breviário da cidadania - humcertoalguém

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Breviário da cidadania. / Brasília : Senado Federal, Gabinete do Senador Geraldo Mesquita Júnior, 2006.

294p.

1. Ciência política, dicionário, língua portuguesa.

CDD 320.03

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Apresentação – Democracia e CidadaniaNormas de Organização

AAbsolutismoAção afirmativaAdversário políticoAlienaçãoAlistamento eleitoralAnarquismoAnistiaAnomiaAparelhamentoAparelhoAristocraciaAutocraciaAutoridadeAutoritarismo

B“Baixo-clero”BicameralismoBipartidarismoBolchevismoBonapartismoBrasilianistaBreviárioBurguesiaBurocracia

Sumário

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C

Caciquismo CapitalismoCarismaCastaCaudilhismo“Chauvinismo”CidadaniaCiência PolíticaClasseClasse, consciência deClasse médiaClientalismoClivagemCoalizão“Colarinho Branco”ColigaçãoColonialismoComunidadeComunismoConfederaçãoCongresso NacionalConhecimentoConservadorismoContrato SocialConvençãoCooperativaCooperativismoCooptaçãoCoronelismoCorporaçãoCorporativismo“Cortina de Ferro”Cultura Cultura cívicaCultura política

D

Declaração de DireitosDemagogiaDemocracia

3637394041414242424546484949505151535557585859616262636464646566666769

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Democracia diretaDemocracia participativaDireitoDireitos PolíticosDireito PrivadoDireito PúblicoDiretórioDitaduraDitadura do proletariado

E

EcologiaEcologia PolíticaEconomiaEconomia PolíticaElegibilidadeEleições e DemocraciaEliteEnciclopedismoEqüidade“Establishment”EstadoEstado de Bem-Estar SocialEstado de DireitoEstado de SítioEstado federadoEstado, forma deEstamento socialEstratificação socialÉtica

F

FascismoFederalismoFeminismoFeudalismoFisiocraciaFisiologismoFMI (Fundo Monetário Internacional)FranquismoFuncionalismo

808182848485868787

909091949696969899

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G

Gabinete, governo deGATTGenocídio“Gerrymandering”“Glasnost”Golpe de EstadoGovernabilidadeGovernançaGovernoGoverno, forma deGreveGrupos de interesseGrupos de pressãoGuerra Fria

H

“Habeas corpus”“Habeas data”Historicismo

I

IdealismoIdeologiaIgualdadeIluminismo“Impeachment”ImperialismoInalistáveisInclusão digitalInclusão socialIndividualismoInelegibilidadeInflaçãoInfluênciaInformaçãoIniciativa popularIntervenção federal

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J

JacobinismoJudiciárioJúriJurisprudência

L

LegalidadeLegendaLegislaturaLegitimidadeLeiLêninLeninismoLiberalismo“Lobby”/LobismoLumpemproletariado

M

MacroeconomiaMaioria absoluta/relativaMaioria qualificadaMandado de SegurançaMandato JurídicoMandato ParlamentarMandato, cassaçãoManiqueísmo“Marketing”MarxMarxismoMaterialismo“Menschevique”MercantilismoMercosulMeritocraciaMetodologiaMicroeconomiaMilitância/Militante Militarismo

150152155155

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Ministério PúblicoMinoriaMobilidade socialMoralMultinacional

N

Nacional socialismoNacionalidadeNacionalismoNazismoNepotismo“Nomenklatura”

O

ObstruçãoOEA (Organização dos Estados Americanos)OligarquiaONG (Organização Não-Governamental)ONU (Organização das Nações Unidas)OpiniãoOpinião públicaOTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte)

P

PacifismoParlamentarismoParlamentoParticipaçãoParticipação políticaPartidosPartidos de classePartidos de massaPartidos, origemPatriarcalismoPatrimonialismo“Perestroika”PlebiscitoPoderPoder ilegítimo

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Poder legítimoPoliarquiaPolítica econômicaPolítica, finsPolítica, instituiçõesPolítica, processosPolítica, recursosPopulismoPositivismoPovoPrefeitoPresidencialismoProletariado

Q

QUANGOQuorumQuestão social

R

“Recall”Recesso parlamentarReferendoRepresentaçãoRepúblicaRetóricaRevoluçãoRevolução cultural

S

SenadoSindicalismo Soberania popular Social democraciaSocialismoSocialismo democráticoSociedade

229229230231232232232232233234234236237

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Sociedade afluenteSociedade civilSociedade de classesSociedade de massas“Spoil system”Stalin/StalinismoSufrágio

T

TeocraciaTeoria das Elites ITeoria das Elites IITeoria dos JogosTerceiro MundoTiraniaTrabalhismoTransnacionalTrotsky/Trotskismo

U

UnicameralismoUtopia

V

VereadorVerticalizaçãoVoto facultativoVotoVoto distritalVoto obrigatório

X

Xenofobia

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DEMOCRACIA E CIDADANIA Geraldo Mesquita Júnior

No mundo contemporâneo, a democracia depende cada vez mais da cida-dania. E a cidadania depende de forma crescente da democracia. Essa é a questão crucial com que se defrontam as sociedades abertas e as democracias estáveis, num mundo cada vez mais conturbado politicamente. A democracia e as obrigações da cidadania não se esgotam no voto, não terminam nas eleições e nem se consumam nas manifestações. São todas atividades essenciais, mas não suficientes para que as democracias sejam estáveis, livres, e suas decisões resultem, de forma crescente, das aspirações coletivas e cada vez menos do voluntarismo dos governantes. Elas dependem da cultura cívica, da cultura política e dos níveis de participação das cidadãs e dos cidadãos, em todas as partes do mundo conflitivo em que vivemos. A participação será maior e tão mais eficiente, quanto menor for a alienação dos cidadãos. E a alienação será um dado do passado, no dia em que todos tiverem acesso aos mecanismos da política, ao conhecimento de como funcionam suas instituições e à consciência do poder da sociedade. Este é um dos deveres do Esta-do. Mas entregá-lo apenas à responsabilidade do poder público e dos governantes, implica no risco da estatolatria – a visão única e totalitária, segundo os interesses do Estado e dos poderosos e não de toda a população. Pensando assim, sempre entendi que esclarecer nossos semelhantes, jovens estudantes, trabalhadores, do-nas-de-casa, profissionais de todas as áreas e empresários de todos os setores, pro-piciando-lhes o acesso ao conhecimento especializado e complexo da política e do funcionamento dos sistemas políticos, é também, e antes de mais nada, o dever de todo político e a obrigação de todo representante do povo.

Modesta, mas sistematicamente, tenho procurado cumprir esse dever. Pri-meiro, com os acreanos, pondo a seu alcance, obras essenciais que ajudem a des-vendar o nosso passado, a conscientizarmo-nos de nossas necessidades presentes, e a reivindicarmos o cumprimento de nossas expectativas no futuro, publicando a coleção Documentos para a História do Acre, iniciada em 2003 e da qual já foram editados nada menos que cinco obras. Também dei minha contribuição aos jovens

Apresentação

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estudantes de vários níveis de ensino, desde o de segundo grau, aos universitários, instituindo em 2004 um curso em 10 fascículos denominado Política ao Alcance de Todos, que foi uma iniciação aos fundamentos da Filosofia e da Ciência Política, e realizando três seminários sobre o tema, em Rio Branco, em Sena Madureira e Cruzeiro do Sul. Em 2005, dei prosseguimento a esse esforço com a publicação e a realização de curso à distância destinado às jovens lideranças comunitárias, aos candidatos a cargos eletivos, notadamente prefeitos e vereadores, denominado Po-lítica e Cidadania. O curso versa sobre os sistemas políticos e é composto de cinco fascículos referentes à teoria e à metodologia da Ciência Política, aos sistemas elei-torais, aos sistemas partidários, aos sistemas de governo e aos sistemas democrá-ticos constituindo um roteiro completo da teoria da democracia. Neste 4o ano de meu mandato, procuro atender a todos, alunos, estudantes, cidadãs e cidadãos de todas as idades, de todas as crenças e das mais variadas convicções, distribuindo este Breviário da Cidadania. Ele é, em última análise, um repertório tão completo quanto possível, das principais palavras, termos, conceitos e idéias que formam o universo da vida cívica e da vida política que interessa à nossa formação como membros dessa imensa comunidade que é o povo brasileiro, cada vez mais sedento de cultura, conhecimento, informação e saber. A alienação é o pior e mais terrível dos males que podem contaminar qualquer coletividade civilizada. Denominei esse conjunto de informações organizadas sob a forma de verbetes ordenados alfabeti-camente de Breviário, com o objetivo de que ele seja o livro de cabeceira de todos quantos tenham interesse por sua própria vida, pela vida, prosperidade e o futuro dos acreanos e de todos os brasileiros. Por isso a denominação que escolhi. Como se verá no verbete que consta desta publicação seriada, é o livro que a Igreja entrega a seus sacerdotes, para que cumpram as orações e as obrigações de todo o clero. Que ele sirva para cidadãs e cidadãos interessados no destino de nossa pátria e o tenhamos sempre à mão, para consultá-lo sempre que tivermos de cumprir nossas obrigações para com o país e a sociedade a que pertencemos. E que, pelo conheci-mento, possamos nos desobrigar de nossos deveres para conosco mesmo, para com nossas famílias, e para com a coletividade de que somos partes ativas e interessadas no progresso, na prosperidade e no aprimoramento da vida pública, lamentavel-mente tão abastardada nos últimos tempos.

Se mais essa série de fascículos atingir os objetivos a que me propus, desde que assumi o gratificante encargo de representante do povo acreano no Senado Federal, considero-me reconfortado e recompensado dos dissabores de que a vida cívica do país com tanta freqüência impõe aos que ousam desafiar os interesses estabelecidos, o conservadorismo de alguns e o autoritarismo de tantos que se apossam do poder e dele se servem, em vez de servir aos interesses do povo que os elegeu.

Brasília, abril de 2006.

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Este trabalho é uma obra coletiva, imaginada, coligida, redigida e realizada pela equipe de meu gabinete e materializada graças à dedicação de todos que dela participaram e dos dirigentes e servidores da Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado, com cuja colaboração tenho contado, em todos os empreendimentos desta natureza que o Senado proporciona a todos os seus integrantes, indistinta-mente. Na elaboração deste trabalho, foram seguidas as seguintes normas:

(1) Os verbetes estão organizados alfabeticamente. No texto, quando a palavra estiver em itálico, seguida de asterisco ex.: socialismo* é sinal de que existe verbete específico desse conceito ou palavra.

(2) Na transcrição dos nomes de autores mortos, cita-se entre parênte-ses, a data de nascimento e de morte.

(3) Na sua confecção foram utilizados os dados dos mais conhecidos dicionários de política existentes no mercado, de origem nacional e estrangeira. Dessa bibliografia, da qual há referências específicas no texto, no caso de trans-crição de pequenos trechos ou indicações de origem, constam as seguintes:

– BANNOCK, Graham, BAXTER, R. E. e REES, Ray. Dicionário de Economia. Lisboa/São Paulo. Ed. Verbo,1987.

– BOBBIO, Norberto, MATEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília, Ed. UnB. 7a ed., 1995. Versão em português do original italiano Dizionario di Política, Turim, 1983.

– BOGDANOR, Vernon (Ed.) Dicionário de las Instituciones Políticas. Madri, Alianza Editorial, 1991. Versão em espanhol do original The Blackwell Encyclopædia of Political Institutions, Londres, Basil Blackwell, 1987.

– BOUDON, R. e BOURRICAUD, F. Dicionário Crítico de Sociolo-gia. São Paulo, Ed. Ática S/A, 1993. Tradução do original francês Diction-naire critique de la sociologie. Paris, PUF, 1982.

Normas de Organização

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– CANTO-SPERBER, Monique (Org.) Dicionário de Ética e Filosofia Moral. Ed. Unisinos, São Leopoldo, 2003, 2 vol. Tradução do original fran-cês, Dictionnaire d´éthique et de philosophie morale, Paris, PUF.

– COLAS, Dominique. Dictionnaire de la Pensée Politique. Auters, oeuvres, notions. Paris, Ed. Larousse, 1997.

– DORTIER, Jean-François (Dir.) Le Dictionnaire des Sciences Hu-maines. Paris, Ed. Sciences Humaines, 2004.

– MC LEAN, Iain. (Ed.) The Concise Oxford Dictionary of Politics. New York, Oxford University Press, 1996.

– MILLER, David, COLEMAN, Janet, CONNOLLY, William e RYAN (Ed.) The Blackwell Enciclopædia of Political Tought. Oxford, 1991.

– PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. São Paulo, Ed. Giordano, 1995; Brasília/São Paulo, 2000. 2a ed.

– RAYNAUD, Philippe e RIALS, Stéphanie (Dir). Dictionnaire de Philo-sophie Politique. Paris, Presses Universitaires de France, 1996.

– SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia e Administração. São Paulo, Ed. Nova Cultural, 1996.

– SOUSA, José Pedro Galvão de, GARCIA, Clóvis Lema e CARVA-LHO, José Fraga Teixeira de. Dicionário de Política. São Paulo, T. A. Queioz, Editor, São Paulo, 1998.

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ABCDEFGHIJ LMNOPQRSTUVXZ

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AbsolutismoO termo surgiu em 1733 como um conceito teológico (referente à Teolo-gia, segundo o Aurélio, “estudo das questões referentes ao conhecimento da divindade, de seus atributos e relações com o mundo e com os homens e à verdade religiosa”) e dizia respeito ao poder total de Deus para decidir acerca da salvação da alma. Foi depois estendido à política para indicar um regime político no qual o governante pode decidir sobre todas as coi-sas. É usualmente aplicado aos regimes monárquicos da história moder-na, (a partir do séc. XVI), notadamente à monarquia francesa, em especial o reinado de Luís XIV, o mais poderoso de todos os monarcas do país, autor da célebre frase L’ État c’est moi (O Estado sou eu). Atualmente, diz respeito ao uso ilimitado e imoderado do poder pelas autoridades que não têm suas atribuições limitadas pela lei, princípio que caracteriza o Estado de direito democrático.

Ação afirmativaDá-se essa denominação às políticas dos setores públicos e privados, ado-tadas para corrigir práticas discriminatórias no passado contra as mino-rias raciais, especialmente os negros nos países de maioria branca, como os Estados Unidos, assim como às mulheres, e a outros grupos cujos direitos foram historicamente desconhecidos e desrespeitados, como os índios, os homossexuais e as minorias étnicas. A expressão nasceu nos Estados Unidos e foi aplicada pela primeira vez na Ordem do Executivo no 10.925, de 1961, baixada pelo presidente John Kennedy, ordenando que as empresas contratadas pelo governo deviam atuar “afirmativamen-te”, contratando seus trabalhadores sobre bases não discriminatórias. O princípio foi reforçado no governo de seu sucessor Lyndon Johnson com a Ordem no 11.246, exigindo que os concessionários de serviços públicos

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adotassem uma “ação afirmativa” para assegurar-se que não houvesse dis-criminação em nenhuma prática relativa à política de emprego. O con-ceito começou a ser adotado no Brasil, com iniciativas como a fundação do antigo Serviço de Proteção aos Índios (atual Funai), pelo marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, descendente de índios, a criação da Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Justiça, com a Secretaria Especial das Mulheres e, mais recentemente, com a adoção da política de “quotas” em algumas universidades federais e estaduais.

Adversário políticoNa linguagem usual, a palavra adversário é definida pelo Aurélio como aquele “que luta contra, que se opõe a”. É sinônimo de antagonista, rival, opositor e concorrente. Na Política, o uso dessa palavra decorre do conceito que a define como o campo dos antagonismos, da conflitividade, ao afirmar que se trata da atividade cujo objetivo é a solução pacífica dos conflitos, ao contrário da guerra, a qual é a solução destrutiva dos conflitos que a políti-ca não consegue solver. Daí a expressão aplicar-se não ao inimigo, mas ao concorrente político, aquele que se opõe a outros, que com ele concorrem ou disputam eleições, o que significa dizer que é termo o qual tem sentido e conotação diferentes dos que são utilizados na linguagem corrente.

AlienaçãoAté o séc. XVII, a palavra alienação era empregada em relação à pro-priedade, e esse sentido permaneceu na linguagem corrente até hoje, quando aludimos à alienação de um bem ou uma propriedade, tida assim, nas relações jurídicas como sinônimo de qualquer modalidade de transferência, como a venda ou as demais formas de alienação em direito permitidas, como a doação, por exemplo. A partir do séc. XVII passou a ser aceita por alguns pensadores, como Hugo Grotius e John Locke, para referir-se à propriedade imaterial, na medida em que am-bos referiam-se a certos direitos ou poderes que deveriam ser requi-sitos para a legitimação dos regimes políticos. O conceito tornou-se, neste sentido, a base da teoria do contrato social. No séc. XVIII, o filósofo Thomas Paine usou o termo em sentido contrário ao original, quando aludiu a certos direitos que seriam “inalienáveis”, como o di-reito à vida ou à liberdade. Jean-Jacques Rousseau usou a palavra em seu livro Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, publi-cado em 1755, para definir os termos em que as sociedades deveriam se organizar tendo como base um sistema de leis, morais, religiosas, políticas e econômicas que estipulassem os limites ou bases de sua

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organização descrita em sua obra mais conhecida, O Contrato Social, publicado sete anos depois, em 1762. As contribuições mais importantes sob o ponto de vista da teoria políti-ca sobre o conceito de alienação, porém, devem-se aos filósofos alemães Friedrich Hegel e Karl Marx. O primeiro acreditava que o fim da His-tória seria a progressiva superação do hiato que separava a falta de cons-ciência particular da falta de consciência universal. Ambas constituíam para Hegel a causa essencial e central da alienação. Para ele, portanto, a alienação era um conceito histórico. Marx aceitava esse ponto de vista, mas discordava de seu conterrâneo por duas razões. A primeira era que, ao contrário de Hegel que aludia a uma alienação individual, Marx afir-mava que a alienação tem origem nas condições materiais da existência humana – o conjunto das relações sociais. Enquanto para Hegel o indi-víduo era responsável pela superação de sua própria alienação, devendo ser capaz de fazer um esforço para superá-la, para Marx a superação da alienação só seria possível mediante a mudança das condições mate-riais e não dependeria, portanto, das condições pessoais. Na linguagem corrente, contudo, alienado é palavra usada para aquele que não tem consciência da realidade que o cerca.

Alistamento eleitoral O exercício do direito de voto no Brasil, tanto no caso daqueles para os quais é obrigatório, quanto no daqueles para os quais é facultativo, exige o alistamento eleitoral, que é feito na Justiça Eleitoral e se comprova pela expedição do Título Eleitoral. Todos os brasileiros, a partir dos 16 anos, podem alistar-se como eleitores.

AnarquismoA palavra provém do grego “anarquia” e significa literalmente, “ausência de governo”. Em política é um conceito amplo que abrange um conjunto de concepções políticas que têm em comum o fato de rechaçarem tanto o Es-tado como outras formas coercitivas de autoridade, pregando uma ordem social baseada inteiramente na cooperação voluntária entre os indivíduos e os diferentes grupos sociais. Há um preconceito muito generalizado que atribui aos anarquistas a condição de terroristas. Embora seja verdade que, sobretudo no período entre 1892 e 1901, uma série de homens públicos tenha sido vítima de assassinatos cometidos por anarquistas, a maioria dos grupos de anarquistas ainda atuantes se opõe ao terrorismo e não advoga o seu uso como instrumento para alcançar objetivos políticos. Essa crença

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pode ser atribuída à circunstância de que o uso da palavra anarquia é, para muitas pessoas, sinônimo de caos ou desordem, o que está muito longe da sociedade voluntariamente organizada e ordenada que os anarquistas acreditam que surgiria se o Estado fosse abolido. O que une as diferentes tendências anarquistas, segundo o prof. David Miller, é a crença de que “o Estado é um estorvo desnecessário para as relações sociais e existe, primor-dialmente, para permitir a uma classe dirigente explorar e coagir o resto da sociedade”.Ainda segundo ele, “os anarquistas foram também os críticos mais francos do socialismo de Estado. Até mesmo os que simpatizam com os fins úteis do socialismo argumentam que o anarquismo não se pode alcançar com uma autoridade centralizada que, inevitavelmente cria uma nova classe política”. Na segunda metade do séc. XIX, os anarquistas desempenharam um papel fundamental na política de vários países europeus, em especial na França e na Itália e depois na Espanha, em que tiveram atuação muito acentuada na guerra civil espanhola. No Brasil, os anarquistas, especialmente os de extração sindicalista, conhecidos como anarco-sindicalistas que eram em sua maioria imigrantes oriundos da Espanha e Itália, foram atuantes na or-ganização do proletariado e dos sindicatos de trabalhadores urbanos, orga-nizando as primeiras greves bem-sucedidas entre 1910 e 1920, o que levou a serem duramente reprimidos pela lei que se tornou conhecida como “lei celerada”, que permitia a deportação de estrangeiros atuantes no movimen-to sindical, por ato de força, sem o devido processo legal. Os anarquistas atuam em grupos em alguns países, como nos Estados Unidos, onde se uni-ram aos liberais clássicos para formar o Partido Libertário que, nas eleições presidenciais de 1980, conseguiu quase um milhão de votos. A maior expressão do anarquismo foi Mikhail Bakunin, revolucionário e ativista russo (1814 – 1876). Representando a corrente libertária da Ia In-ternacional, entre 1864 e 1876, ele se opôs a Marx e suas idéias, vistas por ele como autoritárias, por defender uma revolução centralizada baseada na ditadura do proletariado, ao passo que ele advogava um entendimento sob a liderança dos trabalhadores, para a abolição do Estado, o mais rapidamente possível. Seu texto mais importante O Estado e o Anarquismo, publicado em 1873 influenciou o desenvolvimento de sua doutrina na Rússia, na Itália, na Suíça e na Espanha. Sua reputação foi gravemente afetada em virtude de suas relações com Sergei Nechaeyev, cuja crença nihilista exposta na obra O Catecismo Revolucionário, publicado em 1870, terminou por implicá-lo em assassinatos, extorsão e chantagem, tema utilizado por Dostoievsky no romance Os Possessos, situação de que se valeu Marx para expulsá-lo da In-ternacional Socialista levando-o a transferir o Secretariado do movimento anarquista para Nova York, onde entrou em colapso.

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AnistiaTrata-se do conceito utilizado na linguagem jurídica para significar o per-dão concedido aos culpados por delitos coletivos, especialmente os de cará-ter político, cujo principal resultado é fazer cessar as sanções penais contra os autores, significando colocá-los em perpétuo silêncio. No Direito brasi-leiro, é matéria privativa da União, à qual compete, na tradicional doutrina constitucional do país, legislar sobre a matéria. Faz parte da nossa tradição histórica, em relação aos dissidentes e revolucionários de todas as épocas, tendo sido largamente utilizado no Império, para conter os movimentos armados que punham em risco a unidade nacional, reintegrando os seus líderes e participantes à comunhão nacional. Segundo o historiador José Honório Rodrigues, a anistia sempre foi utilizada para aplacar a sedição dos que ele chamou de “os mais iguais”, ao contrário da repressão utilizada con-tra os “menos iguais”, tratada sempre a ferro e fogo, como a revolução dos alfaiates na Bahia, a revolta de 1817 em Pernambuco e todas as insurreições dos escravos. Segundo De Plácido e Silva: “a anistia se diferencia da graça e do indulto, embora para estes também possa ocorrer uma comutação, per-dão da pena ou extinção da punibilidade”. Do indulto, ainda segundo esse mesmo autor, a anistia se distingue: “a) por seu caráter, desde que a anistia implica no esquecimento da infração, sem importar os nomes dos implicados, o indulto é individual;b) por abranger os delitos políticos, enquanto o indulto é referente aos de-litos comuns;c) por ter um caráter de generalidade, compreendendo todos quantos se envolveram no delito, o indulto é particular e limita-se ao delinqüente;d) por ser concedida em qualquer tempo, mesmo sem a formação do pro-cesso, enquanto o indulto vem em conseqüência de uma condenação;e) é um ato legislativo, resultando de decreto que dele emana, ao passo que o indulto é da competência do Executivo.”

AnomiaDo grego anómios, literalmente “sem lei”. O conceito foi utilizado por Émile Durkheim, o mais influente sociólogo francês depois de Auguste Comte, em sua obra Suicídio, publicada em 1897, para explicar as impli-cações sociais dos atos e ações mais isoladas possíveis, como o suicídio. Ele dividiu essa modalidade de auto-eliminação, em três espécies dis-tintas, talvez quatro, uma das quais a mais importante para a sua tese, ele denominou exatamente de “anomia”, para significar a quebra das ligações individuais com a sociedade, que levam à alienação e à práti-ca do suicídio. Dessa forma, ele rejeitou de vez a explicação positivista

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simplista que justificava esse gesto pelas diferenças entre os climas e as estações. Para Dukheim, os fatos sociais só podem ser explicados por outros fatos sociais, e não por fatores externos. Ele justificou a anomia como o resultado da rapidez do processo de industrialização acelerada que terminou por influenciar a quebra da ordem moral existente. O conceito de anomia em sua origem, portanto, referia-se, tal como pro-pôs Durkheim, à esfera pessoal do indivíduo. No Dicionário crítico de So-ciologia, porém, os franceses Raymon Boudon e F. Bourricaud assinalam que “A noção de anomia pode englobar, em alguns casos, um conteúdo preciso. Mas a probabilidade de que isso ocorra decresce à proporção que se aplica essa noção a sistemas mais complexos. Utilizada em rela-ção a uma organização, a noção de anomia pode ser definida de maneira clara e, conseqüentemente, ser útil”, uma vez que “uma organização é sempre definida em relação aos objetivos. Pode-se, então medir o grau de anomia da organização, por exemplo, pela recíproca do grau em que os membros da organização têm a capacidade de realizar os objetivos fixados”. O mesmo não ocorre quando se passa do nível das organiza-ções para o nível das sociedades que não são definidas em relação a seus objetivos. Entretanto, no Dictionnaire de la Pensée Politique, Dominique Colas lembra que a palavra foi usada por Tucídides na Guerra do Pelo-poneso, para descrever os efeitos da peste em Atenas, o que, na tradução inglesa da obra, o inglês Thomas Hobbes classificou de “licenciosidade”. Para Platão, por sua vez, anomia é o estado típico de uma “democracia licenciosa”, isto é, que não repousa sobre a lei escrita, o que demonstra seu uso na Política. Um exemplo de anomia em matéria política é dado por Ralf Dahrendorf no livro A lei e a ordem, ao referir-se ao Estado que preponderou entre a debandada das tropas nazistas durante a ocupação de Berlim e sua efetiva ocupação pelas tropas russas. A anomia, convém esclarecer, distingue-se do conceito sociológico e jurídico da falta ou ausência de autoridade que denominamos de anarquia.

AparelhamentoA palavra aparelho* tem sentido e caracterização claras, quando se refere à organização interna e à estrutura dos partidos nas sociedades de mas-sa. Já a palavra aparelhamento que não é encontrada na quase totalidade dos dicionários de Política, tem sentido estrito, tendo sido vulgarizada no Brasil como a prática de se utilizar os membros da direção e da burocracia partidária, para ocupar os cargos do serviço público, ou, em outras pala-vras, substituir a burocracia e a direção profissional dos órgãos do Gover-no por membros do aparato partidário, para utilizá-los em benefício dos interesses partidários. Ela corresponde, em última análise, a uma patolo-

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gia do sistema político, já diagnosticada não só por Robert Michels, mas igualmente por Lênin e por Antônio Gramsci, o grande teórico italiano do marxismo. É uma variante da Fisiologia. (Vide este verbete). A prática encontra certa similitude no spoil system (sistema de espólio), largamente utilizado para caracterizar as aberrações do sistema político americano durante o início e até meados do séc. XX e que ainda subsiste em algumas regiões de grande densidade política.

AparelhoA palavra é definida no Dicionário de Política de José Pedro Galvão de Souza, Clóvis Lema Garcia e José Fraga Teixeira de Carvalho, como “quadro de pessoal que, no âmbito dos partidos, se dedica profissionalmente às ativida-des destes, dinamizando-lhes a organização interna e implementando-lhes a ação proselitista”. Já no Dicionário de Política de Norberto Bobbio, Nicola Mateucci e Gianfranco Pasquino, pode-se ler que “O Aparelho de um par-tido é o conjunto de pessoas distribuídas por funções diretivas e executivas que nele desenvolvem uma atividade profissional e lhe garantem o funciona-mento continuado”. Não há discrepâncias, portanto, no que se refere ao uso dessa palavra para designar parte ou a totalidade da direção e da burocracia partidárias, assunto que foi tratado em caráter pioneiro por Robert Michels, em sua obra clássica Sociologia dos Partidos Políticos, em que esse autor estudou a tendência à oligarquização das organizações partidárias.

AristocraciaO termo tem vários sentidos na Filosofia e na Ciência Política e foi utiliza-do originalmente na Grécia, para significar o governo dos melhores, o desa-fio que todo sistema político enfrenta, para saber como selecionar os que se pode considerar “os melhores”, para constituir a classe dirigente ou a classe política, assunto de que se ocuparam tanto Platão em sua obra clássica A República quanto Aristóteles a quem se deve a primeira classificação das for-mas de governo, na sua obra mais conhecida A Política: concebidos como o governo exercido por um(*)só, por poucos(*) ou por muitos(*). Essa classificação corresponde às formas puras que o grande filósofo chamou de reino, no pri-meiro caso, de aristocracia, o segundo e de politia, o terceiro, “palavra com que designamos em comum todas as constituições”. Todas podem se degenerar e as formas assim deturpadas se transformam: a monarquia ou reino em tira-nia, a aristocracia em oligarquia e a politia ou timocracia, em demagogia. Na época contemporânea, porém, a palavra adquiriu um sentido negativo, não significando mais, como defenderam os dois filósofos gregos o governo dos

(*) Grifos do autor

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melhores. Ao contrário, passaram a ter o sentido de classe ou casta de pessoas, dotadas de privilégios especiais. Se inicialmente suas características essenciais eram os privilégios de nascimento, de parentesco e de reprodução dentro de um mesmo grupo, também assumiram a posse de títulos hereditários, como os que mantiveram os aristocratas europeus, até mesmo depois das revoluções dos séculos XIX e XX. Na pregação socialista a aristocracia não significa mais do que direitos herdados do feudalismo que devem ser varridos por meios revolucionários. Hoje, portanto, trata-se menos que uma classificação como forma de governo, na concepção aristotélica, do que privilégios que ferem a igualdade entre os homens e, como tal, não têm mais cabimento nas demo-cracias contemporâneas.

AutocraciaIndica, tanto na linguagem corrente, quanto no léxico da política, o go-verno de uma só pessoa que não é responsável ante seus seguidores ou su-bordinados. Trata-se, portanto, de autoritarismo de um só governante. A ausência total de restrições legais ou constitucionais é o caráter definidor do autocrata que encarna sozinho a soberania do poder do Estado. Como forma de governo a autocracia só subsiste em condições sociais e econô-micas muito especiais, entre as quais um povo ignorante sem concepção clara dos direitos fundamentais e sem aspirações políticas definidas. Se-gundo o prof. Edmund Íons, da Universidade de Oxford, autocracia con-tinua sendo uma das palavras mais fortes do léxico da política e serve de contraste ao conceito de “democracia” como o governo do povo.

AutoridadeDiferentemente do poder e da influência, o recurso da autoridade é a sanção. Autoridade é a condição de que o poder político investe o cida-dão, para o exercício de atividades que lhe são legalmente concedidas e legitimamente exercidas. Logo, o que distingue o poder, a influência e a autoridade, é o recurso por eles utilizado: o poder – a coerção; a influên-cia – a persuasão e a autoridade – a sanção.

AutoritarismoO termo designa tanto uma forma de governo, em suas origens, quanto a filosofia que a defende. Neste último caso, é uma forma peculiar e autônoma de conduzir as coisas pelos que têm poder para isso, seja um chefe de família, o proprietário de uma empresa ou uma autoridade pública. Esta forma pressupõe o direito dos dirigentes de impor seus valores aos que lhes são subordinados, independente da vontade desses

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últimos, sejam súditos, cidadãos ou grupos de pessoas, no caso das fa-mílias e das organizações empresariais. Nestas condições, a palavra serve para classificar e caracterizar uma ampla gama de sistemas de governo, de que o despotismo, a tirania, o fascismo, o nazismo e o totalitarismo, são simples modalidades. Nestas condições, todo sistema de dominação exercido sem o consentimento e a aceitação dos que lhes são subordi-nados é um sistema autoritário de poder. As três principais caracterís-ticas dos sistemas e regimes autoritários são: (a) os métodos de decisão mediante o debate público e a votação, suplantados em grande parte ou totalmente pela decisão exclusiva das autoridades; (b) os dirigentes e governantes dispõem de suficiente poder que lhes permite as limitações constitucionais e/ou legais; e (c) as autoridades que afirmam ter não de-riva do consentimento dos governados, mas sim de uma qualidade que só eles alegam possuir. Esta qualidade, ensina o prof. Samuel E. Finer, pode ser divina, como defendia o moralista francês Joseph de Maistre (1773 – 1821) ao assegurar que “a autoridade da religião cristã era fon-te e justificação de todo e qualquer governo, institucional; como para Hegel (1770 – 1831) que considera ser o Estado “a marcha de Deus sobre a Terra” e os partidos comunistas dominantes ao afirmarem que sua autoridade para governar derivava de seu “superior conhecimento das leis científicas do desenvolvimento social que se deduzem do mar-xismo-leninismo”, ou pessoal (*), como afirmaram ditadores como Hitler e Mussolini, com a concordância de muitos de seus súditos que diziam estar de posse se extraordinárias qualidades pessoais, em decorrência das quais estavam aptos a governar.

(*) Grifo do autor

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BA

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“Baixo-clero”A expressão não faz parte da linguagem da política, em termos universais. É um neologismo criado pelos jornalistas brasileiros e já razoavelmente dis-seminada no jargão do jornalismo político, para distinguir os parlamentares mais proeminentes, que exercem reconhecida liderança no exercício dos respectivos mandatos, dos que não têm atuação nem protagonismo reco-nhecido. Enquanto aos primeiros se concede o tratamento ou designação de “cardeais”, a esses últimos se dá o apelativo de “baixo-clero”.

BicameralismoOs sistemas parlamentares admitem duas modalidades em sua estrutura-ção: ou são constituídos de uma só Câmara, em geral denominada As-sembléia Nacional, como em Portugal, por exemplo, ou são integrados por duas Câmaras: uma representando a população do país e outra os estados federados que compõem os regimes federativos. Na primeira modalidade, diz-se que o sistema é unicameral e, no segundo, bicameral. A necessidade dessa segunda Câmara tem sua origem na Idade Média, nos primórdios do sistema representativo, quando se acreditava ser necessário que a represen-tação dos diferentes estamentos sociais estivesse distribuída em diferentes câmaras, baseadas em modos diversos de seleção. Uma reminiscência desse período eram os “Estados Gerais” que subsistiram na França, até a eclosão da Revolução Francesa. Até então, a representação política se dividia em três Câmaras: a 1a em que estava representada a nobreza, a 2a, onde tinha assento o clero da religião oficial do Estado e a 3a que o Abade Seyès, num panfleto que se tornou famoso, denominou de 3o Estado. A Inglaterra é um dos poucos Estados unitários que ainda hoje mantém uma segunda Câma-

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ra, a dos Lordes. Nos estados que se organizam sob a forma federativa, o bi-cameralismo se torna essencial para abrandar a assimetria demográfica dos Estados-membros, como é o caso do Brasil, em que o estado mais populoso, o de São Paulo, conta com uma representação de 70 deputados e os de menor população com apenas oito. O Senado, onde a representação é igual para todos os estados, cumpre então o papel de restabelecer o equilíbrio do poder político entre as maiores e as menores unidades da Federação.Grande parte das maiores democracias e a quase totalidade dos estados organizados sob a forma federativa adotam o sistema bicameral, em que a duração dos mandatos da segunda câmara é sempre maior que os da pri-meira, como no Brasil, em que deputados têm mandatos de quatro e os se-nadores de oito anos. Nosso país foi uma exceção à regra geral de que só os estados federados têm duas Câmaras. Isto porque, sendo durante o Império um estado unitário como ainda hoje a Inglaterra, possuía duas Câmaras. À semelhança da Grã-Bretanha, que nos serviu de exemplo, no Senado, os mandatos eram vitalícios, e o número de senadores correspondia à metade do número de deputados. Em alguns dos poucos Estados unitários que ainda hoje adotam o modelo bicameral, como a Áustria e a Espanha, os membros da segunda Câmara são eleitos em escrutínio indireto. Também em algumas Federações, como na Alemanha, o Bundestag, alguns senadores são representantes dos Executivos estaduais que indicam um número de-terminado dos integrantes do Senado. No Canadá, todos os membros da segunda Câmara são designados e não eleitos. Há, também uma diferença de atribuições entre as duas Casas do Legislativo no caso do bicameralismo, atribuindo-se a cada uma delas atribuições e/ou prerrogativas diferentes. Nos casos em que as duas Câmaras desfrutam de idênticos poderes, torna-se necessário um mecanismo constitucional para resolver os conflitos que ocorram entre elas. Em geral, é um comitê de conciliação, de mediação ou de consulta, composto de número igual de membros de cada uma delas. É o método utilizado no Canadá, na França, na Alemanha, na Irlanda, no Japão, na Suíça e nos Estados Unidos. Na França, Irlanda e Alemanha, se as duas Casas não se põem de acordo se decide pelo voto da primeira Câmara, ao contrário do Brasil, onde tanto a Câmara quanto o Senado funcionam como câmaras revisoras, e em caso de falta de acordo prevalecem apenas as iniciativas em que ambas as Casas concordam, não se verificando, portanto, a hipótese de conflito que deva ser conciliado.

BipartidarismoNa história dos sistemas partidários, um dos maiores problemas sempre foi sua classificação e, por conseqüência, o desafio de como contar os partidos. Para começar, em muitos sistemas, há partidos que logram representação

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no Parlamento e outros que não conseguem eleger nenhum de seus can-didatos. Hoje é absurdo falarmos em sistema de partido único, da mesma forma como não tem sentido incluirmos como fez James Jupp, em sua obra Political Parts (Partidos Políticos), publicada em 1968, a classificação em categorias dos sistemas partidários, uma das quais era caracterizada como “sem partido”. O período dos partidos únicos, que prevaleceu em inúmeras ditaduras, como ocorreu com o nazismo de Hitler, na Alemanha, o Fascis-mo de Mussolini, na Itália, o Corporativismo de Salazar, em Portugal, ou o Franquismo na Espanha, mostra a importância dos partidos políticos, pois nem as ditaduras os dispensam, mas comprova também que os partidos podem existir sem que cheguem a constituir um “sistema” como são esses casos que acabamos de invocar. Hoje, o “unipartidarismo” é quase uma re-miniscência do passado, sobrevivendo em países como China, Cuba e Co-réia do Norte. Este parece ser, também o destino dos sistemas bipartidários. Como lembra o prof. Giovanni Sartori, em seu livro Elementos de Teoria Política, só havia, quando ele escreveu essa obra, três países com apenas dois partidos representados no Parlamento: os Estados Unidos, a República de Malta, a pequena ilha do Mediterrâneo, desde 1964, quando adquiriu sua independência e a África do Sul, enquanto durou o apartheid. Hoje, portan-to, apenas Malta, com uma população de cerca de 400 mil habitantes e os Estados Unidos podem ser considerados sistemas eleitorais bipartidários. Nestas condições, não teria mais sentido falarmos em sistemas uni ou bi-partidários, senão como exceções, pois as democracias contemporâneas são, cada vez mais pluripartidárias, até mesmo como exigência do pluralismo político que gera, necessariamente o pluralismo partidário. No Brasil, tivemos um sistema bipartidário no Império, a partir de 1837 quando o partido Conservador, criado naquele ano, veio se juntar ao Par-tido Liberal atuante desde o movimento de 7 de Abril, em 1831 que de-pôs o imperador. Durante a República Velha, não chegamos a ter parti-dos nacionais, desde a adoção da chamada “política dos governadores” por Campos Sales, mas sim uma multiplicidade de partidos provinciais. No regime militar instaurado em 1964, o bipartidarismo foi imposto pelo Ato Institucional no 2, de 29 de outubro de 1965, em decorrência da extinção, pelo art. 18, dos partidos então existentes e a criação posterior de apenas dois movimentos políticos, a Arena e o MDB. Esta situação perdurou até que a Emenda Constitucional no 11, de 13 de outubro de 1978, permitiu a fundação de novos partidos. O bipartidarismo, portanto, como demonstra a constatação empírica, é um sistema em extinção, tal como os impropria-mente chamados “sistemas de partido único”.

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BolchevismoO termo “bolchevismo” deriva da palavra russa bol’shinstvo que significa maioria, antônimo de “menchevismo”, que significa minoria. Eles foram cunhados pela facção vencedora no 2o Congresso do Partido Trabalhista e Social Democrata Russo, realizado em 1903. Ambos serviram para mar-car a divisão iniciada com a discussão sobre os critérios para pertencer ao partido, na qual Lênin, líder da facção que depois veio a se tornar majori-tária, se opôs a Yuri Martov, defensor de critérios restritivos que exigiam a participação pessoal em uma das organizações partidárias. Embora tenha perdido essa votação, Lênin explorou a divisão daí resultante e conseguiu, para si e seus seguidores, as principais posições dirigentes do partido. A palavra passou a designar a filosofia política do partido que tomou o po-der com a Revolução de outubro de 1917 na Rússia e, a partir de então, serviu para dar significado à filosofia política da revolução marxista se-gundo o modelo soviético.Por isso é preciso não confundir o bolchevismo com o marxismo-leni-nismo, a ideologia oficial da antiga União Soviética. Essa distinção é es-sencial para se entender a separação que existe entre dois momentos do processo histórico de que resultou a vitória dos “bolcheviques” sobre os “mencheviques” e, posteriormente, a formação de uma doutrina oficial da antiga União Soviética. Segundo o prof. Stephen Welch, do St. Anthony’s College, de Oxford, o termo “bolchevismo” refere-se à filosofia política dominante durante os anos de formação do processo da revolução sovié-tica, entre 1903 e 1930, enquanto o termo marxismo-leninismo refere-se ao corpo de pensamento desenvolvido, na fase pós-revolucionária, pelos intérpretes oficiais soviéticos de Karl Marx e, de forma muito mais des-tacada, de Lênin. Em suas próprias palavras: “Esta distinção reside, em grande parte, na diferente função de cada um: o bolchevismo era um con-junto de doutrinas concebidas para guiar um partido revolucionário no contexto de um Estado autocrático decadente, entre os múltiplos desafios a respeito da hegemonia futura, enquanto o marxismo-leninismo era a ideologia do poder estabelecido pelo Estado do tipo soviético, com um conteúdo mais evolutivo que revolucionário”.Ainda segundo o mesmo autor, “os bolcheviques (que se converteram em um partido cindido em abril de 1917, depois de romper definitivamente com os mencheviques, em 1912), se enfrentaram uma vez no governo, com inúmeras ameaças externas, entre elas uma grave crise econômica e a intervenção armada de potências estrangeiras. Dentro do partido as tensões existentes afloraram e as novas circunstâncias provocaram novas desavenças. As diferenças essenciais entre o Comunismo de guerra (1918 – 1921) e a Nova Política Econômica (1921 – 1928) demonstram a quase

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total carência de um programa pós-revolucionário detalhado”. “A tendên-cia centralista representada por Lênin foi desafiada tanto pela Oposição Trabalhista, que propugnava maior autonomia para os sindicatos, como pelos Centralistas Democráticos que propugnavam procedimentos de-mocráticos dentro do partido”. O confronto terminou com a vitória do centralismo autêntico de 1921, durante o 10o Congresso do Partido, o que o levou, ante a ameaça da rebelião de Kronstadt no mesmo ano a aprovar uma resolução sobre a unidade do partido que proibia a existên-cia de facções dentro da organização partidária, sob pena de expulsão. As divergências foram sepultadas durante o regime de Stalin, que pôs fim a qualquer forma de decisão coletiva no âmbito do Partido, usando seus conhecidos métodos de expurgos que só terminaram com as revelações de Nikita Kruschev, no XX Congresso, depois da morte de Stalin e da superação do stalinismo.

BonapartismoO termo foi criado por Marx em sua conhecida obra O 18 Brumário de Napoleão Bonaparte, para referir-se às práticas adotadas por Napoleão Bo-naparte I, Cônsul e subseqüentemente Imperador da França entre 1799 e 1815, e por seu sobrinho Luís Bonaparte, que governou a França entre 1851 e 1870, como Napoleão III. Na obra de sua autoria em que utilizou o termo pela primeira vez, Marx se referia à aliança oportunista e populista entre parte da burguesia francesa e o lumpemproletariado*, utilizada para conseguir, através de plebiscitos a que apelaram tanto Napoleão quanto seu sobrinho, para legitimar seus poderes. Para os marxistas, o Bonapartismo representa a autonomia que o Estado pode conseguir, quando as diferentes forças das classes sociais se põem em equilíbrio. Historicamente portanto, o Bonapartismo contribuiu para a liderança forte e o nacionalismo conser-vador que impediu o retorno ao ancien regime (o antigo regime derrubado pela Revolução Francesa de 1789).

Brasilianista Termo cunhado para designar os estrangeiros especialistas ou estudio-sos de assuntos brasileiros, e já consignado com esse sentido no Auré-lio. O Brasil como objeto de estudos de autoria de estrangeiros, é quase tão antigo quanto a sua descoberta. Com a Independência, esse interesse se acentuou, em alguns casos, estimulado por patrocínio ou contribui-ções oficiais. Duas das mais conhecidas histórias do Brasil, após a In-dependência, são de ingleses, como John Armitage, que foi testemunha do movimento, abrangendo seu livro o período de 1808 a 1831, ano da abdicação de D. Pedro I e Robert Southey, que trata do período colonial.

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Não foram apenas os ingleses que no séc. XIX começaram uma produção sistemática dobre o nosso país. O francês Jean Ferdinand Denis é autor não só de um Resumé de l’histoire littéraire de Portugal; suivi de Resumé de l’histoire littéraire du Brésil (Resumo da história literária de Portugal; seguido do Resumo da história literária do Brasil) considerada a primeira história da literatura brasileira, como também de pelo menos três outras obras referentes ao nosso país. Os estudos de especialistas e estudiosos estrangeiros sobre o Brasil terminou despertando o interesse do governo brasileiro que criou, no Ministério das Relações Exteriores, a Comissão de Estudo dos Textos da História do Brasil. Uma publicação desse órgão, datada de 1967, com Introdução do prof. José Honório Rodrigues, que o integrava, resenhou sob o título Estudos Americanos de História do Brasil, os textos e as publicações norte-americanas sobre a América Latina e o nosso país, em particular mostrando que o interesse eventual de estran-geiros sobre o Brasil, no séc. XIX terminou despertando igual curiosi-dade que se acentuou na década de 60, com a colaboração de autores como Thomas Skidmore, Foster Dulles Jr., Alan K. Manchester e Stanley Hilton que contribuíram não só para a criação do termo “Brasilianista”, mas também para a criação, nos Estados Unidos de uma associação de professores e intelectuais americanos que chegou a reunir mais de mil associados, tornando definitivo neologismo brazilianist que se incorporou ao nosso léxico sob a forma aportuguesada de brasilianista

BreviárioSegundo o Aurélio, a palavra é de cunho e origem religiosas e significa “forma breve do ofício divino, ou prece da Igreja para uso dos clérigos”. É, também, o “livro das leituras e orações cotidianas, prescrito pela Igreja Católica a sacerdotes e religiosos”. Em sentido figurado, indica “livro pre-dileto, resumo, sinopse”. Daí a expressão popular, “ler ou rezar pelo mesmo breviário”. O dicionário português de Caldas Aulete esclarece que a pala-vra também era usada na atividade tipográfica como “antiga denominação do tipo em que ordinariamente se imprimiam os livros deste nome” e, em sentido figurado também indica “Livro que se lê habitualmente e por nome” e, em sentido figurado, também indica “Livro que se lê habitual-mente e por predileção”.

BurguesiaA palavra teve origem na Idade Média e indicava o habitante do burg, cidade em alemão, que servia para distinguir os seus habitantes dos chamados “servos da gleba”, habitantes dos feudos. Trata-se, portanto de um conceito de natureza histórica que adquiriu, com o fim do regime feudal, significado econômico e

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também político. Os burgos surgiram dos pequenos aglomerados que foram se formando em torno das catedrais, dos castelos e mosteiros que terminaram propiciando o ressurgimento dos aglomerados urbanos que tinham desapare-cido durante a alta Idade Média. Henri Pirene, o historiador belga, autor de conhecido trabalho História Econômica e Social da Idade Média, explica a impor-tância que tiveram os portos e as cidades para o renascimento do comércio e o surgimento dos mercadores. “Esses grandes mercadores, escreve ele, ou melhor, esses novos ricos, foram naturalmente os chefes da burguesia, posto que esta, por sua vez, era tão-somente uma criação do renascimento comercial e que, a princípio, as palavras mercartor e burguensis são usadas como sinônimos”. Ele lembra a importância que os negócios e o comércio em particular adquiriram para pôr fim ao regime e permitir o surgimento de uma nova era, quando lem-bra o ditado então corrente de que “na cidade se respira o ar da liberdade”. Com o fim da Idade Média, o termo adquiriu relevância social e econômica, na medida em que passou a representar a camada social intermediária entre a aristocracia e a nobreza – detentoras hereditárias do poder e da riqueza – e o proletariado* classe composta principalmente de artesãos, trabalhadores manu-ais que o filósofo marxista italiano Antônio Gramsci denominou de “classes su-balternas” às quais se opunha a burguesia. O termo burguesia ganhou relevância depois da Revolução Francesa de 1789, considerada por todos os especialistas como um movimento liderado por essa classe que, tendo se tornado proprie-tária dos meios de produção, em decorrência de seu enriquecimento, assumiu enorme protagonismo político, a ponto de Marx e Engels considerarem-na “o produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma cadeia de mudan-ças radicais nos mecanismos de produção e comércio”. O reconhecimento dos burgueses como classe dominante das sociedades modernas no mundo ociden-tal exigiu obviamente, não só a mudança do paradigma político e econômico, mas também do paradigma social e ético. Esse processo, foi sintetizado por Marx de forma simples e eloqüente: “A burguesia despiu de sua auréola todas aquelas atividades que até então eram consideradas dignas de veneração e res-peito. Transformou o médico, o jurista, o padre, o poeta e o cientista em seus assalariados”. Para tanto, os burgueses tiveram de criar as grandes indústrias e os conglomerados comerciais, tornando-se os grandes impulsionadores da expan-são econômica que consolidou seu poder. Para tanto, foi necessário universaliza-rem suas idéias para que elas se tornassem dominantes, pois, segundo a lição de Karl Marx, “a ideologia dominante é sempre a ideologia da classe dominante”. Esse desenvolvimento industrial e das relações comerciais que alicerçaram as idéias do liberalismo burguês, serviram não só para aumentar seu poder e seu protagonismo, mas também para fazer surgir, em decorrência de um novo pa-radigma de produção industrial, um novo e poderoso proletariado, muito mais forte e influente, a cujos interesses a burguesia, historicamente, sempre se opôs.

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BurocraciaA palavra burocracia adquiriu, desde que foi criada pela primeira vez em 1764 pelo fisiocrata francês de Gournay, um sentido e uma conotação polivalentes, em grande parte pejorativas. O barão francês de Grimm, que atribuiu sua criação a de Gournay, queixava-se de que o verdadeiro espírito das leis na França era a subordinação do interesse público aos gabinetes governamentais e seus funcionários, concluindo que se tratava, com efeito de uma nova forma de governo. Essa concepção capta, com grande precisão, o sentimento ainda hoje dominante na sociedade de que a burocracia, representada por esse corpo de funcionários, conseguiu transformar os meios em fins, o que fez com que os sistemas públicos adquirissem independência em relação às pessoas a que deveriam servir. Foi Hegel, porém, quem deu, em sua Filosofia do Direito, publicada em 1821, a justificação racional para o predomínio, a influência e a prepon-derância do aparato burocrático do Estado a posição mais destacada que qualquer outra exposição anterior. Ao funcionário era confiada, segundo ele, a manutenção do interesse universal do Estado e da legalidade, de um modo geral. Daí sua classificação da classe dos funcionários como uma das três mais importantes, ao lado da agrícola e da industrial. Eles formavam, em sua concepção, “a maior parte da classe média, a classe na qual se encontra a consciência da correção e a inteligência desenvolvida da massa do povo”. Nisso residiu uma das críticas que Marx fez ao filósofo idealista seu con-terrâneo. Ele escreveu a Crítica à Filosofia do Direito de Hegel, em 1843, obra que, no entanto, só foi publicada em 1927. O prof. Martin Albrow lembra que é nela que encontramos os elementos chave da futura dou-trina marxista (seu Manifesto Comunista foi publicado em 1848), como a exploração dos sentimentos que tão freqüentemente se expressaram em protestos populares contra os governos modernos. Marx criticava a identificação de Hegel do Estado com a racionalidade, lembrando que todo e qualquer governo é, simples e tão-somente uma obra de pessoas de carne e osso, sujeito, portanto, a erros. Para ele o Estado só se consti-tuía efetivamente numa verdadeira democracia, quando a Constituição era democrática. Caso contrário, o Estado se convertia em algo abstrato oposto ao povo, em que a burocracia se enfrentava a ele como uma sociedade fechada. Entretanto, como Marx mudou seu interesse para o capital e o trabalho, não prosseguiu nessa mesma linha de análise, e o resultado foi que uma análise mais fundamentada da democracia ficou para seu conterrâneo Max Weber.Weber tinha consciência da crítica geral feita à burocracia, como for-malista e capaz de produzir acumulação de poder cada vez maior, nas

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mãos dos burocratas. Afinal, foi seu amigo e coetâneo Robert Michels quem em na obra emblemática Sociologia dos Partidos Políticos, criou, para caracterizar o poder da burocracia, a expressão “lei de bronze” da organização que gera a burocracia partidária e política. A natureza geral da exposição de Weber era tal que, não só ampliou a idéia da burocra-cia de uma forma já implícita nas explicações de Hegel e de Marx, a todas as organizações, de tal modo que, segundo ele, era aplicável não só ao Estado, mas também à Igreja, aos partidos e às empresas, como também afirmou que a racionalização do mundo moderno era tal que a burocracia floresceria em todas as sociedades, fossem elas capitalistas ou socialistas. O notável sociólogo foi capaz de ver, porém, efeitos positivos na administração burocrática, que ele classificou de “racional-legal”, em sua obra monumental Economia e Sociedade, sem deixar de assinalar seus aspectos negativos. Ao contrário da administração clientelista a patri-monialista que tantos males traz às sociedades modernas, para ele “A administração burocrática significa: dominação, graças ao saber (o grifo é do original); este representa seu caráter racional e específico. Além da situação de poder condicionada pelo saber da especialidade, a burocracia, ou o soberano que dela se serve tem a tendência a aumentar ainda mais seu poder, por meio do saber de serviço: o conhecimento de fatos adqui-ridos pelas relações de serviço”. Para Weber, só existem três tipos de dominação legítima, e a de caráter burocrático é um delas: (a) de caráter racional que se apóia na crença na legalidade dos ordenamentos estatuídos e do direito de mando dos que são chamados por esses ordenamentos a exercer a autoridade (legal); (b) de caráter tradicional, que se assenta na crença cotidiana na santidade das tradições que regeram, desde muito tempo, e na legitimidade dos assina-lados por essa tradição para exercer a autoridade; e (c) de caráter carismá-tico que fundamenta na entrega extra cotidiana à santidade, ao heroísmo ou exemplaridade de uma pessoa e nas ordenações por ela criadas ou re-veladas. Como se vê o poder da burocracia é neutro: pode ser bem ou mal utilizado, dependendo da visão daqueles a que ela está subordinada.

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CaciquismoCacique na linguagem corrente é sinônimo de “morubixaba” ou manda-chuva, como o define o Aurélio, palavra que deu origem ao substantivo dele derivado, caciquismo. Não se trata de termo da língua portuguesa, mas sim do aruaque, “família de línguas andino-equatoriais, faladas por povos do Amazonas, Mato Grosso, Mato-Grosso do Sul, Roraima, Peru, Bolívia, e em regiões da Guiana, Guiana Francesa e Suriname”, como também ensina o nosso grande dicionarista. O fato de ser língua também falada em paí-ses de colonização espanhola talvez explique que o termo “caciquismo” seja usado também em espanhol, embora não tenha registro no Dicionário de La Lengua Española, editado sob a autoridade da “Real Academia Española”. O fato de que o conceito em espanhol tem o mesmo sentido que no Brasil, é revelado pela referência feita nesse verbete do Dicionário de Política de José Pedro Galvão de Sousa, Clóvis Lema Garcia e José Fraga Teixeira de Carvalho, ao livro de Joaquín Costa (1845 – 1911), Oligarquia y caciquismo como la forma actual de gobierno de España: urgência y modo de cambiarla (Oli-garquia e caciquismo como a forma atual de governo da Espanha: urgência e modo de mudá-la). O único e criterioso Dicionário de Política de autores brasileiros esclarece que caciquismo “assemelha-se ao que, na vida política brasileira, recebeu o nome de coronelismo”. Assim, o caciquismo implica num método específico de fazer política, em que o ‘cacique’, a notabilidade local, é peça essencial e indispensável. Trata-se de uma prática ambivalente, uma vez que é por meio do poder e da influência que o ‘cacique’ consegue através dos líderes políticos por ele apoiados, que ele conquista e mantém o prestígio e o poder que tornam seu papel decisivo nas comunidades locais. Valendo-se desse

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recurso, eles brindam esses mesmos políticos que o prestigiam, com os votos que, em decorrência da influência assim adquirida, consegue angariar. Neste sentido, têm toda razão os autores do dicionário acima indicado, quando comparam a prática do caciquismo à do coronelismo*.

CapitalismoEm sua concepção original, a palavra capitalismo era um conceito exclusiva-mente econômico, pois significava um modo de produção que caracterizou um largo período da evolução econômica do mundo ocidental. Foi esse fato que levou os historiadores a estabelecer as diferentes etapas da evolução desse capitalismo típico, distinguindo o surgimento de sua fase inicial que se se-guiu ao mercantilismo, como capitalismo comercial ou capitalismo mercan-til que se prolongou até o surgimento da chamada 1a Revolução Industrial, em meados do séc. XVIII, quando teve início o surgimento do denominado capitalismo industrial. A mudança ocorreu com o aproveitamento de novas matérias-primas e novas fontes de energia que vão da energia a vapor, e do aproveitamento do carvão, com a invenção da siderurgia, até o aproveitamen-to do petróleo como combustível e a invenção dos motores de combustão interna, entre o fim do séc. XIX e o início do séc. XX. Essa fase teve seu auge com as técnicas de divisão e especialização do trabalho, e dos estudos de tempos e movimentos desenvolvidos por Henry Ford, Taylor e Fayol, durou até o fim da Segunda Guerra Mundial, quando a energia nuclear, embora não tenha eliminado o petróleo como fonte de energia fóssil não renovável e como combustível, prenunciou nova mudança do paradigma econômico, dando início ao capitalismo financeiro, marcado simultaneamente por duas ondas de descolonização, na Ásia, ao fim do conflito mundial de 1939 – 1945 e, posteriormente na África, na década de 60. Essa longa marcha foi assinalada pelos fatores que descaracterizaram o ca-pitalismo como um conceito meramente econômico, para torná-lo muito mais abrangente, de cunho também filosófico, político e social. Foram eles: (a) no campo da filosofia, o surgimento do liberalismo político, herdeiro do Iluminismo que prenunciou o surgimento dos conceitos de burguesia e de proletariado como classes sociais e, quase simultaneamente, do liberalismo econômico, com a publicação, em 1776, do livro de Adam Smith, A Riqueza das Nações; (b) no campo da economia, o primado e a primazia da propriedade privada, o fim dos privilégios corporativos da Idade Média e o surgimento da empresa privada e, por fim o que se convencionou chamar de “economia de mercado”; (c) no campo político, o advento das Constituições escritas e das declarações de direitos, o fim do mandato imperativo que deu nova dimensão à representação política, com o surgimento do Estado de Direito e de uma nova forma de Estado, com o surgimento da República* e de nova forma de

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Governo*, com o início do Presidencialismo* e, por fim, a separação entre a Igreja e o Estado; e (d) na área social, o fim da sociedade estamental da Idade Média e o surgimento da sociedade de classes, as novas relações empregatí-cias entre patrões e empregados que tiveram como resultado a separação e o antagonismo das classes e o início das primeiras e tímidas medidas de inter-ferência do Estado na proteção social e no mercado. Esse era o quadro quando Marx começou a conceber sua contribuição à fi-losofia, e a falar de um “modo capitalista de produção” e de uma “sociedade burguesa”, mais do que em capitalismo, dando origem à dimensão contem-porânea desse conceito. Ele concebia o capitalismo apenas como uma for-ma específica de desenvolvimento econômico e tratava de captar seus traços essenciais, com o objetivo de analisar as leis de sua evolução e, dessa forma, identificar o que o distinguia dos outros modos de produção. Nisso residiu o arcabouço de sua filosofia, na medida em que foi o primeiro a estabelecer as relações que existiam entre as formas de produção econômica – a infra-es-trutura – e as formas de organização política, social e jurídica das sociedades – a superestrutura. O principal resultado de sua genial formulação foi a de concluir que, se havia diferentes modos de produção, notoriamente haveria um modo diferente do modo capitalista de produzir, além dos que tinham sido característicos da antigüidade, da Idade Média e da Idade Moderna, a que a Revolução Francesa e a Revolução Industrial deram fim, criando o que poderíamos chamar de modelo capitalista que gerou o antagonismo entre as classes e, conseqüentemente, a luta de classes. Foi raciocinando com esses ele-mentos que Marx previu que o impulso incansável de apropriação do capital pela burguesia dominante produziria crises cada vez mais agudas. A supera-ção dessas crises, segundo ele, exigiria revolucionar constantemente as técni-cas de produção e concentrar e centralizar o capital e a criação de um grande exército de reserva de mão-de-obra que seria o excedente da população. Ao se atingir a mecanização total do processo produtivo iniciado com a Revolução Industrial, o capitalismo estaria diante de obstáculos que não poderia supe-rar e seriam esses obstáculos que indicavam ser o capitalismo um modo de produção que, no momento adequado seria substituído por outro modo – o Socialismo*. Como se vê, o que era originariamente um conceito econômico adquiriu uma nova dimensão e uma nova abrangência com notórias implica-ções filosóficas, sociais e políticas que hoje não se pode ignorar. A maior contribuição à crítica da concepção marxista do capitalismo veio de seu conterrâneo e sistematizador da sociologia, Max Weber, para quem o capitalismo era um aspecto universal de todos os sistemas sociais e eco-nômicos. A diferença entre ambos é que, enquanto Marx encarava a infra-estrutura gerada pelas relações de produção estabelecidas pelo capitalismo como fator essencial que influenciaria a conformação social de cada período

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assim como o modelo político e a superestrutura jurídica delas decorrentes, Weber via a economia como um subproduto dos sistemas sociais prepon-derantes em cada período. Em sua discutida obra A ética protestante e o es-pírito do capitalismo, torna-se clara a visão que ele ampliou na monumental criação Economia e Sociedade. Para ele, o aumento da riqueza que fluía do capitalismo era inseparável das instituições que fomentavam a racionalida-de técnica dos meios de produção, aí compreendida a divisão do trabalho e a propriedade privada dos meios de produção. Daí ter concluído ser im-possível que uma economia socialista conservasse a riqueza criada pelo ca-pitalismo e, ao mesmo tempo, pudesse abolir as instituições que a criaram. A conclusão fatal é que ambas as concepções, a de Marx e a de Weber tor-naram-se marcos decisivos até hoje ainda não superados, para se entender e explicar, tanto a evolução histórica da organização social ao longo do tempo, quanto a mecânica da existência e da sobrevivência do capitalismo, como forma de organização econômica e suas implicações sociais.

CarismaNa língua grega, de onde nos chegou, através do latim, carisma significava, segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa do prof. Antenor Nascentes, “ato de amabilidade, favor, graça”. No léxico bíblico os “caris-mas” são considerados “dons gratuitos e sobrenaturais que aperfeiçoam o conhecimento, a palavra, o servir e a habilidade administrativa dados por Deus a determinado homem, não para vantagem própria, mas para o bem espiritual da Igreja”. Sua adoção na linguagem da política se deve a Max Weber que, tratando das categorias sociológicas das formas de dominação, em sua obra magistral Economia e Sociedade, as dividiu em três tipos puros de dominação legítimas: “(a) de caráter racional, que se apóia na crença na legalidade das ordenações estatuídas e dos direitos de mando dos que são chamados por essas mesmas ordenações a exercer a autoridade – a auto-ridade legal; (b) de caráter tradicional, que se assenta na crença quotidiana na santidade das tradições que vigoram desde os tempos imemoriais e na legitimidade dos assinalados por essa tradição, para exercer a autoridade – a autoridade tradicional; e (c) de caráter carismático que se fundamenta na entrega extra quotidiana à santidade, ao heroísmo ou exemplaridade de uma pessoa e aos ordenamentos por ela criadas ou “reveladas” – a au-toridade carismática. O termo, contudo, passou da Sociologia à Política, quando se tornou necessário caracterizar o comportamento personalis-ta dos atores políticos que se valem de recursos que não são usuais no processo de disputa pelo poder. Atualmente, o caráter carismático das lideranças políticas se apóia no individualismo, no personalismo e no vo-luntarismo e, sobretudo, na irracionalidade da dedicação dos seguidores

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por seus líderes que eles crêem dotados de faculdades superiores, quando não de poderes excepcionais. Por isso, os que se julgam dotados dessas qualidades e poderes constituem sempre um risco tanto para o Estado de Direito, quanto para as instituições do país, quando estas não são suficien-temente fortes e estáveis, para conter o excesso dos que se julgam únicos na história, quando não ungidos por Deus de condições para a salvação da Humanidade. O carisma, é bom que se esclareça, não é uma caracterís-tica do subdesenvolvimento, mas sim um comportamento decorrente da fragilidade das instituições políticas que não dispõem de recursos legais e legítimos para evitar essa forma de protagonismo tão caracteristicamente antidemocrático e símbolo da ignorância e da incultura.

CastaO termo “casta” designa, segundo a definição de inúmeros dicionários, um “grupo social fechado que se reproduz de forma endógama (endogamia é o casamento entre pessoas do mesmo grupo) e cujos membros levam vida so-cial diversa e, enquanto possível, do resto da sociedade” Dicionário de Política de Norberto Bobbio, ou “grupo fechado cujos membros estão solidariamen-te unidos por laços sociais, religiosos, econômicos, profissionais, parentais e corporificados num mesmo modo de ser e viver, cujo exclusivismo, de forte índole etnocêntrica, se apóia até mesmo em casamentos endogâmicos” Di-cionário de Política de José Pedro Galvão de Souza. O sistema de casta foi primeiramente previsto no Livro da lei de Manu, na Índia, entre os anos 200 antes e depois de Cristo e tinha caráter funcional. Os quatro maiores grupos de castas varnas eram caracterizados de acordo com as funções sociais que desempenhavam. Os Brahmins eram os educadores, kshatryas os produtores e guerreiros, vaishyas os mercadores e shudras os servos e pedintes. As castas eram por sua vez divididas em sub castas jatis que tinham até maior impor-tância na vida quotidiana das pessoas do que propriamente as castas. Essa caracterização social desempenhou um importante papel no sistema político indiano, sobretudo em virtude da discriminação adotada no regime pós-colo-nial. 22,5% de todos os empregos públicos, das vagas no sistema educacional e dos cargos eletivos estavam reservados para as castas mais baixas, logo cha-mada de castas “capitulares” porque foi o capítulo 9o da Constituição indiana que estabeleceu esse critério. Uma tentativa feita em 1990 para aumentar essa quota para 49,5% de acordo com as recomendações da Comissão Mandal, de 1971, provocou tão generalizados protestos que contribuiu decisivamente para a queda do Gabinete do Primeiro-ministro V. P. Singh. No Brasil, o termo é utilizado em sentido figurado para indicar uma classe, categoria ou grupo que goza de excessivos privilégios políticos, econômicos, sociais ou de qualquer outra natureza.

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CaudilhismoA palavra “caudillo” é do idioma espanhol e deriva do latim capitulum que significa “o que, como cabeça, guia e comanda os que vão à guerra”. Sua origem reside na denominação dada aos chefes dos bandos armados que lutavam contra a dominação muçulmana na Peníncula Ibérica, durante a Idade Média. No séc. XIX, o termo derivado “caudilhismo” passou a designar, na maioria dos países da América Espanhola, o regime que, no período entre a Independência das antigas colônias, entre 1820 e meados do século, se estabeleceu em inúmeros desses novos países. Suas práticas eram caracterizadas pela partilha do poder entre os líderes que, desmo-bilizados depois das guerras de Independência voltaram à vida civil, mas mantiveram em torno de si os seguidores que tinham engajado para a luta, e o poder central. Como assinala Mabel Olivieri, autora desse verbete no Dicionário de Política de Norberto Bobbio, “esse poder carismático, exercido ao mesmo tempo de forma autoritária e paternalista, e retribuído com a adesão incondicional dos seus homens (e respectivas mulheres), não pos-suía uma linha política definida e carecia, como se diria hoje, de conteúdo ideológico”. Durante a guerra civil espanhola, entre 1936 e 1939, o gene-ralíssimo Franco adotou esse título – Caudillo de España por la gracia de Dios – que manteve depois de sua investidura como chefe do Estado, até sua morte em 1975. Ele correspondia ao título similar de Führer (líder), adotado por Hitler durante o período nazista na Alemanha e o de Duce (o que comanda, conduz), com o qual se auto-intitulou Mussolini durante o regime fascista da Itália. No Brasil, o termo designa o governo sem compromissos ideológicos ou doutrinários, cujos métodos de atuação se assemelham ao caciquismo.

“Chauvinismo”A palavra deriva do sobrenome de Nicolas Chauvin, soldado francês que lutou nas guerras napoleônicas no séc. XIX, e era extremamente dedicado ao Imperador Napoleão Bonaparte, tendo se tornado símbolo, e exemplo do termo que veio a ser adotado no vocabulário político como sinônimo de exaltado sentimento patriótico nacionalista, inclusive de natureza mili-tar. A palavra, embora francesa, é utilizada em vários países em sua forma original, com exceção da Inglaterra, onde o termo equivalente é “jingo-ísmo”, derivado de uma canção de 1878 que se tornou muito popular no teatro musicado e que, tendo sido adotada pelos partidários da guerra com a Rússia e que se referia a Jingo, uma deusa chinesa, foi aproveitada pelo líder socialista G. J. Holyoke para rotular os belicistas da época. O agressivo patriotismo de natureza militar é, por isso, designado em inglês de jingoism e não chauvinismo.

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CidadaniaA cidadania se distingue da nacionalidade. Segundo os juristas, cidadania é a expressão que “identifica a qualidade da pessoa que, estando na posse da plena capacidade civil, também se encontra investida do uso e gozo de seus direitos políticos que indicam, portanto, o gozo dessa cidadania”. Assim, a cidadania brasileira é uma qualidade de que desfrutam os brasileiros no gozo de seus direitos políticos, sendo reconhecida tanto aos filhos de brasi-leiros nascidos no Brasil ou no exterior, atendidos certos requisitos, quanto aos estrangeiros aqui residentes que optam pela nacionalidade brasileira, chamados por isso de naturalizados.

Ciência PolíticaNo verbete “Política, fins”, é possível ler que a Política é a “solução pacífica dos conflitos”, pela negociação, pela discussão, pelo entendimento e pela busca do consenso. Logo, a Política é encarada aí como uma atividade. Mas também nos referimos aos recursos, meios, processos, fins e ao estudo de suas instituições e sistemas, o que não é propriamente uma atividade polí-tica, mas uma atividade científica. Os recursos que não são típicos da ati-vidade política, mas sim utilizados para distinguir e explicar os fenômenos que ocorrem no âmbito da política como atividade, chamamos de Ciência Política. Tal como todas as demais Ciências sociais, ela se vale da análise política, para explicar o conjunto de instituições, processos, normas e regras que regem a Política como atividade. Utiliza assim, leis tendenciais, teorias, hipóteses e teses, para explicar os mecanismos de funcionamento da ativi-dade política. A esse conjunto se dá o nome de Ciência Política.

ClasseO termo classe deriva do latim classis, e tem sua origem na decisão do pe-núltimo rei de Roma, Sérvio Túlio. Até seu reinado, na organização política imposta pelos etruscos às aldeias do Septimontiu (as sete colinas que constituí-ram as aldeias que formavam a cidade de Roma) somente os patrícios tinham direitos. A população era complementada pela plebis (a plebe) composta dos que não eram “patrícios” nem “clientes” e, como tal, podiam habitar o seu solo mas, política e juridicamente eram considerados estrangeiros. A situação legal dos plebeus resultava de sua condição. Excluídos da cidadania, estavam tam-bém livres das obrigações impostas aos patrícios: o pagamento dos impostos e a prestação do serviço militar. Sérvio Túlio mandou fazer o recenseamento de toda a cidade, sem distinção entre patrícios e plebeus, tomando por base apenas a riqueza e englobou a todos em uma nova categoria – a classis. Essa nova classificação acabou com a distinção entre patrícios e plebeus e deu à maioria dos habitantes da cidade a condição de cidadãos. A reforma, como

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se vê, não tinha objetivos eleitorais, como chegaram a registrar alguns histo-riadores, mas sim fins mais limitados: recrutar soldados e contribuintes. Os que não se enquadravam nessa nova classificação eram considerados infra classem – os sem classe ou, mais precisamente abaixo da classe. Desde o início, portanto, a noção de classe foi decorrente do critério que separava alguns membros da sociedade dos demais, não por qualquer condição natural, mas por diferenças adquiridas entre eles, como a riqueza ou a titularidade de di-reitos de que os demais não desfrutavam. Daí a palavra classe e sua derivada classificação que, etimologicamente, significa separar por classes. A iniciativa de Sérvio Túlio prosperou e, já no séc. III a.C., os comícios que decidiam os destinos da República já adotada como forma de governo, eram constituídos não mais de uma ou duas, mas de cinco classes de cidadãos, separados pela quantidade de terras que possuíam, medidas em jeiras (uma jeira equivalia a 25 acres, ou 2.500 m2), ou pelo valor de seus bens, calculados em asses (a mo-eda então corrente). Para os fins militares, cada centúria (que não significava necessariamente cem homens, como faz supor a origem etimológica dessa palavra), era dividida em juniores (os mais jovens, com idade entre 17 e 46 anos, obrigados a prestar serviço militar no exterior)e seniores (os mais velhos, com mais de 46, empregados apenas na defesa da cidade), até o limite de 66 anos, quando ficavam livres do serviço militar. Essa complexa organização social desapareceu com a queda e fragmentação do Império Romano no séc. V d.C., quando teve início a alta Idade Média. Durante o período conhecido como época feudal ou feudalismo, a organi-zação política e social da Europa ocidental se baseou no feudo, a proprie-dade pertencente a um proprietário, o “suzerano”, em torno da qual viviam os seus “vassalos”, a eles vinculados por laços de submissão e dependência. Desaparecida a sociedade de classes criada pelos romanos, e dividida a Eu-ropa ocidental, numa infinidade de feudos, estabeleceu-se uma nova forma de organização econômica e social da sociedade, progressivamente adap-tada às novas condições históricas do Continente. Em vez de dividida em classes, essa sociedade passou a ser separada por seus diferentes estamentos. Estamento é palavra de origem espanhola e significa “estrato de uma so-ciedade definido por um comum estilo de vida ou análoga função social”. Na Coroa de Aragão, ensina o Dicionario de la Lengua Española, estamento era cada um dos grupos ou “estados” que concorriam às Cortes: o eclesiás-tico, o da nobreza e dos cavaleiros, e o das universidades ou municípios. Os habitantes de cada feudo, em função de seu tamanho e importância, eram classificados segundo sua condição e sua posição social. Os vassalos deviam lealdade a seu senhor que lhe dava abrigo e proteção em caso de guerras, e concorriam para o seu sustento através de um complicado sistema de tributos e taxas. Eles constituíam a maioria dos que habitavam os feudos,

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chamados de “servos da gleba”, para cuja sobrevivência também concorriam mercadores, artesãos e comerciantes, habitantes dos “burgos”, as cidades que não estavam sujeitos aos barões titulares dos feudos. A distinção entre a sociedade de classes e a sociedade estamental, portanto, residia no critério que as diferenciava: o critério econômico, no primeiro caso e o social, no segundo. Essa situação sobreviveu à transição entre a Idade Média e a Idade Moderna, a partir de meados do séc. XV e o início do séc. XVI, quando se deu a unificação dos grandes feudos e a criação dos Estados nacionais, dotados de exércitos permanentes e colocados sob a autoridade de um monarca absoluto. Datam daí os pródromos da representação política, cujo marco mais significativo é a Magna Carta de João Sem Terra, sobera-no inglês, subscrita em 1315, na qual está escrito o preceito essencial de que “sem representação não há taxação” (“No Taxation without Representation”). Esse sistema embrionário de representação sobrevivia nos diferentes reinos e nas Cortes, ou Consilia Regis (Conselhos Reais) e o melhor exemplo é o da França, denominado Estados Gerais e onde tinham assento os representantes dos três estados: nobreza, clero e povo, que constituía o 3o Estado. A convo-cação desses Estados Gerais por Luiz XVI, foi o estopim que fez explodir a organização social da Idade Moderna (que passou a ser conhecida na França como “Ancien régime – Antigo regime) e, ao mesmo tempo eclodir a Idade Contemporânea, com a Revolução Francesa de 1789. Essa foi a revolução que restaurou a sociedade de classes do sepultado Im-pério Romano, graças à emergência, à preponderância e à hegemonia de uma nova classe, a Burguesia* e o antagonismo com outra classe de gran-de protagonismo nos séculos XIX e XX, o Proletariado*. Tal como em sua origem romana, a nova sociedade de classes que emergiu da Revolução Francesa iria se caracterizar, ao mesmo tempo, por sua condição econômica, como em Roma, e por sua condição social, como na Idade Média. “Desde os anos 60 do séc. XX”, registra Le Dictionnaire des Sciences Humaines (O Dicionário das Ciências Humanas, organizado sob a direção de Jean-Fran-çois), “a hipótese do fim das classes sociais é afirmado ao mesmo tempo em que se desenvolve uma sociedade de consumo e, em seu seio, uma importante classe média”. “Desde 1959, nos Estados Unidos, esclarece o autor, Robert Nisbet em The Decline and Fall of Social Class, (O Declínio e a queda da Clas-se Social), publicado na Pacific Sociological Review, (Revista de Sociologia do Pacífico), revela vários fenômenos que apóiam essa hipótese:– no plano econômico, o desenvolvimento do setor de serviços não entrava mais no esquema clássico das classes sociais;– no plano político, a difusão do poder na sociedade pôs fim às hierarquias piramidais entre grupos;– no plano social, verificou-se uma certa harmonização do consumo e dos níveis de vida que, embaralhou as clivagens* habituais.

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Na mesma época, inúmeros sociólogos constatavam uma ruptura e depois um declínio da classe trabalhadora, com um movimento sindical que perdia seu peso político. Na França, Henri Mendras sustentou, nos anos 80, a tese da “pulverização das classes” e, em seguida uma “medianização” (neologis-mo do autor, referindo-se a transformação de todas, numa só classe média). Assim, depois do declínio irrevogável dos que cultivavam a terra, o mundo operário parecia ter perdido também suas características próprias, em face da pujança da classe média. De maneira geral, nos anos 80 as pesquisas de opinião confirmavam que o sentimento de pertencer a uma determinada classe “estava em claro declínio”. Esta é uma tese ainda em discussão que encontra apoio nos que preferem falar atualmente numa “sociedade de con-sumo” ou numa “sociedade de massas” que seriam típicas da era da informa-ção, depois do advento da informática que teria implodido as barreiras entre as classes e o isolamento entre elas.

Classe, consciência deHistoricamente, classe é uma realidade que surgiu na Antigüidade, especi-ficamente em Roma, como vimos no verbete anterior. Falar em classe como um conceito para explicar a complexidade da organização social, porém, só tem sentido depois da Revolução Francesa de 1789, quando o protagonis-mo de uma classe que atingiu o poder e estruturou uma nova organização social, política e econômica, foi capaz de destruir a velha ordem da socieda-de estamental da Idade Média. Quem o utilizou com este sentido pela pri-meira vez, foram Karl Marx e Friedrich Engels, que usaram esse conceito para explicar como o surgimento de duas classes com interesses opostos (a burguesia e o proletariado) gerou o antagonismo entre elas e do antago-nismo surgiu o conflito. Para os dois filósofos, as classes são o resultado e a expressão do modo de produção. E foram as diferentes formas de produção que estabeleceram as relações entre elas, e a posição que elas assumem nesse processo. Com a Revolução Francesa, a burguesia se tornou proprietária dos meios de produção, da mesma forma que o proletariado, que tinha como meio de subsistência a venda de sua força de trabalho, seu único patrimônio, se tornou o fornecedor do recurso sem que o capital não tinha meios de se reproduzir e de dar início ao processo de sua acumulação. Foi a consciência de sua força que deu à burguesia os instrumentos para se apoderar do poder político e de estruturar as novas relações que surgiram entre o capital e o trabalho. A presença de vários modos de produção numa mesma sociedade, foi chamada por Marx de formação social. Como as classes, como expres-são do modo de produzir de cada período, são definidas pelas relações que delas decorrem, a diferença de posições e interesses que se verifica entre as diversas classes e as diferentes categorias que as compõem, não implica

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necessariamente no antagonismo que existe entre elas. Esse sentimento só existe e só se revela quando elas são capazes de compreender o processo que se antepõem os seus interesses, tornando possível entender que os recursos que faltam aos operários são apropriados pelos que se beneficiam da mais valia*. A esse entendimento, ele chamou de consciência de classe, ou seja, a compreensão dessas relações e dos efeitos que dela decorrem. Foi com base na tomada de consciência desse mecanismo que os dois pensadores foram capazes de estabelecer uma teoria das relações de produção do capitalismo e do papel histórico que deveria agravar esse conflito no sistema capitalista de produção. No vocabulário de Hegel, em que se apóia, Marx distingue a classe em si da classe por si. A primeira define um conjunto de indivíduos que têm em comum as mesmas condições de trabalho e a mesma situação so-cial. A classe por si é aquela que tendo tomado consciência de seus interesses comuns se organiza em um movimento social, através dos sindicatos e dos partidos, forjando assim uma identidade comum.Marx e Engels, porém, não foram os únicos a adotar essa explicação. Coube a Max Weber estabelecer uma análise não sob o ponto de vista político, mas sob a ótica da sociologia que amplia e em grande parte se opõe à concep-ção marxista. Para ele, toda classe é constituída por aqueles que possuem a mesma situação em relação ao mercado. E o que distingue a situação dos proprietários dos meios de produção é que desfrutam de algo que os demais não dispõem, o poder. Ao se apropriar dos meios de produção, a burgue-sia conquistou também o que os proletários, obrigados a vender sua força de trabalho, não possuem e não podem alcançar enquanto se mantiverem nessa posição subalterna, o poder. Nestas condições, o poder só pode ser alcançado, quando a classe, pela consciência que adquire de sua posição, de seus interesses é capaz de agir como comunidade*. Em outras palavras, a ação comum de uma classe, em seu próprio benefício, é o que diferencia a classe social da comunidade capaz de agir em seu próprio proveito.

Classe média As contribuições de Karl Marx e de Max Weber foram essenciais para despertar o interesse da ciência política, da sociologia, da economia e das ciências sociais, para a importância do conceito de classe com o fim de explicar a organização social de cada período e de cada país. Foi a partir dos estudos e contribuições de ambos, que se fixou o entendimento de que as classes poderiam ser divididas em classes de proprietários, clas-ses de produção e classes sociais propriamente ditas. Na realidade, essa compreensão desenvolveu de forma cada vez mais acentuada os estudos sobre as classes sociais. Nos Estados Unidos, essa vertente de análise deve muito aos trabalhos do sociólogo William L. Warner. A partir de uma pesquisa realizada na pequena cidade americana de Newbury Port,

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ele propôs uma descrição da sociedade americana em três categorias, por sua vez subdividas em outras três que ele denominou:(1) upper upper class (a alta classe superior); (2) lower upper class (a classe superior) (3) upper middle class (a alta classe média); (4) lower middle class (a classe média), (5) upper lower class (a alta classe baixa) e (6) lower lower class (a classe baixa). O sociólogo alemão Ralf Dahrendorf, por sua vez, deu em seu livro Classes e conflitos nas sociedades industriais, publicado em 1959, uma nova contribuição ao ampliar a noção de classe, criando a expressão grupos de interesse*. Segundo ele, a estrutura social pode ser vista sob o ângulo de uma enorme diversidade de grupos e subgrupos que acreditam ter os mesmos interesses comuns e segundo lhes permitam as circunstâncias. Dessa forma, os trabalhadores algumas vezes formam um bloco homogêneo e outras vezes se subdividem em grupos de interesses distintos (os caminhoneiros e os ferroviários), da mesma forma como em algumas ocasiões podem se unir a outros assalariados (empregados e fun-cionários) para formar grupos de interesses mais amplos. O conceito de classes, de onde deriva a denominação de classe média, não foi útil só à sociologia, à ciência política e à economia, mas também à publi-cidade, ao marketing, à análise econômica, ao planejamento, à formulação de políticas públicas e a uma série de outras especialidades e atividades. Para essas diferentes formas de análise, os institutos de pesquisa econômica e social adotaram o mesmo critério que originou o conceito de classes em sua origem, o critério econômico, como capaz de caracterizar grupos espe-cíficos, entre os quais o que se convencionou chamar de “classe média”. No Brasil, a maioria dos institutos de pesquisa segue o critério de classificação da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas (ABEP), denominado Critério de Classificação Econômica do Brasil (CCEB). O mercado é di-vidido em sete classes, A1, A2, B1, B2, C1, C2 e D, com base numa pon-tuação determinada por indicadores como a posse de bens duráveis (TV, rádio, automóvel, aspirador de pó, máquina de lavar, videocassete ou DVD, geladeira e freezer); as condições de moradia, (número de banheiros das residências, número de empregadas domésticas e quantas atendem a casa e também a escolaridade do chefe de família). A Fundação Getúlio Vargas, por sua vez, criou um indicador do poder de compra que calcula o potencial de consumo das diferentes classes sociais, com base na renda declarada e na quantidade de bens possuídos. São considerados do número de automóveis às ligações interurbanas feitas. Nessa classificação, entram nove classes, duas a mais que a da ABEP. São elas a AO, no início da lista e a E, no fim dela. Isto permite conhecer o perfil da renda da população e quantificar inclusive o número de pobres e indigentes. Dá também a idéia da mobilidade econô-mica, como mostra o quadro seguinte, publicado na edição da Folha de São Paulo de 12 de novembro de 2004, referente a um estudo de autoria

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benefícios tangíveis. Os patrões controlam as organizações políticas e se valem de recursos públicos como emprego, pensões, matrículas para os filhos, internação

Clientelismo Essa palavra é de origem latina e deriva do substantivo “cliente” que, no Império Romano, indicava os adventícios e servidores dos patrícios, em geral antigos es-cravos, que deles recebiam proteção e tinham obrigações específicas decorrentes dos vínculos de lealdade que os ligavam a seus protetores, o pater familias (pai de família), como defendê-los, sempre que indispensável, testemunhar a seu favor nas causas judiciais e até mesmo fazer-lhes empréstimos, sempre que necessário e possível. Denomina-se “clientela”, por isso, o termo empregado para descrever as relações informais de poder e de subordinação que ocupam posições desiguais, baseadas no intercâmbio de favores. Elas foram típicas nas pequenas sociedades e nas sociedades primitivas. Nas sociedades mais complexas, as redes de cliente-la permitem que se desenvolvam relações multilaterais mais complexas. O uso desse recurso como prática na política passou a se designar clientelismo. A antiga clientela é de caráter pessoal e afetiva. A clientela política, por sua vez, pressupõe

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nas instituições públicas para os enfermos e concessão de pequenos privilégios, favores e benefícios, enquanto os clientes, que tanto podem ser indivíduos, como organizações de toda natureza, lhes retribuem com o voto. O clientelismo se baseia em relações que são ao mesmo tempo voluntárias e coativas e não estão baseadas na solidariedade, mas sim em determinados interesses. O clientelismo, portanto, pode ser caracterizado como um método de governo mediante consenso, conseguido de um lado, na troca de favores por votos e de outro, de voto por favores. “As clientelas tradicionais, segundo registra a Blackwell Enciclopædia of Political Institutions (Enciclopédia Blackwell de Instituições Políticas), continuam existindo no Terceiro Mundo. Os patrões têm nomes tais como caciques no México, coronéis, no Brasil, agas na Turquia e zaims, no Oriente Médio”. Mas, segundo a mesma fonte, essas relações também podem ser encontradas em países como os Estados Unidos, nas áre-as e zonas de densa imigração com graves problemas de desemprego, em relação aos diferentes grupos étnicos, no sul da Itália, nas áreas de influência do antigo Partido Democrata Cristão e no oeste da França, em relação ao partido Gaulista. O Dicionário de Política de José Pedro Galvão de Souza, Clovis Lema Garcia e José Fraga Teixeira de Carvalho assinala que “a polí-tica de clientela tem um capítulo expressivo na lauta distribuição de verbas através do Orçamento Geral da União, destinadas a fins clientelísticos aos redutos eleitorais dos parlamentares, mediante emendas à lei orçamentária. Ao longo de sua trajetória histórica, essa política veio a incrementar-se de maneira mais ampla e intensa, desde que implantaram as instituições políticas baseadas no individualismo e no partidarismo, vale dizer, no abstracionismo político”. As necessidades de financiamento eleitoral clientelista têm sido, no Brasil, responsáveis por sucessivos escândalos de caixa dois e outras formas de financiamento espúrio das campanhas eleitorais, como as que foram objeto de recente apuração pelas CPIs do Congresso.

ClivagemNa linguagem corrente, clivagem é “a propriedade que têm certos cristais de se fragmentar segundo determinados planos, que sempre são faces possíveis do cristal” Aurélio. Trata-se, como se vê, de um termo muito utilizado em geologia, que a ciência política adotou para significar a divisão que ocorre no plano político, em especial nos Parlamentos, entre os diversos ângulos em que ocorrem os confrontos ou divisões políticas, indicando os dois ou mais planos de confrontação, como, por exemplo, governo/oposição, maio-ria/minoria, direita/esquerda, norte/sul, e assim por diante.

CoalizãoO Concise Oxford Dictionary of Politics (Dicionário Conciso Oxford de Po-lítica) define o termo coalizão como “uma combinação de participantes

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separados de um jogo, (como os partidos políticos), para vencer um jogo que implique em votação”. Uma coalizão de partidos, por sua vez, é um conjunto de partidos que perseguem um objetivo comum. E governo de coalizão é o que se forma, em especial nos regimes parlamentaristas, com a aliança de vários partidos, para formar governo quando nenhum dos par-tidos possui a maioria exigida para isso. Há uma distinção entre governos formados pela coalizão de partidos representados no Parlamento, chamada de coalizão parlamentar, e a formada por vários partidos que concorrem sob uma só legenda, para vencer as exigências mínimas para que um partido tinha direito à representação parlamentar. Neste caso, denomina-se coa-lizão eleitoral. Essas exigências são chamadas de “cláusula de barreira” ou “cláusula de desempenho”, recurso utilizado em inúmeras democracias, em especial nas que adotam o sistema eleitoral proporcional, para evitar a proli-feração partidária, ou seja, a multiplicação excessiva do número de partidos, uma tendência registrada pela primeira vez por Maurice Duverger, em seu livro Les Partis Politiques (Os Partidos Políticos), que ficou conhecida como uma das “leis de Duverger”. O recurso da coalizão eleitoral também é em-pregado nos sistemas presidencialistas de governo, para permitir a gover-nabilidade dos que não dispõem de maioria no Parlamento. É o chamado “presidencialismo de coalizão”. No Brasil, empregam-se termos diferentes para distinguir as duas formas de coalizão: as alianças bipartidária ou pluri-partidária destinada a formar governo chama-se também de coalizão, como nos demais países, e a aliança eleitoral, constituída para a disputa sob uma legenda ou frente partidária chama-se coligação. Nos sistemas bipartidários, que hoje não existem senão em dois países, Es-tados Unidos e a República de Malta, como registramos no verbete biparti-darismo* e também nos chamados bipartidários imperfeitos, como é o caso dos que seguem o modelo britânico, como Austrália, Nova Zelândia, Cana-dá e a própria Grã-Bretanha, os governos de coalizão são raros em tempos de paz. Na Inglaterra, por exemplo, são casos conhecidos os do gabinete dirigido pelo liberal David Lloyd George, na Primeira Guerra Mundial e o do Conservador Winston Churchill, na Segunda Guerra Mundial. Em grande parte dos sistemas pluripartidários, como a Bélgica e a Holanda, por exemplo, quase todos os governos são de coalizão.

“Colarinho branco”O termo é a tradução literal da expressão em inglês White Collar, título do livro do sociólogo americano Charles Stuart Mill, (1916 – 1962) que, juntamente com Hans H. Gert aplicou e popularizou nos Estados Unidos, as teorias de Max Weber e as de Karl Maennheim, relativas à sociologia do conhecimento, ao pensamento político e à conduta dos intelectuais. Ele graduou-se na Universidade do Texas em 1939 e obteve seu doutorado

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na Universidade de Columbia, onde promoveu a idéia de que os cientis-tas sociais não deveriam ser meros observadores engajados na pesquisa e na teoria, mas assumir também suas responsabilidades sociais. Sua obra é dedicada a esclarecer a diferenciação estabelecida por Max Weber entre os vários impactos de classe, status e poder, para explicar a estratificação dos sistemas políticos e da política. As análises sobre os mais altos escalões da sociedade americana apareceram em seus livros Os Novos Homens do Poder, os Líderes Trabalhistas Americanos, publicado em 1948, Colarinho Branco, de 1951 e seu mais conhecido trabalho, A Elite do Poder, de 1956. O termo “colarinho branco” adquiriu sentido próprio no que se relaciona à elite e se difundiu no Brasil para caracterizar os crimes cometidos não pelos de-linqüentes comuns, mas pelos autores dos crimes financeiros, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e delitos administrativos de grande repercussão, pertencentes às classes de mais alto poder aquisitivo.

ColigaçãoTermo aplicado no Brasil às coalizões eleitorais, ora permitidas, ora repri-midas pela cambiante legislação eleitoral do país. Nos demais países, essa mesma forma de aliança política entre os partidos tem a mesma designação de coalizão*, distinguindo-se apenas quando se trata de alianças para viabi-lizar os governos minoritários no Parlamento, casos em que são chamadas de “coalizões parlamentares”, e quando se referem a alianças para que dois ou mais partidos disputem as eleições sob uma só legenda, hipótese em que são chamadas de “coalizões eleitorais”.

ColonialismoDenomina-se colonialismo a política e a prática de um poder mais forte que estende seu controle territorial sobre uma nação ou um povo mais fraco. Ori-ginalmente, o termo latino colônia simplesmente designava um outro país que não a sede do Império Romano. Mas já na época clássica adquiriu o sentido de um Estado deliberadamente estabelecido entre estrangeiros, como ocorreu com a ocupação de Roma, no norte da África, em Cartago, na maior parte da Europa Ocidental e na própria Inglaterra, tal como ocorrera com a Grécia. Esta espécie de colonização foi comum durante a época clássica, no Medi-terrâneo e na Europa medieval. Na Inglaterra da Idade Média e do período denominado historicamente de era moderna, até o início e o fim do séc. XV, significou a dominação que os ingleses estabeleceram tanto no país de Gales quanto na Irlanda, sob o pretexto de se defender do que entendiam ser os ga-leses ou irlandeses hostis, uma reminiscência que permaneceu até nossos dias, quando a presença inglesa na Irlanda Norte passou a ser denominada de “as-sentamentos coloniais protestantes, implantados entre os nativos católicos”.

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Tratava-se, como se vê, de um colonialismo interno. O termo se generalizou a partir dos descobrimentos portugueses no fim do séc. XV, quando o ciclo das navegações em busca de um caminho marítimo para as Índias levou o reino de Portugal a estabelecer colônias nas costas ocidentais da África que se es-tenderam mais tarde ao Continente americano, a partir do descobrimento do Brasil e se expandiram até o sudeste da Ásia, com os assentamentos coloniais de Goa, Damão e Diu e mais tarde no sul da China com o enclave de Ma-cau, só devolvido à China em 1999. Esse mesmo processo se verificou com os espanhóis depois das descobertas de Colombo, com os estabelecimentos coloniais da Espanha na América do Norte, no Caribe, na América Central e do Sul, estendendo-se até as Filipinas. O marco mais significativo do poder colonial foi o Tratado de Tordesilhas, firmado na cidade com esse mesmo nome na Espanha, através do qual as coroas espanhola e portuguesa, com o beneplácito do Papa espanhol Ale-xandre VI, acordaram dividir as colônias das áreas já descobertas e por des-cobrir, entre si, por um meridiano que cortava o continente americano e um anti-meridiano que cortava o hemisfério oriental, fato que teria levado o monarca francês Henrique II a indagar onde estava o testamento de Adão que autorizava as duas coroas a dividirem o mundo entre si. O primeiro grande processo de descolonização se deu com a independência das colô-nias espanholas e da portuguesa nas duas primeiras décadas do séc. XIX. A Inglaterra, que é uma potência mundial tardia participou, como a Holanda, desse movimento expansionista que teve início entre o fim do séc. XVII e o início do séc. XVIII, no primeiro caso e, no segundo, no início do séc. XVII, com suas tentativas frustradas de se estabelecer no Brasil, primeiro em Salvador e depois em Pernambuco, para depois se estender até o Caribe e a América do Norte, onde empresas coloniais dos Países Baixos fundaram a Nova Amsterdã, hoje Nova York, além de ter dominando, no Oriente, a Indonésia. O movimento de dominação colonial atingiu seu auge entre meados do séc. XIX e começou seu declínio em duas ocasiões distintas: o fim da primeira guerra mundial e depois da segunda guerra, estendendo-se até a década de 60. A Inglaterra foi o maior império colonial do mundo no séc. XIX, como tinham sido Portugal e Espanha no séc. XVI e a Holanda no séc. XVII, mas nações como a Alemanha, a Itália, a França e os Estados Unidos também participaram desse movimento de dominação de povos, países e enclaves fora de seus territórios. O colonialismo, mais que uma prática, tornou-se um sistema de dominação política, de colonização cultural e de exploração econômica que perdurou ao longo da história de forma deliberada e sistemática, durante a maior parte da Idade Moderna e da Era contemporânea, tornando as guerras de libertação cruentas, cruéis e sangrentas.

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ComunidadeA palavra deriva do latim communitate e, na linguagem corrente, segundo o Aurélio, exprime “qualidade ou estado do que é comum”. Neste sentido, refere-se a uma “comunidade de interesses”. Mas também tem o sentido de “concordância, conformidade”, quando adquire o sentido de “comuni-dade de sentimentos”. Nas ciências sociais, porém trata-se de um conceito diverso que teve origem na distinção estabelecida pelo sociólogo alemão Ferdinand Tönnies (1855 – 1936), quando, no fim do séc. XIX, estabeleceu a antítese que, em sua língua, opõe as palavras Gemeinschaft (Comunidade) e Gesellschaft (Sociedade) que constituem o título de seu livro: Gemeinschaft und Gesellschaft. Segundo ele, todas as iterações que se verificam no interior da sociedade e os grupos que nelas atuam são criações do pensamento e da vontade humanas. Assim, existem duas espécies de vontade: a vontade orgânica, que é homogênea compromete todo o ser e a vontade refletida, originária do pensamento abstrato que compromete o espírito humano na heterogeneidade. Cada um dos tipos de vontades explicam a existência de dois tipos básicos de grupos sociais. Um existe porque a simpatia entre os membros que o compõem lhes faz sentir que suas relações são um valor. O outro surge como meio reflexo para atingir um fim. Ao primeiro (relações valorativas) Tönnies chamou Comunidades. Ao segundo (relações finalísti-cas) ele chamou de Associações. A Sociedade, (Gesselschaft) evolui da Co-munidade para a Associação. A família, a vizinhança, o grupo de amigos, são exemplos de Comunidades. A Cidade e o Estado, de Associações. Na evolução das duas, espera-se que ambas venham a formar uma síntese entre Comunidade e Associação. A partir de seus estudos, o conceito de comunidade tornou-se, segundo assinala o sociólogo italiano Francesco Fistetti, em sua obra Comunitá, um conceito polissêmico (polissemia é, em lingüística, o fato de um mesmo termo adquirir vários significados). A tal ponto que alguns estudiosos como Teodor Geiger chegaram a sugerir sua exclusão da linguagem das ciências sociais, ou precisar, em cada caso, o sentido em que ele é empregado. A an-títese entre as duas palavras e os conceitos que representam, foi o que levou a passagem da comunidade tradicional, com suas formas de socialização, como a família, a vizinhança e a amizade, à sociedade contemporânea, base-ada nas estruturas de uma nova racionalidade representada por instituições como, por exemplo, as que convencionamos chamar de Mercado e Estado de Direito. Foi por causa dessa ambigüidade que o sociólogo americano Talcot Parsons se convenceu de que o conceito de Comunidade só poderia ser empregado na acepção de Comunidade local. Mas também foi ele mes-mo que, nos anos sessenta do século passado, mudou de idéia e reintroduziu essa nova categoria com a fórmula de Societal Community (Comunidade Social), que ele definiu como um “sistema normativo de ordens” composto

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de leis, direitos e obrigações que tornam explícito o status dos membros que pode variar para os subgrupos de uma mesma comunidade. Ao proceder a essa revisão terminológica, Parsons tinha em mente o valor do laço social que ele qualificava como “uma comum orientação cultural, amplamente (se não uniforme ou unanimemente) compartilhada por seus membros”, que é o fundamento da identidade social. Ele tinha começado a perceber que o fundamento da solidariedade das sociedades modernas e avançadas – como a religião, a origem étnica e a territorialidade somadas ao princípio da nacionalidade estava se desagre-gando, ante o impulso de um “pluralismo exasperado” que tornava cada vez mais vulneráveis essas mesmas sociedades, provocando “fraturas regiona-listas” que coincidiam com divisões étnicas e religiosas. Foi a observação de Parsons que nos permitiu compreender a características das sociedades pós-modernas, caracterizadas pela passagem do pluralismo dos interesses – e do pluralismo da fé religiosa – ao pluralismo das culturas. Além disso, nos leva a cogitar que a categoria de comunidade estabelecida a partir da dis-tinção feita por Tönnies, não pode ser válida num modelo científico com-pleto e terminado. O resultado é que a filosofia política e as ciências sociais contemporâneas terminaram não só reabilitando a noção de comunidade, como também passaram a considerá-la como um modelo de ordem social fundado no princípio da solidariedade espontânea que reencontramos em toda sociedade complexa em combinações variadas com o mercado, regido pelo princípio da competitividade e com o Estado, que obedece ao princípio do controle hierárquico. Nas palavras de Francisco Fistetti, “a dialética entre comunidade e sociedade é, por assim dizê-lo, uma prerrogativa estrutural da modernidade e da pós-modernidade que surge da própria multiplicidade dos vários círculos sociais a que o indivíduo pertence simultaneamente e nos quais se encontra “parcialmente deslocado”. Os estudiosos dessa com-plexa realidade chamam a atenção para as manifestações que se produzem em certos bairros e até mesmo as de rua, contra os fenômenos da pequena e da grande criminalidade, freqüentemente marcadas pela intolerância e a xenofobia. Os distúrbios que ocorreram na década de 80 nos Estados Unidos, como reação ao tratamento violento e preconceituoso que a polícia da Califórnia, como de resto ocorre também em outros Estados, tem dis-pensado aos negros, a reação dos franceses originários do norte da África e os imigrantes provindos dessa região, queimando automóveis nas ruas de inúmeras cidades francesas podem ser expressões dessa nova realidade em que as comunidades unidas por interesses, sentimentos e culturas comuns, se manifestam autonomamente, contra o Estado ou a Sociedade em que vivem, mas das quais não se sentem partes. A aplicação de tais observações ao Brasil, nos conduz, fatalmente, à fratura que ocorre no Rio de Janeiro, em relação ao tratamento que uma sucessão

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de governos locais dispensa aos moradores dos morros, e ao qual estes sem-pre respondem com protestos que se renovam, cada vez que são vítimas da violência policial e da inércia do Estado ante suas carências. O sociólo-go catalão Manuel Castells, por sua vez, criou a expressão Network Society (Sociedade de Rede) para se referir às sociedades virtuais que a Internet permite criar e que têm sido decisivas para as manifestações coletivas de caráter multinacional, sempre que ocorrem reuniões do FMI e do Banco Mundial ou do Grupo dos oito. Trata-se de um fenômeno novo cujos re-sultados e possibilidades não têm ainda chamado a atenção da comunidade científica, na avaliação de novas soluções para velhos problemas que podem estar despertando o sentimento comunitário de amplas camadas da popu-lação simultaneamente em vários países sem que nos tenhamos detido para examinar em que medida eles exprimem os sentimentos que opõem as Co-munidades às Sociedades e, até as Associações. Algo que pode refletir a rea-lidade das poliarquias* que parecem caracterizar as grandes democracias.

ComunismoÉ o termo usualmente empregado para descrever o processo de luta de classes e de conflito revolucionário dos quais resultariam a vitória do pro-letariado e o estabelecimento de uma sociedade socialista sem classes, na qual a propriedade privada seria abolida e os meios de produção e subsis-tência pertenceriam à comunidade. A noção de comunismo tem uma longa história que remonta às utopias imaginadas pelos filósofos, e passa pelas propostas por homens de ação como o francês François Noel Babeuf (1760 – 1797) que pregou e propôs essa idéia no Manifeste des égaux (Manifesto dos iguais), publicado no jornal Tribune du Peuple (Tribuna do Povo) através do qual liderava um movimento de jacobinos, revolucionários e terroristas durante a Revolução Francesa. Denunciado, foi guilhotinado em 1897. Por ter sido o primeiro a abandonar a teoria, defendendo a instituição revolu-cionária de uma sociedade comunista, Marx o consagrou como “o pai do primeiro partido comunista ativo”. Depois dele, o reformador e industrial inglês Robert Owen (1771 – 1858) também foi considerado comunista, por suas idéias expostas no livro A New View of Society (Uma nova visão da sociedade), publicado em 1813. Entretanto a palavra comunista apareceu na Inglaterra pela primeira vez em 1841 e o termo comunismo, em 1843. Hoje, essa palavra passou a significar tanto o fim da história previsto pelos pensadores marxistas, quanto a realidade da vida sob as condições impostas segundo as regras do Partido Comunista. Assim, embora seja possível ouvir ainda os que advogam ser viável a instalação de um regime comunista, a despeito da experiência dos países do leste europeu, os elementos utópicos que embalaram filósofos e reformadores foram largamente desacreditados pelo fracasso dessas experiências. O argumento marxista em favor do co-

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munismo persiste, na medida em que possui tanto os componentes norma-tivos quanto positivos que justificam sua teoria. Para Marx, a principal ca-racterística da vida humana é a alienação. O Comunismo torna-se possível, exatamente porque propicia a realização completa da liberdade humana, pela superação da alienação. Marx aqui segue Hegel, quando concebe a liberdade, não apenas como uma vida com ausência de constrangimentos, mas sobretudo como uma ação de conteúdo moral. Segundo sua concep-ção, o comunismo não só permite às pessoas fazerem o que desejam, mas também coloca os homens em tal posição e estabelece tais relações com seus semelhantes que eles não têm necessidade nem o desejo de agir incor-retamente ou praticar o mal. Como uma empresa normativa, no entanto, o comunismo apelou para inúmeros círculos da sociedade, desde os pobres aos intelectuais que têm consciência da virtude transcendental de seu trabalho. A contribuição de Marx à idéia do comunismo consistiu em acrescentar à utopia dos que o precederam, uma teoria positiva de como a sociedade legalmente organizada poderia caminhar em direção ao ideal comunista, ao lado de uma teoria política que explicaria como uma empresa humana seria indispensável, para alcançá-lo. Estes aspectos, particularmente os que foram desenvolvidos por Lênin, permitiram suprir tanto os recursos dogmáticos quanto os fundamentos políticos que impulsionaram a ação dos Partidos Comunistas no séc. XX. Em sua obra O Capital e em outros escritos científi-cos, Marx assegura ter descoberto as leis do desenvolvimento do sistema ca-pitalista. Segundo ele, todas as sociedades resolvem o problema da reprodu-ção humana, mas em cada estágio histórico o grau de desenvolvimento das forças produtivas estipula os padrões de sua organização. A combinação das forças produtivas e das relações humanas compreende as formas de produ-ção e cada uma dessas formas tem suas próprias leis distintivas, estipulando a maneira pela qual se consuma e a relação entre os elementos sociais que, historicamente, compreendem várias classes. O capitalismo é caracterizado pela produção de bens com valor de troca. O lucro, por sua vez, resulta da habilidade daqueles que controlam os meios de produção de tratar a força de trabalho como um produto semelhante a qualquer outro. Isto implica em estabelecer uma competição entre os capitalistas para extrair a maior quantidade possível de mais valia. Uma série de leis podem ser deduzidas dessas premissas: uma constante superprodução e fases de subconsumo le-vam necessariamente as crises econômicas periódicas nas quais o potencial produtivo do capital é desperdiçado; quanto maior a mecanização, menor a parte da mão-de-obra no processo produtivo; a tendência a longo pra-zo, portanto, é diminuir os lucros que dependem da utilização da maior quantidade de mão de obra. É neste ponto que os elementos normativos e positivos se encontram. A maciça capacidade de produção do sistema capi-talista que tem caracterizado a história da Humanidade impede a realização

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dos ideais de liberdade humana, na medida em que estimula a alienação, fazendo-a crescer e se generalizar. Ao oferecer uma explicação científica do processo produtivo, Marx e Engels acreditavam estar estimulando a possi-bilidade e inclusive a necessidade do comunismo, o que os distinguia dos postulantes do comunismo utópico que o precederam. Esta foi, sem dúvida, sua maior contribuição à história do ideal e das idéias comunistas a que ambos deram sua contribuição, quer através do conjunto de sua obra que se tornou conhecida como Marxismo*, como também para a materialização da filosofia e da doutrina de que resultou o Socialismo* nas várias etapas de sua evolução histórica.

ConfederaçãoA Confederação é, ao mesmo tempo, uma forma de governo, da mesma ma-neira como pode ser uma etapa para a formação de uma modalidade diferen-te de governo. As duas hipóteses aplicam-se ao caso dos Estados Unidos. Na primavera de 1774, o Parlamento inglês aprovou a lei que se tornou conhe-cida como Intolerable Act (Ato de Intolerância), determinando, entre outras medidas, o fechamento do porto de Boston. As colônias inglesas na América resolveram responder a esse ato através de um Comitê de Correspondência que se reuniu na Filadélfia em 5 de setembro de 1774, com a presença de 56 deputados, representando todas as colônias, com exceção da Geórgia. Para assegurar a unidade do grupo, decidiram que cada colônia representaria um voto, independente de seu tamanho. E resolveram recusar uma proposta de conciliação com as autoridades britânicas, ao mesmo tempo em que apro-varam uma declaração de direitos incluindo o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à representação política e ao julgamento pelo júri. A declara-ção também denunciou a inexistência do direito assegurado na Carta Magna britânica de 1215, de que “sem representação não há taxação” e, por fim a manutenção do Exército britânico nas colônias, sem o seu consentimento. Para completar, decretaram um boicote aos produtos britânicos e uma even-tual proibição de exportar produtos americanos, com exceção do arroz, para a Grã-Bretanha e as Índias Orientais Britânicas. Seu último ato consistiu em fixar a data de 10 de maio de 1775, para a reunião de um segundo Congresso, a fim de considerar novas medidas de retaliação. Antes que esse novo Con-gresso se reunisse na Pensilvânia, romperam-se as hostilidades entre as tropas britânicas e as americanas. O Congresso “adotou” as forças militares da Nova Inglaterra que tinham convergido para Boston e designou Washington co-mandante-em-chefe dessa tropa que passou a constituir o Exército america-no, em 15 de junho de 1775. Atuou também como governo provisório das 13 colônias, emitindo papel-moeda, instituindo um serviço postal e criando uma Armada. Em 2 de julho de 1776, com a abstenção de Nova York, resolveu “unanimemente” que “essas colônias unidas, são e têm o direito de assumir a

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condição de estados livres e independentes”. Dois dias depois, solenemente aprovou sua Declaração de Independência. O Congresso também redigiu os “Artigos da Confederação” que, depois de sancionada por todos os Estados, tornou-se a 1a Constituição dos Estados Unidos. Essa forma de governo con-federado durou até o ano de 1789 quando, o 1o Congresso, eleito nos termos da Constituição promulgada dois anos antes, tomou posse. A nova forma de governo deixou de ser a Confederação original dos 13 Estados e passou a ser a Federação que até hoje é a forma de governo daquele país. Alguns especia-listas, contudo, defendem que, até a aprovação da 14a emenda, que entrou em vigor em 28 de julho de 1868, embora a Constituição em vigor declarasse a Federação como forma de governo, o governo apresentava todos os aspectos de um governo confederado. A Confederação foi também a forma de gover-no utilizada pelos Estados do Sul que se rebelaram na Guerra de Secessão, por não aceitar a 13a emenda, em vigor no dia 13 de dezembro de 1865, que declarou extinta a escravidão no país. Estes são exemplos de como uma forma de governo confederado pode se transformar numa federação. Até 1789, data da Revolução Francesa, segundo uns, ou até 1868, segundo outros, em virtude do precedente americano, todas as uniões republicanas eram confederações. Dos Estados organizados sob a forma confederativa, sobrevive até hoje na Europa a Confederação Suíça, destruída em 1789 e que datava de 1315 ou, possivelmente, de 1291 e foi ressuscitada sob nova forma em 1813, até 1847.

Congresso NacionalCongresso, ou Congresso Nacional é o termo utilizado para designar o Po-der Legislativo na maioria das Repúblicas federativas que adotam o bica-meralismo*. Neste sentido, é sinônimo perfeito da palavra Parlamento*, pre-ponderante nas monarquias, e foi utilizado durante o 1o e o 2o reinados no regime imperial no Brasil para designar as duas Casas que o compunham, designadas oficialmente Câmara dos Srs. Deputados e Câmara dos Srs. Senadores. A palavra Congresso existia em latim, sob a forma Congressu que significa encontro, reunião. No sentido que usamos atualmente para designar o legislativo bicameral dos regimes republicanos, provém do in-glês Congress. No Brasil a designação Congresso Nacional foi adotada pela Constituição republicana de 24 de fevereiro de 1891.

ConhecimentoA diferença entre informação e conhecimento pode parecer sutil mas é enor-me e de muita relevância. No verbete informação, está escrito tratar-se de uma forma de conhecimento, ou seja, do conhecimento não especializado. Por isso mesmo, o conhecimento pode ser definido como a informação cientifica-mente correta. Enquanto a informação incompleta pode levar a uma opi-

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nião errada, o conhecimento, que é uma informação cientificamente correta, deve levar, necessariamente, a uma opinião certa e verdadeira, e não a uma opinião incorreta e falsa cientificamente. Isso ocorre em qualquer ramo do conhecimento e das atividades humanas e também se verifica na Política. Nossas opiniões podem estar erradas, se baseadas em informações incorretas e incompletas ou se não baseadas no conhecimento sobre essa matéria. Por isso mesmo, a participação política exige um mínimo de informações sobre as práticas e os recursos da Política, como Ciência e como atividade.

ConservadorismoA primeira indagação para se tentar entender o que significa o adjetivo “con-servador” é perguntar o que é o “conservadorismo”? Uma teoria política, uma filosofia, uma doutrina, uma ideologia ou simplesmente uma prática política? Para o Dicionário Oxford de Política, conservadorismo “é, em termos gerais, uma filosofia política que aspira a preservar o que se julga ser o melhor para a sociedade estabelecida, opondo-se a mudanças radicais”. Para o prof. Robert Nisbet, em seu livro Conservadorismo “é uma das três ideologias políticas mais importantes dos dois últimos séculos no Ocidente. As outras duas são o so-cialismo e o liberalismo”. Já no Dicionário de Política de Bobbio, Mateucci e Pasquino “conservadorismo designa idéias e atitudes que visam à manutenção do sistema político existente e dos seus modos de funcionamento, apresen-tando-se como contraparte das forças inovadoras”. O Dicionário de Política de Galvão de Souza, Clóvis Garcia e Teixeira de Carvalho registra que o “conservadorismo denota usualmente a idéia de sistemática defesa de certa ordem social, política e econômica mediante esquemas infensos a quaisquer alterações ou reformas que acarretem rupturas com o estabelecido”. O Di-cionário de Filosofia Política dirigido por Philippe Raynaud e Stephane Rials define que “o conservadorismo é um movimento intelectual e político da era moderna que nasce com ela e contra ela” e assinala que “a doutrina conserva-dora é constituída pela defesa da ordem política e social tradicional das nações européias”. A Enciclopédia Blackweel do Pensamento Político, por fim, esclarece que “a essência dessa filosofia é a convicção de que a condição humana é ca-racterizada por tensões que podem ser mitigadas, mas nunca completamente eliminadas pela ação política”. Filosofia para uns, doutrina para outros, uma simples idéia ou um con-junto de idéias, ideologia ou movimento intelectual, são observações que permitem um sem número de caracterizações para um conceito que, tendo adquirido tantas e tão variadas repercussões, tornou-se de difícil definição. Não bastassem todas essas interpretações, é preciso não esquecer que há partidos que se auto-intitulam Conservadores, em vários países, da mesma forma como há enorme variedade de partidos Liberais que supostamen-te se opõem aos conservadores, mas também adotam posturas, posições e

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idéias conservadoras. Mesmo onde não existem partidos Conservadores, há políticas e políticos conservadores em um número incontável de países. Em muitos casos, o sentimento conservador que se manifesta em várias partes do mundo, é um recurso utilizado na defesa de interesses de grupo, quando não de privilégios. Nestas condições, o problema deixa de ser de definição ou de interpretação. As dificuldades residem na circunstância de que o termo conservadorismo surgiu numa época determinada, com o fim específico de opor-se às idéias, teses e princípios que se tornaram vitoriosos, em decorrência da Revolução Francesa de 1789. O epígono da resistência a essas idéias, fruto da pregação do Iluminismo, foi o inglês Edmundo Burke e os fundamentos de sua postura estão no livro Reflexões sobre a Revolução em França, editado em 1791. Ao encarnar o espírito contra-revolucionário, o conservadorismo fixou um marco teórico que definiu os temas tradicio-nais da doutrina ou, se quisermos, da ideologia conservadora. Trata-se de um movimento que se desenvolveu no período entre 1750 e 1850, como resposta às rápidas e vertiginosas mudanças e projetos de mudança que convulsionaram as sociedades européias, incluindo não só as teses vitoriosas na Revolução Francesa, mas também as transformações que, na Inglaterra, decorreram da Revolução Industrial. O nome Conservador só foi assumi-do pelo antigo partido “Tory” na Inglaterra, durante os debates do Reform Act, de 1832 (Lei de reforma que pôs fim aos chamados “burgos podres” e modernizou o sistema eleitoral inglês). Esta é a razão por que a natureza das reações conservadoras varia consideravelmente, em razão do período histórico em que ocorre. Em alguns casos os conservadores não se declara-vam contra as mudanças em si, mas à maneira como estavam sendo condu-zidas, o que era uma forma de opor-se, sem parecer que resistiam a trans-formações que para muitos constituiria um avanço nos padrões políticos, econômicos e sociais vigentes. Daí as muitas nuances que adquiriram na-quela época o caráter de oposição dos conservadores, ainda hoje utilizadas, quando eles se opõem mas não querem se confrontar com a renovação, a transformação e o progresso. Eles se manifestaram contra certos princípios, como o individualismo que, na esteira da pregação Iluminista, defendeu o primado dos direitos humanos, a separação entre a Igreja e o Estado, e o fim dos privilégios de classe ou de nascimento. Em muitos casos, tiveram a seu favor os liberais, os monarquistas e os clericais, da mesma forma que os nostálgicos do antigo regime e os reacionários que também eram rotula-dos de conservadores. Esse espírito contra-revolucionário e anti-reformista não se extinguiu com o fim da reação liderada por Edmund Burke. Se os conservadores dessa época desapareceram, o conservadorismo persistiu ao longo do tempo. Isto explica por que o conceito sobreviveu às circunstân-cias históricas de seu aparecimento. No fim da década de 80, os comunistas que tinham sido revolucionários e inovadores em outras épocas, passaram a

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ser tachados de conservadores, quando se opuseram às reformas de Mikail Gorbachev, o que evidentemente causou enorme mal-estar entre os conser-vadores do mundo-não comunista. Por isso, é sempre conveniente lembrar que o próprio Edmund Burke não foi um conservador para os padrões de sua época, em seu próprio país, quando adotou e defendeu as idéias que pu-seram fim ao “mandato imperativo” que obrigava os deputados a seguirem a orientação dos eleitores, e deu autonomia à representação política, mudança modernizadora de que até hoje se beneficia o sistema político contempo-râneo. Isto não impediu que o termo fosse aplicado a outros pensadores, como Adam Smith, considerado não só o inovador da teoria econômica, mas também o fundador do liberalismo econômico. No Brasil, durante a maior parte do Império, o Partido Conservador e o Partido Liberal foram os principais atores da cena política. Os conservado-res no poder, em muitos casos, realizaram algumas das reformas pregadas pelos liberais na oposição. Há um velho ditado inglês, entre nós utiliza-do pelo deputado baiano Francisco Gê Acaiaba Montezuma, que explica as ambigüidades dos termos conservador e conservadorismo: “Nada mais parecido com um Conservador do que um Liberal no poder”. O conserva-dorismo brasileiro deixou marcas profundas no lento processo de reformas que foram mudando as aparências e deixando intocadas as estruturas do conservadorismo. Fomos, por exemplo, o último país a abolir o instituto repugnante da escravidão, o último no Continente a adotar a República e o penúltimo neste hemisfério a aprovar o divórcio. A despeito de tanta resis-tência, em pleno séc. XXI ainda persistem os esgares da escravidão dissemi-nada em várias partes do país, como a estranha figura jurídica de “condição análoga à de escravo” utilizada para poder penalizar os que mantêm empre-gados nesta condição sub-humana. Joaquim Nabuco lembra que o pai, o conselheiro e ministro Nabuco de Araújo, sempre lamentou que suas idéias levavam no mínimo trinta anos para se materializar, invocando o caso da proibição de abertura de novos conventos tomada provisoriamente por ele em meados do séc. XIX e só resolvida depois de proclamada a República.

Contrato SocialContrato Social (no original Du Contrat Social) é o título da mais conhecida e divulgada obra do filósofo francês nascido na Suíça, Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778). A importância de sua contribuição à filosofia política, contudo, não decorre só do fato de suas idéias terem inspirado os revolucionários fran-ceses de 1789, mas sobretudo por ter se consagrado como o autor da chamada tese “contratualista” que, antes dele já tinha sido utilizada pelos filósofos ingle-ses Thomas Hobbes (1588 – 1679) e John Locke (1632 – 1704). Para Hob-bes, o estado da natureza que antecedeu a civilização, era caracterizado pela precariedade da vida, na medida em que a segurança de cada criatura estava

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entregue a si mesma, o que tornava, em sua própria expressão, “o homem lobo do próprio homem”. Em sua obra Leviatã, ele justifica a monarquia absoluta, explicando que o homem cede ao príncipe a sua liberdade em troca da sua segurança, o que lhe dá direitos ilimitados sobre os súditos. Locke ao contrá-rio de seu conterrâneo, justifica o advento da sociedade civilizada, como um contrato em que o homem cede ao soberano o poder de garantir-lhe a vida, a propriedade e os bens, outorgando-lhe o direito de punir os que transgredi-rem a ordem estabelecida, mas assegurando os seus direitos fundamentais que estabelecem limites ao poder do monarca. Ao contrário de ambos, explicando a bondade inata do cidadão não civilizado, Rousseau explica a desigualdade que surgiu entre eles em outra obra emblemática, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Nesse texto, ele formula como fundamento de sua tese contratualista, o princípio da “vontade geral”, como fundamento e origem da organização social e da ordem jurídica que não é o resultado da vontade ou do poder do soberano, mas do pacto que resulta da “vontade geral”. A lei, portanto, não é capaz, por si só, de assegurar a ordem, se não tiver por si a aceitação e a concordância dos cidadãos, sem que esse contrato seja respeitado por todos, inclusive pelos detentores do poder. Essa a origem do termo Contrato Social e da teoria contratualista que fundamentou a legitimidade dos regimes políticos democráticos na era contemporânea, de-pois da grande revolução que sepultou o absolutismo mas não o autoritarismo que subsiste como característica implícita no exercício do poder.

ConvençãoConvenção é “um acordo entre os participantes de qualquer atividade orga-nizada” (Enciclopedia de las Instituciones Políticas). Em Direito Internacional, as convenções são pactos entre os Estados, forma de que também se utilizam os organismos internacionais permanentes, como a OIT (Organização In-ternacional do Trabalho) por exemplo, para promulgar normas que regulam as relações de trabalho nos Estados-Membros. O termo designa ainda uma reunião de delegados ou participantes de uma atividade comum e, na In-glaterra, foi a denominação utilizada pelo Parlamento em 1660 e em 1668, para estabelecer as normas segundo as quais os seus membros assumiram a autoridade representativa do país, passando a reunir-se sem a necessidade de convocação pelo rei. Nos Estados Unidos, a Constituição ainda hoje em vigor foi redigida por uma Convenção Federal que reuniu os representantes das antigas colônias na Filadélfia, em 1787. No Brasil, o termo é utilizado, inclusive pela legislação eleitoral, para designar a reunião dos delegados dos partidos políticos na escolha dos seus candidatos a cargos eletivos.

CooperativaA palavra cooperativa deriva do latim cooperativus, e provém do verbo cooperari (cooperar, colaborar, trabalhar com outros) termo aplicado na

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terminologia jurídica para designar a organização ou sociedade consti-tuída por várias pessoas, visando à melhoria das condições econômicas de seus associados. No Direito brasileiro, embora assuma a modalidade de uma sociedade cooperativa, possui natureza civil ou comercial. Tec-nicamente, porém, possui forma jurídica específica e se classifica como sociedade de pessoas e não de capitais. Pela legislação brasileira, as coo-perativas se classificam em três grupos: (a) cooperativas de consumo; (b) cooperativas de produção e (c) cooperativas de crédito.

CooperativismoO termo tem a mesma origem latina e é definido no Dicionário de Política de Galvão de Sousa, Clóvis Garcia e Teixeira de Carvalho como “sistema que conjuga os recursos de pessoas associadas, com o objetivo de alcançar benefícios comuns a todas elas, tais como a redução dos preços de artigos de consumo, a obtenção de empréstimo em condições mais favoráveis, a colocação mais fácil e vantajosa de produtos no mercado etc”. O cooperati-vismo é, além de um sistema, uma corrente de pensamento com origem no solidarismo*. Seu objetivo é estabelecer um processo econômico alternativo tanto ao capitalismo quanto ao socialismo. Seu fundamento é que a aboli-ção do lucro concorre para uma mais eqüitativa distribuição da riqueza, ao contrário do capitalismo, além de não suprimir a iniciativa individual, di-ferentemente do socialismo. Sua aplicação prática, contudo, encontra obs-táculos na obtenção do capital inicial e no recrutamento de dirigentes es-pecializados que possam gerir com eficiência e idoneidade as cooperativas. Por outro lado, ainda há a circunstância de que as cooperativas não passam de organizações de natureza especial, atuando numa economia capitalista e sujeitas, portanto, a todos os condicionamentos desse sistema. O movimento cooperativista, com a concepção atual, teve início com a iniciativa tomada na cidade inglesa de Rochdale, por uma entidade deno-minada “Sociedade de Rochadale dos Pioneiros Igualitários”, fundada em 1844 por um pequeno grupo de operários, que incluía alguns princípios, como o controle democrático, na base de uma cabeça um voto, vendas livres de discriminação religiosa ou política, preços de venda segundo o mercado e a formação de um fundo para assegurar a educação dos seus membros. A primeira loja por eles fundada foi preservada e ainda pode ser vista na localidade de Toad Lane. O cooperativismo se disseminou em várias partes da Europa, notadamente na Áustria e nos países escandinavos, mas possui adeptos em todas as partes do mundo. No Brasil, é no Sul que mais cedo prosperou o cooperativismo na área da produção agrícola que se encontra o maior número dessas entidades. A Organização das Cooperativas Brasileiras, por sua vez, congrega e coorde-na no país o esforço para estimular a expansão do movimento cooperativista.

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CooptaçãoA palavra é o substantivo derivado do verbo “cooptar” que, segundo o Aurélio, significa “admitir numa sociedade com a dispensa das formalidades de praxe” e tem também o sentido de “escolher ou unir-se (a alguém), como compa-nheiro, parceiro ou cúmplice, para um empreendimento ou ação conjunta”. É com esse mesmo sentido literal que o conceito é utilizado na linguagem da política, para indicar o mecanismo de conquistar adeptos, conseguir filiados, seguidores ou os que possam ser colocados a serviço de alguma causa, me-diante recompensa. Tem, por conseguinte, sentido pejorativo pelo menos em português, já que não é palavra corrente nos demais idiomas, razão por que, com exceção do Dicionário de Política de Bobbio. Pasquino e Mateucci, ne-nhum dos demais dicionários especializados em política registra esse termo. Nessa obra se assinala, com toda propriedade que “não é fácil dizer na prática qual a incidência das formas de cooptação e quais são os fatores que a tornam mais provável. Podemos, contudo, aventar a hipótese de que a cooptação é mais comum nas organizações caracterizadas por uma escassa participação das bases, pela falta de articulação de grupos que compitam pelo acesso a cargos de direção, e pela homogeneidade dos que detêm o mando”.

CoronelismoCoronelismo é a palavra usada no Brasil para designar uma das modalida-des do Caudilhismo* , similar portanto de Caciquismo*. O termo deriva dos poderes atribuídos aos coronéis da Guarda Nacional, criada no Império, pelo Regente Diogo Antônio Feijó, para enfrentar os tumultos protagoni-zados pelos mercenários que combateram no Uruguai durante o I Reinado e que foram desmobilizados, depois da renúncia de D. Pedro I. A patente de Coronel da Guarda Nacional era atribuída, no Império, aos fazendeiros e proprietários rurais com grande influência e poder no interior do país, responsáveis pela arregimentação e sustento dos efetivos colocados sob seu comando. O termo foi generalizado graças à tese do jurista Victor Nunes Leal que, publicada em livro com o título de Coronelismo, enxada e voto, e o subtítulo O município e o regime representativo no Brasil, tornou-se um clássi-co da sociologia política brasileira e um texto essencial para a compreensão da realidade nacional, sobre o ponto de vista político e sociológico.

CorporaçãoEtimologicamente, corporação é uma “associação de pessoas do mesmo cre-do ou profissão, sujeitas às mesmas regras ou estatutos e com os mesmos de-veres e direitos”. A palavra deriva do latim corporatione que, por sinal, significa natureza corpórea, ou seja proveniente do corpo. Corporação, portanto, possui, tanto em português quanto nos demais idiomas de origem latina, o sentido de corpo, aquilo que os franceses chamam l´esprit du corps (o espírito de corpo).

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A forma mais disseminada das Corporações ocorreu durante a Idade Média, constituídas de mestres artesãos e dos aprendizes dos diferentes ofícios que a elas pertenciam, formando, portanto, uma sociedade corporativa, com base nas diferentes especializações. Tratava-se, portanto, de uma sociedade esta-mental e não de uma sociedade de classes. Esse regime teve fim com a Revo-lução Francesa, sob o impulso da pregação dos fisiocratas* e a aprovação, em 1791, da Lei Chapelier que proibiu o seu funcionamento. Na Inglaterra, as corporações foram extintas um pouco mais tarde, em 1799, com a aprovação das Combination Laws (Leis de Combinação). O sistema era incompatível com a Revolução Industrial e o liberalismo econômico, difundido por seu criador, o escocês Adam Smith, na obra clássica Riqueza das Nações. É dele essa sentenciosa mas procedente advertência: “Gente do mesmo ofício rara-mente se encontra, mesmo que seja só por passatempo e diversão, sem que a conversa acabe em conspiração contra o público ou em qualquer manobra para aumentar os preços”. O modelo de produção corporativa superado pela Revolução Francesa de 1789 e pela 1a Revolução Industrial na Inglaterra deu lugar, necessariamente, a outra modalidade de relacionamento entre o capital e o trabalho e ao surgimento das Trade Unions (Uniões de Trabalhadores), origem dos sindicatos e estes ao sindicalismo*. No Brasil, seguindo o que era uma tendência dos totalitarismos de direita, no-tadamente o Fascismo* italiano de Mussolini, foi Getúlio quem introduziu um viés corporativo no sistema político, primeiro na Constituinte de 1933/4, esta-belecendo uma representação classista e, em seguida, incorporando-a à Consti-tuição desse mesmo ano. Desde 1930, porém, com a criação da Ordem dos Ad-vogados do Brasil e depois com o Conselho Federal e estaduais de Engenharia, e os das demais profissões, progressivamente instituídos, criou-se um sistema corporativo que nenhum dos regimes que se seguiram – tanto democráticos como autocráticos – conseguiu superar e substituir por instituições criadas vo-luntariamente pelos interessados e livre da tutela dos Estados. O mesmo ocor-reu com o modelo de organização sindical estabelecido por Vargas em 1938, que serviu e tem continuado a servir, até hoje, a todos os regimes políticos que sucederam o Estado Novo. Não deixa de ser inquietante e incompreensível que regimes democráticos tenham convivido, sem reação, e se submetido, dócil e passivamente a instituições de origem e conformação totalitária.

CorporativismoA herança corporativista do fascismo italiano adotado por Mussolini como sistema político, deitou raízes em várias partes do mundo, e continua asso-ciada à noção autoritária de poder, ainda que países como a Áustria e os es-candinavos, onde o sistema é mais generalizado, não possam ser vinculados a regimes políticos autoritários, a despeito da força eleitoral da direita aus-tríaca. No uso desse conceito, é preciso distinguir o corporativismo de Esta-

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do que foi praticado durante quase quatro décadas, na Espanha de Franco e em Portugal de Salazar, e o corporativismo liberal ou social, que surgiu nas democracias capitalistas. O corporativismo autoritário, porém, ainda sobre-vive em países como o Brasil, na forma dos Conselhos Profissionais, e no México, como resultado do largo domínio de um sistema de partido único, em grande parte de sua história contemporânea. No caso do Brasil, ao lado da organização corporativa das profissões liberais, funcionam os mesmos sistemas patronais de organização sindical, juntamente com o aparato de proteção social corporativa de caráter patronal. São os serviços sociais e de aprendizado profissional, da indústria, (Sesi e Senai) do comércio, (Sesc e Senac), da agricultura (Senar) e das médias e pequenas empresas (Sebrae). A soma de interesses criados em torno dessas instituições que já atuam no país há mais de meio século, criou um emaranhado de instituições, práticas e usos que tem servido de instrumento de cooptação política, de mobili-zação eleitoral e de sustentação do corporativismo brasileiro, heranças da longa e persistente influência que sobreviveram à morte de Vargas.

“Cortina de ferro”A expressão designa a barreira política, militar e ideológica estabelecida pela antiga União Soviética para isolar o país e seus satélites aliados da Europa do Leste, de um contacto livre com o Oeste e as áreas não comunistas. O termo tinha sido empregado de forma ocasional e usado como metáfora desde o séc. XIX, mas tornou-se conhecido e se generalizou depois de ter sido usado pelo antigo ex-primeiro ministro inglês Winston Churchill, em um discurso pronunciado em Fulton, nos Estados Unidos, no dia 5 de março de 1946, ao afirmar que aos países comunistas, “de Stettin, no mar Báltico, a Trieste, no mar Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o Continente europeu”. As restrições e a rigidez da Cortina de Ferro foram relativamente reduzidas após a morte de Stálin em 1953, mas a construção do muro de Berlim, em 1961, as restaurou e só deixou de existir em 1989-1990, com o abandono do sistema de partido único na Europa do Leste. A expressão “Cortina de ferro”, depois de popularizada por Churchill, tornou-se um símbolo e uma síntese do período pós-segunda guerra mundial que marcou a bipolaridade do mundo pelo confronto entre as duas maiores potências da época e seus aliados, União Soviética e Estados Unidos, e que passou à História como “Guerra Fria”.

CulturaO conceito de cultura não pertence ao campo da política, mas sim ao da Antropologia, mas nem por isso deixa de interessar – e de forma muito acentuada – ao universo da Política, quando se trata da cultura cívica* de um modo geral e da cultura política*, em particular. Le Dictionnaire des Sciences Humaines (O Dicionário de Ciências Humanas) usa um recurso simples e

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eficaz para abordar a importância e a abrangência do conceito de cultura, a partir de algumas particularidades, embora a cultura seja algo intrínseco à civilização e tenha caráter universal. Começa afirmando que “não se come da mesma maneira no Japão ou na França; não se adere aos mesmos valores quem nasceu em Nova Delhi ou em Nova York: não obedecemos às mes-mas normas de vida que nossos avós, e assim por diante”. A idéia de cultura, portanto, conclui o mesmo texto, nos remete a essa diversidade de costumes, de comportamentos e de crenças forjadas no seio de uma sociedade. Mas por trás da simplicidade dessa explicação se perfilam significados e modelos diversos. A primeira questão é: devemos falar de cultura ou de civilização? Thomas Hobbes, no Leviatã, escreveu que “cultura é o treinamento e o refinamento da mente” e, na França do séc. XVIII, por força da influência exercida pelo Iluminismo, cultura significava o acesso à educação letrada e estava associada à idéia do progresso universal. Considerava-se portanto um espírito culto, aquele que tivesse acesso a muitos conhecimentos no campo das idéias, das ciências, da literatura e das artes. A Antropologia, por sua vez, adotou uma definição de cultura, como a elaborada por E. B. Taylor, em seu livro Primitive Culture (Cultura Primitiva), publicado em 1871, muito mais generalizada que engloba o conjunto dos costumes, dos valores e das ideologias de uma sociedade: “A cultura ou civilização, tomada em seu sentido etnológico mais amplo, é esse conjunto complexo que inclui os conhecimentos, as crenças, as artes, a moral, as leis, os costumes, assim como outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem, como membro de uma sociedade”. Neste sentido tão amplo, explica o autor do verbete, os valores de uma sociedade, como por exemplo, o espírito cavalheiresco da Idade Média, ou o respeito filial no Confucionismo, e os costumes alimen-tares, como acompanhar as refeições com pão na França ou comer com pauzinhos na China, os ritos do casamento, a língua, a religião dominantes num país, fazem parte da cultura de uma sociedade.

Cultura cívicaA cultura cívica pode ser caracterizada por pelo menos dois traços encon-trados nas sociedades politicamente organizadas: (a) a aceitação, pela maio-ria da população, da autoridade do Estado e (b) pela crença geral na obriga-toriedade de participar dos deveres cívicos. Deveres cívicos não são apenas os que dizem respeito às eleições, às decisões políticas, como as atividades partidárias, ou as ações dos governos, mas também em relação ao conjunto da sociedade em que se vive. A palavra se refere à cidadania e também à ci-vilidade, isto é, o respeito à convivência com os demais cidadãos, segundo o antigo e venerável preceito de que “a liberdade de um termina onde começa a do outro”. Em latim, civis é, segundo explica Cícero, em suas Catilinárias (Discursos por ele pronunciados no Senado romano contra Catilina, acu-

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sando-o de conspirar contra a República) é o cidadão ou cidadã (membros livres de uma cidade a que pertencem por origem ou adoção), sinônimo de concidadão. No Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, o prof. Ante-nor Nascentes dá uma interessante explicação sobre a origem do sentido atual do termo: “Se a palavra é antiga, o sentido atual pelo menos não o é. Data dos primeiros dias do mês de outubro de 1774 e apareceu em cir-cunstâncias curiosas. Beaumarchais, (Comediógrafo francês, 1732 – 1799) tendo sido processado por um conselheiro de Paris, advogou em pessoa sua causa diante do Parlamento e fez um apelo à opinião pública: ‘Eu sou um cidadão, disse ele, não sou nem um banqueiro nem um abade, nem um cortesão, nem um favorito, nada daquilo que se chama uma potência; eu sou um cidadão, isto é, alguma coisa de novo, alguma coisa de imprevisto e desconhecido na França; eu sou um cidadão, quer dizer, aquilo que já de-víeis ser há duzentos anos e que sereis, dentro de vinte, talvez’. O discurso de Beaumarchais teve enorme retumbância. A datar deste momento, o título de cidadão foi adotado por todos os espírito liberais, por todos os homens de iniciativa preocupados com o interesse social”. Se cidadania, como se vê, é a condição do homem livre que cumpre seus deveres cívicos e se orgulha de fazê-lo, civilidade é a condição que permite aos cidadãos conviver res-peitosamente em relação aos demais. A expressão passou a ter relevância na Ciência Política graças à influente obra de Gabriel Almod e Sidney Verba, A Cultura Cívica, publicado em 1963 e revisado em 1980, com A Cultura Cívica Revisitada. Elaborado como uma abordagem da estabilidade políti-ca das democracias ocidentais, o modelo de cultura cívica sugere que uma política na qual os cidadãos são esclarecidos sobre as decisões políticas e se envolvem no processo político não poderia, por si só, sustentar um governo democrático estável. Neste caso, a cultura cívica seria vista como uma ade-são à cultura política*, na qual a participação política convive com uma pos-tura de passividade e deferência à autoridade. O tradicionalismo e o respeito aos valores paroquiais são vistos como um equilíbrio entre o envolvimento político e a racionalidade. O livro de Almond e Verba realizou um estu-do sobre os valores e atitudes dos cidadãos de cinco países (Grã-Bretanha, Alemanha, Itália, Estados Unidos e México) vistos como suportes de siste-mas políticos democráticos. Na linha de uma análise comportamental, foi o primeiro a ser publicado, mas terminou afetado pela ênfase na análise po-lítica, a respeito da sobrevivência da democracia nas sociedades ocidentais. A generalização dos altos níveis de educação das populações é que teria, segundo essa crítica, estimulado as novas formas de participação política, com o incremento dos movimentos sociais e as campanhas dos grupos de interesses nelas atuantes. A lógica da teoria dos dois autores sustentava que a atuação efetiva de uma democracia exigia, por um lado, a reconciliação do poder dos dirigentes de

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iniciar legislação e atuar – para que o governo governasse – com a partici-pação dos cidadãos no processo político, por outro. Sem divisão do trabalho político, não é fácil ver como poderiam realizar-se opções políticas e, ao mesmo tempo, um eleitorado informado avaliar a atuação dos dirigentes políticos. Se os dois requisitos não fossem congruentes, por esse mesmo raciocínio a democracia estaria inviabilizada. Por isso o estudo sugeria que uma cultura política congruente com uma democracia estável teria de ser uma cultura mista em que a atividade e a passividade, a obrigação e a atua-ção, o consenso e as divisões estivessem equilibrados e combinados. Assim a maioria dos cidadãos reconheceria a obrigação de participar, porém sua participação seria seletiva e ficaria reduzida em relação a seu sentido de obrigatoriedade. Finalmente, haveria uma tensão entre o consenso e a divi-são. Como o conflito é da essência da política, se deduz que, nesse caso, seria inevitável o antagonismo político, especialmente nos sistemas democráticos abertos. Porém, numa democracia estável, o antagonismo entre os partidos e os grupos termina se sujeitando aos limites da lealdade nacional e ao apoio ao sistema, para que sobreviva e garanta sua estabilidade.

Cultura políticaEm seu livro A Cultura Cívica Revisitada, Gabriel Almond e Sidney Ver-ba chamam a atenção para o fato de que o conceito de “cultura cívica”, tal como é hoje encarado, surgiu da conjugação de três diferentes correntes. A primeira foi a atuação da psicologia social e da psico-antropologia, especial-mente a obra de Freud (Sigmund Freud 1856 – 1939) e as idéias de antro-pólogos como Malinowsky (Bronislaw Kaspar Malinowski 1884 – 1942) e Benedict (Ruth Fulton Benedict 1887 – 1948). A segunda foi a sociologia européia, representada pela obra de Weber (Max Weber, 1864 – 1920), Pa-reto (Vilfredo Pareto, 1848 – 1923) e Durkheim (Émile Durkheim 1858 – 1917). Weber desafiou Marx com argumentos “culturais”, ao sustentar que a religião e os valores sociais supunham influências cruciais na ativida-de econômica e nas estruturas políticas. Muitas dessas idéias, notadamente as que dizem respeito às normas e valores sociais foram desenvolvidas por Talcot Parsons (1902 – 1979) nos Estados Unidos. A terceira corrente foi representada pelo desenvolvimento das técnicas de investigação e pesquisas de opinião, assim como o aprimoramento de técnicas mais complexas de amostragem e análise de dados. As pesquisas de opinião permitiram aos estudiosos ir além das afirmações que tinham sido, em grande parte, espe-culativas e impressionistas sobre uma cultura e recolher dados acerca das orientações psicoculturais de um país, relativamente à política. O interesse centrado na cultura foi uma reação contra o enfoque legal-institucional da política que implicava, aos olhos de seus críticos, uma con-centração excessiva no aparato formal da política – governo, instituições,

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constituições, partidos e estados. Ao mesmo tempo, alguns episódios his-tóricos foram decisivos para aguçar ainda mais o interesse pela influência da cultura no comportamento e no desempenho político. Um deles foi a queda dos regimes constitucionais da Alemanha (República de Weimar), da Itália e da Espanha e sua substituição por algumas das mais violentas ditaduras do séc. XIX, o Nazismo na Alemanha, o Fascismo na Itália e o Franquismo na Espanha. Outro, o colapso de regimes constitucionais nas décadas de 50 e 60, na América Latina e em países do Terceiro Mundo, na Ásia e na África. A contribuição de Almond e Verba se baseou na fixação do critério das “orientações” que, segundo eles, decorrem da cultura política de cada povo. As orientações são predisposições em relação à ação política e são determinadas por fatores como a tradição, os precedentes históricos, os motivos, normas, emoções e símbolos. Isto significa dizer que a cultura re-presenta uma série de orientações que podem ser subdivididas em orienta-ções cognitivas (conhecimento e consciência a respeito dos objetos políticos) e orientações afetivas (emoções e sentimentos sobre os objetos políticos) e orientações valorativas (juízos de valor sobre eles). Essas concepções aju-daram a estabelecer outras análises, como a de Samuel Finer que, em seu livro Man on Horseback (O Homem a cavalo), publicado em 1962, procurou explicar a propensão dos militares a dar um golpe de Estado, em decorrên-cia da cultura política de um país, ou do apoio popular de que esse governo pode desfrutar. Isto dependeria, segundo ele, da existência ou não de um consenso sobre os procedimentos para assumir e transmitir o poder político, e o reconhecimento geral de um poder soberano, o que conhecemos como legitimidade*. Quando a legitimidade é alta, os militares teriam dificuldades para dar um golpe de Estado e para o seu reconhecimento. Em segundo lu-gar depende do grau de associativismo da sociedade. Quando ambos os fa-tores são altos, a cultura civil se torna confiável para um governo civil. Com relação ao comportamento dos cidadãos em face dos grupos que integram ou a que pertencem, há outra contribuição também relevante, a de Mancur Olson, em seu livro emblemático, The Logic of Collective Action: Public Goods and the Theory of Groups (A Lógica da ação coletiva: bens públicos e a teoria dos grupos), publicado em 1965.

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Declaração de DireitosAs declarações de direitos foram o principal fundamento do constitu-cionalismo Contemporâneo. Elas foram inspiradas na concepção con-tratualista do Estado, especialmente depois da disseminação da obra de Jean-Jacques Rousseau, O Contrato social* e da concepção jusnaturalista do Direito, segundo a qual os homens possuem direitos inatos e inalie-náveis, que o Estado deve respeitar. Como se vê, elas decorreram, de um lado, dos princípios liberais e democráticos inspirados pelo Iluminismo* e, de outro, dos precedentes históricos da luta entre o Parlamento e os reis ingleses, para assegurar sua supremacia sobre os monarcas. O primeiro documento conhecido desta natureza é a declaração inglesa, de 1689, formalmente, “Um ato declarando o direito às liberdades do cidadão e estabelecendo a sucessão da Coroa”. Trata-se de uma das leis fundamentais da constituição não escrita da Inglaterra, resultado da longa disputa, durante o séc. XVII, entre os reis da casa de Stuart e o Parlamento. O documento estipulou as condições de uma declaração de direitos, cuja aceitação foi estabelecida como condição para que o trono, vago depois da abdicação de Jaime II, pudesse ser oferecido ao prínci-pe e a princesa de Orange, que se tornaram Guilherme III e Maria II. Juntamente com o Toleration Act (Ato de tolerância), também de 1689, garantindo tolerância religiosa a todos os protestantes, e o Settlement Act (Ato de fundação), de 1701, dispondo sobre a sucessão da casa de Ha-nover, a declaração inglesa de direitos estabeleceu os fundamentos sobre os quais se estruturou o governo daquele país, depois da Revolução de 1688. Seu propósito não foi introduzir novos princípios, mas simples-mente tornar explícitas as leis costumeiras já existentes. A Revolução,

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por sua vez, estipulou as bases da supremacia do Parlamento. Trata-se, portanto, do movimento que pôs fim ao absolutismo monárquico e propiciou o advento do princípio da soberania popular, através de sua representação política. Ao estabelecer a supremacia do Parlamento, o movimento revolucionário assegurou as garantias contra o estabeleci-mento um governo arbitrário, princípio de que os ingleses sempre se orgulharam, durante o século XVIII. O escopo da Revolução de 1688, porém, não foi de natureza ideal, mas de cunho objetivo: declarar ilegais várias práticas do rei Jaime II, entre elas a prerrogativa real de dispensar a vigência da lei em certos casos, e a completa suspensão delas, sem o consentimento do Parlamento, assim como o direito à imposição de tributos e à manutenção de um exército em tempo de paz, sem autori-zação explícita do Legislativo. Outras cláusulas objetivaram eliminar a interferência real nas matérias de competência do Parlamento, estipu-lando que as eleições de seus membros deveriam ser livres, garantindo-lhes absoluta liberdade de expressão. Da mesma forma, foram banidas as interferências do rei no curso dos processos judiciais, assim como se prescreveu que a sucessão do trono da rainha Maria e do rei Guilherme se daria dentre os seus descendentes que fossem protestantes. O fato dessa primeira declaração de direitos estabelecer medidas para garantir a supremacia do Parlamento sobre a Coroa, terminou fazendo com que sua precedência de um século sobre a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, terminasse obscu-recida pelo caráter genérico e universalista do documento francês. Entretanto, o documento francês foi precedido também por outra de-claração de cunho e origem saxônica, a Declaração de Independência dos Estados Unidos, aprovada em 2 de julho de 1776 e promulgada em quatro do mesmo mês, depois de aprovada pelas 13 colônias inglesas na América. Esse texto, uma exposição das razões que as levaram à separa-ção e à independência prescreve:

1o) que “todos os homens são criados iguais e dotados por seu Cria-dor de certos direitos inalienáveis, entre eles a vida, a liberdade e a busca da felicidade; 2o) que, para assegurar tais direitos é que os governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados;3o) que qualquer forma de governo que se torne destrutiva de tais princípios, é direito do povo alterá-lo ou aboli-lo e instituir um novo regime, fundamentado em tais princípios e organizados de tal forma que tornem efetiva sua segurança e felicidade”.

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A “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, aprovada pela Assembléia Constituinte francesa em 26 de agosto de 1789 e aceita pelo rei, por seu caráter universalista em relação às precedentes, tor-nou-se não só o símbolo e a síntese das idéias liberais e libertárias que consagraram a Revolução daquele ano, mas também o episódio que se tornou marco da história contemporânea. A declaração se tornou o sig-no do constitucionalismo, fundamento da legitimidade dos governos e da configuração das nações politicamente organizadas, constituídas em um Estado de Direito. Ela é composta de 16 artigos e foi incorporada como preâmbulo à Constituição de 1791:

I) Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos: as distinções sociais não podem ser fundadas senão sobre a utilidade co-mum. II) O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. III) O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação. Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente. IV) A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudi-que a outro; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não possui outros limites do que aqueles que asseguram aos demais membros da sociedade, o desfrute desses mesmos direitos. Estes li-mites não podem ser estabelecidos senão pela lei. V) A lei não tem o direito de proibir senão as ações prejudiciais à sociedade. Aquilo que não é proibido pela lei, não pode ser impedido, e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não determina. VI) A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente, ou por seus representantes para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para prote-ger, seja para punir. Todos os cidadãos sendo iguais a seus olhos, são igualmente admissíveis a todas as dignidades, funções e empregos públicos, segundo sua capacidade e sem outra distinção que suas vir-tudes e seus talentos. VII) Nenhum homem pode ser acusado, preso nem detido, senão nos casos determinados em lei e segundo as formas por ela prescritas. Aqueles que solicitem, expeçam, executem ou façam executar ordens arbitrárias, devem ser punidos, mas todo cidadão, citado ou convocado em virtude da lei, deve obedecer imediatamente, sob pena de ser cul-pado de resistência.

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VIII) A lei não pode estabelecer penas que não sejam estrita e evi-dentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão em virtu-de de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente em vigor. IX) Todo homem, sendo presumido inocente até que seja declarado culpado, se sua prisão for julgada indispensável, todo rigor que não seja necessário para assegurar a inviolabilidade de sua pessoa, deve ser severamente punido pela lei. X) Ninguém deve ser incomodado por suas opiniões, mesmo reli-giosas, contando que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. XI) A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem. Todo cidadão pode, então, falar, escrever, imprimir livremente, com a ressalva de responder pelo abu-so dessa liberdade, nos casos determinados em lei. XII) A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; essa força é, então, instituída para benefício de todos, e não para a utilidade particular daqueles a que ela é confiada. XIII) Para a manutenção da força pública e para as despesas da admi-nistração, uma contribuição comum é indispensável. Ela deve ser igual-mente repartida entre todos os cidadãos em razão de suas faculdades. XIV) Os cidadãos têm o direito de constatar, por eles mesmos, ou por seus representantes, a necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de fiscalizar seu emprego e de determinar, de fixar-lhe o valor, sua distribuição, cobrança e duração. XV) A sociedade tem direito de pedir contas a todo agente público, de sua gestão. XVI) Toda sociedade em que a garantia dos direitos não está asse-gurada, nem a separação de poderes determinada, não possui uma Constituição.XVII) Sendo a um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser dela privado, a não ser que a necessidade pública, legalmente consta-tada, o exija de forma evidente e sob a condição de uma justa e prévia indenização.

Ao contrário do que ocorrera na França revolucionária de 1789, em que a Declaração de Direitos precede como preâmbulo da Constituição votada em 1791, a Constituição americana de 1787 foi promulgada sem uma declaração de direitos que os federalistas julgaram dispensável, com o argumento de que a proteção das garantias individuais dependeria

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mais do harmônico e efetivo funcionamento dos poderes constituídos do que uma simples declaração, por mais solene que fosse. Em vista das dificuldades opostas à ratificação do texto constitucional pelos diferen-tes Estados, os federalistas concordaram em votar um conjunto de 10 emendas que, incorporadas à Constituição, terminaram por configurar os direitos por ela protegidos. Ratificadas na 1a sessão do Congresso, foram aprovadas e declaradas em vigor em 15 de dezembro de 1791 e são do seguinte teor:

I) O Congresso não fará lei relativa ao estabelecimento de religião, proibindo o seu livre exercício ou restringindo a liberdade de palavra ou de imprensa, ou o direito do povo de reunir-se pacificamente e dirigir petições ao governo para a reparação de seus agravos. II) Sendo a existência de uma milícia bem organizada, necessária à segurança de um Estado livre, não se cerceará o direito do povo de possuir e portar armas. III) Nenhum soldado será, em tempo de paz, alojado em qualquer casa sem o consentimento do proprietário, nem em tempo de guerra, senão pela forma prescrita em lei.IV) O direito do povo à sua inviolabilidade pessoal e de sua casa, papéis e haveres, assim como contra buscas e apreensões imotivadas não serão violados e não se expedirá qualquer mandado a não ser mediante indícios de culpabilidade, confirmados por juramento ou declaração em que serão descritos particularmente o lugar da busca e as pessoas ou coisas que devam ser aprendidas. V) Ninguém será obrigado a responder por um crime capital ou infa-mante, salvo por denúncia ou pronúncia de um grande júri, exceto no casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças terrestres ou navais, ou na milícia, quando em serviço ativo; ninguém será, pelo mesmo crime, submetido duas vezes a julgamento que possa causar-lhe a perda da vida ou de algum membro; nem será obrigado a depor contra si mesma em processo criminal ou ser privado da vida, da liberdade ou propriedade sem o devido processo legal; a propriedade privada não será desapropriada para uso público, sem justa indenização. VI) Em todos os processos criminais, o acusado terá direito a jul-gamento rápido e público por júri imparcial do Estado e distrito onde o crime tiver sido cometido, distrito esse que será previamente estabelecido por lei; a ser informado da natureza e causa da acusação; a ser acareado com as testemunhas que lhe forem adversas; a dispor de todos os meios compulsórios para forçar o comparecimento de testemunhas de defesa e a ser assistido por advogado.

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VII) Nos processos segundo a Common Law (a lei costumeira, de-corrente dos julgados e precedentes judiciais), em que o valor da cau-sa exceder vinte dólares, será garantido o direito a julgamento pelo júri e os fatos por ele julgados não serão reexaminados nem nenhum tribunal dos Estados Unidos, a não ser de acordo com as regras da Common Law.VIII) Não se exigirão fianças exageradas, nem se imporão multas excessivas, nem se infligirão penas cruéis e desumanas. IX) A enumeração de certos direitos na Constituição não será interpreta-da de maneira que se neguem ou se restrinjam outros retidos pelo povo.X) Os poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição, nem por ela proibidos aos Estados, são reservados, respectivamente, aos Estados ou ao povo.

No Brasil, a Constituição do Império de 25 de março de 1824, outor-gada por D. Pedro I, adotou o modelo americano. A especificação dos direitos consta do Título VIII – “Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros” – foi incluída no art. 179, desdobrado em 35 dispositivos. A diferença é que eles integram o corpo do texto constitucional, não constituindo emendas aditivas como na Constituição americana.A Constituição republicana de 24 de fevereiro de 1891 seguiu o mesmo padrão, e a Declaração de Direitos, com 31 parágrafos, constitui a Seção II do Título IV que trata “Dos cidadãos brasileiros”. A de 1934, que teve vigência durante apenas três anos, dedica à Decla-ração de Direitos todo o seu Título III, dividido em dois capítulos. O primeiro trata dos Direitos Políticos, inclui 12 artigos, quatro parágra-fos, 27 alíneas e três itens. O segundo refere-se aos Direitos e Garantias Individuais e abrange dois artigos e 38 incisos. A carta discricionária do Estado Novo, significativamente consta de apenas dois artigos, 17 incisos e 13 alíneas. Na verdade, é menos uma declaração do que um regulamento com disposições de ordem penal, com a previsão de censura, e proibições extraterritoriais obviamente inaplicáveis, como por exemplo, o número 12 do art. 122, ao dispor que “nenhum brasileiro poderá ser extraditado por governo estrangeiro”. A Constituição de 1946, voltou à tradição republicana de 1891. A es-pecificação dos Direitos e Garantias Individuais constitui o Capítulo II do Título IV que trata da “Declaração de Direitos”, abrangendo quatro artigos, 36 parágrafos e quatro incisos. A de 1967, com apenas dois anos de duração, substituída que foi pela Emenda constitucional no1, de 1969, repetiu o mesmo destino da de 1934,

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já que durou três anos e também foi seguida por um regime discricionário que, entre outras medidas, estabeleceu o julgamento de civis por tribunais militares, suspendeu o direito de habeas corpus, restringiu os mandados de segurança, tornou os atos institucionais insuscetíveis de apreciação ju-dicial e instituiu as penas de morte, exílio, banimento e confinamento. Integravam-na dois artigos e 36 parágrafos. Finalmente, a Constituição em vigor, promulgada em 5 de outubro de 1988, dedica o seu Título II à declaração de direitos, dividida em cinco capítulos. O 1o refere-se aos direitos e deveres individuais, consubstancia-dos no art. 5o, referente aos direitos e garantias fundamentais com quatro parágrafos, 78 incisos, e 22 alíneas. Os arts. 6o a 10, por sua vez, cuidam dos Direitos Sociais e dispõem, além de cinco artigos, de quatro parágrafos e 42 incisos. É o mais extenso conjunto de disposições em matéria de decla-ração de direitos em nossa história constitucional. O capítulo III trata da nacionalidade, o IV dos direitos políticos e o V dos partidos políticos. As declarações de direito marcaram de forma decisiva o constitucionalis-mo contemporâneo. Mas também criaram alguns problemas substantivos, como assinala o Dicionário de Política de Bobbio, Pasquino e Mateucci, no verbete Direitos Humanos. Um deles é que, “ou esses direitos ficam como meros direitos abstratos (...) ou são princípios ideológicos que servem para subverter o ordenamento constitucional”. Outro “refere-se ao modo de tutelar esses direitos: enquanto a tradição francesa se cingia à separa-ção de poderes, e sobretudo à autonomia do poder Judiciário e à parti-cipação dos cidadãos através dos próprios representantes, na formação da lei, a tradição americana, desconfiada da classe governante, quis uma Constituição rígida que não pudesse ser modificada a não ser por um po-der constituinte e um controle da constitucionalidade das leis aprovadas pelo Legislativo”. Num país como o Brasil, onde o acesso ao Judiciário é negado à maior parte dos cidadãos e o controle efetivo dos abusos de autoridade ou é inexistente ou ineficaz, a questão dos Direitos Humanos ainda é um capítulo em aberto em nossa história constitucional, apesar da existência de uma Secretaria Nacional de Direitos Humanos que não tem conseguido evitar inúmeras condenações ao Brasil por parte da Comissão de Direitos Humanos da ONU.

DemagogiaA palavra foi usada pela primeira vez por Aristóteles que a definiu em seu livro A Política como a prática corrupta ou degenerada que tanto leva ao governo despótico das classes inferiores, ou dos que governam em nome da multidão, representando, neste último caso, a degeneres-

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cência da democracia. Desse termo surgiu o adjetivo demagogo, literal-mente “guia do povo”, em sua origem grega. Demagogia, portanto não é nem uma forma de governo, nem um regime político, mas apenas uma forma de se fazer política que se apóia nas massas, na simplificação dos problemas e soluções de toda natureza e no uso da mistificação, como recurso para dominar e manipular as massas.

DemocraciaA palavra democracia, como tantas outras do léxico da política, foi usada pela primeira vez pelos gregos, para significar, em meados do séc. V a.C., uma nova concepção da vida política e das práticas que eram fomentadas em várias das cidades-estado da antiga Grécia. Demos significa povo e kra-tia, governo ou autoridade. Antes que as duas palavras se generalizassem os atenienses se referiam a algumas espécies de igualdades, como caracte-rísticas dos sistemas políticos: à primeira denominavam isegoria, o direito de todos os cidadãos falarem nas assembléias, e isonomia, a igualdade ante a lei. Quando o povo passou a se reunir para tratar dos assuntos públicos, e a considerar-se a autoridade soberana, a palavra democracia, passou a designar um novo sistema de governar em que o demos era o soberano, de tal maneira que se distinguia do governo de poucos – aristocracia ou oli-garquia, ou de um só, monarquia ou tirania. O demos, entretanto, significa-va um grupo muito menor de pessoas nos séc. VII e VI a.C. do que no séc. V a.C., quando a palavra passou a se popularizar. Até o fim do séc. XIX, o conceito de cidadão sempre foi algo muito mais restrito do que o de povo. Por isso, os direitos decorrentes da cidadania, como o de votar, para escolher os governantes, se mantiveram restritos a um pequeno número de pessoas que dificilmente ultrapassava entre 3 e 5% da população adulta de homens. Foi a partir de 1848, na França, quando o eleitorado mascu-lino começou a se expandir que cidadania se tornou um conceito o qual passou a significar a maior parte dos adultos homens que compunham a população. A extensão da maioria desses direitos à mulher só teve início a partir do início do séc. XX, e até mesmo em países, como a França, só foi concedido às mulheres em 1945, o que mostra como é novo o conceito do que hoje denominamos democracia, na história da civilização. Essas mu-danças se tornaram significativas, a partir da ascensão da burguesia no fim do séc. XVIII, quando começou a se operar a transformação da sociedade estamental da Idade Média, na sociedade de classes com o surgimento do proletariado, durante a Revolução Industrial. O que faz a diferença desses dois estágios da democracia política é a “Re-presentação”. Na sociedade estamental, a representação se dava em fun-

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ção dos interesses iguais e convergentes das corporações e dos diferentes estados – o clero, a nobreza e o povo – que constituíam os “estados gerais, convocados por Luiz XVI” pouco antes da Revolução de 1789. Havia portanto, identidade entre o representante e o representado e a essa mo-dalidade de mandato que o primeiro concedia ao segundo, se chamava de “mandato imperativo”. Com a sociedade de classes e mais tarde com sua transformação em sociedade de massas, essa forma de representação perdeu o sentido, desde que, em um famoso discurso reproduzido numa circular a seus eleitores da cidade de Bristol, o inglês Edmund Burke mos-trou que os representantes de cada cidade ou de cada grupo de cidadãos, nas Assembléia políticas, não representavam apenas os interesses de seus eleitores, mas os de toda a Nação, pois o Parlamento não era composto de uma representação de embaixadores de diferentes interesses, em que cada um defendia o de seu país, mas sim o de um único interesse, o de toda a Nação. Nasceu aí o mandato denominado de “fiduciário” palavra derivada de fidúcia, em latim que quer dizer “confiança”. A esse tipo de democracia, em que vivemos até hoje, se dá o nome de democracia representativa.

Democracia diretaA expressão designa, nos dias de hoje, a forma de governo que se pra-ticava nas cidades-estado de algumas cidades gregas. Essa modalidade tornou-se impraticável nas sociedades de classe e, mais especificamente ainda, nas sociedades de massas. De tal sorte que, assim como a democra-cia direta era uma criação adequada às pequenas comunidades, de alguns poucos milhares de habitantes, a democracia representativa resultou do imperativo de se permitir a apuração da vontade dos milhares e até dos milhões de cidadãos. A pergunta que essa afirmação suscita é a seguinte: não poderia a democracia direta continuar a ser praticada nas pequenas cidades, reservando-se a modalidade da democracia representativa para as grandes cidades, os Estados e os países com milhões de habitantes? A idéia de que a Nação se exprime por uma “vontade geral”, que não é nem a soma das vontades individuas, nem uma vontade distinta da vontade de toda a Nação, se generalizou e se impôs desde que Rousseau, na sua obra notável O Contrato Social, restaurou a concepção monista de que o Estado é e deve ser uma unidade e não uma pluralidade e que, portanto, não aceita em seu interior outras formas de associação. Exatamente o contrário do que pensava Aristóteles, quando admitia que várias asso-ciações convivem dentro do Estado, como a família ou as organizações econômicas de diversos tipos e que sua existência é necessária para uma boa vida e um bom Estado, que é a concepção pluralista. A democracia direta, portanto, não é incompatível com o exercício do poder político nas

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pequenas cidades, como reconheceu Aristóteles e como admitiu o ensa-ísta francês Aléxis de Tocqueville, no livro A Democracia na América, ao aludir ao papel do cidadão nas pequenas comunidades e organizações que segundo ele, contribuíam para aprimorar o espírito cívico dos habitantes das antigas colônias. Essa prática, porém, exigiria uma educação cívica e uma educação política adequadas, para impedir os impasses e prevenir os confrontos, viabilizando o processo de decisões coletivas nos governos locais. Se todas as decisões tivessem que ser submetidas a todos os cida-dãos, em todas as pequenas cidades, teríamos que viabilizar um estado de referendos permanentes que talvez inviabilizasse a democracia direta, enquanto não vivermos a era da informática globalizada e confiável. Daí a idéia que se explica no verbete seguinte.

Democracia participativaParticipar não quer dizer decidir. Democracia participativa, portanto, não é a forma de democracia em que todos decidem todas as questões. Participar é tomar parte em algo. Participar, por conseguinte, significa tomar parte nas decisões que dizem respeito a todos, a algumas pessoas ou aos principais interessados. Na democracia participativa é possível que todos sejam chamados a tomar parte em decisões que interessem à coletividade inteira. Este recurso chama-se, na maior parte dos países de referendo. No Brasil distingue-se o referendo do plebiscito, embora alguns juristas, como é o caso de De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, não admita essa distinção, ao registrar: no verbete Plebiscito: “No sentido que lhe empresta o Direito Constitucional, entende-se a aprovação ou desaprovação a ato do governo”. Já o Dicionário de Política de Galvão de Souza, Clóvis Garcia e Teixeira de Carvalho consigna no mesmo verbete: “Votação popular, por sufrágio direto e individual, que se destina a tomar uma decisão política ou a manifestar confiança ou não num governante. É procedimento adotado em regimes democráticos ou não. Distingue-se do referendo, embora como este seja processo próprio de democracia direta, o que leva a freqüente confusão entre os dois ins-titutos. O referendo é decisão do povo que se sobrepõe à deliberação de um órgão do poder público (aprovação ou não de uma Constituição, de lei ordinária, etc.) enquanto plebiscito é a decisão, válida por si só (deli-beração unilateral do povo: alteração da forma de governo: “monarquia ou república”? alteração do sistema de governo: “parlamentarismo ou presidencialismo”?. O uso exagerado desse recurso, porém, termina por gerar o desinteresse da população. O segundo país que, depois da Suíça, mais realizou referendos a nível nacional, foi a Itália. Veja, no quadro a seguir, como variou a presença do eleitorado, à medida que se amiuda-

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ram os plebiscitos lá realizados entre os anos de 1974 e 1997:A diferença da democracia direta para a democracia participativa é que esta, não exige a participação de todos em todas as decisões, mas apenas a parti-

1974 1978 1981 1985 1987 1990 1991 1993 1995 199787,7% 81,2% 79,4% 77,9% 65,1% 43,3% 62,2% 77,1% 57,0% 30,1%

cipação de alguns nos assuntos de seu interesse e a manifestação da maioria nas decisões que a essa maioria interessa e a de todos, por fim, nos casos em que estejam sendo decididas questões que dizem respeito a todos. Esta é a modalidade que pode materializar a democracia participativa nos assuntos da competência dos governos locais. É neles que começa, necessariamente, o exercício tanto da democracia participativa, quanto da democracia direta, as mais democráticas das formas democráticas de governar.

DireitoA palavra “direito” é, como inúmeras outras de nossa língua, “polissêmi-ca” (a que tem vários significados), sendo utilizada, portanto, para exprimir diferentes conceitos e concepções diversas, em relação a cada um desses conceitos e concepções. A primeira conseqüência dessa polissemia é que pode ser empregada, tanto no singular, (Direito Civil, Direito Público, Di-reito objetivo), quanto no plural, (Direitos humanos, Direitos Individuais, Direitos Fundamentais). A segunda é que possui origem e formas variadas. Nas línguas latinas, tem a mesma raiz (Direito em português, Derecho, em espanhol, Droit, em francês, Diritto, em italiano), mas em inglês é definida por outro termo, que nós os herdeiros da cultura e da língua românicas empregamos em sentido diverso: Law (Lei) enquanto em alemão tem sen-tido similar Recht (Lei ou Direito). No caso das línguas latinas, ainda se nota a particularidade de que a palavra Direito, em sentido jurídico, deriva etimologicamente de directum (direto, reto) e conceitualmente de Ius, raiz de onde provém Justiça em português, Justicia, em espanhol, e Justice, em francês e, singularmente, Justice, em inglês. Lei, Direito e Justiça, em nos-so caso, podem ser tomados como sinônimos, na linguagem coloquial. Na linguagem técnica e conceitual são coisas inteiramente distintas. A origem latina da palavra serve para significar que foram os romanos e não os gregos que sistematizaram o Direito como concepção científica, emanação do po-der político do Estado e base da ordem social. Os gregos tinham palavras diferentes para cada uma das diferentes acepções do que nós chamamos, de forma coloquial, indistintamente de lei, direito e

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justiça. Como explica Jean-Marc Trigeaud, autor do verbete Droit (Direi-to) no Dicionário de Filosofia Política, organizado sob a direção de Philippe Raynaud e Stéphanie Rials, “o nascimento da filosofia na Grécia correspon-de ao surgimento de um tipo de justiça suscetível a uma característica do Direito, e essa justiça se torna um discurso sobre o que é justo”. A natureza desse conceito não é outra que a formulação conceitual da palavra logos uma justiça que se exprime através de um nomos, como princípio de ordem e legalidade, ou como medida. Neste último caso, a palavra usada é diké, empregada pelos primeiros físicos que examinaram os mecanismos retri-buidores no seio do universo e o termo empregado para designar a injustiça é o mesmo que significa doença, elkos. De tal sorte que a higidez física era relativa a uma vida justa, e a doença tomada como injusta.O sentido etimológico que deu origem ao que hoje chamamos Direito, equivale, portanto, em grego, à noção de justo, correto, que também tinha o sentido de “bom” adjetivo que Platão e Aristóteles utilizaram para refe-rir-se à “boa” ou “má” política e ao “bom” ou “mau” governo. Os antigos se referiam às leis para indicar também as normas ou regras que se aplicam à ciência, tal como hoje também não distinguimos a palavra “lei” tanto como expressão do Direito, quanto como norma reguladora das ciências físicas, quando nos referimos às leis biológicas ou da termodinâmica, tanto quanto às das ciências humanas e das ciências sociais aplicadas, quando aludimos, em Economia, por exemplo à “lei da oferta e da procura”. Em toda a sua complexidade, o Direito, como emanação do poder do Estado, pode ser conceituado, tanto jurídica, quanto politicamente. De acordo com a acepção em que seja empregado, pode ter caráter prescritivo ou meramente descriti-vo. É prescritivo, quando fixa pautas para a conduta humana e o seu juízo crítico: estas pautas, portanto, compreendem os costumes e as normas de conduta estabelecidas por via legislativa ou por via judicial. Na medida em que a propriedade de ordenar imperativamente essas pautas é uma ordem, ela tem que estar apoiada por medidas coercitivas, em forma de sanções aplicadas aos que se negam ao seu cumprimento, ou que a violam, delibe-radamente ou não. O monopólio do poder de impor sanções, legalmente, é a principal característica política do Estado contemporâneo. Como os Estados são, entre outras coisas, “associações coercitivas”, daí se depreende que as leis que são constitutivas dos Estados sejam coercitivas, mas isto se deve ao tipo de leis que são, e não ao que o Direito é. Quando se conceitua o Direito como emanação do poder do Estado, é importante levar em con-sideração este fato, uma vez que, para os fins da Política, o que poderíamos chamar de Direito estatal é o mais importante.Quando se considera o que se convencionou chamar de Direito estatal, pode-se distinguir o Direito em dois níveis. O nível primário é o qual regula

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o que as pessoas devem ou não fazer. O secundário é o que cria as insti-tuições de diversos níveis, destinadas a regular o nível primário, como por exemplo, instituir tribunais ou investir determinadas pessoas que atuam na qualidade de juízes, para decidir sobre acusações e conflitos que surjam em decorrência do descumprimento das normas do primeiro nível. Na concepção jurídica do Direito, portanto, torna-se possível estabelecer uma distinção de considerável importância entre o Direito público* e o Direito privado*. O primeiro é o corpo jurídico de nível secundário, relativo aos órgãos governamentais e suas relações com os particulares. Estão em sua órbita o Direito Administrativo, o Direito Constitucional, o Direito Tri-butário e o Direito Fiscal, além do Direito Penal, na medida em que o Estado é parte em todas as suas causas. No Direito Privado, ao contrário, são os cidadãos que são partes diretas e o Estado apenas espectador e não parte.

Direitos PolíticosNem todos os brasileiros e estrangeiros naturalizados, gozam de direitos políticos. Em seu sentido geral, os direitos políticos são a faculdade ou a obrigatoriedade concedida a todo cidadão de participar da administração pública, direta ou indiretamente, elegendo ou sendo eleito para os car-gos eletivos, ou de representação, através do sufrágio. Para gozar de tais direitos, existem regras e condições que o cidadão deve atender, como a prestação do serviço militar obrigatório e o exercício do voto, igualmente obrigatório.

Direito PrivadoQuando se considera a concepção jurídica do Direito e suas origens ro-manas, é preciso ter em conta, que o Direito, então, como ainda hoje, era definido como o objeto da justiça e a justiça, segundo Domício Ul-piano (170 – 228), o maior dos juristas romanos, consistia, em sua céle-bre fórmula original, nos três preceitos por ele definidos: Honeste vivere, altere non lædere, cuique suum tribuere (Viver honestamente, não lesar o próximo e dar a cada um o que é seu). Foram também os romanos que estabeleceram a famosa dicotomia, em grande parte ainda aceita, entre o Direito Público e o Direito Privado: Publicum ius est quod ad statum rei sepectat; privatum quod ad singularem utilitatem (O Direito Público é o que diz respeito às coisas do Estado; Privado o que atende à necessidade das pessoas). O interesse, portanto é o que, desde suas origens, divide um do outro. Este último é constituído das regras que organizam os interesses de ordem individual, nos seus aspectos civil e comercial, decorrentes das

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relações entre particulares e até mesmo entre estes e as pessoas de Direito Público, quando agem como particulares. É o que ocorre, por exemplo, entre as empresas públicas de prestação de serviços públicos, como o for-necimento de água ou de energia elétrica, e seus usuários ou consumido-res. O Direito Privado, portanto, se constitui a partir do direito civil que compreende o direito de família e das coisas, o das sucessões e obrigações, tendo se destacado deste último o direito comercial. O atual Código Civil brasileiro, que entrou em vigor em janeiro de 2003 e substituiu o que o antecedeu – a lei de no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 – seguiu a divisão do anterior, mas a ampliou. Dividiu-o em Parte Geral e a Parte Geral as subdividiu nos seguintes Livros:

Parte Geral: Parte Especial:Livro I – Das Pessoas Livro I – Direito das ObrigaçõesLivro II – Dos Bens Livro II – Direito de EmpresaLivro III – Dos Fatos Jurídicos Livro II – Direito das CoisasLivro IV – Direito de Família Livro V – Direito das SucessõesLivro Complementar – Disposições finais e transitórias

Direito PúblicoNa concepção original do Direito Romano, como vimos no verbete an-terior, o Direito público abrangia o quanto dissesse respeito ao Estado. No Dicionário de Política de Galvão de Sousa, Clovis Garcia e Teixeira de Carvalho os autores lembram que, “com o crescimento do Estado mo-derno e a multiplicação de suas atribuições, foi-se alargando o âmbito do Direito Público e contraindo-se o do Direito Privado”, para logo em seguida esclarecer que “Marginalizando os grupos intermediários, o in-dividualismo prepara o socialismo que multiplica as funções do Estado e absorve o direito privado no direito público”. (...) “Essa absorção, assegu-ram os mesmos autores, já se anunciava ao ser elaborado o Código Civil francês (Código Napoleônico) arquétipo do individualismo jurídico. Na exposição preliminar desse Código, Portalis (1746 – 1807) escrevia Tout deviant droit publique (Tudo se torna direito público). “Antes dele, Mon-tesquieu (1689 – 1755) recomendava: Cumpre não regular pelos princí-pios do direito político as coisas que dependem do direito civil”. (...)“Nem a cautela aconselhada por Montesquieu, nem o empenho de Portalis em defender a autonomia do direito civil encontraram juristas e homens de Estado dotados de real influência, que mantivessem os mesmos propósi-tos e fossem capazes de conter a exagerada publicização do direito. Esta, atingindo seu extremo nos Estados totalitários, se manifesta também de modo acentuado onde domina a tecnocracia”.

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Essa convergência entre o ordenamento jurídico e o poder estatal, na fi-losofia política moderna nasceu com Thomas Hobbes (1588 –1674), que é também o autor da primeira teoria do Estado moderno. A passagem do Estado da natureza para o Estado civil é também, para ele, a passagem de um Estado não jurídico, para o Estado fundado num ato jurídico que é o pacto através do qual os indivíduos se associam e colocam em comum os próprios bens e as próprias forças para atribuí-las a um soberano que, uma vez constituído é fonte única e exclusiva do direito positivo. A con-tribuição decisiva para a compreensão desse fenômeno de publicização do direito privado na era contemporânea, porém, veio de Max Weber (1864 – 1920) que identificou o Direito como o ordenamento coativo do Estado, entendido como aparelho através do qual os detentores do poder legítimo exercem seu domínio. Segundo ele, a legitimidade* do poder de-pende de sua legalidade*, isto é, do fato de que o poder se apresenta como derivado de um ordenamento constituído e aceito por todos e se exerce segundo normas pré-estabelecidas. A divisão da filosofia política jusnatu-ralista, entre sociedade natural e sociedade civil, foi substituída por Weber pela dicotomia fundada entre poder tradicional e poder legal, que não se cinge mais à distinção entre direito privado ou natural e direito público ou positivo, mas entre direito consuetudinário (costumeiro), próprio da sociedade patriarcal e direito legislativo, próprio do Estado de Direito.

DiretórioÉ a denominação da forma de governo coletivo composto de cinco mem-bros, implantado na França pela Constituição de 1795 que pôs fim ao período anárquico que se seguiu à Revolução de 1789. Essa nova modali-dade de governo que durou de 1795 a 1799, era completada por dois con-selhos, o dos Quinhentos e o dos Anciãos, integrado este último por 250 membros casados ou viúvos, maiores de 40 anos, eleitos pelos cidadãos maiores de 25 e que pagassem tributos, sendo considerados “cidadãos ativos”. O Diretório teve fim quando Napoleão Bonaparte, nomeado 1o Cônsul em 1799, dissolveu o Conselho dos Quinhentos e se proclamou, em 1804, Imperador dos franceses, governando o país até 1815. No Brasil, Diretório é a denominação usualmente utilizada pela maioria dos partidos políticos para compor sua organização federativa, através de Diretórios distritais, municipais, estaduais e nacional que constituem, via de regra, a instância deliberativa intermediária entre as executivas muni-cipais, estaduais e nacionais, e as convenções, instâncias máximas delibe-rativas nas quais são escolhidos os candidatos a cargos eletivos.

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DitaduraDenomina-se ditadura, na linguagem política, o regime de um só governante, sendo, portanto, sinônimo de Autocracia*. Por isso denomina-se ditador o au-tocrata que desfruta da autoridade em virtude de uma afirmação pessoal, ao contrário da sucessão dinástica das monarquias. Nem sempre, porém, a pala-vra ditadura serviu para designar governos autoritários, militares ou autocrá-ticos. Na história do antigo Império romano, de onde deriva essa qualificação, significava exatamente o contrário de um governo ilegítimo. O ditador era um magistrado supremo nomeado pelos Cônsules, por indicação do Senado e confirmado pelos Comitia curiata, uma assembléia popular extraordinária, convocada em razão de ameaças externas ou desordem interna. O mandato do ditador se limitava a seis meses, de tal sorte que, mesmo exercendo um po-der absoluto, não era visto como um tirano, mas como um salvador, dadas as circunstâncias extraordinárias em que exercia seu poder. A ditadura romana tornou-se conhecida a partir de Sila, César a Augusto, nos últimos anos da República. Mas perdeu seu caráter constitucional e sua natureza temporária, para assumir poderes absolutos. Nos tempos modernos o termo foi utilizado por Cromwell, que dissolveu o Parlamento inglês pela força em 1643 e assu-miu poderes absolutos, aparecendo então como salvador providencial. Uma ditadura nos moldes como daquela de que foram acusados Napoleão Bona-parte que se coroou Imperador da França e Bismarck, na Alemanha, vêm se tornando cada vez mais raros neste século que está apenas começando, mas foi um sistema generalizado de dominação absolutista tanto na América Latina quanto na África e na Ásia e na Europa, com o advento de Hitler, Mussolini, Franco e Salazar, no séc. XX.

Ditadura do proletariadoÉ a expressão usada na linguagem marxista para designar a transição do capitalismo para o socialismo e utilizada por Marx em sua corres-pondência privada, embora ele nunca tivesse definido o conceito de maneira formal. Para ele, toda política era uma forma de domínio de classe, de tal sorte que o governo do proletariado era uma “ditadura do proletariado”, da mesma maneira que os governos capitalistas eram “ditaduras dos capitalistas”. A única diferença para Marx era que, pela primeira vez na história, a vitória do proletariado constituiria um go-verno da maioria. Mesmo não tendo conceituado formalmente a ex-pressão, no Manifesto Comunista, ele chegou a apontar alguns traços desse governo, referindo-se a abrir “brechas despóticas no direito de propriedade e nas condições de produção burguesas”. Elas incluiriam a nacionalização da terra, dos transportes, dos bancos, a aplicação de impostos progressivos e a abolição das heranças. Da mesma forma,

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abrangeria também, gradualmente, todo o capital da burguesia. De-pois de 1917, com a subida ao poder de um Partido Comunista cen-tralizado, o termo passou a ser utilizado para designar o monopólio do poder exercido pelo aparato do partido, em nome do proletariado.

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EcologiaO termo ecologia foi utilizado pela primeira vez em 1866, pelo biólogo e naturalista alemão Ernst Haeckel (1834 – 1919) e designa a ciência espe-cializada no estudo das relações entre os seres vivos e o meio em que vi-vem. De todas as ciências humanas, é a geografia a que mais se aproximou da ecologia, por sua vocação de estudar as áreas habitadas. Mesmo que os conceitos associados à ecologia, como ecossistema e bio esfera ainda não estejam incorporados ao léxico das ciências humanas, vários autores têm tentado aproximar os termos típicos dos eco sistemas as suas disci-plinas, como fizeram Edgard Morin, em Sociologia e René Passet em Economia. De acordo com a concepção de Haekckel, o meio correspon-de ao ambiente natural. Ninguém, contudo se preocupava em se aplicar no estudo desse meio e de outros como o meio urbano. Foi o partido da “ecologia urbana”, no fim do séc. XIX, desenvolvido nos quadros da escola de Sociologia da Universidade de Chicago que se dedicou à elaboração de modelos visando a explicar a lógica da distribuição das populações e seus fenômenos de segregação urbana. Foi a partir dessas preocupações que se criou uma nova disciplina, a “ecologia industrial”, desenvolvida nos anos 80 por Suren Erkman, biólogo e filósofo suíço. O mesmo que aconteceu com a expressão “ecologia política”, objeto do verbete seguinte.

Ecologia políticaEsse termo surgiu pela primeira vez em 1957, num artigo do filósofo Bertrand de Jouvenel, intitulado A Economia Política da Gratuidade em que o autor se mostrou preocupado com uma disciplina que se propusesse a estudar as trocas de matéria e de energia entre as diferentes sociedades

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e a natureza, indo além dos fluxos de troca até então medidos pela ciência econômica. Foi preciso esperar pela década entre os 60 e os 70 do século passado, porém, para que a ecologia, por sua vez, investisse na área polí-tica, com a candidatura à presidência da República, na França, do agrô-nomo René Dumont. Foi a expansão da ecologia que deu lugar a outros neologismos, como “ecologismo”, a partir do qual foi possível entrever a dimensão ideológica desse movimento. A expressão “ecologia política” passou a ser usada para descrever qualquer efeito do entorno sobre o comportamento político, como a ecologia da organização de um grupo de pessoas. Em sentido estrito, porém, diz res-peito aos estudos dos entornos territoriais de natureza espacial e o com-portamento político, vinculando-se estreitamente à Geografia Política. Ultimamente, contudo, tem se verificado um uso equivocado em que se confunde a ecologia política com os temas de conservação da natureza e o movimento ecologista. A ecologia política, porém, se caracteriza pelas tentativas de se medir a influência de diferentes entornos sobre indivídu-os ou grupos com uma ou várias características similares. A obra clássica nessa área é a de Herbert Tingsten Political Behavior (Comportamento Político), na qual o autor constata a existência de uma diferença significa-tiva entre grupos de trabalhadores suecos, no que diz respeito à sua ten-dência de voto num partido de classe, o Social Democrata sueco. Os que viviam em áreas onde era predominante a classe operária mostravam uma propensão muito maior ao voto na esquerda que os trabalhadores que viviam como minorias em áreas de classe média. Esta Lei de Gravidade Social, como foi denominada, ilustra a estrutura básica de uma argumen-tação baseada na ecologia política. Trata-se, como se vê, de uma área de pesquisa e conhecimento quase inexplorada em nosso país.

EconomiaA Economia é uma ciência que, à semelhança da Ciência Política, foi ape-nas Filosofia, antes de se tornar ciência e, a partir dessa semelhança em sua origem, tornou-se, tal com o a Política, um mundo complexo que tardou a ser investigado e revelado em todas as suas implicações. Os próprios eco-nomistas parecem não ter ainda chegado a um acordo, em relação a uma definição suficientemente ampla para abranger toda a complexidade desse mundo e toda a objetividade do objeto de seus estudos. Lord Robins que teve grande influência e protagonismo político como diretor do Departa-mento de Economia da London School of Economics e presidente do jornal Financial Times, a definiu como “A ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios escasso, que têm usos alter-nados”. Segundo os críticos, sua definição abrange a essência da microeco-

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nomia, mas não esclarece o espírito da macroeconomia. E por isso o autor do verbete respectivo do Dicionário de Economia de autoria de Graham Bannock, R.E. Baxter e Ray Rees, dá a sua própria definição: “Economia é a ciência relacionada com os aspectos do comportamento social, e com as instituições que utilizam recursos escassos para produzir e distribuir bens e serviços, de forma a satisfazer as necessidades humanas”. O Dicionário de Economia e Administração de Paulo Sandroni traz a seguinte definição: “Ci-ência que estuda a atividade produtiva. Focaliza estritamente os problemas referentes ao uso mais eficiente de recursos materiais escassos para a produ-ção de bens; estuda as variações e combinações na alocação dos fatores de produção (terra, capital, trabalho, tecnologia), na distribuição de renda, na oferta e procura e nos preços das mercadorias. Sua preocupação fundamen-tal refere-se aos aspectos mensuráveis da atividade produtiva, recorrendo para isso aos conhecimentos, matemáticos, estatísticos e econométricos. De forma geral, esse estudo pode ter por objeto a unidade de produção (empre-sa), a unidade de consumo (família) ou então a atividade econômica de toda a sociedade. No primeiro caso, os estudos pertencem à microeconomia e, no segundo, à macroeconomia”. A palavra Economia é de origem grega, oikonomia, formada de dois ter-mos oikos (casa) e nomos (lei, princípio de organização) e traduzida como organização ou administração da casa, administração doméstica. Quem a utilizou pela primeira vez no período moderno, foi o francês Antoine de Montchréstien (1575 – 1621), em seu Tratado de Economia Políti-ca, publicado em 1615. A expressão ciência econômica, porém, apare-ceu em 1763, na obra Filosofia Rural, de 1763, de autoria de Mirabeau (1749 – 1791) e do Dr. François Quesnay (1694 – 1774). A Economia moderna foi precedida da escola que se convencionou chamar de Fisio-crata, de que se considera ter sido fundador o Dr. Quesnay, médico de Luiz XV autor da obra Tábua Econômica, e criador da célebre frase que sintetizou suas convicções: laissez faire, lessez passer (deixai fazer, deixai passar), opondo-se, dessa forma, às restrições que o mercantilismo espa-lhara pelo mundo, com seus mercados coloniais cativos. Mas foi a obra do escocês Adam Smith (1723 – 1790), Riqueza das Nações, considerado o pai da Economia moderna estabeleceu os padrões com que até hoje são discutidos os temas econômicos. Os economistas concordam que há alguns padrões que permitem identificar a divisão do pensamento econômico, entre algumas escolas, como os liberais, adeptos do livre mercado e os keynesianos (adeptos de John Maynard Keynes (1882 – 1946), favoráveis à regulamentação do mercado pelo Estado. Mas as questões em que se põem de acordo superam em muito essas concordâncias com alguns aspectos de sua

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ciência. A criação do prêmio Nobel de Economia em 1969, o úni-co na área de ciências sociais, veio coroar a entrada da Economia no chamado rol das ciências “duras”. Hoje há um razoável consenso de que as escolas do pensamento econômico se dividem entre “neoclás-sicos”, “keynesianos”, “monetaristas”, “regulacionistas” e, para muitos os “institucionalistas”. Há, por outro lado, os que preferem identificar quatro grandes famílias de pensamento econômico: “clássicos e neo-clássicos”, os “keynesianos”, os “marxistas” e os “heterodoxos”. (a) Os clássicos, (autores do séc. XIX) dão os também chamados de “livre-cambistas”, adeptos da livre troca de mercadorias. Eles acreditam que o mercado é o melhor estímulo para a produção e o melhor meio de repartir a produção. Seus herdeiros, os “neoclássicos” vão encarar a economia a partir de uma nova visão, o modelo do equilíbrio geral do mercado. (b) Para John Maynard Keynes e seus adeptos, o mercado não é esse modelo de equilíbrio, espontâneo e harmonioso descrito pelos clássicos. Os keynesianos pensam em termos macroeconômicos e acreditam que o mercado deixado a seu arbítrio pode gerar situações de desemprego crônico e de crises. Acreditam, por fim, que o Estado tem um papel a desempenhar na regulação do circuito econômico. (c) Karl Marx (1818 – 1883) e os marxistas introduziram uma crí-tica muito mais radical do capitalismo. As crises, as desigualdades, o empobrecimento e o desemprego, longe de serem falhas passageiras dos sistemas, apenas revelam sua natureza profunda. (d) Os hetero-doxos formam um conjunto disperso. Em geral tomamos o hábito de agrupá-los como um conjunto de economistas que se recusam a con-siderar a economia como um mundo autônomo, separado do resto da sociedade e dotado de leis próprias. Para eles, não se pode pensar em economia sem aí integrar as formas de organização das empresas, as relações de poder e as condutas dos grupos sociais, as instituições, as normas e os valores prevalecentes na sociedade. Não é só a divisão em escolas que marca a economia e a análise econômica. Nas ciências econômicas, é usual distinguir-se uma visão “macro” e uma visão “micro”. A macroeconomia estuda o funcionamento do conjunto, da economia tanto em escala nacional, quanto em escala internacional. Ela raciocina em termos de um circuito global integrado, entre o Esta-do, as famílias, a moeda, etc. Em sentido inverso, a microeconomia parte das unidades elementares (microscópicas) da economia, o consumidor e o produtor, para visualizar a partir delas as situações do mercado. Depois de muitos anos de completa separação entre os enfoques de análise, as fronteiras entre a macro e a microeconomia tendem a ser cada vez menos visíveis e nítidas.

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Economia PolíticaA expressão se refere aos problemas que interessam e portanto dizem respeito, indistintamente, tanto à Economia, como à Política. Não deve ser confundida, porém, com o sentido tradicional com que era encara-da essa questão, pois durante muito tempo fazia parte, inclusive, como disciplina do currículo das faculdades de Direito de inúmeros países. Ela supunha um enfoque de origem marxista, segundo a qual as prin-cipais questões são percebidas e analisadas de acordo com suas implica-ções distributivas, em especial entre capitalistas e trabalhadores. Nesse sentido tradicional, a Economia Política procurar entender a interação entre as forças políticas e econômicas, para a determinação da política macroeconômica. Há duas tendências dentro do núcleo que tem essa visão. (a) A primeira valoriza o estudo da influência da conjuntura eco-nômica na popularidade dos governos. (b) A segunda procura estudar a influência do fato de que a política econômica seja da responsabilidade dos políticos, e não de tecnocratas neutros, no que se relaciona aos tipos de medidas econômicas a serem adotadas. Embora as duas questões se-jam objeto de considerável discussão, seguramente a primeira é a menos controvertida, exatamente pelo fato de ser a mais específica. Haveria uma coincidência muito generalizada de que o êxito da política econô-mica incrementaria a popularidade de um governo e suas possibilidades de reeleição. Apesar disso, a formulação explícita dessa hipótese e sua comprovação com dados é uma parte crucial do método desse enfoque da economia política. Por isso, têm aparecido um número razoável de obras que procuram explicar a popularidade dos governos ou seus resul-tados eleitorais como conseqüência dos principais indicadores econô-micos, como a inflação, o desemprego, a balança de pagamentos, a taxa de crescimento da renda real “per capita”, entre outros. Essa relação es-tatística entre popularidade e economia é conhecida entre os cientistas políticos como função de popularidade. Ela poderia ser enunciada da seguinte maneira: Quanto maior o êxito econômico, maior a populari-dade dos governos, e quanto maior sua popularidade, maior as chances de reeleição. Por isso têm sido feitas muitas tentativas de cálculo das funções de popularidade, porém, em termos estatísticos, parecem ser re-lações muito pouco estáveis. Alguns exemplos servem para ilustrar essa precariedade. Por exemplo, parece que o efeito sobre a popularidade de um aumento de 1% no nível de desemprego na década de 60 era muito diferente de um aumento similar, na década de 90; por outro lado, a importância do balanço de pagamentos mudou muito depois do esta-belecimento dos tipos de câmbio flutuantes. De tal forma que ainda que seja possível explicar a popularidade durante um período determinado,

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fazendo referência a dados econômicos, é difícil descobrir relações está-veis, sólidas o suficiente para realizar predições sobre as conseqüências das mudanças econômicas futuras na popularidade dos governantes. As relações teóricas relacionadas com a investigação da chamada função de popularidade têm se ocupado de questões como: depende a popularida-de da atuação passada dos governos, ou as expectativas de atuação futura têm função ainda maior? Outro assunto igualmente relevante é o grau em que a conjuntura econômica é percebida como resultado da política de governo ou como conseqüência de forças incontroláveis, tais como a economia mundial ou o preço do petróleo. A segunda tendência dessa concepção de economia política ocupa-se da influência dos fatores políticos na determinação da política macroeco-nômica. A hipótese mais conhecida nesse campo é a do ciclo “econômi-co-político”, segundo o qual os governos tratam de gerar as condições de prosperidade antes das eleições, para aumentar suas possibilidades de reeleição. Mesmo que a presença de um ciclo econômico-político seja amplamente aceito, as provas a respeito carecem de solidez. Uma das razões talvez seja que as táticas só podem dar resultado se conseguem enganar os eleitores a curto prazo. Neste caso, é possível que o engano não se repita. De qualquer maneira, se a função de estabilidade não é estável, não há garantias de que o auge econômico influa na reeleição. Uma forma alternativa dos ciclos “econômico-políticos” se baseia no cumprimento das promessas feitas nos primeiros anos de governo. Um partido recém-eleito poderia ter que cumpri-las enquanto com o passar dos tempos, o realismo econômico possa passar ao primeiro plano e o governo ser obrigado a dar uma volta de 180 graus. Isso ocorre, em geral, quando se prometem importantes programas que exigem gastos e investimentos sem uma planificação séria de como financiá-los. Em todos os casos, as trocas de governo podem implicar numa instabilidade econômica que, em geral é pouco provável que gere benefícios.Outra importante área de pesquisa ocupa-se da questão de saber se o perfil ideológico dos partidos no governo influem de forma significati-va nos objetivos macroeconômicos. Esta questão foi a base de muitos estudos comparativos internacionais, depois que o trabalho pioneiro de Douglas Hibbs, da Universidade de Harvard, contrapôs a hipótese de que os partidos de centro esquerda se preocupam mais com o desem-prego e os de centro direita, mais com a inflação. Os indícios parecem corroborar esta opinião.Concluindo, pode-se dizer que a economia política é uma área de conhe-cimento que utiliza a pesquisa e as técnicas econométricas para contrastar hipóteses sobre a interação da economia com a comunidade política.

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ElegibilidadeSó podem ser eleitos, de acordo com o art. 14, § 3o da Constituição: (I) os que tenham a nacionalidade brasileira; (II) os que estejam no exercí-cio dos direitos políticos; (III) os que tenham se alistado na Justiça Elei-toral; (IV) os que tenham domicílio na cidade pela qual estejam alista-dos; (V) que sejam filiados a um partido político, e (VI) os que tenham as seguintes idades mínimas: (a) 35 anos, para os cargos de presidente, vice-presidente da República e senador; (b) 30 anos para governador e vice-governador de Estado ou do Distrito Federal; (c) 21 anos, para deputado federal, deputado estadual ou distrital, prefeito, vice-prefeito e juiz de paz; (d) 18 anos, para vereador.

Eleições e DemocraciaAs eleições são a condição indispensável para que haja democracia. Há países em que não há democracia, mas há eleições. Logo, não basta que haja eleições, para que haja democracia. Para que haja democracia é preciso que as eleições sejam (a) livres, sem coação nem manipulação; (b) competitivas, isto é que haja vários partidos concorrendo e (c) que o voto seja secreto.

EliteO termo se generalizou nas Ciências Sociais, desde que o economista italiano Vilfredo Pareto (1848 – 1923) o utilizou em seu livro Tratado de Sociologia Geral, publicado em 1916, para caracterizar o fato de que uma parte da sociedade, a que possui maior capacidade de atuação em virtude de seu conhecimento, em todas as áreas das atividades huma-nas, se diferencia dos demais que integram qualquer sociedade. A esse segmento ele denominou “elite governante”, uma expressão que foi in-distintamente utilizada para designar suas sinônimas “classe dirigente”, “elite política” e “classe política”. Essa elite, segundo a caracterização de Pareto se distinguia e se contrapunha ao estrato não elitista ou in-ferior da sociedade. A contribuição pioneira à que veio a se denominar “Teoria das Elites”, no entanto, é de autoria de outro italiano, Gaetano Mosca que, no livro Elementos de Ciência Política, publicado em 1896, escreveu: “Entre as tendências e os fatos constantes que se encontram em todos os organismos políticos, aparece uma cuja evidência se im-põe facilmente a qualquer observador: em todas as sociedades, desde as medianamente desenvolvidas que apenas chegaram aos preâmbulos da civilização, até as mais cultas e fortes, existem duas classes de pessoas: a dos governantes e a dos governados. A primeira, que é sempre menos numerosa, desempenha todas as funções, monopoliza o poder e des-fruta das vantagens que a ele vêm unidas. A segunda, mais numerosa, é

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dirigida e regulada pela primeira de maneira, mais ou menos legal, ou ainda de um modo mais ou menos arbitrário e violento, e recebe dela, ao menos aparentemente, os meios materiais de subsistência e os in-dispensáveis para a vitalidade do organismo político. Na prática, todos nós reconhecemos a existência dessa classe dirigente ou classe política, como a definimos várias vezes (Teoria dos governos e governos parla-mentares), publicado em Turim, em 1884). Sabemos, com efeito, que em nosso país e nas nações vizinhas há uma minoria de pessoas influentes que dirigem a coisa pública. De bom ou mal grado, a maioria lhe entre-ga a direção; de fato, não podemos imaginar um mundo organizado de outra maneira, no qual todos estivessem submetidos a um só, ainda que em pé de igualdade e sem nenhuma hierarquia entre eles, ou que todos dirigissem por igual os assuntos políticos. Se em teoria raciocinamos de outra maneira, se deve em parte ao efeito de hábitos inveterados de nosso pensamento, e em parte à excessiva importância que damos aos fatos políticos cuja aparência se situa muito acima da realidade”. A teoria ou teorias das elites criou um amplo e duradouro debate. Su-põem alguns autores que ela tinha por objetivo se opor tanto ao socia-lismo marxista, quanto à idéia de democracia, de tal forma que teria, inclusive, exercido uma enorme influência sobre o pensamento de Max Weber (1864 – 1920), autor da monumental Economia e Sociedade de Robert Michels (1876 – 1936), em sua obra Sociologia dos Partidos Políticos. A polêmica das relações entre a classe dirigente e as demais classes sociais, em especial com relação ao conceito marxista de clas-se governante foi de tal intensidade que o sociólogo francês Raymond Aron tentou, em dois artigos publicados respectivamente em 1950 (Es-trutura social e classe dirigente) e em 1960 (Classe social, classe política, classe dirigente), analisar “a relação existente entre a diferenciação social e a hierarquia política nas sociedades modernas”. Da mesma forma, o sociólogo americano C. Wright Mills, autor do clássico White Collar (Colarinho Branco), por considerar tendenciosa a expressão classe go-vernante, propôs substitui-la pela de “elite do poder”, que incluiria não apenas os dirigentes políticos, mas também os empresários, os líderes políticos e a alta hierarquia militar. A melhor, mais sintética e mais completa definição do que seria a elite, no entanto, não é nem de um sociólogo, nem de um cientista político. Foi dada pelo Administrador de empresas americano James Burnhan em seu livro A Revolução Geren-cial: “elite é a parcela da sociedade que se apropria da maior parte do que é apropriável”. Isto incluiria os empresários, os militares, os intelectuais, os políticos, os artistas, enfim, todos os que adquirem um notório prota-gonismo nas sociedades em que vivem.

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As teorias de Mosca e Pareto sem dúvida influenciaram tanto o pensa-mento de Weber quanto o de Michels que ambos, em seus textos, não só rechaçam a idéia de um governo do povo eficaz, por considerá-la utópica, como também se opõem à crença de que a participação demo-crática possa estender-se gradualmente à democracia e, até mesmo apri-morá-la. Em sentido contrário, porém, o sociólogo austro-húngaro Karl Mannheim (1893 – 1947) defendeu a idéia de que a democratização da cultura e a aparição do que ele chamou de “elites democráticas”, como resultado da seleção pelo mérito, assim como a redução da distância en-tre elites e massas, seria um fator decisivo para evitar a generalização do que se poderia chamar de elitismo no mundo. Os marxistas de diversas tendências contudo, sustentam que o caráter de recrutamento das elites tem mudado muito pouco a situação de domínio dos grupos governan-tes, uma vez que a propriedade ou a posse efetiva dos grandes recursos econômicos se concentra em mãos de uma minoria, seja ela uma classe capitalista, ou uma “nova classe” de burocratas e intelectuais. A perma-nência dessa polêmica, que se estende por quase um século, mostra a importância das contribuições de Mosca, com sua teoria das elites e de Pareto com a da circulação das elites, um tema que ainda não se esgotou e que exige novas pesquisas e muita reflexão.

EnciclopedismoA palavra deriva do grego egkyklos+paidéia que significa literalmente “conhecimento (Paidéia) circular (egkyklos)” e tinha o sentido de um conhecimento completo, abrangente, que deu em português o termo enciclopédia, de onde deriva “enciclopedismo”, nome do movimento que deu origem ao surgimento da coletânea de artigos dirigida pelos pensadores franceses Denis Diderot e D’Alembert. Anunciada para ter oito volumes e 600 gravuras, em novembro de 1750, com o 1o volume a sair em julho de 1751 e o 2o em janeiro de 1752, teve como colabo-radores os nomes mais famosos da França na época. Embora só tenha sido completada em 1765 e complementada entre 1765 e 1772, com sete volumes de índices, constituiu um enorme êxito, pois tinha conse-guido, ao fim de sua publicação, nada menos de 4.300 assinantes, um número excepcional para a época, além de ter proporcionado a seus edi-tores uma receita equivalente ao dobro das despesas feitas, a despeito da perseguição que lhe moveu o poder. A coleção completa, com o título Enciclopédia ou Dicionário Racional das Ciências, das Artes e dos Ofícios, compunha-se de 35 volumes, com 23.135 páginas e 3.132 gravuras e foi tal o seu sucesso que foi traduzida e adaptada em várias línguas. A publicação em Edimburgo entre 1768 e 1771 dos três volumes da

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Encyclopædia Britannica, com três volumes, com 1.760 páginas e 3.132 gravuras ajudou a disseminar a idéia, tendo como principal característica a concentração e sistematização dos temas, como por exemplo, o verbete Surgery (Cirurgia) que ocupou 238 páginas e Anatomy (Anatomia), com 166 páginas. O movimento que se espalhou pela Europa tinha o objetivo de ser uma consolidação de todos os conhecimentos científicos e culturais de sua época, inaugurando uma tendência que colocou ao alcance de um número incalculável de pessoas, a cultura e a ciência antes restrita aos especialistas. Com a expansão das descobertas e a ampliação dos campos de atuação da Ciência, as novas enciclopédias passaram a se dedicar a áreas especializadas cada vez mais diversificadas, em todo o espectro do conhecimento humano.

EqüidadeNa linguagem corrente, Eqüidade é sinônimo de Igualdade e ambos os termos têm origem comum. O primeiro deriva do latim æquitas por sua vez proveniente de æquus, igual, enquanto o segundo provém de æquali-tas, originado de æqualis , semelhante. Igualdade, portanto, como ensina De Plácido e Silva em seu Vocabulário Jurídico, “é a uniformidade de grandeza, de razão, de proporção, de extensão, de peso, de altura, enfim, de tudo que possa haver entre duas ou mais coisas”. Semanticamente, igualdade e semelhança podem não ser termos equivalentes, pois uma coisa semelhante a outra, pode não ser igual, mas parecida. Por isso, esse mesmo autor adverte: é assim que “duas coisas podem não se apresen-tar materialmente iguais e, no entanto, podem exprimir uma igualdade. Assim ocorre na divisão ou partilha de bens, em que a igualdade se infere da equivalência ou proporção do quinhão (parte que cabe a cada herdeiro), quanto a seu valor, atendida, quanto possível, a natureza ou qualidade dos bens. Traz aí o sentido de proporcionalidade”. Igualdade é ainda, completa ele, a “designação dada ao princípio jurídico instituído constitucionalmente, em virtude do qual todas as pessoas, sem distinção de sexo ou nacionalidade, de classe ou posição, de religião ou de fortuna, têm perante a lei os mesmos direitos e as mesmas obrigações”. Os ro-manos davam à palavra eqüidade o mesmo sentido de “Justiça”, expresso na definição de Ulpiano: Ius est ars boni et æqui (O Direito é a arte da bondade e da eqüidade), mas não era com ela confundida. O princípio da eqüidade deve ser entendido como aquele que mais deve atender à razão, do que a regra imposta pelo Direito. Assim, ressalta De Plácido e Silva, “a eqüidade é a que se funda na circunstância especial de cada caso concreto, concernente ao que for justo e razoável. E, certamente quando a lei se mostrar injusta, o que se poderá admitir, a eqüidade virá

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corrigir seu rigor, aplicando o princípio que nos vem do Direito Natural, em face da verdade sabida ou da razão absoluta. Objetiva-se, pois, no princípio que modera a aplicação da lei, quando se evidencia excessivo rigor, o que seria injusto. Assim, diz-se que æquitas sequitur legem (a eqüidade acompanha a lei). E jamais poderá ser contra ela. O art. 4o da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro institui o princípio de que o juiz, quando, autorizado a decidir por eqüidade, aplicará a norma que estabeleceria se fosse legislador”. Os fundamentos da distinção entre equidade e igualdade, contudo, são encontrados na Filosofia do Direito. Em sua Filosofia do Direito, o ju-rista alemão Gustav Radbruch, assinala que “a Justiça apresenta dois aspectos. Pode denominar-se justa a aplicação ou a obediência de uma lei e a própria lei. (...) Mas a própria igualdade é suscetível de outra significação. Por um lado, segundo seu objeto pode referir-se a bens ou a homens: justo é o salário que corresponde ao valor do trabalho, mas também a pena que atinge igualmente, tanto um quanto o outro. Por outro lado, segundo a sua medida, pode ser igualdade absoluta ou rela-tiva: o salário igual para vários, mas a pena de vários, na proporção de sua culpa”. Por isso, lembra ele, a famosa doutrina Aristotélica da justiça une ambas as distinções. A igualdade absoluta entre bens, por exemplo, entre trabalho e salário. Entre prejuízo e compensação, é por ele deno-minada justiça igualitária ou niveladora; inversamente, a igualdade rela-tiva ou proporcional, no trato de diferentes pessoas, como por exemplo, a tributação em conformidade com a produtividade; o amparo segundo a necessidade; a recompensa e o castigo de acordo com o mérito e a culpa, constituem a essência da justiça distributiva. A justiça igualitá-ria exige, ao menos, duas pessoas, a distributiva pressupõe pelo menos três. Aquelas duas pessoas têm os mesmos direitos, uma em relação à outra, enquanto das três, uma delas – a que impõe as cargas ou concede os benefícios, encontra-se em posição de superioridade em relação às outras”. Nestas condições, a justiça igualitária é a justiça em relações de coordenação; a justiça distributiva vigora nas relações de subordinação. Daí a conclusão de Radbruch: “A justiça igualitária é a justiça do direito privado; a distributiva do direito público”. Mais do que na Filosofia do Direito, contudo, é na filosofia pura que que se deve buscar a distinção entre eqüidade e igualdade. Num de seus mais famosos textos, Ética a Nicômano Aristóteles se preocupa com o dilema de que a eqüidade deveria ser melhor que a justiça, não podendo, por-tanto, ser algo que se contrapõe a ela, senão uma de suas espécies. E ele próprio apontou a solução: justiça e eqüidade não são valores distintos, mas caminhos diferentes para alcançar o valor uno do Direito. A distin-

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ção da justiça distributiva da justiça comutativa se verifica na separação, como assinalou Radbruch, do Direito Público para o Direito Privado, em decorrência do conceito do Estado de Bem-estar Social. Enquanto no Direito Privado prevalece o preceito de se tratar igualmente a todos, valendo portanto o princípio da Igualdade, no Direito Público prepon-dera o preceito de se “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais” valendo, por conseqüência, o princípio da Eqüidade.

“Establishment”Nenhum dos Dicionários de Política, registra o termo establishment que, por sinal, também não é encontrado no American Heritage Dictionary, o que parece indicar não ser palavra usual na linguagem corrente da língua inglesa. Na Enciclopédia Britânica, porém, a palavra é empregada para in-dicar duas expressões distintas, establishment civil e establishment militar, empregadas ambas na área de marketing para indicar o mercado de con-sumo dessas duas áreas de consumo do governo dos Estados Unidos. No establishment civil, há seis diferentes áreas que concentram as aquisições de bens e serviços do governo federal: (1) os Departamentos, (ex. De-partamento do Comércio); (2) a Administração (ex. o Serviço Geral de Administração; (3) as Agências (ex. a Agência Federal de Aviação, (4) as Juntas (ex. a Junta Ferroviária de Aposentadoria, (5) as Comissões (ex. a Comissão Federal de Comunicações) e (6) os Escritórios Executivos (ex. o Escritório de Gerenciamento e Orçamento). Além desses, há vários ser-viços que não se enquadram em nenhuma dessas categorias (ex. a TVA, criada por Franklin Roosevelt, a Autoridade do Vale do Tenessee). O es-tablishment militar, por sua vez, é representado nos Estados Unidos pelo Departamento de Defesa que adquire bens através da Agência de Supri-mentos da Defesa, no Exército, na Marinha e na Força Aérea. Esse órgão opera seis centros de fornecimentos especializados em: (1) construção, (2) material eletrônico, (3) combustíveis, (4) suporte de pessoal, (5) suprimen-tos industriais e (6) suprimentos de serviços gerais. A expressão se popularizou quando, no discurso de despedida da presi-dência dos Estados Unidos, o general Eisenhower advertiu para os ris-cos de um estado militarista em decorrência da “guerra fria”, ao referir-se ao “complexo industrial-militar” como uma força autônoma dentro do governo, que passou a ser designado genericamente de establishment, em português “estabelecimento”.

EstadoEstado é um conceito tanto jurídico, quando político. No âmbito do Direito Público pode ser definido como “o agrupamento de indivíduos

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estabelecidos ou fixados em um território determinado e submetidos à autoridade de um poder público soberano”. Neste sentido, a existência do Estado depende de três requisitos: população, território e governo do-tado do atributo de soberania. Isto significa que pode haver Estados não soberanos, da mesma forma como pode haver populações que vivem em mais de um Estado. Não há Estado, contudo, sem população, mesmo que possua território. Por outro lado, populações que não disponham de um governo nem de território próprio, podem constituir uma Nação, mas não são Estados. Sob o ponto de vista político, Estado é a nação politicamente organizada, dotada de território e governo. Se gozar do atributo de sobe-rania, é um Estado soberano, caso contrário, é um Estado não soberano.

Estado de Bem-Estar SocialA expressão começou a ser usada em sentido pejorativo, em 1932, para caracterizar a República de Weimar, na Alemanha, assim chamada por ter sido naquela cidade que se reuniu a Assembléia Constituinte que aprovou a Constituição também denominada de Weimar depois da der-rota do país na Primeira Guerra Mundial. Foi a primeira Constituição que, por inspiração do famoso jurista Hugo Preuss, incluiu, num texto constitucional, um capítulo inteiro dedicado aos direitos sociais, insti-tuindo um novo paradigma que quebrou o modelo do constitucionalis-mo clássico definido por Benjamin Constan, para quem era constitucio-nal, apenas, o que dissesse respeito à organização dos poderes do Estado e à garantia dos Direitos fundamentais. O caráter pejorativo referia-se à circunstância de que, apesar de suas instituições jurídicas e políticas consideradas primorosas teoricamente, a Alemanha viveu um dos pio-res momentos de sua história, em face do processo inflacionário que desagregou o sistema econômico do país, generalizou o desemprego, e empobreceu a população, dando causa à radicalização do processo polí-tico de que resultou a ascensão de Hitler ao poder em 1933 e o advento do nazismo. A ideologia do Estado de Bem-Estar Social se desenvolveu sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, como uma concepção segundo a qual o Estado deve assumir, por meio de legislação protecio-nista, a responsabilidade de proteger e promover o bem-estar básico de todos os seus membros. Um de seus elementos essenciais é uma legisla-ção que garanta a manutenção da renda e promova a elevação do poder aquisitivo e a ajuda às famílias nos casos de acidentes e enfermidades profissionais, problemas de saúde, velhice e desemprego. A expressão foi registrada no Dicionário Oxford de Inglês em sua edi-ção de 1955, exatamente quando as primeiras experiências começavam a dar resultado com a adoção de um plano proposto por Lord Beve-

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ridge na Inglaterra, conhecido como “Estado de Serviço Social”, em 1942, seguido das resoluções adotadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), na reunião de Filadélfia de 1944, iniciativas que se converteram em pontos de referência básicos para a construção de programas e instituições de bem-estar em grande escala. O crescimento dos Estados de Bem-estar Social tem sido interpretado como uma res-posta às necessidades funcionais das sociedades capitalistas em desen-volvimento e como resultado do crescente movimento reivindicatório do movimento operário em todo o mundo ocidental. O seu aspecto essencial resultou de um consenso político crescente entre os principais partidos políticos, sobre os objetivos centrais da política social. Outra conseqüência política relevante é que o Estado de Bem-Estar Social ampliou sensivelmente a esfera de atuação das políticas públicas. Elas afetam as instituições políticas, criando a necessidade de maior e melhor coordenação das políticas sociais e inspirando a organização de novos grupos de interesse que buscam participar, como beneficiários, dessa ex-pansão da presença do Estado. Os maiores avanços foram conseguidos nos países da Europa Ocidental. Em geral, concorda-se que da mesma forma que o Estado de Bem-Estar Social gerou benefícios para a socie-dade, promovendo a harmonia social e a estabilidade política, permitiu também estabilizar as economias, criando melhores condições de vida para os diferentes grupos e classes sociais, além de contribuir para o desaparecimento da miséria, a erradicação da pobreza e melhorando as condições de vida para todos. Os melhores exemplos de sucesso do Estado de Bem-Estar Social encontram-se nos países escandinavos, em que 40% da população dependem diretamente do Estado.

Estado de DireitoEstado de Direito, Rechtsstaat, é uma expressão cunhada pelos alemães que, segundo Simone Goyard-Fabre, na obra Os Princípios Filosóficos do Direito, só veio a ser utilizada na França cerca de um século depois, em 1922, pelo jurista Carré de Malberg, no livro Contribuição à Teoria Geral do Estado. No mundo anglo-saxão, a expressão equivalente, embora não tenha exatamente o mesmo sentido, é Rule of Law (O império ou gover-no da lei) que traduz a velha oposição entre “governo dos homens”, para descrever os governos autoritários, autocráticos e absolutistas, do “go-verno da lei” que caracteriza a natureza impessoal do poder do Estado, limitado pela ordem política e pela ordem jurídica das quais emanam, tanto a autoridade, quando o poder governamental. Trata-se da forma eficiente segundo a qual se procura conciliar dois princípios aparente-mente antitéticos: a Ordem e a Liberdade. O idealismo dos Iluministas

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foi traduzido, no fim do séc. XVIII, por uma idéia da aspiração humana pela felicidade e pelo progresso. O pensamento burguês que emergiu da Revolução Francesa foi nutrido por uma inspiração filosófica que celebrava, ao mesmo tempo, os “prodígios da lei” editadas pelo Poder e as virtudes dos “direitos-liberdade” que se opunham ao Poder. A de-claração dos Direitos do Homem e do Cidadão não foi apenas um exercício do pensamento, ela marcou na história do Direito Político o surgimento triunfal das liberdades e dos direitos individuais: celebran-do a autonomia conquistada pela razão, ao mesmo tempo constituinte e militante. Ela era sintetizada pela declaração solene segundo a qual “todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”. A função do Direito Político que daí decorreu, não era só rejeitar, por seus dispositivos, o imperialismo da política, mas assegurar por suas instituições públicas, a proteção dos direitos e liberdades de todos os cidadãos. Assim, à medida que cresciam e se firmavam as idéias relati-vas aos “direitos humanos” e que se multiplicavam, mudando sua natu-reza, as reivindicações da liberdade, se precisou, não sem dificuldades, a vocação do que passamos a chamar de “Estado de Direito”. O instru-mento para garantir o equilíbrio entre a Liberdade e a Ordem, a partir das conquistas do conjunto de leis que na Inglaterra formam o funda-mento de sua Constituição não escrita, a Constituição escrita dos Esta-dos Unidos de 1787 e o constitucionalismo que se seguiu à Revolução Francesa, é o ordenamento jurídico fundamentado nos princípios que decorrem da ordem constitucional, à qual nenhum poder se sobrepõe e ante o qual cessam todos os demais. No Dicionário de Política de Gal-vão de Sousa, Clovis Lema e Teixeira de Carvalho, os autores listam os seis preceitos que, no Direito Político contemporâneo, configuram o que convencionamos chamar de “Estado de Direito”, Rule of Law ou Rechtsstaat: “(1) A supremacia da lei Rule of Law da tradição britânica, ou seja, a limitação do exercício do poder, por uma superlegalidade à qual devem subordinar-se as leis dela emanadas; (2) o princípio da le-galidade, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei; (3) o princípio de isonomia – ou igualdade perante a lei – significando a aplicação da norma jurídica a todos, sem acepção de pessoas; (4) a independência da magistratura, assegurando-se aos juízes e tribunais condições que lhes permitam o desempenho de suas funções sem ficarem à mercê de qualquer coação ou influência inibidora; (5) garantias eficazes aos direitos individuais e sociais; (6) responsabilidade dos governantes e agentes do poder pelos atos de transgressão da ordem jurídica, devendo eles, nesta hipótese, responder a processo, dentro do legalmente estabelecido”.

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Estado de SítioRegime de exceção a que uma comunidade é submetida, em casos de iminente perigo interno ou ameaça externa à sua soberania. Trata-se de um remédio constitucional que estabelece os limites em que medidas co-ercitivas podem ser empregadas para garantir a ordem pública e implica, via de regra, na suspensão temporária de algumas das garantias constitu-cionais. Essas medidas de emergência sempre foram previstas em todas as Constituições democráticas do país, e nos períodos de ditadura, como entre 1930 e 1934, entre 1937 e 1945 e na maior parte de duração do regime militar entre 1964 e 1978, quando foram revogados os Atos Ins-titucionais, as medidas excepcionais eram utilizadas sem as restrições e limitações vigentes durante o regime democrático. Na atual Constituição, está previsto, além do estado de sítio, o Estado de Defesa, no art. 136, que difere daquele por se tratar de medida a ser aplicada “em locais restritos e determinados” para “restabelecer a ordem pública ou a paz social, ame-açadas por grave e iminente instabilidade institucional, ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”. A decretação é limitada a 30 dias, prorrogáveis por igual período, devendo ser precedida de au-diência do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional, e apreciação do Congresso Nacional. Já o Estado de sítio está previsto nos arts. 137, 138 e 139 da Constituição. Também exige prévia audiência dos Conselhos da República e de Defesa Nacional, além de aprovação do Congresso Nacional.

Estado federadoNos regimes federativos, como o Brasil, o governo central é exercido pelo presidente da República, que também acumula essas funções com a chefia do Estado. Já os Estados e o Distrito Federal, que constituem Unidades federativas, são dirigidas pelos respectivos governadores, já que são dotados de autonomia política e administrativa. Os Estados, por sua vez, são divididos em Municípios.

Estado, forma deOs Estados soberanos admitem duas diferentes formas em seus regimes políticos: ou são monárquicos ou são republicanos. Nas Monarquias, a chefia do Estado é exercida pelo monarca, rei ou imperador, e a suces-são do poder do Estado se faz por hereditariedade, isto é passa de pai para filho. Nas Repúblicas, ao contrário, a chefia do Estado é exercida por um presidente, eleito de forma direta, como no Brasil, ou de forma indireta, como na Itália. Algumas poucas Repúblicas, como é o caso de Portugal, Áustria, França, Finlândia e Irlanda, os presidentes da Repú-

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blica e, vez de serem eleitos de forma indireta, como na Itália e Alema-nha, são eleitos de forma direta, enquanto os chefes de Governo são eleitos de forma indireta. Por outro lado, tanto os Estados republicanos quanto os monárquicos admitem duas formas de organização política. Ou são Estados unitários, com uma só soberania e uma só autonomia, ou são Estados federados, com uma só soberania e várias autonomias. Os Estados unitários dividem-se em regiões administrativas, enquanto os Estados federados, dividem-se em Estado autônomos, cujo conjunto constitui a Federação.

Estamento socialEstamento era uma antiga modalidade de classificação dos diferentes grupos que compunham a sociedade. Serviu também como uma forma de representação na Europa medieval e subsistiu durante a primeira fase da Idade Moderna. Cada estamento era constituído de grupos rigida-mente definidos por critérios de nascimento ou de ocupação. Durante a Idade Média, a sociedade se compunha de três ou quatro estamentos, também denominados “ordens” em algumas regiões: o clero, a nobre-za – alta e baixa nobreza, dividida entre senhores e cavaleiros, – e os burgueses de determinadas cidades. Em algumas regiões, os habitantes do campo, os chamados servos da gleba que se uniam aos suseranos nos diferentes feudos, formavam um estamento independente, enquan-to em outras, a divisão se baseava em ordens superiores, divididas em senhores espirituais e temporais, a que se juntava o chamado “terceiro estado”, abrangendo todos os plebeus que não eram nobres nem mem-bros do clero e das ordens religiosas. Os estamentos, também chamados de estados eram, em essência, corporações privilegiadas, como ocorria com as corporações de ofício, integradas por artesãos de diferentes áreas, como tecelões, ourives, marceneiros e trabalhadores manuais de várias especialidades que detinham o virtual monopólio das atividades que desenvolviam e às quais só se filiavam os membros do mesmo grupo. O direito mais importante dessas ordens, corporações ou estamentos era o da representação política, pessoalmente ou através de delegados em assembléias ou conselhos, em que podiam debater os assuntos do governo, como a tributação a que estavam sujeitos, além de disporem da faculdade de apresentar queixas e fazer representações e petições ao monarca, uma espécie de atividade pré ou quase legislativa. Algumas dessas assembléias chamavam-se dietas, convocadas periodicamente, a nível local, como nos Estados germânicos, ou a nível nacional, como na Inglaterra e na França. No primeiro foi a origem do Parlamento e no segundo chamavam-se Estados gerais que deixaram de ser convo-

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cados entre 1614 e 1789, quando os deputados do terceiro Estado a empregaram como instrumento para dar início às reformas radicais cuja intensificação conduziu à Revolução Francesa. Foi esse movimento que começou a pôr fim à sociedade estamental, sucedida, paulatina e pro-gressivamente, pela sociedade de classes, divida entre os burgueses que assumiram o poder e o proletariado surgido com a Revolução Industrial que tomou conta dos países da Europa Ocidental.

Estratificação social“Em toda sociedade complexa, podem-se distinguir estratos ou clas-ses compostas de indivíduos semelhantes, com respeito a critérios”. Com essa frase, o Dicionário Crítico de Sociologia de Raymond Boudon e François Bourricaud, abre o verbete Estratificação social, para esclarecer logo em seguida que “a noção de estrato é mais geral que a de classe”. A primeira conclusão a que se chega, a partir dessas afirmações é que, sob o ponto de vista sociológico, estrato social é sinônimo perfeito de classe social. Estrato, por sua vez, é sinônimo de estamento. Estrato, classe ou estamento, portanto, não são mais do que critérios para se distinguir que grupos compõem uma determinada sociedade. Cada um desses conceitos, portanto, pode ser aplicado em diferentes estágios do desenvolvimento histórico dos diversos povos. A sociedade romana na Antigüidade clássica, por exemplo, era dividida em classes, primeiro em razão da origem de nascimento que dava a alguns o direito à cidadania e a outros o negava. A sociedade italiana atual é também uma sociedade de classes, em que a origem, pelo nascimento, concede ou nega o mes-mo direito. Os estratos em que eram divididos os romanos no início da Era Cristã, porém, são diferentes dos que separam os italianos nos dias de hoje, embora a cidadania ou a falta dela continue sendo um critério de divisão entre eles. Com o desaparecimento do Império Romano e o surgimento do feudalismo, durante a Idade Média, os estratos sociais que dividiram as sociedades desse período, nas várias regiões da Euro-pa Ocidental tornaram-se menos complexos do que na Roma antiga. Como não havia mais um Império, dominando virtualmente toda a Eu-ropa do Oeste, e a sociedade tornou-se fundamentalmente agrária, em que o único meio de produção e de subsistência era a terra, os estratos sociais do feudalismo se reduziram a apenas dois: os suseranos, barões e proprietários da terra formavam um estrato e os seus servos, que a culti-vavam, outro. Esses grupos ou estamentos sociais passaram à forma uma sociedade estamental, ao contrário da sociedade de classes do antigo Império Romano ou da sociedade italiana de hoje. Com o fim da Idade Média, o advento do Estado unificado de caráter monárquico absolutis-

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ta, os estratos passaram a ser três: o clero a nobreza e o terceiro estrato, também chamado na época de terceiro estado. Com a Revolução Fran-cesa de 1789, o terceiro estado, constituído pela burguesia, passou a ser a classe dominante e a Revolução Industrial que se seguiu, deu origem a outra classe, os trabalhadores manuais ou operários. Marx deu sua contribuição ao classificar a estratificação social de sua época, como decorrência das relações de classe, como fez em O Capi-tal, ao identificar dois estratos cujos interesses se opunham em face da posição que ocupavam no processo de produção industrial: burgueses e proletários. Depois dele, a contribuição mais relevante foi a de Weber que propôs definir os diferentes estratos sociais com base em critérios distintos, com base no prestígio, (segundo o status), com base na renda (segundo a classe*) ou com base no poder (segundo a posição política). No que se refere à Ciência Política, ao contrário da Sociologia, os estudos sobre estratificação têm dois objetivos concorrentes. O primeiro, iden-tificar em que medida os diferentes estratos se comportam, em relação às suas tendências eleitorais, seus valores e crenças. E o segundo cons-tatar o grau de mobilidade entre os diferentes estratos. Uma sociedade em que a mobilidade seja pequena ou imperceptível, será sem dúvida menos democrática do que outra em que a mobilidade seja facilmente perceptível e ocorra sem traumas. A mobilidade social, portanto, é um fator relevante. Neste sentido, o termo estratificação é utilizado como contrário ao de mobilidade.

ÉticaNão podemos falar de ética, do grego ethiké, sem nos referirmos à moral, do latim morale, originária de mos costume, maneira de se comportar. Na lingua-gem corrente, moral diz respeito portanto, aos costumes, enquanto ética se re-fere à conduta humana, do ponto de vista do bem e do mal. É uma distinção aparentemente simples. Enquanto a ética trata do bem e do mal, a moral trata do certo e do errado. Em português, seria uma distinção bastante e suficien-te. Quando nos referimos à Política, ambos os conceitos são fundamentais. Primeiro por que quando Aristóteles se referia à boa ou à má Política, segu-ramente estava fazendo um julgamento moral. A “boa” política seria aquela praticada corretamente e a “má” seria aquela deturpada, aplicada ou praticada incorretamente. Trata-se de presunção e conclusão corretas, até a contribuição de Maquiavel que estabeleceu a autonomia da Política em relação à Moral, ao estipular que a conduta da vida privada diferia da conduta da vida pública. No primeiro caso o indivíduo deveria agir de acordo com a sua convicção – faças o que julgas correto, seja qual for o resultado. O Príncipe, por sua vez, devia agir de acordo com o interesse coletivo do Principado – faças o que manda

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o interesse do Estado que diriges, para que atinjas o resultado que é o bem do Estado. Em outras palavras, a Moral e a Política, atendiam e cumpriam interesses diversos. Cinco séculos depois de Maquiavel, Max Weber deu a essa questão transcendental tratamento que pode ser considerado definitivo, mostrando que a Moral e a Política operam em campos éticos distintos: a Ética da convicção, a primeira, e a Ética da responsabilidade a segunda. O cida-dão age por convicção, o estadista de acordo com os resultados que devem ser alcançados, pelos quais ele é responsável. Não é só em nossa língua, porém, que Ética e Moral podem significar coisas aparentemente semelhantes. O autor do verbete “Ética” do Dicionário de Ci-ências Humanas, dirigido por Jean-François Dortier, vai mais além, quando escreve: “O (idioma) francês possui dois termos para significar fundamen-talmente a mesma coisa: a Ética (do grego ethos: hábito) e a Moral, (do latim mores: costumes). Ambos, com efeito, referem-se a julgamentos relativos ao bem e ao mal, para dirigir a conduta humana. Logo, mesmo que ela não seja perceptível na linguagem corrente, pode-se fazer uma distinção entre moral e ética”. Vejamos como ele explica essa diferenciação. “A Moral implica, mais que a Ética, a idéia de uma certa abstração, de um dever universal. A Moral de Immanuel Kant (1724 – 1804) pode ser, talvez, o melhor modelo: o homem deve agir por dever e não por inclinação. Sua ação deve, assim, ser ditada pelo imperativo categórico: Ajas unicamente de acordo com a máxima que faça com que possas querer, ao mesmo tempo, que ela se torne uma lei universal (Imperativo categórico, em Filosofia, segundo explica o Aurélio, “é uma proposição que expressa uma ordem absoluta, isto é, uma ordem que deve ser cumprida, sem condição. Ex. : – Não matarás, o contrário, portanto, do Imperativo hipoté-tico, que é uma ordem que está subordinada à consecução de um fim deter-minado. Ex.: – Estudas, se queres ser aprovado”) O que importa, é, portanto, o fato de agir por respeito à lei moral. A Ética, ao contrário, se caracterizaria por uma certa imanência, a vontade de guiar a conduta humana para uma vida feliz. Ela seria, assim, uma sabedoria prática que teria por objetivo uma vida boa, virtuosa. Baruch Spinoza (1632 – 1677) na Ética, ilustra muito bem essa exigência. A conduta do homem não deve, segundo ele, ser ditada pelas leis morais que ditariam o bem e às quais o homem deveria se submeter por dever. Para Spinoza o bem em si não existe: ele reduz portanto o bem ao útil e o mal ao prejudicial, e indica ao leitor um caminho para se liberar de tudo o que diminui seu poder de agir e para atender à sabedoria. De forma mais simples, porém racional, o filósofo e jurista americano Ronald Dworkin, em seu livro A Comunidade Liberal, propõe a seguinte distinção: “A Ética inclui as convicções sobre que tipos de vida são bons ou maus para uma pessoa, e a Moral inclui os princípios sobre como uma pessoa deveria trata as outras”.

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FascismoMovimento surgido na Itália sob a liderança de Benito Mussolini e orga-nizado em março de 1920. Seu desenvolvimento decorreu de dois fatores: a reação contra o liberalismo da segunda metade do séc. XX que levou à Primeira Guerra Mundial e as condições econômicas do país, depois do conflito mundial, adotando um caráter militarista, ultra-nacionalista e de ufanismo patriótico, calcado na lei e na ordem e no desprezo pelos valores éticos e pelos direitos individuais. O exemplo de Mussolini teve repercus-sões em outros países europeus, na América Latina e no Brasil, onde vicejou o Integralismo liderado por Plínio Salgado, mas em nenhuma outra região não logrou o mesmo protagonismo que na sua origem. Tendo pertencido ao Partido Socialista, onde militou durante algum tempo, Mussolini foi capaz de usar as técnicas de propaganda dos movimentos de massa, valen-do-se ao mesmo tempo da mística militarista que Hitler utilizou depois na Alemanha. O seu exemplo de um governo totalitário e autocrático vicejou na Espanha com o franquismo do general Francisco Franco e em certa me-dida em Portugal, no que respeita ao Estado totalitário, com a diferença do apelo corporativista de Oliveira Salazar. Mesmo depois de 40 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial que significou a liqüidação de Mussolini e o fim do Fascismo, brotes voltaram a inquietar a Europa com o surgimento de partidos neofascistas, como o NPD (Partido Nacional Democrático) na Alemanha, o MSI (Movimento Social Italiano) liderado por sua neta na Itália, que conseguiu 72 cadeiras no Parlamento nas eleições de 1972, a Frente Nacional na Inglaterra e o Front Nacional na França, embora ne-nhum deles tenha alcançado o poder. O episódio serve para mostrar como frustrações podem ser um poderoso estímulo para o surgimento do radica-lismo de direita de que o fascismo foi um exemplo.

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FederalismoÉ a forma de Estado que se contrapõe ao Estado unitário, em que a autori-dade e o poder político estão concentrados num governo central. O Estado federado ou sistema Federativo, ao contrário, é aquele em que a autoridade e o poder político se dividem harmonicamente, em pelo menos duas esferas de poder, o poder federal, exercido pelo governo central ou governo da União e os governos estaduais, como no Brasil. Isto significa dizer que à sobera-nia da União corresponde a autonomia política dos Estados, dotados de seus próprios poderes, independentes e autônomos como na União, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário estaduais. Cerca de 20 dos maiores países em extensão territorial, que por sua vez concentram 1/3 da população mundial, são organizados sob a forma federativa, entre os quais Argentina, Austrália, Áustria, Alemanha, Brasil, Camarões, Canadá, Estados Unidos, Índia, Malá-sia, México, Nigéria, e Paquistão. O primeiro Estado organizado como uma República Federativa, foram os Estados Unidos, ao aprovarem sua Constitui-ção em 1787, com a união das antigas 13 colônias inglesas que declararam sua independência em 1776. O que varia entre as Federações é o maior ou menor grau de autonomia concedido aos Estados. O Brasil, que já foi um Estado Unitário sob o Império, entre 1822 e 1889, adotou o regime republicano e o sistema federativo em 1889. Durante o Estado Novo, regime ditatorial insti-tuído por Getúlio Vargas e que durou de 1937 a 1946, voltou a adotar a forma unitária, restabelecida com a Constituição de 1946.

FeminismoFeminismo é a maneira de encarar o mundo ocupado pelas mulheres, sob o ponto de vista feminino. Seu foco central é o patriarcalismo, que pode ser descrito como um sistema de autoridade masculina que oprime as mulhe-res através de suas instituições políticas, sociais e econômicas criadas pelos homens, para um mundo construído sob a ótica masculina. Neste sentido, o feminismo tem duplo viés: é, ao mesmo tempo uma crítica e uma reação ao patriarcalismo, e uma ideologia voltada para a emancipação das mulheres. O movimento feminista, sob o ponto de vista ideológico, se distribui em várias tendências, como o feminismo marxista, o feminismo anarquista, o feminis-mo radical e o feminismo liberal. Com a expansão desses movimentos nos últimos 50 anos, o feminismo deixou de ser uma simples ideologia, para se tornar, de forma crescente, uma disciplina acadêmica, que procura examinar os avanços conseguidos pela mulher nas atividades humanas e sua participa-ção na política, na sociedade, nas artes e na ciência. A melhor evidência da concepção anti-feminista das instituições políticas pode ser deduzida do fato de que o direito de sufrágio das mulheres, liderado pelas sufragistas inglesas e americanas, a duras penas, só começou a ter êxito nas primeiras décadas do séc. XX, em especial, depois da Primeira Guerra Mundial. O Brasil, por exemplo, só concedeu o direito de voto à mulher em 1932 e a França, que

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se orgulha de ser a pátria da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade só o adotou em 1945, depois do fim da Segunda Guerra Mundial.

FeudalismoO feudalismo foi um período da Idade Média caracterizado por um tipo de sociedade em que o homem se ligava a um grande proprietário de terras, nobre ou cavaleiro, que lhe dava proteção militar, assegurava-lhe a explora-ção de um trato de terras, em geral em volta de seu castelo, e em troca co-brava-lhe tributos e deles recebia fidelidade, transformando-se em servo de um só senhor que, por sua vez, também prestava vassalagem ao rei que lhe garantia o status. Tratava-se, portanto, de um sistema compreensivo, cujo sistema social definia os poderes da autoridade do suserano e os de proprie-dade do servo. Este tipo de organização, embora superado historicamente pelo advento do Estado nacional, monárquico e absolutista, sobrevive de forma particularizada em várias partes do mundo, inclusive no Brasil arcai-co que ainda resiste em bolsões de pobreza nas áreas ainda não civilizadas, onde não chega o poder do Estado. Prevaleceu na França, sobretudo, entre os séculos IX e XIII de nossa era. A Inglaterra passou por um período de feudalismo depois da invasão normanda em 1066 e o sistema chegou as áreas tão longínquas como o Japão, onde predominou sob a modalidade do xogunato, até a era Meiji que marca da modernização do país em 1868.

FisiocraciaO termo deriva do grego physis (terra) e serviu para designar um grupo de economistas dominante na França entre 1760 e 1780, denominados de fisiocratas que, sob a liderança do médico e financista Dr. François Ques-nay, (1694 – 1774), autor da obra Tableau Économique, publicada em 1758 ficaram conhecidos como “os economistas” e tiraram da obra de Du Pont de Nemours, A Fisiocracia ou Constituição do Governo mais Vantajoso para o Gênero Humano, o nome da escola a que deram origem. Eles não só acredi-tavam na existência de uma ordem natural que dominava o mercado, como também pregavam que o papel do Estado era simplesmente preservar a propriedade e defender a ordem natural. Advogavam que a agricultura era a única fonte de riqueza e que, por conseqüência, esse setor devia ser tribu-tado com o “imposto único”. Contrapunham-se aos mercantilistas e adota-ram como eslogan o laissez-faire, laissez-passez (deixai fazer, deixai passar), também adotado pelos economistas liberais. Sua contribuição à história das idéias econômicas consistiu em ser a origem da concepção moderna sobre a circulação da riqueza e da natureza das inter-relações na economia. É visível sua influência sobre o escocês Adam Smith (1723 – 1790), considerado o pai da Economia, por sua obra A Riqueza das Nações, publicada em 1776.

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FisiologismoA palavra deriva do grego physiologia, tratado da natureza das coisas, explica-ção segundo princípios físicos ou naturais. Desde as contribuições do médi-co e naturalista suíço Albrecht von Haller (1708 – 1777), passou a significar “ciência dos fenômenos da vida”. Na linguagem corrente, segundo explica o Aurélio, é a “parte da biologia que explica as funções orgânicas, processos ou atividades vitais, como o crescimento, a nutrição, a respiração, etc.” No léxi-co da política, no Brasil, porém, adotou o seguinte significado peculiar que lhe dá o Dicionário de Política de Galvão de Sousa, Clóvis Garcia e Teixeira de Carvalho: “Comportamento do governo consistente em conseguir de parlamentares – mediante retribuição de variada natureza – votos bastantes à aprovação das medidas legislativas que lhe interessam”. Não se conhece como ingressou na linguagem da política, já que o termo não está registrado nos dicionários estrangeiros de política, permitindo deduzir-se que é con-ceito utilizado apenas no Brasil. Como é sinônimo de clientelismo, é lícito considerar que a prática da política “fisiológica” seja a antítese da política “ideológica”, na qual o que conta são os valores pregados e defendidos pelas diferentes correntes ideológicas que atuam no meio político.

FMISigla, em português, da designação em inglês do Fundo Monetário Internacio-nal – International Moneraty Fund, agência da Organização das Nações Unidas, fundada pela Conferência de Bretton Woods, entre 1o e 22 de julho de 1944 em decorrência do acordo assinado na cidade do mesmo nome, naquele mesmo ano. O FMI só entrou em funcionamento em 1947, depois do fim da Segunda Guerra Mundial e foi criado para encorajar a cooperação internacional no do-mínio monetário, remover as restrições ao comércio internacional, estabilizar as taxas de câmbio e facilitar um sistema multilateral de pagamentos entre os países membros. Depois de ratificado por 29 dos signatários do acordo que o cons-tituiu, conta hoje com 183 membros filiados. De acordo com seus estatutos, os países membros deveriam observar uma taxa de câmbio, cuja flutuação deviam ser limitadas a uma variação de mais ou menos 1% de seu valor nominal. Em dezembro de 1971, o Grupo dos Dez, também chamado de “Clube de Paris” e formado por Estados Unidos, Inglaterra, França. Alemanha, Bélgica, Holanda, Itália, Suécia, Canadá e Japão acordou em adotar novos valores centrais das divisas de modo a obter uma desvalorização do dólar de 10%, com margem de flutuação de 2,5%, para mais ou para menos. Cada país membro do Fundo foi obrigado a subscrever uma quota de 25% em ouro e 75% em sua própria divisa, para criar uma quota chamada DES (Direitos Especiais de Saque), destinada a auxiliar os países membros com dificuldades temporárias no seu balanço de pagamentos. O Brasil recorreu inúmeras vezes ao FMI, em especial durante os governos militares e os que o sucederam, sendo a última vez no governo de Fernando Henrique Cardoso, durante a crise de 1998/9.

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FranquismoTermo que designa o regime ditatorial do general Francisco Franco (1872 – 1975) na Espanha, denominado Caudilho, entre 1939, data em que ter-minou a Guerra Civil Espanhola que derrubou a República implantada em 1931, e 1975, data de sua morte. Seu nome completo era Francisco Paulino Hermenegildo Teódulo Franco Bahamonde. O franquismo não tinha uma ideologia própria, sendo tão-somente uma variante das ditadu-ras militaristas que dominaram a Alemanha de Hitler e a Itália de Mus-solini, países aos quais a Espanha franquista se aliou, para obter auxílio militar e dominar a resistência do governo constitucional da Espanha.

FuncionalismoO funcionalismo, ou escola funcionalista no campo da Ciência Política tem de ser explicado em contraste com as escolas anteriores. Antes da Segunda Guerra Mundial, antropólogos, sociólogos, filósofos e pensadores como Karl Marx (1818 – 1883), Émile Durkheim (1858 – 1917), Max Weber (1864 – 1920) e Bronislaw Malinowski (1884 – 1942) entre outros, explicavam, as sociedades primitivas e modernas e os processos de mudança social base-ando-se na interação das instituições com os valores sociais. Assim pode-se considerar que os processos econômicos explicam as estruturas políticas e a instituições religiosas, como defendeu Marx, ou então que os valores reli-giosos explicavam os modelos econômicos e políticos, como explicou Max Weber. Esta visão das sociedades como um conjunto de pautas culturais e instituições interativas era a estratégia mais freqüente na teoria social durante o séc. XIX e a metade do séc. XX. No fim da Segunda Guerra Mundial, au-tores como Talcott Parsons (1902 – 1979) Marion Levy e outros realizaram uma análise funcional mais abstrata e formal que se tornou conhecida como funcionalismo. Vários cientistas políticos, como David Easton, autor do livro Um Sistema de Análise da Vida Política, elaborou um sistema que se tornou de-cisivo na ciência política como um modelo que recebe impulsos de entrada de seu entorno inputs e os transforma em ativos do sistema político outputs que, por sua vez, afetam o entorno do sistema político que os transforma numa seqüência circular que o retroalimenta. A ele se juntaram outros especialistas, como Gabriel Almond e Sidney Verba, autores de Cultura Cívica, publicado em 1963, Seymour Martin Lipset e Stein Rokkan, autores de Sistemas Par-tidários e Alinhamentos Eleitorais, publicado em 1967 que entre outros contri-buíram decisivamente para garantir a essa escola do pensamento e de análise política, o lugar de destaque que ainda hoje ocupa a teoria dos sistemas sociais criado pelo sociólogo Talcott Parsons, em sua obra-mestra, O Sistema Social. A denominação de funcionalismo decorre da importância que deram esses autores ao funcionamento das instituições mais do que a sua estrutura e for-ma, como tinha sido a prática anterior.

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Gabinete, governo deGoverno de Gabinete é o sistema de governo que denominamos de par-lamentarismo* ou sistema parlamentarista, por oposição ao que chamamos de presidencialismo*. Trata-se de uma forma de governo em que um grupo de ministros, normalmente do partido ou partidos majoritários no Parla-mento é encarregado de tomar as decisões políticas do país. É chamado também de governo de Gabinete, porque é o Conselho de Ministros, pre-sidido pelo Primeiro-Ministro que toma coletivamente as decisões e exerce o Poder Executivo, tirado da maioria parlamentar. Como pode-se ver no verbete parlamentarismo*, não há um modelo único, mas várias modalidades de sistemas parlamentaristas. Por isso mesmo, teria mais sentido falarmos de Parlamentarismos no plural, do que em Parlamentarismo, no singular. O Brasil experimentou um singular sistema parlamentarista adotada pela Emenda Constitucional no 4, de 1961, para solucionar a crise político-mi-litar que se instalou no país com a renúncia de Jânio Quadros e terminou revogado pelo plebiscito realizado em janeiro de 1963, em que a maioria do eleitorado optou pela volta ao sistema presidencialista.

GATT É a sigla da denominação em inglês do Acordo Geral de Tarifas e Comércio – General Agreement on Tariffs and Trade uma instituição das Nações Unidas, com sede em Genebra, na Suíça que começou a funcionar em janeiro de 1948, depois que o seu tratado constitutivo, ratificado por 23 de seus signa-tários, em 1947, não logrou o objetivo de criar uma Organização Interna-cional do Comércio (OMC), meta que só se alcançou em 1995, quando 125

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países, representando 90% do comércio mundial, aderiram à instituição que sucedeu o GATT. O objetivo do Acordo Geral e atualmente da OMC é a expansão do comércio mundial, através da redução das barreiras aduaneiras que a impedem e das quotas de importação, assim como o fim dos acordos preferenciais de comércio. A primeira grande revisão do GATT foi ratifi-cada em março de 1975, quando foram reforçadas as cláusulas a respeito do tratamento destinado a reduzir os subsídios. Outras etapas da negociação que terminou por levar à criação da OMC e à instituição de um tribunal arbitral no âmbito da entidade ocorreram em 1965, quando entrou em vi-gor uma emenda relativa ao comércio e o desenvolvimento, dando ênfase à situação dos países em desenvolvimento. As negociações que tiveram início em Genebra, em 1945, prosseguiram com o encontro de Tóquio iniciado em 1974 e concluído em 1979. Um surto de medidas protecionistas não ta-rifárias, e uma tendência dos blocos econômicos de fazerem acordos comer-ciais restritos com seus parceiros levou a um novo encontro em 1982 para reafirmar os princípios do livre comércio. Além do trabalho permanente do GATT, sete rodadas de conferências foram realizadas entre 1947 e 1993, respectivamente em Anneci, na França, em 1949, em Torquay, na Inglaterra, em 1951, em Genebra em 1956 e novamente em 1960 e 1962. As mais im-portantes, contudo foram a assim chamada Rodada Kennedy em 1964 – 67, a Rodada Tóquio em 1973, a Rodada Uruguai, em 1986 – 94, todas levadas a cabo em Genebra e a Rodada Doha, iniciada em 2003. Estas duas tentam, ainda sem sucesso, resolver a questão dos subsídios agrícolas dos países de-senvolvidos que entravam o comércio mundial e prejudicam os países em desenvolvimento produtores de bens ou atividades protegidos por incentivos governamentais, notadamente dos Estados Unidos, da União Européia e do Japão. O Brasil, nos últimos anos conseguiu algumas vitórias nessa área, quando foram considerados ilegais os subsídios americanos ao algodão e de outros produtos em que o Brasil e os países africanos têm interesse.

GenocídioÉ o extermínio de uma população, um povo, uma nação uma raça ou grupo étnico, com base em critérios biológicos ou culturais. Assassinato em massa, baseados em outras razões, como por exemplo o de índole político-econômica como os realizados no Cambodja pelo regime de Pol Pot, também são considerados como genocídios. Matanças inter-étnicas em grande escala, também considerados genocídios, têm sido praticados em razão de problemas fronteiriços, como os que ocorreram entre a Índia e o Paquistão e entre Ruanda e Burundi, na África. Outra grave questão é a convicção de superioridade religiosa ou a percepção de outras como ameaças jacentes, tanto entre religiões diferentes como entre crenças dis-

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tintas dentro de uma mesma religião, como está ocorrendo atualmente entre sunitas e xiitas, no Iraque, ambas crenças islâmicas. Para caracterizar um extermínio cultural e não físico, usa-se o termo etnocídio.

“Gerrymandering”Chama-se Gerrymandering, a prática de manipular o desequilíbrio geográ-fico dos diferentes distritos eleitorais, nos sistema majoritários, como os dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França, em favor de um grupo ou partido, em detrimento dos demais. Um exemplo tornou-se famoso e terminou por dar nome a essa prática, nos Estados Unidos, no início do séc. XIX. Um exemplo tornou-se notório e deu nome à prática de manipulação da divisão dos distritos.

Em 1812, a Assembléia de Massachussets, dominada pelos democratas partidários de Thomas Jefferson, e com aprovação do governador Elbrid-ge Gerry, mais tarde vice-presidente dos Estados Unidos, estabeleceu uma nova divisão distrital do seu Estado, com o objetivo de fragmentar a força dos adversários federalistas e assegurar a hegemonia dos seguidores de Jefferson. Um jornal local chamou a atenção para o fato de que o formato da nova divisão se assemelhava a uma salamandra (salamander, em inglês) e conta a tradição que o governador retrucou que a ele parecia uma ger-rymander, (trocadilho resultante da combinação de seu sobrenome, Ger-

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ry, e a palavra salamander). Com essa nova divisão, o partido democrata conseguiu 50.164 votos e obteve 29 cadeiras na Assembléia, frente às 11 de seus adversários, a despeito deles terem conseguido 51.766 votos. Esse recurso continuou a ser usado nos Estados Unidos e foi utilizado para diminuir ou impedir as escolhas dos eleitores negros. Esse subterfúgio também foi utilizado pelo governo do General De Gaulle, na França, para privilegiar os distritos rurais, onde os eleitores sempre foram mais conservadores, e prejudicar os urbanos, cujo eleito-rado, em grande medida, apoiava a esquerda. Nas eleições de 1958, por exemplo, um candidato comunista à Assembléia Nacional, precisou de 388.000 votos para se eleger, enquanto para um do partido gaullista, con-servador, bastaram 18.000! O termo gerrymandering permaneceu como sinônimo de manipulação dos distritos ou circunscrições eleitorais. Para evitar o que ocorreu na Inglaterra com os “burgos podres” e atenuar os efeitos do gerrymandering, a Corte Suprema dos Estados Unidos, só na década de 1960 determinou a revisão automática dos limites territoriais dos distritos e a redistribuição do número de representantes dos Esta-dos em função das mudanças no mapa demográfico do país.

“Glasnost”A palavra é russa e significa “transparência”, título dado por Mikhail Gorba-chev a seu programa de abertura política, denominado Perestroika*. Quando Leonid Breznev morreu, em 1982, as dificuldades da antiga União Soviéti-ca assumiram as proporções de uma crise. O líder soviético não tinha estado no efetivo comando do governo nos últimos anos de sua vida, em virtude da senilidade que o atacou, desde que Alexey Kosygin, que o antecedera, faleceu em 1980. O Politburo, o órgão mais importante do governo soviéti-co era dominado por homens velhos que estavam minando o equilíbrio da representação entre russos e não-russos que declinava cada vez mais, tanto na cúpula partidária quanto na alta hierarquia do governo. O que era uma crise soviética terminou se transformando numa crise russa. Nos três anos seguintes à morte de Breznev em 1982, o país foi dirigido por Yury Andro-pov e Konstantin Chernenko, incapazes de mitigar a crise que se agravou cada vez mais, até que, em março de 1985 Mikahil Gorbachev ascendeu ao cargo de secretário-geral do partido e lançou a perestroika, um programa de reestruturação econômica e política com que pretendia circunscrever a crise que terminou por conceder a independência aos países bálticos, Estô-nia, Letônia e Lituânia, incorporados à Rússia em decorrência da Segunda Guerra Mundial, o que terminou levando à progressiva desagregação do antigo Império Soviético, do qual se emanciparam nada menos de 17 anti-gas repúblicas soviéticas.

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Golpe de EstadoÉ a tomada de poder por um grupo, valendo-se dos funcionários que com-põem a estrutura permanente do Estado, como a burocracia, as forças ar-madas ou a polícia. Os golpes se distinguem das revoluções, por não preten-derem mudar a estrutura social e política, mas simplesmente substituir um grupo dirigente por outro. O golpe foi instrumento na Europa nos séculos XIX e XX, de que são exemplos, sucessivamente, o de Luís Napoleão, em dezembro de 1851, o do marechal Psilduski na Polônia, em maio de 1926 e os putsch nazista em 1933 e fascista em 1923, na Alemanha e na Itália. O Brasil sucumbiu ao golpe do Estado Novo que teve a singularidade de ser um golpe de Estado promovido pelo governo no poder em 1937, para im-pedir a sua sucessão e se manter como uma ditadura que perdurou até 1945. Na América Latina do séc. XX, tal como em inúmeras oportunidades, no anterior, o golpe de Estado foi um dos instrumentos mais utilizados para promover a mudança de governos, legítimos ou não.

GovernabilidadeSegundo a Enciclopedia de las instituciones políticas , “a governabilidade se refere à capacidade das instituições políticas de um país para dirigir a economia e a sociedade”. Esta capacidade diz o mesmo texto – “está baseada nas próprias características da sociedade que se pretende ‘guiar’. A governabilidade, conclui, é um problema especial dos países demo-cráticos devido à dificuldade de traduzir os mandatos dos eleitores em políticas realistas”. Isto significa que, na medida em que os eleitores se manifestam em favor de certas demandas que o sistema político não consegue atender, aumenta o risco da ingovernabilidade. Logo, há uma relação direta entre a capacidade de suprir demandas e a governabili-dade e uma relação inversa entre a incapacidade de atendê-las e a go-vernabilidade. A questão assumiu uma enorme importância na agenda política dos anos 70 do século passado. Ela foi o resultado dos custos crescentes dos governos e do início dos movimentos ideológicos que, nessa época, contestavam sua capacidade para resolver graves problemas sociais, circunstância aliada à perda de confiança nos governos, por parte do público. Em muitos casos, esse temor era exagerado, mas, a despeito disso, terminou levando as instituições políticas e a opinião pública de muitas das democracias ocidentais a reconsiderar a forma pela qual os governos realizavam suas tarefas e atuavam em seu relacionamento com a sociedade. Várias teses surgiram para tentar explicar o que na época se denominou de “crise de governabilidade”. J.L. Sunquist, citado por B. Guy Peters, autor do verbete na Enciclopedia acima referida, relaciona quatro características que afetam a capacidade de governar:

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a) a primeira é a qualidade da burocracia. Uma burocracia pública que careça de profissionalismo, seja por falta de formação adequada, seja pelo fato de que muitos cargos estratégicos costumam ser substituídos, quando se dão as mudanças de governo, não será capaz de oferecer um bom e adequado assessoramento, nem demonstrar capacidade de dire-ção, na hora de elaborar as políticas públicas reclamadas pelas decisões políticas dos governos ou preconizadas pela sociedade. A experiência dos burocratas é muito importante nesse campo, de modo que, se seus conhecimentos não forem adequados para suprir as exigências do sis-tema político, é possível que as políticas deles oriundas também não o sejam. Neste caso, os governos só serão capazes de funcionar de forma reativa, isto é, reagindo, ante as situações que surjam; b) um segundo fator é a possibilidade de que a burocracia se comprome-ta com os objetivos dos diferentes governos que se sucedem no poder, em contraposição a seus próprios fins pessoais e organizativos, ou os de suas próprias convicções. Sistemas administrativos muito fragmen-tados, como os dos Estados Unidos e o de alguns países escandinavos, ainda segundo Sunquist, podem permitir que as organizações sigam a trajetória pré-estabelecida em vez de seguir as novas orientações que se produzem, quando há troca de governo. Também é possível que utilizem o processo de formulação de políticas públicas, como simples recurso para aumentar os seus orçamentos e, conseqüentemente, sua influência, o que também é um risco para qualquer governo;c) em terceiro lugar, o próprio sistema institucional de elaboração de políticas públicas pode afetar e influir a governabilidade. Segundo a opinião do autor, os governos parlamentaristas, se tudo o mais se mantém constante, seriam provavelmente mais capazes de manter a governabilidade do que aqueles em que, como no presidencialismo, há uma rígida separação de poderes. Da mesma forma, os sistemas de governo que dispõem de um sistema de revisão judicial da constitucio-nalidade das políticas públicas podem se deparar com maiores dificul-dades para atuar decisivamente, do que os países que não têm tribunais poderosos. Os regimes federativos, especialmente os que dependem de governos estaduais e municipais, para a instrumentação das políticas do governo central podem se deparar com maiores dificuldades para governar do que aqueles em que o exercício do poder central indepen-de dos governos locais, como nos Estados unitários;d) finalmente, os sistemas partidários de cada país podem influenciar a governabilidade, especialmente para gerar e executar um claro mandato de ação. Os sistemas pluripartidários, e em especial suas versões mais extremas, como vimos no fascículo anterior, que sempre exigem gover-

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nos de coalizão, dificultam que os governos tenham um claro mandato a respeito dos temas políticos. Por outro lado, partidos nos países dotados de duas siglas podem carecer de programas claramente diferenciados, caso em que as campanhas eleitorais deixam de proporcionar orienta-ção a respeito das políticas públicas propostas por eles. Na medida em que os partidos compartilham um consenso básico a respeito da maioria dessas políticas, ou pelo menos de respeito integral às regras do jogo político, haverá sempre maior estabilidade do governo, o que implica em aumento da governabilidade. Além do mais, a governabilidade pode se beneficiar da circunstância de haver um número limitado de partidos que tenham e sejam capazes de manter posturas políticas claras e afins e que tratem de instrumentalizá-las quando estão no poder;

As características de cada sociedade também afetam claramente os resulta-dos dos esforços dos governos. Um fator importante é o seu grau de frag-mentação. Os países com profundas divisões políticas em questões lingüís-ticas, étnicas ou religiosas serão sempre mais difíceis de governar do que as sociedades mais homogêneas. Da mesma forma, a fragmentação dos grupos de interesse, especialmente os sindicatos, pode tornar mais difícil a elabora-ção de políticas públicas, tanto no campo econômico quanto em relação à harmonização de seus interesses. Embora a maioria dos países industriali-zados tenha desenvolvido mecanismos para fazer frente à fragmentação da sociedade nos terrenos econômico e social, sua existência constitui sempre um obstáculo para a governabilidade. Um segundo fator social que afeta a governabilidade é a estrutura dos valores da população. A capacidade de governar está fortemente relacionada com a legitimidade e a autoridade do governo. Algumas culturas dão maior valor à autoridade política que a outras, enquanto há aquelas que valorizam mais a lealdade para com as famílias e outros grupos sociais do que a que concedem aos governos, como fonte de autoridade. Em alguns casos, o governo pode, inclusive, ser um símbolo negativo da autoridade e suas ações podem, em conseqüência, ser consideradas como quase intrinsecamente ilegítimas.

GovernançaNenhum dos mais conhecidos dicionários de política, estrangeiro ou o bra-sileiro de Galvão de Sousa, Clovis Garcia e Teixeira de Carvalho, registram o termo governança, que, aparece no Aurélio, como sinônimo de governação, definido por sua vez, como o ato de governar. Entretanto, tornou-se corrente e ultimamente generalizado no léxico da Teoria e da Ciência Política, depois que foi criado pelo Banco Mundial. O prof. Marcus André B. C. de Melo, da Universidade Federal de Pernam-buco, abordou, no artigo do intitulado “Ingovernabilidade: desagregando o

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argumento”, publicado no livro Governabilidade e pobreza no Brasil outro conceito paralelo ao de Governabilidade, o de “Governança”, disseminado pelo Banco Mundial. Diz ele nesse artigo: “A discussão contemporânea sobre o Estado tem se centrado na questão dos requisitos societais, organizacionais e políticos que permitem que o Estado seja eficiente. Mais do que isso, essa discussão tem privilegiado também a capacidade governativa em sentido amplo, e que se refere não só ao Estado, mas também aos requisitos do bom governo. Mais que um debate acadêmico, essa agenda de discussão constitui um elemento central nas formulações estratégicas de agências multilaterais. Governance, na formulação do Banco Mundial, “is defined as the manner in which power is exercised in the management of a country’s economic and social de-velopment”. (Em vernáculo: Governança, na formulação do Banco Mundial, é definida como a maneira pela qual o poder é exercido na administração do desenvolvimento econômico e social de um país). O conceito, acrescenta o autor, se distingue do de governabilidade, que descreve as condições sistêmicas do exercício do poder em um sistema político. “Enquanto a governabilidade se refere às condições do exercício da autoridade política, governance qualifica o modo de uso dessa autoridade”. (Os itálicos são do original)Em outro artigo no mesmo livro, “Governabilidade e solidariedade” a professora Elisa P. Reis, do IUPERJ, começa afirmando que “Governa-bilidade, governança, sociedade civil são palavras recorrentes no léxico das ciências sociais, dos organismos internacionais e na mídia”. E depois de adiantar que não vai se deter discutindo o sentido de cada um desses con-ceitos, assinala: “Tomemos o termo governabilidade, por exemplo: de ter-mo visto como ‘direitista’, ou pelo menos pragmático-realista em autores como por exemplo, Crozier, Huttington e Watanuki, ele se transformou em escudo ético moral para a direita e esquerda (termos antigos mas ainda expressivos). Vejamos o termo de popularização mais recente, governança: inicialmente ele foi usado por autores identificados com o novo institu-cionalismo na Ciência Política, particularmente na Inglaterra e nos Esta-dos Unidos. (...) Pouco a pouco, porém, a palavra, conceito ou jargão foi perdendo sua identificação restrita. Autores que analisaram reformas ad-ministrativas de perspectivas muito distintas desse grupo tornaram muito elástico o sentido de governança (...) Mais surpreendente, porém, foi ver o termo transformado quase no seu contrário: o uso que o Banco Mundial faz hoje do termo é totalmente diferente, já que a ênfase se deslocou dos aspectos técnico-administrativos para a viabilidade política de reformas administrativas, fiscais e propriamente políticas. (Governança virou quase sinônimo de democracia). Governança é entendido como a capacidade governamental para superar resistências políticas e levar à frente reformas

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consideradas indispensáveis, reformas consideradas justas e meritórias, universalistas; capacidade de exercício efetivo da autoridade”. De acordo com o prof. Marcus André de Melo, portanto:Governabilidade se refere às condições do exercício da autoridade política; e Governança ao modo como se usa essa autoridade. Trata-se, como se vê, de dois aspectos de um mesmo conceito.

GovernoÉ o titular do poder político do Estado, o conjunto das instituições e seus titulares que, em nome da coletividade, e mediante eleição ou outro modo de aceder ao poder, assume o monopólio da coerção legal, poden-do utilizar, se necessário, a coerção física para reduzir toda e qualquer outra forma de poder à obediência. Exatamente por isso, o Estado não admite em seu território, nenhum outro grupo ou instituição que se utilize da força para solver seus conflitos, já que isso implicaria na perda do monopólio do poder político de que o governo é o titular.

Governo, forma deAssim como os Estados, também os Governos admitem dois diferentes sistemas de organização política: ou são presidencialistas, ou são parla-mentaristas. Nos Estados republicanos, é possível adotar qualquer das duas formas de governo. Nas monarquias, porém, só o parlamentarismo é possível. Isto por que nos sistemas parlamentaristas, há uma separação de poderes com titulares diferentes: o titular do poder do Estado, pode ser o rei, nas monarquias ou o presidente, no caso das Repúblicas, en-quanto o chefe do governo é, em ambos os casos, o primeiro-ministro ou presidente do Conselho de Ministros. Na monarquia isto é impossí-vel, porque quem exerce a chefia do Estado é o rei. Logo, não pode haver uma República presidencialista cujo presidente seja um monarca.

GreveA palavra é de origem francesa. Vem da Place de la Grève (Praça da Greve), em Paris, onde se reuniam os desempregados em busca de emprego, local a que recorriam os patrões que necessitavam de empregados. Hoje, significa toda paralisação total ou parcial do trabalho em uma ou várias empresas, ou em uma categoria profissional, deliberada pelos próprios empregados, como último recurso para conseguir aumentos de salários e outros benefícios sociais. Pode ser utilizada também como ameaça, quando se denomina “greve de ad-vertência”, em geral para forçar ou acelerar uma negociação entre patrões e empregados. No Brasil, a greve é permitida, sendo no entanto proibida a paralisação feita por empresários, que se denomina lockout. O direito de greve

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passou a ser uma prerrogativa reconhecida aos empregados no século passado, depois de lutas e enfrentamentos que, iniciados no séc. XIX representaram sempre repressão, violência e intolerância, sendo as paralisações tratadas como uma questão de polícia. No Brasil, onde o movimento sindical foi tardio, e teve início sob influência dos anarquistas e anarco-sindicalistas que vieram sobretudo da Itália e da Espanha, nas grandes imigrações do início do século XX, as greves eram punidas e, se praticadas por estrangeiros, implicavam na pena de expulsão sumária do país, sem qualquer processo legal, em decorrên-cia da lei de autoria do deputado paulista Adolfo Gordo que ficou conhecida como “Lei Celerada”. Com a Revolução de 1930 e o início da legislação social patrocinada por Getúlio Vargas, quando os sindicatos passaram a ter existên-cia legal, a greve jamais chegou a ser utilizada como instrumento reivindica-tório, em face da ditadura do Estado Novo, instituído em 1937. Na Constituição de 1934, não aparece a palavra greve, mas se inseriu no texto, exatamente no Capítulo dos Direitos e Garantias Individuais, a disposição da “Lei Celerada”, constante do art. 113, no 15): “A União poderá expulsar do território nacional os estrangeiros perigosos à ordem pública ou nocivos aos interesses do país”. O art. 120, porém, legalizou a organização sindical, estipulando que “Os sindicatos e as associações profissionais serão reconheci-dos de conformidade com a lei”. A organização sindical, contudo, é de 1938, já em pleno Estado Novo, o que fez do sindicalismo brasileiro uma criação e uma atividade sob a tutela do Estado. Sob a tutela do Estado continuou, pois foi o governo Dutra, ainda dotado dos mesmos poderes excepcionais com os quais Getúlio tinha governado, o autor do decreto-lei de no 9.070, de 15/3/45 que, a pretexto de regulamentar, virtualmente proibiu o direito de greve. O art. 158, incluído no Título V – Da Ordem Econômica e Social, da Consti-tuição de 1946 estipulou: “É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará”. A lei que continuou a regular o direito de greve, foi exatamente o Decreto-lei no 9.070/45 que a proibiu e vigorou até 1964. Depois do gol-pe militar de 64, a greve foi um dos primeiros assuntos a merecer a atenção do governo Castelo Branco: em 27 de janeiro de 1966, o Decreto-lei no 3, disciplinando as atividades portuárias, declarou atitudes atentatórias à segu-rança nacional, “instigar, preparar, dirigir ou ajudar a paralisação de serviços públicos, concedidos ou não, ou de abastecimento” (art.11) além de considerar esses atos justa causa para a dispensa (art.12). Ao mesmo tempo, acabou com a liberdade sindical, permitindo decretar a intervenção nos sindicatos, por simples portaria do Ministério do Trabalho (art.13). Um ano depois, a Lei de Segurança Nacional, aprovada pelo Decreto-lei no 314, de 13 de março de 1967, agravou essas restrições, impondo a pena de detenção de um a três anos, na “paralisação se serviços públicos ou atividades essenciais”. A proibição já constava do art. 157, § 7o da Constituição de 1967: “Não será admitida gre-

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ve nos serviços públicos e atividades essenciais, definidas em lei”, disposição mantida no art. 162 da Emenda Constitucional no 1/69. Finalmente, só na Constituição em vigor, o direito de greve veio a ser amplamente assegurado pelo art. 9o; “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que davam, por meio dele defender”. O § 1o, por sua vez, prescreve que “A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessi-dades inadiáveis da comunidade”, enquanto o § 2o estipula que “Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei”.

Grupos de interesseGrupos de interesse são organizações que tratam de influir nas políticas governamentais, sem se preocupar em participar diretamente do sistema político. Colocados inicialmente à margem dos estudos de Ciência Política, começaram a despertar a atenção dos especialistas, nas décadas de 50 e 60 do século passado, a partir de quando passaram a ser consideradas peças de efetiva importância para a prática do pluralismo, servindo de intermediários entre os interesses dos cidadãos e o Estado cada vez mais onipresente na sociedade contemporânea. A rigor, os grupos de interesse constituem um gênero de entidades integrados por várias espécies. Uma delas é o lobby* outra, são as corporações*, em especial as de caráter profissional e as de na-tureza econômica, e outra os chamados grupos de pressão*. A essas espécies, pode-se hoje acrescentar as ONGs* – Organizações Não-Governamentais, também chamadas de terceiro estágio, como instituições intermediárias en-tre o Estado e vários segmentos das sociedades contemporâneas. A maior parte dos estudos teóricos sobre o papel, as funções, os métodos de atua-ção e a relevância política e social desses grupos datam das décadas de 60 do século passado (FINER, Samuel E., O Império Anônimo, 1966; Bentley, A. F., O Processo de Governo, 1967), de 70 (TRUMAN, D. O Processo Go-vernamental, 1971; MIDDLEMAS, R.K, Política na Sociedade Industrial, 1979) e de 80 (BEER, S.H. Moderna Política Britânica, e OFFE, Claus. Partidos Políticos e Novos Movimentos Sociais, 1988). Algumas diferen-ças permitem estabelecer uma classificação de cada uma dessas categorias. Os lobbies, são grupos de profissionais e especialistas que atuam em nome de seus clientes, e constituem um grupo que atua de forma remunerada, aconselhando e assessorando os que a eles recorrem. São comuns e têm sua atividade regulamentada no Estados Unidos. Em outros países, como é o caso do Brasil, atuam independentemente de qualquer regulamentação e, em muitos aspectos sem controle. Os grupos de pressão são movimentos organizados, alguns em caráter permanente, outros de atuação eventual, para atuar exclusivamente nas questões que lhes dizem respeito. Ou são de origem empresarial, ou de extração profissional e, via de regra, atuam

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defendendo interesses corporativos. As ONGs, Organizações Não-Gover-namentais, atuam nas áreas de interesse coletivo, como os grupos de defesa dos animais, de defesa do meio ambiente, de promoção dos direitos das minorias ou dos consumidores.

Grupos de PressãoOs grupos de pressão são espécies de lobbies que atuam em benefício pró-prio, em geral de caráter e natureza corporativas, e por isso, ao contrário dos lobbies, são mantidos e remunerados pelos próprios interessados. Agem à margem dos sindicatos, nos casos das categorias profissionais, por terem mais liberdade de ação e poderem agir sem que sejam identificados com a causa corporativa que defendem, mas sim como se estivessem servindo a uma causa pública. Quanto maior a essencialidade das profissões que exer-cem, mais êxito costumam ter nas pressões de que se utilizam. No Serviço Público, há algumas dessas categorias profissionais, como os controladores de vôo, os agentes de arrecadação do fisco, os policiais civis e militares cuja paralisação pode causar enormes prejuízos ou despertar a antipatia e a re-pulsa dos afetados, contra os governos que se recusam a atender suas reivin-dicações, causando prejuízos à população que necessitam de seus serviços. Médicos, fiscais da Previdência e servidores que lidam com o público estão nessa categoria de “serviços essenciais”. Eles se distinguem dos sindicatos porque sua interlocução não se dá, como nas empresas privadas, na Justiça do Trabalho, que pode impor sanções aos primeiros, mas não a esses gru-pos, mesmo que formalizados em associações, cuja proliferação atinge hoje praticamente todas as atividades. Uma das indagações pertinentes, desde que os grupos de interesse despertaram o interesse dos cientistas sociais, é a razão por que os grupos de pressão não agem sobre os partidos ou dentro dos partidos ou por que não se transformam em legendas partidárias? Pela simples razão de que não estão interessados na disputa do poder, função es-sencial de todos os partidos, mas sim nas políticas governamentais que de-sejam fomentar, em seu próprio benefício, ou evitar, quando possam atingir seus interesses. Por isso atuam não como partidos, mas sobre os partidos.

Guerra FriaDenomina-se Guerra Fria a rivalidade política e ideológica que se estabe-leceu, logo após a Segunda Guerra Mundial, entre os dois protagonistas vencedores do conflito, os Estados Unidos e a União Soviética. A partilha de Berlim entre os quatro aliados vencedores – Estados Unidos, União So-viética, Inglaterra e França – que poderia ter sido um teatro de entendimen-to e cooperação, terminou se transformando numa frente de confrontação, quando a União Soviética decretou o bloqueio da antiga capital da Ale-manha que se encontrava inteiramente no território alemão conquistado e

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ocupado pelos exércitos soviéticos, impedindo seu abastecimento por terra, que forçou a formação de uma ponte aérea entre o setor ocidental de Ber-lim e o território alemão, ocupado pelos exércitos aliados, para supri-lo das necessidades mais essenciais, como carvão para enfrentar o rigoroso inverno, combustíveis para suprir as necessidades de toda a população e alimentos. O termo “guerra fria” foi cunhado por Bernard Baruch, um financista america-no e conselheiro presidencial, durante um debate no Congresso americano, em 1947 e teve vários e diversificados capítulos. Na área econômica, para enfrentar a influência do Leste Europeu, pertencente à órbita soviética pelo Acordo de Ialta entre Stálin, Roosevelt e Churchill, os americanos trataram de aprovar o Plano Marshall, entre 1948 e 1951, um fundo para a recons-trução de 17 países da Europa Ocidental e do Sudeste europeu, com o fim de livrar seus principais beneficiários da influência dos governos comunistas instalados pelos soviéticos atrás da linha que Churchill denominou de Cor-tina de ferro* e pelos partidos comunistas que atuavam nos países beneficiá-rios do plano. Na frente militar, os Estados Unidos criaram, estimularam e instalaram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a que a União Soviética respondeu com o Pacto de Varsóvia, a aliança militar que, sob liderança soviética, reuniu os países comunistas da Europa. A Guerra Fria se estendeu à Ásia, com a subida ao poder dos comunistas na China em 1949 e o suporte econômico e militar que a URSS deu à Coréia do Norte e à invasão da Coréia do Sul, deflagrando a guerra coreana que durou de 1950 a 1953. Prosseguiu no sudeste da Europa, quando os Estados Unidos instalaram seus mísseis na Turquia, levando a União Soviética a fazer o mesmo em Cuba, dando origem à crise dos mísseis, no governo Ken-nedy, em 1962. Os problemas repercutiram nos incidentes populares que obrigaram a intervenção das tropas soviéticas para conter a insurreição na Alemanha Oriental em 1953, na Hungria em 1956, na Tchecoslováquia em 1968 e no Afeganistão em 1979. Por sua parte, os Estados Unidos reagiram aos governos de esquerda da Jacobo Arbenz, na Guatemala, em 1954, deram apoio financeiro e militar à tentativa de invasão de Cuba na Baía dos Porcos em 1961, invadiram a República Dominicana em 1965, a ilha de Grenada em 1983 e tentaram, sem sucesso manter no poder o governo títere do Vie-tnã do Sul, numa sangrenta guerra de 11 anos, em que saíram derrotados, a despeito de todo o seu poderio militar. O confronto político e ideológico entre as duas superpotências que emergiram vitoriosas da Segunda Guer-ra Mundial, só tiveram fim com a abertura política liderada por Mikhail Gorbachev, quando adotou a sua política de abertura e reformas políticas, a glassnost* e a perestroika*, com o encontro de Reikjavik, na Islândia em 1986 entre Ronald Reagan e primeiro-ministro soviético e os posteriores acordos de redução e limitação dos arsenais atômicos de ambas as potências.

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“Habeas corpus”É a expressão latina utilizada como palavras iniciais dos documentos com que os juízes ingleses, valendo-se dos poderes concedidos pelo Ha-beas corpus Act (a Lei do Habeas Corpus) de 1679, mandava soltar os réus detidos sem causa ou sem o cumprimento das formalidades legais. Ha-beas é a 2a pessoa do singular do presente do indicativo do verbo habere (ter) e corpus é corpo, em português. A ordem de habeas corpus significava “tenha o corpo”, com o sentido de ser o corpo do réu presente ao juízo que concedeu a medida. Embora seja um instituto jurídico de origem anglo-saxônica, criado na Inglaterra e previsto no art. 1o, seção IX da Constituição americana (“O privilégio do mandado de habeas corpus não será suspenso, salvo quando, nos casos de rebelião ou invasão, a segurança pública o exigir”), esse recurso judicial hoje está razoavelmente estendido em vários países de origem latina. No direito brasileiro, ao contrário da concepção original, em que era medida para assegurar a liberdade do cidadão, tem, segundo ensina De Plácido e Silva no seu Vocabulário Jurí-dico, “a precípua finalidade de proteger a liberdade de locomoção” servindo para “garantir a pessoa contra qualquer violência ou coação ilegal, na sua liberdade de ir e vir, mover-se, parar, ficar, entrar e sair, em que se funda o direito de locomoção que lhe é atribuído”. Como explica esse mesmo autor, “O habeas corpus, assim, difere do mandado de segurança*, outro ins-tituto de defesa dos direitos pessoais, mesmo de maior amplitude que ele, pois tende a defender todo direito certo e incontestável contra as violências ou coações de autoridade”. O habeas corpus está assegurado em todas as Constituições republicanas brasileiras, à exceção das tota-litárias, em que esse instituto sofria restrições que em casos concretos o

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impedia. O habeas corpus em nosso direito pode ser preventivo, quando o paciente esteja sob ameaça de sofrer coação ilegal em seu direito de ir e vir, ou suspensivo, quando já tenha sido sofrido limitação desse direito. Foi negociando o restabelecimento do habeas corpus na missão que levou o seu nome que o então Presidente do Senado, Petrônio Portela deu início, ainda no Governo Geisel ao processo de abertura política de que resultou a Emenda Constitucional no 11, de 13 de outubro de 1978 que revogou os Atos Institucionais e, entre outras medidas, pôs fim ao bipar-tidarismo, instituído pelo Ato Institucional no 2, de 1965.

“Habeas data”Trata-se de um direito assegurado no art. 5o, inciso LXXII da Constitui-ção em vigor, nos seguintes termos: “Conceder-se-á habeas data: (a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetran-te, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamen-tais ou de caráter público; (b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo”. O inciso LXXVII, por sua vez, garante a gratuidade nas ações de habeas corpus e habeas data. É um novo instituto jurídico, derivado da proliferação dos serviços de segurança e informações durante o regime militar de 1964, em especial a criação do SNI (Serviço Nacional de Informações) e dos órgãos de informação dos ministérios militares, CIEX (Centro de Infor-mações do Exército), CENIMAR (Centro de Informações da Marinha), do CISA (Centro de Informações da Aeronáutica), das DSI (Diretorias de Segurança e Informações) dos ministérios civis e das ASI (Assessorias de Informações) das autarquias e demais órgãos da administração indi-reta que registravam em seus arquivos, sem qualquer controle, informa-ções verídicas ou não, procedentes ou não, sobre atividades, verdadeiras ou supostas relativas aos cidadãos suspeitos ao regime. A Constituição de 1988 procurou, através do habeas data, criar um instrumento para que os cidadãos tivessem acesso a tais informações e a oportunidade de re-tificá-las. Desconhece-se a extensão e o uso desse recurso por parte dos interessados.

Historicismo Em sua acepção mais simples, o Historicismo é uma concepção filosófica segundo a qual os fenômenos humanos só podem ser compreendidos se fo-rem encarados como fenômenos históricos. Seu fundamento pressupõe que o estudo dos fenômenos humanos exige do filósofo transformar-se em his-toriador, o que leva o historicismo a poder abordar tais fenômenos em sua essência. Um exemplo é o fenômeno do poder. Os filósofos têm sempre refle-

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tido sobre a essência do poder, tentando identificar seus traços constitutivos comuns em todos os tempos e em todos os lugares. O historicismo tende a romper com essa perspectiva, e propõe analisar o poder considerado como um fenômeno típico e singular, em uma determinada situação e em cada época. A paternidade dessa forma de pensamento é atribuída ao historiador, filósofo e jurista italiano Giambatista Vico (1688 – 1774) que, desde o início do séc. XVIII, lançou as bases do que ele mesmo denominou Scienza Nuova (Nova Ciência). Essa nova ciência não é mais que a História. Essa ângulo histórico do pensamento tornou-se rapidamente uma espécie de patrimô-nio intelectual partilhado pela maior parte dos homens de cultura do séc. XIX. Depois das transformações políticas operadas pela Revolução Francesa, grande parte dos pensadores passou a ter o sentimento vivo da História, da História-movimento que fazia prevalecer a idéia de que o futuro não teria mais traço nenhum do passado. Este sentimento de que a História era por-tadora de mudanças para a humanidade, se apossou de um número razoável de pensadores, tentando decifrar as leis da História. Hegel (1770 – 1831) e Marx (1818 – 1883) são os exemplos mais célebres. O termo Historicismo foi empregado muitas vezes para designar as grandes filosofias da História elaboradas nessa época. Foi nesse sentido que o filósofo inglês, austríaco de nascimento, Karl Popper (1902 – 1994) referia-se ao Historicismo quando, em seu livro Miséria do Historicismo, publicado em 1944 atacou duramente o cientificismo do Marxismo. Designa também uma corrente do pensamento que se desenvolveu na Alemanha entre 1870 e 1920, através de figuras como os historiadores Wilhelm Dilthey (1833 – 1911), Henrich Rickert (1863 – 1936) e Georg Simmel (1858 – 1918). Neste sentido, o Historicismo deve ser visto como uma contestação ao Positivismo*. Segundo essa corrente an-tipositivista o conhecimento do passado só se realiza através da experiência subjetiva daquele que o estuda. Esta é a tese que sustentou Raymond Aron, em sua famosa obra Introdução à Filosofia da História: Ensaio Sobre os Limites da Objetividade, publicada em 1938.

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IdealismoDoutrina segundo a qual o mundo exterior só pode ser entendido através da consciência. Platão, Kant e Hegel se opuseram à crença empiricista de que o conhecimento do mundo podia ser alcançado pela experiência. Kant, por exemplo, assegurava que ela podia ser atingida pelas categorias do pen-samento e que os conceitos de tempo e espaço existiam antes da experiên-cia. Por extensão, portanto, as formas particulares da experiência podiam ser ordenadas e os julgamentos acerca delas podiam ser feitos a partir dessas formas: ex.: a experiência moral em relação ao ideal do bem e a experiência religiosa em relação ao ideal que é Deus. Da mesma forma, qualquer busca em relação ao ideal inatingível de alguns objetivos, como a Igualdade*, ou a justiça só podia ser concebida a partir de um ideal, como o do serviço públi-co, por exemplo. Um caso ilustrativo é o dos liberais que almejavam pôr fim à Primeira Guerra Mundial depois de 1918, através da Liga das Nações e do princípio da “segurança coletiva”. Eles estavam empenhados em estabe-lecer um sistema de relações internacionais, favorecendo uma ordem acima da justiça, privilegiando, dessa forma, os poderes dominantes do dia, contra o revisionismo de Estados como a Alemanha, o Japão e a União Soviética, baseados na suposição de que o seu desejo seria suficiente para pôr fim à guerra e estabelecer relações estáveis e imutáveis baseadas em realidades como o interesse nacional, a natureza humana, o dilema da segurança ou a História. Os realistas opunham-se aos idealistas, defendendo a crença de que estes, na realidade, praticavam um realismo exagerado, ao atribuir às idéias uma existência real, quando a realidade transcende o ideal. Para Kant, o conhecimento é uma síntese construída pela inteligência. Por isso, ele ca-racterizava o idealismo de Descartes (1596 – 1650), baseado no enunciado

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“Penso, logo existo”, no que ele chamou de “idealismo problemático” e o de Berkeley (1695 – 1753), calcado na crença da identidade entre o intelecto e a realidade, de “idealismo dogmático”. Em seu Dicionário de Política de Galvão de Sousa, Clovis Garcia e Teixeira de Carvalho, os autores assina-lam, em relação ao Idealismo, que “de um modo geral, todas as ideologias modernas, que começaram com a Revolução Francesa (1789) estão eiva-das de idealismo, substituindo a inteligência real, pela inteligência utópica, tal como observa Marcel de Core (1905 – 1994) que assim conclui: ‘...a Revolução Francesa não somente destruiu as comunidades naturais, mas construiu, em seu lugar coletividades rigorosa e estritamente imaginárias cuja existência fictícia dá às vontades de dominação toda a licença de se desencadear’ (A Inteligência em Perigo de Morte)”.

IdeologiaA palavra ideologia foi usada pela primeira vez em 1796 por um filósofo hoje quase desconhecido, Destutt de Tracy, para referir-se a uma possível ciência das idéias, que nunca se desenvolveu nem chegou a se materializar. Passou a ser utilizada, em seguida, para indicar uma visão sistemática do mundo, aquilo que chamamos hoje de “cosmovisão”, ou seja, uma visão única de todo o mundo e de seus problemas. No séc. XIX, continuou a ser usada como essa visão global, mas também passou a significar uma visão distorcida que refletia as paixões, erros e temores dos que se diziam ideólogos. A ideologia foi considerada, então, uma visão distorcida ou falsificada do mundo. A falsi-ficação, na visão dos seus críticos, estava na mente dos ideólogos. Daí a razão de terem Marx e Engels definido a ideologia como uma “falsa consciência da realidade”. Eles explicaram que as distorções eram resultado da preocupação econômica, a serviço da dominação de cada classe. A preocupação de am-bos em “desmascarar” a ideologia, terminou se transformando num exercício ideológico. Se todos os regimes políticos procuram justificar o seu exercício do poder, é sinal de que todo poder político incorpora uma ideologia. Dessa forma, concepções e sistemas políticos, como o próprio marxismo, o nazismo, o fascismo, o liberalismo, o conservadorismo e a própria democracia, seriam ideologias, ou seja, formas de legitimar e justificar o poder. Por isso, a ideologia continua, até hoje, poderosa arma da Política.

IgualdadeO art. 1o da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, declara solenemente que “Todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”. A Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU, aprovada em Paris em 10 de Dezembro de 1948 começa por declaração idêntica e ainda mais enfática: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e

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direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. Mas a Constituição brasileira de 1824, outorgada 35 anos depois da Declaração de 1789, embora assegurando que “A lei será igual para todos, quer proteja quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um” (Art. 179, inciso 13), não procla-mou nem reconheceu a Igualdade entre todos os homens. Éramos um país independente, mas não uma nação de homens livres, dividida entre cidadãos e escravos. Assim permanecemos até 1888, ou seja, 99 anos depois da Decla-ração de Direitos de 1789, quando se proclamou o fim da escravidão. O fim da escravidão garantindo a Liberdade de todos os brasileiros, no entanto, não assegurou a Igualdade de todos os cidadãos. Nossa primeira Constituição, a que manteve o instituto execrável da escravidão, declarava, porém: “Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as demais penas cruéis” (Art. 179, inciso 19). Entretanto a pena de açoite continuou a ser aplicada na Marinha, até 1910, quando uma revolta de marinheiros levou à sua efetiva proibição. A Revolução Francesa de 1789, que marca o início da Era Contemporânea, foi desencadeada pelo lema libertário e igualitário de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Esses ideais jamais se consumaram em todo o mundo que continua a conviver em nossos dias, com discrimina-ção, desigualdade e falta de liberdade. A Igualdade entre os homens, significando o fim da escravidão e a conces-são de iguais direitos para todos, é, portanto, uma conquista muito recente, como se assinala no verbete Equidade*. Assim era na Antigüidade clássica, entre egípcios, caldeus, hititas, os povos da Mesopotâmia, gregos e romanos e também na Ásia, onde o sistema de castas, ainda hoje prevalecente na Ín-dia, cuja cultura é tão celebrada, mostra a persistência da desigualdade. Basta assinalar que o voto assegurado a todos os homens desde 1848 na França, só foi concedido às mulheres, naquele país, quase um século depois, em 1945. A Igualdade entre todos os homens foi proclamada pelo Cristianismo e por quase todas as religiões. Mas é, como sabemos, a Igualdade perante o Deus de cada uma delas, não entre o homem e seu semelhante. Em outras pala-vras, essa é a Igualdade quanto ao ser, mas não quanto ao ter e menos ainda quanto ao haver. Por mais iguais que nos proclamemos, somos diferentes quanto ao modo de ser, como lembram os autores do Dicionário de Política, Galvão de Sousa, Clovis Garcia e Teixeira de Carvalho. Mesmo sendo cria-turas dos Deuses em que acreditamos, nascemos diferentes em inteligência, talento e aptidões, por mais que a cultura que consigamos adquirir possam nos tornar menos desiguais no uso dos atributos que conquistamos, gra-ças às civilizações em que vivemos. A palavra Igualdade, portanto, deve ser tomada em seu sentido político e jurídico, apenas como aquela que desde 1824 se proclamou entre nós: a Igualdade, apenas, perante a lei. Ou como

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explica De Plácido e Silva em seu Vocabulário Jurídico, “Igualdade é desig-nação dada ao princípio jurídico instituído constitucionalmente, em virtude do qual todas as pessoas, sem distinção de sexo ou nacionalidade, de classe ou posição, de religião ou de fortuna, têm, perante a lei os mesmos direitos e as mesmas obrigações”. No Brasil, contudo, como podem constatar todas as pessoas, todos os dias, em todas as partes, esse instituto jurídico, como demonstra nossa evolução histórica, vale, como ensinou o historiador José Honório Rodrigues, para os “mais iguais”, mas não para “os menos iguais” em que ainda se divide nossa sociedade.

IluminismoÉ o nome do movimento cultural que, tendo começado na Inglaterra e na Holanda, no fim do séc. XVII, se estendeu durante o século seguinte por toda a Europa ocidental, irradiando-se da França até a Rússia. Em 1784, o filósofo alemão Immanuel Kant (1724 – 1804) respondendo à pergunta – Que é a Aufklärung? (Iluminismo, em alemão), respondeu: “O Iluminismo é a saída do homem da menoridade, devida à própria culpa. Menoridade é a incapa-cidade de se servir do próprio entendimento, sem ser guiado por outro. E tal menoridade é imputável à culpa própria quando a sua causa reside, não na incapacidade intelectual, mas na incapacidade de decisão e coragem, da cora-gem de utilizar o próprio entendimento sem ser guiado. Sapere aude! (Saber ousar!). Tem a coragem de utilizar teu próprio entendimento! Tal a palavra de ordem do Iluminismo”. Os antecedentes do Iluminismo encontram-se tanto no Enciclopedismo calcado no racionalismo cartesiano (alusivo a Descartes) de que resultou o surgimento das primeiras enciclopédias, como tentativa de sistematizar e difundir o conhecimento humano, quanto no movimento de Reforma empreendido por Martinho Lutero que quebrou o monopólio da interpretação das Escrituras que a Igreja guardava zelosamente para si. Para explicar o surgimento do Iluminismo Paul Hazard invocou o que ele mesmo chamou de “crise da consciência européia”, que teria ocorrido entre 1680 e 1715: “A hierarquia, a disciplina, a ordem que a autoridade se encarrega de assegurar, os dogmas que regulam a vida com firmeza: isso é o que amavam os homens do séc. XVII. As normas, a autoridade, os dogmas, isso é o que detestam os homens do séc. XVIII. Os primeiros são cristãos e os outros anti-cristãos; os primeiros crêem no direito divino. Os outros no direito natural; os primeiros vivem de bom grado numa sociedade que se divide em classes de-siguais; os segundos só sonham com a igualdade”. O Iluminismo encontrou amparo e aceitação entre os monarcas que, embora vivendo ainda a época do absolutismo, foram chamados de “déspotas esclarecidos”, como Guilherme II e Catarina da Rússia. Embora tivesse como característica dominante o empi-rismo de Francis Bacon (1561 – 1626) e o racionalismo cartesiano, o que eles

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entendiam como razão cristalizou-se em sua própria antítese a anti-razão, a crítica e a destruição de um mundo que eles queriam destruir. Quando Voltaire entoou o seu hino de guerra, Écrasez l’infame, (Esmagai o infame), ele visava de forma explícita a Igreja católica, mas o movimento vira-se, em seguida, contra todas as religiões, o protestantismo, o judaísmo e o islamismo e parte para o ataque à autoridade política dos reis, o direito divino, a idéia da tradição e própria idéia de um saber universal, constitutivo de um sistema deduzido de alguns poucos princípios. Abolir o passado por todas as formas e em todas as suas manifestações, passou a ser o seu objetivo. O Iluminismo se radicou de forma diferente em cada um dos países e acolheu manifestações de toda ordem, desde a filosofia, à literatura e às artes, até a política, como ocorreu na Inglaterra em 1688/9 e na França em 1789, duas das revoluções que podem servir de balizamento para um período que terminou não vencido nem abatido, mas sucedido pacificamente pelo Romantismo do séc. XIX, depois de ter cumprido um relevante papel histórico.

“Impeachment”Acusação formal de má conduta. Formalizar uma denúncia contra um agente público é acusá-lo do crime de desvio de conduta na execução de seus deveres. Os procedimentos do impeachment normalmente ocorrem perante a Câmara Baixa dos Parlamento, tendo prosseguimento com um processo conduzido na Câmara Alta. Na Inglaterra, antes de ser usado esse instrumento para promover a responsabilidade ministerial perante o Parlamento, o impeachment era utilizado como recurso para que o acusa-do respondesse, primária, mas não exclusivamente, perante a Coroa. Em 1677, por exemplo, a Câmara dos Comuns inglesa denunciou o ministro-chefe do rei, conde de Danby, por negociar um tratado com o rei da Fran-ça. A Câmara dos Lords se recusou a condená-lo, mas ele foi demitido e confinado na Torre de Londres por cinco anos. Só houve dois casos de impeachment na Inglaterra nos últimos 250 anos – Warren Hastings foi condenado em 1786 por sua conduta no vice-reinado da Índia, e Lord Melville por corrupção no uso de fundos públicos, em 1806. Nos Estados Unidos, a Constituição prevê o impeachment de autoridades públicas por traição, suborno ou outro altos crimes, além de má conduta. A Câmara dos Representantes tem só o poder de denúncia, pois tanto o processo quanto o julgamento são realizados no Senado, sob a direção do presiden-te da Corte Suprema. A condenação requer o voto de 2/3 dos membros presentes ao julgamento. Desde 1787, quando a Constituição americana entrou em vigor, sete juízes federais perderam o cargo depois de sofrer processo de impeachment. O Presidente Andrew Johnson foi denunciado em 1868, mas sobreviveu por um voto no Senado. Em 1974, a comissão

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Judiciária da Câmara concordou em acusar o então Presidente Richard Nixon, por abuso de poder na Presidência, obstrução da justiça e desacato ao Congresso, não chegando a ser julgado, por ter renunciado ante o aviso de que sua condenação se tornara inevitável. Em 1998, o ex-Presidente Bill Clinton foi denunciado por perjúrio e obstrução da justiça, mas ficou livre da acusação pelo Senado, no ano seguinte.No Brasil, esse instituto político foi adotado na Constituição de 1946, cons-tando do Título I, Capítulo II, Seção III que trata “Da Responsabilidade do Presidente da República”, no art. 88, que dispunha: “O Presidente da Repú-blica, depois que a Câmara dos Deputados, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, declarar procedente a acusação, será submetido a julga-mento perante o Supremo Tribunal Federal, nos crimes comuns, ou perante o Senado Federal, nos de responsabilidade”. O art. 89, por sua, vez, dispu-nha que “são crimes de responsabilidade aos atos do Presidente da Repúbli-ca que atentarem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (I) a existência da União; (II) o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderes Constitucionais dos Estados; (III) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; (IV) a segurança interna do país; (V) a probidade na administração; (VI) a lei orçamentária; (VII) a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos e (VIII) o cumprimento das decisões judiciárias”. Já o parágrafo único, prescrevia: “Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento”. A lei regulamentando os crimes de responsabilidade foi aprovada em 1950 (Lei no 1.079, de 10/4/1950) que “Define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento”. Pelo ordenamento jurídico do país, não só o presidente e o vice-Presidente da República estão sujeitos a processo e julgamento por crime de responsabilidade. Respondem também por esse delito; os ministros de Estado, os ministros do Supremo Tribunal, o Procurador-Geral da República, os Governadores e Secretários de Esta-do. Lei específica, dispõe também sobre a responsabilidade dos Prefeitos. Em toda a história republicana do país, foram inúmeras as denúncias, mas apenas um caso foi aceito pela Câmara, contra o ex-Presidente Fernando Collor que renunciou antes de efetivado o seu julgamento, mas ainda assim teve sentença prolatada contra ele, quando já não mais ocupava o cargo. Na Constituição em vigor a matéria está prevista nos arts. 85 e 86.

ImperialismoDenominação dada ao controle político ou econômico de um país sobre ou-tro ou outros, aplicando-se também ao exercido por um povo sobre outro ou vários outros. Esse, contudo é um conceito moderno, já que o nome deriva de Império, o termo aplicado aos antigos impérios como o da Grécia sobre

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a Magna Grécia (Sicília e sul da Itália), o Império Romano sobre o norte da África, a Inglaterra e toda a Europa Ocidental estendendo-se até o Oriente Médio. Daí porque é chamado de “neo-imperialismo” o movimento liderado pela Inglaterra e outras potências como a Alemanha, a França e até mesmo a Itália, de um intenso expansionismo na África e no Oriente Médio. Ativistas e pensadores como o inglês John Robson (1858 – 1940), Rosa de Luxem-burgo (1871 – 1919), Bukharin (1888 – 1939) e especialmente Lênin (1870 – 1924) procuraram explicar esse movimento por fatores econômicos, como a busca de matérias primas para atender às necessidades dos mercados cativos dos países capitalistas. Esta foi a explicação dada por Lênin em seu livro Im-perialismo: o Mais Alto Estágio do Capitalismo. Outra era a explicação do tche-co Joseph Schumpeter (1883 – 1950) que o definiu como uma irracional dis-posição de parte de alguns Estados de promover a ocupação de outros, como forma de permitir a sobrevivência das estruturas pré-capitalistas de alguns países, aplicando o que se chamou de “social Darwinismo”. Em sua evolução, o imperialismo adotou formas de dominação econômica que dispensavam a presença da ocupação estrangeira, substituída pela dependência econômica dos mercados consumidores de produtos tropicais, em geral gravosos, que só encontravam meios de escoamento por um sistema de trocas que tornavam a dependência econômica inevitável. Foi como o primeiro Presidente de Gana, Kwame Nkrumah definiu em seu livro Neo Colonialismo, o Último Estágio do Capitalismo essa nova modalidade de colonialismo: “A essência do neocolo-nialismo é que o Estado que está sujeito a ele é, em teoria, independente e mantém todos os traços de sua soberania a nível internacional. Na realidade, seu sistema econômico e seu sistema econômico são dirigidos diretamente do exterior”.

Inalistáveis Não podem alistar-se eleitores, segundo o art. 14, § 2o da Constitui-ção, os estrangeiros e, durante a duração do serviço militar, os conscritos, isto é, aqueles que são convocados para prestarem esse dever cívico.

Inclusão digitalFoi a expressão encontrada na era da informática para definir as pessoas que não têm acesso assegurado à rede mundial de computadores, cria-da nos Estados Unidos na década de 70, mas que só se disseminou no mundo duas décadas depois. No início do século XXI, a estimativa era de que apenas 360 milhões de pessoas, o equivalente a 6% da popula-ção mundial tinha acesso a essa que é hoje chamada “a rede das redes”, um avanço que revolucionou o comércio eletrônico, fez desaparecer em alguns países, como nos Estados Unidos o uso do telegrama e está em

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várias partes promovendo o chamado “governo eletrônico” que permite aos cidadãos cumprir muitas de suas obrigações cívicas sem sair de casa, como ocorre entre nós com a declaração anual do Imposto de Renda a que estão obrigados os contribuintes com renda acima dos níveis de-terminados pela legislação. A estimativa é que, antes de meados do sé-culo, mais de 50% da população mundial já tenha sido beneficiada pela inclusão digital. A nova revolução dessa era, com a adoção do padrão digital para a televisão, está apenas começando, sendo imprevisíveis os resultados que virão da junção de várias “mídias” num só aparelho, que tanto pode ser a própria televisão, quanto o computador e o telefone. As perspectivas que se abrem com essas inovações podem estar mais perto do que se poderia supor há quatro ou cinco anos, mas quaisquer que se-jam os seus avanços, eles vão depender, tal como hoje, da inclusão digital de um maior número de pessoas, o que, por sua vez, depende da renda, do padrão de vida e da educação das pessoas em todos os países.

Inclusão socialA “inclusão social” é uma questão associada a outra – à que deu origem à exclusão social. Quais são os socialmente excluídos, em todos os tempos, se desde o início do processo civilizatório houve pobres, miseráveis e de-serdados? Desde a civilização egípcia a meados da Idade Média, da China à África, uma grande parte das diversas populações em todo o mundo sempre viveu em condições de pobreza. Mas há pobres e pobrezas. Ao lado das grandes massas de campesinos, de artesãos, de pescadores e pas-tores, que viviam pobremente e sem grandes meios, havia um outro mun-do, mais despojado ainda: dos párias, dos mendigos e dos miseráveis que não tinham nem terra, nem animais, nem abrigo e eram forçados a viver da mendicância ou da rapinagem. O historiador Bronislaw Geremeck dedicou inúmeros estudos à pobreza e à marginalidade social, da Idade Média à época moderna. Ele estava especialmente interessado na visão que a sociedade tinha sobre os indigentes e os vagabundos, que ainda hoje oscila entre o medo e a compaixão, como indica o título de uma de suas obras: A Forca ou a Piedade, publicada em 1968. A industrialização trouxe um novo tipo de empobrecimento ao Ocidente. No séc. XIX, a condição de vida da classe operária era marcada pela precariedade, a cadência in-fernal das fábricas e a insalubridade dos cortiços em que eram obrigados a morar. Foi nessa época que se realizaram as primeiras grandes pesquisas sociais, como a de Louis Villermé (1728 – 1863): Tabela do estado físico e moral dos trabalhadores nas fábricas de algodão, de lã e de seda, publicada em 1840 que descrevia as condições de vida aflitivas das massas empo-brecidas. Nota-se que a fragilidade econômica era sempre acompanhada

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da desagregação social. Nos bairros mal afamados, onde se amontoavam os proletários, a miséria convivia com a delinqüência, a prostituição, o alcoolismo e a violência das famílias desagregadas. O título do livro de Louis Chevalier, publicado em 1958, diz tudo: Classes Laborieuses, Classes Dangereuses (Classes Trabalhadoras, Classes Perigosas). A pobreza e a ex-clusão sempre fizeram parte dos grandes temas da literatura sociológica. Em Chicago, onde nasceu a Sociologia americana, os primeiros grandes estudos monográficos tratam dos “sem abrigo” da época, N. Anderson, O Hobo: Sociologia dos Sem Abrigo, 1923, os criminosos e os pequenos delin-qüentes, F. Thraster A gang, 1927 C. Shaw O Jac-Roller, 1930, a vida no gueto judeu. L. Wirth O Gueto, 1928 e inúmeros outros que se prolongam até 1945. Por toda a parte onde reina a pobreza, o vício parece acompanhá-la. Haveria entre a pobreza e a miséria moral, um vínculo indissociável? É o que sugere a expressão “cultura da pobreza”, devida a Oscar Lewis. Na obra clássica Os Filhos de Sánchez, de 1961, o antropólogo descreve o modo de vida de uma família pobre de índios imigrados, vivendo no México. Segundo o autor, a pobreza produz uma “personalidade” peculiar cujos traços principais são: o sentimento de dependência e de inferioridade, o fatalismo, a falta de auto-estima, a fraca capacidade de se projetar no futuro e uma atitude voltada exclusivamente para o presente. No curso de outros estudos levados a efeito em Porto Rico ou nos cortiços de Nova York, Oscar Lewis nota “semelhan-ças acentuadas” nas estruturas familiares, nos comportamentos individuais e nos valores dos pobres. Eis o que ele chama a cultura da pobreza. A tese so-bre a cultura da pobreza foi objeto de um grande debate nos Estados Uni-dos nos anos 60-70 do século passado (E.B. Leacock, A Cultura da Pobreza: Uma Crítica, 1971). Durante os trinta anos gloriosos (de 1945 a 1975) os pobres são representados, nas sociedades modernas, pelos camponeses, pelos trabalhadores não qualificados, pelos imigrantes e pelos velhos sem aposentadoria. É crença geral que a modernização das estruturas sociais, o aumento do nível de vida e as políticas sociais vão, pouco a pouco, absorver os bolsões de miséria residuais. A partir dos anos 70, essas formas de pobre-za chegaram a se reduzir. Mas a partir dos anos 80 do século passado, ela ressurge sob uma forma nova e não prevista: desempregados e pessoas sem domicílio fixo. A miséria e a exclusão, que se acreditava em vias de extin-ção, voltam a aparecer. A pobreza voltou sob a forma de exclusão. O termo inclusão social, resume, em todas as partes do mundo, em maior ou menor escala, essa realidade: como incluir socialmente os pobres, os miseráveis e os excluídos que sobrevivem em toda parte do mundo?Estima-se que, dos seis bilhões de habitantes do planeta que existiam em 2003, 2,8 bilhões, quase a metade, dispõem do equivalente a me-

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nos de dois dólares por dia para sobreviver. E desses, 1,2 bilhão, ou um quarto, da população, de menos da metade desses dois dólares. Os pri-meiros são os extremamente pobres, os últimos, os miseráveis, segundo os padrões da ONU. No Brasil, em junho de 2005, o IPEA estimava que 53 milhões dos 170 milhões de brasileiros estavam entre os pobres e miseráveis. Éramos o penúltimo, entre os 130 países do mundo anali-sados, com a pior distribuição de renda do planeta. Entre 1980 e 2003, o número de homicídios em todo o país triplicou. Para erradicar esse quadro, deprimente para qualquer país, só há um caminho, promover a inclusão social, ou seja, dar a esses milhões de homens, mulheres e crianças, a condição de cidadãos, de que ainda não desfrutam. Esse é, ainda hoje, o nosso maior desafio.

IndividualismoO indivíduo sempre existiu como ser biológico, desde que se completou na Terra a sua evolução, mas o individualismo tem, como tal, uma história bem mais breve do que a do homem. É possível, até mesmo, datar o seu apareci-mento de uma época precisa. Com o surgimento do período conhecido como Renascença européia, nos sécs. XIV e XV, surgiu uma nova maneira de viver e de conceber seu destino no mundo. O indivíduo começa a se livrar das tu-telas tradicionais que pesavam sobre seu destino e ousa dizer “eu”. O mundo social muda seu centro de gravidade: emancipando-se das leis superiores que o colocavam a serviço de Deus, do Estado e da família, ele se volta para o indivíduo e o culto de si mesmo. O indivíduo se torna o fim e a medida de todas as coisas, que ainda podem ser apreciadas nos afrescos, nas pinturas, nas esculturas e nas gravuras que festejam e consagram os seres humanos em todas as duas dimensões e, por conseqüência, em toda a sua grandeza. Esta é, pelo menos a história que nos contam numerosos autores, filósofos, sociólo-gos, antropólogos que se debruçaram depois de alguns anos, sobre a história do indivíduo. O antropólogo Louis Dumont, foi o primeiro a traçar uma genealogia da ideologia individualista moderna, (Ensaio sobre o Individualis-mo, de 1983). Sua chave de leitura parte da oposição entre holismo (conforme o Aurélio, “Teoria segundo a qual o homem é um todo indivisível e que não pode ser explicado pelos seus distintos componentes – físico, psicológico ou psíquico – considerados separadamente”) e individualismo. Nas sociedades holísticas, é preciso entender como tal as sociedades primitivas, antigas, me-dievais (a Índia clássica serve de modelo de referência), o indivíduo não existe. Ou melhor, o indivíduo não se vê como nem se considera um ser indepen-dente, separado da sociedade a que pertence. Desde que nasce, ele é enredado numa teia de ligações e de relações de dependência: a família, o clã, a casta, a etnia, que vão presidir seu destino. Quer nasça escravo ou nobre, servo ou

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cavaleiro, intocável ou membro das altas castas o indivíduo está sujeito a laços de que não pode se desprender. Segundo Louis Dumont, o individualismo aflora no Ocidente, nos primeiros séculos do cristianismo. Os ascetas e os monges que se retiram para “fora do mundo” exprimem uma nova atitude em face da vida. Foi depois de uma longa fase de gestação no mundo cristão, so-bretudo nos sécs. XVII e XVIII que a ideologia individualista vai se expressar através da filosofia política (Thomas Hobbes e John Locke) e mais tarde com o espírito do Iluminismo* que afirma o direito dos indivíduos, o direito à se-gurança e à proteção Hobbes e o direito à propriedade Locke. Através de múlti-plas vicissitudes o individualismo vai se expandir pelos séculos seguintes. Tal como o antropólogo Louis Dumont, também o filósofo canadense Charles Taylor vê na Renascença ocidental, um momento essencial da constituição da individualidade, e a literatura dá um testemunho desta evolução. Com suas Confissões, publicadas entre o ano 397 e 401, Santo Agostinho (357 – 430) tinha sido um precursor explorando os tormentos do seu eu íntimo. O francês Michel de Montaigne (1533 – 1592) ousa fazer dele mesmo o objeto de seus estudos. Nos Ensaios, escritos entre 1580 e 1588, ele escreveu: “Cada um olha diante de si; eu me olho em mim e não tenho outra ocupação senão comigo mesmo”. René Descartes é outro desses testemunhos. Ele funda seu pensamento, a partir da afirmação de si mesmo: “Penso, logo existo”. A his-tória do indivíduo e do individualismo, escreveu Charles Taylor, compreende a “construção do indivíduo moderno” e supõe, portanto, reportarmo-nos às mudanças econômicas, jurídicas e sociais que o permitiram. O individualis-mo do mundo contemporâneo, na medida em que se erigiu em preocupação consigo mesmo, em detrimento do meio social em que vivemos, implica no risco de fazermos dos ídolos de pés de barro que procuramos imitar, a perda de nossa solidariedade para com os demais, transformando-nos em meros egoístas, presas de nossos pequenos e mesquinhos interesses. Se o coletivismo foi um mal para muitos momentos de nossa história, o individualismo incorre no risco de ser um mal ainda maior.

InelegibilidadeOs que não podem alistar-se não podem ser eleitos, isto é, são inelegíveis, ou seja, não podem ser candidatos a cargos públicos. Quais são eles? Os analfabetos que podem votar, mas não podem ser votados. Os estrangei-ros que nem podem alistar-se nem podem votar e os brasileiros, maiores de 16 anos, enquanto estiverem prestando o serviço militar obrigatório.

InflaçãoOs economistas definem inflação como “um processo gradual de aumen-to dos preços que tem como resultado a diminuição do poder de compra

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de uma determinada quantia de dinheiro” (Graham Bannock, R. E. Bax-ter e Ray Rees, Diconário de Economia) ou como “aumento persistente dos preços em geral, de que resulta uma contínua perda do poder aquisitivo da moeda” (Paulo Sandroni, Dicionário de Economia e Administração). Não é diferente o conceito que pode ser encontrado nos dicionários de Política. O Dicionário Conciso Oxford de Política, editado por Iain Mc Lean, por exemplo, registra o verbete Inflação como “Um geral e persistente au-mento dos preços. A inflação tem sido vista como provocando incertezas desencorajando a poupança e os investimentos, tanto quanto afetando o comércio internacional do país, através da taxa de câmbio e do balanço de pagamentos, além de transferir renda dos poupadores para os consu-midores”. No século passado, a história econômica relata três momentos dramáticos do processo inflacionário que terminou afetando vários países na Europa Ocidental: o que se seguiu ao fim da Primeira Guerra Mundial e que gerou a hiperinflação alemã, com a mais grave crise política vivida pela Alemanha em tempos de paz, o fim da República de Weimar e o advento do nazismo, com a ascensão de Hitler ao poder. Processo idêntico viveu a Hungria e as repercussões dessa perda de confiança generalizada dos povos atingidos chegaram aos Estados Unidos, provocando a quebra da Bolsa de Nova York e a maior recessão econômica que o país conhe-ceu. Uma segunda onda inflacionária ocorreu depois da Segunda Guerra Mundial, com as incertezas da “guerra fria” e a terceira se verificou na década de 70, com a criação da OPEP (Organização dos Paises Produ-tores de Petróleo), atual OPEC e a crise do petróleo. O que preocupa os cientistas políticos, porém, não é o fenômeno da inflação em si, mas suas repercussões no processo político, com as dúvidas que ainda hoje pertur-bam os especialistas: o descontrole da Economia afeta necessariamente a Política, ou o mal funcionamento da Política afeta necessariamente a Economia? Essa vertente de preocupações e de indagações gerou duas correntes: uma tenta explicar as razões das crises, de maneira geral, de que é exemplo o trabalho de James O’ Connor, O Significado da Crise. Uma Introdução Teórica e outra representada pela tentativa de explicar se ao lado da racionalidade econômica existe uma racionalidade política, de que é exemplo a obra Um Teoria Econômica da Democracia, de Anthony Downs origem da chamada teoria da “escolha racional”. O Brasil, que já viveu períodos de hiperinflação, depois de mais de meio século de estabi-lidade e crescimento econômico e de turbulências políticas, ainda padece das incertezas que continuam a desafiar os economistas.

InfluênciaA influência é uma das modalidades do poder do homem sobre o homem. A distinção entre a influência e o poder reside no recurso de que cada um

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deles se vale. O recurso do poder é a coerção. O cidadão obedece ao poder legítimo do Estado, de forma voluntária, pois sabe que a desobediência importa na sanção legal que o Estado, titular legal do poder legítimo lhe impõe, mesmo que seja com o emprego da coerção que a lei lhe autoriza. O recurso da influência, ao contrário, é a persuasão, conseguida, através de incentivos e restrições utilizadas de forma legal e legítima.

InformaçãoOpinião é algo diferente de informação. Sem informação, dificilmente te-remos opiniões corretas e seguras sobre as coisas e as pessoas, a respeito das quais temos que opinar. Informação é algo bem mais complexo do que opi-nião. Tanto que no dicionário Aurélio há nada menos de 11 definições sobre essa palavra. Ao contrário da opinião que podemos ter, sobre todas as coisas e pessoas, mesmo sobre as que não conhecemos ou nada sabemos, a informação é uma forma de conhecimento, podemos dizer o conhecimento não especia-lizado. Como no caso das respostas diferentes à mesma pergunta, no caso da opinião, na hipótese da informação dá-se o mesmo. A resposta de uma pessoa pode variar, não só segundo a pergunta, mas também sobre a informação que se tem sobre o assunto objeto da pergunta. Uma pessoa pode ser a favor da pena de morte, se acreditar que esse recurso extremo pode diminuir a crimi-nalidade. Mas pode ser contra se tiver a informação de que, em todos os países em que foi adotada, a criminalidade não diminuiu. Não tendo a informação, sua opinião será incorreta, por se basear numa suposição incorreta, ou numa falsa informação. Se lhe derem a informação correta, sua opinião poderá ser diferente da que tinha, baseada na suposição errada. Por isso, há uma enorme diferença também, entre informação e conhecimento.

Iniciativa popularÉ a faculdade concedida pela Constituição aos eleitores, de propor di-retamente à Câmara dos Deputados, projetos de lei, subscritos por, no mínimo, (1%) um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cindo Estados, com não menos de 0,3% (três décimos por cento) dos eleitores de cada um deles. (Art. 61, § 2o da Constituição)

Intervenção federal Os Estados federados e o DF gozam de autonomia política e administrativa e somente nos casos previstos na Constituição (art. 34) podem sofrer inter-venção federal.

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ABCDEFGHI

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JacobinismoA denominação original da entidade que ficou conhecida como Clu-be dos Jacobinos era Sociedade dos Amigos da Constituição, cria-da em julho, em Paris, logo após a sessão inaugural dos Estados Gerais convocados pelo Rei Luís XVI e instalados em Versailles, em 5 de maio de 1789. Essa Assembléia era constituída de 600 deputados do povo, representantes do chamado “Terceiro Estado”, 300 da nobreza e 300 do clero. Alguns desses deputados, em sua maior parte bretões, tomaram a iniciativa de se reunir à tarde para discutir os assuntos que constituíam a Ordem do Dia da Assem-bléia. Era um grupo eclético, em que havia nobres, plebeus e mem-bros do clero. Entre eles estavam o Abade Seyès (1748 – 1836) que veio a se tornar famoso com o seu livro Qu’est-ce le Tiers État? (O que é o Terceiro Estado?), Antoine Barnave (1761 – 1793), um dos maiores oradores da Assembléia, Maximilien Robespierre (1758 – 1794), cognominado “O incorruptível”, o duque de Orleans (1747 – 1793), Tayllerand (1754 – 1838), o mais famoso ministro e diplo-mata francês, o marquês de Lafayette (1779 – 1849) que comandou as tropas francesas que auxiliaram os insurretos americanos em sua guerra de Independência contra a Inglaterra e o conde Mirabeau (1749 – 1791), outro grande tribuno. Após as jornadas de outubro de 1789, que tinham transformado a assembléia em Constituin-te, assumindo todos os poderes, depois de adotar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em agosto, o clube seguiu a nova Assembléia e foi também se instalar em Paris, na sala da Biblioteca

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do convento dos Dominicanos, conhecidos como Jacobinos, na rua Saint-Honoré. Mais tarde, depois da mudança da destinação do prédio, suas sessões passaram a ser realizadas na Igreja de que a Biblioteca era uma das dependências. O rápido desenvolvimento da sociedade obrigou seus membros a dar-lhe uma organização que se tornou cada vez mais complexa e complicada. A admissão dos sócios era precedida de um juramento em que declaravam: “Juro viver livre ou morrer, manter-me fiel aos princípios da Revolu-ção; obedecer as leis e as fazer respeitar; concorrer, com todo o empenho para seu aperfeiçoamento e de me conformar aos usos e normas da Sociedade”. Durante as sessões, os que eram admitidos sujeitavam-se a responder uma série de questões em que se apurava a procedência dos candidatos, suas convicções e a situação econô-mica de cada um. No início, as sessões se realizavam três vezes por semana e havia tribunas destinadas ao público que desejasse assistir os debates. Com o tempo, foram se amiudando até tornarem-se di-árias. A taxa de admissão era de 12 libras e a mensalidade de dois. Até o meado de 1790, a maioria dos Jacobinos era francamente monarquista constitucional e composta de uma grande variedade de adeptos. Entretanto, depois dos resultados obtidos pelas jor-nadas de 17 de junho, (reunião dos Estados Gerais em uma só Assembléia), de 14 de julho (queda da Bastilha) e 5 e 6 de outu-bro de 1789 (transformação da Assembléia em Constituinte), os Jacobinos viram-se cada vez mais ameaçados por uma coalizão do clero e da aristocracia com a Corte, o que os levou a se fortalecer criando, em todos os pontos possíveis do país, clubes cujo núme-ro teria chegado a dez mil. A filiação das sociedades do interior ao Clube de Paris, tornou os Jacobinos uma das forças políticas mais influentes da França revolucionária. O crescimento, entre-tanto, terminou gerando divergências que levaram os adeptos das idéias de Montesquieu, partidários do modelo inglês de monarquia constitucional, bicameral, entre eles Tayllerand, Lafayette, Seyès e La Rochefoucauld, a abandonar o Clube em 12 de abril de 1790, para constituir uma entidade rival, o Clube de 89 (alusão ao ano da Revolução). O poder do Clube, sob a liderança cada vez mais radi-cal de Robespierre tornou-se tão predominante que levou o jornal Boca de Ferro a escrever: “A Sociedade dos Jacobinos faz sozinha os decretos, sozinha governa a cidade, compõe só ela o corpo eleito-ral, dispõe de todas as recompensas e a Assembléia Nacional não faz senão cumprir os decretos que essa sociedade lhe impõe, a seu

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único juízo. Ela é medonha, execrável e jesuítica e ousa dizer como os cabeças jacobinos: Fora de nossa Igreja, não há salvação”. Eles se lançaram à tarefa de eliminar os que julgavam seus inimigos, como fizeram com os membros da sociedade denominados Feuillants, em 17 de julho de 1791. Até então, Robespierre ainda era conhecido apenas como O Incorruptível. Mas depois da prisão e a execução do rei, e dos Girondinos, a proscrição e o massacre dos Herbetistas e dos seguidores de Danton, Michelet tinha razão em designá-los “o clero revolucionário, o clero de Robespierre e a Sociedade dos Amigos da Constituição sua capela, onde pontificava e dominava, podemos dizer, quase como um deus”. Com a separação dos mode-rados, o Clube caiu sob a influência direta de Robespierre e chegou a formar um imenso conselho de controle e vigilância sobre todo o país, um olhar constantemente posto nos homens públicos na Assembléia Nacional, na administração civil e nas forças armadas, tornando-se, ao mesmo tempo, uma força policial forte e temida, responsável por mais de 300 mil detenções e a execução de pelo menos 30 mil pessoas. E Robespierre, tal como tinha feito a tantos de seus inimigos e de seus ex-amigos, terminou guilhotinado pelos excessos cometidos e pelos que lhe foram imputados. Em 19 de novembro de 1794, o Comitê de Salvação Pública e o de Segurança Geral do país emitiram uma ordem de fechamento definitivo de sua sede. O Clube dos Jacobinos, como Robespierre, tinha sido vencido. O termo Jacobinismo, porém, permaneceu e passou à His-tória como sinônimo de radicalismo e de sectarismo revolucionário extremado, sem os quais, segundo o velho ditado, a revoluções não podem ser feitas, mas com os quais é impossível governar.

JudiciárioO Poder Judiciário é, juntamente com o Legislativo e o Executivo, um dos três Poderes da União que o art. 2o da Constituição em vigor declara “independentes e harmônicos entre si”. A organização desses Poderes do Estado, segundo a velha concepção tripartite de Montes-quieu em sua obra imortal O Espírito das Leis, publicada em 1746, é objeto do Título IV da nossa Constituição e o seu Capítulo III (arts. 92 a 126) é dedicado ao Poder Judiciário e dividido em sete seções: (I) a primeira trata das Disposições Gerais (arts. 92 a 100); (II) a segunda (arts. 101 a 103) cuida do Supremo Tribunal Federal; (III) a terceira ( arts. 104 e 105) do Superior Tribunal de Justiça; (IV) a

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quarta (art. 106 a 110) dos Tribunais Regionais Federais e dos Juízes Federais; (V) a quinta (arts. 111 a 117) dos Juízes e Tribunais do Trabalho; (VI) a sexta (arts. 118 a 121) dos Tribunais e Juízes Elei-torais; (VII) a sétima (arts. 122 e 123) dos Tribunais e Juízes Milita-res e a (VIII) (arts. 125 e 126) dos Tribunais e Juízes dos Estados. Na Constituição imperial de 1824, esse Poder era denominado não de Judiciário, mas de Judicial e constava do Título VI do texto constitucional (arts. 151 a 164). O art. 151 prescrevia que “O po-der judicial é independente e será composto de juízes e jurados, os quais terão lugar, assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os códigos determinarem”. Já o artigo seguinte estipula-va que “os jurados se pronunciam sobre os fatos e os juízes aplicam a lei”. A estrutura da organização judiciária era simples e os feitos se iniciavam nos Juízes de Paz eleitos pelo mesmo modo que os vereadores, com a função, entre outras previstas em lei, de tentar a conciliação entre as partes nas causas cíveis. Sem essa etapa pre-liminar, dispunha o art. 161, “não se começará processo algum”. Além desses juízes de paz, a Justiça ordinária se compunha dos juízes singulares de 1a instância. Nas capitais das Províncias e na do Império, havia um Tribunal da Relação, com a atribuição de julgar as causas, em segunda a última instância (art. 158). No Rio de Janeiro, além da Relação para conhecer dos recursos apresenta-dos contra as decisões dos juízes singulares, funcionava o Supremo Tribunal de Justiça, composto de quinze letrados escolhidos entre os membros das Relações com a competência de: (a) conceder e de-negar recursos de revista, “nas causas e pela maneira que a lei de-terminar”; (b) conhecer dos delitos e erros de ofício que cometerem os seus ministros e (c) conhecer e decidir sobre os conflitos de ju-risdição. O art. 153 garantia a vitaliciedade dos juízes, mas admitia que pudessem “ser mudados de uns para outros lugares pelo tempo e maneira que a lei determinar”. Além disso, embora o art. 155 da Constituição admitisse que “só por sentença poderão estes juízes perder o lugar”, o art.154 prescrevia que “O Imperador poderá sus-pendê-los por queixas contra eles feitas, precedendo audiência dos mesmos juízes, informação necessária e ouvido o Conselho de Es-tado”, recurso que foi várias vezes utilizado, especialmente durante o segundo reinado. A Constituição Republicana de 1891 transformou o antigo Supre-mo Tribunal de Justiça em Supremo Tribunal Federal, denominação

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utilizada até hoje na mais alta instância do Judiciário, e manteve em 15 o número de seus membros, dentre os quais o Presidente da República devia escolher o Procurador-Geral da República, cargo que substituiu o Procurador-Geral da Coroa existente durante o Império. Assegurou expressamente a vitaliciedade, a inamovibi-lidade e a irredutibilidade dos vencimentos dos juízes. Uma vez que foi instituída paralelamente à Justiça ordinária dos Estados, a Justiça Federal, com jurisdição especificada na Constituição, o art. 62 do texto constitucional republicano dispunha: “As justiças dos Estados não podem intervir em questões submetidas aos tribu-nais federais, nem anular, alterar ou suspender as suas sentenças ou ordens. E, reciprocamente, a justiça federal não pode intervir em questões submetidas aos tribunais dos Estados, nem anular, alterar ou suspender as decisões ou ordens destes, excetuados os casos ex-pressamente declarados nesta Constituição”. Tratava-se de dispo-sitivo cautelar para prevenir conflitos de jurisdição, mesmo estando expresso no art. 61 que “As decisões dos juízes ou tribunais dos Estados, nas matérias de sua competência, porão termo aos proces-sos e às questões, salvo quanto a: 1o – habeas corpus ou 2o – espólio de estrangeiro, quando a espécie não estiver prevista em convenção ou tratado”. Mas era uma demonstração da ampla autonomia que a Constituição concedia aos Estados, seguindo o modelo da Cons-tituição americana de 1787. A Constituição de 1934 incluiu na estrutura do Poder Judiciário, duas justiças especializadas, a Justiça Eleitoral, prometida pela Re-volução de 1930 e a Justiça Militar que, existindo desde 1808, com caráter castrense, ganhou status constitucional e passou a integrar o Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal recebeu a deno-minação de Corte Suprema e teve o número de seus ministros re-duzido de 15 para 11. A Constituição de 1946 acrescentou à estrutura do Poder Judiciá-rio, além da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar, previstas na Carta anterior, a Justiça do Trabalho, criada com jurisdição administrati-va por Getúlio Vargas pelo decreto-lei no 1.237, de 1o de maio de 1939 e instalada em igual data de 1941. Em 1946 passou a integrar a estrutura do Judiciário. Além disso, instituiu um Tribunal Federal de Recursos com jurisdição em todo o território nacional, com a competência originária de processar e julgar (a) os mandados de segurança contra ato de ministros de Estado, do presidente e das

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Câmaras ou Turmas do próprio Tribunal; (b) os habeas corpus quan-do a autoridade coatora fosse juiz federal; (c) os conflitos de juris-dição entre juízes federais e (d) as ações rescisórias de seus acór-dãos e dos acórdãos de suas Câmaras ou Turmas. Tinha também a competência para julgar em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais em matérias civil ou criminal, além dos crimes políticos. Finalmente, competia-lhes ainda “rever, em benefício dos condenados as suas decisões criminais em processos findos”.No Brasil, existem Tribunais que, mantendo essa denominação, não integram o Poder Judiciário. Os casos do Tribunal de Contas da União, criado pela Constituição Republicana de 1891, que é órgão auxiliar do Poder Legislativo, e o Tribunal Marítimo com jurisdição administrativa em matéria de legislação marítima são dois exemplos.

JúriA palavra inglesa jury, grafia antigamente também utilizada no Brasil, provém do latim jurare que tem o mesmo significado em português, pois é das pessoas que fazem o juramente que se compõe o corpo de jurados, antiga instituição inglesa, ainda hoje utilizada de forma generalizada no Direito norte-americano. Essa institui-ção ainda existente em nosso país, para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, denomina-se Tribunal do Júri, expressão em que se contêm não só os juízes de fato, chamados de jurados, mas também o seu presidente que é juiz togado e seus auxiliares de jus-tiça. Como esclarece De Plácido e Silva em seu Vocabulário Jurídico, “ao júri, compreendido como a instituição popular a que se atribui o encargo de af irmar ou negar a existência do fato criminoso impu-tado a uma pessoa, denomina-se propriamente, conselho de sentença. Não obstante dizer-se que ao júri compete julgar o crime ou delito, não lhe cabe aplicar a pena; é atribuição do juiz-presidente que, impondo-a, “graduará a pena, segundo as circunstâncias elementa-res ou qualificativas evidenciadas pelo júri”.

JurisprudênciaDo latim, Ius, (Direito) e Prudentia, (Sabedoria), deve entender-se como a Ciência do Direito, vista com sabedoria, palavra que Ulpía-no, o maior jurista romano definia como “o conhecimento das coi-sas divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto”. Atualmente,

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pode-se defini-la como o conjunto das decisões prolatadas pelos magistrados e tribunais, com o sentido do “Direito aplicado com sabedoria”. A jurisprudência, contudo, não se forma isoladamente e, como acentua De Plácido e Silva, “é firmado hoje que a jurispru-dência somente obriga a espécie julgada, não sendo, propriamente, fonte do Direito” mas, segundo o mesmo autor, “a verdade é que a jurisprudência firmada em sucessivas decisões, vale como verdadei-ra lei”. Daí sua lição: “Extensivamente assim se diz, para designar o conjunto de decisões acerca de um mesmo assunto ou a coleção de decisões de um tribunal”.

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LegalidadeQuando nos referimos à autoridade como o poder legalmente instituído e legitimamente exercido, utilizamos dois conceitos distintos no âmbito do Direito e da Política. Legalidade é o princípio que diz respeito à inves-tidura, isto é, a forma como se atribui o poder a qualquer autoridade do Estado. Trata-se de um critério jurídico, pelo qual se caracteriza o Estado de Direito e, portanto é um critério absoluto. Ou é legal, ou é ilegal, não pode ser mais ou menos legal, que equivaleria a ser mais ou menos ilegal.

Legenda Legenda na linguagem jornalística e editorial é “texto explicativo que acompanha uma ilustração, uma gravura, em uma reprodução de obra de arte, em um mapa, etc., e compreende explicações, dísticos, etc.” (cf. o Au-rélio). Na legislação eleitoral brasileira, é a palavra usada como sinônimo de partido político. O art. 5o da lei que estabelece normas para as eleições (Lei de no 9.504, de 30 de setembro de 1977), por exemplo, dispõe: “Nas eleições proporcionais, contam-se como válidos apenas os votos dados aos candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias”. Teria o mesmo valor se prescrevesse que seriam válidos os votos dados apenas aos candidatos regularmente inscritos e aos partidos políticos”.

LegislaturaA palavra é polissêmica (a que tem vários sentidos). Ela exprime a du-ração do período de trabalho dos Legislativos, isto é, o conjunto de ses-sões legislativas entre duas eleições sucessivas, como está expresso entre

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nós, no art. 17 da Constituição do Império: “Cada legislatura durará quatro anos e cada sessão (legislativa) quatro meses”. Essa foi a regra ge-ral no Direito Constitucional brasileiro, mas a Constituição republicana de 1891, reduziu esse período para três anos, conforme dispunha o art. 17, § 2o: “Cada legislatura durará três anos”. Cada legislatura, portanto, tem a duração estipulada nas sucessivas Constituições: pode ser de três sessões legislativas, como na República Velha, ou de quatro, como no Império e atualmente. O outro sentido em que a palavra é empregada é para designar o Parlamento ou Congresso, e assim se usa tanto em inglês e em francês, com a mesma grafia Legislature.

LegitimidadeA legitimidade, ao contrário da Legalidade, não diz respeito à inves-tidura, mas sim ao exercício do poder. O conceito é sinônimo de acei-tação, pela sociedade, da forma como o poder está sendo exercido, em determinado momento. Ao contrário da Legalidade, é um critério rela-tivo. Daí ser possível dizer que este poder é mais legítimo do que aquele. Ou que este poder tem maior legitimidade (aceitação) do que aquele. Há diferentes formas de aferição da legitimidade. Há um frase francesa que define bem a legitimidade dos governos: “Governar é fazer crer”. Se a maioria acredita no governo que tem, ele é legítimo; se não acredita, é porque perdeu legitimidade. É por isso que legalidade e legitimidade são critérios utilizados em momentos diferentes. A legalidade se afere nas eleições, a legitimidade, depois delas, no exercício do poder.

Lei Na linguagem da política, lei pode ser definida como projeto ou propo-sição aprovados por uma Assembléia Legislativa (Parlamento ou Con-gresso) e que tenha superado também qualquer outro trâmite legislativo requerido pela Constituição de um Estado, para ser aceito como lei, em sentido formal. Uma vez que entra em vigor, os tribunais se obrigam a seu cumprimento, até que o Tribunal Constitucional, onde existe, ou a Corte Suprema que tenha essa atribuição, a declare inconstitucional. Nos países anglo-saxões, os juristas costumam designar as leis de estatutos. No sentido jurídico, é a regra jurídica escrita, instituída pelo legislador, no cumprimento de um mandato que lhe outorga o povo. Clóvis Beviláqua, nosso grande civilista a define com o “A ordem geral obrigatória que, emanando de uma autoridade competente reconhecida, é imposta coer-citivamente à obediência de todos”. As leis, sob o ponto de vista jurídico, caracterizam-se por dois princípios essenciais: generalidade ou universali-dade e obrigatoriedade. O primeiro significa que, em princípio, as leis não

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se estabelecem para cada pessoa, mas para todos em geral. O segundo decorre da própria ordem jurídica preexistente e se afirma na sanção que ela mesma estabelece para o seu descumprimento. Ainda como norma jurídica, a lei deve ser considerada sob dois aspectos: (a) no sentido formal e (b) no sentido material. Na acepção formal é o ato ou disposição ema-nada de órgão político, a que se atribui o poder de legislar (o Congresso, em nosso caso) que contenha uma deliberação ou uma decisão particular, específica. Na acepção material é a regra abstrata e permanente tendo por conteúdo uma norma de Direito objetivo. Denomina-se Direito objetivo a “regra social obrigatória imposta a todos, quer venha sob a forma de lei, quer sob a forma de um costume que deva ser obedecido. É a norma agendi dos romanos reguladora de todas as ações do homem, em suas múltiplas manifestações e de todas as atividades das instituições políticas, públicas ou particulares”. Opõe-se ao Direito subjetivo que significa não a ação, a norma agendi dos romanos, mas a facultas agendi, isto é, a faculdade, o direito de agir, “assegurado a todas as pessoas para a defesa e proteção de toda e qualquer espécie de bens, materiais ou imateriais”.

LêninLênin é o codinome de Vladmir Ilich Ulianov (1870 – 1924), líder re-volucionário e escritor russo, fundador da organização Bolshevique*, a antecessora do Partido Comunista da União Soviética. Foi o principal arquiteto da Revolução Bolshevique e o primeiro chefe de Estado do re-gime Soviético. Embora tenha proclamado sua fidelidade aos princípios de Marx* e Engels, na realidade reinterpretou algumas de suas doutrinas e desenvolveu sua análise do capitalismo, em função da própria experi-ência russa e de sua faceta imperialista no plano internacional. Tendo considerado que Marx havia suposto que o Socialismo* revolucionário se desenvolveria, primeiro nas sociedades industriais avançadas, graças aos esforços de uma maioria proletária altamente politizada que rechaçaria o capitalismo, Lênin demonstrou que se podia levar a cabo uma revolu-ção socialista em um país subdesenvolvido, tirando-se partido do mal- estar dos trabalhadores rurais e de outros setores sociais descontentes. No livro Que Fazer, publicado em 1902 avançou a teoria do partido bolchevique como “vanguarda do proletariado” e se pronunciou a favor de um partido centralizado e disciplinado, dirigido por revolucionários profissionais. Seus inimigos afirmaram que tal conceito poderia condu-zir à ditadura sobre a classe operária. Lênin proporcionou o exemplo clássico de como uma minoria, organizada com uma máquina política altamente disciplinada, podia arrebatar o poder, mantê-lo e transformar a sociedade mediante pressões vindas de cima. Seu êxito em alcançar e

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manter o poder, elevou a União Soviética ao papel de centro dirigente do comunismo mundial e converteu o Partido Comunista soviético em paradigma da maioria dos partidos comunistas no resto do mundo.

LeninismoNo livro O Estado e a Revolução, escrito em 1917, pouco antes da Revo-lução Comunista, Lênin escreveu que esta tornaria possível um governo dirigido pelos operários e trabalhadores rurais e que o Estado se ex-tinguiria finalmente, transformando-se numa sociedade comunista sem classes. Entretanto, em sua obra Teses de Abril, também de 1917, Lênin pediu “Todo o poder para os soviéticos”, já que os sovietes (do russo savet – “conselho”), instituições que apareceram pela primeira vez na revolução de 1905 e que na Revolução Comunista de 1917 passaram a ser órgãos deliberativos, compostos de soldados e operários) represen-tando a forma prática da democracia direta. Entretanto, o Leninismo se converteu na peça-chave de um novo tipo de ordem política que, mais tarde, em alguns países se denominou de “partidocracia”. Nesse sistema, o governo é essencialmente extra-constitucional e se exerce com um certo interesse em dar uma aparência de democracia. O poder real se mantém em mãos de um partido de elite que se auto-elege e que utiliza uma mistura de manipulação e coerção, para perpetuar seu poder. O Es-tado e outras instituições públicas, como os sindicatos e as associações presumivelmente voluntárias, ficam reduzidos ao papel de instrumen-tos passivos em mãos dos dirigentes do partido. A morte prematura de Lênin, a ascensão de Stálin e a eliminação de Trotsky vieram a provar que essa era uma visão correta do que veio a ocorrer na antiga União Soviética, durante o período stalinista, até as denúncias de Kruschev no XX Congresso do Partido Comunista, realizado em 1956.

LiberalismoLiberalismo é um termo genérico que designa uma diversidade de correntes e de doutrinas forjadas no Ocidente ao longo dos séculos, a partir da pala-vra-mãe “liberdade”. Como doutrina filosófica, política e econômica nasceu no séc. XVIII de uma reivindicação fundamental da burguesia emergente: expressão das liberdades políticas, econômicas e intelectuais do indivíduo contra o arbítrio do Estado absoluto, contra os entraves econômicos (as corporações de ofício) ou intelectuais (a Igreja e seus dogmas). Os teóricos liberais pretendiam fundar uma ordem social que assegurasse aos indivídu-os direitos de propriedade, de expressão política e de consciência. Depois dessas reivindicações iniciais, o destino do liberalismo como um grande movimento de idéias se cindiu em inúmeras variantes. A primeira delas é o

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liberalismo político que foi utilizado, ainda no séc. XVII, na Inglaterra e nas Províncias Unidas que vieram a constituir os Países Baixos, como ideologia de combate contra o absolutismo monárquico e as autoridades religiosas. Ele se afirmou como o primeiro princípio da vida política, a defesa dos direitos políticos do indivíduo: o direito de expressão, de associação e de propriedade, já que o antigo regime submetia o indivíduo aos interesses do grupo: a família, a ordem, o Estado e a Igreja. O liberalismo reivindicava um Estado fundado no Direito e não sobre a autoridade caprichosa do prínci-pe. Os pensadores clássicos desse período são John Locke (1632 – 1704), Montesquieu (1689 – 1755), Benjamin Constant (1767 – 1830), François Guizot (1787 – 1874) e Aléxis de Tocqueville (1805 – 1859). Locke enun-ciou o primeiro dos princípios políticos: o fim da organização política não é reforçar o poder do Estado, mas o de garantir aos cidadãos a liberdade de pensar, de crer, de circulação e de organizar suas vidas como queiram, desde que não ameacem a dos demais. Montesquieu desenvolveu a idéia da divisão dos poderes (entre autoridade religiosa e política, entre executivo e legislativo) que é a garantia contra o arbítrio do Estado. O liberalismo político foi representado na França do séc. XIX por homens como Benja-min Constante, incansável denunciador da tirania e dos regimes despóti-cos representados pelos Jacobinos e pelo bonapartismo e autor do famoso discurso de 1819, A Liberdade dos Antigos e dos Modernos. No séc. XX os liberais representaram todo um espectro de pensadores, com opiniões mui-tas vezes diferentes: dos defensores do pluralismo político e opositores do totalitarismo, como Raymond Aron (1905 – 1983) até os doutrinadores do ultraliberalismo, partidários do Estado mínimo conhecida como a corrente dos libertários, John Rawls, Ronald Dworkin e Robert Nozick. No liberalismo econômico, o credo dos liberais era a expressão francesa lais-sez faire, laissez passer (deixai fazer, deixai passar) e sua doutrina repousa em duas idéias simples: (a) a livre empresa é o melhor estimulante da produção e (b) o mercado livre o melhor dispositivo para a repartição da riqueza. Os economistas clássicos que deram forma ao credo liberal foram Adam Smith (1723 – 1790), Jean-Baptiste Say (1767 – 1832) e John Stuart Mill (1806 – 1873). Seu liberalismo, porém, não é radical. Eles não se opõem, por exemplo, à intervenção do Estado para repartir a riqueza. Daí por que sua doutrina adquiriu em seguida várias formas. Os “neoclássicos” reagru-pam os marginalizados dos anos 80: Leon Walras (1834 – 1910), Vilfredo Pareto (1848 – 1923), Alfred Marshall (1842 – 1924), William S. Jevons (1835 – 1882) e Carl Menger (1840 – 1921) que reformularam a teoria clássica – do modelo microeconômico do mercado auto-equilibrado e os teóricos da microeconomia que não estão longe de um liberalismo desen-freado. Nos anos 80 do século passado, uma corrente do pensamento taxada

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de “neoliberal” surgiu com toda a força. Contra o keynesianismo (a doutrina de John Maynard Keynes – 1883 - 1946) até então dominante esses neo-liberais (Milton Friedman, James Buchanan e Robert Lucas, entre outros) propuseram políticas de retraimento do Estado, uma desregulamentação em nível nacional e a liberação do comércio em nível internacional. Eles tiveram grande influência nas políticas econômicas de Ronald Reagan, nos Estados Unidos e de Margareth Tatcher, na Inglaterra, assim como nas organizações econômicas internacionais.

“Lobby”/LobismoO termo designa, em inglês, vestíbulo, saguão, sala de espera que são espa-ços vazios existentes nos edifícios públicos, inclusive nas sedes de virtual-mente todos os Parlamentos, inclusive do Capitólio, a edificação principal do Congresso americano, onde se reuniam os interessados em influir sobre os congressistas, durante a discussão da legislação nas duas Casas do Legis-lativo. O termo passou a indicar, no séc. XIX, na Inglaterra, toda a forma de pressão e influência sobre o Parlamento, por parte de grupos organizados que hoje chamamos de lobbies. Nos Estados Unidos, por extensão, o termo “lobista” passou a indicar as pessoas ou empresas dedicadas a defender, em caráter profissional, de forma remunerada, os interesses dos seus clientes ou assessorá-los para que possam eles mesmos defender seus interesses dire-tamente. Atualmente, eles não se dedicam só a influenciar a legislação, mas também buscam influir na formulação de políticas públicas que se desen-volvem no âmbito do Executivo. O lobbying, que é como se denomina em inglês a atividade dos lobbies, não se exerce apenas no Congresso e na Ad-ministração central do Governo americano, mas também nos Governos e Assembléias Legislativas estaduais. É uma atividade desenvolvida por uma inumerável quantidade de atores que vão desde as grandes empresas, nota-damente multinacionais, a embaixadas estrangeiras, incluindo, não raro, in-teresses de outros governos. Os lobistas atuam também como conselheiros e consultores nas questões públicas em que há interesses políticos ou econô-micos envolvidos. A diferença entre o lobby e os demais grupos que atuam politicamente na sociedade, como grupos de pressão ou grupos de interesse é que aqueles agem de forma profissional, em favor de terceiros e mediante remuneração, enquanto os últimos atuam em defesa de interesses próprios e sem o caráter de empreendimentos profissionais. A lei americana que criou os PACs, Political Actions Comittees, Comitês de Ação Política, para recolher fundos legalmente e dar suporte às candidaturas ao Congresso, às Assem-bléias e aos Governos, levou para essa área a atuação dos lobbies em tal escala que, em 1988, havia cinco mil deles que recolheram na campanha daquele ano nada menos de 364 milhões de dólares. O lobby foi regulamentado

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nos Estados Unidos em 1946, sendo os lobistas e as respectivas empresas obrigadas a se registrarem no Departamento de Justiça e a prestar contas de suas finanças e dos recursos empregados em suas atividades. Na União Européia, na década de 90 do século passado atuando junto aos diversos órgãos da Comissão, foram identificados mais de 15.000 lobistas ou escri-tórios de lobby”. No Canadá, essa atividade foi regulamentada em 1989. No Brasil, é exercida corriqueiramente, mas de forma não oficializada, o que faz com que alguns parlamentares assumam a defesa de interesses privados, substituindo a ação dos lobistas e dos lobbies.

LumpemproletariadoA palavra é de origem alemã, derivada de “proletário”, uma classe de tra-balhadores das sociedades capitalistas cuja única posse de significativo valor material era a sua própria força de trabalho. Proletarius era a classe mais pobre da sociedade romana, constituída usualmente por aqueles que exerciam atividades manuais sem especialização. O termo conti-nuou a ser usado na Idade Média para significar os que procuravam trabalho. Entretanto, foram Marx, Engels e os marxistas que o usaram e o popularizaram, para indicar a classe que vivia exclusivamente de sua força de trabalho, a classe que não poderia viver como os burgueses, não poderia dispor de outra renda que não fosse seu salário e que não poderia ser proprietária dos meios de produção, enfim a classe dos despossuídos, durante o curso da Revolução Industrial. A palavra lumpemproletariat foi utilizada por Marx para designar a classe destituída de consciência política e integrada pelos operários que viviam na extrema miséria e os desvinculados da produção social, dedicando-se as atividades, como o roubo, a prostituição e outras formas de delinqüência.

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MacroeconomiaNas Ciências econômicas é usual distinguirem-se duas abordagens: uma visão macroeconômica e outra microeconômica. A macroeconomia es-tuda o conjunto da economia, em escala nacional ou em escala interna-cional. Pode-se considerar que sua história começa com a publicação da Tabela Econômica do médico e fundador da escola dos filósofos econô-micos, Dr. François Quesnay (1694 –1774). Ele concebia a Economia do país como um “organismo” em que os bens eram produzidos e tro-cados em diferentes órgãos do corpo social que são as diferentes classes, como os campesinos, os comerciantes, os industriais e os proprietários. Já a macroeconomia moderna está associada à figura de John Maynard Keynes (1883 – 1946) que introduziu a noção de “circuito econômico”, um vasto sistema de produção e circulação de bens e da moeda em que intervinham os grandes agregados: as empresas, as famílias, o Estado e os bancos, por exemplo. No período que vai dos anos 40 aos anos 80 do século XX, o pensamento keynesiano se tornou dominante e a maior parte dos economistas se inspirou em suas concepções. Elas estão associadas à idéia de que a política econômica pode chegar a agir sobre o crescimento ou fazer diminuir, o desemprego ou a inflação, pela ação do Estado sobre certos instrumentos: a política monetária, a política orçamentária ou as políticas industriais. A abordagem macroeconômica levou a forjar grandes modelos econométricos que são modelos mate-máticos – espécie de máquinas de contabilidade – que simulam as rela-ções entre os grandes parâmetros (investimentos, consumo, poupança, balança comercial e o Produto Interno Bruto) e a partir deles tentar fazer previsões sobre a atividade econômica de um determinado país.

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São enormes máquinas de calcular com matrizes matemáticas feitas de centenas de equações, que modelam as relações entre um sem número de variáveis. Um dos modelos econométricos mais conhecidos é o de-nominado MPS realizado pelo Conselho de Pesquisas em Ciências So-ciais da Universidade da Pennsylvania em 1974, sob a direção de Franco Modigliani e Albert Ando.A partir dos anos 70 do século passado, porém, a abordagem macroeco-nômica associada ao keynesianismo entrou em relativo declínio. Então, a partir do fato de as políticas keynesianas parecerem inoperantes em face da abertura dos mercados nacionais, constatou-se um esgotamento das teorias que levam o seu nome. O resultado é que a partir dos anos 90 uma nova macroeconomia emergiu. A análise macroeconômica foi revitalizada pelo surgimento de três correntes do pensamento econômi-co: (1) os neoclássicos que abordam os fenômenos macroeconômicos a partir de hipóteses da microeconomia e de antecipações racionais; (2) a geração dos neo-keynesianos e (3) as novas teorias do desenvolvimento da economia fora das relações sociais, como por exemplo, a que defende que o mercado de trabalho não é nem deve ser regulado pelas leis da oferta e da procura, supostamente universais, mas sim estruturado por normas, convenções e regras estabelecidas pelos atores sociais.

Maioria absoluta/relativaNa linguagem corrente, maioria, esclarece o Aurélio, é “o maior número, a maior parte”. No léxico do Direito Parlamentar, contudo, como em inúmeros outros casos, o termo maioria é polissêmico. Quem consultar o Regimento da Câmara dos Deputados, vai verificar que o seu índice referencia vários tipos ou modalidades de maioria: “Maioria de votos”, “Maioria de membros”, “Maioria simples”, “Maioria simples de votos”, independentemente do fato de serem correntes outras expressões como “Maioria qualificada”, por exemplo. Quando os regimentos parlamen-tares se referem à maioria, podem ocorrer duas hipóteses: (a) a metade mais um dos membros de qualquer das Casas, ou (b) metade mais um dos membros presentes à sessão da Câmara ou do Senado. Quando o art. 47 da Constituição prescreve que “as deliberações de cada Casa e suas comissões serão tomadas por maioria de votos, presentes a maioria abso-luta de seus membros”, isto significa que exige-se a presença da maioria absoluta dos Deputados, ou seja, a metade de 513 mais um. A metade arredondada de 513 são 257 deputados. E a presença da maioria, pre-sente a maioria absoluta é igual a 257 + 1 = 258/2 = 129. Estão aí figu-radas as hipóteses descritas acima em (a) e (b) 129. A maioria absoluta dos membros da Casa é 258 e a maioria relativa 129.

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Maioria qualificadaA maioria absoluta dos membros da Câmara é uma das modalidades de maioria qualificada. Diz-se maioria qualificada, quando expressa-mente se exige o voto ou a presença de um número igual ou maior que a maioria absoluta, como dispõe, por exemplo, o art 60 § 2o da Constituição ao estipular que a Proposta de Emenda Constitucional será aprovada se obtiver 3/5 dos votos dos membros de cada uma das Casas do Congresso ou o art. 86 que exige, para a aceitação da denún-cia contra o Presidente da República, o voto de 2/3 da Câmara. Ambos os casos exigem maiorias qualificadas: na primeira hipótese, 308 votos e na segunda 343 votos.

Mandado de SegurançaO art. 5o, inciso LXIX da Constituição Federal em vigor, dispõe que “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus* ou habeas data*, quando o respon-sável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público”. Já o in-ciso LXX prescreve que “O mandato de segurança coletivo pode ser im-petrado por: (a) partido político com representação no Congresso Nacio-nal; (b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa do in-teresse se seus membros e associados”. Esse instituto jurídico foi inscrito no Direito Constitucional legislado do país, desde a Constituição de 1934 e conservado em todos os textos seguintes, embora nos regimes discricio-nários do Estado Novo (1937–1945) e da ditadura militar (1964-1978) não tenha vigorado em sua plenitude, na medida, por exemplo, em que os atos do chamado “Comando Supremo da Revolução”, da Junta Militar e dos presidentes da República que usaram da prerrogativa de baixar Atos Institucionais, ficaram excluídos da apreciação judicial. O mandado de segurança é, portanto, o remédio jurídico instituído para garantir a pessoa física (a cidadã ou cidadão) e a pessoa jurídica (entidade, instituição ou organização) no exercício que se quer ameaçar ou violar, sem que encontre o coator ou autoridade coatora fundado em qualquer razão jurídica. Sua finalidade, portanto, é anular o ato ilegal ou impedir que se execute a ameaça contra o direito. Excluem-se do amparo desse instituto jurídico, como ensina De Pácido e Silva, os “atos disciplinares, os de lançamento de impostos, os atos de restrição à liberdade e os atos administrativos” dos quais caiba recurso, já que para os atos restritivos à liberdade existe o instituto jurídico adequado do habeas corpus*.

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Mandato JurídicoNo sentido jurídico, “mandato quer geralmente significar o poder dado ou outorgado a alguém, por quem o possa dar (isto é, tenha capacidade jurídica para tanto) seja pessoa física ou jurídica para representá-lo em qualquer ato” (Cf. De Plácido e Silva). E mais: “No sentido técnico do Direito Civil ou Comercial, o mandato é o contrato em virtude do qual uma pessoa outorga ou dá poderes a outra para que pratique ou execute atos e negócios jurídicos em seu nome e esta se compromete a executá-los ou gerir os negócios autorizados segundo as ordens e po-deres conferidos”. Nestas condições, mandante é quem dá ou concede poderes e mandatário o que os recebe e se obriga a cumprir o encargo recebido. Para que o mandato se caracterize como um contrato não basta que o conceda o mandante, mas que também o aceite o mandatário. Por sua natureza, o contrato civil é presumidamente gratuito, mas pode também ser instituído mediante remuneração paga pelo mandante ao mandatário, hipótese em que será oneroso. O mandato extingue-se (a) pela revogação ou renúncia. A revogação é prerrogativa do mandante e a renúncia direito do mandatário, ou (b) pela morte de qualquer das partes. Chama-se “mandato ad juditia” a modalidade de mandato que se concede para fins judiciais em que o mandatário assume o compromisso de defesa do mandante em juízo.

Mandato ParlamentarOs mandatos parlamentares foram, em sua origem, mandatos com ca-racterísticas jurídicas nos quais, tal como no mandato jurídico, o man-datário era executante da vontade do mandante. Quando foram eleitos os representantes das três ordens aos “Estados Gerais” convocados pelo Rei Luís XVI, em 1789, os eleitores de cada uma dessas ordens, (clero, povo e nobreza) foram instruídos a redigir separadamente, em todos os envelopes que continham os seus votos, as queixas, reclamações e refor-mas por eles desejadas. Apurados os votos, esses reclamos dos eleitores passaram a constituir os cahiers doléances (cadernos de queixas), também chamados “cadernos eleitorais” enviados aos eleitores das três ordens. Nos pródromos dos sistemas representativos essa providência era con-siderada dispensável, pois os representantes enviados às Curia ou Con-silia Regis (Conselhos reais) representavam os interesses específicos de cada segmento da sociedade que os enviavam. Por isso, os mandatos de natureza política eram considerados como mandatos e contratos jurídi-cos em que se presumia ser o mandatário representante exclusivo dos interesses dos mandantes. Eram chamados mandatos imperativos. Essa prática, que terminou sendo abandonada, foi condenada pelo pensador,

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político e deputado inglês Edmundo Burke, eleito pelo distrito de Bris-tol, num famoso discurso reproduzido na Circular que enviou a seus eleitores, justificando a autonomia do mandato parlamentar, em 1774: “Meu estimado colega (seu concorrente pelo mesmo distrito) afirma que sua vontade deve estar subordinada à vossa. Se isto fosse tudo, a coisa seria inocente. Se governar fosse, em todas as partes, uma questão de vontade, não há dúvida de que a vossa deveria ser superior. Porém governar e fazer leis são questões da razão e do juízo (...) e que classe de razão seria aquela em que a decisão precede a discussão?; na qual um grupo de pessoas delibera e outro decide? (...) Expressar uma opinião constitui o direito de todos os homens; a dos eleitores é uma opinião que pesa e há de ser respeitada, o qual um representante deve estar sem-pre disposto a escutar e que deverá sempre sopesar com grande aten-ção. Porém as instruções imperativas, os mandatos a que o membro (da Câmara dos Comuns) deve expressa e cegamente obedecer, pelos quais deve votar e a favor dos quais discutir (...) essas são coisas totalmente desconhecidas para as leis desta terra e que derivam de um erro funda-mental sobre a totalidade da ordem e do modo de proceder de nossa Constituição. O Parlamento não é um Congresso de embaixadores com interesses opostos e hostis; interesses que cada um deve tutelar, como agente e advogado, contra outros agentes e advogados; o Parlamento é, pelo contrário, uma assembléia deliberante de uma nação, com um único interesse, o do conjunto, onde não deveriam existir como guia, objetivos e preconceitos locais, senão o bem geral”. Embora não tenha sido o úni-co a protestar contra o entendimento da época é, com toda razão, aceito como o doutrinador do mandato independente, chamado por isso de mandato fiduciário, (do latim fidúcia – confiança). Foi um avanço tão importante na evolução da Teoria da Representação, que o mandato imperativo terminou expressamente proibido em quase todas as Cons-tituições européias dos sécs. XIX e XX, como nas da Bélgica, Itália, Prússia, Suécia, Áustria, Alemanha, Holanda e Dinamarca.

Mandato, cassaçãoA perda dos mandatos parlamentares está prevista na Constituição brasi-leira em vigor, no art. 55: Perderá o mandato ou deputado ou senador: (I) que infringir as proibições estabelecidas no art. 54; (II) cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; (III) que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; (IV) que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; (V) quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos na Constituição; (VI) que sofrer con-

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denação judicial transitada e, em julgado. Esse mesmo artigo ainda prevê: nos casos previstos nos itens I, II e VI acima, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa, ou de partido político representado no Congresso, assegura plena defesa. Nas hipóteses listadas nos itens III, IV e V acima, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício, ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. Ainda dispõe em seu § 4o que “A renúncia de par-lamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais do plenário de qualquer das duas Casas ou suas respectivas Mesas”. Estabe-lece ainda que “É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no Regimento Interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.

Maniqueísmo O termo provém do latim Manicaheu que significa seguidor ou sec-tário do persa Mani (216 – 275) da nossa era, que deu origem a uma seita religiosa que teve adeptos na China, Índia, África. Itália e sul da Espanha e que desapareceu no séc. VI, tendo sobrevivido no Oriente, especialmente a China, até o séc. XIV. A sua doutrina baseia-se num dualismo radical, conflito entre a luz e as trevas, segundo a qual, o mun-do e o homem – mistura de espírito e matéria – são maus e sua salvação só se consegue pela superação entre as duas naturezas vigentes na época pré-mundana. Na linguagem da política a expressão é utilizada para de-signar os radicais que só acreditam em idéias, concepções ou ideologias antinômicas, como por exemplo, direita e esquerda, socialismo e capi-talismo, liberal e libertário, não admitindo matizes ou variações entre essas doutrinas. Sinônimo também de inflexível.

“Marketing”A palavra deriva do inglês market (mercado) e seu derivado marketing, segun-do o American Heritage Dictionary (Dicionário da Herança Americana), o mesmo que “oferecer à venda”, “vender”, tendo como sinônimo merchandise. No Brasil, o Aurélio registra marketing como “conjunto de estratégias e ações que provêem o desenvolvimento, o lançamento e a sustentação de um produto ou serviço no mercado consumidor”. E indica nove especialidades do marke-ting, entre elas o Marketing político, definido como: “Conjunto de técnicas de marketing adaptadas à esfera política e que visam à difusão, sob aspecto favo-rável, da imagem pública de candidato ou de partido político, especialmente

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em época eleitoral”. Dado o uso intensivo no mercado político de técnicas de comercialização de bens e produtos, cabe indagar: De onde, quando e como surgiu o marketing? Será essa atividade uma ciência humana ou apenas um recurso técnico de propaganda? Essa a pergunta que tenta responder O Di-cionário de Ciências Humanas dirigido por Jean-François Dortier, no verbete respectivo, aqui parcialmente reproduzido: “Conheceis o marketing tribal? É a arte de tecer os laços de fidelidade entre determinada marca comercial e seus clientes, apoiando-se na mobilização de valores comuns e criando, entre os consumidores, o sentimento de pertencer a um clube privilegiado. Os exem-plos típicos desse liame ‘tribal’ entre um produto e seus usuários, são os com-putadores Macintosh. Para certos usuários, um Mac não é simplesmente um microcomputador, é uma família, uma filosofia (a convivência), um combate (contra o mundo Microsoft). Essa ligação privilegiada entre clientes e marcas, se apoiaria sobre uma tendência da época – a necessidade de reconstituir as comunidades fundadas sobre as afinidades de escolha? É pelo menos o que pensam os apóstolos do marketing tribal. Mesmo que seja ou não tribal, o marketing consiste em fazer um produto adequado aos desejos do cliente e em saber fazê-lo. Isto supõe observar os consumidores, e captar suas motivações e suas condutas. Conhecer para agir: não poderia o marketing ser uma ‘ciência humana aplicada’?”O marketing nasceu nos Estados Unidos no início dos anos 20 do século passado, período que viu o surgimento conjugado da grande empresa, dos produtos de consumo em massa, de novos circuitos de distribuição (grandes magazins”, vendas por correspondência, cadeias de lojas) da publicidade e de marcas, como “Coca-Cola”, “Colgate” e “Kodak”. Para atender o consumidor e convencê-lo, a grande empresa não podia mais se contentar em produzir, ele precisava conhecer a cartografia dos seg-mentos de mercado a serem conquistados. Foi assim que surgiu a função marketing (reagrupando a distribuição, a comercialização e a promoção dos produtos) destinado a preencher essa necessidade. Mais precisa-mente, foi em Boston, em uma sociedade de imprensa, a Curtis Pu-blishing Company, que se recrutou o primeiro marqueteiro profissional. Ele inaugurou os primeiros estudos de mercado que serão também feitos por outras companhias como a General Eletric ou a Kellogg’s. Ao mesmo tempo as Universidades, como a de Wisconsin ou a Harvard Business School (A Escola Harvard de Negócios) criaram os primeiros departa-mentos de estudos comerciais. O nascimento do marketing como nova disciplina alimentou-se, por sua vez, do inventário de conhecimentos empíricos adquiridos por alguns profissionais e dos primeiros estudos universitários sobre o assunto. Nem simples saber empírico, nem ci-ência pura, o marketing é o resultado, em sua origem, de uma mistura

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entre duas culturas: a da universidade e a da empresa. Foi no início da Segunda Guerra Mundial, com a entrada na era da produção e do consumo de massas que o marketing conheceu sua verdadeira expansão. Sua implantação se beneficiou da criação das escolas de negócios nas universidades. E seu campo de atuação se estendeu. Ele abrange hoje vários domínios ao mesmo tempo: o produto, o preço, a publicidade, a distribuição (place, em inglês), os famosos quatro “P” que é o mundo do marketing empresarial. A expansão do marketing é igualmente discipli-nar. Na origem, os estudos do mercado repousam em técnicas quanti-tativas (tratamento estatístico dos questionários) e qualitativas (através de entrevistas). A partir dos anos 50 elas se abrem aos modelos teóricos de diferentes disciplinas: a psicanálise, a psicologia social, a sociologia e a economia. Mais tarde, nos anos 70 a abordagem cognitiva fará sua entrada e depois virão o auxílio da antropologia, da semiologia e até da hermenêutica (voltada à análise da narrativa, dos fantasmas e da mito-logia do consumidor, sua experiência vivida). Tudo se torna lícito para sondar as “motivações” do consumidor, cercar os canais de difusão e compreender como uma publicidade pode agir sobre o público. Era inevitável que as técnicas de marketing chegassem também à po-lítica. Na década de 40, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o vice-Presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, que as-cendeu à Presidência com a morte do titular, Franklin Delano Roosevelt, se candidatou à reeleição, o Instituto Gallup divulgou uma pesquisa de opinião pública indicando a vitória de seu opositor Thomas Dewey, do Partido Republicano. O fracasso da pesquisa se tornou famoso quando, no dia seguinte ao pleito, Truman, vitorioso, posou para os fotógrafos com um exemplar do jornal que anunciava a vitória de seu opositor. O episódio foi um duro golpe nas técnicas de pesquisas quantitativas na opinião pública, o que manteve, por alguns anos, a desconfiança dos po-líticos no marketing político, só muito mais tarde reabilitado, tanto nos Estados Unidos, como em vários outros países do mundo. A atividade do marketing político voltou a se tornar relevante quando, nos Estados Unidos, a limitação das doações de campanha, através dos PACs – Poli-tical Actions Comittees (Comitês de Ação Política) tornou indispensável a organização da atividade de recolhimento de fundos para as campa-nhas presidenciais e parlamentares. No Brasil, o escândalo do “men-salão”, com o envolvimento de um dos mais notórios marqueteiros do país, no escândalo de uso do “caixa dois” para o pagamento, num paraíso fiscal, das despesas da campanha milionária de 2002, atingiu duramente essa atividade com o sinal da desconfiança pública, cuja reabilitação exi-girá seguramente alguns anos.

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MarxKarl Marx é um homem do século XIX. Nasceu na cidade de Trèves, na Renânia, Alemanha, no dia 5 de maio de 1818 e faleceu em Londres, onde está sepultado, em 13 de março de 1883. O período de sua vida foi marcado pela constituição da classe operária na Europa e suas primeiras grandes lutas. É o mundo em que ele procura pensar integrando várias contribuições teóricas: (a) a filosofia alemã, notadamente Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831), do qual ele adota a idéia de uma dialéti-ca da história universal dominada pelas contradições e se encaminhando para uma saída final; (b) a economia política inglesa, da qual Adam Smith (1723 – 1790), David Ricardo (1772 – 1823) e Thomas Malthus (1766 – 1834) são as principais figuras; (c) o socialismo utópico francês (Conde da Saint-Simon (1760 – 1825), Charles Fourier (1772 – 1837) e Etienne Cabet (1788 – 1856) e os seus contemporâneos, Pierre Joseph Proudhon (1809 – 1865), Louis Blanqui (1805 – 1881), os anarquistas com os quais ele entra em confronto. Sua contribuição científica deve ser analisada sob três pontos de vista: (a) o materialismo dialético; (b) a crítica do capitalis-mo; (c) as classes sociais e as ideologias.Em 1859, na introdução à Contribuição à Crítica da Economia Política, Karl Marx resume, em uma passagem célebre, as grandes linhas de sua contribuição à concepção materialista da História. Tudo começa por este postulado: o fundamento da sociedade reside na vida material. Pelo trabalho, o homem produz a si mesmo ao mesmo tempo que a sociedade. Sua crítica de Hegel o conduziu a “derrubar” as posições idealistas e a afirmar uma concepção materialista em que a sociedade aparece como uma espécie de pirâmide. O pedestal é formado pela base material, a economia, sobre a qual se constroem a política, o direito e depois as idéias. O modo de produção de uma sociedade é composta de “forças produtivas” (os homens, as máquinas, as técnicas) e de “relações de produção” (a escravidão, a meação, o artesanato e o salariado). No curso da História, vários modos de produção se sucederam: antiga, asi-ática, feudal e burguesa. Chegadas a um certo grau de desenvolvimen-to, as forças produtivas entram em conflito com as relações de produção. É então que começa uma era de revolução social. Os intérpretes de Marx têm discutido muito o que se deve entender por base material da socie-dade, sobre o modo como se articulam as forças produtivas e as relações de produção. Sobre este ponto, os textos de Marx são muitas vezes im-precisos, ambíguos e variáveis. Ele professa às vezes um determinismo econômico sumário e uma mecânica implacável das leis da História. Em outros momentos ele propõe uma visão mais aberta e complexa da organização social.

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O autor de O Capital pretendeu, por outro lado, fazer uma obra crítica e científica. Ele trouxe ao debate as leis da evolução que minam o capi-talismo e o condenam ao desaparecimento. Assim, é que a concorrência conduz os capitalistas a uma acumulação permanente do capital. Desta lei, chamada por ele de “lei da acumulação”, Marx deduziu várias ten-dências da evolução: (a) a tendência à mecanização cada vez mais in-tensa do processo de produção; (b) a concentração do capital, cada vez mais, em mãos de alguns capitalistas; (c) o aumento do desemprego e o empobrecimento crescente do proletariado que aparecem como a lei ge-ral da economia capitalista; (d) a lei de baixa tendencial das taxas de lucro que provém do aumento do capital constante (as máquinas), em relação ao capital variável (os salariados). Neste sentido, ele adere à lei do valor trabalho de David Ricardo, segundo a qual o valor de um bem provém do trabalho humano; (e) a exploração e a concentração do capital cons-tante (as máquinas) conduzem ao aumento sem cessar a capacidade de produção, em detrimento das possibilidades de consumo (através das rendas distribuídas). Disso ele deduz serem as crises de superprodução inevitáveis, marcando periodicamente o capitalismo. Marx acreditava que essas crises deviam se agravar ao longo do tempo, até se tornarem insuperáveis. Além do mais, o empobrecimento iria conduzir à revolta das massas. Aqui, a lógica econômica dá lugar a uma lógica social: a revolta dos oprimidos contra o sistema. Alguns autores opõem muitas vezes o Manifesto Comunista, no qual Marx declara que não existem senão duas classes fundamentais (opera-riado e burguesia), e A Luta de Classes na França, 1848-1850, na qual ele descreve sete classes e facções de classes diferentes. De fato, não há con-tradição, porque essas interpretações não têm o mesmo status. No Ma-nifesto Comunista que é um texto de propaganda, Marx se preocupa, em primeiro lugar da luta de classes que opõe, nas sociedades capitalistas, duas classes fundamentais (que são, ambas, portadoras de um projeto histórico). Entre as duas a pequena burguesia rejuntando os extremos de uma e outra. E esta luta deve conduzir à revolução, se os trabalhadores souberem se organizar em um partido que permitirá a substituição da sociedade burguesa. Sua obra A Luta de Classes na França, ao contrário, é uma análise empírica de um momento particular da história. Marx descreve com precisão as frações de classes, suas alianças e como elas se organizam em torno das duas classes fundamentais. Esta a razão por que ele faz distinguir, no uso do conceito de classe, a teoria dinâmica das classes (que se organizam em torno de dois pólos) e a análise descritiva que se ocupa da composição dos grupos sociais nos detalhes de sua es-trutura, de sua evolução e de seu comportamento.

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No que concerne à concepção do Estado, Marx defende, em certos tex-tos, uma visão instrumental. O Estado se acha reduzido a um papel simples: é apenas um instrumento da classe dominante (a burguesia), destinado a dominar a classe dos proletários. A polícia e o exército estão lá, antes de mais nada, para prevenir e conter as insurreições populares e a justiça está a serviço dos poderosos. A análise é pouco matizada, por isso é preciso dizer que Marx escreveu esse texto, em 1848, na França, numa época em que uma repressão severa se abateu contra o povo in-surreto no movimento popular daquele ano. Em outros de seus textos ele ameniza essa visão. Para assegurar sua dominação, a burguesia confia a gestão dos interesses gerais a uma superestrutura estática que se bene-ficia de uma certa autonomia. Por isso, ele assinala, algumas vezes que o Estado se eleva mesmo acima das classes, para restabelecer uma ordem social ameaçada. Foi o caso do bonapartismo. Por fim, é preciso assi-nalar que na obra de Marx encontra-se os elementos para uma teoria das ideologias, da religião, e da alienação. São essas teorias que ele não chegou a sistematizar que vão permitir aos exegetas marxistas tecer o fio de seu pensamento inacabado.

MarxismoAssim como Marx foi influenciado por alguns filósofos que o antecede-ram, como foi o caso de seu conterrâneo Hegel, também ele teve uma influência decisiva sobre o pensamento do séc. XIX. Ela se exerceu tanto no pensamento quanto na ação política, no campo das Ciências Humanas. Ela foi tão intensa e ampla, que o inscreveu na história da filosofia, da sociologia, da economia política e até mesmo da psicologia, através da corrente marxista de freudianos, que teve seu apogeu nos anos 60 do século passado. Embora ele tenha se desligado da filosofia para se consagrar à análise econômica e histórica, sua contribuição pro-porcionou numerosos desdobramentos filosóficos em torno dos temas da práxis, da dialética, do materialismo e da alienação. Entre os anos 20 e 50 do séc. XX, um marxismo filosófico encontrou novo desenvol-vimento a partir das contribuições de Gyorgy Lukács (1885 – 1971) e Karl Korsch. Em 1923, o jovem filósofo húngaro G. Lukács publicou a obra História e Consciência de Classe e Karl Korsch seu livro Marxismo e Filosofia. O filósofo italiano Antonio Gramsci, por sua vez, propôs um marxismo humanista, descolado dos condicionamentos econômi-cos, assim como formulou uma teoria do intelectual e da cultura, em suas Cartas do Cárcere. A escola de Frankfurt, com Max Horkheimer, Teodor W. Adorno (1903 – 1969) e Jürgen Habermas vai desenvolver “uma teoria crítica” que pretende desvendar, sob a ilusão de uma razão

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universal, o discurso dominador da eficácia, da especialização e de uma ideologia alienante. Entre os anos de pós-guerra, até a década de 60 o marxismo seduziu os filósofos filiados à tradição existencialista, como Jean-Paul Sartre em Crítica da Razão Dialética, publicado em 1960, e Maurice Merleau-Ponty com As Aventuras da Dialética, de 1945. O marxismo seduziu, inclusive, pensadores cristãos. Da década de 60/70 a onda estruturalista deu lugar a um marxismo estruturalista com Louis Althusser que apresenta um Marx cientista e abstrato em duas obras, Para Marx, publicado em 1965 e Ler O Capital, também do mesmo ano. Nos anos 80, embora não haja novas tendências e propostas calcadas em Marx, deve-se apontar um “marxismo analítico”, curiosa mistura da teoria de Karl Marx e da filosofia analítica que vai conseguir alguma popularidade nos países anglo-saxões. O projeto consistia em subme-ter o marxismo ao crivo de um rigor analítico, desbastando-o de seus elementos ideológicos e especulativos. Os escritores John Elster, com Karl Marx, uma interpretação analítica, de 1985 e John Roemer, autor de Marxismo Analítico, publicado em 1986, foram os líderes dessa efêmera corrente de pensamento. Da mesma maneira que em relação à Filosofia, Marx influenciou profun-damente a sociologia européia. Mais do que isso, ele integra os clássicos dessa disciplina. Nas décadas de 50/70 do século passado o marxismo marcou, sobretudo, a sociologia do trabalho e das classes sociais. Um exemplo é o Tratado de Sociologia do Trabalho, publicado em 1962, dirigido por George Friedmann e Pierre Naville, fortemente calcado de marxis-mo. A obra As Classes Sociais no Capitalismo de Hoje, de Nicos Poulantzas, publicada em 1974, foi uma das Bíblias dos estudantes revolucionários. Desde Ralf Dahrendorf, com Classes e Conflitos de Classes Nas Socieda-des Industriais, se tem tentado alargar o conceito de classes, fundamental na obra de Marx. A influência marxista é igualmente visível no trabalho de grandes sociólogos como Pierre Bourdieu ou Anthony Giddens. Nas duas primeiras décadas do séc. XX, o desenvolvimento do capitalismo nas colônias, sua relativa prosperidade nos países ocidentais e o enfrentamen-to das grandes potências levaram os marxistas a elaborar uma teoria do imperialismo com Rosa Luxemburgo (1870 – 1919) em sua obra A acu-mulação do Capital, de 1930, Rudolf Hilferding, com O Capital Financeiro, de 1910 e Lênin, com O Imperialismo, Último Estágio do Capitalismo, de 1916. Mais de meio século depois, o crescimento econômico pós-Segunda Guerra Mundial, levou os marxistas e cogitar da existência de uma nova fase do capitalismo. O economista belga Ernest Mandel publicou então A Terceira Idade do Capitalismo, em 1972, enquanto nos Estados Unidos Paul A. Baran e Paul M. Sweezy se dedicaram a pensar sobre essa nova etapa monopolista, em O Monopólio do Capital, que é de 1966. Da mesma

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forma, as teorias do subdesenvolvimento, com André G. Frank, Samir Amin, Celso Furtado ou Arghiri Emmanuel que ocupam boa parte da década de 80, foram fortemente influenciadas pelo marxismo.Não foram só a Filosofia, a Sociologia e a Economia que se inspiraram nas fontes marxistas. O mesmo aconteceu com a História e os historia-dores do séc. XX. Intelectuais marxistas como Antonio Labriola (1843 – 1904), com seus Ensaios sobre a Concepção Materialista da História, de 1897, Benedetto Croce (1866 – 1952) Materialismo Histórico e Econo-mia Marxista de 1900 e George Plekhanov (1856 – 1918), com o En-saio Sobre o Desenvolvimento da Concepção Monista da História, de 1895 e O Papel do Indivíduo na História, de 1898, são todos interessados no materialismo histórico que tratam de renovar a Filosofia da História. Além desses, o marxismo exerceu forte influência sobre os historiadores da Revolução Francesa, entre eles Albert Matthiez, George Lefebvre, Albert Soboul e sobre os que se reuniram em torno da revista Annales. Mas enquanto a influência marxista se exercia sobre o Continente Eu-ropeu, uma corrente de historiadores marxistas se manteve atuante, no-tadamente com autores ingleses, como Eric J. Hobbbsbawn, com A Era das Revoluções, 1778 – 1848 ou Immanuel Wallernstein, de O Moderno Sistema Mundial, 1974 – 1989. Como se vê, assim como Marx sofreu a influência do Idealismo de Hegel, mesmo para contestá-lo, os marxistas do séc. XX seguiram Marx na tentativa de reeditá-lo, fazendo dele, vo-luntária ou involuntariamente, uma das maiores influências intelectuais do século.

MaterialismoCrença de que todos os assuntos se resumem ao bem-estar material, em oposição aos ideais espirituais ou de qualquer outra natureza. Espe-cificamente, trata-se da concepção que Marx e Engels desenvolveram dando-lhe a denominação de “materialismo histórico” e “materialismo dialético”, como reação do idealismo do início do século XIX susten-tado pelos pensadores da época, em especial seu conterrâneo, o filósofo Hegel. Desde o início do séc. XVII os pensadores se dividiram entre os que defendiam que o mundo material era tudo e os que preconiza-vam haver um papel independente para a mente humana. Um exemplo claro dos primeiros foi Thomas Hobbes, cuja concepção mecânica da natureza, assim designado em importante estudo de F. Brandt, de 1928, sustentava que a sensação das cores provinha dos objetos coloridos que éramos capazes de ver e nada tinha a ver com a mente. Um exemplo claro dos segundos foi o bispo Berkeley (1687 – 1753) famoso por seu ceticismo que acreditava ser capaz de provar que tudo que existe fora

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de nossas mentes são imagens dela. Hegel seguia Berkeley, e Marx e Engels a Hobbes. Marx sintetizou seu desacordo com Hegel, com as seguintes palavras: “Não é a natureza do homem que determina seu ser, mas, ao contrário é o ser social que determina sua consciência”. Este é o materialismo histórico de Marx. Em sua obra, ele pregou que a ideolo-gia, a estética, as idéias sobre ética e religião, etc., são parte da superes-trutura social, enquanto as relações econômicas são a base. Essa sua afir-mação foi criticada como sendo auto-refutável: se as idéias compõem a superestrutura, como poderiam o intelectual de classe média Marx e o capitalista Engels terem desenvolvido o marxismo? Mas essa acusação foi habilmente refutada por G. Cohen na obra A Teoria da História de Karl Marx: Uma Defesa, publicada em 1979. O materialismo dialético, porém, está mais associado a Engels do que a Marx. Essa concepção inclui a idéia de que cada estágio da sociedade contém as sementes de sua própria destruição, e assim como o capitalismo emergiu do feuda-lismo o socialismo emergeria do capitalismo. Uma lição que na dialética hegeliana estava clara com a concepção da dinâmica entre a tese a que se contrapõe a antítese, de cujo confronto surgirá a síntese. A dialética de Hegel sem dúvida alimentou a dialética marxista, da mesma forma como o materialismo dialético foi a fonte do materialismo histórico, duas contribuições de Marx à concepção do materialismo com o qual ele pretendeu substituir e se sobrepor ao idealismo de Hegel.

“Menshevique”Menchvik em russo significa “Minoria”, designação pela qual ficou co-nhecido o grupo minoritário, liderado por L. Martov que, no 2o Con-gresso do Partido Social Democrata Russo, realizado em Bruxelas, em 1903, se opôs à ala liderada por Lênin que passou a ser conhecida como bolchevique*. O termo menshevique se ligou ao nome de Martov, da mesma forma como bolshevique ao de Lênin. Y. Martov ou L. Martov era o co-dinome de Yuly Osipovich Tserdebaun, nascido em Constantinopla, em 24 de novembro de 1873 e morto em Berlim em 4 de abril de 1923. Ele começou seu aprendizado político na cidade de Vilna, como membro do Bund, um grupo de judeus socialistas. Em 1895, Lênin formou em São Petersburgo a União de Luta Pela Liberação da Classe Operária. No ano seguinte, Martov foi preso e enviado para a Sibéria, onde permaneceu por três anos. Em sua volta, deixou a Rússia e foi se fixar na Suíça, onde se juntou a Lênin como um dos editores do jornal Iskra (Chama), por-ta voz dos sociais democratas russos. No segundo congresso do Partido Social Democrata Russo, realizado em Bruxelas, em 1903, Martov falou por aqueles que mais tarde ficaram conhecidos como mensheviques. Ele

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se opôs à tentativa de Lênin de limitar a filiação ao partido aos “revolu-cionários profissionais”, defendendo o estabelecimento de um partido de massas, segundo o modelo europeu, mas foi derrotado. Tornando-se líder da facção menshevique do partido, entre 1905 e 1906, Martov freqüen-temente entrou em choque com outros líderes da mesma facção, assim como com Lênin. Durante a Primeira Guerra Mundial, ele clamou por uma paz da Rússia sem vitória, enquanto Lênin propôs a transformação da “guerra imperialista” numa “guerra revolucionária”. Depois da Revo-lução Russa de Outubro de 1917, Martov se opôs a muitas das medidas ditatoriais do novo regime, mas apoiou o novo governo em sua batalha contra os “russos brancos”, as forças czaristas remanescentes do antigo exército imperial. Em 1920 ele deixou a Rússia e editou em Berlim o Correio Socialista, até sua morte, em 1923.

MercantilismoTeoria e prática econômicas que se tornaram generalizadas na Europa Ocidental, entre os sécs. XVI e XVIII, cujo objetivo era promover a re-gulação econômica da nação, com o propósito de aumentar seu poder, às expensas dos países rivais. Na realidade, foi a contrapartida econômica do absolutismo político, que erigiu os Estados Nacionais centralizados, depois do fim do feudalismo*. No séc. XVIII, seus defensores mais co-nhecidos foram Thomas Mun (1571 – 1641) na Inglaterra, Jean-Baptis-te Colbert (1625 – 1696) na França e Antônio Serra, na Itália, embora eles mesmos nunca tenham usado essa designação, que foi popularizada por Adam Smith (1723 – 1790), em sua obra A Riqueza das Nações. A doutrina continha alguns princípios fundamentais, entre eles o de que os metais preciosos, como ouro e prata eram indispensáveis para a riqueza das nações. Se não possuísse minas ou não tivesse acesso a elas, os metais preciosos podiam ser obtidos através do comércio. Eles defendiam que a balança comercial deveria ser “favorável”, isto signi-ficando um excesso das exportações sobre os montantes importados. As possessões coloniais, por sua vez, deveriam servir como mercados para a exportação, como supridoras, de matérias-primas para as me-trópoles, daí a razão das manufaturas serem proibidas nas colônias e todo o seu comércio necessitaria estar submetido ao regime de mono-pólio. Uma Nação forte, de acordo com a teoria mercantilista, deveria ter uma grande população, porque uma população ampla poderia suprir o país de mão-de-obra abundante, um forte mercado e um suprimento adequado de soldados. Os desejos humanos deveriam ser minimizados, especialmente em relação aos produtos importados de luxo, porque isto implicava em drenar recursos para o exterior. Leis suntuárias deveriam

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ser aprovadas afetando alimentos e bebidas, para que seu consumo fosse mantido baixo. Frugalidade, poupança e parcimônia deveriam ser vistas como virtudes, por serem os únicos meios através dos quais se poderia obter capital. Com essas regras, o mercantilismo sem dúvida contribuiu para criar o clima favorável ao desenvolvimento do capitalismo, com suas promessas de lucros.

MercosulA sigla Mercosul (Mercosur em espanhol) significa Mercado Comum do Sul, organização que tem por objetivo promover a integração econômi-ca através de um mercado comum, entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, tendo como membros associados Bolívia e Chile. A história da constituição do Mercosul começou em 1985 quando, em virtude do fim das ditaduras militares no Brasil e Argentina e a posse de governos civis, os Presidentes José Sarney do Brasil e Raúl Alfonsín da Argentina deram início a negociações bilaterais de que resultou uma nova fase nas relações entre os dois países, ao firmarem ambos os presidentes a “Declaração de Iguaçu”. No ano seguinte, foi assinada a Ata para a integração Brasil-Ar-gentina e em 1988 o Tratado de integração, cooperação e desenvolvimento entre os dois países. Dois anos depois, através da “Ata de Buenos Aires”, Brasil e Argentina se comprometeram a criar o mercado comum, até 31 de dezembro de 1994. Um ano mais tarde, em 1991, Paraguai e Uruguai uniram-se ao Brasil e à Argentina assinando o Tratado para a Constitui-ção de um Mercado Comum entre os quatro países. Em dezembro de 1994, os quatro países membros assinaram o Protocolo de Ouro Preto, em decorrência do qual o Mercosul passou a gozar do benefício de ad-quirir personalidade jurídica internacional. Na última década, os quatro países passaram por transformações, crises e dificuldades decorrentes da situação política e econômica mundial que têm criado dificuldades para a concretização do projeto que persiste, a despeito dos obstáculos a serem superados. Desde a assinatura do Tratado de Constituição do Mercosul em 1991, decorreram mais 20 anos e os objetivos a serem atingidos es-tão longe de serem atingidos. Entretanto, é indispensável lembrar que o mercado comum de maior sucesso no mundo, o da União Européia, teve início com o Tratado de Roma, firmado entre apenas seis países, em 1954 e levou, por conseguinte, mais de 60 anos para atingir o estágio atual, em que engloba 25 países a tal ponto integrados que grande parte deles conseguiu o que parecia inatingível, adotar uma só moeda. A tendência de formação de blocos econômicos é cada vez mais acentuada, mas ao mes-mo tempo, um caminho cada vez mais cheio de obstáculos e, portanto, mais difícil de percorrer.

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MeritocraciaA palavra não consta do Aurélio mas sim do Dicionário Houaiss, com vários sentidos. O primeiro deles é “predomínio numa sociedade, orga-nização, grupo, ocupação, etc., daqueles que têm mais méritos (os mais trabalhadores, mais dedicados, mais bem dotados intelectualmente, etc)”. Com esse sentido é também empregado na linguagem corrente, tanto quanto no léxico da política. Trata-se de um neologismo cuja etimologia indica ser formado da palavra grega, cracia derivada de cratos (poder) e da de origem latina mérito, sinônimo de merecimento. Significaria li-teralmente, portanto, o regime ou poder do mérito, mas que, de acordo com Antônio Houaiss, chegou ao Brasil, por influência do inglês meri-tocracy. O termo traduz um princípio jurídico que tem a ver com o da igualdade de todos perante a lei, pois no sistema de mérito, vigente nas democracias autênticas, é através da seleção intelectual, apurada através de seleção pública, que se deve prover os cargos do Serviço Público. No Brasil, o preceito consta do Direito Constitucional legislado, desde a Constituição do Império, cujo art. 179, item 14 prescrevia: “Todo cida-dão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos ou militares, sem outra diferença que não seja a de seus talentos e virtudes”. Já na Constituição Republicana de 1891, passou a constituir o art. 73: “Os cargos públicos civis ou militares são acessíveis a todos os brasileiros, observadas as condições de capacidade especial que a lei estatuir, sendo, porém, vedadas as acumulações remuneradas”. Na efêmera Constitui-ção de 1934, que vigorou apenas três anos, a mesma disposição aparece no art. 168: “Os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros, sem distinção de sexo ou estado civil, observadas as condições que a lei estatuir”. Nem mesmo a carta totalitária do Estado Novo, editada em 1937, omitiu esse direito que se encontra no art. 122, inciso 3o: “Os cargos públicos são igualmente acessíveis a todos os brasileiros, obser-vadas as condições de capacidade prescritas nas leis e regulamentos”. Na Constituição democrática de 1946 a garantia se repete no art. 184: “Os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros, observados os requi-sitos que a lei estabelecer”. O regime militar não discrepou da tradição brasileira. A Constituição de 1967 estipulou o mesmo no art. 95, com a redação anterior e a Emenda de no 1/69, editada pela Junta Militar, inscreveu a disposição no art. 97. Por fim, a Constituição vigente foi ainda mais explícita: O art. 37, no capítulo que rege a administração pública, prescreve: “I) os cargos, empregos e funções públicas são aces-síveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como os estrangeiros, na forma da lei. II) a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público

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de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a comple-xidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.Pode parecer que esse foi um direito sempre respeitado. Não o foi no Império e menos ainda na República. As próprias Constituições pas-saram a estabelecer exceções. Na de 1934, por exemplo, a 1a exceção encontra-se no art. 14 das Disposições Transitórias: “Na organização da Secretaria do Senado Federal serão obrigatoriamente aproveitados os funcionários da sua antiga secretaria”. A de 1946 foi ainda mais condes-cendente, inaugurando a política dos fatos consumados. O art. 15, § 3o, das Disposições Transitórias, por exemplo, dispunha: “No provimento dos cargos das Secretarias do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribu-nais Regionais Eleitorais, serão aproveitados os funcionários efetivos dos tribunais extintos em 10 de novembro de 1937, se ainda estiverem em serviço ativo da União e o requererem e, para completar os respecti-vos quadros, o pessoal que atualmente integra as secretarias dos mesmos tribunais”. Já o art. 23 era ainda mais amplo: “Os atuais funcionários interinos da União, dos Estados e Municípios que contêm, pelo menos cinco anos de exercício, serão automaticamente efetivados na data da promulgação deste Ato; e os atuais extranumerários que exerçam função de caráter permanente há mais de cinco anos, ou em virtude de concurso ou prova de habilitação, serão equiparados aos funcionários, para efeito de estabilidade, aposentadoria, licença, disponibilidade e férias”. Os arts. 25 e 26 estipularam novas concessões: “Art. 25 – Fica assegurado aos funcionários das secretarias das casas do Poder Legislativo o direito à percepção de gratificações adicionais por tempo de serviço público”. E o art. 26: “A Mesa da Assembléia Nacional Constituinte expedirá títulos de nomeação efetiva aos funcionários interinos das Secretarias do Sena-do Federal e da Câmara dos Deputados, ocupantes de cargos vagos, que até 3 de setembro de 1946 prestaram serviços durante os trabalhos da elaboração da Constituição. Parágrafo único – Nos cargos iniciais que vierem a vagar, serão aproveitados os interinos em exercício até a mesma data, não beneficiados por este artigo”. A prática continuou sob o regi-me militar, com o art. 177 das Disposições Transitórias da Constituição de 1967: “Fica assegurada a vitaliciedade aos professores catedráticos e titulares de ofício de justiça nomeados até a vigência desta Constituição, assim como a estabilidade de funcionários já amparados pela legislação anterior. § 1o – O servidor que já tiver satisfeito ou vier a satisfazer, den-tro de um ano, as condições necessárias para aposentadoria, nos termos da legislação vigente na data desta Constituição, aposentar-se-á com os direitos e vantagens previstos nessa legislação. § 2o – São estáveis

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os atuais servidores da União, dos Estados e dos Municípios, da admi-nistração centralizada ou autárquica que, à data da promulgação desta Constituição, contem, pelo menos, cinco anos de serviço público”. Veio, por fim, a Emenda Constitucional de no 1/69, outorgada pela Junta Militar que assumiu o poder com a doença do então Presidente Costa e Silva e, como nos exemplos anteriores, também não fugiu à regra, com a vigência dos arts. 194 e 195 das Disposições Transitórias da Emenda: “Art. 194 – Fica assegurada a vitaliciedade aos professores catedráticos e titulares de ofício de Justiça nomeados até 15 de março de 1967, assim como a estabilidade de funcionários amparados pela legislação anterior àquela data. Art. 195 – Os atuais substitutos de Auditor e Promotor de Justiça Militar da União, que tenham adquirido estabilidade nessas funções, poderão ser aproveitados em cargo inicial dessas carreiras, res-peitados os direitos dos candidatos aprovados em concurso”. Por último, a Constituição em vigor, para não fugir à regra, garantiu os mesmos direitos das anteriores, no art. 19 das Disposições Transitórias: “Os Ser-vidores Públicos Civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37 da Constituição, são considerados estáveis no Serviço Público”. Como se vê, todos os textos constitucionais brasileiros, desde 1824, inscreveram o princípio do mérito. Mas em todos os casos, não sendo cumprido, as Constituições que se seguiam homologavam as violações cometidas, convalidando as situações antes constituídas. Isto se tornou a regra geral na História constitucional do país.

MetodologiaMétodo, ensina o Aurélio, provém do grego methodos e quer dizer “ca-minho através do qual se atinge um objetivo”. O estudo dos métodos aplicáveis às ciências para chegar às conclusões relativas aos fenômenos estudados, constitui o que convencionamos designar de metodologia, ou seja, o estudo dos métodos. Em sua obra clássica de 1637, Discurso do Método, o francês René Descartes (1596 – 1650) enuncia princípios “para bem conduzir sua razão nas ciências”. Este método se apóia sobre uma demanda racional e analítica de decomposição das idéias comple-xas em idéias simples. No sentido inverso, Edgard Morin expõe, em sua obra O Método, o projeto de uma reforma do pensamento a fim de poder aprender a complexidade dos fenômenos humanos. Este é o primeiro sentido que se pode dar à palavra método: o caminho geral do pensamento no domínio científico. É neste sentido que o sociólogo

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francês Émile Durkheim (1858 – 1917) a emprega em As Regras do Método Sociológico, de 1895. Em outro nível entendemos por método certas técnicas de investigação adequadas à pesquisa. É neste sentido que falamos de métodos quantitativos (sondagens, questionários, com-parações estatísticas, testes de inteligência) ou qualitativos (narração de vida, observação participante, entrevista indireta, etc.). Nas ciências hu-manas há pelo menos duas modalidades usuais: os métodos qualitativo ou quantitativo. Como exemplos de métodos qualitativos, O Dicionário de Ciências Humanas organizado sob a direção de Jean-François Dortier aponta dois exemplos que podem ilustrar métodos qualitativos. No pri-meiro, ele invoca o livro Street Corner Society (Sociedade da Esquina), de 1943, em que o sociólogo americano William F. White traça um retrato muito vivo e preciso das gangs de jovens imigrantes italianos num bairro de Boston, durante os anos 30. Ele descreve e faz reviver o ambiente de rua, reproduz as conversas e mostra como os chefes dessas gangs age, para manter sua autoridade sobre o grupo. Para obter esse resultado. W. F. White adota o método da observação participante. Essa alternativa supõe uma imersão no meio estudado. Nesse estudo, o sociólogo é, ele mesmo, um membro de algumas gangs. No ano 2000 o sociólogo Janine Mossuz-Lavau conduziu uma enquete sobre a sexualidade das mulhe-res na França, La Vie Sexuelle em France (A Vida Sexual na França), publicado em 2002. Ele levou a efeito longas entrevistas (de mais de três horas cada uma) nas quais as entrevistadas contavam sua primeira experiência. Aí, conclui o autor do verbete método qualitativo, as duas pesquisas são duas maneiras de fazer que revelam métodos qualitati-vos, no sentido de que os dados não são submetidos a um tratamento quantitativo, mas à análise subjetiva do pesquisador. Ele ainda esclarece que os principais métodos e técnicas qualitativas são a entrevista (não dirigida), a observação participante, as histórias de vida e os testes pro-jetivos. Tratando do método quantitativo, por sua vez, ele assinala que “em ciências humanas, os métodos quantitativos têm um ponto comum de apelar a dados cifrados. Eles tanto podem servir à simples medida ou a análise de causalidade. Eles se valem de tratamentos estatísticos mais ou menos induzidos. Entre os métodos quantitativos mais conhe-cidos figuram as sondagens, os estudos estatísticos, a análise fatorial, os testes de inteligência e a análise de conteúdo”. As hipóteses figuradas referem-se à metodologia da análise sociológica. À diferença da análise das ciências físicas, em que o método utilizado é o da demonstração que pode ser repetida em cada caso, e por esse método comprova-se a procedência da afirmação ou da tese a que ela dá suporte, nas Ciências Sociais, sendo os fenômenos singulares, torna-se impossível a repetição e, por conseqüência a comprovação. Por isso a metodologia das Ciências

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Humanas baseia-se em hipóteses e teorias que, submetidas a diferen-tes formas de confrontação, podem vir a constituir teses. As teorias, portanto, constituem fazem parte e são essenciais na Metodologia das Ciências Sociais.

MicroeconomiaEnquanto a macroeconomia* ocupa-se dos grandes mercados, a nível nacional de um país, ou a nível internacional, a microeconomia trata dos pequenos mercados, tentando entender e explicar quais os mecanismos que o regulam e como eles funcionam com seus vários componentes: produtor, consumidor, preços, lei da oferta e da procura, etc. Veja como Robert Lucas, autor desse verbete em O Dicionário das Ciências Sociais de Jean-François Dortier, a defi-ne: “A microeconomia é uma economia de Robinson” (provável referência ao personagem Robinson Crusoe, o náufrago que viveu solitário numa ilha ima-ginária, personagem do livro com o mesmo título do escritor inglês Daniel Defoe). A economia de Robinson a que Lucas se refere é “aonde alguns ato-res, tidos como racionais se encontram em um pequeno mercado para trocar bens em função de seus interesses recíprocos. Dando a cada um dos bens um valor (medindo-se a intensidade da “utilidade desejada”), espera-se encontrar as condições matemáticas de equilíbrio em que a procura seja igual à oferta, e aonde cada parte se sinta feliz com a transação realizada. A esperança que anima os fundadores da microeconomia é a de ter êxito na construção de um modelo matemático que reproduza a realidade do mercado. A partir de mo-delos mais ou menos sofisticados, espera-se conseguir colocar o mundo dos negócios numa equação”. Com essa pequena fábula, o autor procura explicar que a microeconomia tem a pretensão de descobrir o funcionamento dos mercados, através de equações matemáticas. E por isso alerta que a microeco-nomia pode se resumir a três etapas distintas.A primeira é a sua fundação, quando em 1870 os economistas neoclássicos se propuseram a fazer da economia* uma “ciência pura”, construída sobre mode-los teóricos concernentes ao comportamento dos consumidores e dos produ-tores, assim como o mecanismo de equilíbrio dos preços. Esses fundadores foram Stanley Jevons (1835 – 1882) e Carl Menger (1840 – 1921), Leon Walras (1834 – 1910) e Wilfredo Pareto (1848 – 1923).A segunda etapa é o seu desenvolvimento. No início, os fundadores da microe-conomia partiram de um modelo simples: alguns produtores, alguns consumi-dores e um só bem. Em seguida, os autores tentaram estabelecer um modelo de equilíbrio geral de vários mercados coordenados, quer dizer, comportando uma pluralidade de bens (onde se pode preferir as maçãs às pêras, ou onde se pode levar um ônibus, em vez de comprar um automóvel). Este modelo será, pouco a pouco, completado por pesquisadores como John R. Hicks ou Paul

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Samuelson, nos anos 30 e 40 do século passado, e mais tarde por Kenneth Arrow, Gerard Debreu e Maurice Allais, nos anos 50. A performance mate-mática é notável, mas constata-se que, em tal modelo, o equilíbrio do mercado só é obtido ao preço de hipóteses muito restritivas (uma infinidade de vende-dores, consumidores capazes de um conhecimento perfeito da qualidade dos produtos por todos os protagonistas, a possibilidade do consumidor comparar todos os preços, e assim por diante) correspondendo muito pouco ao mundo que se encontra na economia real. Finalmente, a terceira etapa refere-se aos novos fundamentos. No mundo real dos mercados, se uma pessoa quer investir e hesita entre comprar um apar-tamento ou ações, não pode saber como vai evoluir o mercado de ações; não pode saber como vai evoluir o mercado imobiliário e qual dos dois será o mais rentável. Logo, ela deve agir em uma situação de incerteza. O modelo de mercado supõe um conhecimento perfeito dos produtos comprados ou que o vendedor tenha dado todas as informações sobre o seu produto. Mas este não é o caso. Ao vendedor de um carro usado, por exemplo, interessa dis-simular seus defeitos. A partir dos anos 70, os economistas tentaram recons-truir modelos teóricos que levassem em conta a incerteza do consumidor, a ausência de concorrência e assim por diante. Apoiando-se em novos modelos matemáticos, de onde surgiu a Teoria dos Jogos*, nasceu uma nova microeco-nomia. Ela leva em conta as situações de concorrência imperfeitas (monopó-lio, duopólio, mercados contestados, assimetria de informações, etc.). Vários campos de pesquisa muito promissores vão se desenvolver desde então: teoria dos contratos, teoria dos direitos de propriedade, teorias da firma, economia de informação, etc. O caminho da microeconomia vai se estender a novos domínios, como a análise da vida política (com James Buchanan) ou da fa-mília (com Gary Becker). Por fim, para coroar seu império sobre a ciência econômica, a microeconomia tentará, então, propor novos fundamentos para pensar os fenômenos macroeconômicos. A conclusão a que parece nos levar o autor desse verbete parece ser, ine-vitavelmente, a de que a divisão entre micro e macroeconomia perdeu o sentido. O que sobrevive é, em suma, a Economia ou, se quisermos, a Ciência Econômica.

Militância/MilitanteA palavra é uma das mais ricas do idioma português. Deriva do latim que em sua origem milite significava soldado, adjetivo de dois gêneros, como ensina o Aurélio. O primeiro é relativo à guerra, às milícias, aos soldados. Ex.: os chefes militares, as organizações militares. O segundo, refere-se às Forças Arma-das. Ex.: a hierarquia militar, as honras militares. Mas é também substantivo masculino: soldado, combatente. Além disso, é verbo, com pelo menos oito sentidos diferentes. Alguns nos interessam em particular, tais como: (a) seguir

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a carreira das armas, fazer a guerra, combater. Ex.: “Foram condecorados os que militaram na grande batalha”; (b) ser membro de um partido, seguir e de-fender idéias de um grupo político. Ex.: “Militava por um ideal muito nobre”; (c) combater, pugnar, opor-se. Ex. “Militou contra inimigos poderosos”. De militar deriva outro substantivo em português: militante*. No léxico da polí-tica, “militância” significa, portanto, o conjunto dos militantes, dos partidários de uma idéia. Em tempos de paz, quando há ameaça de conflitos armados, chama-se também de militante, os partidários da guerra, que acreditam que só pela força, a destruição e o enfrentamento físico, pode-se alcançar os obje-tivos desejados. Aí vemos o paradoxo das palavras que, segundo Taylerrand, poderoso diplomata, político e estadista francês, “servem para esconder o pensamento”. Nada mais conflitante com um militante político do que um militante pela guerra, já que as guerras, conflitos destrutivos, são exatamente o contrário da política que é a solução dos conflitos por meios pacíficos. Todas essas considerações podem nos levar à convicção de que um só termo, uma só palavra, uma só expressão pode conter em si idéias contrárias, conceitos contraditórios e concepções opostas. Por isso mesmo, se distingue, na lingua-gem da política, a palavra militante do termo partidário. Todos podemos ser partidários de uma idéia, da mesma forma como podermos ser militantes de um partido. Ou, ao contrário, podermos ser militantes de uma idéia e parti-dários de uma política. Partidário é aquele que “toma partido” por uma idéia, uma concepção, uma crença, uma determinada convicção. Por isso, em relação aos Partidos políticos, deve-se distinguir os que são “partidários” dos que são “militantes”. Se somos partidários de uma ou de várias idéias, sempre haverá a oportunidade de defendê-la ou de defendê-las. Podemos fazê-lo de duas formas, simplesmente acreditando nelas e discutindo-as, ou lutando por elas. Lutar sozinho por elas é uma forma de militância, a que se pratica sozinho, solitariamente, de forma individualizada. Lutar através de uma instituição, como um Partido, é tarefa não só dos seus dirigentes, mas também dos seus adeptos, de seus partidários e de seus simpatizantes. Militante, portanto, é aquele que, sendo partidário ou adepto de idéias, credos ou convicções tra-balha e atua em sua defesa. Militante de um partido, por outro lado, é o que dá apoio ou sustentação aos ideais, programas ou interesses partidários. Os partidos dependem, portanto, não só de seus dirigentes, que em alguns casos defendem interesses pessoais, mas também de seus adeptos, de seus parti-dários e de seus militantes. Os adeptos e os partidários, são os que lhe dão apoio ocasional, como, por exemplo, votando neles e com isso cumprindo seu dever cívico. Os militantes, ao contrário, são aqueles que além desse apoio indispensável, mas ocasional, participam de todas as etapas da vida partidária, cobrando coerência dos partidos, fiscalizando sua atuação e participando de seu destino, pois como as pessoas e as instituições, os partidos também vivem e morrem, desaparecendo do panorama político quando lhes faltam os meios de sua subsistência – votos e apoio popular.

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MilitarismoDenomina-se militarismo a intervenção das Forças Armadas de um país no seu sistema político e o exercício do poder, pela força, usualmente violando a Constituição e o Estado de Direito Democrático, quando vigente. O milita-rismo assume diferentes formas e modalidades no curso da História, como foi o caso de Esparta, na antiga Grécia, que era um Estado militarizado, e o do Império romano, onde a influência dos generais e suas legiões se acen-tuou, à medida que o poder dessa civilização se expandiu por toda a Europa e parte significativa do Oriente Médio. Nessas diferentes modalidades, a mais próxima de nós é a que se verificou logo após a Independência dos países que constituíam a antiga América Espanhola, com o surgimento do Caudi-lhismo*, em torno da figura do caudilho, o chefe militar que tomava o poder e justificava seu ato de força com um “pronunciamiento” (pronunciamento, em português), para substituir outro caudilho, ou para derrubar o governo civil e estabelecer ou restabelecer a hegemonia militar sobre a vida civil. Foi tão freqüente que “pronunciamiento” se tornou sinônimo de golpe de Estado. O Brasil sempre se orgulhou de não ter padecido desse mesmo problema que se disseminou em boa parte da América Latina, mas isto não quer dizer que não tenhamos tido influência ou predomínio militar no sistema político. Uma constatação procedente é dizer que não tivemos, caudilhos e “pronun-ciamientos”, mas isto não significa que não tivemos militarismo. É indispen-sável lembrar, em abono dessa afirmação que, desde o início de nossa vida independente, as Forças Armadas sempre foram utilizadas para interferir no sistema político, ou interromper a sua continuidade. O melhor exemplo é a utilização da tropa para fechar a Assembléia Constituinte de 1823, quando esta entrou em conflito com D. Pedro I. Outro é o surgimento da chamada “Questão militar” na última década do sec. XIX, de que resultou a Proclama-ção da República, mediante a intervenção militar para pôr fim à monarquia. Insurreições, rebeliões, revoltas e sublevações militares se amiudaram durante a República Velha, com o chamado surto Tenentista das décadas de 20 e 30 do século passado, quando os sucessivos levantes militares de 1922 no Rio de Janeiro, (18 do Forte), de 1924 em São Paulo (revolta do Gen. Isidoro Dias Lopes), e 1926 no Rio Grande do Sul e São Paulo (Coluna Prestes Miguel Costa) mantiveram em sobressalto o país, tendo como desfecho a Revolu-ção de 1930. Em 1937, tivemos a primeira ditadura, protagonizada pelo civil Getúlio Vargas com a implantação do Estado Novo, mas sustentada pelos militares e a segunda em 1964, uma ditadura militar sustentada pelos civis. O militarismo, porém, não foi monopólio da América Latina, nem da África, onde se disseminou na segunda onda de descolonização na década de 60 do séc. XX. Grassou em todas as partes, como na Alemanha, primeiro com o regime prussiano de Bismarck (1815 – 1898), primeiro-ministro entre 1862

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e 1873, fundador e primeiro-ministro do Império Germânico, entre 1871 e 1890; depois com Hitler (1889 – 1954), ex-cabo na Primeira Guerra Mun-dial que se tornou chanceler alemão entre 1933 e 1945 que usou as Forças Armadas do país para o seu delirante projeto expansionista à custa de seu próprio povo, levado à destruição e à ruína; na Espanha com o generalíssimo Francisco Franco (1872 – 1975) chefe do exército nacionalista que derrubou a República espanhola na guerra civil entre 1936 – 1975, chefe de governo até 1973 e chefe de Estado, até 1975; na Polônia com os generais Pilsudski (1867 – 1935), chefe de Estado entre 1918 – 22 e Jaruzelski chefe de Governo entre 1981 e 1989 e Chefe de Estado, entre 1989 e 1990, que precedeu a ascensão do líder do Sindicato “Solidariedade”, Lech Walesa ao poder. Na América Latina, sempre foi freqüente a presença militar na Política. No Paraguai, com os generais Higino Morínigo, chefe do governo e do Estado entre 1940 e 1948, e Alfredo Stroessner, virtual ditador até sua deposição em 1989, por seu sucessor, o também general e depois Presidente André Rodri-guez. O Peru viveu sob o domínio de general Mauel Odría, entre 1948 e 1956, e voltou a cair sob o domínio militar, quando uma Junta, liderada pelo general Juan Velasco Alvarado depôs o Presidente Fernando Belaunde Terry em 1968. Em 1975, uma nova Junta militar, sob a liderança do general Fran-cisco Morales Bermudez se manteve no poder até 1980, quando o ex-Presi-dente deposto Fernando Belaunde Terry, voltou ao governo, através das elei-ções que foram restabelecidas. A Venezuela, por sua vez, depois do fim do regime colonial, viveu praticamente um século sob o regime de sucessivos caudilhos que se mantiveram no poder, entre 1830 e 1935, com a morte de Juan Vicente Gómez, nesse último ano. O General José Tadeo Monagas, que tinha sido eleito presidente pelo Partido Conservador em 1848, dominou o governo até o ano de 1858, com o auxílio de seu irmão, General José Gregório Monagas. Ambos foram depostos em 1861, quando o General Paez restau-rou a hegemonia do Partido Conservador até 1863, ano em que, liderados pelos Generais Juan Falcón e Antonio Guzman Blanco, os liberais voltaram ao poder. Em 1868, os conservadores liderados pelo General José Tadeo Monagas, seguiram o mesmo caminho, sendo em 1870, desalojados pelos li-berais comandados pelo General Guzman Blanco. Sua entrada triunfal em Caracas conseguiu restabelecer a ordem abalada desde 1858 e dois anos de-pois o país adotou uma nova Constituição, estabeleceu o sistema representa-tivo concedendo o direito de voto aos homens e a eleição direta para a Presi-dência da República. Ao mesmo tempo, criou um sistema nacional de ensino primário, deu suporte do Estado à educação de segundo grau e de nível uni-versitário, cortou os subsídios à Igreja Católica, proclamou a liberdade religio-sa, instituiu o casamento civil, confiscou as propriedades da Igreja, exilou o arcebispo e fechou os conventos. Ele foi escolhido por eleição popular para ocupar a Presidência em 1873 e quatro anos depois partiu para a Europa,

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deixando em seu lugar Joaquín Crespo, mas teve que voltar em 1886, para exercer o poder por mais dois anos, em face da crescente impopularidade de sua política. Uma sucessão de grupos civis que tentaram restabelecer o siste-ma representativo levou o país a um novo período de caos que permitiu a Crespo retomar o poder em 1892, logo protagonizando um tumultuado con-flito diplomático com a Inglaterra, em disputa com os limites de seu país com a Guiana Britânica em decorrência da descoberta de ouro no país em 1877. O agravamento da crise levou ao rompimento de relações diplomáticas, situ-ação que só se resolveu mediante arbitramento, em face da interferência do Presidente americano Grover Cleveland, de que resultou a decisão favorável à Venezuela. Na virada do século, a história do país foi mais uma vez contur-bada pela intervenção militar do caudilho Cipriano Castro (1858 – 1924), do Estado andino de Táchira que em 1899, com seu exército provincial ocupou Caracas e tomou a Presidência, ocupando o poder pelos 59 anos seguintes, com exceção de um interlúdio entre 1945 e 1948. Castro ocupou a Presidên-cia entre 1899 e 1909 e seu governo foi marcado por tirania administrativa e irresponsabilidade financeira que provocaram contínuas revoltas internas e sucessivas intervenções estrangeiras. O levante interno mais grave ocorreu em 1902 e 1903 na região ocidental do país, sendo dominado pela intervenção do General Juan Vicente Gómez (1864 – 1935). O tratamento cavalheiresco dispensado por Cipriano Castro aos diplomatas e investidores estrangeiros contrastava com sua recusa em indenizar os prejuízos causados aos bens de súditos estrangeiros pelos levantes internos, ocasionando uma intervenção dos governos da Alemanha, Inglaterra e Itália, com o bloqueio marítimo de suas costas entre 1902 e 1903 e o ataque à sua esquadra por parte da Armada alemã, em 1908. Doente, Crespo retirou-se para se tratar na Europa e o poder foi ocupado por Juan Vicente Gómez que governou o país pelos 27 anos se-guintes, até sua morte. Manipulando eleições, perseguindo e prendendo ini-migos, recorrendo a todas as formas de repressão, inclusive o assassinato dos adversários, controlando a imprensa e estabelecendo um estado policial efi-ciente com a ajuda das Forças Armadas, Gómez tornou o Legislativo subser-viente a seu poder e o Judiciário submisso a seus arbítrios. A ordem política autocrática atraiu os investidores estrangeiros, notadamente da Holanda e da Inglaterra, para a exploração do petróleo venezuelano, tornando o país em pouco tempo o maior exportador de óleo e o segundo produtor mundial, atrás apenas dos Estados Unidos. Essa condição atraiu a americana Esso que veio concorrer com as empresas pioneiras, passando a exercer enorme influência no país. O caudilho Gómez tornou-se o homem mais rico da Venezuela e um dos mais ricos de toda a América do Sul. A prosperidade trazida pelo petróleo gerou a opulência do tesouro venezuelano, resolveu a dívida externa, saneou a interna e permitiu a construção de estradas e obras suntuárias, mas nenhum benefício chegou a seu povo que continuou sujeito às carências históricas em

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matéria de educação e saúde. Os burocratas e os oficiais das Forças Armadas tornaram-se os grandes beneficiários dessa era de riqueza sem prosperidade. Eleazar Lopes Contreras, que tinha sido ministro de Gómez, o sucedeu e governou o país até 1941. Ele restaurou as liberdades civis, restabeleceu a ati-vidade política, permitiu a legalização dos sindicatos em 1936, mas restabele-ceu a ditadura no ano seguinte e em 1938 elaborou um plano de desenvolvi-mento que incluiu a construção de escolas, hospitais e suporte de infra-estrutura para as atividades agrícolas. Em 1941, Isaias Medina Angari-ta, um dos seguidores dos generais de Táchira foi escolhido presidente da República para o período 1941 – 45, mas em outubro desse último ano, de-pois de assistir à queda da renda do petróleo em decorrência das dificuldades de transporte marítimo em razão da Segunda Guerra Mundial, e a despeito de ter dado prosseguimento ao plano de desenvolvimento de seu antecessor, foi deposto por uma coalizão de civis e militares. Pela primeira vez, um Parti-do político, a Ação Democrática, que desfrutava de forte apoio popular, che-gou ao poder na Venezuela e uma Junta liderada por seu Presidente Rómulo Bentancourt dirigiu o país durante 28 meses. Em julho de 1947, o país apro-vou uma nova Constituição e em dezembro o romancista Rômulo Gallegos foi eleito presidente da República e iniciou uma série de reformas políticas que provocaram forte reação conservadora e a destituição de Gallegos, em novembro de 1948, por um golpe militar liderado pelo tenente-coronel Car-los Delgado Chalbod e pelo major Marcos Perez Jimenez. Dois anos mais tarde Chalbod foi assassinado e Perez Jimenez assumiu o poder. Dessa forma, de 1951 a 1957, o país voltou às mãos de um ditador militar oriundo de Tá-chira. Jimenez seguiu a receita de todos os ditadores, enriquecendo-se no po-der na companhia de seus asseclas. As reformas foram revogadas e o governo se concentrou em edificar obras faraônicas de onde provinham os fundos para sustentar o poder minado pela corrupção, até que a sucessão de desmandos levou a Marinha e a Força Aérea a se mobilizarem para depor e exilar o dita-dor. Uma junta mista de civis e militares governou o país durante um ano, promovendo eleições em que Rômulo Betancourt foi eleito, dando início ao seu segundo mandato, que iria durar de 1959 a 1964. Governando com uma coalizão com o moderado Partido Democrata Cristão, ele foi capaz de pro-mover reformas que modernizaram a agricultura, desenvolveram a indústria doméstica e intensificaram a alfabetização. Uma crise econômica entre 1960 e 1963, trouxe novas turbulências para o país, com o surgimento de um mo-vimento de guerrilhas, e o rompimento de relações diplomáticas com a Repú-blica Dominicana cujos agentes teriam tramado o assassinato do presidente e em seguida com Cuba. Nas eleições de 1963, o candidato da Ação Democrá-tica, Raul Leoni, sucedeu seu correligionário Rômulo Betancourt que, nas eleições de 1968, protagonizou um episódio inédito na turbulenta história política venezuelana – passar o poder a um adversário, o Democrata Cristão

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Rafael Caldera Rodríguez, encerrando o ciclo dos governantes militares. Em face desses exemplos, é possível concluir que na América do Sul, como na maior parte da América Central, não houve país imune nem ao militarismo, nem aos governos militares. A Argentina, como o Brasil de 1964 e o Chile sob a férrea ditadura de Pinochet são evidências dessa afirmação. O mesmo pode-se dizer da Ásia, com os exemplos da China do generalíssimo Chiang-Kai-Shek, sucedido pelo regime comunista de Mao Tse Tung; do Japão milita-rista da Segunda Guerra Mundial sob o primeiro-ministro almirante Tojo; das ditaduras militares da Coréia do Sul que começaram com o golpe de 1961, do General Park Chung Hee, reeleito em 1967 e em 1971, quando novo golpe de Estado permitiu a reeleição sucessiva do presidente para mandatos de seis anos, graças ao qual o general foi mais duas vezes eleito, em 1972 e em 1978, até ser assassinado em outubro do mesmo ano. Sucedido pelo Primei-ro-Ministro Shoy Kiu, por sua vez eleito presidente em dezembro a quem se seguiu o General Chun Doo Hwan, presidente de 1980 a 1988. Um ano antes do fim de seu mandato, a insatisfação popular atingiu o auge e uma re-forma constitucional, com a redução do mandato presidencial de sete para cinco anos, sua escolha pelo voto direto e a restauração dos direitos civis, foi submetida a referendo popular e o ex-General Roh Tae Woo foi eleito presi-dente, tomando posse em fevereiro de 1988 até o fim de seu mandato em 1993. Com essa transição pacífica, pela primeira vez consumada no país, teve fim a que ficou conhecida como quinta república da conturbada história po-lítica do país. O militarismo e a influência militar sobre o processo político são, como se nota nesse resumo, um mal quase endêmico, de que poucos paí-ses se livraram, e a que nenhum Continente foi imune.

Ministério PúblicoNos termos do art. 127 da Constituição, “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Suas funções estão discriminadas no art. 129 do texto constitucional:

(a) promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;(b) zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de rele-vância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia;(c) promover o inquérito civil e a ação pública civil, para a proteção do pa-trimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;(d) promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos na Constituição;

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(e) defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;(f ) expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua compe-tência, requisitando informações e documento para instrui-los, na forma da lei complementar respectiva;(g) exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei comple-mentar mencionada na alínea anterior;(h) requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;(i) exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedadas a representação judicial e a consul-toria jurídica de entidades públicas.

Como se nota dessa ampla competência, o Ministério Público é um órgão de Estado e sua autonomia funcional e administrativa é garantida, na medida em que, de acordo com a Constituição (art. 127, § 2o), pode “ao propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira” dispondo a lei “sobre sua organização e funcionamento. Para assegurar sua independência, os Procuradores gozam das mesmas garantias asseguradas aos magistrados pela Constituição, a saber (1) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado; (2) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado com-petente do Ministério Público, pelo voto da maioria, assegurada ampla defesa e (3) irredutibilidade de subsídio”. Além disso, tal como os magistrados, estão sujeitos a uma série de vedações: (1) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais; (2) exercer a advo-cacia; (3) participar de sociedade comercial na forma da lei; exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magis-tério; (4) exercer atividade político-partidária; (5) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei.O Ministério Público abrange:

I – o Ministério Público da União, que compreende:a) o Ministério Público Federal;b) o Ministério Público do Trabalho;c) o Ministério Público Militar;d) o Ministério Público do Distrito Federal, Territórios e

II – os Ministérios Públicos dos Estados. Pode-se notar que a organização do Ministério Público da União compreen-de não só o Ministério Público Federal que atua junto aos Tribunais superio-

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res e à justiça Federal, mas também o que age junto aos ramos especializados da Justiça Federal, ou seja a Justiça do Trabalho e a Justiça Militar. O chefe do Ministério Público Federal é o Procurador-Geral da República, nomeado pelo presidente da República, dentre integrantes da carreira de Procurador, maiores de 35 anos, após aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recon-dução. Ele pode ser destituído desse cargo por iniciativa do presidente da República, desde que precedida de autorização da maioria absoluta do Sena-do Federal. No caso dos Estados e do Distrito Federal, por sua vez, dispõe a Constituição (art. 128 § 3o) que os respectivos Ministérios Públicos formarão lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seus Procuradores-Gerais que serão nomeados pelo chefe do Po-der Executivo, também para mandato de dois anos, permitida a recondução. Tal como no caso da União, eles poderão ser destituídos, por deliberação da maioria absoluta do Poder Legislativo local. A Emenda Constitucional no 45, de 2004, criou o Conselho Nacional do Ministério Público, composto de 14 membros nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Fe-deral, para um mandato de dois anos, permitida a recondução. Esse Conselho, tal como o Conselho Nacional de Justiça, instituído pela mesma Emenda Constitucional, será presidido pelo Procurador-Geral da República e inte-grado pelos demais seguintes membros: (a) quatro integrantes do próprio Ministério Público da União, assegurada a representação de cada uma de suas carreira; (b) três membros do Ministério Público dos Estados; (c) dois juízes indicados, um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça; (d) dois Advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; (e) dois cidadãos de notável saber jurídico e reputa-ção ilibada, indicados, um pela Câmara Federal e outro pelo Senado Federal. Os membros do Conselho oriundos do Ministério Público, são indicados pelos respectivos Ministérios Públicos.

MinoriaTal como se pode observar no verbete Maioria*, em que se distinguem di-ferentes tipos de maiorias, como maioria simples, absoluta ou qualificada, o termo minoria também é polissêmico. A começar pela distinção que separa os conceitos de Maioria e Minoria. No âmbito dos Parlamentos, quando nos referimos ao partido majoritário, por exemplo, não estamos nos referindo à bancada que tem a metade mais um dos membros da Câmara ou do Senado, mas sim a que tem o maior número de integrantes entre todos os partidos. Um exemplo, o partido A tem 35 membros, o B tem 30, o C 20 e o D apenas 15, numa Câmara de 100 integrantes. O partido A é a legenda majoritária,

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porque tem a maior bancada mas não a maioria da Casa. Entretanto, não falamos em “maiorias”, entre outras razões, por que, na linguagem corrente, maioria, como vimos é, como ensina o Aurélio, “o maior número, a maior parte”. Por isso, na linguagem parlamentar referimo-nos sempre à Maioria e à Minoria, que é uma clivagem*, entre várias outras, que separa os blocos par-lamentares e em torno das quais se dá a dialética* do debate da representação política. Não falamos, porém de Maiorias. Em compensação, nos referimos às minorias, dentro de um só Parlamento. Dependendo da configuração de uma assembléia política, podemos distinguir uma maioria, formada por um só partido e uma minoria, também constituída de uma só legenda. Pode haver maioria, composta de vários partidos que se reúnem num só bloco majoritário, e várias minorias, isto é, vários partidos que atuam independentemente uns dos outros. Também podemos encontrar a maioria, formada de um só parti-do, e várias minorias, integradas por várias legendas. Por isso, consultando o índice do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, vamos encontrar a expressão “Minoria parlamentar” de que trata o art. 13 que também define o que é Maioria no âmbito daquela Casa do Congresso: “Constitui a Maioria, o Partido ou Bloco parlamentar integrado pela maioria absoluta dos membros da Casa, considerando-se Minoria a representação imediatamente inferior que, em relação ao Governo, expresse posição diversa da Maioria”. Por outro lado, o art. 8o § 3o do mesmo Regimento, também dispõe sobre a Minoria: “É assegurada a participação de um membro da Minoria, ainda que, pela propor-cionalidade, não lhe caiba o lugar”, princípio que também esta assegurado no art. 23: “Na constituição das Comissões assegurar-se-á, tanto quanto possível, a representação proporcional dos Partidos e dos Blocos parlamentares que participem da Casa, incluindo-se sempre um membro da Minoria, ainda que, pela proporcionalidade não lhe caiba lugar”. Na linguagem corrente, porém, usa-se o termo minorias, quando falamos, por exemplo, de “minorias étnicas ou minorias sociais. De tal forma que, no âmbito da Política, é freqüente o uso do termo Maioria, no mesmo sentido em que é empregado no Direito Parlamentar, e com relação à Minoria, tanto a palavra quanto o conceito são utilizados indistintamente no singular e no plural.

Mobilidade social A palavra estratificação é derivada de estrato, sinônimo de classe, ambos conceitos utilizados para explicar a divisão das sociedades, sob diferentes crité-rios. Por isso, o verbete estratificação social* começa transcrevendo a observação do Dicionário de Sociologia de R. Boudin e F. Bourricaud: “Em toda sociedade complexa, podem-se distinguir estratos ou classes compostas de indivíduos semelhantes, com respeito a critérios”. A estratificação, portanto é a divisão da sociedade em estratos, um conceito que identifica os diferentes grupos ou classes sociais em que uma sociedade costuma ser dividida, para efeito de classificá-las. Já mobilidade social é o movimento de uma classe ou mais

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exatamente de um grupo de um status para outro. Os estudos de mobilidade social são feitos tanto entre diferentes carreiras ou ocupações dentro de uma ou mais gerações, quanto entre as diferentes gerações que se sucedem. Como a mobilidade, tanto em sentido ascendente, quanto em sentido descendente, decorre de vários fatores sendo influenciada por diferentes exigências, os es-pecialistas costumam investigar o que influencia e favorece essa modificação, ou o que a prejudica e dificulta. O estudo da mobilidade social encontra al-gumas dificuldades teóricas. Uma delas decorre da crítica de que a mudança de profissões ou ocupações, não implica, necessariamente, em mudança de classe. Ex.: se um eletricista passa a soldador na escala de produção, ou vice-versa, isto não significa que ele vá mudar de classe. Sua remuneração será quase a mesma ou um pouco maior ou um pouco menor, o que não lhe per-mite mudar os hábitos ou aumentar seu poder aquisitivo significativamente. Outra dificuldade reside na circunstância de que na maioria dos estudos sobre mobilidade social, tanto nas mesmas gerações, quanto em gerações diferentes, a ênfase sempre foi feita em relação ao cabeça do casal ou ao “dono da casa”, o que distorcia os resultados por não levar em conta a diferença de sexos nem a condição da mulher na sociedade. Por outro lado, sabe-se que a cultura influencia decisivamente os critérios de classificação, sejam eles de renda, de status, de nível de educação ou de “prestígio” social. É conclusão de vários des-ses estudos, a circunstância de que, na Alemanha, a diferença de salários entre os corpos técnicos das fábricas, como os engenheiros, por exemplo, e os ope-rários de formação técnica especializada é menor do que na França. A razão é de ordem cultural e também material. Na França, valoriza-se mais o que se denomina “prestígio” das profissões, do que na Alemanha que leva em conta, não só a participação relativa dos trabalhadores especializados no processo produtivo e, em conseqüência os remunera mais em função desse critério do que da subjetiva avaliação do que seja “prestígio” em relação às profissões. Os diferentes graus de mobilidades entre as diversas sociedades, por outro lado, pode depender das oportunidades e facilidades oferecidas à população para que esse movimento se torne mais ou menos dinâmico. É o caso da oferta de oportunidades para a qualificação das pessoas, assim como as oportunidades de educação e a relação entre renda e preços que depende menos do empenho pessoal do que das mudanças econômicas. É certo que nas sociedades em que a demanda é maior do que a oferta de mão-de-obra, crescem as chances de aumentar a mobilidade social, e de diminui-la, na medida em que a oferta supera a demanda. Parece fora de dúvida, porém, que as sociedades chamadas “abertas”, no sentido em que as emprega o prof. Ralf Dahrendorf, em seu livro A Sociedade Aberta e Seus Inimigos é, empiricamente maior do que nas demais. Também parece ser consensual que, nas sociedades de massa contemporâne-as, o conhecimento, a tecnologia e a educação são os fatores que mais influem na mobilidade social.

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Moral No verbete ética* está escrito que moral diz respeito aos costumes, enquanto ética se refere à conduta humana, do ponto de vista do bem e do mal. É uma distinção aparentemente simples. Enquanto a ética trata do bem e do mal, a moral trata do certo e do errado. O bem e o mal, porém, dizem respeito às crenças religiosas, ou seja, à religião, enquanto o certo e o errado seriam do campo da moral e, portanto, da conduta individual. A moral, entretanto, também é chamada de Ética Cristã, uma disciplina teológica relacionada com a identificação e a elucidação dos princípios que determinam a qua-lidade da conduta humana. Essa conduta, por sua vez, é avaliada, como se registra acima, do ponto de vista do bem e do mal. Segundo a moralidade da Teologia Cristã, “uma ação será boa se levar o homem a seu fim último, Deus, e má se o afastar”. O enfoque religioso levanta uma questão de enor-me relevância: A moral, segundo a Teologia cristã, aplica-se aos cristãos, obviamente. Aplicar-se-á também aos não-cristãos? A resposta também é óbvia: A moral cristã aplica-se aos cristãos, da mesma forma como a moral islâmica aplica-se aos islamitas, a moral judaica aos judeus e a moral budista aos seguidores de Buda. Parece lógico. Neste caso, estarão agnósticos e ateus dispensados de uma conduta moral? O Dicionário Prático da Catolic Church (Igreja Católica) faz uma distinção ao tratar da moralidade, registrando o verbete “Moralidade pública” em que se assinala: “Este problema está inti-mamente relacionado com o problema da defesa dos bons costumes; as leis de quase todas as nações cominam penas contra os atos obscenos, espetá-culos indecentes, prostituição, corrupção de menores, bigamia, concubinato, etc. Mas em geral a lei é repressiva, limitando-se a castigar o malfeito, e não a preveni-lo”. E conclui: “Por isso a grande obra da Igreja na educação da juventude e na formação das consciências é o único remédio para prevenir a corrupção pública que as legislações civis (civis no sentido de leigas), ape-sar dos nobres esforços que fazem, ainda não conseguiram eliminar”. Aqui surge o problema da distinção entre legalidade e moralidade. As condutas invocadas no Dicionário Prático são imorais e também ilegais. Os campos da legalidade e da moralidade são, efetivamente, esferas distintas. Aquelas que no âmbito moral são também ilegais, como as acima descritas, dizem res-peito à moralidade pública, à moral coletiva, cuja violação implica nas penas previstas na legislação. Há outras que, mesmo podendo ser consideradas imorais, como o furto, podem não ser penalizadas, como a subtração de alimento para suprir o estado de necessidade o que, em diversas legislações, pode extinguir a punibilidade. Outras, mesmo incorretas, como a mentira, podem, segundo o senso comum, ser aceitas sob o ponto de vista da Ética cristã, segundo o dilema que propõe o filósofo Immanuel Kant. A ética a que ele alude está ligada à idéia de respeitar, sempre, a lei moral. A partir desse imperativo, ele analisa um caso fictício que suscitou inúmeros debates,

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na medida em que expõe um problema crucial: que valem nossos princípios morais, quando submetidos à prova dos fatos? O cenário é o seguinte: um amigo se refugia em sua casa, para escapar de um assassino que o persegue. Se este assassino bate à sua porta, você tem o direito de mentir para sal-var a vida de seu amigo? O senso comum sem dúvida nos impõe mentir ao assassino a fim de livrarmos nosso amigo daquele que o persegue. Mas Kant, ao contrário e contra todos, tenta mostrar, em um fascículo intitula-do Sobre o Pretendido Direito de Mentir à Humanidade, publicado em 1797 que, mesmo nessas circunstâncias, quaisquer que sejam as conseqüências, devemos dizer a verdade. Para tanto, ele utiliza dois argumentos principais. O primeiro não causará admiração àquele que é familiar à moral kantiana: eu devo respeitar a lei moral que consiste em fazer aquilo que eu possa sempre erigir a máxima de minha ação, em lei universal. Ora, se a mentira se torna universal, eu arruíno o fim natural da linguagem que é o de comu-nicar nossos pensamentos e a viabilidade do contrato entre os homens: Eu faço dessa maneira, no quanto depende de mim, com que toda declaração não terá nenhum crédito e, dessa forma, inválido e torno caducos todos os direitos fundados sobre os contratos, o que constitui uma injustiça feita contra toda a humanidade em geral. Mas Kant propõe ainda um outro argumento, mais perturbador, talvez, porque ele faz um apelo às conseqüências do ato (ponto de vista que poderíamos acusá-lo de desprezar). É possível que, para proteger seu amigo, você diga que ele não está em sua casa, mesmo que ele tenha saído, sem que você saiba, a fim de escapar do assassino. Se, saindo de sua casa, o assassino o encontra no caminho (porque você mentiu, e se não o tivesse feito ele o estaria procurando em sua casa) e o mata, você é responsável pelo crime. E Kant põe aí o dedo num ponto delicado: como pretender conhecer todos os dados da situação e estar certo da conseqüência de seu ato? O homem que mente para proteger seu amigo pode se tornar responsável de sua morte porque prejulgou aquilo que ele poderia conhecer. Poderemos sempre do-minar os efeitos de nossos atos? Se não é o caso, não valeria a pena, então, atermo-nos sempre aos princípios morais? São tantos os condicionamentos e tantas as dúvidas, geradas cada vez mais pela distinção entre Ética e Moral, em face da descrença cada vez maior so-bre as condutas humanas, especialmente as que separam as fronteiras cada vez mais tênues da linha que separa a conduta pública dos procedimentos privados que convém não esquecer a distinção que faz Robert Nozick, na sugestão feita em seu opúsculo A Comunidade Liberal, já citada no verbete Ética*: A Ética inclui as convicções sobre que tipos de vida são bons ou maus para uma pessoa, e a Moral inclui os princípios sobre como uma pessoa deveria tratar as outras. Se você tem dúvida em relação à forma como deve tratar seu seme-lhante, siga o conselho do liberal anarquista Nozick: Trate-o como gostaria de ser tratado.

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MultinacionalO adjetivo qualifica tudo aquilo que diz respeito a mais de uma nação, ou algo de que participam vários países. Mas, na linguagem da Economia, costuma-se utilizar esse termo para indicar, de forma abreviada, o conceito de empresa multinacional, também chamada atualmente de transnacional, ou seja aquela que realiza suas operações além dos limites do país em que tem sede. O Di-cionário de Economia de Graham Bannock, R. E. Baxter e Ray Rees, utiliza-do neste Breviário em relação aos verbetes relacionados à Economia, assim define as empresas Multinacionais ou Transnacionais: “Companhia ou, mais corretamente, empresa que opera em vários países e possui produção ou pres-tação de serviços fora do seu país de origem. Uma definição geralmente aceita de uma multinacional é a de empresa que produz pelo menos 25% de sua produção fora do seu país de origem”. Este verbete esclarece que, na época em que o dicionário foi publicado (1984) existiam mais de 10.000 empresas com investimentos diretos fora dos seus países de origem e com mais de 80.000 filiais de que possuem o controle efetivo, mas são menos de 500 as multina-cionais que possuem três quartos de suas filiais no estrangeiro e apenas 200 têm 25% ou mais das suas vendas derivadas das atividades fora de seus países. O movimento chamado de “globalização” que se acentuou no mundo no fim do século passado e no início deste em que estamos vivendo, facilitou muito a atuação e ampliou de forma intensa o papel e a globalização da produção e do comércio de bens e serviços. A atuação de empresas multinacionais fora dos países em que têm sua sede, teve início no começo deste século e fo-ram pioneiras nessa atividade as petrolíferas, na extração e comercialização de combustíveis, impulsionadas pela indústria automobilística.Isto se deve ao fato de que, a indústria extrativa do petróleo era intensiva de capital e a indústria automotiva intensiva de tecnologia e técnicas de produ-ção em massa. Hoje, as estimativas mundiais são de que as multinacionais são responsáveis por 1/4 do comércio mundial e por mais de 1/3 da prestação de serviços. No Brasil, as primeiras multinacionais que se estabeleceram entre nós, foram as formadas por capitais ingleses que investiram nas ferrovias, no séc. XIX, ainda durante o Império, embora a primeira iniciativa neste sentido tenha sido de um brasileiro, o barão de Mauá, cujo banco tinha correspon-dentes na Inglaterra e atuação muito intensa no Uruguai, onde inclusive tinha sede um de seus estabelecimentos. Pode-se afirmar por isso que foi a primeira multinacional brasileira. Hoje, são várias as empresas de capital brasileiro que atuam fora do país e, portanto, podem ser consideradas multinacionais. Entre elas, a Petrobrás, seguramente a maior multinacional brasileira.

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Nacional socialismoEm 5 de janeiro de 1919, foi fundado em Munique, na Baviera, o Partido Trabalhista Alemão, surgido com o fim da Primeira Guerra Mundial, e a paz de Versalhes imposta à Alemanha. Em 24 de fevereiro de 1920, seus dirigentes resolveram rebatizá-lo com o nome de Partido Nacional Socia-lista Alemão dos Trabalhadores, em alemão Nationalsozialistiche Deutsche Abeiterpartei – (NSDAP), quando já estava filiado à essa legenda, desde setembro de 1919, um ex-combatente que tinha participado do Exército alemão durante o conflito, e tinha alcançado a patente de cabo. Seu nome, Adolf Hitler. Para conhecer a história da tragédia que significou sua li-derança nesse partido que se tornou conhecido em todo o mundo como Partido Nazista, consulte o verbete nazismo*.

Nacionalidade Todos os que nascem no Brasil têm nacionalidade brasileira. Mas nem to-dos que vivem no país são brasileiros. A todos, brasileiros e estrangeiros residentes no país, a Constituição atribui e assegura direitos e impõe deve-res. Entre os direitos estão a garantia da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Isto não significa que todos os nascidos e residentes no Brasil, sejam cidadãos brasileiros.

NacionalismoA palavra nacionalismo indica ao mesmo tempo uma doutrina e um senti-mento políticos. A doutrina se assenta na crença de que a unidade política legítima coexiste com a unidade nacional. Esta afirmação faz supor que

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todos os homens se caracterizam por sua nacionalidade, uma vez que vivem em nações unificadas politicamente e que essa unidade é a única correta, na medida em que só ela exprime a nacionalidade. Os adeptos do naciona-lismo sustentam que essa legitimidade perde a expressão e deixa de existir, quando qualquer nacionalidade é submetida ao predomínio de outras, ou quando se incorpora em seu território um número excessivo de membros de outras nacionalidades. Essa generalização não é empiricamente correta, pois nos países multiculturais, como a Índia, a China, o Brasil, a antiga URSS e o Canadá, por exemplo, que abrigam tribos, etnias e até castas di-versas, como a Índia, convivem várias “nações” que têm língua, cultura e re-ligiões diferentes e, nem por isso, deixam de constituir essa unidade política legítima, ainda que, no curso de suas histórias, algumas delas possam até se emancipar, para vir a constituir países separados. Entretanto, ainda que um conceito incorreto, quando não se faz essa ressalva, é certo que a maioria da Humanidade vive em unidades políticas centralizadas cujos governos cum-prem algumas funções, para todos os que vivem em seus territórios. Entre essas funções estão, nas sociedades contemporâneas, independentemente de sua extensão territorial e de sua expressão demográfica, uma infra-es-trutura cultural e educacional que permita a todos se comunicarem entre si, o que pressupõe uma sistema de educação universalizado, para que todos possam, além de se comunicar, ter uma profissão ou um ofício e se integrar à sociedade a que pertencem, a fim de usufruir de todos os seus benefícios, a começar pelo mais importante deles, a cidadania. É este sentimento de per-tencerem todos a uma sociedade em que não haja discriminação de qual-quer natureza e em que estejam todos igualmente integrados que constitui o verdadeiro sentimento de nacionalidade e que conforma o nacionalismo. O resultado é que o nacionalismo se exprime de duas formas: subjetiva-mente, ele se manifesta como o “amor ao país” e objetivamente é o resultado da incorporação de todos à consciência da relação que se estabelece entre a cultura e a comunidade política a que todos pertencem. Quando se passa de um estágio a outro na evolução histórica, como de uma sociedade agrária para um estágio industrial, por exemplo, operando-se uma transição social muito intensa, que obriga à emigração de grandes levas da população, esse sentimento pode romper-se gerando instabilidade, período em que o senti-mento nacionalista ou se acentua, ou desaparece, por exemplo, entre as levas de migrantes que se integram em outras nacionalidades.

NazismoO prof. Jeremy Noakes, da Universidade de Exeter, autor do verbete Na-zismo na Enciclopédia das Instituições Políticas, define o Nazismo como “um movimento extremista, nacionalista, imperialista e racista que se desenvol-

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veu na Alemanha depois de 1918 e que deu lugar à ditadura de seu líder, Adolf Hitler, entre 1933 e 1945”. A Primeira Guerra Mundial, com o confronto que envolveu, num conflito generalizado, quase toda a Europa, gerou, de um lado, a vitória do movimento comunista na Rússia e de outro o surgimento de movimentos de extrema-direita, especialmente na Polônia, na Itália e na Alemanha. Foi uma época de densa e intensa radicalização ideológica que o historiador inglês Eric Hobbsbawn sintetizou no título dado a um de seus livros sobre esse período: A Era dos Extremos. Segundo ele, essa era se inicia em 1917 com a vitória da Revolução bolchevique na Rússia, e se encerra com a queda do muro de Berlim em 1989 e o fim do so-cialismo real na antiga União Soviética, em 1991. Essa “era dos extremos”, com a duração de 74 anos, constituiu o que ele denominou de “o breve século XX”, um período histórico marcado pelo mais grave conflito ideoló-gico da Humanidade e que não corresponde ao século cronológico em que vivemos até há pouco. Essa extrema-direita foi representada pelos diversos matizes do fascismo: o regime do General Pilsudski (1867 – 1935) na Po-lônia, que assumiu o poder em 1918 e presidiu o país até 1922, o do “Duce” Benito Mussolini (1883 – 1945), o primeiro fascista a ascender ao poder na Itália, em 1922, depois da manifestação por ele promovida que se tornou conhecida como a “Marcha sobre Roma” e o “corporativismo” que logrou adeptos em alguns países do Leste Europeu e foi adotado como modelo do Estado “salazarista”, implantado em Portugal por Oliveira Salazar. Ao assumir a liderança do NSDAP, Hitler conseguiu apoio na Baviera e tratou de organizar o partido em moldes militares, criando o grupo que veio a ser conhecido pela abreviatura S.A. que em alemão significava Seções de As-salto (Sturmabteinlungen) que lhe foi útil até sua chegada ao poder. Em 8 e 9 de novembro de 1923, ele tentou um golpe de Estado em Munique com a intenção de reeditar na Alemanha a “Marcha sobre Berlim” que Mussolini tinha protagonizado na Itália. Fracassando no intento, foi preso e cumpriu nove meses de prisão, e teve proibido o seu partido. Pouco depois de dei-xar a prisão, reuniu num livro, com o título Mein Kampf (Minha Luta), as idéias que não eram apenas suas, mas sim usuais entre os alemães, depois da Primeira Guerra Mundial. Ele encarava a humanidade como uma “hierar-quia de raças que lutavam por terras e suas matérias-primas disponíveis. Os ários, de quem os alemães constituíam o exemplo mais puro, eram a raça suprema e possuidora da cultura, enquanto os judeus representavam a raça mais baixa, decididos a conquistar o mundo, infectando como parasitas a raça ariana e destruindo-a”. Foi baseando-se nessa concepção delirante que ele preparou para ascender o país pela via legal. Em 1926 Hitler reformou seu partido para disputar as eleições e conseguiu 2,8% dos votos em 1928, 18,3% em 1930 e 37,3% em 1932, ascendendo à condição de maior parti-

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do do Reischstag, o Parlamento alemão. A imagem de Hitler tornou-se rapidamente a de um líder nacional, para muitos capaz de conduzir o país, humilhado pela derrota de 1918, sujeito a pagar reparações de guer-ra que a Alemanha não tinha condições de cumprir, e com a economia vitimada por uma hiperinflação sem precedentes no mundo. A conquista da posição de maior partido parlamentar não foi suficiente para lhe as-segurar o governo, o que só se tornou possível quando os conservadores se uniram ao NSDAP, para pôr fim à democracia parlamentar e instaurar um sistema autoritário. Valendo-se de medidas legais e de ações violentas para constranger os adversários, Hitler editou uma série de medidas que, depois de adotadas, permitiram a implantação da mais brutal, da mais devastadora das ditaduras da era contemporânea em que o terror, a des-truição em massa, o genocídio, e a rapinagem se tornaram características da política oficial do Estado nazista. Nos 12 anos que separam a ascensão de Hitler ao poder, em 1933 e o seu suicídio, em 1945, o “Führer” (Líder), título que ele mesmo assumiu e era o seu preferido, promoveu a mais devastadora das guerras do séc. XX e se tornou conhecido como um dos piores inimigos da Humanidade, em todos os tempos.

NepotismoA palavra deriva do latim nepote (sobrinho), + o sufixo “ismo”. De acordo com o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de Antenor Nascentes, “primitivamente designava a proteção que junto de certos papas gozavam seus sobrinhos”. Hoje, na linguagem corrente, significa uma das modali-dades de proteção de que alguns homens públicos costumam se valer, para preencher cargos públicos com seus parentes. Na linguagem da Política, esse fenômeno é explicado pela inobservância do princípio do mérito, no preenchimento dos cargos públicos, o que ocorre nos sistemas personalistas de poder. A fase do nepotismo dos sistemas políticos costuma preceder os períodos em que as democracias contemporâneas amadurecidas adotam a meritocracia*. Isto ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos, no início de sua vida independente, notadamente durante o séc. XIX, mas também perdurou em várias regiões durante a primeira metade do séc. XX, com o chamado spoil system* (sistema de espólio).

“Nomenklatura”O termo é a forma adotada na língua russa para uma palavra de origem lati-na que em português denominamos nomenclatura. Formalmente, o termo se refere ao fato de que a indicação para as posições no aparato do antigo Estado soviético, do gerente das fábricas à de ministro, era aprovado pelas diferentes instâncias do Partido de uma lista denominada nomenklatura.

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Genericamente, entretanto, o termo designava os membros do Partido e do aparelho do Estado que se presumia constituírem a elite dirigente do país. O sistema operava em todos os níveis do Partido. Estima-se que a quantidade de cargos que constituíam a nomenklatura ultrapassasse dois milhões, dando ao Partido um amplo controle da entrada na elite polí-tica e do progresso na carreira de todos os seus membros. No livro crí-tico publicado em português pela Editora UnB/Ed. Record, em 1983, A Nomenklatura, Michael S. Volenski, ex-Professor da Universidade Patrice Lumumba, em Moscou, e vice-Presidente da Comissão de Historiadores da Academia de Ciências da ex-Uniâo Soviética, ele mesmo um membro da nomenklatura, reproduz a definição desse instituto político, retirada do manual oficial A Edificação do Partido: “A nomenklatura constitui a lista dos postos mais importantes: as candidaturas são previamente examina-das, recomendadas e sancionadas por um comitê do Partido do bairro, da cidade, da região, etc.. É preciso igualmente a concordância do comitê do Partido para que sejam liberadas das suas funções as pessoas admitidas a fazer parte da nomenklatura do referido comitê. A nomenklatura compre-ende pessoas que ocupam os postos-chave”.

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ObstruçãoO verbo obstruir tem em português várias acepções, segundo ensina o Au-rélio. Uma delas é impedir, estorvar, usada especialmente nas práticas par-lamentares. O exemplo que Aurélio cita com esse sentido, refere-se exata-mente ao uso parlamentar: “A oposição obstruiu a votação da lei”. Esse é apenas um dos recursos das minorias em todos os Parlamentos democrá-ticos. A prática é bem antiga. No Congresso dos Estados Unidos, deno-minava-se filibuster, palavra que em inglês se traduz pelo correspondente em português “flibusteiro, pirata, obstrucionista dos trabalhos legislativos”. Lá foi usada especialmente no Senado, onde o direito à ampla e irrestrita discussão, sempre foi respeitado e era utilizado sempre que um pequeno grupo de senadores tentava atrasar e obstruir as votações a que se opunham, fazendo longos discursos ou propondo moções dilatórias. As Legislaturas sempre tentaram coibir essa prática, introduzindo procedimentos para en-curtar os debates, chamados closure (fechamento), utilizado no Parlamento britânico, closure rules (regras de fechamento) e moções guilhotina, também de origem inglesa. No Brasil, a obstrução foi prática comum no Parlamento do Império, especialmente na Câmara, como se deduz do livro de Afonso Celso, deputado entre 1881 e 1889, Oito Anos de Parlamento: “Na ordem do dia (...) o encerramento da discussão levantava sempre reclamações. Nunca a oposição julgava o assunto suficientemente discutido. Constituía ato de singular coragem – empunhar a rolha”. Assim como obstruir era um recurso legítimo da minoria, “empunhar a rolha”, isto é, requerer o encerramento da discussão, era a contrapartida também legítima da maioria. No regime da Constituição de 1946, a obstrução nos moldes do filibuster praticado na Inglaterra e nos Estados Unidos, era legítima, mas não regimental. Alguns

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parlamentares como o deputado e depois Senador Aurélio Viana, eram es-pecialistas em protelar decisões com uma sucessão de discursos, questões de ordem e requerimentos de toda ordem. Pelo menos até 1989, quan-do vigorou o Regimento Interno da Câmara aprovado pela Resolução no 17, daquele ano, a prática não era regimental. No ano 2000, porém, depois de uma série de alterações que ocorreram sucessivamente em 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1999 e 2000, o recurso tornou-se regimental, ins-crito no § 6o do art. 82 que trata da ordem do dia: “A ausência às votações equipara-se, para todos os efeitos, à ausência às sessões, ressalvada a que se verificar a título de obstrução parlamentar legítima, assim considerada a que aprovada pelas bancadas ou suas lideranças e comunicada à Mesa”. No Senado essa legitimação se deu a partir de 1995, através da Resolução no 37, que deu nova redação ao art. 13 do Regimento Interno, referente à remuneração dos senadores: “Considerar-se-á ainda ausente o Senador que, embora conste da lista de presença das sessões deliberativas, deixar de comparecer às votações, salvo se em obstrução declarada por líder partidário ou de bloco parlamentar”.

OEA (Organização dos Estados Americanos) Organização fundada para promover a cooperação econômica, militar e cul-tural entre os seus membros que incluem todos os Estados independentes do hemisfério, inclusive Cuba, suspensa em 1962 na reunião de Punta del Este. Os principais objetivos da OEA são prevenir qualquer intervenção de outros Estados no Hemisfério Ocidental e manter a paz entre os seus membros. Ela surgiu ao longo de nove conferências Pan Americanas, pro-movidas entre os países dos Continentes americanos, levadas a efeito entre 1889 – 90 e 1948 que lograram vários acordos nas áreas comercial e jurídica, entre os Estados Unidos e os países latino-americanos. Durante a Segunda Guerra Mundial, tal como a América do Norte, várias nações latino-ame-ricanas declararam guerra aos países que constituíam o Eixo Berlim-Roma-Tóquio, sendo o Brasil, porém, o único entre as últimas dessas nações a participar do conflito com uma Força Expedicionária de 25.000 homens que lutou na frente italiana, incorporada ao V Exército Americano. Depois do conflito, todas as 21 nações independentes do Continente concordaram em subscrever, em 1947, um pacto de defesa mútua, denominado “Tratado Inter-Americano de Assistência Recíproca”. Com o início da Guerra Fria*, na conclusão da 9a Conferência Pan Americana levada a efeito em Bogotá, na Colômbia, seus membros decidiram criar, em 30 de abril de 1948, a Organização dos Estados Americanos, com o objetivo de promover a paz e a segurança do Hemisfério Ocidental, instituir um sistema de solução pa-cífica das disputas entre os Estados-membros, prover a segurança coletiva

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e encorajar a cooperação econômica, social e cultural. A maioria das nações do Caribe que se tornaram independentes na década de 1960 juntaram-se como membros da OEA, gesto que foi seguido pelo Canadá em 1990. A fundação da Organização foi baseada na aceitação geral dos princípios da Doutrina Monroe, formulada pelo 5o Presidente americano James Monroe que governou entre 1817 e 1825, com o objetivo de prevenir a interferência européia nos países do Continente. A Secretaria-Geral da OEA é o suporte administrativo da instituição, sendo exercida por um Secretário-Geral eleito para um mandato de cinco anos e seu principal corpo deliberativo é a As-sembléia Geral. Ela se reúne anualmente, sendo os Estados-membros repre-sentados por seus ministros do Exterior ou os respectivos chefes de Estado. Cabe a essa Assembléia controlar seu orçamento e supervisionar os vários organismos especializados. Em caso de ataque ou agressão contra ou entre os Estados-membros, o Conselho Permanente, composto dos embaixadores acreditados junto à instituição atua como órgão provisório de consulta, até que os ministros do Exterior possam se reunir. Nestas reuniões de consulta de ministros do Exterior, nenhuma ação coletiva pode ser empreendida sem a aprovação de dois terços dos membros presentes. A Secretaria-Geral e o Conselho Permanente têm sede em Washington. A OEA interviu e resol-veu a chamada “guerra do futebol”, um conflito entre Honduras e El Salva-dor ocorrido em 1969 e desde 1940 arbitrou a solução de várias questões de fronteiras, ocorridas entre seus membros. Depois que o governo cubano se declarou um regime marxista-leninista, em 1961, sua filiação à OEA foi sus-pensa e seus membros apoiaram a decisão do ex-Presidente americano John Kennedy que declarou, em 1962, a quarentena em face da crise decorrente da instalação de uma base de lançamento de mísseis da URSS naquele país. Em decorrência das suspeitas de estimular atentados e levantes políticos, na Venezuela e no México, que provocaram o rompimento de relações diplo-máticas desses países com Cuba, a Organização ordenou sanções comer-ciais e a suspensão das relações diplomáticas entre 1964 e 1975. Da mesma forma, a instituição deu suporte à intervenção militar unilateral do governo americano na República Dominicana em 1965, sob o pretexto de evitar a instalação de um governo de esquerda naquele país. Na esteira dessa inter-venção, a OEA enviou ao país uma “força interamericana de paz” de que o Brasil participou e que lá permaneceu até as eleições de 1966. Pela primeira vez, a despeito dos pedidos do governo americano para que a instituição in-terviesse na Nicarágua, em face da vitória do movimento Sandinista, a OEA reagiu, com o argumento de que a existência de um governo que dirigiu os destinos do país entre 1979 e 1990, não oferecia qualquer risco de potencial intervenção da União Soviética no Hemisfério. Depois do fim da Guerra Fria*, a OEA se dedicou a estimular a instalação de governos democráticos no Continente e assumiu o papel ativo de observar e monitorar as eleições

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realizadas nos países a ela filiados, para prevenir fraudes e irregularidades. O acervo de realizações conjuntas não tem sido grande neste mais de meio século de existência da Organização. Em 1961, a Carta de Punta del Este instituiu o programa Aliança para o Progresso, com que os Estados Unidos tentaram melhorar sua imagem no Continente e em 1979 criou e estabele-ceu na Costa Rica a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

OligarquiaA palavra é de origem grega, e significa “governo de poucos”, em oposição a democracia que designa “governo de todos” e monarquia “governo de um só”, a teoria das formas de governo a que Platão dedicou o capítulo 30 de sua obra A República, e Aristóteles o livro V, capítulo seis de sua A Políti-ca. Com as contribuições dos filósofos do Iluminismo, à discussão sobre a natureza, a origem e as formas de governo, a palavra passou a indicar a partir dos sécs. XIX e XX, mais como um estilo ou forma de direção das organizações políticas, como os partidos, do que como sistema de governo. Todas as contribuições da Sociologia e da Ciência Política ao estudo das oligarquias no seio das organizações apontam para a circunstância de que todos os que exercem o poder têm arraigadas tendências oligárquicas. Essa foi a grande contribuição de Robert Michels, autor da obra pioneira Socio-logia dos Partidos Políticos, cujas conclusões podem ser sintetizadas numa só palavra: “quem diz organização, diz oligarquia”, que ele denominou de “lei de bronze da oligarquia”. A oligarquia se diferencia da plutocracia, o regime em que o poder e os privilégios se baseiam na riqueza, pela circunstância de que na oligarquia o poder não se exerce em benefício de todos, mas em proveito dos que o detêm.

ONG (Organização Não-Governamental)A sigla e sua expressão por extenso indicam uma categoria de organizações pertencentes ao chamado “terceiro setor”, uma expressão criada para dis-tinguir o “primeiro setor” que seria a esfera pública, pertencente ao Estado ou integrado ao governo, do “segundo setor”, o setor privado, de caráter empresarial ou não. Em outras palavras, as ONGs exercem atividades de interesse público, mas não são entidades públicas e têm características de organizações privadas, mas ao contrário destas não têm fins lucrativos. Elas podem cooperar com o Estado, mas têm organização, gestão e característi-cas de entidades privadas, como as fundações e sociedades e instituições be-neficentes. As primeiras organizações dessa natureza, surgiram no séc. XIX e eram instituições transnacionais, isto é, foram organizadas para agirem em vários países, sem os embaraços que se impõem aos órgãos governamentais. Duas delas são conhecidas em todo o mundo: a Cruz Vermelha e o Comitê

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Olímpico Nacional. No séc. XX, além das que foram criadas para agir em vários países, começaram a surgir e a se multiplicar Organizações Não-Go-vernamentais de caráter nacional, regional e até local. O Brasil não escapou a esse fenômeno. Aqui, além das ONGs, criaram-se as OSCIPs, reguladas pela Lei no 9.790/99, Decreto no 3.100/99 e Portaria MJ no 361/99. Ao contrário das Fundações, que são fiscalizadas pelo Ministério Público, as ONGs não são tuteladas nem fiscalizadas pelo Estado nem por qualquer órgão do poder público. Em 2000 um informe do governo britânico indicou que governo inglês financiava mais de 5.000 ONGs existentes no país, com recursos públicos equivalentes a 55 bilhões de dólares. A disseminação de organizações dessa natureza tem se tornado tão rápida e generalizada que se inventou a sigla QUANGO para designar uma variação delas, as Or-ganizações Quase Não-Governamentais, que são criadas e fundadas pelos governos mas sustentadas por contribuições públicas e às quais se concede autonomia de gestão. Esse termo foi criado por Alan Pifer, presidente da Corporação Carnegie para descrever tais instituições quando começaram a surgir nos Estados Unidos. Na Inglaterra são exemplos de QUANGOS a BBC (British Broadcasting Corporation) e a Comissão para a Igualdade Racial. Elas estão de tal forma generalizadas em vários países que os cien-tistas políticos criaram a expressão “Quangocracia” para designar a extensão de seus poderes. ONGs e QUANGOS têm sido cada vez mais utilizadas como recursos administrativos para contornar e evitar o peso da burocracia do Estado, em atividades que requerem agilidade, flexibilidade e dinamis-mo requisito que, via de regra, falta aos órgãos públicos.

ONU (Organização das Nações Unidas)A Organização das Nações Unidas, abreviadamente Nações Unidas, é uma organização internacional instituída em 24 de outubro de 1945. Foi a se-gunda organização internacional estabelecida no séc. XX que tinha por ob-jetivo abranger como seus membros nações de todo o mundo. A primeira foi a Liga das Nações, criada pelo Tratado de Versalhes de 1919 que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, desaparecida em 1946. A ONU tem sua sede na cidade de Nova York e possui escritórios em várias outras cidades, entre as quais Genebra e Viena, além de sedes das agências especializadas que se espalham pelas principais capitais do mundo. A instituição forma um continuum com a Liga das Nações, no que respeita às suas finalida-des, estrutura e funções. Muitos dos seus principais órgãos e suas agências adotaram as mesmas estruturas que tinham no começo do séc. XX. Em relação a outros aspectos, entretanto, ela constitui uma organização muito diferente, especialmente no que se refere a seus objetivos de manutenção da paz e da segurança internacionais e suas preocupações com o desenvol-

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vimento econômico e social. As mudanças ocorridas na natureza das rela-ções internacionais no último século resultaram em modificações sensíveis nas responsabilidades da ONU e no seu aparato decisório. As tensões da Guerra Fria* entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética afetaram profundamente os conceitos sobre a segurança e o papel da instituição para mantê-la, durante os últimos 45 anos. A descolonização intensiva e quase simultânea na África, na Ásia e no Oriente Médio aumentaram enorme-mente o volume e a natureza do desafio com que se defrontaram suas ações políticas, econômicas e sociais. O fim da Guerra Fria* em 1991, por outro lado, trouxe novos e renovados apelos à Organização. Além da crescente vo-latilidade do clima geopolítico, novos desafios tiveram que ser enfrentados em suas práticas e funções, em especial nas áreas em conflito e na assistência humanitária às populações atingidas. Fato que pode ser constatado porque o mundo, mesmo em tempos de paz, nunca deixou de conviver com confli-tos localizados, declarados ou não. No início do séc. XXI, seus programas e os das agências filiadas tiveram que lutar para atender crises humanitárias e guerras civis, além de conviver com um número sem precedentes de refu-giados, com a devastação causada pela expansão da Aids, com os resultados das diferentes formas de ações terroristas em várias partes do mundo e com a má distribuição da riqueza entre países pobres e ricos, obstáculos ainda não vencidos. A estrutura da ONU, elaborada nos estertores da Segunda Guerra Mun-dial, terminou refletindo o equilíbrio de poderes de 60 anos atrás e proje-tando para o futuro um modelo que hoje se julga em grande parte superado. Nessa estrutura destacam-se dois órgãos principais: a Assembléia Geral, em que estão representados todos os Estados-membros, cada um com direito a um voto, e o Conselho de Segurança Nacional, ao qual pertencem 15 mem-bros, sendo cinco permanentes com direito ao veto a suas decisões (Rússia, China, Estados Unidos, Grã-Bretanha e França) e outros dez, eleitos a cada dois anos pela Assembléia Geral, distribuídos segundo o critério geográfico (cinco para a Ásia e África, dois para a América Latina, dois para a Europa Ocidental e um para a Europa Oriental). A Assembléia Geral, que se reúne anualmente no mês de setembro, tem a função de debater as questões que lhe são submetidas para a solução dos problemas internacionais, eleger os membros não-permanentes do Conselho de Segurança e zelar pelos objeti-vos da instituição. Suas decisões são tomadas por maioria ou por dois terços dos votos, segundo sua gravidade. As decisões do Conselho de Segurança, por sua vez, exigem a aprovação de pelo menos nove membros, sendo cinco dos membros permanentes, em razão do poder de veto de que dispõem. As funções administrativas são exercidas por um Secretário-Geral, escolhido pela Assembléia Geral para um mandato de cinco anos, mediante reco-mendação do Conselho de Segurança.

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OpiniãoNa linguagem comum, opinião é o juízo ou julgamento que fazemos sobre alguém ou alguma coisa: “Aquela foi uma péssima idéia” – juízo sobre algu-ma coisa; “Fulano é um mau-caráter” – juízo ou julgamento sobre alguém. Isto significa que todos nós podemos ter opinião sobre todas as coisas. Em outras palavras, todos temos nossas próprias opiniões, independentemente de conhecermos ou não as coisas ou pessoas sobre as quais nos manifesta-mos. Ou seja, opinião é nosso juízo, julgamento ou parecer sobre qualquer coisa. Podemos conhecer a opinião de nossos parentes e amigos sobre algu-mas coisas, mas não sobre todas as coisas. Daí a diferenças entre a definição de “opinião” na linguagem corrente e na linguagem das Ciências Sociais. As minhas opiniões interessam sobretudo a mim ou a meus amigos. Nas Ciên-cias Sociais e na Política, em particular, a opinião das pessoas é um recurso que interessa a todos e que pode influenciar grande parte das pessoas. Por isso, a definição dessa palavra e desse conceito, sob o ponto de vista científi-co é bem diferente: “Opinião”, escreveram os especialistas americanos Lane e Sears, “é a resposta a uma pergunta”. Realmente, sem perguntar, jamais sa-beremos a opinião de uma pessoa que não conhecemos. Por isso, a opinião é tão importante em Política. Afinal, é a partir da opinião de cada pessoa que podemos julgá-la e saber um pouco de seus interesses. Assim como aos políticos interessa a opinião dos cidadãos, para os cidadãos também é importante conhecer a opinião dos políticos. Se considerarmos que opinião é a resposta a uma pergunta, temos que considerar que nossa opinião varia conforme a pergunta que nos fazem. Logo, se variar a pergunta, varia a res-posta. Veja esse exemplo, de duas perguntas feitas à mesma pessoa: – “Você é a favor da pena de morte?” A resposta pode ser não. “Você é contra a pena de morte?” A resposta da mesma pessoa deve ser sim. A resposta variou conforme a pergunta.

Opinião públicaNo verbete anterior Opinião* já vimos a definição de Lane e Sears de que “opinião é a resposta a uma pergunta”. Isto faz supor que a opinião públi-ca seja o resultado de muitas respostas a muitas perguntas. A Enciclopédia das Instituições Políticas, editada por Vernon Bogdanor define essa expressão como “o conjunto dos pontos de vista sobre algum tema controvertido sus-tentados por uma parte importante da população”. Mas ao mesmo tempo adverte que a qualificação “pública carece de precisão”. A despeito de tais limitações e advertências, não se pode ignorar a importância e o uso gene-ralizado que dela fazem as Ciências Sociais e atividades como o marketing, inclusive o marketing político. No Dicionário das Ciências Humanas de Jean-François Dortier esse verbete começa com duas perguntas que provocam

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várias respostas. “O que pensam os europeus da ampliação da Europa?”. “O que os franceses pensam de seus médicos?”. São questões recorrentes. Por isso, não se passa um dia sem que os jornais publiquem sondagens para tomar o pulso da opinião pública. Talvez por isso, “acusa-se a opinião pú-blica de exercer uma verdadeira ditadura sobre a democracia (a ditadura das pesquisas) ao mesmo tempo em que se contesta o valor das sondagens (que seriam uma construção artificial da realidade social)”. Entretanto, é preciso lembrar que a opinião pública não se resume a uma sondagem. A idéia, pelo menos, remonta a Jean-Jacques Rousseau que teria sido o inventor da expressão. Para ele, a opinião pública seria o constitutivo do ideal revo-lucionário: o povo pode e deve tomar a palavra para se exprimir; a opinião pública, afinal, é a voz do povo. De fato, uma verdadeira opinião toma corpo com o surgimento de um “espaço público” de discussão e será, de início, restrita a uma classe social: o desenvolvimento de uma imprensa opinativa, accessível aos que sabem ler e a reunião dos burgueses nos cafés. Nessa época, não é ainda o “povo que fala”, mas as elites emancipadas. Depois, no séc. XIX, com a criação dos partidos políticos e dos sindicatos, com a mul-tiplicação dos jornais, a possibilidade de fazer greves e de assinar petições e de desfilar nas ruas, a opinião pública torna-se também a manifestação da expressão popular. Mas foi no séc. XX, com o surgimento das pesquisas que a opinião pública se tornou objeto de estudos e de indagações. As primeiras foram realizadas nos Estados Unidos nos anos 30 do século passado, por psicólogos como Gordon Gallup e Paul F. Lazarsfeld. Mas foi depois da Segunda Guerra Mundial que os institutos de pesquisas de opinião pública vão estrear na vida política. O peso da opinião pública na vida política já foi apontado como um paradoxo da democracia. De um lado ela exprime o controle crescente dos governados sobre os governantes, o que é o princípio da democracia. De outro, a ditadura das sondagens conduziria à paralisia política: como conduzir reformas dolorosas mas necessárias num sistema em que os governantes estão sempre pendentes da empresa da opinião?Afirmando em um texto polêmico que “a opinião pública não existe” o so-ciólogo francês Pierre Bourdieu procurou mostrar que a opinião pública é uma construção artificial. Os pesquisadores, diz ele, interrogam as pessoas sobre questões sobre as quais muitas vezes elas não refletiram. E com isso lhes impõem uma problemática que lhe é estranha. Compilando esses dados, conclui ele, constroem uma entidade artificial – a opinião pública. Alguns cientistas políticos, porém, lembram que certas deficiências das pesquisas não são suficientes para negar a existência de uma opinião. Em suma, dizem eles, se o termômetro é imperfeito, isto não significa que a temperatura seja inexistente. Por isso, para dar conta da formação da opinião pública, várias teorias foram elaboradas. Primeiro, invocou-se o peso da mídia e da propa-

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ganda. Ela foi relativizada pelas pesquisas de Paul Lazersfeld que mostram não ser o público tão permeável quanto crê a mídia. As pessoas, por outro lado, não mudam de opinião segundo o tom dos discursos públicos, mas ao contrário, selecionam, nas informações divulgadas, aquelas que melhor lhes convêm. A influência da mídia existe, mas é difusa. A conclusão é que não é tanto o conteúdo das mensagens que influenciam a opinião (é preciso ser contra ou a favor dos Organismos Geneticamente Modificados?) que faz com que as pessoas se tornem sensíveis a esse problema, mas sim qual a construção da opinião pública não é mais que um jogo a três, em que inter-vêem a mídia, os líderes e o público (os cidadãos) que reage favoravelmente, negativamente ou indiferentemente a tal ou qual solicitação.

OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) No verbete Guerra Fria* estão alinhados os condicionamentos que levaram as nações da Europa Ocidental e os Estados Unidos a instituírem, atra-vés do Tratado do Atlântico Norte, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), uma aliança militar liderada pelos Estados Unidos, criada em 1949, como resposta dissuasória à influência da União Soviética e seus aliados do Leste Europeu. Estes, por sua vez, em resposta criaram uma instituição semelhante, o Pacto de Varsóvia, em 1955. A reação ocidental se deu, como se assinala naquele verbete, em várias frentes, e a OTAN foi a iniciativa de cunho militar. Quando de sua criação, foram membros sig-natários do Tratado, Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos. Em 1952, aderiram Grécia e Turquia. Em 1955 foi a vez da Ale-manha, em 1982 a Espanha e em 1977 a República Tcheca, a Polônia e a Hungria. Hoje, com o fim da Guerra Fria* indaga-se se ainda teria sentido a existência de uma organização como a Nato, produto de uma conjuntura internacional que parece já superada.

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PacifismoMais que uma doutrina, o pacifismo é um movimento que surgiu no início do séc. XIX, com o intuito de abolir todas as formas de enfrenta-mentos armados entre as nações, propugnando a abolição da guerra e o estabelecimento da paz através do desarmamento, do recurso ao arbitra-mento para a solução das divergências entre os países e o fortalecimento dos mecanismos de solução pacífica e dos organismos internacionais. Muitas das atitudes e reivindicações pacifistas do início do séc. XX eram de inspiração religiosa, entre elas as empreendidas pelos anabatistas, ao sustentarem que os verdadeiros cristãos devem apartar-se do mundo irredimível, abstendo-se de toda atividade política e recusando-se a pe-gar em armas, e os quackers que, ao contrário, pretendem cristianizar o mundo. Os pacifistas atuais são os que praticam o princípio da chamada “objeção de consciência” que implica na recusa ao serviço militar. Uma das formas mais conhecidas do pacifismo leigo, calcado em razões éti-cas, foi a cruzada da “não-violência”, pregada e praticada pelo indiano Mahatma Gandhi, uma das personalidades mundiais que, ao lado do pastor evangélico americano Martin Luther King, mais influenciou a política da não-violência em todo o mundo.

ParlamentarismoO termo parlamentarismo significa literalmente governo de gabinete, aquele em que o chefe de governo, usualmente um primeiro-ministro, também denominado presidente do conselho de ministros, é escolhido pela maioria parlamentar, permanecendo no cargo enquanto desfrutar da confiança dessa maioria, podendo perdê-la através da aprovação de

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um voto de desconfiança apresentado pela oposição, ou por um voto de confiança por ele proposto e rejeitado pela Câmara baixa, hipótese em que ou ele se demite, ou propõe ao chefe de Estado a dissolução da Câ-mara, cabendo ao eleitorado arbitrar, através de eleições, o dissídio entre o Gabinete e o Legislativo. Ocorre, no entanto que não há um modelo único entre os regimes parlamentares. Em alguns países como a França, Portugal, Irlanda, Áustria e Finlândia, os presidentes da República são eleitos pelo voto direto, e os chefes de Estado indiretamente pela Câ-mara baixa, o que lhes dá a condição de sistemas mistos. Um sistema misto pode ser indistintamente chamado de semiparlamentarista ou de semipresidencialista. Por isso mesmo, tem mais sentido falarmos em Parlamentarismos no plural, em lugar de Parlamentarismo no singular, tal a variedade de modelos parlamentaristas existentes no mundo. O primeiro país a adotar essa alternativa foi a França, onde o mandato dos presidentes é de sete anos e o dos parlamentares de quatro. Isto levou o prof. Maurice Duverger a prever, antes mesmo de sua aplicação na prática, o que ele chamou de “co-habitação”, isto é, que o presidente, mais cedo ou mais tarde, seria obrigado a conviver com um primeiro ministro de partido diferente do seu. Isto, efetivamente, ocorreu com o Presidente socialista François Miterrand, quando seu partido perdeu as eleições parlamentares e ele teve que aceitar um primeiro-ministro con-servador. A situação inédita exigiu um arranjo político não contemplado pela Constituição do país, a divisão de poderes entre o Chefe de Estado e o Chefe de Governo. O Presidente passou a dirigir a política externa e a de defesa e o primeiro-ministro as questões de todas as demais áreas de governo. Com isso, a França tornou-se o único país da União Eu-ropéia a ser representado por dois mandatários quando das reuniões da sua Comissão Executiva. Na Áustria, também não foi boa a experiência, pois o primeiro presidente eleito pelo voto popular foi o ex-Secretário- Geral da ONU, Kurt Waldheim. Terminada as eleições, descobriu-se que ele tinha servido como oficial ao Exército alemão durante o na-zismo, o que provocou seu isolamento internacional, pois virtualmente todos os países democráticos se recusaram a receber em visita oficial um chefe de Estado de passado nazista. Como o Presidente da República nos sistemas presidencialistas tem funções apenas de Estado, não há razão para elegê-lo pelo voto direto. A iniciativa partiu do general De Gaulle que desejava contrastar a legitimidade dos presidentes eleitos pelo povo, com a dos primeiros-ministros, escolhidos de forma indireta pelo Parlamento. Nos sistemas parlamentaristas tradicionais, o modelo clássico é o in-glês, que se distingue dos demais por uma particularidade, a de que a

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formação do Gabinete não depende de uma investidura formal, já que não exige maioria de votos. O primeiro-ministro é sempre, como já assinalamos, o líder do maior partido, mesmo que não tenha a maioria de cadeiras da Câmara dos Comuns. Isto seria impensável na quase totalidade dos demais parlamentarismos europeus, e decorre da regra não escrita referida acima, de que o líder do maior partido nos Co-muns será automaticamente investido no cargo de primeiro-ministro, ao ganhar as eleições. Mas, como também já frisamos, este caso é uma exceção. Em todos os demais, é o partido que possui a maioria do Par-lamento, isoladamente, ou em coalizão com outros, que elege o primei-ro-ministro. A mecânica é a mesma, com pequenas adaptações como no caso alemão a que adiante faremos referência. O Gabinete, titular do Poder Executivo, é uma delegação da maioria parlamentar e não do Parlamento, como se costuma afirmar. Governará durante toda a duração da legislatura, usualmente de quatro anos, enquanto merecer a confiança dessa maioria. Em grande parte dos países europeus, são go-vernos “bicolores”, isto é, constituídos por dois partidos que se coligam para governar. Essa maioria se mantém no poder, enquanto mantiver a preferência do eleitorado. Há duas hipóteses para a cessação do Go-verno. Uma é a aprovação, por maiorias ocasionais, da moção denomi-nada “voto de desconfiança”. Aprovada, o governo tem duas opções: a primeira é renunciar e convocar novas eleições, para que o eleitorado manifeste sua preferência, concedendo maioria ao mesmo grupo que estava no poder, ou retirando-lhe a condição majoritária, hipótese em que a nova maioria elegerá outro Gabinete. A segunda opção, é propor ao Chefe de Estado a dissolução da Câmara, provocando o fim da Le-gislatura e a investidura de uma nova representação que decidirá sobre o novo Governo. A outra hipótese é o Gabinete, tendo dúvidas quan-to a fidelidade da maioria que o sustenta, pedir à Câmara um “voto de confiança”. Se aprovado, continuará no poder. Se rejeitado, procede segundo as mesmas alternativas no caso da aprovação de um voto de desconfiança: ou renuncia, ou dissolve a Câmara, para que os eleitores ajam como árbitros da situação política assim criada.Sempre que um voto de desconfiança for aprovado ou um voto de con-fiança rejeitado, e a Câmara for dissolvida, o Gabinete que estiver no poder, nele permanece, para evitar a vacância do poder, até o resultado das eleições. Renovada a confiança pelo eleitorado, o Gabinete perma-nece, com a mesma constituição, ou com novos membros da mesma maioria. Retirada a confiança, sobe ao poder o Gabinete escolhido pela nova maioria saída das eleições. Pode ocorrer que um Gabinete consti-tuído por muitos partidos perca a maioria pela retirada de um deles e se

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proponha a constituir nova maioria com os partidos antes na oposição, e que essa indefinição perdure por algum tempo. Para evitar essa situação, a lei fundamental de Bonn, que é a Constituição da antiga Alemanha Ocidental, previu, como alternativa à moção de desconfiança, o chama-do “voto de desconfiança positivo” ou afirmativo. Isto significa que qual-quer moção de desconfiança só pode ser apresentada com a indicação simultânea do Gabinete que substituirá o que estiver no poder, na hipó-tese da moção ser aprovada. Com isto se procurou evitar as incertezas decorrentes do período que vai da dissolução às eleições e à constituição do novo governo. Na Inglaterra, há outra hipótese de mudança do pri-meiro-ministro, sem dissolução da Câmara, e no curso de uma mesma legislatura. É quando o partido majoritário troca por decisão interna o seu líder. Isto ocorreu com Margareth Tatcher destituída da liderança do Partido Conservador, em 1990, sendo substituída por John Major seu Ministro e pertencente ao mesmo partido. O sistema parlamentar de governo, como vimos, existe tanto nos regi-mes monárquicos, quanto nos republicanos. No primeiro caso, o chefe da Casa reinante ocupa a Chefia do Estado, não estando sujeito, por-tanto, à eleição. Sua substituição se dá, assim, pelas regras da sucessão dinástica, em geral previstas na Constituição. Nas repúblicas, com as exceções dos cinco países já referidos, ele é eleito de forma indireta. Nos regimes unicamerais, como Portugal, pela Assembléia Nacional. Nos regimes bicamerais, pelas duas Casas do Parlamento, como ocorre na Itália, usualmente para mandatos mais longos do que a duração das Le-gislaturas que costuma ser de quatro anos. Como o regime parlamentar mais antigo do mundo é o da Grã-Bretanha, de lá provêem as principais praxes do sistema. A origem do termo primeiro-ministro e a questão de quando começou a ser utilizado, tem sido objeto de largas discussões acadêmicas. A expressão, porém, foi usada desde o reinado da rainha Ana, entre 1702 e 1714 e se tornou corrente durante o reinado de Geor-ge II, de 1727 a 1760, quando foi atribuída depreciativamente a Robert Walpole, que ocupou o cargo entre 1721 e 1742. A despeito de longo uso, a denominação só se tornou oficial em 1905, como título atribuído ao líder do Governo, isto é, o presidente do Conselho de Ministros. Os mais importantes parlamentarismos da Europa ocidental, com ex-ceção da Itália, têm tido gabinetes de longa duração. Em geral, são sis-temas pluripartidários contidos, isto é, de poucos partidos. A Alemanha ocidental, unificada em 1990, teve, de 1949 até hoje, apenas sete pri-meiros-ministros que lá têm a designação de Chanceler. A Espanha, depois da redemocratização, iniciada em 1976, somente cinco que lá se denominam Presidente del Gobierno e a Inglaterra 12, entre 1945 e os

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dias atuais. Na Itália, onde predomina um pluripartidarismo extremado, nada menos de 50 gabinetes diferentes se sucederam no poder durante os 48 anos seguintes à Constituição de 1946. Além disso, nos parla-mentarismos do tipo inglês, os titulares costumam durar muito tempo no poder. Na Inglaterra, como vimos, Margareth Tatcher permaneceu 11 anos como primeira-ministra, e seu sucessor, John Major, os sete seguintes, somando 18 anos de domínio conservador. Na Alemanha, o Chanceler Helmuth Schmidt governou o país por oito anos e seu suces-sor, Helmuth Kohl, o recordista europeu, por mais 16 anos, enquanto o espanhol Felipe González permaneceu no poder por 13 anos. São da-dos que mostram que os regimes parlamentaristas, ao contrário do que se supõe, costumam ser estáveis, sobretudo em face do julgamento dos eleitores. Os casos acima decorrem sobretudo dos respectivos sistemas eleitorais, ao permitirem que um, dois ou no máximo três partidos con-quistem a maioria das respectivas Câmaras. O Parlamentarismo, bas-tante disseminado no mundo contemporâneo, é a mais antiga forma de governo conhecida.

ParlamentoAs definições da palavra Parlamento variam na forma mas se man-têm na substância. No Dicionário de Política de Bobbio, Matteucci e Pasquino, é “uma assembléia ou um sistema de assembléias baseadas num ‘princípio representativo’ que é diversamente especificado, mas de-termina os critérios de sua composição. Estas assembléias gozam de atribuições funcionais variadas, mas todas elas se caracterizam por um denominador comum: a participação direta ou indireta, muito ou pouco relevante, na elaboração e execução das opções políticas, a fim de que elas correspondam à ‘vontade popular’. Convém precisar que, ao dizer-mos ‘assembléia’, queremos indicar uma estrutura colegial organizada, baseada não num princípio hierárquico, mas geralmente num princípio igualitário”. Para o Dicionário de Política de Galvão de Sousa, Clovis Garcia e Teixeira de Carvalho, trata-se de “órgão de representação da coletividade nacional que exerce as funções de legislar e fiscalizar os atos de governo”. Já no Dicionário Oxford Conciso de Política, parlamento é “uma assembléia eleita, responsável pela aprovação da legislação e por garantir ao governo o direito de impor taxação. Tipicamente, ele com-bina esse papel de qualquer legislatura, com o de prover o pessoal de governo, dessa forma fundindo legislatura e executivo em um sistema parlamentar de governo”. Se as três explicações definem suficientemente Parlamento como si-nônimo de Legislativo ou de Legislatura, é conveniente buscarmos a

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origem da palavra e como foi usada entre nós. No capítulo II do livro O Parlamento e a Evolução Nacional – Introdução Histórica, o prof. José Honório Rodrigues começa lembrando que “em Portugal, era tradicio-nal o nome de Cortes Gerais ou Constituintes, desde as mais antigas reuniões de representantes de classes. Nunca se adotou Assembléia ou Parlamento. No Brasil, esclarece ele, o decreto de convocação de 3 de junho de 1822, bem como as Instruções de 19 de junho para as eleições, não usam Cortes, nem Parlamento, mas Assembléia Geral Constituin-te e Legislativa. Assim foi também nas Instruções de 26 de março de 1824, que disciplinaram as eleições para a Assembléia Geral, pelo sis-tema indireto, ou eleição em dois graus”. Sobre o emprego da palavra Parlamento, ele atribui a Hipólito José da Costa, o fundador e editor do jornal Correio Braziliense, ter sido o primeiro a aplicá-lo à Assembléia brasileira, na edição de setembro de 1822 de seu jornal e usou sempre a palavra Parlamento, que era comum e corrente na Inglaterra, onde vivia. E justifica: “Vivendo na Inglaterra, fortemente influenciado pelas suas instituições, seus costumes, sua língua, era natural que o grande jornalista usasse uma denominação comum na Grã-Bretanha, mas fora da nossa tradição”. Desde o séc. XVIII a palavra inglesa Parliament foi usada naquele país para designar às assembléias legislativas, enquanto na França só passou a ser usada com esse sentido entre 1825 e 1830, mas desde 1080 Parlement significava entrevista e passou a indicar, eti-mologicamente “o lugar onde se fala”, do francês parler. No Brasil, em-bora desde 1874 se registre os debates tanto na Câmara quanto os do Senado do Império na publicação Anais do Parlamento Brasileiro, com os subtítulos respectivos Câmara dos Srs. Deputados e Câmara dos Senhores Senadores José Honório Rodrigues assinala que “a expressão dominan-te no Império, mais que Parlamento, é Assembléia Geral, que revela, sem dúvida, a influência francesa e se compõe do Senado ou Câmara dos Senadores e da Câmara dos Deputados, às vezes chamada Câmara Temporária, como a primeira era chamada Câmara Vitalícia”, porque os mandatos dos Senadores, embora eletivos, como o dos deputados, era vitalício. Vale lembrar que a expressão Assembléia Geral era, inclusive de natureza constitucional, pois foi a Constituição de 1824, ao tratar do Poder Legislativo que designou o nosso Legislativo de Assembléia Geral, composta das duas Câmaras. Essa denominação durou durante todo o Império e só se passou a usar Congresso Nacional, depois da proclamação da República, que foi a designação adotada nos Estados Unidos depois da Independência e da promulgação da Constituição de 1787. Câmara é de origem grega e nos veio através do latim, onde signi-ficava “abóbada”. Já Parlamento é de origem latina, tal como Congresso, de congressu como ensina Antenor Nascentes, “convergência de passos,

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encontro, entrevista” e, “no sentido de corpo legislativo é um anglo-ame-ricanismo”. Senado, contudo também de origem latina, era a principal instituição política, com tradição histórica, significando etimologica-mente “a assembléia dos mais velhos” , de seniore, o mais velho. O Brasil desde o período colonial teve Câmaras, de caráter municipal, pre-vistas tanto nas Ordenações Afonsinas, de 1446 quanto nas Filipinas, de 1603, que tinham atribuições municipais de polícia e econômicas, fixando posturas e resoluções. Sobre a importância delas como instituições políti-cas, divergiram profundamente dois eruditos historiadores, o maranhense João Francisco Lisboa e o cearense Capistrano de Abreu. Em Portugal não se empregou Câmara ou Câmara Constituinte, mas apenas Cortes Gerais ou Cortes Gerais e Extraordinárias. Os termos Câmara dos Deputados e Câmara Alta encontram-se na Constituição de 1838 e somente na Cons-tituição Republicana de 1911 se usou Câmara dos Deputados e Senado. Os Parlamentos são instituições essenciais ao sistema representativo de qualquer democracia. E só admitem duas modalidades: ou são unicamerais, como em Portugal, composto de uma Assembléia Nacional, ou são bica-merais, como na Inglaterra, dividido em “Câmara dos Comuns” e “Câmara dos Lordes”, modelo que também vigora nos Estados Unidos e que nós adotamos, com as mesmas características. Os sistemas unicamerais costu-mam ser utilizados nos países unitários, como Portugal, e os bicamerais, nos regimes federativos, como os Estados Unidos e o Brasil. Mas há países unitários, como a França, Inglaterra e Itália que adotam o bicameralismo, caso em que a segunda Câmara tem menor expressão política e, em geral, menores atribuições.

ParticipaçãoParticipar significa “tomar parte”, tanto no sentido da linguagem co-mum, quanto na linguagem da política. Na frase “fulano participou da cerimônia de casamento de beltrano”. Não quer dizer que fulano casou, mas sim que assistiu, foi padrinho ou tomou parte como celebrante na solenidade. Participar da Política é a mesma coisa. Todos os que votam participam da Política e do processo político, porque as eleições são par-te essencial do sistema político. Como num casamento, há muitas for-mas de participar da Política e, por conseqüência, de tomar parte na vida pública e procurar, de diferentes formas, mudar os destinos da sociedade em que vivemos. O voto no Brasil, por exemplo, é uma participação compulsória, porque é obrigatório. Em outros países, em que é faculta-tivo, há os que participam e os que nem sequer tomam conhecimento da Política que, em última análise, define suas vidas, suas obrigações, seus direitos e, de forma indireta, portanto, do destino de todos os cidadãos.

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Participação políticaHá muitas formas de participar da Política e, portanto, da vida comu-nitária. Uma delas é votar. Dar sua opinião, protestar, manifestar-se, pleitear, reclamar, filiar-se a um partido, ser candidato, são algumas das muitas formas de participar politicamente. Todos nós podemos nos manifestar sobre o que não conhecemos. Mas essa manifestação tem limites e torna-se difícil. Protestar sem saber quando, como, onde e por quê, é mais difícil ainda. Até mesmo dar opinião exige alguma forma de conhecimento ou de informação. Não nos manifestamos sobre Física ou sobre Medicina porque somos leigos nesses ramos do conhecimento humano. Mas isto não nos impede de nos manifestarmos sobre Política, mesmo não tendo conhecimento de seus métodos, de seus processos e de seus recursos. Todos exigem que tenhamos opinião sobre a Política, mesmo sem conhecê-la. Quando falamos em manifestação ou em opi-nião, estamos apenas tratando de algo que nada tem a ver com o nosso conhecimento, sobre Física, Medicina ou Política. A participação cons-ciente, por isso mesmo, deve distinguir as diferenças que existem entre opinião, informação e conhecimento. Veja esses verbetes.

PartidosO que são e para que servem os partidos? São organizações políticas que cumprem várias funções, entre as quais a mais importante é a dis-puta pelo poder. No Brasil, ninguém pode ser eleito para qualquer cargo público, sem estar filiado a um partido político. Por isso se diz que os países do mundo atual, são Estados que chamamos de “Estados parti-dários” e as democracias são igualmente democracias partidárias, porque não pode haver eleições sem que haja partidos. Os partidos, por isso mesmo, agregam interesses de várias naturezas, sejam eles ideológicos, meramente políticos, partidários ou, até mesmo, interesses corporativos, além de contribuem para a formação dos quadros políticos de cada país e o surgimento de suas lideranças. Eles são tão indispensáveis, que até mesmo quase todas as ditaduras têm partidos, como foi o caso do par-tido Nazista, na Alemanha de Hitler, do partido fascista, na Itália de Mussolini e o partido Comunista na antiga União Soviética.

Partidos de classeComo burgueses, aristocratas e trabalhadores eram classes sociais com interesses contrários a defender nos Parlamentos, no período que se se-guiu à universalização do direito de voto, eles passaram a ser chamados de “partidos de classe”, porque era em torno dos interesses de cada uma delas que os partidos se confrontavam nos Parlamentos e nas eleições.

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Partidos de massaCom a universalização do direito de voto e o fim dos sucessivos proces-sos de descolonização, em que o número de países foi aumentando em todo o mundo e a quantidade de eleitores também, chegando a várias dezenas e centenas de milhões de pessoas, aos partidos que agregavam interesses dessas massas, acima e além das classes a que pertenciam, deu-se o nome de “partidos de massa”, típicos nos países de grande ex-pressão demográfica.

Partidos, origemOs partidos políticos tiveram origem dentro dos parlamentos, na época em que o voto não era universalizado, isto é, nem todos podiam votar. Com a conquista do direito de voto pela burguesia, no fim do séc. XVIII, a principal função dos partidos burgueses era assegurar os direitos de sua classe, em face das demais, como a nobreza, a aristocracia e o clero. Por isso os partidos que surgiram nos parlamentos eram chamados de “partidos de notáveis”, pois só atuavam no interior das Câmaras. Quan-do teve início a universalização do direito de voto para todos os homens e mulheres maiores de idade, entre o fim do séc. XIX e meados do séc. XX, os eleitores passaram de alguns milhares para muitos milhões.

PatriarcalismoO termo é empregado cada vez mais na linguagem da política, como si-nônimo de clientelismo*. A despeito disso, é também um procedimento legítimo e formal, cujo resultado é semelhante ao clientelismo, apenas em situações degenerativas. Com efeito, o patriarcalismo se define como o poder e o direito reconhecido a uma autoridade política para indicar os ocupantes de cargos em comissão, de acordo com sua opinião, prefe-rência ou interesse. A escolha da autoridade é discricionária e se baseia na confiança, na lealdade e na afinidade, mais do que na competência e na experiência. Alguns sistemas políticos adotam essa modalidade com determinadas restrições. Chefes de Estados, ministros, governadores e prefeitos podem nomear pessoas de seu próprio entorno ou partido, para diversos cargos de sua confiança. Nos Estados Unidos, foi generalizado durante algum tempo, e ainda persiste em muitas regiões um sistema de patriarcalismo denominado spoil system* (sistema de espólio) que con-cede ao líder do partido governante, amplos poderes de designação dos ocupantes de inúmeros cargos públicos. Com a crescente influência dos governos na sociedade, particularmente na economia, o patriarcalismo se converteu em moeda corrente em muitas áreas, como no serviço público (vide meritocracia*), nas empresas estatais e no sistema bancário oficial.

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Um patriarcalismo generalizado e descontrolado pode levar a um mau uso dos recursos públicos e, em conseqüência, ao clientelismo. Não existe uma literatura especializada sobre essa prática, tal como aqui definida, mas sim tem sido objeto de estudos específicos sobre alguns sistemas políticos, especialmente nos Estados Unidos, circunstância que contribui para uma certa confusão nas duas interpretações de seu uso, o que é necessário e legítimo e o que constitui a deturpação desse princípio.

PatrimonialismoO termo patrimonialismo não está registrado em nenhum dos Dicionários de Política, de Filosofia política, de Pensamento político ou de Sociologia de que nos valemos e estão indicados no início deste trabalho. Trata-se, na realidade, de uma caracterização típica utilizada na análise política do país, como variante do patriarcalismo* e do clientelismo*, especificamente empregada para significar o uso abusivo e não autorizado do patrimônio público, como bem privado, por parte de autoridades e funcionários pú-blicos detentores da prerrogativa de ter a seu dispor certos privilégios ou direito de uso de bens públicos. No Brasil sempre foi tradicional, sob esse aspecto, o abuso na utilização de veículos oficiais, especialmente automó-veis. Mas a crônica do patrimonialismo se estende a virtualmente todas as modalidades de excessos praticados à conta do erário, sem que cheguem a constituir delitos especificamente previstos nas leis penais brasileiras. Tra-ta-se, obviamente, de uma deformação de caráter pessoal, mas também da ausência de mecanismos adequados, tanto de cunho político quanto administrativo, eficientes o bastante para prevenir, coibir e punir essas práticas incompatíveis com os princípios da legalidade, da impessoalida-de, da moralidade e da eficiência, previstos no art. 37 da Constituição em vigor a que esta sujeita a administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

“Perestroika”Perestroika e glassnost*, palavras russas que significam, respectivamente, reestruturação e abertura, tornaram-se símbolos, em todo o mundo, do processo reformista iniciado na URSS pelo premiê Mikahil Gorbachev, depois que se tornaram evidentes as fragilidades institucionais e eco-nômicas do regime soviético, após a gestão de seu antecessor, Leonid Brezhnev, entre 1964 e 1982. Gorbachev pretendia aumentar a produti-vidade do parque industrial do país, promovendo uma rápida moderni-zação tecnológica, ao mesmo tempo em que envidou esforços para tornar a cúpula da burocracia soviética mais eficiente e responsável. Não conse-guindo atingir resultados tangíveis, ele se lançou, entre 1987 e 1988, a um

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ambicioso programa para aprofundar reformas políticas e econômicas capazes de responder a seus objetivos sintetizados pelas palavras que se ligaram definitivamente a seu nome. A glassnost (abertura) representou um choque cultural, com a adoção da liberdade de expressão e de infor-mação que foram significativamente ampliadas. A imprensa, o rádio e a televisão iniciaram um inédito processo crítico que terminou com o repúdio da herança do stalinismo, ao mesmo tempo em que a perestroi-ka (reestruturação) atingiu o regime político, com tentativas de demo-cratização que incluíram a adoção do voto secreto e do pluralismo, na escolha de alguns cargos do governo e do partido, antes submetida ao monopólio da nomenklatura. As tentativas de introduzir alguns limita-dos mecanismos de liberalização da economia, como princípio de uma ampla reforma econômica não progrediram em face da resistência opos-ta tanto pela burocracia do partido quanto pelo aparelho do Estado. Gorbachev lançou-se ao desafio de introduzir mudanças institucionais com reformas constitucionais que substituíram, em dezembro de 1988, a estrutura dos antigos poderes do Estado por um Congresso bicameral denominado “Congresso dos Deputados do Povo” escolhido através de eleições competitivas e dotado de poderes que o tornaram sucessor do antigo Soviete Supremo, com efetivos poderes legislativos. Em maio de 1989 Gorbachev tornou-se não só o presidente desse novo poder, mas assumiu também a chefia do Estado. Todas essas drásticas mudanças repercutiram nos países do antigo bloco comunista de nações do Leste Europeu e entre 1989 e 1990, com a complacência do governo da URSS, os governos comunistas da Polônia, da Hungria e da Tchecoslováquia foram substituídos por novos regimes não comunistas. A última dessas transformações foi a retirada das tropas soviéticas da antiga Alemanha Oriental que permitiu a substituição do governo comunista ali estabele-cido desde o fim da Segunda Guerra Mundial e a reunificação do país. Os ventos da liberalização que sopravam nos domínios do antigo bloco soviético não tardaram a chegar à URSS, provocando dissensões que logo se manifestaram no movimento separatista que grassou no Ubze-quistão, no Azerbaijão e na Geórgia, desencadeando a repressão militar, a despeito da qual Gorbachev logrou ganhar o prêmio Nobel da Paz em 1990. Vítima de uma tentativa de golpe de Estado entre 19 e 21 de agosto de 1991, o homem que logrou banir do país o legado stalinista e preparar o país para um novo regime, foi salvo pela reação liderada por Boris Ieltsin, o prefeito de Moscou que o substituiu no poder e prota-gonizou no governo um dos piores fracassos que a nova Rússia conhe-ceu. Glasnost* e Perestroika, as duas palavras mágicas que provocaram a maior revolução depois da vitória do comunismo em 1917, terminaram

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esquecidas na linguagem da política contemporânea. Mas não o venda-val que provocaram na História.

PlebiscitoNo Direito Constitucional brasileiro, plebiscito é a aprovação ou de-saprovação de ato do governo, mediante a manifestação dos eleitores. Possui assim, significado equivalente ao referendo, necessário para que alguns atos do governo se julguem legalmente perfeitos.

Poder Existem apenas duas formas de poder no mundo: o poder do homem sobre a Natureza e o poder do homem sobre o próprio homem. Da pri-meira forma cuida a Ciência, quando procura meios e recursos que pos-sam ser explorados ou utilizados pelo homem em seu próprio benefício. Da segunda trata a Política, como requisito essencial para organizar a sociedade, garantir-lhe a segurança e promover o seu desenvolvimento.

Poder ilegítimoÉ o poder condicionado. Exemplo: aquele com o qual o criminoso ame-aça suas vítimas e as reduz à obediência. Sem a arma com a qual intimi-da as suas vítimas, ou quando se defronta com o emprego da violência legítima do Estado que o subjuga, cessa o seu poder. Daí dizer-se que é o poder condicionado pelo uso ilegítimo da força, da violência e da coerção.

Poder legítimoEmbora filosoficamente sejam apenas duas as formas de poder, ambas admitem duas modalidades distintas: o poder legítimo e o poder ilegíti-mo. O poder legítimo é aquele exercido de forma incondicionada, isto é, obedecido voluntariamente por todos, em benefício de toda a sociedade. É o responsável pela ordem, e por isso se sobrepõe a todas as demais formas de poder, através do monopólio da coerção legal. Chama-se co-erção legal o recurso de que é titular o poder político representado pelo Estado e por ele utilizado para reduzir à obediência todos os cidadãos e instituições, ainda que para isso seja necessário o emprego da força.

PoliarquiaPalavra originária do grego que significa “muitos poderes” ou, mais ade-quadamente em nossa língua, vários “centros de poder”, expressão que serve para designar uma das características preponderantes das democra-

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cias modernas. Embora antiga, sua introdução no léxico moderno se deve ao livro dos cientistas políticos Robert Dahl e Charles Lindblon, Politics, Economics and Welfare (Política, Economia e Bem-estar), publicado em 1953. Nesse texto, os autores definem o conceito por eles utilizado da seguinte maneira: “Em algumas sociedades, o objetivo democrático é algo vagamente aproximado, no sentido de que as pessoas que não são líderes, exercem um grau de controle relativamente alto sobre os líderes. Cha-mamos Poliarquia a constelação de processos sociais que fazem com que isto seja possível”. Essa definição abrangente permite pelo menos cinco interpretações apontadas pelo prof. Michael Bronton, da Universidade de Bristol, no verbete de sua autoria. (1) A expressão pode ser tomada como um tipo de regime peculiar de governo no Estado moderno, em que predominam duas características geral, a tolerância relativamente alta das oposições e as oportunidades razoavelmente amplas de participação, para influir na orientação do governo; (2) Historicamente, pode-se entender a poliarquia como uma série de instituições que evoluíram, em grande me-dida, mas não exclusivamente, como resultado da ação dos movimentos tendentes à democratização e à liberalização das instituições políticas do Estado; (3) Pode ser considerada também como o conjunto das institui-ções políticas necessárias para proporcionar uma aproximação positiva ao processo democrático quando o objetivo é aplicação desse processo em escala nacional; (4) Pode-se entender a Poliarquia como o sistema de con-trole político no qual, como conseqüência do conjunto das instituições, os mais elevados cargos do Estado têm que enfrentar a perspectiva de sua substituição, em face de eleições populares, o que pode induzi-los a modi-ficar seu comportamento, com o objetivo de vencer seus concorrentes; (5) Finalmente, pode-se interpretar essa expressão como um sistema em que determinados direitos estão institucionalmente garantidos e protegidos para assegurar o seu funcionamento. Em 1971, em livro publicado pela Universidade de Yale, onde é professor, com o sugestivo título de Poliar-quia – Participação e Oposição, Roberto Dahl fez um balanço de sua tese em que ele aborda o aspecto essencial do conceito por ele utilizado com tanto sucesso, procurando responder à seguinte pergunta: “Em um regime em que a oposição ao governo não pode organizar-se, aberta e legalmente em partidos políticos, nem enfrentar-se a ela em eleições livres e impar-ciais, que condições favorecem o entravam sua transformação em outro regime que o permita?”

Política econômicaInúmeras vezes os políticos indagam dos economistas, em que medida o sistema político pode interferir na Economia, para mudar a Política

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econômica? Alguns crêem que isto pode ser feito por um ato de volun-tarismo enquanto outros acreditam que intervenções políticas no siste-ma econômico constituem uma intromissão indevida que pode causar danos irreparáveis, como ocorreu com o Plano Cruzado em 1987 e o Plano Collor em 1989, enquanto outros invocam o caso de Plano Real de 1994, para mostrar que, sem a interferência política, dificilmente se consegue mudar o modelo e até mesmo o panorama econômico de um país, em caso de riscos iminentes, ou de crises prolongadas. O bom sen-so manda que, antes de se discutir essa questão polêmica, ainda hoje não resolvida, se indague dos economistas em que consiste a Política Eco-nômica. Fomos buscar a resposta no prestigioso Dicionário de Economia e Administração de Paulo Sandroni, em edição de 1996 da Editora Nova Cultural, em que o autor adverte que o seu Dicionário reúne os verbe-tes essenciais do Novo Dicionário de Economia, publicado em 1994 e do Dicionário de Administração e Finanças, publicado em 1996. Vejamos como ele define o que é Política Econômica: “Conjunto de medidas tomadas pelo governo de um país com o objetivo de atuar e influir sobre os mecanismos de produção, distribuição e consumo de bens e servi-ços. Embora dirigidas ao campo da Economia, essas medidas obedecem também a critérios de ordem política e social – na medida em que de-terminam, por exemplo, quais segmentos da sociedade se beneficiarão com as diretrizes econômicas emanadas do Estado”. Sua advertência a seguir, faz parte ainda da mesma definição: “O alcance e o controle de uma política econômica variam de um país para outro, dependendo do grau de diversificação de sua economia, da natureza do regime social, do nível de atuação dos grupos de pressão (partidos, sindicatos, associações de classe e movimentos de opinião pública)”. A simplicidade dessa de-finição, parece eloqüente o bastante, para deixar clara a complexidade das relações entre Política e Economia que tanto prejuízo tem causado em inúmeras ocasiões, mas cujos resultados benéficos não podem ser ocultados em várias outras.

Política, finsAssim como o poder do homem se resume a duas formas distintas, sobre a Natureza e sobre o próprio homem, também só existem duas modalidades de se resolver os problemas entre os homens e, por con-seqüência, entre os Estados: a forma destrutiva, que é pela eliminação física dos adversários e a forma não-destrutiva, ou seja, pela negociação, a busca do entendimento e a conciliação. Na primeira modalidade, usa-se como recurso a guerra. Na segunda, a política. Assim, pode-se definir o fim da Política, como a busca da “solução pacífica dos conflitos”.

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Política, instituiçõesUma forma de se abordar e definir a política é o estudo e o exame de suas instituições e do funcionamento dos sistemas que o compõem. As principais instituições políticas são: I) o Estado, II) os Governos , III) os partidos e IV) os grupos pressão e os grupos de interesse, isto é, os gru-pos da sociedade que atuam politicamente, mesmo de forma indireta.

Política, processosAssim como a política pode ser definida por seus fins e seus recursos, pode-se defini-la, também, pelos processos que utiliza: (a) o processo de tomada de decisões, e (b) a formulação de políticas públicas. A tomada de decisões é uma atividade permanente do poder político, pois tem por objetivo dar respostas imediatas às demandas da sociedade, enquanto a formulação de políticas públicas visa a adotar conjuntos de medidas de aplicação a mais longo prazo para atender aos objetivos do poder político.

Política, recursosOs recursos, isto é, os meios de que se vale a política para alcançar seus fins, são três: poder, influência e autoridade.

PopulismoHá pelo menos três movimentos populistas estimulados por razões di-versas, em diferentes momentos do processo histórico em vários países. O primeiro ocorreu na década de 1870 nos Estados Unidos e exprimiu os ressentimentos e as desilusões de grande parte dos fazendeiros do Oeste do país que se sentiram oprimidos pelas dívidas e pelas promessas não honradas de acesso a terras baratas e tarifas baixas nas ferrovias. O movimento teve início em 1870 e alcançou seu clímax com o Partido Populista e a apresentação de um candidato às eleições presidenciais de 1892, logrando eleger quatro senadores e desempenhando um re-levante papel no Partido Democrático no pleito de 1896, quando se transformou na base mais importante do movimento autodenomina-do “Progressista” do país. O segundo foi um movimento democrático e coletivista no fim do séc. XIX na Rússia que deu nome a essa corrente política. Populista é a tradução da palavra russa narodnik, registrada pela primeira vez no Dicionário Oxford de Inglês, em um artigo subscrito por um dos principais líderes populistas russos, P. Milyoukov. O terceiro exprime, de forma generalizada, as preferências das pessoas comuns por essa palavra. Tão longe quanto as crenças populistas podem ser identi-ficadas, o conceito envolve a defesa das verdadeiras ou supostas tradi-

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ções dos mais desfavorecidos, contra as mudanças que são vistas como transformações impostas por poderosos de fora, que tanto podem ser governos e empresas, quanto quais outras influências. Essas crenças são preponderantemente prevalecentes no seio da pequena burguesia. Entre os movimentos que têm sido encarados geralmente como populistas estão o Peronismo (posto em prática por Juan Domingo Perón, na Ar-gentina), na década de 50 do século passado; o Poujadismo, um movi-mento da mesma época dos pequenos comerciantes contra os impostos que os gravavam no sul da França, liderado por Pierre Poujade que, nas eleições de 1956, conseguiu eleger 52 das 595 cadeiras da Assembléia Nacional francesa. No Brasil, a maior e mais duradoura expressão do populismo foi o ex-Presidente Getúlio Vargas o segundo cidadão que por mais tempo comandou os destinos do país, sendo superado apenas por D. Pedro II. Durante a república liberal de 1946, a maior lideran-ça populista do país foi o ex-governador de São Paulo e ex-candidato à Presidência da República, Ademar de Barros, fundador do Partido Social Progressista, seguido do também ex-Governador paulista Paulo Maluf, ainda hoje atuando na política, muito embora sem o prestígio de que em outros tempos desfrutou. Dadas as características personalistas da política brasileira, o populismo ainda supõe ter vida longa em nosso país.

PositivismoO Positivismo é uma filosofia da Ciência surgida no fim do séc. XIX que sustenta que o conhecimento científico não pode ater-se senão aos fatos decorrentes da experiência dos fenômenos observáveis. O Positi-vismo rejeita a metafísica como um exercício meramente especulativo que nada nos pode ensinar de sólido. Somente a Ciência pode nos apor-tar conhecimentos válidos, uma vez que é fundada sobre a observação dos fatos e dos resultados das experiências. O francês Auguste Comte (1789 – 1857), considerado o pai da Sociologia foi o primeiro a em-pregar o termo “positivismo” para designar sua doutrina. Nos anos 30 do séc. XX, surgiu o “positivismo lógico” do “círculo de Viena”, nome adotado por um grupo de lógicos e sociólogos que se instalou naquela capital. Seu objetivo era reconstruir uma ciência unificada, rejeitando a metafísica e apoiando-se em dois tipos de conhecimentos: (a) aqueles que têm por fundamento os fatos fruto da observação (Positivismo) e (b) aqueles fundados sobre verdades lógicas, donde o nome “positivismo lógico”. No fim de sua vida, Auguste Comte fundou a religião a que deu o nome de Religião da Humanidade, e fundou o “Apostolado Positi-vista”, que tinha como sacerdotisa sua mulher Clotilde de Vaux, sendo

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então substituído por seu discípulo Pierre Lafite. O movimento posi-tivista teve larga repercussão no Brasil na década de 70 do séc. XIX, já no fim do Império e no início da República, tendo influenciado alguns dos líderes republicanos, tanto na esfera das Forças Armadas, de que foi a principal expressão o coronel professor de Matemática Benjamin Constant Botelho de Magalhães, quanto no meio civil, com o paulista Alberto Sales, Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes dirigentes da Sociedade Positivista do Brasil e do Apostolado Positivista. Além do Rio de Janeiro e São Paulo, onde o Positivismo fincou raízes, sua maior expressão fora desses dois centros foi o Rio Grande do Sul, com a ver-tente liderada por Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, denominada “Castilhismo”. O Positivismo deixou sua marca na República, com o dístico que hoje ostenta a bandeira nacional – Ordem e Progresso.

PovoÉ o agrupamento humano que, mesmo habitando um ou mais territó-rios, não desfrutando de soberania e não dispondo de um governo, pode constituir uma Nação mas não um Estado. Isto significa que uma nação pode ser constituída de vários povos. Mas vários povos não constituem, necessariamente uma nação.

PrefeitoDo latim præfectu que significa “posto como chefe”, era o dirigente má-ximo das prefæcturæ no Império Romano, de onde nos veio essa institui-ção. O prefeito é o chefe do Executivo Municipal, sendo o Município a entidade política e administrativa tanto do regime federativo, como o adotado no Brasil, com a Constituição Republicana de 1891, quanto em alguns Estados unitários, como a França, por exemplo, onde os pre-feitos exercem o cargo de dirigentes dos Departamentos que equivalem, nas Federações às unidades políticas que as integram, os Estados. Os governos municipais, eleitos pelo mesmo corpo eleitoral que escolha os demais mandatários do povo, constituem o poder local dotado de auto-nomia administrativa, considerado o mais relevante dos poderes políti-cos. Em primeiro lugar por ser aquele mais próximo da população e, em segundo lugar, por que os Estados nas Federações e os Departamentos nos sistemas unitários não passam de ficções jurídicas, já que, segundo o antigo lema do movimento municipalista “ninguém mora nem nos Estados nem na União, mas sim nos municípios”. Esse denominado “poder local” adquire ainda maior expressão política, por ser aquele em que mais facilmente se pode praticar a chamada “democracia direta”, com a realização de referendos, plebiscitos e iniciativas populares. Na organização política brasileira, os municípios dividem-se em distritos,

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administrados por subprefeitos, designados pelo Prefeito, como cargos de confiança, sendo que nos municípios das Capitais dos Estados, costu-mam ser divididos em regiões administrativas. A organização política e administrativa municipal, no Império, estava prevista nos arts. 167, 168 e 169 da Constituição de 25 de março de 1824: “Art. 167 – Em todas as cidades e vilas ora existentes, e nas mais que para o futuro se criarem, haverá câmaras, às quais compete o governo econômico e municipal das cidades e vilas. Art. 168 – As câmaras serão eletivas e compostas do número de vereadores que a lei designar, e o que obtiver maior número de votos será presidente. Art. 169 – O exercício das funções municipais, formação das suas posturas policiais, aplicação de suas rendas, e todas as suas particulares e úteis atribuições, serão decretadas por uma lei regu-lamentar”. Essa regulamentação foi adotada pela Lei de 1o de outubro de 1828, logo na primeira legislatura do Parlamento, “criando em cada cidade e vila do Império, Câmaras Municipais”. Essa organização vinha do período colonial, em que a administração das vilas e cidades estava prevista o título 65, § 73, do Livro 1o da Ordenações Filipinas de 1603, editadas pelo Rei Felipe de Espanha, em virtude da união real das duas coroas, entre 1580 e 1640, em face da morte, sem deixar herdeiros do Rei D. Sebastião, de Portugal, morto na batalha de Alcáver-Quibir. O art. 24 dessa lei dispunha que “as Câmaras são corporações meramente admi-nistrativas, e não exercerão jurisdição alguma contenciosa”. O art 23, por sua vez prescrevia: “Não podem servir de Vereadores conjuntamente no mesmo ano e na mesma Cidade ou Vila, pai, filho, irmãos ou cunhados, enquanto durar o cunhadio, devendo no caso de serem nomeados, prefe-rir o que tiver o maior número de votos”. Outra disposição relevante, era a do art. 28: “O Vereador que tiver impedimento justo o fará constar ao Presidente; e se faltar sem justificado motivo, pagará nas cidades quatro réis, e nas Vilas dois réis, para as obras do Conselho, que o Secretário carregará logo em receita. Faltando os Vereadores atuais, chamar-se-ão os imediatos em votos, quando o impedimento passar de quinze dias, ou a urgência e importância dos negócios exigir o número completo dos Vereadores”. Durante a República a administração municipal manteve virtualmente a mesma administração, dispondo a Constituição de 24 de fevereiro de 1891, em seu Título III, dedicado aos Municípios que “Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”. A admi-nistração passou a ser matéria de competência estadual, mas todos os Es-tados mantiveram a organização municipal sem grande alterações. Em alguns deles, os presidentes das Câmaras exerciam, cumulativamente, o cargo de prefeito, então denominado Intendente municipal.

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PresidencialismoAo contrário do Parlamentarismo*, o Presidencialismo é o sistema de governo que se baseia na separação dos Poderes do Estado, se-gundo estipulou Montesquieu (1689 – 1755) em sua obra clássica O Espírito das Leis. Até sua morte, o mundo só conhecia uma forma de governo, a Monarquia, uma forma de Estado, o Estado unitário, e embrionariamente, como na Grã-Bretanha, um sistema de governo, o Parlamentarismo. Com a Independência dos Estados Unidos, em 1776 e a promulgação de sua Constituição em 1787, instalou-se no país uma nova forma de governo, a República, uma nova forma de Estado, a Federação, e um novo sistema de governo, o Presidencialis-mo. As Repúblicas por sua vez, podem adotar tanto o sistema presi-dencialista de governo, como os Estados Unidos, quanto o sistema parlamentarista, como a Itália. E os Estados, sob o regime republi-cano, tanto podem ser unitários, como a França, quanto federativos, como o Brasil. As incompatibilidades existem apenas entre Monar-quia e República. Uma distinção essencial entre Parlamentarismo* e Presidencialismo reside em que naquele há uma delegação de poderes, entre o Legislativo que escolhe e elege o Executivo, e neste há uma completa separação de poderes entre o Legislativo e o Executivo. O Parlamentarismo, por outro lado, tanto pode ser praticado nas Repúblicas, como na Alemanha, quanto nas Monarquias, tal como na Espanha. E tanto nas Repúblicas quanto nas Monarquias parla-mentaristas há uma divisão de poderes entre o Chefe de Estado e o Chefe de Governo. Nas monarquias, que são necessariamente par-lamentaristas, o rei, Chefe de Estado, reina mas não governa, quem governa é o Gabinete de Ministros, dirigido por um Primeiro-mi-nistro. Nas Repúblicas parlamentaristas, o Presidente, Chefe de Es-tado, também não governa e quem dirige o governo é o Gabinete de Ministros, dirigido por um Primeiro-ministro. Para simplificar, o quadro abaixo mostra como se classificam os Estados, os Governos, os sistemas de governo:

Forma de Estado Forma de Governo Sistema de Governo Regime político Unitário Monárquico Parlamentarista Democrático Federativo Republicano Presidencialista Autocrático

A implantação da República Federativa, que adota a forma de governo republicano e o sistema presidencialista representou uma revolução no sistema político. No Brasil, não foi diferente. Durante os 67 anos que vão da Independência à República, vivemos sob uma monarquia, num

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Estado unitário que adotava algumas práticas parlamentaristas e éra-mos um Estado de Direito não democrático, caracterizado pelo poder pessoal do Imperador que tanto exercia as funções de chefe de Estado, quanto as de chefe do Governo. Com a República, passamos a ser um Estado federativo, trocamos a monarquia pela República e as práticas parlamentaristas pelo presidencialismo, com a separação dos Poderes. Nas monarquias parlamentaristas democráticas, como as que sobrevi-vem na Europa, o rei não tem maior protagonismo político. Exerce as funções cerimoniais de chefe de Estado e, nominalmente, de coman-dante-em-chefe das Forças Armadas, mas quem toma as decisões é o Gabinete, coletivamente ou o Primeiro-ministro. Nas repúblicas presi-dencialistas democráticas, não havendo a separação de poderes, que são “harmônicos e independentes”, como prescreve a nossa Constituição, o protagonismo político, como Chefe de Estado e Chefe de Governo, é do presidente da República. Mas tal como no Parlamentarismo, que ad-mite modalidades e variações nas práticas do regime, o que nos permite falar em Parlamentarismos no plural, mais do que no singular, também na forma de governo Republicana, admitem-se variações em sua prática, como por exemplo, nos Estados Unidos, embora a escolha dos ministros seja atribuição privativa do Presidente, sua posse e exercício depende da ratificação do Senado, como ocorre em relação aos ministros dos regi-mes parlamentaristas que são uma delegação da maioria parlamentar.

ProletariadoUma classe de salariados dos regimes capitalistas, cujo único bem material é a própria força de trabalho. Embora o termo já fosse conhecido, por sua origem latina, proletariu, – denominação dada aos integrantes da última classe da hierarquia estabelecida em Roma por Sérvio Túlio, considerado útil apenas pelos filhos proles que gerava – foram Marx e Engels que popularizaram o termo, ao defini-lo como a classe que só podia viver de sua força de trabalho, e nunca como a burguesia, a classe dominante que podia obter renda do capital que possuía e dos lucros gerados pela pro-priedade dos meios de produção. Embora a designação seja utilizada hoje, para indicar genericamente a classe trabalhadora, na verdade nada tem a ver com a definição dada por Engels, em seu livro Principles of Comunism (Princípios do Comunismo), publicado em 1847, o qual sustentava que embora eles continuassem a ser parte da classe trabalhadora, como sem-pre tinham sido os pobres, eles nunca deixariam de ser os proletários que eram, nas condições em que viviam no séc. XIX.

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QUANGOSigla da denominação em inglês de Quasi non-governmental organization (Organização quase não governamental), termo criado por Alan Pifer, presidente da Fundação Carnegie, nos Estados Unidos, para designar uma organização criada e mantida pelo governo, para desenvolver os mais variados tipos de atividades, sejam elas típicas de governo ou não, à qual se concede independência operacional. Trata-se, em suma de uma ONG* oficial. Nos Estados Unidos, observando a proximidade com o governo na operação de algumas Quangos, os cientistas políticos preferem usar o termo para designar não uma Quasi non-gorvernmental organization, mas, ao contrário, uma Quasi-governmental organization, ou seja, uma ONG criada e mantida pela iniciativa privada que presta serviços ao governo. Na Inglaterra se manteve a primeira versão, isto é, a usada para criar enti-dades criadas pelo governo, como a BBC, a Agência de Desenvolvimento de Gales ou a Comissão para a Igualdade Racial, enquanto nos Estados Unidos prevalece a segunda versão. No Brasil, as Quangos são uma forma especial de entidade privada que presta serviços ao poder público, deno-minadas OSCIPs e constituem uma modalidade das ONGs.

QuorumÉ, tanto na linguagem corrente, quanto no vocabulário parlamentar, “o nú-mero mínimo de pessoas presentes exigido por lei ou estatuto para que um órgão coletivo funcione”, segundo define o Aurélio. O quorum varia, tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado, tal como nas sessões conjuntas das duas Casas do Congresso, de acordo com o procedimento aplicável na tramitação dos projetos ou na realização dos diferentes atos do

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processo legislativo que devem ser cumpridos para a aprovação de projetos e propostas submetidos a cada Casa. A apresentação de um projeto de lei, por exemplo, é ato individual de cada parlamentar e exige a assinatura apenas de um autor, deputado ou senador. Tratando-se de uma proposta de emenda parlamentar (PEC), o número mínimo de assinaturas exigido é de 1/3 dos membros do Senado ou da Câmara. O que vale para as proposições, vale também para os diferentes passos do processo legislativo. Para a abertura das sessões, o Regimento da Câmara exige a presença da “décima parte do número total de deputados, desprezada a fração” (art. 79, § 2o). Como o to-tal de deputados é de 513, o quorum para que as sessões possam ser abertas é de 52 dos membros da Casa. O do Senado, por sua vez, impõe a presença, no recinto das sessões de “um vigésimo da composição do Senado” (art. 155). Como são 81 senadores, o número mínimo para abrir as sessões é de cinco senadores. Na Câmara, além dos quoruns exigidos em cada caso, o Regimento ainda prescreve quatro outras modalidades de quoruns específi-cos: (1) quorum de apoiamento, para que uma proposição seja apreciada prio-ritariamente pelo plenário, por exemplo, art. 158, § 2o, inciso III; (2) quorum especial, para que um projeto seja submetido à votação nominal, e não pelo processo eletrônico, art. 186, inciso I; (3) quorum mínimo para apresentação de emendas às propostas de emenda à Constituição, na Comissão Especial que deva apreciá-las, art. 202, § 3o, e (4) para tramitação de qualquer projeto em regime de urgência, art. 152, § 1o, inciso II. A exigência do quorum, em todos os Parlamentos democráticos do mundo, constitui uma poderosa arma das oposições, para a prática da Obstrução*.

Questão socialChama-se “questão social” um dos maiores desafios criados pela chamada “segunda Revolução Industrial”, ocorrida no séc. XIX, com o auge do pro-cesso de industrialização. O desenfreado liberalismo econômico, em nome do qual se proclamou a liberdade santificada dos contratos ente os patrões, detentores do capital e dos meios de produção, e os proletários, sem outro bem que sua força de trabalho, gerou, sobretudo nos países mais industriali-zados, como a Inglaterra, um processo brutal de exploração da força de tra-balho. O trabalho infantil e o uso intensivo da mão-de-obra feminina, sem limitações, com jornadas que chegavam a mais de 12 e até 14 horas diárias, provocaram a desagregação das famílias, o empobrecimento generalizado dos trabalhadores, a fome e condições miseráveis de vida. Movimentos con-tra o uso das máquinas, que causavam desemprego, como o dos “ludistas” que lideraram um movimento para a quebra das instalações industriais era, na Inglaterra, um dos resultados desse universo sem outras regras que o poder desenfreado e sem limites do auge do capitalismo industrial. Foi tal o

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excesso dessa incontida liberdade na exploração da mão-de-obra que levou Marx (1818 – 1883) a afirmar que o servo da gleba, quando comparado ao operário do séc. XIX, desfrutava de tais condições de vida que o feudalis-mo podia ser considerado a “idade de ouro” da força de trabalho, quando confrontada com a “idade de ferro” em que viviam os operários, no auge do processo de industrialização. No Dicionário de Política de Galvão de Sou-za, Clovis Garcia e Teixeira de Carvalho, os autores citam as palavras com que o francês La Tour de Pin, em sua obra publicada em 1942, Sobre uma Ordem Social Cristã descreveu o que era a concepção predominante durante o séc. XIX sobre as condições de vida das relações de trabalho entre empre-gados e empregadores: “A liberdade da indústria, tal qual a entende nossa legislação liberal, é a liberdade dos ladrões e o aprisionamento dos homens honestos reduzidos à miséria. A desorganização social em que vivemos no mundo trabalho gera males incalculáveis, de que nossos legisladores não conseguem suspeitar. Outrora, 1/10 da população estava numa situação precária. Atualmente são 9/10”. Foi nesse ambiente de revolta, impotência e indignação que ganhou força o movimento sindical permitindo a orga-nização dos trabalhadores, com o surgimento e o fortalecimento do movi-mento sindical. Eles tiveram que vencer resistências de toda ordem e reagir à violência da repressão policial, com as armas da greve e do boicote, seu único instrumento eficaz de reação, preconizando melhores salários, regras para contar os excessos a que eram submetidos com jornadas de trabalho sem limites e condições insalubres nas fábricas. No Brasil, o último país a abolir a escravidão, já no fim do séc. XIX, a questão social só aflorou com a imigração estrangeira promovida para substituir a mão-de-obra dos escravos. Anarquistas, socialistas e anarco-sindicalistas sobretudo italianos e espanhóis, mesmo submetidos à dura repressão da chamada “lei celerada”, que permitia a expulsão de estrangei-ros, sem qualquer processo, fomentaram as idéias de liberdade, igualdade e fraternidade que tinham embalado os sonhos da burguesia durante a Revolução Francesa no fim do séc. XVIII. O despertar da consciência nacional para essa questão que tinha nutrido a consciência de classe dos trabalhadores em toda a Europa Ocidental no séc. XIX, só ocorreu no fim da República Velha e a vitória da Revolução de 1930. Foi essa nova ordem que permitiu, com a criação do Ministério do Trabalho, a legislação tra-balhista promulgada por Getúlio Vargas, em 1943, em plena ditadura do Estado Novo e a lei sindical de 1938, que o país, enfim, começasse a ter consciência da “questão social” que um século antes na França, com a re-volução operária de 1848, abalou os alicerces dos excessos do liberalismo não intervencionista, para adotar como dogma a intervenção do Estado para amenizar os excessos das relações entre o capital e o trabalho.

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“Recall”Termo em inglês que significa “chamar de volta”. É o processo segundo o qual uma autoridade pode ser submetida a uma eleição para que perca seu mandato, antes do termo legal, e que exige um número mínimo de votos para produzir efeito. O recurso do recall é previsto em inúmeros casos nos Estados Unidos, especialmente a nível estadual ou local, mas é raramente utilizado. De acordo com o Dicionário do Voto do prof. Walter Costa Porto, esse instituto político teria se originado em Los Angeles, nos Estados Unidos, em 1903, mas foi, na realidade, previsto naquele país, nos Artigos da Confederação, “reservando aos Estados o direito de destitui seus delegados ao Congresso e enviar outros em seu lugar”. No Brasil, segundo o mesmo autor, a possibilidade foi prevista mas não chegou a se materializar, no decreto de 16 de fevereiro de 1822, de D. Pedro, então regente do Brasil, que convocou o Conselho de Procuradores das Províncias. Mais tarde, foi igualmente incluído nas Constituições republicanas de 1891 do Rio Grande do Sul (arts. 98 a 102), na de Goiás, do mesmo ano (art. 56) e nas de Santa Catarina, de 1892 e 1895, respectivamente nos arts. 14 e 25, e São Paulo, também de 1891, art. 6o, § 3o. Mas de acordo com o que registra o prof. Costa Porto, não se tem notícia de que tenha sido aplicada essa sanção alguma vez no país.

Recesso parlamentarDenomina-se recesso parlamentar os períodos previstos na Constituição em que o Congresso Nacional não funciona, seja entre uma sessão legislativa e ou-tra, seja no no intervalo entre duas legislaturas*. No Império, quando a Câmara podia ser dissolvida ou ter suas reuniões adiadas ou prorrogadas, correspondia também ao período em que não funcionava o Parlamento, por dissolução da

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Câmara temporária, ou pelo adiamento do período ordinário de suas sessões. Desde a 1a Legislatura em 1826, até a Constituição de 1934, o Parlamento do Império e o Congresso republicano, a sessão legislativa durava quatro meses, tendo início em 3 de maio e se prolongando até 3 de setembro. O período de sessões estava previsto: (1) na Constituição de 1824, nos arts. 17 e 18; (2) na Constituição republicana de 1891, no art. 17; (3) na vigência da Constituição de 1934, a sessão legislativa passou a durar seis meses, iniciando-se também em 3 de maio; (4) sob a Constituição de 1946, o período ordinário de sessões era de 10 meses ininterruptos, de 15 de março a 15 de dezembro (art. 39); a Emenda Constitucional no 17, de 26 de novembro de 1965 alterou o funcio-namento da sessão legislativa ordinária para 1o de março a 30 de junho, e de 1o de agosto a 1o de dezembro; (5) na Constituição de 1967, as sessões iam de 1o de março a 30 de junho e de 1o de agosto a 30 de novembro (art. 31); (6) Já a Emenda Constitucional no 1, de 17 de outubro de 1969, estipulou o período de funcionamento ordinário do Congresso entre 31 de março e 30 de novem-bro (art. 29) e (7) Por fim, a Constituição de 1988 dispôs que o Congresso reunir-se-ia anualmente, “de 15 de fevereiro a 30 de junho e de 1o de agosto a 15 de dezembro”. De acordo com o § 4o, no primeiro ano da legislatura, as reuniões começam não em 15, mas em 1o de fevereiro, em sessões preparató-rias para a posse de seus membros e eleição das respectivas mesas. Como se vê, nos 180 anos que vão de 1826 aos dias de hoje, o período de sessões foi sendo paulatinamente aumentado de três para nove meses, tendo havido fases, como sob a Constituição de 1946 em que o Congresso chegou a funcionar por dez meses consecutivos.

ReferendoJuridicamente, é o termo empregado no sentido de aprovar ou submeter à aprovação dos eleitores, ato já praticado, como ocorreu no referendo de 23 de outubro de 2005, em que os eleitores foram chamados a aprovar ou rejeitar a disposição do art. 35 do Estatuto ou lei do Desarmamento, que proibia o comércio de armas de fogo e munição.

Representação, teoria da O verbo representar, do latim representare, é uma das palavras mais ricas do lé-xico. Somente na língua portuguesa, tem, segundo o Aurélio, dezoito diferentes significados. Etimologicamente, significa o ato de fazer presente alguém que está ausente, segundo explica o prof. Giovanni Sartori, em seu livro Elementos de Teoria Política, ou seja apresentar-se em lugar de outro. Para a Ciência Po-lítica, interessam apenas três desses significados e um conceito deles derivado, o que deu origem à Teoria da Representação. Encarada como um conceito teórico, a representação tem, ao mesmo tempo, significado jurídico, sociológico e político, com acepções inteiramente distintas:

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a) no campo do direito, a teoria da representação significa um mandato de-legado a alguém para que cumpra uma tarefa específica, dentro dos limites que são previamente estabelecidos pelo mandante. Como o mandatário exerce ou manifesta a vontade de quem lhe outorgou poderes, diz-se que este é um mandato imperativo, ou seja, o delegado é um simples executor da vontade alheia, sem qualquer autonomia. Exemplo típico é a procuração que alguém outorga a seu advogado, para representá-lo em qualquer ato da vida jurídica;b) no campo da sociologia, representação tem o significado de represen-tatividade, isto é, de semelhança ou de proporcionalidade da parte com o todo. Quando dizemos que alguém representa a sua classe, por exemplo, estamos nos referindo a uma pessoa que tem as mesmas características da classe a que pertence. Trata-se, portanto, de uma condição que, por simi-litude, exprime os requisitos gerais de um conjunto. Logo, usa-se o termo para designar que algo é ou deixa de ser representativo, na medida em que se aproxima ou não dos atributos gerais de um grupo. É uma faculdade intrínseca, e não atribuída por alguém, como no campo jurídico. A repre-sentação sociológica chama-se por isso, também, representação por espelho; c) finalmente, no campo da ciência política, representação é sinônimo de responsabilidade. Ao contrário do que ocorre com a delegação de cunho ju-rídico, aquele que exerce um mandato político não está vinculado à vontade de quem lhe outorga os poderes de representá-lo. Ele é um executor dotado de autonomia e, portanto, responsável perante seu(s) mandante(s), razão de dizermos que se trata de uma relação fiduciária (do latim fidúcia, que quer dizer confiança). A confiança, por isso mesmo, pode não ser renovada pelo eleitor, quando deixa de votar no candidato por ele escolhido no(s) pleito(s) anterior(es). O filósofo e político inglês Edmundo Burke (1729 – 1797) foi o grande teórico do mandato fiduciário, no séc. XVIII.

Embora a representação política seja uma espécie do gênero representação, isto não significa que esse conceito esteja desvinculado de outras formas de repre-sentação, como a de caráter sociológico ou de cunho jurídico. Ambos os crité-rios, aplicam-se, também, à representação política. Se dizemos que um Estado está sub ou sobre-representado no Congresso fica evidente que estamos nos referindo ao aspecto sociológico da representação, isto é, à circunstância de que a representação política desse Estado não exprime adequadamente seu peso, importância ou influência, no conjunto da Federação. O mesmo ocorre quan-do constatamos que as mulheres ou os artistas não estão proporcionalmente representados na política, em relação à sua presença na sociedade. Isto importa em dizer que essa presença na política não é tão representativa quanto na so-ciedade. A diferença, nestes casos, é que a representação política, ao contrário da representação sociológica, não é simétrica (proporcional). Esses mesmos vínculos ocorrem entre a representação política e a representação jurídica. Elas

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têm, como vimos, características e peculiaridades que as distinguem entre si. Nesta última está implícita a idéia de um mandato de caráter imperativo, que submete a ação do mandatário aos limites impostos pelo mandante, enquanto o mandato político não tem esse caráter, ou seja, não é vinculante. O vínculo entre ambos, no entanto, está expresso na idéia de que os mandatos políticos se revestem de formas jurídicas, na medida em que são normas de diferente hierarquia (Constituições, leis, regimentos, etc.) que estabelecem a maneira pela qual os mandatários são escolhidos, exercem suas atribuições, ou podem ser responsabilizados, inclusive cessados. Esta simbiose pode ser melhor en-tendida quando constatamos que a representação política cumpre esse duplo papel, o de ser representativa sob o ponto de vista sociológico, na medida em que guarda relação, ainda que assimétrica com a população ou com o eleitora-do, e a de se materializar através de mandatos que, mesmo distintos daqueles que estão previstos no campo do direito privado, são definidos, exercidos e se desenvolvem de acordo com normas de cunho jurídico.Entendidas essas distinções e esses vínculos, podemos definir a representa-ção política, como o faz Maurízio Cotta, no Dicionário de Política de Bobbio, Mateucci e Pasquino, dizendo que ela é um mecanismo político particular para a realização de uma relação de controle (regular), entre governantes e governados. Ou então, de forma mais completa, como registra esse autor no Manual de Ciência Política, ao afirmar que é uma relação de caráter estável, entre cidadãos e governan-tes em razão da qual os segundos estão autorizados a governar em nome e de acordo com os interesses dos primeiro e estão sujeitos a uma responsabilidade política de seus próprios comportamentos, por meios de mecanismos institucionais eleitorais. Por isso é que dizemos que os regimes democráticos são “representativos”.

RepúblicaRepública, do latim res + publica, significa coisa pública, os assuntos de inte-resse público, que os gregos designavam politeia. Assim como política era para eles tudo que se referisse à cidade polis, o que dizia respeito à sua administra-ção era designado por politeia. República em sua origem latina, portanto era o mesmo que politeia para os gregos, ambos os conceitos têm o mesmo sentido. A cidade do gregos, tinha também outra designação para os romanos, status, em português deu Estado. Como o Estado romano, mudou de forma várias vezes, tendo adotado a forma monárquica, republicana, a de consulado e a de império, que foram as principais, dizia-se, durante a república exatamente status rei publicæ, ou seja, o Estado republicano. Na Itália pós-império romano, sobreviveram diferentes formas de repúblicas independentes, como a Serenís-sima República de Veneza e a de Florença que, contudo, já não tinham relação direta, nem com a República existente durante uma fase do império romano, nem com as repúblicas atuais. Depois do fim da Idade Média e do advento da Idade moderna, os diferentes países da Europa Ocidental se organizaram

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sob a forma de monarquias absolutas, responsáveis pela centralização dos Es-tados com base nas diferentes nacionalidades, daí serem chamados de Estados nacionais. O primeiro que se organizou de forma diversa, adotando a antiga denominação de República, não mais com uma autoridade absoluta, fonte de toda autoridade e poder, mas sob a forma de uma federação de pequenos Es-tados foi a República federativa dos Estados Unidos. Até hoje não se conhece forma diversa de organização política dos Estados e dos respectivos sistemas de governo. Os Estados ou são unitários ou são federados, e os sistemas de governo ou são organizados como monarquias ou como Repúblicas. Podemos defini-la, portanto, como a forma de organização do Estado, em que o poder se constitui não segundo o princípio da hereditariedade, mas segundo o princípio da elegi-bilidade. É, também, ao contrário da monarquia em que esse poder é vitalício, o sistema em que esse poder é temporário, correspondente à duração estabelecida para os mandatos. Por último, tanto nas monarquias que não são regimes abso-lutistas, tanto quanto nas repúblicas que são parlamentaristas, ambas as formas se distinguem pelo fato de que nas monarquias democráticas, há uma separação entre as funções do Estado e as do Governo. Por isso, são poderes exercidos por autoridades diferentes. Nas monarquias, a chefia do Estado é função delegada ao monarca, rei ou imperador, e a do governo a um Primeiro-ministro ou um Conselho de Ministros, da mesma forma que, nas Repúblicas parlamentaris-tas essas funções são exercidas também divididas entre um Presidente da Re-pública e um Primeiro-ministro ou Conselho de Ministros e nas Repúblicas presidencialistas não há essa repartição: o Presidente acumula as funções tanto de chefe de Estado quanto a de Chefe do Governo. Monarquia e República, portanto, são formas antinômicas da organização do Estado; Monarquia e Re-pública formas antinômicas da organização do Governo e parlamentarismo formas antinômicas da organização dos sistemas de governo.

RetóricaRetórica, dialética*, oratória, silogismo, sofisma e eloqüência são palavras, con-ceitos e designações que caminham juntas, para explicar uma atividade que seguramente se desenvolveu entre os gregos. Retórica é de origem grega, rhe-toriké que, segundo o Aurélio, deve-se entender como téchne, ou seja, arte ou técnica da oratória, a arte de bem falar, de se exprimir de forma eloqüente, com elegância, correção e precisão. Em sentido depreciativo, indica “discurso de for-ma primorosa, porém vazio de conteúdo”. Eloqüência, por sua vez, provém do latim eloquentia, “capacidade de falar e exprimir-se com facilidade”. Significa também “A arte e o talento de persuadir, convencer, deleitar ou comover por meio da palavra”. Dialética*, é igualmente de origem grega, dialektiké, tam-bém entendida como uma téchne, “arte do diálogo e da discussão, quer num sentido laudativo, como força de argumentação, quer no sentido pejorativo, como excessivo emprego de sutilizas” conforme ainda o Aurélio. Na História

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da Filosofia, dialético foi o método empregado por Hegel, para definir que o processo racional procede sistematicamente da união incessante dos contrários – a tese e a antítese – que se fundem numa categoria superior, a síntese que contem elementos de ambas. Marx que se inspirou na dialética hegeliana, a definiu como a descrição exata do que é real. Silogismo, igualmente recurso da arte retórica, também de origem grega, syllogismós, é a dedução segundo a qual, “postas duas proposições que se chamam premissas, delas, por inferência se tira uma terceira, que se denomina conclusão”. Sofisma, por fim, em grego sóphysma, tem em português um sinônimo, falácia. É “o argumento aparente-mente válido, mas, na realidade, não conclusivo, e que supõe má-fé por parte de quem o apresenta”. É, por extensão, um argumento falso, formulado de pro-pósito para induzir alguém a erro. Afirmamos que nasceu na Grécia, onde o exercício de várias formas de democracia direta, com suas assembléias, como a Ecclesia, reunida na Ágora, estimulavam todos a participar das decisões, como o julgamento de Sócrates, por exemplo, e a falar, tendo, portanto, necessidade de praticar a oratória, valendo-se não apenas da eloqüência, mas também dos demais recursos retóricos, como a argumentação, a dialética, os sofismas e os silogismos. O maior de todos os oradores gregos foi Demóstenes (384 – 322 a. C.) famoso por suas Filípicas, a série de discursos contra Felipe, rei da Ma-cedônia, da mesma forma que em Roma Cícero se tornou famoso por seus discursos no Senado contra conspiração de Catilina, denominados por isso de Catilinárias. É de um grego, porém, que nunca pronunciou discursos, nem se dedicou à oratória, o primeiro livro sobre o assunto, Arte Retórica, seguido de outro, Arte Poética, mesmo não sendo poeta. Mas foi como filósofo que Aristóteles teria deixado os fragmentos que constituem ambos os textos, es-senciais, ambos, à arte da oratória, que distingue a eloqüência dos eruditos da fala comum dos mortais.

RevoluçãoO termo revolução deriva do italiano rivoluzione e deriva da idéia de uma sú-bita e inesperada volta do destino, esperada pelos astrólogos em determinadas conjunções na revolução dos planetas. Revolução é a volta que eles dão em tor-no das estrelas, a cujo sistema pertencem, ao contrário da rotação que é a volta em torno de si mesmos, como os que provocam na Terra a sucessão dos dias e das noites. Como se supunha que as freqüentes e sucessivas trocas e derruba-das dos governantes dos Estados italianos ao longo do séc. XV era fruto desse movimento brusco nos seus destinos, os golpes de Estado que os derrubavam passaram a ser chamados de revoluções. O conceito foi utilizado pela primeira em 1662, por Edward Hyde, primeiro conde de Clarendon, para referir-se à restauração do rei Carlos II e, mais tarde para descrever a queda do rei Jaime II, dando origem à crença de que uma ordem ideal poderia ser estabelecida mediante mudanças dessa natureza, dando origem à idéia do Jacobinismo*, uti-

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lizado na França pelo Clube dos Jacobinos. Karl Marx (1818 – 1883) deu à essa palavra o sentido atual, mais técnico, a derrubada de governos ou regimes mediante o uso da força, embora a linguagem popular continue a utilizá-la para designar movimentos de que resultem apenas a derrubada de um gover-no sucedido pela ascensão de outro com iguais ou semelhantes características. Atualmente, os especialistas em Ciências Sociais preferem usar o termo para designar os períodos históricos que impliquem, mais do que uma troca de re-gime, uma reconstituição ou reconstrução de uma nova ordem política, social e econômica. São as “magnas revoluções”, como designou tais movimentos o americano Lyford Edwards para indicar aquelas que vão unidas a importantes mudanças sociais, como a guerra civil inglesa de 1642 – 1649, a americana de 1776 – 1787, a francesa de 1789 – 1815, a comunista na Rússia de 1917 e a chinesa de 1949. A análise da Revolução como fenômeno político se viu condicionada pela ausência de definições precisas por ser extremamente raro o número de autores que atribuem caráter social às revoluções mais conhecidas, que não ultrapassaria, ao longo de toda a História, mais de duas dezenas. O termo revolução se aplica indistintamente ao processo de desencanto com um regime, ao fato de sua derrocada, ao programa do novo regime e ao mito com que este legitima sua tomada do poder. Não é de se estranhar que alguns au-tores tenham evitado completamente o uso desse termo. Outros focalizam de diferentes maneiras o problema da troca política violenta e a transformação da sociedade. O fato é que, se as revoluções sociais são raras, as de natureza política são bem mais freqüentes.

Revolução culturalFoi a expressão cunhada na China, para o movimento desencadeado por Mao-Tsé-Tung (1893 – 1976) a partir da XI reunião do Comitê Central do Partido Comunista Chinês em 1966, quando o “Grande Tnoneiro”, como era cognominado pelo povo, fez aprovar os 16 pontos de um programa denomi-nado de “Revolução cultural”, cujo objetivo era reformar a mentalidade dos cidadãos, mais do que simplesmente transformar as instituições. Na verdade, era uma tentativa de dinamizar a revolução política que destruiu o antigo regime e instalou o sistema comunista. Apoiado pela Guarda Vermelha, o movimento se disseminou em todo o país, inclusive com o apelo freqüente à violência que levou à destituição do presidente da República Liu Shao Chi que ocupava o cargo desde 1959 e do secretário-geral do Partido Deng Shiao Ping que em 1975 voltou triunfante ao poder, para promover a abertura da China ao mundo exterior, provocando a abertura e a revolução econômica que terminou levando o país à condição de quarta potência mundial. A re-volução “cultural” não era uma idéia original dos chineses e menos ainda de Mao Tsé Tungg, mas sim do socialismo, desde suas concepções originais que pregavam a criação de um “homem novo” que segundo os marxistas, surgiria com a implantação do socialismo.

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SenadoA divisão e a especialização dos Poderes do Estado é uma das carac-terísticas do Estado democrático de Direito, desde que o princípio foi estabelecido na Filosofia política pelo inglês John Locke e pelo fran-cês Montesquieu e, na prática política, pela Constituição americana de 1787 e pelo art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cida-dão da França, de 1789. A partir de então, essa tornou-se uma das ga-rantias dos Estados contemporâneos que adotaram a democracia como regime político. É preciso ressalvar, contudo, que nos sistemas políticos que adotam o Parlamentarismo*, não há divisão, mas ao contrário uma delegação da maioria do Legislativo que escolhe e aprova o Executivo e o destitui, sempre que o Gabinete ou Conselho de Ministros, perde a confiança política em decorrência da qual se investiu no poder. O bicameralismo, por sua vez, embora não seja uma opção privativa dos Estados Federados, já que países unitários como a Inglaterra, a Itália e a França, por exemplo, também o adotam, é um imperativo da organiza-ção federativa dos Estados. Nessa modalidade de organização espacial do poder, segundo o modelo americano, a primeira Câmara, também chamada de Câmara baixa é composta dos representantes do povo, e a segunda, também denominada Câmara alta, ou Senado, é integrada pelos representantes dos Estados. Por isso se diz que o Senado é a re-presentação dos Estados e, nos regimes federativos, fiador da igualdade deles, perante a União. Senado é palavra latina, derivada de senior, plural seniores, o(s) mais velho(s) e constituía, na Roma republicana, uma das principais magis-traturas, sendo composto, inicialmente, de 300 membros. Até a lei Oví-

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nia (312 a.C.) eles eram escolhidos pelos cônsules, mas essa lei trans-feriu esse encargo aos censores, que já tinham o poder de renovar a lista de seus componentes, em cada censura. Sila, no entanto, elevou o seu número para 600. O Senado romano era constituído, em sua quase totalidade, dos magistrados anteriormente eleitos pelo povo, sem dis-tinção entre patrícios e plebeus, ressalvada a ocupação, pelos primeiros, das duas funções do antigo Senado patrício: a patrum auctoritas, isto é, a sanção das resoluções votadas pelos comícios por cúrias ou por centúrias, para que tivessem força obrigatória, e o interregnum, a ocupação, por até cinco dias, do consulado, em caso de vaga. Segundo ensina o prof. José Carlos de Matos Peixoto, em seu Curso de Direito Romano, “teoricamen-te o Senado era apenas uma corporação consultiva, mas pouco mais ou menos até a segunda guerra púnica (contra Cartago, no norte da África, na atual Tunísia), ele tornou-se o verdadeiro centro de governo e sua atuação fazia-se sentir nos diversos setores da administração pública. Toda a política externa, desde então, ficou a seu cargo e nenhuma de-claração de guerra era proposta aos comícios, sem a sua audiência. Além disso, consultavam-no os magistrados sobre os mais variados assuntos, e dele recebiam instruções os pretores. Em caso de salvação pública, o Senado às vezes se constituía em corte marcial, decretando condenações independentemente de provocação, como sucedeu aos conjurados da conspiração de Catilina, contra quem Cícero, considerado o maior ora-dor romano, pronunciou a série de famosos discursos, conhecidos como as Catilinárias. Nos Senados contemporâneos, os seus integrantes, como representantes dos Estados, têm representação igualitária, como ocorre nos Estados Unidos, com dois senadores por Estado e, no Brasil, de três por Estado e o DF. Os seus mandatos têm sempre duração mais longa. Na Inglater-ra, um país unitário, a Câmara alta é chamada de Câmara dos Lordes, porque originariamente representava a nobreza e seus mandatos são vi-talícios. No Brasil, durante o Império, entre 1826 e 1889, como éramos um Estado unitário, o número de senadores de cada província era igual à metade menos um da representação de cada uma delas, na Câmara temporária ou Câmara baixa, arredondando-se para o número par mais baixo, no caso de serem ímpares. A disposição estava prescrita no art. 40, da Constituição de 1824, que exemplificava: “Cada província dará tantos senadores quantos forem a metade dos seus respectivos deputados, com a diferença que, quando o número de deputados for ímpar, o dos sena-dores será metade do número imediatamente menor, de maneira que a província que houver de dar 11 deputados, dará cinco senadores”. Na República velha, os mandatos dos deputados brasileiros passaram a du-

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rar três anos, ao contrário dos quatro durante o Império, e o dos senado-res nove. De lá para cá, enquanto o dos deputados é de quatro anos, o de senadores é o dobro. Nos Estados Unidos, obedece-se à mesma regra. O mandato dos deputados dura dois anos e o dos Senadores quatro. Tanto nos Estados Unidos, quanto no Brasil, o Senado possui atribuições mais amplas que a Câmara baixa, em especial no que diz respeito ao seu papel de foro de julgamento das mais altas autoridades da República, a come-çar pelo Presidente da República, aqui como lá. Outra de suas funções é a aprovação do nome dos ministros integrantes dos Tribunais superio-res, de alguns dirigentes de órgãos públicos, de certas autarquias como a presidência e as diretorias do Banco Central, das Agências reguladoras e dos embaixadores. Por disposição constitucional, os projetos de ini-ciativa do presidente da República devem começar na Câmara, uma vez que o Senado é, constitucionalmente, instância revisora no âmbito legislativo. Se não concordar com as propostas oriundas da Câmara, elas são arquivadas. Se concordar e as emendar, elas voltam à Câmara, para que sobre as mesmas se pronunciem os deputados.

SindicalismoCorporações de Ofício eram os grêmios que, na Idade Média, congre-gavam os artesãos das diversas especialidades e, com isso, obtinham o monopólio de suas atividades. Cada um desses profissionais era um mestre de sua especialidade que reunia, em torno de si, os aprendizes que, ao tornarem-se especialistas nas diversas áreas, eram admitidos à Corporação a que pertenceriam de forma definitiva. De acordo com o Dicionário de Política de Bobbio, Mateucci e Pasquino, o corporativismo “idealiza a comuna medieval italiana, onde a corporação não é apenas uma associação de indivíduos que exercem a mesma atividade profissio-nal: ela monopoliza a arte ou ofício e, conseqüentemente, a produção, vedando-as aos estranhos, detém poderes normativos em matéria de economia (determinação das normas de comércio e preços) e constituiu, por vezes, um canal obrigatório de representação política. O sistema corporativo medieval, baseado na autonomia semi-soberana das cate-gorias envolve a transmissão, por via familiar, da atividade profissional e uma relação hierárquica entre o “mestre”, ou seja, o chefe da empresa, e o aprendiz, dele dependente”. Dois fatos de enorme relevância política, econômica e social deram fim aos privilégios do corporativismo medie-val: a Revolução Francesa que baniu os privilégios medievais e a Revo-lução Industrial, sobretudo na Inglaterra, que reduziu o proletariado às mais miseráveis condições de vida, forçando-o à organização das trades unions, os atuais sindicatos, que podem ser definidos como os responsá-

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veis “pela ação coletiva para proteger e melhorar o próprio nível de vida dos indivíduos que vendem a sua força de trabalho”. O sindicato e o sindicalismo representam uma fórmula contraposta ao modelo corpora-tivo original da Idade Média. O corporativismo, porém, ressurgiu como doutrina econômica e como modelo político nas duas primeiras décadas do séc. XX. Esse movimento tinha por objetivo impedir a formação dos elementos de conflito, articulando as organizações de categoria em as-sociações entre classes e prefixando normas obrigatórias de conciliação, para os dissídios coletivos de trabalho. Exatamente o modelo seguido pela Justiça do Trabalho no Brasil, durante a era Vargas. O modelo de organização sindical, por sua vez, baseia-se não na conciliação dos inte-resses de categoria, mas, ao contrário, no conflito de interesses e na luta de classe entre os detentores dos meios de produção e os proletários que não dispõem de outro bem senão sua força de trabalho. A história do sindicalismo em todo o mundo é uma história de lutas, de confrontos, de perseguições e de repressão. No Brasil, o sindicalismo nasceu sob a égide e a proteção do Estado, e o corporativismo, como concepção política, foi posto em prática por Getúlio, até mesmo incluindo a repre-sentação classista de empregados e empregadores, tanto na Constituinte de 1934, quanto na Legislatura ordinária que se seguiu, entre 1935 e 1937. A organização sindical, por sua vez, também de caráter fascista, instituída em 1938, criou o monopólio da representação dos trabalha-dores, ao impor a unidade sindical que a OIT, desde a Convenção 87, de 1946, condenou como anti-democrática, por impedir o pluralismo sindical que é típico e característico das sociedades democráticas em quase todas as partes do mundo. É preciso não esquecer que foi um sin-dicato independente, o “Solidariedade”, de Lech Walesa, que pôs fim ao regime totalitário da Polônia e se espalhou por todo o Leste da Europa, depois da queda do muro de Berlim e do fim do socialismo real na ex-União Soviética.

Soberania popular A Constituição brasileira define, em seu art. 14, que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos e, nos termos da lei, mediante (I) plebiscito, (II) referendo e (III) iniciativa popular.

Social democraciaA idéia de social democracia é complexa. Originalmente, foi uma for-ma de Marxismo* dogmático que, mais tarde, adquiriu um significa-do inteiramente diverso. Para darmo-nos conta dessa mudança e sua

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subseqüente complexidade, é necessária uma referência à história do desenvolvimento institucional da social democracia e particularmente de suas relações com o Socialismo* e com o denominado neoliberalismo. A origem do sentido moderno da social democracia deve ser traçada em face das divisões que ocorreram no interior do Partido Social Demo-crata alemão, formado em 1875 com base no reformismo de Ferdinand Lassale (1825 – 1864) e a ortodoxia marxista. Lassale, foi o autor da “lei de bronze salarial”, segundo a qual o salário médio, numa socieda-de fundada na propriedade privada e na livre concorrência, fica sempre reduzido ao que é necessário para a subsistência do trabalhador, pois, se subir acima desse mínimo vital, logo subirão também os nascimentos e, com eles, a oferta de mão-de-obra com a conseqüente descida dos salá-rios. Por isso, declarou-se a favor da abolição da propriedade dos meios de produção e da criação de associações produtivas de trabalhadores que deveriam, com o apoio do Estado, levar ao Socialismo*. Essa modifica-ção revolucionária deveria ser facilitada pela generalização do direito de voto. Marx, ao contrário, projetou um amplo movimento de massas, no sentido dos modernos partidos nacionais, e fundou a União Geral dos Trabalhadores Alemães em 1836. Por meio de escritos e de sua prega-ção, intervindo com eficiência na política alemã, Marx , inicialmente seu amigo, considerou-o mais tarde um deturpador de suas idéias e o cobriu de mordazes ironias, iniciando uma inimizade que só terminou com a morte prematura de Lassale, num duelo por motivos amorosos, aos 39 anos. O denominado “Programa de Gotha”, nome da cidade em que foram aprovadas as diretrizes de ação do Partido Social Democrata em 1875, foi severa e duramente criticado pro Marx, no mesmo ano de sua aprovação com o texto Crítica do Programa de Gotha, em que se pode identificar as principais diferenças que vieram a se transformar nas maiores divergências entre o Socialismo* e o Comunismo*. Segundo sintetiza o prof. Leandro Konder, em seu texto Marx, da coleção Vida e Obra da Editora Paz e Terra: “Para Marx, a sociedade socialista é aque-la em que o peso negativo do passado ainda é muito grande, a divisão social do trabalho ainda não foi superada, o Estado ainda subsiste, os homens ainda não passaram por uma profunda transformação: nela a emulação ainda exige que cada indivíduo receba a sua parte da riqueza social, de acordo com sua produtividade. Na sociedade comunista ple-namente desenvolvida, ao contrário, o Estado, segundo Marx, desapare-ce como tal. Os indivíduos, desfrutando de toda segurança econômica, podem, enfim, libertar-se de certas formas primárias de egoísmo. A di-visão social do trabalho é superada. E a comunidade humana põe em prática a máxima do socialista utópico Proster Enfantin: De cada um de

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acordo com suas possibilidades, a cada um de acordo com suas necessidades. O Programa de Gotha cometeu, sob o ponto de vista de Marx, uma série de erros dois dos quais da maior importância teórica. Um deles, a con-cepção sobre a teoria do Estado delineada no programa. O Programa advogava o desenvolvimento de um Estado livre que seria alcançado por meio do sufrágio universal, a legislação elaborada de forma direta pelos cidadãos, os direitos civis e uma milícia popular, presumindo que essas mudanças poderiam ser alcançadas por meios pacíficos. Marx argumen-tava que isso implicava em assumir a concepção Hegeliana, segundo a qual o Estado estava colocado acima e abaixo das forças econômicas que atuavam no interior da sociedade, sendo um instrumento neutro que poderia ser usado como poder político para assegurar os avanços socialistas. Para Marx, o Estado era um instrumento de dominação de classes, e o socialismo só poderia ser atingido por uma transformação revolucionária. O segundo tema do Programa, igualmente rejeitado por Marx era a tentativa de definir o Socialismo*, pelo menos parcialmente, em termos de justiça social através de uma distribuição justa das condi-ções de trabalho para todos. Sob a ótica de Marx, isto significava atingir em cheio o coração da coerência do materialismo histórico ou do socia-lismo “científico”, ao assumir que valores morais como justiça e igual-dade poderiam operar, independentemente das relações de dominação entre as classes. Dessa forma, para o Programa, um governo socialista democrático poderia, através da ação política, desenvolver um sistema justo do produto social. Para Marx, porém, os valores morais são parte da superestrutura ideológica e não podem operar como motivos politi-camente independentes para reformar a estrutura básica da sociedade. Os argumentos de Marx foram refutados, sob o ponto de vista social democrata, por Eduard Bernstein (1850 – 1932), membro proeminente do Partido que propôs uma revisão da análise feita por Marx do capi-talismo e das posições socialistas, que levaram a um movimento revi-sionista. Ele se impressionou, sobretudo, por acreditar que as previsões de Marx sobre o desenvolvimento do capitalismo, além de não serem verdadeiras, simplesmente não se tornariam realidade e que, a falência da parte prospectiva de sua teoria prenunciava uma debilidade dos mé-todos de análise. Ele se baseava na constatação de que, desde a funda-ção do Reich alemão em 1870, tinha se iniciado um período de grande prosperidade econômica que beneficiaria todas as classes e não apenas os capitalistas. Era tudo o que Marx não admitia. A começar por sua concepção de que a luta de classes era inevitável, o que Bernstein refu-tava, expondo suas idéias num texto publicado em 1901: Como é Possível o Socialismo Científico. Esse foi o divisor de águas que, depois da morte

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de Marx terminou determinando a cisão entre a social democracia e o socialismo marxista, que recebeu, sobretudo na Inglaterra, contribui-ções de inúmeros autores de outras tendências que iam dos “fabianos” a alguns liberais. Entre os últimos, foi decisiva a contribuição de John Maynard Keynes (1882 – 1946) com a publicação de sua obra Teoria Geral do Emprego, Juros e Dinheiro, publicado em 1936. O movimento que começou com a dissidência de Bernstein, foi ampliado ainda mais, com novas concepções críticas, como as de Durbin, através da obra A Política do Socialismo Democrático, publicada em 1940 e de Douglas Jay, com o livro O Caso Socialista. Nesse mesmo ano, um dos mais influentes marxistas ingleses, na década de 1930, John Strachey abandou o marxis-mo e adotou uma postura social democrata com o livro Programa Para o Progresso, seguido no ano seguinte pela obra A Revolução Gerencial, de James Burnhan. No período pós-Segunda Guerra Mundial a influência social democrata adquiriu maior relevo ainda, tanto na Inglaterra quan-to na Alemanha. Em 1959, em sua Conferência de Bad Godesberg, o Partido Social Democrata Alemão abandonou seu marxismo residual e adotou oficialmente uma postura social democrata. Na Inglaterra, o Partido Trabalhista, sob a liderança de Hugh Gaitskell, caminhou cada vez mais nessa mesma direção, adotando postura social democrata, ba-seada, sobretudo, nas idéias de justiça social. Esse processo foi ajudado consideravelmente, com a publicação, em 1956, da obra O Futuro do So-cialismo de C. A. R. Crosland e em 1962 com a de Douglas Jay, Socialis-mo e a Nova Sociedade. Embora Gaitskell tenha sido derrotado em suas tentativas de substituir a cláusula IV do Estatuto do Partido, dispondo sobre o marxismo-leninismo, o movimento não arrefeceu e as práticas trabalhistas caminharam cada vez mais na direção das concepções so-ciais democratas. As divergências entre os dois grupos no interior do Partido Trabalhista se acentuaram no fim da década de 1970, levando à fundação, em 1981, do Partido Social Democrata inglês. Embora não tenha havido um equivalente à obra O Futuro do Socialismo, para definir a nova filosofia do partido, um número crescente de livros nessa direção foram escritos, de que é exemplo o de David Owen, Encarando o Futuro, de 1980.

SocialismoTrata-se de uma doutrina política que surgiu durante a industrializa-ção da Europa. O termo aplicou-se indistintamente aos seguidores de Robert Owen (1771 – 1858), em 1827, e aos de Saint-Simon (1760 – 1825), em 1832, sendo utilizado, de maneira geral, desde a década de 1840. Desde o início a palavra Socialismo* incluía um sem número

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de tendências e práticas, mais do que uma só doutrina. Nunca houve um socialismo* clássico, nem uma época de ouro, com a qual comparar variedades posteriores. O socialismo* verdadeiro é tão difícil de deter-minar como o verdadeiro liberalismo* ou o verdadeiro conservadorismo*. Atualmente, o termo significa uma das principais ideologias dos úl-timos cem anos, sendo utilizado, também, para referir-se aos diversos regimes políticos, instituições e medidas políticas dos Estados que se declaram socialistas, assim como aos diversos partidos e movimentos políticos que tratam de implantar o socialismo em diferentes partes do mundo. Usa-se também, de forma mais restrita, para referir-se a um novo tipo de sistema econômico, baseado em princípios diferentes dos do capitalismo e que representa uma etapa superior ou transitória de desenvolvimento econômico. Quase todos os socialistas afirmariam que as relações sociais, especialmente as relacionadas com o processo indus-trial, desempenham um papel essencial na determinação das possibi-lidades humanas. Em particular, as desigualdades na propriedade nas sociedades capitalistas e a conseqüente necessidade da maioria da po-pulação de vender seu trabalho, limita, de um modo crucial a liberdade individual e a criação de uma sociedade fraternal e cooperativa que seria também uma sociedade sem classes. Este ponto de vista foi formulado teoricamente na forma mais sofisticada na obra de Marx, que acusou de “utópicos”, os socialistas anteriores e afirmou ter descoberto as leis básicas do desenvolvimento social, dando dessa forma ao socialismo, um caráter científico.Como ideologia, o socialismo* manteve sempre uma relação comple-xa com o liberalismo*. A experiência da qual surgiu o socialismo foi a hostilidade a uma economia e uma sociedade baseadas nos princípios e práticas de um individualismo extremo. O socialismo* como ideolo-gia, começou com uma crítica do liberalismo, porém, desde sua origem, manifestaram-se duas tendências principais, nas respostas socialistas ao liberalismo*. A primeira considerava essa ideologia como o cumprimento do liberalismo*, enquanto a segunda sustentava que o socialismo* era a sua rejeição. Essas duas reações eram expressas, com freqüência, pelos mes-mos indivíduos. Só bem mais tarde, constituíram eles a base da divisão organizativa. Os socialistas* criticaram os liberais em nome de sua própria ideologia. Embora os liberais demandassem o reconhecimento universal dos direitos humanos fundamentais, como a liberdade, e a igualdade*, seu apego à propriedade privada os impedia de propor uma mudança institucional que poderia ter tornado possível esses dois objetivos. Os socialistas sempre sustentaram que os direitos civis e políticos só criavam uma igualdade* formal. Era necessário ampliá-los, até incluir os direitos

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sociais e econômicos, que constituíam a igualdade* substantiva. Sob esse aspecto, a igualdade* ante a lei, deveria ser acompanhada de uma maior igualdade de oportunidades e de resultados. Os obstáculos erigidos pelos direitos da propriedade privada à realização dos ideais das Revoluções Francesa e americana deviam ser destruídos para que se buscasse a jus-tiça social. Freqüentemente, as demandas dos socialistas eram radicais, mas, uma vez que os direitos civis e políticos tinham sido concedidos, se mostraram dispostos, na prática, a seguir uma estratégia de paciente re-forma das instituições e das práticas políticas existentes no Estado libe-ral. A segunda tendência do pensamento e da experiência socialistas era mais inflexível. Não pretendiam reformar a ordem existente fazendo-a realizar seus próprios ideais, mas sim preconizavam sua substituição por uma nova ordem social e moral. Desejavam derrubar o capitalismo, não só por que o modo em que esse regime organizava a produção e distri-buía a riqueza supunha a negação da justiça social, mas também devido a seu espírito dominante de materialismo, egoísmo e competitividade. Reafirmavam a importância da comunidade e os valores do altruísmo, da solidariedade e da cooperação como base de organização da sociedade. Todos os socialistas coincidiam em condenar a concentração de poder e riqueza associada ao capitalismo, porém desde o princípio estiveram em desacordo no que respeita a como remediar essa desigualdade e, em par-ticular, sobre se é possível remediá-la, no marco existente das instituições liberais democráticas. Esta é uma divisão crucial na história do socia-lismo*. E é tudo isso que faz com que o socialismo seja uma ideologia tão contraditória e ao mesmo tempo tão permanente entre as aspirações políticas de diferentes épocas. A complexidade do socialismo* como ideologia, nem sempre tem sido compreendida por seus críticos que, com certa freqüência, o identificam com uma parte da doutrina socialista: a regulação centralizada da produ-ção. A propriedade pública dos meios de produção surgiu como doutrina chave do socialismo revolucionário e do socialismo reformista, durante as primeiras décadas do séc. XX. No entanto, sempre persistiram grandes diferenças sobre a organização das indústrias de propriedade pública e sobre se a prioridade era incrementar a eficácia econômica, mediante a planificação, ou o estabelecimento das bases para um tipo totalmente novo de ordem social, mediante a reorganização das indústrias como serviços públicos ou como comunidades autônomas. A experiência do primeiro Estado socialista, depois da revolução bolchevista de 1917 na Rússia, dividiu a opinião dos socialistas e levou a um fortalecimento do compromisso dos partidos socialistas do mundo ocidental com a demo-cracia e ao descrédito da idéia da planificação centralizada. Muitos desses

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partidos já não propõem um extenso programa de intervenção pública e insistem, em seu lugar, no objetivo da justiça social. Durante a década de 1950, tornou-se moda proclamar a morte do socialismo*. Essa idéia, con-tudo só poderia manter-se em pé mediante a arbitrária identificação de um ramo da ideologia com a essência do socialismo. Uma rápida revisão das idéias e dos movimentos políticos do mundo contemporâneo revela, ao contrário, que o socialismo* não perdeu, nem sua vitalidade, nem sua capacidade para continuar evoluindo.

Socialismo democráticoCostuma denominar-se socialismo democrático, aquele que preconiza a via pacífica para chegar ao poder, como se tornou corrente na segunda metade do séc. XX, por oposição à via revolucionária que triunfou em 1917 na Rússia, em 1949 na China e em 1959 em Cuba. Uma boa parte dos Partidos Socialistas europeus, como os da Alemanha, da Espanha, da França e da Itália, para citar alguns dos mais importantes, sempre adotou o socialismo marxista em seus programas, ao qual a maioria de-les, como os acima citados, aderiu desde os períodos em que foram fun-dados. A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, porém, tal como ocorreu com o da Alemanha, depois do Congresso de Bad Godesberg e o PSOE, da Espanha, depois do Congresso de Bruxelas, renunciaram à sua feição original e adotaram o caminho das urnas que, tanto na Ale-manha ocidental e depois na Alemanha unificada, na Itália, na França e na Espanha depois da queda de Franco, os levaram ao poder, isolada-mente ou mediante coalizões de governo.

Sociedade Palavra derivada do latim societas que significa, originariamente, reunião ou associação de pessoas. No sentido político, refere-se ao conjunto de toda Nação. Na acepção jurídica, quer dizer reunião de duas ou mais pessoas, para a consecução de um fim. Tanto pode neste caso significar a reunião de duas pessoas, quando nos referimos à sociedade conjugal, com o fim de constituir família, por exemplo, quanto pode indicar uma sociedade de fins comerciais e intuito de lucro, ou uma associação de pessoas que unem sem o intuito de lucro, para qualquer fim legítimo, como um clube ou uma Organização Não-Governamental.

Sociedade afluenteDe acordo com o Dicionário de Economia e Administração de Paulo San-droni, o termo sociedade afluente, título de um livro do economista americano nascido no Canadá, John Kenneth Galbraith, publicado em

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1958, é o “estágio de desenvolvimento econômico e social alcançado pelos países altamente industrializados” que se caracteriza pela ampla sofisticação e elasticidade do consumo de massa, graças aos processos de economia de escala e ao aumento do poder aquisitivo da população. Para Galbraith, segundo esclarece Paulo Sandroni, “a forma como ocor-re a ampliação do consumo nessas sociedades é, contudo, um dos prin-cipais problemas para a eficiência produtiva: o consumo teria perdido seu processo autônomo, tornando-se num prolongamento da produção, transformada num fim em si mesma e não num meio de satisfazer as necessidades humanas. A aparente abundância revelada pelos altos ní-veis de consumo esconderia uma miséria social, um desinteresse pelo bem público e uma qualidade de vida deficiente. Esse tipo de sociedade perderia o controle do próprio desenvolvimento e sua reprodução de-penderia, cada vez, da ampliação da esfera pública”. Hoje, fala-se menos da sociedade afluente, termo que foi corrente na década de 60 do século passado.

Sociedade civilRefere-se, historicamente, à divisão que distinguia o conjunto da po-pulação, dos integrantes do poder político que representava o Estado, para caracterizar a distinção que se estabeleceu, a partir da Idade Média, entre a sociedade civil da clerical, ou seja, entre o poder civil e o poder da Igreja. Foi esse o conceito que deu origem ao Estado leigo, separando a Igreja do Estado, a partir do advento do Estado Nacional unificado, ao fim da Idade Média, dando origem à Idade Moderna. No Brasil, em face do regime militar, tem sido erroneamente empregada como se a expressão “sociedade civil” fosse o antônimo do poder militar, distinção sem qualquer fundamento.

Sociedade de classesNo verbete estratificação social*, vimos que, “em toda sociedade com-plexa, podem-se distinguir estratos ou classes compostas de indivíduos semelhantes, com respeito a critérios” e também que “a noção de estrato é mais geral que a de classe”. Tanto as sociedades que compunham as cidades-estados da civilização helênica, quanto as que sobreviveram nas diversas fases da evolução histórica do Império romano, eram divididas em classes, havendo tanto no caso da Grécia, com os metecos, como no de Roma, os infraclassis que, a rigor, nunca chegariam à condição de cidadãos, para que pudessem pertencer a qualquer das classes em que se dividiam essas sociedades. Na Idade Média, a sociedade era dividida em “estamentos” e assim foi constituído o Estado nacional da Idade Mo-

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derna, até a Revolução Francesa que marca, ao mesmo tempo, o triunfo da burguesia, o início da era contemporânea e o advento da socieda-de de classes, notadamente depois da Revolução Industrial. Segundo a concepção marxista, nos países industrializados, restaram apenas duas classes: a burguesia, classe dominante e o proletariado, classe dominada. Na sociedade pós-industrial, as sociedades de classe deram lugar às so-ciedades de massa*, conceito que se pode examinar no verbete seguinte.

Sociedades de massasÉ a noção segundo a qual, em algumas sociedades modernas, o povo se torna vulnerável aos apelos dos totalitarismos pela falta de redes de con-tenção social. O conceito foi popularizado por W. Kornhauser, na obra A Política da Sociedade de Massas, publicada em 1959, em que o autor viu nessas sociedades “as fontes de suporte do comunismo, do fascismo e de outros movimentos que operam fora e contra a ordem institucional”. Como outros de seus contemporâneos, ele quis explicar como o Nazis-mo*, na Alemanha, e em certa medida o Fascismo*, na Itália, romperam as barreiras do império da lei e da sociedade civil*: Ambos ditadores, tanto Hitler quanto Mussolini, foram capazes de apelar diretamente ao povo e ignorar os constrangimentos que aquelas barreiras representavam. Embora Kornhauser tenha relutado em definir o que seria a sociedade de massas, ele parece referir-se a uma sociedade em que há participação da massa no sistema político, convivendo com um baixo pluralismo ou uma variada composição da sociedade civil. Assim, a discussão sobre esse tipo de sociedade leva, necessariamente, à discussão simultânea dos conceitos de alienação* e de anomia*, especialmente em autores como Karl Marx e Émile Durkheim. Outros analistas costumam incluir, além desses, os nomes de Erich Fromm, autor de O Medo da Liberdade, de 1942 e David Riesman, autor de A Multidão Solitária, de 1950. Apesar de tudo, o conceito tem sido tão precariamente definido que seu uso tem sido muito restrito na sociologia política. A denominação, contudo, tem sido também utilizada em Economia. Para Paulo Sandroni, au-tor do Dicionário de Economia e Administração trata-se da denominação aplicada “às atuais sociedades capitalistas altamente desenvolvidas, na medida em que estariam apresentando tendências à homogeneização do comportamento, dos valores e das expectativas de todas as camadas sociais”. Neste sentido, ela seria a negação da sociedade de classes, na qual as desigualdades sociais geram formas diferenciadas de consumo e de aspirações. Para esse autor, “o nivelamento do consumo e dos modos de se pensar resultaria da ação dos meios de comunicação de massa que reorientariam as condições de decisão e atuação dos homens, mesmo

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havendo desigualdade de riquezas”. Em conseqüência, desapareceriam “o caráter classista das reivindicações, a ênfase contestatória e a possibi-lidade de se construírem partidos revolucionários”.

“Spoil system”Em português, sistema de espólio, originário dos Estados Unidos, é o benefício que se outorga a alguns indivíduos, como resultado do favori-tismo político. Também chamado entre nós de patriarcalismo, o sistema consiste em premiar protegidos ou correligionários, e não certas cate-gorias de pessoas. O que se objetiva com esse sistema que funcionou de forma muito ampla no sistema político americano do séc. XIX e ainda persiste residualmente em algumas áreas, é ajudar a organização do par-tido em forma de contribuições às campanhas eleitorais. Sob o ponto de vista de suas origens e de sua utilidade, o sistema servia também como um incentivo à participação política. As organizações políticas que se beneficiam desse sistema são denominadas de “maquinarias”. Daí o uso da expressão “política de maquinarias”, designação habitual para se re-ferir à distribuição desses benefícios de acordo com critérios políticos. Os beneficiários desse sistema são leais à organização do partido que os patrocina e não a seus superiores hierárquicos no aparato burocrático em que são incluídos. Embora seja cada vez menor o uso desse recurso, tanto no Governo Federal, como em muitos Estados e cidades impor-tantes dos Estados Unidos, que contam com administração profissional, sua presença ainda é sentida em locais em que a prática serve de incen-tivo à lealdade partidária dos chefes políticos. No Brasil, a prática cor-relata é a designação generalizada de líderes políticos e cabos eleitorais para os cargos em comissão existentes tanto na Administração federal., quanto nas dos Estados e Municípios, que se conhece pela designação de “aparelhamento” do serviço público.

Stalin/StalinismoA palavra deriva do sobrenome em russo de Iossif Vissarionovitch Sta-lin (1879 – 1953), secretário geral do Partido Comunista da União So-viética (PCUS) entre 1922 e 1953 e premiê do Estado Soviético entre 1941 e 1953 que, por um quarto de século, depois da morte de Lênin e do expurgo de Leon Trostsky, dirigiu de forma ditatorial a União So-viética e a transformou na segunda potência do mundo, em meados do séc. XX. Durante os 25 anos que antecederam sua morte, Stalin seguramente exerceu e concentrou em suas mãos mais poderes políticos do que qualquer outro homem na História. Ele industrializou o país, coletivizou à força a agricultura e consolidou seu prestígio na hierarquia

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do poder, pelo uso do terror político, da repressão e dos expurgos, além de ajudar a derrotar a Alemanha nazista na sangrenta campanha militar empreendida por Hitler, entre 1941 e 1945 em que morreram 20 mi-lhões de russos, rompendo o pacto de não agressão que ambos tinham firmado para partilhar a Polônia, em 1939. Nascido na Geórgia, Stalin era filho de um sapateiro, estudou num se-minário ortodoxo na cidade de Tbilisi, de onde foi expulso em 1899, convertendo-se então num revolucionário profissional. Foi detido pela primeira vez em 1902, dando início a uma série de prisões, exílios e fu-gas que se estendeu até 1917. Indicado por Lênin, foi eleito para o Co-mitê Central do Partido Social Democrata do Trabalho russo, em 1912 e ajudou Lênin durante o planejamento da Revolução de outubro, ten-do desempenhado, porém, um papel menos destacado que o de Trotsky, que viria a se tornar Comissário do Exército Vermelho, depois da vitória do movimento armado. Comissário das Nacionalidades no primeiro governo bolchevista, Stalin foi membro do Bureau Político e do Bureau de Organização do Comitê Central em 1919, além de Comissário da Inspeção dos Trabalhadores rurais. Nomeado secretário-geral em abril de 1922, o georgiano controlava a máquina do partido, quando da morte de Lênin, em 1924. Mediante alianças táticas, manobrou para colocar-se à frente dos principais líderes partidários Trotsky, Zinoviev, Kamenev e Burkharin, em razão do que, cinco anos depois, era o chefe indiscu-tível do Partido. Começou então o culto à sua personalidade, quando deu início à coletivização forçada, à industrialização e aos subseqüentes períodos de fome e expurgos da oposição. Submeteu seus oponentes no Partido a julgamentos públicos e seus adversários, supostos ou não, à eli-minação física, sob os mais variados pretextos. Converteu-se em Chefe do Governo, ministro da Defesa e comandante-em-chefe das Forças Armadas, adotando os títulos de Marechal e Generalíssimo durante a guerra que comandou com mão de ferro.O termo Stalinismo é utilizado hoje com sentido pejorativo, e faz re-ferência ao período entre 1929 e 1953. Jamais usado oficialmente na antiga União Soviética, associa-se à Ditadura do Proletariado, exercida em nome da vanguarda do Partido Comunista. A ideologia do marxis-mo-leninismo foi simplificada por Stalin, à medida em que se converteu no seu único interprete. Ele sustentava que o comunismo em um só país era possível em aberto contraste com o internacionalismo supostamente aventureiro de Trotsky. Estabeleceu uma economia de planificação cen-tral cujo principal objetivo era fortalecer a indústria pesada e o poder militar da URSS. A idéia da inevitável intensificação da luta de classes, com a chegada do socialismo ao poder, era central no stalinismo, e serviu

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de justificação para o terror. O processo de desestalinização começou no XX Congresso do Partido, em 1956, com o ataque de Nikita Kruschev, à história posterior a 1934. Alguns dos aspectos do stalinismo, porém, reapareceram depois de 1964. Ainda hoje os especialistas em ciência política continuam debatendo sobre se o stalinismo era a realização na-tural do bolchevismo, ou, pelo contrário uma traição ao mesmo.

SufrágioSufrágio, no sentido do Direito Público, exprime a manifestação da vontade de um povo, para a escolha de seus dirigentes, por meio do voto. Nesta acepção, sufrágio traduz o direito de votar, isto é, o direito de escolher as pessoas que vão nos representar, seja no Legislativo, seja no Executivo. O direito ao sufrágio, portanto, é sinônimo de direito de voto que possuem os cidadãos no gozo de seus direitos políticos.

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TeocraciaDo grego Theos (Deus) e Kratia (Governo, poder), foi o termo usado pela primeira vez, para descrever a comunidade política judia: “Moisés ordenou que nosso governo fora o que, com uma forçada expressão, poderia denominar-se uma teocracia”. A partir daí, essa designação passou a ser aplicada a certas comunidades políticas nas quais o líder do sistema civil é, também, o mais alto membro da hierarquia reli-giosa, mesmo contra a opinião de Max Weber que utilizou o termo cesaropapismo para referir-se a casos como o do Império Bizantino. Há pelo menos duas formas que podem ser consideradas teocracias. A primeira aquelas que reconhecem Deus como governante direto e Suas leis são aceitas como um código legal da comunidade, sendo aplicadas por homens santificados considerados Seus agentes. Era o caso de Israel, governado pelos Juízes, em nome de Deus, até o adven-to da monarquia, com o Rei Saul. Seria também o caso de Genebra, na Suíça, colocada sob a autoridade de Calvino, assim como o Tibete quando dirigido pelo Dalai Lama, antes da invasão chinesa, por ser re-conhecido como a reencarnação de Buda. A segunda forma é quando o dirigente temporal está sujeito à direção final da cabeça teológica, como foi a ocasião do Papa em várias oportunidades. Hoje, entretanto, seria o caso de considerarmos o período em que o aiatolá Khomeini governou ou Irã, um Estado que passou de laico a religioso com a der-rubada do Xá Rheza Pahlevi. Em algumas civilizações antigas, de que o Egito é um exemplo, os faraós encarnavam também a autoridade religiosa, mas este fato não bastava para caracterizar uma teocracia, na medida em que havia uma classe de sacerdotes que cultuavam a mirí-

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ade de deuses cultuados pelos egípcios. Entretanto, é preciso lembrar o caso do faraó Amenhotep, que instituiu uma religião monoteísta em seu reinado, assumindo a denominação de Maneófis IV, pela qual se tornou conhecido.

Teoria das Elites (I)No livro Elementos de Ciência Política, publicado em 1896, o italiano Gaetano Mosca (1858 – 1941), escreveu: “Entre as tendências e os fatos constantes que se encontram em todos os organismos políticos, aparece um cuja evidência se impõe facilmente a qualquer observa-dor: em todas as sociedades, desde as medianamente desenvolvidas que apenas chegaram aos preâmbulos da civilização, até as mais cultas e fortes, existem duas classes de pessoas: a dos governantes e a dos governados. A primeira, que é sempre a menos numerosa, desempe-nha todas as funções políticas, monopoliza o poder e desfruta das vantagens que vão unidas a ele. A segunda, mais numerosa, é dirigida e regulada pela primeira de maneira mais ou menos legal, ou bem, de um modo mais ou menos arbitrário e violento, e recebe dela, ao menos aparentemente, os meios materiais de subsistência e os indis-pensáveis para a vitalidade do organismo político. Na prática, todos reconhecemos a existência dessa classe dirigente ou classe política, como a definimos outras vezes. Sabemos, com efeito, que em nosso país e nas nações vizinhas há uma minoria de pessoas influentes que dirigem a coisa pública. De bem ou mal grado, a maioria lhe entrega a direção; de fato, não podemos imaginar na realidade um mundo or-ganizado de outra maneira, na qual todos estivessem submetidos a um só, ainda que em pé de igualdade e sem nenhuma hierarquia entre eles, ou que todos dirigissem por igual os assuntos políticos. Se em teoria raciocinamos de outra maneira, se deve em parte ao efeito de hábitos inveterados de nosso pensamento, e em parte à excessiva importância que damos aos fatos políticos, cuja aparência se situa muito acima da realidade. O primeiro desses fatos consiste na fácil comprovação de que em todo organismo político há sempre quem esteja na cúpula da hierarquia da classe política e que dirige o chamado timão do Estado. Essa pessoa nem sempre é a que legalmente teria que dispor do poder supremo. Muitas vezes ocorre que, junto ao rei ou ao imperador here-ditário, há um primeiro-ministro ou um mordomo do palácio que tem um poder efetivo superior ao do próprio soberano ou que, em lugar do presidente eleito, governa o político influente que o fez eleger. Al-gumas vezes, por circunstâncias especiais, em lugar de uma só pessoa, são duas ou três que tomam a seu cargo a direção suprema. O segundo

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fato é igualmente fácil de perceber, porque, qualquer que seja o tipo de organização social, pode-se comprovar que a pressão proveniente do descontentamento da massa de governados e as paixões que a agi-tam, podem exercer certa influência sobre a direção da classe política. Porém, o homem que é chefe de Estado não poderia governar sem o apoio de uma classe dirigente que fizesse cumprir e respeitar suas ordens; e ainda que possa fazer sentir o peso de seu poder sobre um ou vários indivíduos que pertencem a essa classe, não pode opor-se a ela em sua totalidade ou destruí-la. E isso por que, se tal coisa fosse possível, se constituiria rapidamente outra classe, sem que sua ação ficasse anulada por completo. Por outra parte, se o descontentamento das massas chegasse a derrocar a classe dirigente, no seio da massa apareceria necessariamente (...) outra minoria organizada que passaria a desempenhar a função de dita classe. De outro modo, se destruiria toda organização e toda estrutura social”. Esta constatação, submetida à prova do contraste, pois não se conhece sociedade organizada em que a maioria governe e a minoria obedeça, constitui, em suma, a Teoria das Elites, uma das maiores contribuições à teoria política. Pode-se contestar que tanto Gaetano Mosca, quanto seu conterrâneo e coetâneo Wilfredo Pareto, aludiram a termos como classe política, elite política ou classe dirigente ou elite governante, sem definir, com precisão em que ela consistiria. A falta de definição precisa não invalida a teoria, especialmente depois que o americano James Burnham, em seu livro A Revolução Gerencial, publicado em 1941, ano da morte de Pareto, supriu essa omissão de forma incontes-tável afirmando que a elite “é a parcela da sociedade que se apropria da maior parte do que é apropriável”.

Teoria das Elites (II)Depois de Mosca, foi seu conterrâneo quem Wilfredo Pareto (1848 – 1923), quem mais claramente, dez anos depois, tentou investigar as elites, não em termos da perfeição racional de sua conduta, mas em razão do que realmente ocorre nas sociedades organizadas, em seu li-vro Tratado de Sociologia Geral, publicado em 1916. Segundo ele, cada agrupação identificável no seio de uma sociedade, produz uma elite, ainda que esse fato, com freqüência, seja de escassa importância. Há uma elite de jogadores de xadrez, por exemplo, mas os seus membros, em geral, só interessam aos aficionados do xadrez. As verdadeiras eli-tes, afirma Pareto, são políticas e, no século passado, em que ele publi-cou o seu livro, seriam parlamentares, na maioria dos casos, ainda que não exclusivamente. Pareto estava convencido de que, nas sociedades

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modernas, a ordem política, mesmo fazendo parte da estrutura social, está separada desta, no sentido de que, ao menos a curto prazo, uma ordem política é sempre agente e não paciente. O número de posições ou cargos possíveis na ordem política há de ser limitado, pois de outra maneira o resultado seria a oclocracia (governo em que prepondera ou governa a plebe, a multidão) ou a mera anarquia. Quem fala de políti-ca não fala meramente de influência, mas também de poder. Isto não significa que ele não fosse consciente da capacidade da ordem econô-mica para gerar influência e poder, mas sim que, quando se gerava esse poder, em princípio sempre podia operar separado de sua base econô-mica, como geralmente ocorria. Ele estende a idéia de elite além dos membros dela que exercem o poder num momento determinado. A elite diz ele, é composta por aqueles que têm, tiveram ou terão poder; isto é, por todos aqueles entre os quais foram recrutados os poderosos em um dado momento. Aqui se incluem claramente famílias, conexões financeiras, grupos de descendência, etc. Dito isto, a elite não pode distinguir-se da classe dominante, no sentido em que este conceito foi empregado por seu conterrâneo e antecessor, Gaetano Mosca, em 1896. Nesta concepção do mundo, porém, a classe governante não é uma classe sócio-econômica no sentido marxista, nem sequer pode ser comparada a um estamento do período feudal. Como Robert Michels sustentava em seu livro de 1911, Sociologia dos Partidos Políticos, ainda estamos longe do mundo de Max Weber. A diferença reside em que, enquanto Weber e Michels coincidiam no fato de que, para que fun-cionem, os partidos de massa democráticos precisem ser burocráticos, Michels sustentava que também devem ser oligárquicos. Pareto, ao contrário de Michels, distingue duas espécies ou classes de elite. Em uma, o modo de pensar predominante é essencialmente conservador – dedicado ao atendimento, não só de seu poder, mas também das ins-tituições existentes. Por outro lado há elites que surgem e utilizam seu poder para criar novas combinações sociais e políticas na sociedade em que vivem. Desde logo, esta segunda classe de elite, inovadora, e em certas ocasiões revolucionária, se verá imersa, em seu devido tem-po, na administração do poder e, portanto, se tornará conservadora, a respeito da mesma formação social que a iniciou. Como conseqüência, devem surgir establishments reacionários à inovações revolucionárias. Estas elites tendem a ser particularmente brutais e sangrentas, para consolidar-se a si mesmas e a suas criações. Depois de tornar-se con-servadoras e, inclusive preservadoras, podem manter-se pelo prestígio da tradição, pelo exercício do poder burocrático e policial e, claro está, mediante a mera astúcia. Ao ser a sociedade um fluxo constante em um mar sem marés, segundo acreditava Pareto, acabaria por surgir um

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deslocamento entre a autoridade e a competência dessa elite e as pres-sões da estrutura cambiante e a cultura política. Com isso, se criaria a oportunidade para que o ciclo continuasse e se estabeleceria uma elite inovadora e, mediante osmose, uma política de massas com aceitação, com a violência, ou com uma combinação de ambas. No séc. XX, a história de todos os países fora das estreitas fronteiras das democracias ocidentais, confirmou a utilidade desses princípios e normas básicas de transformação. Tão pouco pode negar-se, ainda que a afirmação se aproxime da mera obviedade de que o fluxo e refluxo de que falava Pareto, se dão nos Estados democráticos de partido. Ge-rações de estudiosos dos partidos políticos, desde a época de Moisei Yakolevich Ostrogorski (1854 – 1919), do começo do séc. passado até hoje, têm tratado de esquivar-se a considerar esse fluxo e refluxo. Os teóricos da elite diriam que tais esforços são em vão, pois, ou bem pertencem às esperanças de uma Utopia, ou à legitimidade do poder brutal. E o poder brutal, ainda que a longo prazo, produz a sua própria nêmesis (indignação provocada por uma partilha desigual).

Teoria dos JogosA Teoria dos Jogos é um ramo da matemática que foi aplicado à polí-tica, com freqüência cada vez maior a partir da década de 60. Um jogo é qualquer situação na qual os resultados são o produto da interação entre mais de um participante racional. A teoria inclui não só jogos na acepção comum, como xadrez ou futebol, mas sobretudo uma enorme variedade de interações humanas. Qualquer interação humana, como por exemplo, “que estrada devo seguir, a da direita ou a da esquerda?”, até indagações “como devo me comportar em uma negociação inter-nacional?”, podem ser tratadas como um jogo. Há várias maneiras de se classificar os jogos. A mais comum é a que os divide entre jogos com informação perfeita e sem informação perfeita, assim como a que os considera jogos-de-soma zero e jogos de soma-não-zero. Xadrez é um jogo de informação perfeita. Ele é pautado por regras que definem que movimentos são permitidos, quais levam à vitó-ria e quais os proibidos. Teoricamente, um computador poderia identi-ficar todas as combinações de jogadas possíveis e traçar uma estratégia para as peças negras e para as brancas. Se isto ocorresse, o xadrez dei-xaria de ser um jogo interessante. O bridge, por sua vez, é um jogo de informação imperfeita, na qual os jogadores devem não só calcular qual o procedimento racional do contendor, mas também estimar a probabi-lidade de que esse contendor utilizará cartas que o outro não pode ver, nem saber quais são. Os jogos mais estudados em política, como o “jogo

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do galinha” e o “dilema do prisioneiro”, são jogos de soma-não-zero, que reproduzimos abaixo, traduzidos do The Concise Oxford Dictionary of Politics (Dicionário Oxford Conciso de Política) de Iain Mc Lean, Oxford, 1996, verbete Game Theory, p. 198.

Chicken Game ( Jogo da galinha)“Jogo assim batizado por pertencer aos jogos de “desafio”, su-

postamente jogado por adolescentes californianos: duas pessoas estão dirigindo em sentidos opostos em uma estrada estreita; o primeiro a desviar é o “galinha”(NT). Quando duas pessoas estão jogando, o Jogo da Galinha é melhor representado pelo diagrama a seguir:

em que A>B>C>D e, em cada quadro, a letra antes da vírgula é o que eu ganho e a letra após a vírgula é o que você ganha. A característica paradoxal do Jogo da Galinha é que cada jogador tem um incentivo para tentar forçar o outro a cooperar (aqui, desviando), ao anunciar, an-tecipadamente, que vai desistir (aqui continuando). Se isso funcionar, o desistente ganhará A (o melhor resultado) e o cooperador, C (o terceiro melhor resultado). Mas se os dois jogadores fizerem isso e nenhum dos dois desviar, receberão D, (o pior resultado): algo que foi muito temido na Crise dos Mísseis Cubanos, de 1962. Além disso, o superjogo en-frentado por cada um dos jogadores ao decidir se compromete ou desis-te é, por si só, um Jogo da Galinha. Assim, o Jogo da Galinha é muito diferente do Dilema dos Prisioneiros, apesar de qualquer semelhança superficial que possa existir. Os dilemas da vida real dos contribuintes geralmente se assemelham a um ou outro jogo. Todos são tentados a “pegar uma carona”, isto é, deixar que os outros contribuam e se benefi-ciar dessas contribuições, sem que tenham que pagar nada. Se a carona universal traz o pior resultado para todos, o jogo é do tipo Galinha. Se traz um resultado razoável, mas não o pior para todos, é, provavelmente, do tipo Dilema dos Prisioneiros”. (Vide adiante)Vejamos, a seguir, o que significam os resultados, em face do funda-mento da Teoria dos Jogos, constante do texto deste fascículo. O jogo prevê 4 resultados, A,B,C,D, em que A é o de pontuação mais alta, B e C de pontuação intermediária e D o de mais baixa pontuação. Na opção; Eu desvio e Você desvia, o resultado é B para ambos os conten-dores. É um jogo de soma positiva, em que ambos ganham. Na opção

Você desvia Você continuaEu desvio B, B C, AEu continuo A, C D, D

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Eu desvio e Você continua, o resultado é C para mim, A para você, ou seja, eu perco, você ganha. É um jogo de soma negativa, em que um ganha e o outro perde. Na opção Eu continuo”e Você desvia, o resulta-do é A para mim, C para você, portanto o resultado é também de soma negativa, em que eu ganho e você perde. Na opção Eu continuo e Você continua, o resultado é de soma zero, ou seja, nós dois perdemos, por-que os carros vão se chocar. Vejamos, a seguir, o outro jogo.

Dilema dos PrisioneirosO mais famoso dos jogos que não são de soma-zero. Dois prisioneiros estão confinados em celas separadas. O promotor público sabe que eles cometeram juntos um assalto à mão armada, mas somente se pelo me-nos um deles confessar, é que o promotor terá provas que levem a uma condenação. Se nenhum dos dois confessar, ambos serão sentenciados a dois anos de prisão por porte ilegal de arma de fogo. A sentença para assalto a mão armada é de 20 anos. Entretanto, se ambos se confessarem culpados, a pena será reduzida para 10 anos. Se um confessar e o outro não, o que confessar será posto em liberdade e o outro sentenciado a 20 anos. O promotor visita cada um dos dois prisioneiros e o convida a confessar. Será que o prisioneiro deve confessar?O dilema dos prisioneiros pode ser representado pela seguinte matriz, na qual em cada célula o número antes da vírgula é o resultado para Linha e o número após a vírgula o resultado para Coluna. Os números representam anos de prisão e são precedidos do sinal – (menos) porque um número maior de anos de prisão é pior do que um número menor.

Linha não sabe o que Coluna vai fazer. No entanto, ele sabe que, se Coluna não confessar, ele receberá –2 (uma pena de dois anos) se tam-bém não confessar e 0, se confessar (não será apenado). Se Coluna confessar, Linha receberá –20 (pena de 20 anos) não confessando e –10 (pena de dez anos), confessando. Portanto, independentemente do que coluna fizer, é evidente que Linha estará em melhor situação se confessar. O raciocínio é simétrico para Coluna. Assim, os prisioneiros racionais irão confessar, mesmo sabendo o tempo todo que seria me-lhor para cada um deles, se nenhum dos dois confessasse.

Coluna Não confessar Confessar Linha Não confessar -2, -2 -20, 0 Confessar 0, -20 -10, -10

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O dilema dos prisioneiros já foi generalizado para interações repetidas (superjogos) e para mais de dois jogadores. Com interações repetidas, já não é mais verdadeiro que cada jogador sempre deva desertar. Por exemplo, os jogadores podem chegar a um acordo sobre uma regra de retaliação, ou sinalizar um ao outro por meio de suas respostas em jo-gos repetidos. Retaliação significa: “Eu vou cooperar em nosso primeiro encontro; depois disso, o que quer que você faça em cada rodada, eu vou fazer com você na rodada seguinte”. Por meio desta ou de outras estratégias de cooperação condicional, os jogadores podem chegar a um padrão “evolucionariamente estável” de cooperação condicional.Os modelos de dilema de prisioneiros são aplicados a quase toda for-ma de interação humana e animal. Dentre os exemplos bem conhe-cidos na área política destacam-se a corrida armamentista, a política de rendas, as negociações comerciais em órgãos como o GATT (atual OMC – Organização Mundial do Comércio), e as negociações para a redução da poluição. Há perigos no uso excessivo: a situação precisa ser especificada cuidadosamente, e nem sempre o que aparenta ser um dilema de prisioneiros vai realmente sê-lo.Também já foram feitos extensos testes experimentais do dilema dos prisioneiros em laboratório. Um dos resultados mais consagrados é o de que os estudantes de economia têm uma tendência mais freqüente a chegar ao resultado egoísta, racional e sub-ótimo do que os estudan-tes de qualquer outra área. Consideremos, em primeiro lugar os resultados: 0 é o melhor resulta-do; –2 e –10 os resultados intermediários, –2 sendo melhor e –10 pior. O resultado – 20 é, por sua vez, o pior resultado. Como explicado no exemplo anterior, a opção Linha não confessar e Coluna não confessar, o resultado é o melhor entre os intermediários, já que ambos perdem, mas não tudo o que poderiam perder. Neste caso é um jogo de soma positiva, em que ambos perdem alguma coisa e ambos ganham alguma coisa, mas ganham mais do perdem. Na opção Linha não confessar e Coluna confessar, é um jogo de soma negativa, em que Linha ganha zero, o melhor resultado, e Coluna ganha –20, o pior resultado. No exemplo Linha confessar e Coluna não confessar o resultado é idêntico ao anterior, ou seja, um jogo de soma negativa, em que Linha ganha zero, e portanto ganha o melhor resultado e Coluna –20, o pior. Logo é também um jogo de soma negativa, em um ganha o outro perde. Finalmente, na opção Linha confessar e Coluna con-fessar, ambos ganham o pior resultado intermediário, logo é um jogo de soma negativa, em que os dois perdem já que obtêm conseguem os piores resultados intermediários, ao contrário de –2 e –2 em que

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ambos conseguem o melhor enter os resultados intermediários, o que significa perder menos. Dependendo do que esteja em jogo, perder pouco e perder muito podem ser considerados jogo de soma zero, se considerarmos que ambos perdem alguma coisa e só ganham a opção de não perder o pior.

Terceiro MundoEmbora a origem da expressão Terceiro Mundo seja uma polêmica até hoje não resolvida, parece fora de dúvida que ela surgiu no contexto da Guerra Fria* para designar os países que não faziam parte do bloco das nações capitalistas industrializadas, alinhadas com os Estados Unidos, nem das que integravam o conjunto dos países socialistas liderados pela ex-União Soviética. O Terceiro Mundo era composto daqueles que não se alinhavam com qualquer dos dois blocos, por isso designados também de Não-Alinhados, muitos deles ex-colônias. Posteriormente o termo serviu para designar também os países pobres da África, Ásia e Améri-ca Latina, também chamados de “Sul”, para contrastar com os ricos do “Norte”. O termo foi caindo em desuso pelo fato de englobar numa mes-ma designação países do mais variado grau de desenvolvimento econô-mico e de diversidade religiosa, cultura e étnica, o que tornava o conceito ainda mais fluido. Para amenizar essas discrepâncias, o Banco Mundial criou uma categoria identificada pela sigla NIC – em inglês, Newly In-dustrializing Coutries, Países em vias de industrialização, para indicar os países de renda média, com saldo nas respectivas balanças comerciais, pelas rendas da exportação dos excedentes de óleo que passaram a ser conhecidos como pertencentes ao Quarto Mundo. Eram também ex-colônias que não se alinhavam aos antigos colonizadores e repudiam o imperialismo de que tinham sido vítimas. Os “não-alinhados” do Tercei-ro Mundo, realizaram alguns encontros internacionais, entre os quais a conferência afro-asiática em Bandung, em 24 de abril de 1955 e outra que aprovou, na reunião de 1 a 6 de setembro de 1961, em Belgrado, uma “Declaração dos Países Não-Alinhados”. Com o fim da Guerra Fria*, e do socialismo real na antiga União Soviética, o termo foi perdendo sua utilidade. Mas no auge das tentativas de defender seus interesses comuns, o grupo de países do “Terceiro Mundo” era constituído sobretudo pela Índia, sob a liderança de Nehru, pela Indonésia sob a liderança de Sukar-no e pelo Egito de Gamal Abdel Nasser, entre os mais importantes.

TiraniaNo pensamento clássico, a palavra grega tyrannia significa a forma corrupta da monarquia, em que o poder era exercido por uma só pes-

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soa, em seu próprio interesse. Genericamente, indica o abuso da força coercitiva do Estado, na ausência do que se convencionou chamar o governo da lei, para indicar o governo dos homens. A ausência do princípio que os ingleses chamam de rule of law e no Brasil denomina-mos “princípio da legalidade”, sugere o governo exercido pela vontade exclusiva do tirano e o tratamento arbitrário dispensado aos cidadãos, quando não o uso sistemático do terror. Os teóricos da Democracia, como John Stuart Mill chegam a usar a expressão para condenar a “tirania da maioria” que pode ser a sistemática predominância da von-tade da maioria.

TrabalhismoO movimento trabalhista, também conhecido como trabalhismo, re-fere-se a duas idéias. A primeira, que os trabalhadores chamados de blue collar (colarinho azul, por oposição à expressão colarinho branco*), ou seja os trabalhadores manuais, têm interesses políticos e econô-micos comuns que podem ser ampliados ou conquistados através da ação sindical. A segunda, que os sindicatos podem formar alianças ocasionais com partidos de esquerda ou de centro, com o objetivo de formar governos em que os direitos trabalhistas sejam considerados de importância vital. Os movimentos trabalhistas na Europa derivam da reação dos trabalhadores urbanos no séc. XIX. O marxismo exerceu influência decisiva na formação de tais movimentos na Europa conti-nental que levaram à formação do partidos trabalhista na Alemanha, em 1869. Na Inglaterra, esse movimento foi, desde o início, mais re-formista que revolucionário e, no séc. XIX, seus integrantes operaram em estreita colaboração com o sistema político existente. Essa pos-tura durou até a criação do comitê de Representação Trabalhista em 1906 e a fundação do Partido Trabalhista em 1906. De maneira geral, o trabalhismo teve caráter eminentemente internacionalista, visando aos interesses comuns dos trabalhadores, contra os sistemas capitalis-tas predominantes nos principais países da Europa. Entretanto, em face da Primeira Guerra Mundial, esse caráter sofreu um duro golpe, quando os partidos de esquerda, os socialistas, inclusive, foram toma-dos de um fervor nacionalista que afetou o caráter internacionalista do movimento. Com a vitória da Revolução bolchevista de 1917, na Rússia, o movimento internacionalista ganhou força novamente, com a formação da IIIa Internacional, encarregada de coordenar a ação e a fundação dos partidos comunistas em outros países. Esse movimento liderado pela ex-União Soviética terminou provocando o fechamento de inúmeros partidos socialistas e comunistas durante o período de

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entre guerras. Em países como a Alemanha, a Grã-Bretanha e os Es-tados Unidos os comunistas mantiveram sua militância, valendo-se do movimento sindical e atuando no interior dos Partidos trabalhistas, enquanto em outros, como na França, os comunistas controlavam os sindicatos que lhes eram filiados, competindo tanto com os sindicatos socialistas, quanto com os de cunho cristão. A idéia de um movimento trabalhista, forte, atuante e organizado voltou a ganhar força na dé-cada de 50 do século passado e na década seguinte nos países coloni-zados, onde não foram poucos os que colaboraram com o movimento de libertação nacional na África. No Brasil, o Partido Trabalhista foi fundado com o fim do Estado Novo, em 1945, para dar sustentação política a Getúlio Vargas, e servir de suporte político ao estamento sindical criado oficialmente em 1938 e atuante com caráter oficialista, até 1978.

TransnacionalDenominação que se dá atualmente à empresa que, até algumas décadas atrás, era chamada de multinacional *. Não há uma diferença conceitual assentada entre uma empresa multinacional *, aquela que atua em vários países, da que atualmente se denomina de transnacional que tem ativi-dades simultaneamente em inúmeros países, seja atuando no comércio, na indústria ou na prestação de serviços. O caráter transnacional se ca-racteriza pela circunstância de que, na área industrial, essas empresas manufaturam produtos que são produzidos em vários países e depois montados em um deles, valendo-se das vantagens comparativas que as diferenças tributárias, financeiras e trabalhistas dos diversos países lhes permitem baratear o custo dos produtos que comercializam.

Trotsky/TrotskismoLeon Trostky (1879 – 1940) era o codinome de Lev Davidovich Brons-tein nascido em Yanovka, na Ucrânia filho de um granjeiro judeu que se tornou, depois de Lênin, o teórico, escritor e orador mais brilhante da Revolução russa de 1917. Foi assassinado quase com toda segurança, por ordem de Stalin, em 20 de agosto de 1940, no México, onde tinha se refugiado, depois de ter o asilo negado por vários países. Ele passou a maior parte de sua vida longe da Rússia, entre 1902 e 1917. Conhe-ceu Lênin em 1902, mas não se alinhou aos mencheviques, quando o Partido Social Democrata Russo se cindiu em 1903, em Londres. Teve destacado papel na Revolução russa entre 1905 e 1907, como presidente do Soviete dos trabalhadores de São Petesburgo. Uniu-se a Lênin em julho de 1917, porque afirmou haver ele adotado sua tese da “Revolu-

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ção Permanente”. Com essa aliança, tornou-se membro destacado do Soviete de Petrogrado e de seu comitê militar revolucionário, o Esta-do-Maior da Revolução de Outubro. Foi Comissário de Assuntos Ex-teriores de 1917 a 1918, o cérebro da criação do Exército Vermelho e desempenhou um papel fundamental na Guerra Civil, de 1918-1920. Sucessor natural de Lênin, se negou a tomar seu lugar quando de sua morte, esperando que o posto lhe fosse oferecido, enquanto Stalin tra-balhou para que isto jamais ocorresse, tornando-se ele mesmo titular do cargo antes ocupado por Lênin. Trotsky assumiu então a liderança da esquerda do Partido Comunista da União Soviética, entre 1923 e 1927, quando foi expulso e exilado na cidade de Ama Alta em 1928, até ser expulso do país em 1929, sendo-lhe permitido levar seu arquivo pessoal, que, depois de sua morte foi adquirido por uma Universidade americana onde se encontra depositado. Passou o resto de sua vida na Turquia, na França, na Noruega e por fim no México, onde morreu nas mãos de um sicário membro do Partido Comunista Espanhol que cumpriu a missão que lhe foi atribuída pela Comintern. Sua maior contribuição ao pensamento marxista é a teoria da revolução permanente que, por sua vez, é parte de uma teoria mais ampla, a do desenvolvimento desigual e combinado. Segundo essa sua concepção, nem todos os países devem seguir uma evolução social idêntica, des-de o feudalismo até o socialismo, passando pelo capitalismo. No caso dos Estados subdesenvolvidos é possível queimar etapas, de forma que alguns possam mostrar traços de Estados capitalistas avançados, junto ao subdesenvolvimento de outros. Isto ocorre em alguns Estados fora da Europa ocidental, da América do Norte e do Japão. Neles, segundo Trotsky, pode desenvolver-se uma classe trabalhadora nativa mais forte que a burguesia, de tal sorte que esta última não tenha condições de adquirir poder político. Depende do proletariado levar a cabo a Revo-lução burguesa, porém a revolução continua e desenvolve determinados elementos de uma sociedade socialista. Uma vez no poder, o proletaria-do vitorioso deve dar prioridade à luta pela revolução em outros países, se necessário, pela força. O trotskismo se opõe à coexistência e adota o conflito como forma de abalar, gradualmente, as instituições e os valores capitalistas. Para ele, o internacionalismo socialista precede ao naciona-lismo e ao patriotismo. Por esta razão, Trotsky se opôs à idéia de Stalin de “socialismo em um só país” e tratou de analisar a ditadura stalinista dela resultante. As burocracias do Partido e do Estado podem engen-drar uma elite privilegiada, separada das massas, que pode ser utilizada pelos líderes para promover o poder pessoal, que foi o que terminou ocorrendo com o advento do stalinismo na União Soviética.

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UnicameralismoTermo utilizado para designar os sistemas políticos que, ao contrário de duas Câmaras legislativas (Câmara dos Deputados e Senado), têm ape-nas uma, (em geral denominada Assembléia Nacional), configurando, neste caso, um sistema unicameral, como é o caso dos parlamentos de Israel, Dinamarca, Nova Zelândia e Portugal.

UtopiaA palavra é a justaposição de duas palavras gregas, ou (não) + topos (lu-gar). Significa, portanto, o “não lugar”, ou seja, o lugar que não existe. Ela foi utilizada pelo escritor e filósofo inglês Thomas Morus, (1480 – 1535) na obra com esse título, publicada em 1516, para indicar um país imaginário, organizado com o objetivo de proporcionar a seus habi-tantes as melhores condições de vida possíveis. A partir de então, passou a significar um sistema político perfeito. Até a publicação do livro de Morus, a palavra indicava uma sociedade ideal ou inalcançável ou ainda ambas as coisas. Durante muito tempo foi um termo desprezado, por não se referir às condições do mundo real. No entanto, o conceito exerce duas importantes funções no pensamento político. A primeira é que o pensamento utópico explicita sempre uma crítica aos sistemas políticos e sociais existentes de um ponto de vista mais radical do que simples-mente reformista. A segunda é que propõe novos ideais que servem para ilustrar como eles podem ser realizados nas diferentes sociedades. Nem sempre, porém, é fácil reconhecer o que é um pensamento utópico. As utopias idealizadas são, em geral, apresentadas sob forma literária, em

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geral, romances sobre sociedades perfeitas no futuro ou no passado. Mas existem também obras não-literárias de conteúdo utópico: os códigos ideais elaborados durante o Iluminismo por pensadores como Morelly, e propostas detalhadas para comunidades experimentais, como as su-geridas pelo inglês Robert Owen. O movimento que podemos chamar de utópico não é a mera defesa de um ideal. Se fosse apenas isso, to-dos os pensadores políticos poderiam ser rotulados de utópicos. Ele consiste na aplicação do ideal ou ideais, a cada aspecto da vida social com conseqüências revolucionárias para a reorganização da sociedade. O movimento utópico, porém, não constitui uma ideologia, uma vez que diferentes aspectos da utopia, tanto de direita quanto de esquerda e mesmo fora dessas duas categorias têm sido imaginadas e/ou propostas ao longo do tempo. Trata-se apenas de uma modalidade para se refletir sobre a Política e a sociedade, que visa ao seu aperfeiçoamento. Entre a mais conhecida de todas as utopias está a obra A República, de Platão, um Estado ideal governado por reis-filósofos (“Guardiões”) que vivem de forma comunitária sem a existência da propriedade privada e gastam o tempo contemplando o bem e buscando a verdade que eles realizam através de decretos. A Utopia de Thomas Morus, é uma coletividade de uma ilha imaginária, organizada na base da vida coletiva, da pro-priedade comunitária, e a obrigação do trabalho. O livro New Atlantis (Nova Atlântida) de Francis Bacon, publicado em 1627 é uma socieda-de dirigida por cientistas orientados por princípios científicos. A Cidade do Sol de Campanela, publicada em 1602 é uma cidade construída em círculos concêntricos, cujos cidadãos se dedicam ao conhecimento e à vida piedosa. Utópicas são as propostas de comunidades elaboradas pe-los primeiros socialistas como Robert Owen (1771 – 1858), Charles Fourier (1772 – 1837) e Etienne Cabet (1788 – 1856). Bárbara Goo-dwin, autora do verbete Utopia na Enciclopédia Blackwell do Pensamento Político, adverte que as utopias contam-se aos milhares, sendo portanto impossível estabelecer um padrão que possa enquadrá-las. Mas lembra também que elas abrangem desde Platão até a de Aldous Huxley, com seu apreciado texto, Admirável Mundo Novo, publicado em 1932.

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VereadorVereador, ensina Caldas Aulete, em seu Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, é “pessoa que vereia” e verear, verbo intransitivo, é o mesmo que “administrar, reger, governar, vigiar como Vereador”. É também a designação que se dá, no Brasil, aos membros das Câmaras Municipais ou Câmaras de Vereadores. É sinônimo de Edil que provém do latim Ædile “antigo magistra-do romano que se incumbia da inspeção e conservação dos edifícios públicos”, conforme a lição do Aurélio. No Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva, o autor esclarece que, segundo Constâncio, em seu Dicionário, “Vereador de-signa a pessoa que é colocada para vigiar, ou cuidar dos bem e dos negócios do povo, ditando as normas necessárias a esse objetivo”. E adianta: “Os vere-adores, também chamados de camaristas, são os componentes das Câmaras Municipais, outrora denominadas de Congresso do Povo e Vereação. Primitiva-mente, os Vereadores tinham funções administrativas e judiciárias. Exerciam, assim, funções análogas aos decuriões da era romana. As Ordenações do Reino tinham-nos nesse caráter, cabendo-lhes despachar com os juízes, ‘em Câmara sem apelação, os feitos das injúrias verbais e de furtos pequeno e da Almota-ceria, de que lhes pertence o conhecimento’ (Almotacé, do árabe al muhtasib, era, nos municípios, o inspetor encarregado da verificação dos pesos e medidas e da taxação dos gêneros alimentícios vendidos nos armazéns e feiras). Com a outorga da Constituição imperial de 25 de março de 1824, a matéria relativa às Câmaras passou a constar do seu Título VII, que tratava da Administração e economia das províncias, no respectivo capítulo I e no Cap. II, das Câmaras. Neste dispunham: (1) O art. 167 – “Em todas as cidades e vilas ora existentes, e nas mais que para o futuro se criarem, haverá câmaras, às quais compete o governo econômico e municipal das vilas”; (2) O art. 168: “As Câmaras serão eletivas e compostas do número de vereadores que a lei designar, e o que ob-

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tiver o maior número de votos será presidente; e (3) O art. 169: “O exercício de suas funções municipais formação de suas posturas policiais, aplicação de suas rendas, e todas as suas particulares e úteis atribuições, serão decretadas por uma lei regulamentar”. Elas ainda continuaram com suas antigas funções, até 1828, quando o imperador D. Pedro I sancionou e promulgou a lei de 1o de outubro do mesmo ano, “criando em cada cidade e vila do Império Câmaras municipais”. Essa lei era dividida em quatro títulos e 90 artigos, tratando cada título, respectivamente, dos seguintes assuntos: (I) A forma de eleição das Câ-maras, arts. 1 a 65; (II) das posturas policiais, arts. 66 a 73; (III) da aplicação das rendas, arts. 74 a 79 e (IV) dos empregados, arts. 79 a 90. Os mandatos dos vereadores duravam quatro anos, como o dos deputados, sendo eleitos em 7 de setembro de cada ano e tomando posse em 1o de janeiro. O art. 24 da lei, por sua vez, dispunha que “As Câmaras são corporações meramente adminis-trativas, e não exercerão jurisdição alguma contenciosa”, revogando com isso o Livro 1o título 65, § 73 das Ordenações Filipinas que lhes atribuíam funções judiciais. Reuniam-se de três em três meses, a partir de janeiro, realizando, em cada período, quatro sessões ordinárias, que deveriam durar “os dias que forem necessários”, não podendo ser menos de seis. Disposição saneadora estava pre-vistas no art. 38: “Nenhum Vereador poderá votar em negócio de seu particular interesse, nem dos seus ascendentes ou descendentes, ou cunhados, enquanto durar o cunhadio. Igualmente não votarão aqueles que jurarem suspeição”. Com a proclamação da República e a Constituição de 24 de fevereiro de 1891, o Brasil adotou o regime federativo, que substituiu o velho Estado unitário do Império. Em conseqüência, a questão municipal passou a ser tratada em Título próprio da Constituição Republicana, o Título II, com apenas um artigo, o de no 68 que dispunha: “Os Estados organizar-se-ão de forma que fique asse-gurada a autonomia dos municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”. A questão da autonomia municipal, assegurada de forma ampla no texto constitucional, atravessou toda a República velha e não se resolveu nem mesmo com o fim desse período de nossa história política. Comentando a distância que separou a Constituição da realidade, Amaro Cavalcanti, uma das granes expressões do período republicano, em seu livro Regime Federativo e a República Brasileira, assinalou, com referência aos abusos cometidos pelos Estados contra a autonomia municipal, o seguinte: “Em primeiro lugar, é de advertir que muitas das Constituições estaduais, ao consignar a autonomia do município, fizeram-no, desde logo, como preceito de mera formalidade; uma vez que reconheceram, ao mesmo tempo, ao legislador ordinário, o direito de anular as resoluções e atos dos poderes municipais, de maneira indefinida”. E aponta as Constituições estaduais que consagraram esse princípio autocrático: as do Amazonas, Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ser-gipe, Alagoas, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso. Como se vê, 15 dos 20 Estados então existentes. Não foram esses só os abusos, porém. As práticas mais abusivas tornaram tabula

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rasa toda e qualquer pretensão de autonomia municipal que, novamente esta-belecida com a efêmera Constituição de 1934, logo se viu anulada pelo Estado Novo, cuja Constituição totalitária, outorgada por Vargas, estipulou desde logo, em seu art. 27 que “o prefeito será de livre nomeação do governador do Estado” que, por sua vez, era livre e discricionariamente nomeado pelo presidente da República. Só com a Constituição liberal de 1946, os municípios alcançaram sua efetiva autonomia que se viu reforçada com a participação nos tributos federais e estaduais. Severas restrições, contudo, voltaram a incidir sobre a au-tonomia municipal durante o regime militar, quando passaram a ser nomeados e não mais eleitos, os prefeitos das capitais, dos municípios localizados na faixa de fronteiras, dos que fossem estâncias hidro minerais e daqueles considerados de interesse da segurança nacional. A Constituição de 1988, porém, restabele-ceu e fortaleceu a autonomia municipal. A importância do município nos sistemas federativos não decorre só de sua autonomia, porém. Provém, sobretudo, da circunstância de constitu-írem, prefeitos e vereadores, o poder local, aquele que está mais próximo do cidadão, a partir do qual podem ser reforçados os instrumentos da democracia participativa e da democracia direta que a União e os Estados, meras ficções jurídicas, como ensina o brocardo municipalista segundo o qual “ninguém mora nem na União nem nos Estados”, só têm condições de praticar de forma muito restrita e limitada. A participação é requisito para o aprimoramento do sistema político em qualquer país e o exercício da democracia direta, o mais valioso instrumento de participação.

VerticalizaçãoDenomina-se verticalização o princípio segundo o qual o eleitor e/ou os partidos são obrigados a vincular seu voto a esquemas pré-determinados de coligações partidárias ou de escolha de candidatos de uma só legenda, que terminam por atingir ou a liberdade de funcionamento dos partidos, assegurado no art. 17 da Constituição, ou a própria liberdade de escolha do eleitor. A verticalização que violou o direito de escolha do eleitor, através de medida claramente inconstitucional e notoriamente autocrática, foi adota-da no Brasil durante o regime militar, quando a Lei no 7.015, de 16 de julho de 1982, que por sua vez alterou a de no 6.978, de 19 de janeiro do mesmo ano, estabelecendo regras para as eleições de outubro, prescreveu em seu 6o, que o art. 8o da citada lei no 6.978, passasse a vigorar com a seguinte redação: Nas eleições previstas nesta lei, o eleitor votará apenas em candidatos pertencentes ao mesmo partido, sob pena de nulidade do voto para todos os cargos. A outra hipótese que proibiu a liberdade de coligar-se dos partidos, ocorreu nas elei-ções gerais de 2002 e de 2006. O Código Eleitoral, em seu art. 86, dispõe que, “Nas eleições presidenciais, a circunscrição será o país, nas eleições fede-rais e estaduais, o Estado e, nas municipais o respectivo município”. A lei que

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regula as eleições federais, estaduais e municipais (9.505/97), por sua vez, estabelece, em seu art. 6o que, É facultado aos partidos políticos, dentro da mes-ma circunscrição, celebrar coligações para eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se mais de uma coliga-ção para a eleição proporcional, dentre os partidos que integram a coligação para o pleito majoritário”. Como as eleições gerais (federais e estaduais), incluem pleitos majoritários (presidente da República, governadores e se-nadores) e proporcionais (deputados federais e estaduais), que concorrem em circunscrições diferentes, na primeira eleição depois da promulgação da lei no9.504, realizada em 1998, foi possível realizarem-se coligações diferen-tes tantos nos pleitos majoritários, quanto nos proporcionais, nas diversas circunscrições – federal e estadual. Em 2002, uma Resolução do TSE, de no 20.993, fez tabula rasa das duas leis e obrigou os partidos que tivessem candidatos a presidente da República a se coligarem apenas com as mesmas legendas da coligação federal, para deputados, independentemente de se tratarem de eleições majoritárias as de presidente, governadores e senado-res, e proporcionais as demais.

Voto facultativoQuando o voto é uma prerrogativa, isto é, uma faculdade que os cidadãos exercem ou deixam de exercer, segundo sua vontade, diz-se que o voto é facultativo. Em nosso caso, o voto é facultativo para (a) os analfabetos, (b) os maiores de 70 anos e (c) os maiores de 16 e menores de 18 anos.

VotoNo Direito Constitucional brasileiro, o voto representa a opinião ou escolha que faz o indivíduo ao qual se concede a obrigação ou a facul-dade de eleger seus representantes ou delegados, nas assembléias ou nas chefias dos poderes públicos. O voto, portanto, é o instrumento através do qual o cidadão elege seus representantes.

Voto distritalVoto distrital é sinônimo perfeito de voto majoritário. E voto majoritário é aquele que decide as eleições, pela maioria dos votos. Bom exemplo, é o caso do Brasil, no que se refere às eleições majoritárias de presidente da República, governadores dos Estados e do DF, e senadores. A regra nesses três casos é a mesma, ganha aquele que consegue a maioria dos votos válidos. Mas há uma pequena distinção. No caso do presidente da República e dos governadores, exige-se maioria absoluta, isto é, metade dos votos válidos mais um. Não atingida essa maioria qualificada por ne-nhum dos candidatos, procede-se a um segundo turno em que concorrem os dois mais votados, quando, então, um dos dois conseguirá, fatalmente,

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a maioria absoluta. Nas eleições dos senadores, que também é majoritária, há uma particularidade: não se exige maioria absoluta, mas sim maioria relativa, isto é, ganha a eleição aquele candidato que conseguir número de votos maior que qualquer de seus concorrentes. As eleições majoritárias também podem ser aplicadas na escolha dos de-putados federais e estaduais. Não é o caso do Brasil, mas é o da França, dos Estados Unidos, da Austrália e do Canadá, por exemplo. Como se procede neste caso? Os Estados são divididos em tantos distritos quantas são as cadeiras a que cada um tem direito. E as eleições se disputam como se fosse uma eleição para senador no Brasil. Cada partido apresenta um candidato e aquele que tiver maior número de votos é considerado eleito. Esse é o processo que vigora nos países acima indicados, com exceção da França, onde se exige maioria absoluta, para vencer no 1o turno, como no caso do pleito para presidente da República, no Brasil. Como são vários candidatos, se nenhum deles alcança a maioria absoluta, os que tenham obtido pelo menos 12,5% dos votos concorrem num segundo turno e considera-se eleito o que conseguir o maior número de votos. A pergunta que ocorre deve ser óbvia: – Por que tão poucos países adotam esse sis-tema para escolha de seus deputados? A razão é simples. Trata-se de um método que beneficia a maioria e prejudica notoriamente as minorias. Salvo, é claro, quando o sistema é bipartidário e os dois partidos concor-rem em igualdade de condições. Veja o exemplo, no quadro seguinte, re-ferente à Grã-Bretanha que é o mesmo adotado nos países acima citados, de maioria relativa, com exceção da França onde se aplica o princípio da maioria absoluta no 1o turno e o da maioria relativa no 2o:

Quadro IIIDistribuição de votos e cadeiras na Grã-Bretanha (1974 – 1992)

Eleição Conservadores Trabalhistas Liberais-Democratas%Votos %Cadeiras % Votos %Cadeiras % Votos %Cadeiras

1974 (Fev) 38 47 (+9) 37 47 (+10) 19 2 (-17)1974 (Out) 39 50 (+11) 36 44 (+8) 18 2 (-16)1979 44 53 (+9) 37 42 (+5) 14 2 (-12)1983 42 61 (+19) 28 32 (+4) 25 4 (-21)1987 42 58 (+16) 31 35 (+4) 23 3 (-20)1992 42 52 (+10) 34 42 (+8) 18 3 (-15)

Nota: Os números entre parênteses indicam a diferença entre proporção de votos e de cadeiras.

Voto obrigatórioSufrágio, ou voto, pode ser uma obrigação ou dever, ou uma prerrogati-va. No primeiro caso, diz-se que o voto é obrigatório. No Brasil, segundo o § 1o do art. 14 da Constituição, o voto é obrigatório para os maiores de 18 anos e os maiores dessa idade até a de 70 anos.

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Xenofobia Do grego xenos (estrangeiro) + phobein (terror) + ismo, significa aversão às pessoas e coisas estrangeiras. Não existem estudos sistemáticos sobre a prática da xenofobia. E a principal razão é que se trata de uma prática tão antiga quanto generalizada, em muitas partes do mundo, ao longo da História e que foi assumindo formas e modalidades peculiares. A primeira pergunta que ocorre aos que se dedicam a examinar esse tema é onde, como e por que alguém seria capaz de manifestar aversão a pes-soas ou coisas estrangeiras? É fato consabido que os negros, nos países que cresceram e se civilizaram às custas da escravidão, sofreram todas as formas de discriminação, de violências e de humilhações. Os que os escravizaram, enriqueceram ou de qualquer forma se beneficiaram do trabalho escravo eram os mesmos que praticavam contra eles todas as formas de discriminação. Julgavam-nos seres inferiores, sem direitos e submetidos a todas as formas imagináveis de tratamento desumano e degradante. Eles eram estrangeiros, tanto nos Estados Unidos, quanto no Brasil, ao contrário dos filhos que nasceram em ambos os países. Mas se o sofrimento imposto aos escravos estrangeiros e aos filhos era o mesmo e nem por isso os últimos padeceram menos ou foram me-nos humilhados que os pais, seríamos nós e os norte-americanos xe-nófobos apenas com os estrangeiros? Caso típico em que a xenofobia e a discriminação não se praticam apenas contra pessoas estrangeiras. Esse argumento serve também para mostrar que a xenofobia pode, em determinadas circunstâncias, transformar-se em uma forma disfarça-da de discriminação. Não manifestamos nossos sentimentos xenófobos apenas contra todos os estrangeiros, mas sim, contra os estrangeiros que

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possam, potencial ou efetivamente, prejudicar-nos e até dos que possam beneficiar-nos. Podemos concluir que, assim como a xenofobia implica numa forma de discriminação, esta pode, também, significar uma forma de xenofobia. Com efeito, quando discriminamos um estrangeiro, qual-quer que seja nossa motivação, estamos praticando uma forma, explícita ou não, de xenofobia, na medida em que a discriminação é uma forma de julgarmos que os nossos semelhantes não são iguais, mas inferiores ou dotados de menos qualidades que nós. Outra forma de xenofobia é considerarmo-nos melhores ou superio-res aos estrangeiros, quaisquer que eles sejam, assim como atribuirmo-nos qualidades que negamos terem os demais cidadãos que não sejam nossos conterrâneos. Quando os nazistas divulgaram a noção de que eram descendentes dos arianos e afirmavam serem os arianos uma ração superior, estavam praticando uma das piores modalidades de xenofobia. Hoje, em grande parte dos países da Europa Ocidental, as manifesta-ções de xenofobia ocorrem em relação aos estrangeiros provenientes dos países por eles colonizados, na África e na América Latina, por enten-derem que eles são culpados das altas taxas de desemprego, ao aceitarem remuneração menor e constituírem uma reserva de mão-de-obra mais barata para as empresas nacionais de cada país que os acolhe e, muitas vezes os exploram. Em vez de culparem as empresas por essas práticas, culpam os imigrantes que, na época da colonização, padeceram de con-corrência idêntica, sem que pudessem queixar-se. A questão do colonialismo, nos põe em face de uma questão que, antes de ser ética, é política. Tiveram as colônias razão de praticar a xenofobia em relação aos colonizadores? Haveria, por conseguinte, uma xenofo-bia “boa” que não pode ser condenada e a “má” xenofobia que merece de todos condenação? E no caso dos países que, em face de melhores vantagens comparativas, praticam concorrência predatória nos merca-dos consumidores de seus produtos? Haveria neste caso razões éticas, comerciais ou políticas para a prática da xenofobia, neste caso não con-tra pessoas, mas contra coisas estrangeiras? São todas questões que, sem dúvida, continuam a merecer reflexão e discussão que nem sequer co-meçamos a fazer.

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Endereços para contato com o gabinete doSenador Geraldo Mesquita Júnior

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