
Três instâncias têm voz ativa na estruturação da grade de programação de uma emissora de televisão: a empresarial, que escolhe os programas tendo em vista o lucro, que, através de sua exibição, pode ser obtido, considerando a continuidade semântica entre programas e promoção, essa última com interferência até mesmo no próprio conteúdo das narrativas; a institucional, que atua na compra ou produção dos programas, tendo em vista as funções que essa emissora se atribui; e, por fim, a da marca, que envolve as escolhas de programas alinhados com a imagem que a emissora visa projetar e/ou manter de si (DUARTE, 2014, p. 4, grifos da autora).
Compor a grade de programação requer um planejamento minucioso, porque
o sequenciamento dos produtos televisivos é baseado em informações de duração
da temporada, tempo de duração do episódio, periodicidade de veiculação, dia da
semana e horário, tendo por objetivo despertar no telespectador a expectativa de
acompanhar o desfecho da narrativa apresentada por cada produto. Leva-se em
consideração ainda o público que está disponível em frente à televisão no dia e
horário em que o programa é veiculado.
E, embora atualmente os hábitos de consumo estejam se alterando, uma vez que todos podem estar conectados à programação televisual em diferentes momentos do dia, via internet, celular, tudo indica que a televisão continue partindo dessa homogeneização da audiência em cada faixa horária para organizar sua grade. Assim, a inserção de um programa na grade de programação de uma emissora é resultado de um minucioso estudo sobre a configuração do público disponível em cada faixa horária (DUARTE, 2014, p. 5).
A natureza da programação televisiva brasileira foi inspirada no sucesso da
programação das emissoras de rádio da década de 1940. Em sua época de ouro, o
rádio tinha a programação formada por programas de auditório, radionovelas,
programas jornalísticos e gradativamente passou a incluir a programação musical.
Aos poucos, a programação televisiva ganhou contornos próprios, buscando levar
ao público produtos relacionados ao entretenimento e à informação, apesar de a
Constituição Brasileira prever que a TV também tem função educativa.
57
Existem diferenças conceituais entre a montagem da grade de programação
de uma emissora de TV aberta e a de um canal de TV por assinatura. A
programação horizontal, utilizada pelas emissoras de TV aberta, consiste na
exibição de programas de diferentes gêneros e formatos ao longo do dia para
compor as 24 horas de programação. Normalmente, são exibidos conteúdos
inéditos, a não ser filmes, seriados, desenhos animados e novelas, que podem ser
reprisados. Na programação vertical, mais comum nos canais da TV por assinatura,
a programação acontece de outra forma. Na maioria das vezes, trabalha-se com um
único gênero televiso, que permeia toda a grade composta por diferentes formatos, e
com a reexibição dos conteúdos para atingir um público maior e melhorar a
rentabilidade do canal. Ainda é possível encontrar o conceito de contraprogramação,
que consiste na estratégia de elaborar a grade de programação oferecendo ao
público telespectador um conteúdo de gênero diferente do apresentado pelas
emissoras concorrentes.
A grade de programação, seja horizontal, seja vertical, é organizada a partir
dos gêneros dos produtos audiovisuais, que podem ser filmes, seriados, desenhos
animados, minisséries e documentários, e dos produtos televisivos, que são
programas de TV, telenovelas, telejornais, transmissões esportivas e eventos
especiais.
2.3.2 Gêneros
Conhecer as características dos gêneros é importante porque fornece
requisitos para a compreensão das possibilidades de uma produção, permitindo
entender a sua relação com a sociedade, a partir do contexto histórico. Pode-se
dizer que o gênero televisivo é uma estratégia de comunicabilidade que pemite
analisar a viabilidade das possibilidades de produção que a televisão pode oferecer.
Para a pesquisadora Yvana Fechine (2001, p. 15, grifo do autor), “o gênero é
um conceito chave para a compreensão dos textos nos meios de comunicação de
massa, nos quais um determinado texto dificilmente pode ser analisado de modo
isolado. Mas não exatamente nos termos em que dele se apropriou a indústria do
audiovisual”.
58
O gênero pode ser considerado uma classificação mais ampla da mensagem,
a qual deve atender à expectativa do público. A mídia se baseou nas matrizes da
literatura, do teatro e dos folhetins com origem na Grécia Antiga para organizar os
gêneros que desenvolveria.
As diversas mídias, como jornais, revistas, cinema, rádio, televisão, game e
internet, aproveitam da narrativa presente no imaginário popular para organizar a
estratégia de produção de conteúdo e criar assim uma maior identificação do público
com os produtos culturais.
O conceito de gênero televisivo revela as regularidades e as especificidades
de produtos que se configuram historicamente em formatos. É importante evidenciar
que, para Ellmore (1996 apud ARONCHI DE SOUZA, 2004, p. 41), o gênero é um
“grupo distinto ou tipo de filme e programa de televisão, categorizados por estilo,
forma, proposta e outros aspectos”.
Compreender o estudo dos gêneros na televisão permite traçar um panorama
da evolução, das transformações culturais e da mudança de comportamento do
telespectador, tendo como premissa o desenvolvimento histórico e tecnológico do
meio, como bem ressalta Aronchi de Souza:
O estudo do gênero dos programas exige a compreensão do desenvolvimento da televisão sob vários aspectos, inclusive o tecnológico. A identificação dos recursos para produção de um gênero permite escolher a tecnologia de áudio, os efeitos especiais no vídeo, o uso de equipamentos, enfim, as aplicações técnicas adequadas às várias produções, em canais diferentes. Com as informações sobre o desenvolvimento histórico de cada gênero, com a abordagem conceitual e técnica dos recursos utilizados e também dos resultados alcançados no vídeo, chega-se a um perfil de produção em televisão, para compreender melhor o planejamento, a organização, a criação e a implantação e a criação de programas (ARONCHI DE SOUZA, 2004, p. 30).
Um gênero pode resultar da combinação de duas ou mais formas e/ou de dois
ou mais gêneros. Isso representa uma ampliação dos gêneros e indica um
hibridismo sem limites aplicado à produção televisiva. Nesse aspecto, Arlindo
Machado (1999, p. 144, grifo do autor) defende que “os gêneros são categorias
fundamentalmente mutáveis e heterogêneas (não apenas no sentido de que são
59
diferentes entre si, mas também no sentido de que cada enunciado pode estar
‘replicando’ muitos gêneros ao mesmo tempo)”.
Mesmo assim, gênero é a principal abordagem quando se fala em traçar
estratégias de programação, em organizar e planejar as produções, em analisar
criticamente os programas, ou em estudar a história da televisão. Nessa perspectiva,
Yvana Fechine aponta que:
No caso da televisão, o modo próprio de organização é a programação – uma sequência de unidades articuladas transmitida em tempo real. Os gêneros televisuais podem ser definidos, portanto, como unidades da programação definidas por particularidades organizativas que surgem do modo como se coloca em relação o apelo a determinadas matrizes culturais (o que inclui toda a “tradição dos gêneros” das mídias anteriores), a exploração dos recursos técnico-expressivos do meio (dos códigos próprios à imagem videográfica) e a sua própria inserção na grade da programação em função de um conjunto de expectativas do e sobre o público (FECHINE, 2001, p. 18, grifos do autor).
Existem critérios subjetivos na categorização dos programas em gêneros.
Diferentes estudos acadêmicos e mercadológicos classificam os gêneros
exclusivamente observando elementos comuns, ou seja, pela similaridade com
outros produtos já encontrados na programação..
No Brasil, a classificação dos programas que compõem a grade de
programação das emissoras de TV aberta é realizada por meio dos gêneros, a partir
de concepções definidas pelo Kantar Ibope, empresa responsável pela medição da
audiência, que contabilizou 34 gêneros em sua cartilha, enquanto o pesquisador
Aronchi de Souza (2012) identificou mais de 50 no estudo Roda dos Gêneros da
Televisão Interativa.
Essa pesquisa concentra-se na criação de um método para auxiliar na
elaboração de um formato de programa de televisão, sendo o programa de TV
considerado como um produto televisivo que consiste na materialização de uma
proposta de conteúdo organizada em uma sequência de etapas de produção de uma
narrativa que envolve a utilização dos elementos técnicos e estéticos da linguagem
audiovisual.
60
2.3.3 Formatos
Os formatos de produção televisivos são modelos previamente elaborados
que um produtor pode utilizar para produzir um programa que se encaixará em um
dos diversos gêneros.
Tradicionalmente, ao referir-se ao formato de produção do programa de TV a
ser produzido, o profissional da área explicava de que forma o conteúdo seria
apresentado ao público. Portanto, pode-se dizer que o formato é o agrupamento de
procedimentos integrados e reproduzíveis, enquadrado em um ou mais gêneros
televisivos, que tem uma intencionalidade e é elaborado com um contorno estético,
representado pelo programa televisivo.
É importante ressaltar que há uma diferença entre o formato de produção de
um programa de TV e o formato do programa em si. O primeiro diz respeito às
técnicas de produção que são utilizadas no momento da gravação do programa. O
segundo, utilizado nesta pesquisa, é o conceito original.
No dia a dia da televisão, formato de produção é o termo técnico utilizado
para distinguir as características de um programa e identificar a forma e o tipo de
produção de um conteúdo de um determinado gênero. O termo vem ganhando cada
vez mais força, principalmente na indústria audiovisual, mas às vezes é utilizado de
forma equivocada. A pesquisadora francesa Chambat-Houillon (2007, p. 143) define
o termo formato como “o regime de representação audiovisual do conceito de um
programa, uma interface que leva da ideia à representação audiovisual”.
Antes de detalhar o conceito de formato que serve de base para esta tese, é
preciso esclarecer a diferença entre gênero e formato televisivos. No capítulo Genre,
format and “live” television, publicado no livro The television genre book (apud
HOLMES, 2008), Graeme Turner destaca a diferença prática entre a academia e o
mercado sobre os termos e esclarece que não há evidência de que o termo gênero
seja, atualmente, usado no processo industrial da televisão. O autor contextualiza a
aplicação do gênero e do formato:
Ao contrário do gênero, o formato é amplamente utilizado na indústria da televisão... Os formatos podem ser originais e, portanto, protegidos por direitos autorais, franqueados e sob licença
61
comercializados como uma propriedade comercial. Gêneros, por definição, não são originais. O formato é uma categoria de produção com limites relativamente rígidos que são difíceis de serem ultrapassados sem criar um novo formato. O gênero é elaborado com base na relação entre conteúdo e audiência. O gênero é a categoria mais abrangente e pode ser usado para descrever programas que usam vários formatos relacionados, como o game show (TURNER, 2001 apud HOLMES, 2008, p. 17, tradução nossa).
Nas feiras internacionais de negócios de conteúdo para televisão, a
expectativa sempre é por um novo formato que tenha potencial de fazer sucesso em
vários países do mundo. A palavra de ordem é criar novos formatos de programas
televisivos que façam sucesso, que sejam capazes de conquistar o público e o
mercado publicitário e que possam ser exportados para outros países.
Nesse aspecto, houve uma mudança significativa no mercado televisivo: da
compra de produtos já gravados, ou seja, de programas prontos para serem
dublados ou legendados, as emissoras de TV passaram a ter maior interesse pela
compra de formatos de programas consagrados. A comercialização de formatos
para outros países atualmente, portanto, representa uma nova fonte de faturamento
para emissoras e produtoras de conteúdo.
O crescimento do mercado dos formatos mudou os padrões de
comercialização de produtos televisivos. A criação de formatos de programas
simboliza a fusão de dois tipos de negociação muito comuns na área: a compra e
venda de produtos prontos, como telenovelas, seriados, desenhos animados,
documentários, minisséries, filmes etc.; e a compra de roteiros de ficção para serem
traduzidos e produzidos pelo país comprador. Com a negociação dos formatos, não
se vende o produto pronto, mas os contratos contemplam regras rígidas para a
produção do programa.
O formato de programa de televisão é um conceito muito mais amplo, que não
abrange só a ideia central do programa, mas compreende um conjunto de
informações técnicas, artísticas, econômicas e empresariais. O formato de
programas televisivos não é apenas a ideia do programa.
62
Certamente, a definição mais adequada a ser utilizada para formatos
televisivos é a da FRAPA – Format Recognition and Protection Association23,
entidade voltada à proteção da propriedade de formatos de programas de televisão
com sede em Huerth/ Cologne, na Alemanha, que define formato assim:
O formato do programa é muito mais do que uma mera ideia de uma série de programas de televisão. Quando o “pacote do formato” é oferecido, além do conceito criativo, melhorado continuamente, ele também inclui um plano de produção testado e aprovado. Além disso, contém os registros de audiência e as avaliações do público-alvo. Logomarcas, emblemas, projetos para cenários, trilhas e efeitos sonoros gravados são apresentados. Os episódios são gravados e os trechos podem ser mostrados como protótipo. [...] Tudo isso não é um catálogo final. É apenas uma lista de exemplos do que está incluso no pacote de um formato, quando os direitos do formato do programa são oferecidos no mercado internacional (FEY, 2003, p. 21 e 22, tradução nossa).
O formato equivale a uma estrutura a ser seguida pelo programa. Ele pode e
deve ser adaptado à cultura do país em que será produzido. É exatamente por isso
que uma emissora de televisão obtém uma licença de formato e não o programa
propriamente dito. Muitas vezes, as adaptações dos formatos ajudam na renovação
do original.
Há programas que misturam diferentes formatos de diferentes gêneros
televisivos, sendo conhecidos como híbridos. Porém, só é possível entender isso de
forma efetiva quando um produtor ao liberar a imaginação, cria os próprios
programas e assisti à televisão.
Neste trabalho, será utilizada como gênero televisivo uma classificação mais
ampla da mensagem e das técnicas de produção; e serão consideradas como
formatos televisivos as concepções, ou seja, os desenhos dos modelos de
programas estruturados dentro de um ou mais gêneros, materializado por meio das
técnicas de produção.
Diante das possibilidades que se abrem devido às transformações
conceituais, mercadológicas e tecnológicas apresentadas até o momento, é
23 A FRAPA é uma associação internacional formada por mais de 100 empresas da indústria do
entretenimento, em sua maioria emissoras, produtoras e canais de televisão. Além de fazer lobby pela proteção dos formatos, ela oferece serviços de registro de formatos e de mediação de disputas envolvendo formatos de programas televisivos. Disponível em: <www.frapa.org>. Acesso em: 04 jul. 2017.
63
apropriado compreender como se dá a formação do profissional que atua na área de
criação de conteúdo nas diferentes empresas que formam a cadeia produtiva
televisiva.
2.4 A formação do profissional de televisão
A engrenagem da indústria televisiva é formada essencialmente por profissionais
das áreas de comunicação, tecnologia e artes. Entre os profissionais envolvidos
estão radialistas, jornalistas, publicitários, marqueteiros, engenheiros, designers,
cineastas, administradores, artistas e técnicos operacionais.
Especialmente no que diz respeito às etapas de criação, produção e
programação de conteúdos, as atividades são, na maioria das vezes, delegadas a
radialistas, jornalistas e publicitários. Porém, desses profissionais, o único que
estuda programação, gêneros e formatos televisivos durante a sua formação
acadêmica de forma sistematizada é o radialista.
Radialista é o nome dado a todo e qualquer profissional atuante na área de
radiodifusão, ou seja, em todo meio de comunicação transmitido por ondas, como o
rádio e a TV. A profissão foi regulamentada pela Lei n. 6.615, de 16 de dezembro
de 1978 (BRASIL, 1978).
Inicialmente utilizado apenas para designar os profissionais que trabalhavam
nas emissoras de rádio, o termo radialista, no imaginário criativo dos profissionais
da área, é formado pela junção da palavra rádio com o adjetivo idealista e
representava rádio feito com idealismo24. O vocábulo foi introduzido pelo radialista
Nicolau Tuma, que participou da fundação da Associação Brasileira de Rádio. Em
depoimento ao Museu da TV (2017), Tuma disse sorrindo que “radialista é a soma
de rádio com idealista, pois trabalhávamos muito e não ganhávamos nada”.
Como os primeiros profissionais da televisão vieram do rádio, o termo
radialista foi utilizado para nomear quem trabalhasse em qualquer um dos meios.
Até hoje usa-se radialista para definir o profissional que atua desde a área técnica
24 O termo radialista, segundo o dicionário, é formado por “radial (de rádio + -al) + o sufixo -ista”. Esse
sufixo é comum em muitas palavras, sendo uma de suas funções criar palavras relacionadas a ocupação ou ofício, como jornalista.
64
até a direção de um programa, passando pelas atividades que envolvem a
produção.
Pesquisa liderada pela professora Nair Prata (2014) mostra que o primeiro
curso superior de Rádio e TV foi criado em 1966, começou a funcionar em 1967 na
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e está
diretamente relacionado à implantação dos cursos da área de Comunicação Social
no Brasil. Dados do ENADE 2009 registraram no país a existência de 46 cursos de
Rádio e TV. Em 2011, visando dar um aspecto contemporâneo, foi sugerida pelo
Ministério da Educação (MEC) uma mudança na nomenclatura do curso para
Rádio, TV e Internet, adotada pela maiora das Instituições de Ensino, porém como
não se trata de uma determinação ainda vigoram hoje no país diferentes
nomenclaturas para o curso.
A formação no ensino superior dá ao aluno o direito de tirar o registro
profissional na Delegacia Regional do Trabalho (DRT) para exercer 83 funções
diferentes como radialista. Porém, se uma pessoa deseja tirar o DRT para exercer
apenas uma determinada função, como por exemplo operador de câmera, ela pode
realizar um curso de qualificação profissional com duração máxima de seis meses
e ter direito ao registro profissional.
Ainda hoje existem profissionais com uma vasta experiência na área,
portanto com um notório saber técnico, sem qualquer formação acadêmica.
Durante anos, isso fez com que colegas jornalistas e publicitários rotulassem os
radialistas como simples apertadores de botões.
Essa realidade, principalmente das emissoras de TV aberta, fica evidenciada
no Gráfico 6, que apresenta dados da Pesquisa sobre televisão da FGV/ABERT
sobre o nível de escolaridade dos funcionários.
65
GRÁFICO 6 – Grau de instrução dos funcionários de TV aberta
Fonte: FGV/ABERT (2007).
Isso reflete diretamente na remuneração dos profissonais. A metodologia da
pesquisa não contemplou a área de criação. Entretando, a média das melhores
remunerações estão no artístico e no marketing.
FIGURA 11 – Remuneração média dos profissionais de televisão
Fonte: FGV/ABERT (2007).
Talvez, a falta de conhecimento sobre a necessidade de quais competências
e habilidades um aluno universitário de Rádio e TV deveria desenvolver, por parte
de coordenadores e professores que, em sua grande maioria, vinham de outras
66
formações, fez com que profissionais de outras áreas ganhassem destaque em
atividades que, na teoria, deveriam ser exercitadas pelo radialista. Isso também se
reflete hoje na formação acadêmica desses futuros profissionais, pois as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos da área de Comunicação Social e suas
habilitações, que contemplam Rádio e TV, são de 2001. Esse documento norteia
até hoje os projetos pedagógicos dos diferentes cursos da área.
A comissão de especialistas instituída pelo MEC em 2009 considerou que a
Comunicação Social é um campo de estudo, sugerindo a separação dos cursos da
área desde 2011. Nesse aspecto, o documento mais atual para o curso de Rádio
TV e Internet que orienta as Instituições de Ensino é o Referenciais Curriculares
Nacionais dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura do Ensino Superior publicado
pelo MEC em 2010, que visa atualizar: o perfil do egresso; os temas abordados na
formação; os ambientes de atuação; e a infraestrutura recomendada.
Ao analisar os documentos que norteiam a elaboração do Projeto
Pedagógico do Curso de Rádio, TV e Internet, percebe-se a ausência de temas
relacionados, especialmente, à área de criação de formatos de programas
televisivos. A atual formação universitária dos radialistas está mais voltada para a
formação de técnicos, produtores e diretores. É oportuno destacar que, ao abordar
essa questão, não estamos afirmando que não há o estímulo ou o uso da
criatividade por parte dos professores e dos alunos nas Instituições de Ensino, mas
apenas que não existe, de forma sistematizada, a implementação de metodologias
de processos criativos voltadas para o desenvolvimento de ideias de formatos
televisivos, principalmente programas de entretenimento dos gêneros variedades,
game show e reality show.
Em 2015, teve início, na USP, o processo de discussão das novas DCNs
para os cursos de Publicidade e Propaganda e Rádio, TV e Internet, nos mesmos
moldes que aconteceu da discussão das diretrizes dos cursos de Jornalismo e
Publicidade e Propaganda, já aprovadas pelo MEC. Até o presente momento as
discussões não evoluíram dentro do cronograma pretendido.
Ao abordar esta questão, o que queremos é abrir uma discussão sobre a
inclusão do ensino de teorias, métodos e técnicas relacionadas à criatividade para
67
que os produtos televisivos possam evoluir e conquistar outros mercados. Para
isso acontecer, é preciso adaptar, inovar e reconfigurar a sala de aula e suas
dinâmicas.
Tais argumentos justificam-se com dados sobre os negócios envolvendo os
formatos de programas de televisão divulgados pela FRAPA em 2009 (FREDERICO,
2009, p. 36), que mostram que esse mercado movimentou 9,3 bilhões de euros entre
2006 e 2008, com uma taxa de crescimento médio de 45% a cada período de três
anos. O levantamento encontrou 445 formatos originais nos 14 mercados
pesquisados que mais criam formatos no mundo. Dentre os países que mais
exportaram formatos destacam-se: o Reino Unido, com 146; os Estados Unidos,
com 87; a Holanda, com 35; e a Argentina, em quarto lugar, com 28 formatos. O
Brasil não fez parte do levantamento por não existir a exportação de formatos
genuinamente nacionais registrados.
Mas nem sempre foi assim. O Brasil já teve sucesso na exportação de
formatos televisivos. Na década de 1990, a TV Globo exportou o formato do
programa Você Decide para mais de 40 países. O programa criado em 1992 era
um mix de teledramaturgia e interatividade, ficando no ar por nove anos e repetindo
nos demais países o sucesso alcançado no Brasil.
Este misto de desejo e necessidade de intervenção foi explorado pela TV Globo em 1992 com o programa Você Decide. Neste programa são apresentadas histórias com dramas morais, cuja decisão é deixada nas mãos do telespectador que faz sua opção por telefone ‘vencendo’ a escolha com maior número de telefonemas. Esta fórmula fez sucesso, com média de 35 pontos no Ibope, e já está sendo exportada para 40 países Brasil (TONDATO; CARRARA, 2006, p. 125).
Vale a pena evidenciar que, nos últimos anos, as políticas públicas do
Governo Federal na área, por intermédio do Ministério da Cultura em parceria com a
ANCINE, tem fomentado a produção e circulação de obras audiovisuais, visando
transformar o Brasil em um centro relevante de produção e programação de
conteúdos. Os programas governamentais direcionados ao audiovisual articulam
parcerias público-privadas, propõem novos modelos de negócios e promovem o
acesso de um número cada vez maior de brasileiros aos conteúdos produzidos por
talentos nacionais, em todas as plataformas de exibição, como cinema, televisão e
68
internet. Entre as iniciativas podemos destacar: DOC TV25; AnimaTV26; Brasil de
Todas as Telas27; editais de produção e coprodução internacional; e o Fundo
Setorial do Audiovisual – FSA28.
Um ponto importante desses programas de políticas públicas é o legado que
fica. Além das produções, as experiências do DOC TV e o AnimaTV renderam, cada
uma, uma publicação sobre como desenvolver projetos para documentários29 e para
animação30.
25 O Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro DOCTV nasceu em
2003, como política da Secretaria do Audiovisual voltada à produção de documentários e à TV Pública. O DOCTV atua em toda a cadeia produtiva do documentário, criando ambientes de mercado, auxiliando na formação de profissionais, garantindo a regionalização da produção e a difusão do conteúdo em âmbito nacional. Todos os estados participam do Programa por meio de suas TVs ou Instituições Públicas em associação com a produção independente, formando a Rede DOCTV. Fonte: DOC TV. Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/programadoctv/about/>. Acesso em: 05 jul. 2017.
26 AnimaTV – O I Programa de Fomento à Produção e Teledifusão de Séries de Animação Brasileiras é uma iniciativa do Ministério da Cultura, por meio das Secretarias do Audiovisual (SAv/MinC) e de Políticas Culturais (SPC/MinC), Empresa Brasil de Comunicação – TV Brasil, Fundação Padre Anchieta – TV Cultura, Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais (Abepec), com o apoio da Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA). Tem como objetivos estimular o desenvolvimento da indústria brasileira de Animação a partir da sistematização de ações que visam à geração de projetos de série de animação em diversos pontos do país; a realização de ações regionais de capacitação que reforcem a cultura da série de animação para a televisão; a articulação de um circuito nacional de teledifusão de séries de animação brasileiras; a dinamização da produção entre estúdios no território nacional; e a inserção da animação brasileira no mercado internacional. Fonte: Ministério da Cultura. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/programas7/-/asset_publisher/JmYLA8w2gwoH/content/programa-anima-tv-308237/10877>. Acesso em: 05 jul. 2017.
27 O Brasil de Todas as Telas foi formulado com base no Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual. O Programa Brasil de Todas as Telas conjuga diferentes modalidades de operação financeira, articula parcerias público-privadas e propõe novos modelos de negócios. Tudo com o objetivo de estimular o desenvolvimento dos agentes econômicos e de promover o acesso de um número cada vez maior de brasileiros aos conteúdos produzidos pelos talentos nacionais, em todas as plataformas de exibição. Fonte: ANCINE. Disponível em: <http://www.ancine.gov.br/pt-br/sala-imprensa/noticias/conhe-o-programa-brasil-de-todas-telas>. Acesso em: 05 jul. 2017.
28 O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) é um fundo destinado ao desenvolvimento articulado de toda a cadeia produtiva da atividade audiovisual no Brasil. Criado pela Lei no 11.437, de 28 de dezembro de 2006, e regulamentado pelo Decreto no 6.299, de 12 de dezembro de 2007, o FSA é uma categoria de programação específica do Fundo Nacional de Cultura (FNC). O FSA é um marco na política pública de fomento à indústria cinematográfica e audiovisual no país, ao inovar quanto às formas de estímulo estatal e à abrangência de sua atuação. Isto porque o FSA contempla atividades associadas aos diversos segmentos da cadeia produtiva do setor – produção, distribuição/ comercialização, exibição e infraestrutura de serviços – mediante a utilização de diferentes instrumentos financeiros, tais como investimentos, financiamentos, operações de apoio e de equalização de encargos financeiros. Fonte: ANCINE. Disponível em: <https://fsa.ancine.gov.br/?q=o-que-e-fsa/introducao>. Acesso em: 05 jul. 2017.
29 Manual Didático da Oficina para Formatação de Projetos do DOC TV IV.2006. Disponível em: <http://www.agencia.ufpb.br/doctv/Manual.pdf>. Acesso em: 05 jul. 2017.
30 NESTERIUK, S. Dramaturgia de série de animação. Uma edição do primeiro Programa de fomento à produção e teledifusão de séries de animações brasileiras – ANIMATV – São Paulo: Sergio Nesteriuk, 2011. Disponível em: <https://issuu.com/animatv/docs/dramaturgia_de_serie_de_animacao>. Acesso em: 05 jul. 2017.
69
Entre as ações do Fundo Setorial do Audiovisual, está a Chamada Pública,
realizada desde de 2013, para a seleção de propostas de Núcleo Criativos31 para o
desenvolvimento de obras audiovisuais seriadas, de obras audiovisuais não seriadas
de longa-metragem e de formatos de obra audiovisual, brasileiros de produção
independente. De acordo com o edital, os Núcleos Criativos recebem o valor de R$
1.000.000,00 (um milhão de reais) para, mediante apresentação da proposta,
desenvolverem seis projetos audiovisuais durante o prazo de 24 meses. Se o Núcleo
conseguir negociar a produção e distribuição de duas obras, recebe um novo aporte
automaticamente. Até maio/2017, o FSA conseguiu estimular a estruturação de 83
núcleos criativos em todas as regiões do país, garantindo o desenvolvimento de
quase 800 novos projetos de obras audiovisuais. Além do aporte do investimento, os
Núcleos Criativos contam com um estágio de treinamento/ consultoria em que
empresas e profissionais previamente selecionados utilizam diferentes metodologias
para auxiliar a elaboração da bíblia do formato audiovisual de acordo com as
exigências do mercado (ANCINE, 2017).
Diante de tudo o que foi apresentado até aqui e considerando os objetivos da
presente tese, é fundamental compreender como funcionam os processos criativos e
como utilizá-los para gerar propriedade intelectual no desenvolvimento e
aplicabilidade de inovações em canais, emissoras e produtoras de televisão
brasileiras. Isso é o que vamos abordar no próximo capítulo.
31 Designa-se Núcleo Criativo a reunião de profissionais criadores, organizados por empresa
brasileira independente e sob a direção de um líder indicado por esta, com a finalidade de desenvolver de forma colaborativa uma Carteira de Projetos de obras audiovisuais. Fonte: ANCINE. Disponível em: <http://www.brde.com.br/fsa/chamadas-publicas/desenvolvimento/chamada-publica-brdefsa-prodav-032013/>. Acesso em: 05 jul. 2017.
70
CAPÍTULO 3 – PROCESSOS CRIATIVOS E INOVAÇÃO PARA TV
As transformações provocadas pelos avanços tecnológicos dos últimos anos
têm modificado a forma de ver e enxergar o mundo, criando novos hábitos,
comportamentos e nichos de mercado e compartilhando ideias, projetos e
conhecimento.
Apesar de a tecnologia estar presente no dia a dia de todo ser humano e a ela
serem atribuídas as recentes mudanças estruturais na sociedade, é graças à
criatividade que essas novas possibilidades surgiram.
O potencial da criação está na imaginação do ser humano, segundo
Bachelard (1989, p. 18), na criação de fantasias e devaneios: “a imaginação inventa
mais que coisas e dramas; inventa vida nova, inventa mente nova; abre olhos que
têm novos tipos de visão com outras formas de ver.” Ao mesmo tempo, a criatividade
está presente em todas as atividades da vida, especialmente nas artes, nos
espetáculos, no cinema, nas mídias digitais, nos games, no rádio e na televisão.
Howard Gardner (1999, p. 23), em sua obra Arte, Mente e Cérebro, ao abordar a
teoria das inteligências múltiplas, diz que a criatividade está relacionada com a
inovação e com a originalidade. Para o autor, “a pessoa criativa tem de saber fazer
as coisas com regularidade, não uma única vez ou raramente. Trata-se de todo um
estilo de vida. As pessoas criativas estão sempre pensando na área em que atuam.
Estão sempre investigando”. Embora a criatividade floresça muito mais fácil em
áreas em que há o estímulo para a exploração do talento e para busca de
inspiração, essa habilidade é necessária em todas as atividades da vida. Michel de
Certeau (2008), por exemplo, em A Invenção do cotidiano, apresenta inúmeros
exemplos de atividades criativas no dia a dia das pessoas comuns. Nos exemplos
que Certeau elabora, as propostas inventivas advêm da escassez e da necessidade.
A criatividade é apontada como ferramenta crucial para o desenvolvimento de
novo modelo tecnológico, cultural, social e econômico de uma sociedade pós-
industrial.
As pessoas com ideias – pessoas que detêm ideias – se tornaram mais poderosas do que aquelas que operam máquinas e, em muitos casos, até mais do que aquelas que possuem máquinas. Mesmo
71
assim, a relação entre criatividade e economia permanece praticamente invisível (HOWKINS, 2013, p. 13, grifos do autor).
Este capítulo, intitulado Processos Criativos e Inovação para TV, traz
conceitos e teorias sobre criatividade, processos criativos e inovação aplicados à
produção de conteúdo televisivo. Compreender os processos criativos desta área
pode significar apresentar uma nova proposta metodológica que irá contribuir na
formação de futuros profissionais da área, no desenvolvimento do mercado brasileiro
de televisão e na criação de novos formatos, para os mais diversos gêneros
televisivos, que possam ser exportados para outros países, resultando em inovação
para o Brasil.
3.1 A criação e as teorias
A televisão brasileira é considerada pela imprensa e por especialistas uma
das melhores do mundo. As telenovelas brasileiras, principal produto da cultura de
massa, são exportadas para mais de 100 países, valorizando o talento e a
criatividade dos profissionais da área.
Entretanto, quando se trata de formatos de programas de televisão da
categoria entretenimento, como, por exemplo, game shows e reality shows, as
emissoras de TV do Brasil demonstram ausência de criatividade e apenas compram
formatos desenvolvidos em outros países.
O estudo das teorias de processos de criação apresenta métodos e
processos que podem ser aplicados no desenvolvimento de formatos de programas
de televisão.
Para isso, é necessário entender que criatividade é o estudo dos processos,
dos atos frequentes, para a produção de uma obra original e eficaz, e que o
pensamento criativo utiliza analogias, ou seja, outras áreas do conhecimento, com o
objetivo de solucionar um problema. O processo de criação necessita de sistemas,
procedimentos e organização. De acordo Salles (1992), a obra é resultado de um
trabalho que passa por transformações progressivas e surge a partir do investimento
de tempo, da dedicação do escritor/artista, passando por um processo de correções,
pesquisas e esboços. Isso representa os bastidores do processo criativo, o registro
72
do momento em que o artista, diante das possibilidades apresentadas, faz as suas
primeiras escolhas, analisando os prováveis resultados que se materializam na obra.
Inicialmente, a Crítica Genética, com origem na França, em 1968, estabelecia
o acompanhamento teórico-crítico do processo de criação na literatura; só
posteriormente estendeu-se para o campo das artes. Contudo, os estudos genéticos
já traziam a possibilidade de discutir o processo criativo artístico de forma
transdisciplinar em outras linguagens midiáticas.
O interesse da Crítica Genética está voltado para o processo criativo artístico,
a partir de sua construção, a partir de sua gênese. Salles (1992, p. 13) destaca que
“a Crítica Genética veio com um forte desejo de penetrar na razão do processo
criativo e encontra-se, certamente, em pleno estado de metabolismo e crescimento
[...]”.
Atualmente, a Crítica Genética engloba os estudos dos processos de criação
de uma forma mais ampla, abrangendo áreas que compõem as atividades de
indústrias criativas, como: literatura, artes plásticas, dança, teatro, fotografia, música,
arquitetura, gastronomia, design, jornalismo, cinema, game, publicidade, rádio e
televisão etc.
Entender a investigação sobre o processo de criação artística em suas
diferentes linguagens midiáticas como fundamento da Crítica Genética significa
refazer, a partir de documentos de artistas, a construção das obras e descrever os
procedimentos que sustentam essas produções. Segundo Salles (2011), o processo
de criação é um ato complexo e contínuo, já que sempre o autor/ artista está
passando por novas vivências e pensamentos, ou seja, recebendo novos estímulos
que envolvem reflexão, dúvidas e anseios mediante as possibilidades de escolhas,
transformações e ajustes no percurso criativo da obra. Ainda de acordo com Salles
(2011, p. 82), “o desprazer do ato criador está ligado ao fato de que o artista
encontra, ao longo de todo o percurso, problemas infinitos, conflitos sem fim, provas,
enigmas, preocupações e mesmo desesperos”.
Popularmente, o ato criativo está associado à liberdade, ao prazer e ao
talento de cada artista. Porém, trata-se de uma atividade angustiante, pois, apesar
73
do encantamento com a criação, não há normas e regras precisas que estabeleçam
um caminho a ser seguido.
A criação pertence ao mundo do prazer e ao universo lúdico: um mundo que se mostra no jogo sem regras. Se estas existem, são estipuladas pelo artista, o leitor não as conhece. Jogar é sempre estar na aventura com palavras, formas, cores, movimentos. O artista vê-se diante das possibilidades lúdicas de sua matéria (SALLES, 2011, p. 85).
A criação não surge do nada, ela é resultado de uma organização criativa da
realidade e deve ser entendida como uma atividade sistemática que exige escolhas.
“É a criação como seleção de determinados elementos que são recombinados,
correlacionados, associados e, assim, transformados de modo inovador” (SALLES,
2011, p. 95).
O ato criador resulta de uma trajetória de experimentações, ou seja, a criação
é um processo de conhecimento, em que os experimentos acontecem no momento
de execução da pesquisa e as hipóteses são testadas durante a produção da obra.
A criatividade é o poder de dar forma a algo novo. Com ênfase no potencial
criativo do ser humano, o conceito de criatividade, em qualquer campo de atividade,
está relacionado ao novo e é compreendido como conexões que se estabelecem na
mente humana, por meio da relação entre os processos de elaboração de formas
artísticas, da materialização de ideias e dos pressupostos para a realização
(OSTROWER, 2002).
Criar envolve a capacidade de compreender e inclui o saber: relacionar,
ordenar, configurar e significar. O homem cria não apenas porque quer ou porque
gosta, mas também porque precisa. A motivação humana de criar está na procura
de ordenações e de significados, no compreender a vida como ser consciente. Neste
aspecto, o homem é estimulado a criar e só consegue crescer ordenando, dando
forma e criando.
Os processos de criação, na visão de Fayga Ostrower (2002), ocorrem no
plano da intuição. A percepção de si mesmo dentro do agir é um aspecto relevante
que distingue a criatividade humana. Em seu livro Criatividade e Processos de
Criação, a autora diz que a base do potencial humano, utilizada para entender o
comportamento criativo, tem origem em três aspectos que permitem entender como
74
o ser humano concebe as suas criações e constrói suas ideias: a consciência, a
sensibilidade e a cultura.
Os mecanismos de criação são ferramentas que permitem compreender o
processo criativo e, muitas vezes, mostram os métodos empregados. Com relação
aos modelos aplicados no ato de criar, Fayga Ostrower aponta que:
Meus modelos, inconscientes, creio, seriam certos ritmos, certas proporções, contrastes, quer dizer, certas formas de equilíbrio geral. Obviamente deve existir alguma correspondência entre tais modelos e a própria emotividade, o modo de sentir as coisas como sendo justas ou coerentes. Por isto, embora certamente sirvam de guia, acho que meus modelos devem ser inconscientes ou pelo menos subconscientes, pois antes de concluir um trabalho nem eu poderia assinalar para mim o que, exatamente, estava procurando. Quer dizer, somente depois de encontrar eu sei o que estava procurando (OSTROWER apud MORAIS, 2000, p. 69).
Os métodos ou modelos permitem, através da memória, projetar o amanhã,
integrando experiências antigas com novas vivências, ampliando a consciência e o
conhecimento pessoal, incorporando novas linguagens à imaginação e
desenvolvendo cada vez mais possibilidades criativas. Isso amplia a visão de mundo
e possibilita fazer associações que alimentam o mundo da imaginação.
Na gênese dos estudos sobre processo criativo, o psicanalista Sigmund Freud
aponta uma hipótese que pode ser comum aos psicanalistas e aos artistas, inspirada
na teoria da criatividade, a partir da criação literária, e baseada na análise dos
escritores criativos:
Provavelmente bebemos na mesma fonte e trabalhamos com o mesmo objeto, embora cada um com seu próprio método. A concordância em nossos resultados parece garantir que ambos trabalhamos corretamente. Nosso processo consiste na observação consciente de processos mentais anormais em outras pessoas, com o objetivo de poder deduzir e mostrar suas leis. Sem dúvida o autor procede de forma diversa. Dirige sua atenção para o inconsciente de sua própria mente, auscultando suas possíveis manifestações, e expressando-as através da arte, em vez de suprimi-las por uma crítica consciente (FREUD, 1996, p. 83-84).
A capacidade de sistematizar processos de trabalho é desenvolvida por meio
do potencial criador do homem e se faz presente nos múltiplos caminhos em que o
homem procura captar e configurar as realidades da vida. A criatividade como
75
potência se refaz sempre e a produtividade do homem, em vez de se esgotar, se
amplia.
O processo de criação contínuo de quem busca criar fomenta criações,
consolidando novas possibilidades que podem se tornar reais na medida em que se
transformam em um conteúdo qualquer.
Fayga Ostrower (2002) defende que, nos processos criativos, é preciso
manter uma tensão psíquica constante, não como forma de descarregá-la, mas de
sempre sustentá-la como uma força de renovação presente na produção criativa.
Para o criador, esta tensão traz a sensação de enriquecimento da própria
produtividade, de crescimento pessoal, que é proporcionado pelo ato de criar.
Ao experimentar essa tensão, pode-se compreender que a finalidade do fazer
é a ampliação da visão de mundo e que criar não representa uma mera fuga da
realidade ou um relaxamento pessoal. Para Fayga Ostrower (2002, p. 28), “criar
representa uma intensificação do viver”. Segundo a autora, “o homem por meio do
trabalho desenvolve o seu potencial criador”. Nem no âmbito artístico existiria
criatividade se o homem não pudesse encarar o fazer artístico como um trabalho,
como um fazer intencional produtivo e necessário.
É nesse fazer produtivo que o homem procura novas novas soluções
criativas. A produtividade amplia a capacidade de construir novos significados em
todas as áreas.
Em seu livro Economia Criativia, John Howkins, especialista na área e que
durante muitos anos trabalhou como executivo na área de televisão em alguns
países do mundo, define criatividade como:
a capacidade de gerar algo novo. Significa a produção por parte de uma ou mais pessoas, de ideias e invenções que são pessoais, originais e significativas. Ela é um talento, uma aptidão. Ela ocorrerá toda a vez que uma pessoa disser, realizar ou fizer algo novo, seja no sentido de “algo a partir do nada” ou no sentido de dar um novo caráter a algo já existente. A criatividade ocorre independentemente de esse processo levar ou não a algum lugar; ela está presente tanto no pensamento quanto na ação. Ela está presente quando sonhamos como o paraíso, ao projetarmos nosso jardim e quando começamos a plantar. Estamos sendo criativos ao escrever algo, não importa se publicado ou não, ou quando inventamos algo, seja essa invenção
76
usada ou não. Eu uso a palavra criador para descrever pessoa que cria ou inventa algo novo (HOWKINS, 2013, p. 13, grifos do autor).
Nesse sentido, a pesquisadora Lucia Leão (2011), no artigo Paradigmas dos
processos de criação em mídias digitais: uma cartografia, analisa a criação em rede
a partir das conexões possibilitadas pela tecnologia e ressalta “como as mudanças
recentes nas mídias digitais têm incidido sobre os procedimentos e métodos de
criação e possibilitado a emergência de projetos criativos em rede e em permanente
fluxo de transformação”. A autora defende que três princípios compreendem as
matrizes conceituais do processo de criação:
O primeiro princípio propõe que os processos criativos sejam considerados como sistemas comunicacionais interativos abertos que incluem elementos de diversas naturezas. [...] O segundo princípio anuncia que os processos criativos são redes em permanente transformação. Isso implica renunciar a conceitos como origem e/ou conclusão de uma obra. [...] O terceiro princípio sustenta que os processos criativos, devido as suas características anteriores, sistema comunicacional aberto e rede em permanente transformação demandam um tipo de pesquisa também em rede e com características sistêmicas (LEÃO, 2011).
O Brasil ainda está descobrindo as perspectivas apontadas pelas Indústrias
Criativas. Um estudo realizado pela FecomercioSP32 (CAPPRA, 2012)., apresentado
nos infográficos a seguir (Figura 12), mostra o posicionamento dos produtos criativos
do país e oferece uma resposta para a pergunta se o Brasil é um país criativo.
32 Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo.
77
FIGURA 12 – Exportação de produtos criativos pelo mundo e resposta à pergunta se o Brasil é um país criativo
Fonte: CATTAI (apud CAPPRA, 2012).
78
A Figura 12 mostra que o Brasil exportava, em 2009, o valor de apenas 1,2
bilhões de dólares em produtos criativos. Isso colocava o país no 43o lugar do
ranking mundial. Talvez este cenário tenha mudado substancialmente devido a
algumas ações, especialmente de políticas públicas, relacionadas à área do
audiovisual, porém não há dados oficiais que comprovem isso.
Na televisão brasileira, até a década de 1990, na vinheta de abertura ou nos
créditos finais dos programas, era comum aparecer o nome dos profissionais que
haviam criado a atração. Com o passar do tempo, isso desapareceu, em parte
porque as emissoras de TV deixaram de investir em núcleos criativos para o
desenvolvimento de conteúdo.
A televisão é uma área que essencialmente produz serviços/ produtos
criativos, porém as produções voltadas à área de entretenimento sofrem pela
desvalorização da relevância do seu conteúdo e pela falta de importância dada pela
crítica especializada.
Apesar de serem responsáveis por mais de 60% da programação de todas as
TVs abertas do país e 80% da dos canais de TV por assinatura, os programas de
entretenimento são relegados a segundo plano. Nesta categoria, apenas a
teledramaturgia, representada pelos formatos de novela, série, minissérie e telefilme,
o documentário e a animação são valorizadas pela crítica, mercado e academia,
sendo até objeto de estudos.
O momento da criatividade é algumas vezes acompanhado por uma sensação de um nível de consciência elevado, até mesmo uma explosão de consciência. Quando estamos mais criativos normalmente nos sentimos alertas e bem mais focados, chegando ao ponto de nos tornarmos menos conscientes de tudo o mais que nos cerca. Por outro lado, há uma corrente contrária que afirma que a criatividade envolve uma perda de controle da consciência e uma mudança para um estado mais parecido com o de sonho (HOWKINS, 2013, p. 26).
O Brasil é um país com uma vasta pluralidade cultural, sendo, portanto, uma
nação com grande potencial criativo. O reconhecimento do talento brasileiro é
percebido em algumas áreas específicas, como a publicidade, a arquitetura, a
gastronomia, o design e a música. Na televisão, as telenovelas nacionais lideram
esse ranking, sendo reconhecidas pela qualidade técnica, estética e artística.
79
Olhando para estas considerações a respeito do talento brasileiro, é notório
que existem profissionais criativos em diversas áreas de saber; o que ainda não foi
organizado são os processos de criação (pelo menos no que diz respeito à criação
televisiva). Essa falta de sistematização faz com que o Brasil seja, ainda, um país
com pouquíssimas produções criativas, diferente de países como o Reino Unido e
Estados Unidos, que mantêm uma indústria de criação profissional e aquecida.
3.2 As ideias e seus processos de criação
No Reino Unido, o documentário How To Be More Creative (2013), produzido
e exibido pela rede de TV britânica BBC, divulgou alguns dados de pesquisa
acadêmica que procuraram sintetizar as etapas do processo criativo. O
documentário apresenta o conceito de criatividade a partir de três estágios: insight,
pensamento divergente e improviso.
O conceito de genialidade criativa institui como pessoas criativas aquelas que
são privilegiadas por uma herança genética ou são munidas de boas ideias. Esta
visão, que também é aplicada aos profissionais de televisão, é desmistificada por
Steven Johnson, em seu livro De onde vêm as boas ideias. Para o autor, as
melhores criações não surgem do nada, as grandes ideias criativas resultam do
amadurecimento de um palpite em conjunção com outros, de uma longa pesquisa e
do exercício de pensar sobre. No entanto, também é fundamental que o ambiente
seja propício para que essas ideias floresçam.
QUADRO 5 – Ambientes propícios para o florescimento das ideias
AMBIENTES LOCAL
Humanos Laboratórios científicos, redes de
informação da internet.
Naturais Recifes de coral, florestas tropicais, sopa
química que deu origem à vida.
Fonte: elaborado pelo autor com base nos conceitos do livro De onde vêm as boas ideias (JOHNSON, 2011).
Johnson explica, em sua obra, como determinados ambientes podem ajudar a
ter ideias melhores e como o cenário em que os profissionais atuam pode influenciar
a maneira de pensar. Ele utiliza como exemplos os Cafés do Iluminismo e os
80
Salões Parisienses do Modernismo, que eram motores de criatividade, pois, nesses
espaços de descontração movidos pela conversa entre diferentes intelectos,
nasciam grandes ideias. O autor ressalta que o mais valioso nesses ambientes é a
visão pessoal de cada ser humano, suas experiências e particularidades.
Na tese defendida pelo autor, a opinião de outra pessoa, o novo palpite, faz
parte do processo de criação e pode ajudar uma ideia a crescer, por meio da sua
correção ou complementação, tornando o resultado obtido muito mais interessante.
Esse processo lento é denominado período de incubação, durante o qual
determinada suposição fica sob reflexão constante, até alcançar um nível mais
maduro.
É assim, com muito mais frequência do que imaginamos que as ideias surgem. Elas precisam de um tempo de incubação e passam um bom tempo nessa forma de palpite parcial. Outra coisa importante ao considerarmos as ideias dessa maneira, é que quando elas ganham forma nesse estado de palpite, precisam colidir com outros palpites. Geralmente, aquilo que transforma um palpite em algo extraordinário é outro palpite que andou povoando a mente de outra pessoa. Temos que pensar em formas de criar sistemas que permitam que esses palpites se unam e se tornem algo maior do que quando eram partes independentes (DE ONDE, 2010, 4 min 1 s, grifos nossos).
Na abordagem apresentada por Johnson, uma ideia passeia por um caminho
em que é bombardeada por críticas e elogios, é reformulada várias vezes e até
mesmo acaba gerando uma outra ideia. Ela passeia por pessoas diferentes em
lugares distintos. Isso acontece, de acordo com o autor, pelo aumento da
conectividade e da capacidade do ser humano de buscar outras pessoas para trocar
ideias e palpites, combiná-los e transformá-los em algo novo. Essas novas formas
de conexão são o grande propulsor da inovação científica e tecnológica; e por que
não dos processos criativos?
81
QUADRO 6 – As sete características fundamentais do processo de criação/ inovação
CARACTERÍSTICA DESCRIÇÃO
O possível adjacente Descobertas possibilitadas/
preparadas por outras descobertas.
Redes líquidas Redes nas quais as informações se
chocam constantemente.
A intuição lenta
Intuições que vão se construindo
lentamente até se tornarem uma
"descoberta".
Serendipidade33 Descobertas feitas "aparentemente" ao
acaso, acidentais.
Erro O erro como aprendizado.
Exaptação34 Invenções de uma área que encontram
aplicação em outra.
Plataformas
Camadas superpostas ou processos
generalizados de sedimentação do
saber.
Fonte: elaborado pelo autor com base nos conceitos do livro De onde vêm as boas ideias (JOHNSON, 2011).
Para Johnson, qualquer pessoa pode ser criativa ou inovadora, mas, para
gerar inovação de fato, é preciso saber cultivar, amadurecer e compartilhar o
conhecimento. As produções criativas são resultados das influências sociais e
contextuais, que incluem o repertório e a herança cultural a que cada indivíduo tem
acesso. Tudo contribui para a formação do ser criativo em suas múltiplas
representatividades. Compreender esses estímulos e potencializá-los faz parte do
processo de criação. Na Figura 13, vemos os fatores que contribuem para as
produções criativas, segundo Lubart (2007), autor do campo da psicologia da
criatividade.
33 Serendipidade: palavra que tem origem em um conto persa, em que três reis foram visitar uma
princesa e descobriram no caminho várias coisas que não estavam procurando. Serendipitia é encontrar soluções por acaso.
34 Exaptação: termo emprestado da biologia que descreve organismos otimizados para funções específicas, mas que depois foram usados para outros fins com sucesso.
82
FIGURA 13 – Representação da abordagem múltipla da criatividade
Fonte: Lubart (2007, p. 19).
Nenhum autor cita quais atividades são ou não são criativas, no entanto,
muitas vezes, as atividades artísticas se destacam. O psicólogo Mihaly
Csikszentmihalyi (apud HOWKINS, 2013), em sua pesquisa sobre criação, destaca a
importância da sensação de fluxo, do sentimento de envolvimento com o trabalho e
do entusiasmo ao experimentar fazer parte do processo criativo. Segundo ele: “o
entusiasmo criativo do artista no seu cavalete ou do cientista no laboratório se
aproxima do ideal de realização que todos nós buscamos e, tão raramente,
conseguimos” (CSIKSZENTMIHALYI apud HOWKINS, 2013, p. 27). O ato de
produzir qualquer obra ou produto requer, antes de tudo, que alguém tenha pensado
criativamente em como fazer aquilo, ou seja, todos os detalhes do processo de
criação precisam ser preestabelecidos para que os objetivos traçados sejam
alcançados.
Mas como avaliar se algo é realmente criativo? Ao estimular o hábito,
Howkins (2013) apresenta três condições essenciais para todos os tipos de
criatividade que podem ser aplicadas ou usadas como base inicial para avaliar se
se trata de algo realmente novo.
83
QUADRO 7 – Três condições para todos os tipos de criatividade
CONDIÇÃO DESCRIÇÃO
Personalidade Talento pessoal e contribuição individual.
Originalidade Novidade absoluta no tempo e espaço
(unicidade).
Significado Habilidades, esforços para pegar uma ideia
e criar uma expressão ou uma obra.
Fonte: elaborado pelo autor com base nos conceitos do livro Economia criativa: como ganhar dinheiro com ideias criativas (HOWKINS, 2013, p. 28).
Em uma das suas propostas para análise do processo criativo, Howkins
(2013) aponta uma lista com cinco fases que ajudam a compreender a evolução da
ideia ao produto/ serviço.
FIGURA 14 – Lista RIDER35 de análise do processo criativo
Fonte: elaborada pelo autor com base nos conceitos do livro Economia criativa: como ganhar dinheiro com ideias criativas (HOWKINS, 2013, p. 31-36).
As cinco fases apresentadas na Figura 14 ajudam a compreender as etapas,
na visão de Howkins, pelas quais uma ideia passa até se concretizar. Cada fase
contribui para a evolução da pesquisa e amadurecimento do pensamento criativos
por trás da ideia. Nesta visão de processo criativo, a criatividade é ainda composta
por seis características, de acordo com Howkins (2013, p. 31-36): “elemento básico 35 RIDER é uma sigla que no original em inglês representa: review, incubation, dreams, excitement,
reality checks. A tradução da palavra RIDER significa cavaleiro.
84
da vida; talento universal; divertimento; senso de competição; traços de
personalidade reconhecíveis; e algo surpreendente”.
O diretor de criação da Endemol Entertainment UK, Peter Bazalgette, que faz
parte do maior grupo de criação de formatos e de produção de TV da Europa,
também aponta que as pessoas criativas possuem seis características.
A primeira dela é estar aberto a nova ideias: ‘Significa permitir que seus pensamentos vagueiem, quase como em um sonho’. A segunda qualidade é a independência do pensamento: ‘As pessoas criativas são pessoas que infringem as regras, não aquelas que as criam’. Em terceiro lugar, elas não têm medo de mudanças. Em quarto lugar temos ‘o teste da folha em branco... As pessoas criativas se sentem desafiadas por um espaço em branco e têm vontade de preenchê-los’. Em quinto lugar, um senso de humor aguçado. Finalmente, ele diz que as pessoas criativas são competitivas e ambiciosas (BAZALGETTE apud HOWKINS, 2013, p. 35).
Em resumo, segundo o pesquisador Peter Bazalgette, as seis características
das pessoas criativas são: estar aberto a novas ideias, ter independência de
pensamento, não ter medo de mudanças, fazer o teste da folha em branco, ter
senso de humor aguçado, ser competitivo e ambicioso. Esta visão do profissional
criativo, especialmente no segmento televisão, precisa ser pensada e estimulada.
3.3 Inovação na radiodifusão: TV e rádio
Ao longo de sua história, o setor de TV e Rádio evoluiu de um processo
técnico (uma patente) para uma atividade regida por direitos autorais e marcas,
transformando a radiodifusão, em um mercado criativo.
O modelo tradicional das emissoras de TV aberta vem se repetindo com o
passar dos anos. Apesar de existirem discussões e iniciativas a respeito da
produção de conteúdo audiovisual por produtoras independentes. A própria TV
Brasil, emissora pública criada em 2007, adota um modelo vertical de produção,
programação, comercialização e transmissão dos seus programas.
Em 2014, durante a realização da International Broadcasting Convention –
IBC, na Holanda, feira de negócios e fórum sobre inovação tecnológica e criatividade
global, o setor de radiodifusão foi considerado como um dos que menos inova.
85
Normalmente, as inovações na televisão estão restritas aos avanços
tecnológicos para captação, edição ou transmissão de programas. Quando se fala
em conteúdo, a inovação fica limitada à abordagem de algum tema ou à linguagem
estética utilizada.
Para se ter uma dimensão da escassez de criatividade/ inovação na televisão
brasileira, a falta do uso de metodologias adequadas e da sistematização dos
processos criativos são perceptíveis desde os cursos superiores de bacharel em
Rádio, TV e Internet, que formam principalmente os futuros profissionais que vão
trabalhar com programas da categoria de entretenimento, que não possuem em
suas matrizes curriculares disciplinas que abordem teorias da criatividade ou
processos criativos, diferentemente, por exemplo, do curso de publicidade e
propaganda, até nos departamentos de criação de conteúdo das principais
emissoras. Os alunos do curso de Rádio, TV e Internet têm em sua formação uma
base para serem profissionais técnicos e produtores, não criadores. Nos Estados
Unidos e na Austrália, como parâmetro de comparação, os cursos equivalentes
conferem títulos como Bacharel em Criatividade em Rádio, TV e Filmes. Isso
evidência a ênfase dada na formação dos alunos, que acaba refletindo no
desenvolvimento do mercado.
A concorrência para a criação de novos programas – mesmo um programa antigo com uma nova roupagem – é formidável. O maior crescimento nos últimos anos tem sido em programas de formato definido, especialmente os assim chamados reality shows (por exemplo, Big Brother) e os programas de perguntas e respostas (por exemplo, Quem Quer ser um Milionário?). Estes apresentam diversas vantagens: podem ser produzidos em larga escala, normalmente envolvem a votação do público, trazendo receita extra através dos telefonemas, e os formatos podem ser protegidos por direito autoral e exportados mundialmente (HOWKINS, 2013, p. 137-138).
Nos últimos anos, as discussões sobre televisão se centradam nas
possibilidades que o padrão de TV Digital poderia oferecer para produtores e
telespectadores. Chegado o momento do desligamento do sistema analógico de
transmissão de TV aberta, poucas foram as mudanças efetivas. Howkins (2013)
aponta que o desenvolvimento da TV não depende apenas da tecnologia, e sim de:
1. aumentar a capacidade das redes de transmissão, inclusive redes digitais e IPTV, e oferecer HDTV;
86
2. entremear serviços de transmissão tradicionais (uma mesma recepção para vários receptores) com a capacidade da internet de serviços interativos (um para um); e
3. produzir novo conteúdo capaz de explorar todas as mídias (HOWKINS, 2013, p. 138).
A televisão influencia o comportamento da sociedade e cria hábitos sociais,
de acordo com o produtor e professor espanhol Sergio Toledo, especialista em
projetos de formatos de programas de TV, que aponta em seu livro Cómo crear un
programa de TV – La creatividad y su aplicación a lo audiovisual a relevância cultural
desse meio de comunicação:
A televisão, como muito bem expôs o filósofo e escritor Josep Ramoneda, é para a maioria dos intelectuais um produto menor e chamado de caixa que adormece a consciência do telespectador. Querendo ou não, a televisão é um fenômeno cultural que tem muito que dizer na formação do sistema de mentalidade da nossa sociedade (TOLEDO, 2012, p. 41).
O paradigma industrial adotado pela mídia eletrônica, em especial pela
televisão, buscou uma estruturação dividida em diferentes níveis hierárquicos de
classificação e identificação de seus produtos. O pesquisador brasileiro Aronchi de
Souza, autor do livro Gêneros e Formatos Televisivos (2004), tem se dedicado ao
estudo e ao desenvolvimento de ferramentas que possam ser aplicadas à área de
programação das emissoras de TV. Aronchi classifica, de forma mais ampla, os
programas de TV nas categorias: informação, educação, propaganda e
entretenimento. Em seu projeto Roda dos Gêneros da Televisão Digital Interativa
(2012), o autor permite ao usuário classificar um programa de TV em até oito níveis,
como pode ser observado na Figura 15:
1º. Roda das categorias;
2º. Roda dos gêneros;
3º. Roda dos formatos;
4º. Roda das formas de gravação / exibição / transmissão;
5º. Roda da periodicidade;
6º. Roda do dia da semana;
7º. Roda do horário de transmissão;
8º. Roda da classificação indicativa da faixa etária.
87
FIGURA 15 – Roda dos gêneros da televisão digital interativa
Fonte: Aronchi de Souza (2012).
Na proposta de classificação dos produtos televisivos de Aronchi de Souza,
uma categoria abrange vários gêneros, enquanto um gênero compreende vários
formatos. Categorizar um programa de televisão significa identificar qual é o
elemento de comunicação predominante na recepção, ou seja, qual é o seu objetivo.
Entender os elementos básicos de classificação de um programa de televisão,
como categoria, gênero e formato, para a criação. Ao mesmo tempo que que Toledo
(2012, p. 61) afirma que “pesquisar e gerar ideias, criar formatos e implementá-los
em programas de televisão... é a criatividade televisiva”, ele faz um alerta: “aproveite
e divirta-se nesta tarefa que por outro lado é tão ingrata e frustrante”. Isso se aplica
também no Brasil, onde os editais de fomento à produção audiovisual, publicados
88
pela ANCINE, pelo Ministério da Cultura e pela Secretaria do Audiovisual, não
aceitavam a inscrição de projetos relacionados a alguns gêneros dos programas de
entretenimento, como game show e reality show, incentivando apenas os
relacionados às áreas de ficção, de animação e de documentário.
É oportuno evidenciar que, ao longo de sua história, a televisão brasileira
criou e cria programas originais de sucesso. O talento dos profissionais que
trabalham nas produções televisivas é reconhecido pelo público e pela crítica. A
criatividade da televisão brasileira fica evidente na qualidade das telenovelas,
seriados, minisséries, telefilmes, programas de variedades, infantis, auditórios,
entrevistas, debates, esportivos, game shows, reality shows, revista eletrônica,
especiais musicais, telejornais etc. As principais emissoras e canais de TV do país
sempre realizaram produções originais de destaque no cenário televisivo. Este
estudo procura somar esforços para valorizar o talento dos profissionais de TV do
Brasil.
Além das habituais atividades de criação de pautas, roteiros e quadros
televisivos, desde 2013, as três principais emissoras de TV aberta do Brasil
realizaram iniciativas para fomentar internamente a criação de novos formatos
televisivos.
A Record TV formou uma equipe de criação de conteúdo/ formatos em janeiro
de 2013, composta por um diretor e três produtores de criação, responsável por
criar, desenvolver, formatar e sugerir ideias de quadros/ formatos para os programas
de entretenimento já existente, auxiliando diretamente diretores, roteiristas e
produtores dos programas na área de criação e novos projetos, Intitulada Diretoria
de Criação. O trabalho desse núcleo estava subordinado à Diretoria Artística da
emissora, durou dois anos e teve como resultado 129 sugestões de quadros/
formatos, dois quais 24 foram exibidos. No final de 2015, a Record TV passou por
uma reestruturação visando à terceirização de suas produções e optou por
descontinuar o trabalho desse núcleo. Nós tivemos a oportunidade de fazer parte
dessa equipe como produtor de criação durante todo o seu funcionamento.
A TV Globo, desde abril de 2013, criou fóruns para reflexão de produtos de
conteúdo de entretenimento. Foram implantados cinco fóruns de criação internos
89
com o objetivo de propor novos programas, mudanças na programação e
compreender o que o espectador quer ver na televisão. Cada fórum é formado um
grupo entre oito e dez pessoas, entre autores e diretores da emissora, contempla um
gênero televiso e visa discutir seriados, novelas, programas de auditório, humor e o
desenvolvimento de novos formatos.
O jornalista Carlos Henrique Schroder, diretor geral da TV Globo, em
entrevista concedida ao Blog do Mauricio Stycer (2014), ao explicar o funcionamento
dos fóruns de criação, aponta para o desafio de criar novos formatos:
E tem um fórum também de formatos. Estamos nos forçando um pouco a desenvolver formatos brasileiros. A gente vai muito atrás do mercado mundial e fica um pouco refém. Por que a gente, com a capacidade criativa gigantesca, não cria? Começou agora, tivemos poucas reuniões, mas já surgiram três ou quatro formatos novos. Tem um caminho pela frente (SCHRODER apud STYCER, 2014).
Os primeiros resultados do fórum de desenvolvimento de formatos já podem
ser conferidos através dos programas Amor & Sexo36 (2009), Tomara Que Caia
(2014), Tamanho Família (2016) e PopStar (2017). Todos esses programas levam
nos créditos finais o selo “formato original Globo”. Não há informações disponíveis
sobre a comercialização desses formatos para outros países.
A gente tem incentivado muito o ambiente criativo, mais ousado, uma busca de aproximação com o público através de experimentações. É uma tentativa, de fato, de abrir a nossa grade de programação, os gêneros, o portifólio, as opções (SCHRODER apud STYCER, 2014).
Em agosto de 2013, o SBT criou o concurso cultural Compartilhe sua Ideia
para os funcionários da emissora com o objetivo de premiar os autores das melhores
ideias para um novo programa de televisão. O material promocional informava que o
concurso foi idealizado para premiar o talento e criatividade dos funcionários que
tinham uma ideia de programa de televisão com a oportunidade de gravação de um
piloto. O concurso durou quatro meses e premiou as 15 ideias finalistas. O vencedor
ganhou um carro 0 km, o segundo lugar ficou com uma viagem para Paris ou Las
Vegas e o terceiro colocado, com uma viagem para Disney World. Ao aceitarem
participar do concurso, os funcionários transferiam automaticamente os direitos
36 O programa Amor & Sexo foi criado em 2009, antes da constituição dos fóruns de criação. Apenas
em 2016 passou a ser considerado um formato original Globo.
90
autorais para o SBT, ou seja, não era possível inscrever uma ideia/ projeto que já
estivesse registrado.
O site TV Foco (TURA, 2013) noticiou que o vencedor do concurso foi o
jornalista Fernando Passarelli, do Jornal do SBT, com a ideia de um reality show que
se passa em um navio. O segundo lugar ficou com André Luiz Prata Amorim, do
Programa Silvio Santos, com o projeto Socorro, meus pais são cafonas! e o terceiro
colocado foi Felipe Moraes de Carvalho, do programa Domingo Legal, com a
sugestão de I... Real. O concurso não garantia a gravação do piloto de nenhum dos
vencedores.
As ações dessas emissoras apontam para uma preocupação em desenvolver
formatos originais, porém ainda não há clareza de como desenvolver e sistematizar
esses processos criativos.
As duas principais emissoras públicas do país, TV Brasil e TV Cultura,
iniciaram a seleção de novas produções audiovisuais por meio de editais atrelados
ao financiamento do FSA. Os editais lançados pelas emissoras não contemplam
novos formatos, apenas produções de ficção, séries de ficção, documentários e
animações.
Para Toledo (2012), as fases de criação e nascimento de um programa de
televisão são ideia, formato e programa.
91
FIGURA 16 – Criação e nascimento de um programa de televisão
Fonte: Toledo (2012, p. 65, tradução nossa).
Apesar de a quantidade de produções de programas de TV, tanto para
emissoras abertas como para canais por assinatura, ser considerável, o cenário que
se apresenta é de ausência de criatividade na criação de formatos nacionais que
possam ser exportados, pois não há inovações nos formatos.
No mundo moderno, que ainda se reinventa, a criatividade e os
aperfeiçoamentos artísticos passaram a ser vistos em sua materialidade. Umberto
Eco (1989) aborda, em um de seus ensaios, ao discutir a inovação nos seriados
92
televisivos, questões relacionadas a estética da repetição presente nos meios de
comunicação de massa.
Os apontamentos de Umberto Eco, apesar de terem sido originalmente
apresentados em uma análise da produção seriada para TV, podem ser aplicados
ao estudo de formatos de programas televisivos. O pesquisador propõe duas
características baseadas na estética moderna que fazem de qualquer mensagem
uma obra esteticamente bem organizada:
- deve realizar-se uma dialética entre ordem e novidade, ou seja, entre esquematismo e inovação; - essa dialética deve ser preenchida pelo destinatário. Ele não só deve captar os conteúdos da mensagem como deve captar o modo pelo qual a mensagem transmite aqueles conteúdos (ECO, 1989, p. 129).
Com relação aos modelos repetidos, Eco (1989) ainda esclarece que isso
acontece nas artes visuais, na literatura e também no audiovisual e traz para sua
reflexão os conceitos de techne e ars:
Gregos e romanos entendiam por techne ou ars a habilidade em construir objetos que funcionassem de modo ordenado e perfeito. O conceito de excelência era atribuído ao modelo, e as reproduções do modelo eram reconhecidas como belas ou agradáveis, como era belo ou agradável o modelo no qual se baseavam, sem tentarem parecer originais (ECO, 1989, p. 121).
Atualmente, a crise criativa na televisão brasileira e a falta de inovação são
ampliadas pelo medo do crescimento das plataformas digitais de distribuição de
conteúdo audiovisual. Newton Cannito (2013a, 2013b), roteirista e pesquisador, em
uma série de três artigos sobre inovação audiovisual publicada no site Cultura e
Mercado, afirma que “todos sabem que no Brasil não temos uma crise de
criatividade. Pessoas criativas nós temos muitas. Claro que podemos ter ainda mais,
mas se não resolvermos a gestão da criatividade não adiantará ter mais criativos”
(CANNITO, 2013a). Ou seja, a dificuldade enfrentada no Brasil é a criação de
sistemas de gestão, sistemas que estimulem e propiciem condições para a
emergência de processos criativos.
Os executivos do setor tentam apontar como será o futuro. Para Jenkins
(2009, p. 30), "a convergência representa uma transformação cultural, à medida que
consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em
93
meio a conteúdos de mídia dispersos". As formas de transmissão de conteúdo
televiso estão sendo ampliadas e gerando novas demandas por conteúdo.
O que de fato acontece, por enquanto, é que as grandes empresas
produtoras de conteúdo estão inserindo a sua marca em todas as plataformas
digitais com o objetivo de estarem presentes onde o público estiver. Nesse contexto,
ao pensar a criação de conteúdo, é imprescindível imaginá-lo na forma transmídia,
conceito que, segundo Jenkins (2009), cria produtos diferentes a partir da narrativa
central do conteúdo.
Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões. Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa (JENKINS, 2009, p. 138).
Newton Cannito (2013a) sugere que, para adquirir as técnicas de criação dos
novos formatos e acrescentar a originalidade nacional, deve-se estudar o que os
outros países fazem (o formato) e como eles fazem (o processo). O autor considera
importante discutir a inovação em processos criativos e a inovação de valor
aplicadas à gestão da criatividade. Em referência ao modelo adotado na
teledramaturgia, Cannito (2013a) destaca as diferenças entre criar e produzir:
Nos EUA o criador é um roteirista que conquista o poder de produtor. O crédito de criador dá mais poder ao criativo. Nas séries brasileiras o criador é um produtor que decide fingir que é roteirista. Ele dá uma ideia básica para o seriado, não escreve uma linha, mas palpita o tempo todo e termina assinando como criador. O produtor deve e pode palpitar, mas tem que aprender a criar processos para que isso aconteça e, ao mesmo tempo, valorizar a autoria do roteirista (CANNITO, 2013a).
Em outras palavras, no âmbito dos processos de criação de produtos
audiovisuais, o Brasil precisa investir em sistemas capazes de fomentar a produção
e construir uma cultura de trabalho sustentável, de modo que as equipes consigam
dialogar e trabalhar os processos de modo eficiente, harmonioso.
94
Toda criação de conteúdo televisivo tem que ter na estrutura algum elemento
igual, que o público já conhece, e alguma coisa diferente, que representa a
originalidade. Por isso, a inovação de valor nasce da criação em diálogo com
pesquisas, neste caso denonimadas demandas imaginárias, ainda pouco explorada
no Brasil, que estuda a relação do público com temas históricos e sociais em
compatibilidade com as linguagens e os formatos. A inovação de valor também pode
originar processos de criação em que o autor tem mais diálogo com as demandas
reais do mundo, com as emissoras de TV, com o departamento comercial, com a
diretoria de programação, que conhece a audiência, com o setor de
responsabilidade social e com a produção.
A inovação de valor é diferente do simples experimentalismo, pois é uma inovação criada em diálogo concreto com as demandas do público. Ela inova ao criar novos processos (desenhos alternativos de criação) e novos conteúdos. Os conteúdos inovadores são criados a partir de novas combinações que partem da mistura de linguagens, temas e formatos de produtos diferentes. Ao fazer isso, ela gera uma alquimia inovadora que cria novos conteúdos e descobre novos públicos (CANNITO, 2013b).
John de Mol, criador do Big Brother, fundador da Endemol e representante da
Talpa Media Holding, um dos centros mundiais de talento e criatividade televisiva, ao
ser questionado sobre como encontrar ideias para novos formatos de programas de
TV, destaca a importância de profissionais especialistas na área.
Nossa experiência nos diz que milhares de pessoas podem gerar ideias, porém uma ideia não é um formato. Esta é uma tarefa extremamente difícil de alcançar de uma ideia a um conceito, e de um conceito a um formato apresentável. Buscar ideias entre pessoas é divertido, mas a experiência me diz que é melhor fazer todo o trabalho difícil em equipe de profissionais dedicados. Na Talpa Content, meu departamento criativo, temos cerca de duas dezenas destes profissionais criativos trabalhando juntos. Alguns deles são especialistas em um gênero, outros em outro. Juntos nós discutimos, consideramos ideias, geramos ideias, testamos, analisamos as telas, discutimos novamente, e então ... o processo criativo é uma pirâmide invertida: em cima temos muitas ideias e no final apenas uma ou duas boas ideias. No meio há trabalho, trabalho e mais trabalho (MOL apud TOLEDO, 2012, p. 126).
Ao abordar e analisar a influência das novas tecnologias e como elas podem
afetar a televisão, John de Mol questiona: “tentamos pensar o que as pessoas
querem ver na TV. Por que mudar um programa se o público está assistindo? A
próxima pergunta é: como enriquecer o formato com os avanços tecnológicos da
95
mídias digitais e das redes sociais?” (MOL apud TOLEDO, 2012, p. 126). Isso indica
que criar conteúdo relevante para a audiência, independentemente da forma como
ele será transmitido ao telespectador, continuará sendo um fator decisivo para a
sobrevivência de emissoras e produtoras de TV.
3.4 Pensar a criação para TV
Durante o processo de criação o conhecimento é adquirido por meio do
processo de experimentação. A criatividade é um processo que pode ser fomentado
nas emissoras de televisão e produtoras de formatos e de conteúdo audiovisuais
para o desenvolvimento de novas ideias para programas de TV da categoria
entretenimento.
Uma das áreas que tem investido em desenvolver métodos de criação é a do
Design. Por meio do uso de metodologias como o Design Thinking, a área tem
ganhado cada vez mais espaço e apresentado soluções inovadoras. Esse modelo
poderia ser empregado para compreender quais seriam as etapas para transformar
uma ideia em um programa de televisão.
FIGURA 17 – Modelo HPI de design thinking de criação
Fonte: Quintanilha (2007). Elaborada com base no conceito do Hasso-Plattner-Institute.
A utilização de uma metodologia de processo de criação auxilia os
profissionais/ artistas do ecossistema da produção televisiva, entre eles roteiristas,
produtores, diretores e criadores de conteúdo para TV, na compreensão dos
projetos/ formatos televisivos por meio de teorias de processos de criação.
Buscar inspiração, testar métodos e técnicas de criação permite pensar em
um processo mental que resulta em ideias simultaneamente originais e adaptativas.
96
FIGURA 18 – O processo HCD (Design Centrado no Ser Humano)
Fonte: Human Centered Design (2013).
Hoje, o mundo está conectado por uma rede em expansão que permite novas
interações de natureza colaborativa. As reflexões teóricas aqui apresentadas sobre
os processos de criação nas mídias indicam apenas os passos iniciais para que o
Brasil conquiste o seu espaço no mercado internacional de formatos de programas
de televisão.
Neste aspecto, a análise de uma obra/ produto evidencia o processo que o
envolve, e a criação de uma metodologia assume importante papel no estímulo ao
desenvolvimento de processos inovadores de programas de TV mostrando alguns
caminhos aos estudantes e profissionais da área.
Diante desse cenário mundial, as perspectivas para inovação na criação de
formatos televisivos por canais, emissoras e produtoras de televisão no Brasil
passam pela inclusão de disciplinas sobre teorias, técnicas, métodos e processos
criativos nos cursos de graduação, pela formação de núcleos voltados
exclusivamente para a área interna das emissoras, pelo estímulo à constituição de
produtoras de formatos e pela sistematização de processos metodológicos que
estimulem a criação. Essas ações deveriam acontecer concomitantemente, aliadas a
uma política pública de incentivo que reconheça a importância da produção
televisiva – e por que não dizer audiovisual? – para propagar a identidade e cultura
brasileiras.
97
CAPÍTULO 4 – TELEFORMATO: A MATRIZ CRIATIVA
Uma das fragilidades na área de criação de conteúdo para televisão é a falta
de sistematização dos processos. Cada veículo de comunicação tem uma maneira
peculiar de receber e avaliar ideias e projetos. Ao analisar o mercado de produção
televisiva, principalmente no que tange a novos formatos de programas de televisão,
é possível identificar novas possibilidades de crescimento para canais, emissoras e
produtoras de TV.
No cenário internacional, diversos países, como Holanda, Reino Unido,
Estados Unidos, Japão e mais recentemente Israel, consolidaram-se ao desenvolver
know-how no processo de criação de formatos de programas televisivos. No Brasil,
apesar do incentivo por meio da política pública do Fundo Setorial do Audiovisual –
FSA, muito pouco se avançou no desenvolvimento de modelos de programas
originais, denominados formatos.
Assim, a presente pesquisa de doutorado tem justificativas práticas, teóricas e
sociais. Práticas, pois é necessário um esforço para que se empreenda a
experimentação e o desenvolvimento de práticas de criação de formatos de
programas de TV; teóricas, na medida em que é fundamental empreender esforços
para se criar um pensamento sistêmico, lógico e coerentemente organizado para a
criação, desenvolvimento e implementação de formatos novos; e, finalmente,
sociais, visto que, com esse conhecimento, novos empregos serão gerados e, com
as exportações de formatos, novos recursos estarão disponíveis para serem
investidos para fortalecimento da cadeia produtiva televisiva e do lastro cultural por
ela provocado.
Partindo desse pressuposto, esta pesquisa busca traçar um panorama da
evolução histórica dos formatos, analisar formatos existentes e propor o
desenvolvimento de uma metodologia de criação de formatos de programas
televisivos denominada Teleformato. Essa proposta tem o objetivo de estimular a
invenção de novos modelos de programas, facilitando a elaboração da bíblia do
98
formato37 e auxiliando nos procedimentos de avaliação de viabilidade de projetos
propostos.
A metodologia que propomos é uma matriz criativa para organizar os
elementos essenciais para validação e transformação de uma ideia em um formato
de programa de televisão. A inspiração para o método veio de uma técnica utilizada
na ciência da administração aplicada à inovação em modelos de negócios
denominada Canvas38. Trata-se de uma ferramenta para gerar modelos de negócios
inovadores apresentada no livro Business Model Generation39 (2011, p. 3), definido
pelos seus autores, Alexander Osterwalder e Yves Pigneur, como “um guia para
visionários, revolucionários e pessoas que desejam desafiar antigos modelos de
negócios e/ou querem desenhar empresas do futuro”.
Nesse momento da pesquisa, é pertinente expor que, de forma geral, um
modelo de negócio consiste em descrever as bases de como uma empresa cria,
proporciona e capta valor ou, em outras palavras, a lógica que uma empresa utiliza
para gerar receitas a partir da produção e distribuição do produto ou serviço ofertado
para o consumidor. A metodologia do processo de criação mencionada no livro tem
como principal ferramenta uma folha/tela com o desenho dos nove blocos do modelo
Canvas, que permite, por meio da utilização de uma linguagem simples, visualizar,
avaliar e modificar modelos de negócios.
Por fomentar o nascimento de empresas ou produtos e serviços considerados
inovadores, seja pelo processo de produção, distribuição ou forma de monetização,
e por reunir conceitos de padrões/ modelos, design de produtos/ serviços,
estratégias mercadológicas e processos de construção de modelos, o livro serviu
como modelo metodológico inspirador para a construção da proposta desenvolvida
nesta pesquisa.
37 No documento conhecido mundialmente como bíblia do formato ou bíblia de produção, as
empresas responsáveis pela criação e desenvolvimento de formatos televisivos expõem, de maneira detalhada e completa, todos os elementos que compõem o programa de televisão, em especial os originais e característicos.
38 Uma cópia do modelo Canvas está no Anexo A. 39 O livro contou com a colaboração de 470 pessoas, de 45 países, foi lançado originalmente em
junho de 2010 e criou um novo paradigma ao disseminar uma metodologia com ferramentas para compreender, projetar, testar, retrabalhar e implantar modelos de negócios. É um desdobramento da tese de doutorado do pesquisador Alexander Ostewalder.
99
A partir da análise dos núcleos criativos, departamentos, áreas e fóruns de
criação de conteúdo das emissoras de televisão, além das regras de editais de
fomento, a proposta é que Teleformato transforme-se em uma ferramenta que
permita a organização das informações essenciais para o desenvolvimento da bíblia
do formato do programa de TV (Figura 19). A proposta é inovar na criação de
conteúdos televisivos a partir da estruturação de uma metodologia de criação de
formatos brasileiros visando à exportação do modelo do programa, gerando novas
oportunidades para roteiristas, produtores, diretores e todos os profissionais
envolvidos na cadeia produtiva por meio da negociação de direitos autorais, ou seja,
de copyrights.
FIGURA 19 – A representação da ideia do Teleformato
Fonte: elaborada pelo autor.
Teleformato, segundo nossa definição, é uma matriz criativa composta por um
conjunto de métodos e processos para configuração e dimensionamento de uma
obra, pensando no conteúdo e na forma para resultar na criação de um formato de
programa televisivo. A nomenclatura vem da junção das palavras tele e formato,
fazendo referência aos termos televisão e formato. Teleformato é um mapa
estratégico configurado no desenho de uma tela de televisão, composto por telas
menores, que representam as multiplataformas, utilizando as técnicas do visual
100
thinking para estruturar e comunicar ideias de forma visual. É um espaço para
idealizar propostas de formatos televisivos.
Antes de detalhar a metodologia proposta, é fundamental apresentar alguns
conceitos essenciais utilizados que permitiram a formulação resultante desta
pesquisa de doutorado. Toda essa abordagem será apresentada nos próximos
passos, em que serão expostos todos os conceitos intrínsecos ao Teleformato
(Figura 20). Na seção 4.1, efetivamente, será mostrada a metodologia com a
aplicação desses conceitos.
FIGURA 20 – Conceitos aplicados ao Teleformato
TEORIAS
TELEFORMATO
METODOLOGIA
MATRIZ PROTOTIPAGEM
PILOTO
Fonte: elaborada pelo autor.
O resultado alcançado com esta pesquisa vem das nossas experiências no
campo da televisão, obtida ao longo de 18 anos, na roteirização, produção,
coordenação e direção de programas de televisão em diversos canais, emissoras e
produtoras de televisão, especialmente na elaboração de projetos de programas que
foram implantados e, mais recentemente, no conhecimento obtido na área da
diretoria de criação da Record TV.
A experiência no campo do ensino como professor universitário e
coordenador do curso de Rádio, TV e Internet também auxiliar na identificação dos
aspectos positivos e das fragilidades da área para estruturar o Teleformato a partir
das teorias relacionadas às áreas da comunicação, televisão, semiótica, processos
criativos e metodologia, apresentadas nos capítulos anteriores.
As teorias utilizadas como referencial representam um “conjunto de
conhecimentos sistematizados que se fundamentam em observações empíricas e
em estudos racionais e que, ao formular leis e categorias gerais, possibilitam
101
classificar, ordenar e interpretar os fatos e as realidades” (MICHAELIS, 2015). Nesta
pesquisa, as teorias fazem parte do conjunto de princípios científicos aplicados a
área televisa e que possui caráter interdisciplinar com outras áreas do
conhecimento. Elas permitiram compreender o que é a comunicação televisiva,
entender a sua importância para a formação da identidade cultural do Brasil e
identificar as transformações tecnológicas na forma de produzir e assistir a TV.
Perceber a relevância da semiótica e dos processos criativos possibilitou identificar a
carência de métodos e procedimentos específicos aplicados voltados para a criação
de conteúdo para televisão.
4.1 Teleformato
O ponto de partida para qualquer boa discussão, reunião ou workshop de
criação de um formato de programa de televisão deve ser a compreensão
compartilhada do que realmente é um formato. É preciso um conceito de formato
que todos compreendam: de fácil descrição, que facilite a discussão. O desafio é
que esse conceito deve ser simples, relevante e intuitivamente compreensível, ao
mesmo tempo que não deve simplificar demais a complexidade do funcionamento de
um programa.
Portanto, um formato de programa de televisão descreve a lógica de
funcionamento da mecânica, apresentando sua originalidade e a sensação que irá
provocar no telespectador.
A proposta é utilizar uma linguagem simples que permita descrever e
redimensionar facilmente o formato para criar novas estratégias. Por isso, na
metodologia Teleformato, um novo formato de programa televisivo pode ser melhor
descrito com 11 componentes básicos, que mostram a lógica de como um programa
de TV irá funcionar e cobrem as duas áreas principais de um formato: forma e
conteúdo (Figura 21). O Teleformato é um esquema para a criação ser
implementada através das estruturas de produção.
102
FIGURA 21 – Os 11 elementos da matriz criativa Teleformato
Número Elemento Frase guia
1 Conceito Apresenta o que é o programa de TV.
2 Mecânica Descreve como funciona o formato do programa.
3 Elemento Surpresa O clímax, ponto alto do programa.
4 Sentimento Qual é a sensação que se espera provocar no público.
5 Elenco Recursos artísticos necessários.
6 Cenografia Gravação em estúdio ou externa e principais elementos cenográficos.
7 Videografismo Elementos gráficos.
8 Recursos especiais Softwares e outros recursos tecnológicos desenvolvidos exclusivamente para o formato.
9 Público-alvo A quem se destina o programa.
10 Interação Como o público da audiência interage com o conteúdo.
11 Transmídia Desdobro do conteúdo em subprodutos presentes em outras plataformas de mídia.
Fonte: elaborada pelo autor.
O desenho da matriz criativa do Teleformato passou pela elaboração de
vários rascunhos até chegarmos no modelo apresentado na Figura 22, que permite
anotar as sugestões para cada um dos 11 elementos e modificá-los com facilidade.
103
FIGURA 22 – Teleformato: a matriz criativa
Fonte: elaborada pelo autor.
A seguir, cada um dos elementos que fazem parte da matriz criativa
Teleformato será apresentado em três itens: definição, atributos e perguntas-chaves.
1) Conceito
Definição:
O elemento Conceito descreve a sinopse do programa de TV.
Atributos:
O Conceito é o motivo pelo qual os telespectadores assistem ao programa.
Ele satisfaz uma necessidade do público-alvo. Nesse sentido, cada Conceito
é único e exclusivo e representa o storyline ou a sinopse do formato do
programa.
Alguns Conceitos podem ser inovadores, outros podem ser similares ao de
programas já existentes, mas com características adicionais.
O Conceito define sobre o que é o programa a partir de uma combinação de
componentes idenficiados a partir do gênero televisivo.
104
Perguntas-chaves:
O que é o programa?
Sobre o que é o programa?
Qual é a novidade do programa?
O que está sendo oferecido ao telespectador?
2) Mecânica
Definição:
A Mecânica explica como o formato do programa funciona.
Atributos:
A descrição da Mecânica requer uma visão detalhada de todas as etapas de
funcionamento do programa no vídeo. É um esboço do que o telespectador
irá assistir.
É preciso enumerar as etapas e as regras para a performance do formato,
desde a abertura até o encerramento. Se o formato prevê fases distintas, elas
devem ser esmiuçadas.
Perguntas-chaves:
Como o programa funciona?
Como o formato está dividido?
Quais são os quadros/ segmentos?
Quais são os temas abordados?
3) Elemento Surpresa
Definição:
O Elemento Surpresa traz algo que dá originalidade ao formato.
Atributos:
Os formatos de programas de televisão muitas vezes são similares, porém é
preciso pelo menos um Elemento Surpresa para dar o caráter original
passível de registro em órgãos de direitos autorais.
O Elemento Surpresa deve apresentar algo inédito em um formato do mesmo
gênero. Ele representa a grande “sacada” na criação de um formato, ou seja,
o diferencial. Normalmente é considerado o clímax do formato.
105
Perguntas-chaves:
Qual é a surpresa para o telespectador?
O que o programa traz de novo?
Qual é o clímax principal?
Como o telespectador será surpreendido?
4) Sentimento
Definição:
O Sentimento narra a sensação que o público-alvo terá ao assistir ao
programa. Embora pareça um item bastante subjetivo, no caso dos formatos,
entende-se como a reação esperada que o programa provoque no público.
Atributos:
Um bom programa de televisão deve transmitir algo para o seu público.
Tradicionalmente, refere-se ao fato de o programa ser voltado para o
entretenimento ou informação. Neste elemento é importante prever o que o
público irá sentir ao ver o programa.
Deve-se apresentar qual é a emoção predominante a ser transmitida aos
telespectadores.
Perguntas-chaves:
Qual é a emoção que o programa quer provocar no público?
Como os telespectadores irão se sentir ao assistir ao programa?
Qual a sensação que provoca no público?
Qual é a reação do público ao ter contato com o formato?
5) Elenco
Definição:
O Elenco mostra quais são os talentos artísticos que vão aparecer no
programa.
Atributos:
O componente Elenco traz uma lista com apresentadores, repórteres, atores,
humoristas, músicos, locutores, assistentes de palco, participantes, figurantes,
106
jurados, técnicos, dançarinos, convidados e participantes quer irão dar vida ao
conteúdo.
Perguntas-chaves:
Como funciona a apresentação do programa?
Quais são os recursos artísticos necessários para fazer o programa
funcionar?
Quem são os convidados?
Quem são os participantes?
6) Cenografia
Definição:
Descrição do cenário do programa e definição de onde será gravado.
Atributos:
A Cenografia apresenta uma proposta cenográfica para o programa,
detalhando os objetos de cenas principais para a narrativa do formato e a
definição dos locais de gravação.
É essencial imaginar se o programa precisa de plateia, de espaços
cenográficos específicos, locações externas e de adaptações de acordo com
o funcionamento do programa.
Perguntas-chaves:
Onde o programa será gravado?
Como será o cenário do programa?
Quais são os objetos de arte essenciais?
Quais são as locações externas?
7) Videografismo
Descrição:
O Videografismo traz os componentes para o pacote gráfico do programa de
TV.
Atributos:
O Videografismo elenca os elementos gráficos necessários, como vinhetas de
107
abertura, transição e encerramento, placar, cronômetro, telas de votação, arte
para telão, GC e logomarca do programa.
O Videografismo é composto por itens que formam a identidade visual do
programa.
Perguntas-chaves:
O que deve ser valorizado no desenvolvimento do videografismo?
Quais são os itens videográficos necessários para a narrativa do programa?
Quais elementos formam o pacote gráfico do programa?
Como o videografismo pode dar identidade ao formato?
8) Recursos especiais
Descrição:
Inovações tecnológicas criadas especialmente para o formato.
Atributos:
Alguns formatos necessitam de recursos tecnológicos especiais como o
desenvolvimento de software ou equipamento que viabilize o desempenho do
programa.
Às vezes esses recursos estão relacionados a algum elemento cenográfico.
Pode ser um aplicativo para votação, um elemento cenográfico tecnológico,
um sistema de votação ou integração, uma plataforma digital ou um banco de
dados automatizado.
Perguntas-chaves:
O formato depende de algum recurso para ter êxito?
Qual é o recurso criado para o formato?
Existe alguma tecnologia que pode ser adaptada?
Como o recurso será integrado ao conteúdo?
9) Público-alvo
Descrição:
O Público-alvo define os grupos de pessoas a quem se destina o programa.
108
Atributos:
Ao criar um programa de televisão, é fundamental imaginar quem irá assisti-
lo. O Público-alvo traça um perfil de quem serão os potenciais
telespectadores do formato que irão compor a audiência. Ele ajuda a definir a
linguagem visual e artística e o conteúdo a ser mostrado.
Perguntas-chaves:
Para quem é o programa?
Qual é a faixa etária do público?
Quais são os hábitos culturais?
Qual é o perfil socioeconômico?
10) Interação
Descrição:
A Interação traz as formas de participação do público no programa.
Atributos:
O elemento Interação diz como o público participa efetivamente do conteúdo
do formato. Pode ser por telefone, carta, e-mail, redes sociais, por aplicativo
de smartphone ou apenas assistindo.
A Interação também pode acontecer com o público no auditório, na inscrição
como participante ou colaborando com a produção de conteúdo.
Perguntas-chaves:
Como o público participa dos quadros do programa?
De que forma acontece a interação com os telespectadores?
Existem conteúdos que precisam da participação do público?
Como mobilizar a audiência?
11) Transmídia
Descrição:
O Transmídia traz como o conteúdo do programa pode ser trabalhado em
outras plataformas de mídia.
Atributos:
Na atualidade, a criação de um novo formato de programa de televisão deve
109
almejar o desdobramento do conteúdo em outras plataformas de mídia. Em
Transmídia, é possível pensar em um subproduto que conte a história de
determinado personagem ou que se passe antes ou depois da narrativa do
programa de TV.
Os produtos Transmídia têm por base o núcleo central do formato do
programa, porém as histórias nas outras plataformas de mídias são diferentes
e complementares.
Perguntas-chaves:
Qual é a história principal do programa?
O conteúdo do programa permite desdobramento?
Como o conteúdo pode ser aplicado a outras plataformas de mídia?
Quais são as mídias que podem agregar valor ao formato do programa?
Todos os 11 elementos são dispostos (Figura 23) para que o criador do
formato possa visualizar a originalidade da sua ideia.
FIGURA 23 – Disposição dos elementos da matriz criativa
Fonte: elaborada pelo autor.
110
4.2 O desenvolvimento de uma metodologia
O objetivo principal desta pesquisa diz respeito ao desenvolvimento de uma
metodologia que incentive e sistematize o processo de criação de formatos de
programas de televisão visando ao mercado internacional. É importante ressaltar
que há uma diferença entre os métodos e técnicas utilizados para o
desenvolvimento da pesquisa que resultou nesta tese e a proposta de elaboração de
uma metodologia específica para o segmento de criação de formatos de televisão. O
método empregado para a coleta de dados que resultaram na proposta da
metodologia Teleformato foi o qualitativo, com aplicação da combinação de técnicas
de pesquisa exploratória, bibliográfica, análise documental, mapas conceituais e
experimentação, que resultaram na matriz criativa proposta.
Na área de teledramaturgia, existem alguns métodos que podem ser
aplicados no processo de criação de roteiros de séries, minisséries, filmes, telefilmes
e novelas, muitos deles oriundos do processo criativo da dramaturgia aplicado ao
teatro e ao cinema; isso facilita o ensino de técnicas de roteiro e o surgimento de
novas ideias no campo da ficção. Não é à toa que o Brasil é um dos principais
países a exportar telenovelas para o mundo. Normalmente, essas produções são
dubladas ou legendadas no idioma local, porém, desde o início do novo milênio, as
emissoras de televisão, como a TV Globo por meio de sua divisão Globo
Internacional, começaram a exportar roteiros e know-how para produções de
adaptações de histórias originalmente brasileiras para países como Portugal,
Estados Unidos e México. Como exemplos pode-se citar a versão de O Clone para o
público latino dos Estados Unidos e Louco Amor, produzida pela a TV Azteca para o
México.
Entretanto, no que diz respeito ao nicho de mercado de formatos de
programas para televisão, até o presente momento (junho de 2017) o Brasil apenas
compra/ importa modelos de programas que são sucesso em outros países para
produzir versões locais, apesar das iniciativas de algumas produtoras e emissoras
de televisão em desenvolver produtos para conquistar espaço no mercado
internacional de televisão.
111
Por isso, após a realização de uma pesquisa exploratória sobre o tema, uma
pesquisa bibliográfica em referências internacionais e uma análise de processos
criativos, foi construída a argumentação para uma metodologia de criação aplicada a
formatos de programas de televisão. Existem vários conceitos de metodologia
aplicados nas diferentes áreas do conhecimento que foram utilizados para a
construção efetiva da metodologia proposta nessa pesquisa.
Nesta tese, entende-se metodologia como um conjunto de procedimentos,
materiais, métodos, organização de processos práticos, teorias e a maneira – forma
– de utilizar esse conjunto de modo coerente e coordenado para atingir um objetivo.
A metodologia busca evitar, tanto quanto possível, imprevistos e imprecisões na
execução do trabalho. Assim sendo, a metodologia fornece um roteiro, um processo
dinâmico e interativo para o desenvolvimento estruturado de projetos, sistemas ou
softwares, visando à qualidade e produtividade dos projetos.
De acordo com o dicionário Michaelis (2015), a definição de metodologia tem
como base um conjunto de métodos, regras, componentes e procedimentos para a
realização de uma pesquisa. Em outras palavras, envolve um conjunto ordenado de
procedimentos para se atingir os objetivos propostos. No âmbito da ciência, entende-
se por metodologia a ciência que estuda os métodos utilizados no processo de
criação de conhecimento.
Uma metodologia define e estrutura de forma clara “quem” faz “o que”,
“quando”, “como” e até mesmo “onde” para todos os que estejam envolvidos
diretamente com o desenvolvimento de um programa de TV. A metodologia da forma
a um conjunto de padrões preestabelecidos, de modo a evitar elementos imprecisos
ou variáveis, como a subjetividade na abordagem do conceito do programa, para
garantir fácil integração entre as áreas envolvidas na materialização do projeto. Com
isso, o uso de uma metodologia aplicada a uma produção televisiva possibilita40:
Ao criador-autor: controlar o processo de desenvolvimento do formato
mantendo o rumo do projeto sob o controle artístico41.
40 As possibilidades apresentadas foram elaboradas com base em fluxogramas utilizados na
atribuição de responsabilidades na área de Tecnologia da Informação, aplicados ao desenvolvimento de sistemas de informática e adaptados para a área de produção de televisão.
41 Essa é uma denominação adotada na área e refere-se ao conteúdo e forma de como um programa televisão será produzido.
112
Ao produtor: obter a base para produzir de maneira eficiente o formato, com
consistência no processo e com a qualidade que satisfaça os requisitos
estabelecidos na concepção do projeto.
À emissora de TV: controlar a implantação do projeto para que não haja
desvios de planejamentos de custos e prazos, que, se negligenciados ou
malconduzidos, podem pôr em risco o sucesso do projeto.
Às vezes, o uso de uma metodologia pode ser interpretado como limitador à
criatividade dos profissionais da área de televisão ou como acréscimo de burocracia.
Alguns acreditam que a bíblia do formato é uma etapa burocrática e desnecessária
na produção de um programa de TV. No entanto, o objetivo da metodologia não é
limitar a criatividade do profissional, mas sim ser um instrumento que determine um
planejamento sistemático, que harmonize e coordene as atividades das áreas
envolvidas. O que limita a criatividade não é a metodologia, mas sim os requisitos de
produção e qualidade de um projeto para televisão.
Como uma metodologia é um conjunto de métodos, é oportuno definir o que é
método, qual é o seu objetivo e o que é uma técnica.
Método, na presente pesquisa, designa a abordagem técnica que indica o
passo a passo para realizar uma ou mais atividades solicitadas na metodologia. Em
outras palavras, são os procedimentos que devem ser adotados para atingir um
objetivo. Por sua vez, o objetivo é o resultado que se quer alcançar após a aplicação
do método. Já uma técnica pode ser compreendida como sendo um modo
apropriado de se pesquisar sistematicamente um universo e interesse. Nesse
estudo, o objetivo é estruturar uma metodologia para sistematizar o processo de
criação de formatos televisivos.
O uso da metodologia Teleformato, proposta nesta tese, aplicada ao
desenvolvimento de ideias de programas de televisão é de extrema importância,
para que os profissionais da área possam construir formatos que atendam às
necessidades de produtoras e veículos de comunicação locais e internacionais, com
um mínimo de qualidade, colocando o Brasil no mercado de criação de formatos.
113
4.3 O conceito de matriz criativa
Uma nova ideia, por mais simples que seja, necessita de embasamento, por
isso, para melhor compreensão dos resultados desta pesquisa, é fundamental
compreender o conceito de matriz criativa utilizado.
A metodologia proposta, apesar de ter a base no modelo de negócios
Canvas, foi construída a partir do princípio de matriz criativa. Compreende-se, com
base nas definições de dicionários como Michaelis (2017) e Infopédia (2017), matriz
como uma estrutura principal que dá origem a outros modelos semelhantes utilizada
para gerar ou criar algo original a partir da fusão de elementos, uma ferramenta para
a modelagem e produção em escala como consequência da disposição ordenada de
um conjunto de componentes artísticos.
Utilizada por diversas áreas do conhecimento, como a matemática, botânica,
anatomia, zoologia, geologia, engenharia, artes gráficas, informática e tecnologia, no
que se refere à televisão, matriz é
...21 ELETRÔN Circuito integrante de codificadores e decodificadores por meio dos quais, em um aparelho de televisão em cores, se selecionam e transformam corretamente os três sinais das cores primárias (vermelho, verde e azul); máster. 22 COMUN, ELETRÔN, INFORM Gravação original de áudio ou vídeo, feita para servir de intermediária na produção de outras cópias em forma de filme, vídeo, disco ou outro suporte qualquer; cópia máster, máster... (MICHAELIS, 2017).
Nossa proposta metodológica é uma matriz entendida como uma plataforma
que dá origem a outros modelos, pois possibilita diferentes combinações entre os
elementos, modelando-os até chegar ao resultado esperado, de acordo com a
aplicação. Embora na essência do termo seja possível perceber princípios usados
na criação, a metodologia apresentada nesta tese combina as palavras matriz e
criativa para evidenciar que se trata de uma ferramenta, uma espécie de jogo, que,
quando executada, permite a organização de ideias no desenvolvimento de um
projeto de programa de TV.
Portanto, o conceito de matriz criativa é uma ferramenta desenvolvida para
modelar os componentes do conteúdo à forma de um programa de televisão que
permite visualizar, avaliar e modificar um formato, identificando potencialidades e
114
prováveis fragilidades, ou seja, um procedimento para inventar formatos de
programas de televisão, contribuindo para a concepção de produtos originais.
Na televisão, a criação é a gênese de qualquer obra artística, cultural ou
mercadológica. Ela também é essencial e está presente, seja na forma de métodos,
técnicas ou instrumentos, em todas as áreas do conhecimento. Nesse sentindo,
estabelecer a matriz como elemento de estudo para a criação neste projeto, faz-se
necessário por compreendermos o Teleformato como um gerador de novos modelos
de programas de televisão.
4.4 Ideação, modelagem e prototipagem
O terceiro pilar do Teleformato foi estabelecido por meio de procedimentos
característicos do desing thinking, como a ideação, a modelagem e a prototipagem,
que possibilitam o aprimoramento e a análise do enredo, ou seja, de como a ideia
será materializada na solução proposta, resultando em um novo formato televisivo.
A ideação é uma forma de resolver problemas, desenvolver produtos e pensar
projetos baseada no processo cognitivo que os designers usam a partir da aplicação
da técnica de brainstorming42 e da seleção de ideias, passando pela modelagem até
chegar à prototipagem.
O mundo mudou, o telespectador mudou e a forma de criar programas de TV
também mudou. É preciso criatividade, agilidade, coerência, discernimento, visão
clara de cada elemento e do todo, compreensão dos processos de produção, das
finanças, do mercado televisivo, do público-alvo, do programa de televisão como
produto.
Mapear um formato de programa de televisão existente é uma coisa; projetar
um modelo novo e inovador é outra. Requer um processo criativo para gerar um
grande número de ideias e selecionar as melhores. Esse processo é conhecido
como ideação. Dominar a arte da ideação, como dispositivo da metodologia do
Teleformato, é crucial para projetar novos formatos de programas de televisão
originais e viáveis economicamente.
42 Brainstorming é uma dinâmica de grupo usada em várias empresas como uma técnica
para resolver problemas específicos, para desenvolver novas ideias ou projetos, para juntar informação e para estimular o pensamento criativo.
115
Um dos desafios enfrentados no momento da ideação ao se tentar criar novos
formatos é deixar de lado preocupações com questões operacionais, de modo a
gerar ideias realmente novas. A técnica não pode prevalecer sobre a arte.
A inovação na criação de novos formatos não tem relação com observar a
concorrência, já que inovar não é copiar ou comparar, mas criar novos mecanismos
de funcionamento do programa de TV. Ao contrário, inovação significa desafiar a
rigidez para projetar formatos originais que atendam necessidades de programação,
de audiência e do mercado publicitário.
Habitualmente, a maioria das empresas que compõem a cadeia de produção
audiovisual é caracterizada pela produção de formatos de programas dominantes.
Isso mudou radicalmente graças ao avanço tecnológico e às possibilidades
internacionais para os produtos criados em diferentes países. Hoje existe muito mais
opções ao se projetar um novo formato. Atualmente, diferentes formatos competem
nos mesmos mercados, e as fronteiras entre as emissoras de TV e produtoras de
formatos se misturam ou desaparecem totalmente.
Para gerar novas e melhores opções para a construção de um formato, é
preciso sonhar com ideias antes de colocá-las em uma lista de opções aceitáveis.
Portanto, é fundamental valorizar a fase de imaginação livre. Essa fase, também
conhecida como ideação, possui duas etapas: a geração de ideias, na qual a
quantidade é o que importa, e a síntese, na qual as ideias são analisadas,
combinadas e reduzidas a um pequeno número de opções viáveis. As opções não
precisam, necessariamente, representar formatos pioneiros. Podem ser inovações
que expandam os limites de um programa já existente, para melhorar a
competitividade. É possível gerar ideias para novos formatos de programas de
televisão inovadores a partir a partir dos diferentes elementos que compõem a matriz
criativa Teleformato.
Dessa maneira, uma outra característica marcante do Teleformato é sua
interface visual, que facilita a compreensão de como o programa de TV irá funcionar,
além de proporcionar flexibilidade, permitindo mudanças na estrutura do formato
com facilidade, como consequência da modelagem do formato.
116
A modelagem pode contribuir no processo de materialização da ideia de um
formato televisivo, pois refere-se a uma das técnicas oriundas das artes visuais
utilizadas no sistema de design thinking e pode ser compreendida como a maneira
pela qual o profissional responsável pela criação obtém um modelo de um formato
que será posteriormente transformado em piloto de programa de TV. É uma
atividade que envolve a construção de modelos que descrevem e explicitam as
características de um programa de televisão. Ela também é uma técnica de
melhorias, na medida em que apresenta maneiras de analisar e reconfigurar um
formato.
Nesse aspecto, a modelagem de um formato permite criar uma abstração de
como funciona o programa de TV proposto, pois fornece o entendimento de como o
conteúdo ganhará a forma televisiva e quais são as diversas atividades contidas na
gravação. Na modelagem, processo, informações e documentos são utilizados para
alcançar o objetivo proposto no formato do programa. O processo representa de
maneira simples o conteúdo que se pretende transmitir, fazendo com que todos os
atores tenham a mesma visão, pois geralmente cada profissional envolvido só
conhece a sua parte do processo. Em um modelo de formato de programa de TV, é
possível descobrir quem são os profissionais envolvidos, como o trabalho é
realizado, seus objetivos e como o produto televisivo será gerado. A combinação dos
elementos propostos na metodologia Teleformato é instrumento de modelagem que
faz parte do fluxo de atividades, o workflow.
Ideias para criar formatos de programas de TV podem despontar de
diferentes referências e cada um dos 11 fundamentos do Teleformato pode ser o
ponto de partida. As inovações transformadas em novos formatos afetam múltiplos
componentes que precisam ser planificados, lapidados e redesenhados para, em
seguida, começarem a tomar corpo meio da prototipagem e das técnicas
audiovisuais.
A prototipagem é uma ferramenta útil para o desenvolvimento de formatos de
programas de televisão. Como o pensamento visual, ela torna tangíveis conceitos
abstratos e facilita a exploração de novas ideias. A prototipagem vem das disciplinas
do design e da engenharia, nas quais é amplamente utilizada para o design de
produtos. Ela é menos comum na área da televisão, tornando-se um diferencial ao
117
ser incorporada na metodologia proposta, pois permite ao criador-autor materializar
por meio de um vídeo, animação, software ou impressão 3D a mecânica do formato
televisivo.
Embora utilizem o mesmo termo, os designers de produtos, arquitetos e
engenheiros têm compreensões distintas do que significa um protótipo. No contexto
do Teleformato, a compreensão dos protótipos é como representação tangível do
formato: ferramentas que servem ao propósito da discussão, de questionamentos e
provas de conceitos. Um protótipo de programa de TV pode tomar a forma de um
desenho simples, um conceito completamente descrito ou uma planilha que simula
os aspectos financeiros.
É importante compreender que um protótipo de formato de programa de
televisão não é, necessariamente, um rascunho bruto de como ficará o programa
finalizado. Ele é uma ferramenta pensante, que ajuda a explorar diferentes formas
de desenvolver o formato A produção e manipulação da matriz facilita a abordagem
de questões relacionadas a estrutura e a lógica do funcionamento do formato. Para
realmente compreender os prós e contras de diferentes possibilidades e ampliar o
questionamento sobre o funcionamento, é preciso construir múltiplos protótipos do
formato, em diferentes níveis de refinamento. Essa interação produz ideias muito
mais rapidamente que a discussão, permitindo aos produtores verificar se técnica e
esteticamente o programa irá funcionar para alcançar os objetivos traçados.
Formatos de programas materializados podem estimular o pensamento e até
mesmo parecer inusitados, levando-nos a pensar mais além. Os protótipos se
tornam faróis, apontando direções não imaginadas, não servindo só de
representação gráfica de como os formatos devem ser implementados. O
questionamento deve significar uma busca incansável pela melhor solução para que
o conteúdo ganhe forma e atenda aos anseios dos telespectadores. Apenas depois
de um profundo questionamento pode-se efetivamente pegar um protótipo para
refinar e executar.
Produtoras e emissoras de televisão que não aproveitam o tempo para
desenvolver e prototipar ideias pioneiras se arriscam ao isolamento mercadológico e
118
a serem ultrapassadas por competidores mais dinâmicos ou pelo surgimento de
formatos revolucionários.
Um protótipo permite dar forma, corpo àquilo que se modela. No método de
experimentação, o protótipo captura diferentes essências possíveis. Na profissão de
design, a prototipagem desempenha um papel na visualização e nos testes antes da
implementação, mas também desempenha outro papel muito importante: é uma
ferramenta de questionamento. Nesse sentido, ela serve como auxiliar de
pensamento, para explorar novas possibilidades. Ela ajuda a desenvolver uma
compreensão melhor daquilo que pode vir a ser.
Essa mesma atitude pode ser aplicada à criação de formatos de programas
televisivos. Fazendo um protótipo de um programa de TV, é possível explorar
aspectos particulares de uma ideia, como a mecânica, o casting.
A prototipagem também é conhecida como atributo que inclue a disposição
para explorar ideias ainda cruas, selecionar e dedicar tempo às múltiplas
possibilidades promissoras. Essa atitude exige mudar a orientação de tomada de
decisão a fim de criar opções para fazer a escolha.
Um protótipo de formato pode ser qualquer coisa, desde um rascunho bruto
de uma ideia em um guardanapo, passando pelo detalhamento de um quadro do
programa, até um formato testado na prática.
Pensar o protótipo de um formato é uma dedicação sem concessões para
descobrir novos e melhores modelos. Não se trata de contornar apenas ideias que
se planeja implementar. Trata-se de explorar ideias novas, talvez absurdas ou até
mesmo impossíveis, adicionando ou removendo elementos de cada protótipo.
A utilização da prototipagem é por si só uma revolução no processo criativo
de transformar ideias em programas televisivos por possibilitar que canais,
emissoras e produtoras de televisão, juntamente com anunciantes e parceiros
comerciais ou operacionais, visualizem como o formato irá funcionar, antes dos
investimentos necessários à gravação de um programa piloto.
119
4.5 Piloto
O próximo passo consiste na produção e gravação efetiva de um modelo do
formato televisivo proposto, encerrando o ciclo da metodologia Teleformato.
O piloto de um programa de televisão pode ser definido como a gravação de
um exemplar do formato proposto para ser modelado. Trata-se do funcionamento da
mecânica do programa, da organização da equipe e da viabilidade de produção, por
meio da materialização da ideia, transformada em formato, roteirizada, produzida e
dirigida. É um programa experimental, que pode ou não ser veiculado, a partir do
qual avalia-se a necessidade de ajustes e adequações.
Toda essa abordagem sobre as ténicas que compõem a metodologia
Teleformato servem para reforçar o princípio da criação de que mesmo uma boa
ideia precisa passar por um processo de incubação, desenvolvimento e
amadurecimento para resultar em um formato com potencial de conquistar o público.
Para facilitar a compreensão de como a matriz do Teleformato pode auxiliar
na configuração de um formato televisivo, apresentamos na Figura 24 a aplicação do
seu modelo no programa The Voice Brasil, um formato internacional da Endemol,
produzido e exibido pela TV Globo.
FIGURA 24 – Aplicação do Teleformato no programa The Voice Brasil
Fonte: elaborada pelo autor.
120
Acreditamos que o Teleformato é uma ferramenta que poderá auxiliar alunos,
professores e profissonais da área a aprimorarem as suas ideias e colocarem em
prática seus talentos a favor do crescimento da criatividade televisiva, influenciando
na construção da indentidade brasileira de formatos de programas de TV.
121
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O atual cenário mundial de negócios da comunicação está se transformando
diante das novas possibilidades tecnológicas, da múltiplas necessidades de novos
modelos de negócios, da expansão de ideias e formas e das adequações na oferta
de produtos na área audiovisual. Diante desta configuração, o presente estudo
apresenta uma proposta de sistematização do processo criativo de novos formatos
de programas de televisão, a partir da compreensão das demandas e rotinas de
produções de canais, emissoras e produtoras de conteúdo televisivo, objetivando
propor reflexões sobre a capacidade de inserção do Brasil no mercado internacional.
A partir dos estudos realizados sobre a cadeia de valor e os modelos de
negócios da TV aberta, TV por assinatura e plataformas digitais, foram apresentados
dados para dimensionar o estado da arte da televisão brasileira e traçar um
panorama com fundamentação na legislação do setor e informações das agências
reguladoras, ANCINE e ANATEL. Essa conceituação se faz importante porque
através dela é possível contextualizar o que pode ser considerado televisão na
atualidade no Brasil, tendo em vista o crescimento do uso da internet, a interação do
público com os produtores de conteúdo e o surgimento dos serviços on demand.
Essa visão se torna fundamental para termos mais claramente quais as vertentes
com maior possibilidade de expansão.
Para uma compreensão mais ampla e conceitual das características,
semelhanças e divergências dos sistemas de televisão em relação aos modelos de
outros países, foram elaborados mapas cartográficos com base em quadros,
gráficos e tabelas. Diante do cenário apresentado, a discussão sobre a programação
televisa permitiu a compreensão do programa de televisão como um produto cultural
fundamental, responsável por transmitir informação e entretenimento para a
sociedade. Porém, destaca-se que os dados coletados apontam uma fragilidade na
estruturação da etapa de criação de conteúdos televisivos, mesmo o Brasil sendo
reconhecido internacionalmente pela qualidade de suas telenovelas.
Nos últimos anos, a criação de formatos televisivos conquistou espaço nas
grades de programações de canais e emissoras de TV em todo o mundo,
simbolizando uma das inovações do setor. A quantidade de ideias que atualmente é
122
produzida, tanto para os suportes tradicionais como para as novas plataformas de
mídia, vem aumentando a cada ano, conforme os dados da FRAPA, entidade que
monitora a criação e exportação de formatos de programas de televisão.
Portanto, a compreensão do conceito do que de fato é um formato de
programa televisivo, diferenciando-o dos formatos técnicos de produção, foi
essencial para entender por que as emissoras e produtoras brasileiras preferem
comprar formatos prontos em vez de criá-los. Se por um lado é compreensível que o
mercado nacional prefira comprar formatos preestabelecidos por uma questão de
custo, por outro perde-se a oportunidade de aproveitar o potencial criativo do
brasileiro para abrir um polo de negócios a fim de criar novas fontes de receita
através da venda de formatos para outros países.
A discussão teórica dos processos criativos permitiu identificar a importância
do estímulo à criatividade como ferramenta essencial para a geração de novas
ideias, tendo como referência os novos modelos tecnológico, econômico, social e
cultural inseridos no contexto das Indústrias Criativas. Foi abordado que a criação
não é um processo desconexo ou aleatório, mas o resultado de uma organização
criativa da realidade e deve ser entendida como uma atividade sistemática que exige
escolhas que consigam dar forma a algo novo. Toda esta contextualização e
abordagem retrata, e reforça, a falta de tradição do Brasil em criar formatos
televisivos, justamente pela ausência de conhecimento e pela não valorização dos
processos criativos como prática profissional.
Analisando as abordagens teóricas apresentadas, constata-se que, no Brasil,
a criatividade está presente em várias áreas do saber; o que ainda falta é a
organização dos processos criativos nos canais, emissoras e produtoras de
televisão. A criação de um programa televisivo envolve motivação e fontes criativas
que geram ideias, mas para isso é necessário profissionalizar a área. Esta ausência
de investimentos em processos sistemáticos de criação é resultado de diversas
variáveis, entre elas a ausência de conhecimento sobre os processos, a falta de
profissionais especializados e ainda o receio de investir em uma área sem garantia
de retorno.
123
Nesse contexto, foi apontado que, para desenvolver técnicas de criação de
novos formatos com originalidade brasileira, é necessário estudar o processo de
construção e formatos provenientes de outros países. As empresas que compõem o
ecossistema televisivo no Brasil precisam investir em sistemas capazes de fomentar
a implantação de processos de criação não apenas de formatos televisivos, mas de
produções audiovisuais de forma eficiente. Estimular a desenvolvimento dos núcleos
criativos por produtoras de conteúdos significa inovar e inserir o talento brasileiro
para a criação de formatos televisivos no cenário mundial.
Este estudo também detectou a fragilidade na formação do profissional de
televisão ao apontar que não há menção, nas Diretrizes Curriculares Nacionais dos
cursos de Rádio, TV e Internet, ao ensino de técnicas que possam ser aplicadas
para o desenvolvimento de processos criativos ou para a criação de novos formatos
televisivos. De acordo com os documentos analisados, a maioria das Instituições de
Ensino tem foco na formação de produtores e diretores, deixando de estimular o uso
da criatividade de forma sistematizada como um processo de experimentação, para
gerar conhecimento, que pode ser aplicado no desenvolvimento de novas ideias de
formatos de programas de televisão. Isso não significa que não há criatividade nas
produções acadêmicas de alunos e professores. Pelo contário, o que esta pesquisa
procurou mostrar foi que a implantação de processos criativos na área pode ampliar
o alcance e fortalecer a identidade cultural dos formatos televisivos.
Como possibilidade de início da mudança deste cenário surgem as políticas
públicas que preveem a formação de Núcleos Criativos em produtoras por meio dos
editais do Fundo Setorial do Audiovisual – FSA. Essa iniciativa representa um
incentivo governamental que contribui para a construção de bases no que diz
respeito a pensar a criação para televisão. Nesse sentido, a fundamentação teórica
provocou reflexões acerca do estímulo e da capacidade de construção de novos
formatos originais com potencial de exportação.
Diante desse cenário, o objetivo principal da pesquisa foi atingido com o
desenvolvimento da metodologia denominada Teleformato, uma matriz criativa
elaborada para organizar os 11 elementos necessários para transformar e validar
uma ideia em formato de programa de televisão. Trata-se do conjunto de métodos e
técnicas para configuração e dimensionamento de uma obra televisiva, trabalhando
124
conteúdo e forma, a partir da composição de técnicas de visual thinking, cujo
objetivo é construir novos modelos de programas de TV.
Com o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação, foi possível
fundamentar a metodologia proposta em princípios de modelagem de negócios e do
desing thinking associando técnicas televisivas como: matriz criativa, prototipagem e
piloto.
A sistematização das informações aqui apresentadas favorece uma reflexão
sobre a importância dos processos de criação para alavancar o aumento de
produções de formatos originais com identidade brasileira. Representa ainda uma
ferramenta para que profissionais, professores e alunos possam aprimorar a criação
e analisar a viabilidade de novos formatos televisivos.
A maior contribuição deste estudo se traduz em trazer a discussão da
ampliação das possibilidades de negócios na área audiovisual no Brasil, apontando
uma metodologia sistemática para a evolução profissional do campo de criação.
Entretanto, este projeto não pode ser encarado como um trabalho conclusivo, mas
como uma iniciativa na organização de informações sobre a utilização de processo
criativos por canais, emissoras e produtoras de televisão no Brasil, além de uma
proposta eficiente de utilização de métodos e técnicas que estimulem o
desenvolvimento do potencial criativo da área. Esta proposta visa abrir novas
possibilidades no mercado audiovisual aos profissionais dedicados à produção de
conteúdo no Brasil.
No futuro, desdobramentos possíveis da presente pesquisa poderão ser:
desenvolvimento de cursos de extensão com foco na criação de plataformas para TV
(1); análise de documentos de processos de criação que utilizaram a metodologia
Teleformato (2); e desenvolvimento de artigos científicos que discutam e
problematizem a metodologia do Teleformato em relação a outras metodologias
desenvolvidas pelos novos centros de criação de TV (3).
125
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ANEXO A – MODELO CANVAS
Modelo CANVAS – Perguntas-chaves