brecht em pastiche

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    Foi Maurice Blanchot que me inspirou a fazer essa explorao da idia decpia como fator produtivo e criador. Ele no diz exatamente isto. A tese de

    Blanchot parte daquilo que ele chama de experincia desconcertante e que eu

    resumo assim: a obra escrita de um autor, ao ser publicada e ao circular no

    espao pblico, sai do domnio do autor para o domnio do leitor, que dela ento

    se apropria, tornando-a parte de si. Ele escreve isso em A literatura e o direito

    morte, ltimo ensaio do livro A parte do fogo (1949)2, estabelecendo, por esta

    tese, um circuito dialtico, infinito e sempre deslocado entre aquele que escreve e

    aquele que l. Nesse campo da virtualidade, sua lgica partilha com outros

    tericos e crticos, como Grard Genette e Roland Barthes, a noo de texto -

    para falar de obra escrita; e de intertextualidade - para falar do modo de ser do

    texto e de sua circulao por meio de leituras.

    Bem. Por um acaso da vida acadmica, h pouco tempo precisei voltar leitura

    de A pera do malandro, escrita por Chico Buarque de Hollanda, em 1978, no Rio

    de Janeiro3. Chamaram-me ento ateno os dados factuais de que isso ocorrera

    50 anos aps a escrita d A pera de trs vintns, de Bertolt Brecht, na Alemanha

    de 1928,4por sua vez, reescritura de A pera dos mendigos, de John Gay, escrita

    em Londres em 1728. Ao perceber que a aluso era intencional, imaginei observar

    as alteraes produzidas por esses remakes, considerando seus tempo-espaos

    especficos, suas propostas e uma proporcionalidade que se pode estabelecer

    entre cada uma dessas duas cpias, a de Brecht e a de Chico.

    O texto de Blanchot extenso. Aquilo que eu resumi em duas linhas ele diz emmuitas pginas. De forma bela e arguta ele descreve essa experincia

    desconcertante do paradoxal efeito de circulao da leitura. Em que a tese de

    Blanchot pode mover um exame do circuito das Operasem seu devir?

    2BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo. Trad. Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.3 BUARQUE DE HOLLANDA, Chico. A pera do malandro. 2a ed. So Paulo : Livraria Cuturaeditora, 1979.4BRECHT, Bertolt. Trad. Geir Campos. In: Bertolt Brecht: Teatro completo. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1990.

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    A cpia como efeito da circularidade da leitura

    A primeira inferncia um corolrio da tese: da experincia entre autor e leitorpor meio da leitura que surgem simultaneamente leitor, obra e autor, j que no

    existe leitor, sem leitura, no existe leitura, sem obra e no existe autor, sem obra

    e sem leitura.

    Estamos falando aqui da leitura individual de qualquer texto literrio, o texto

    dramtico inclusive, considerado em sua condio de nico texto, em relao

    direta e estimulante com um leitor individual, quando esse leitor se faz escritor e

    decide apropriar-se da obra de referncia. A essa operao chamamos de cpia,texto segundo criado a partir de um texto primeiro, quase como uma extenso

    deste, repetindo-o em nmero significativo de pontos. Uma cpia que se d na

    esteira do eixo metonmico, se consideramos que os aspectos reproduzidos so

    deslizados para novas configuraes que se alteram em intensidade, mas

    preservam muito do original.

    O texto-matriz, de John Gay, j nasce de um deslocamento. A motivao lhe fora

    sugerida por Jonathan Swift5, em carta que trocara com Alexandre Pope6, ambosingleses catlicos e que, no sendo ricos, de algum modo apreenderam o mundo

    rico frequentando os abastados, em cujo ambiente no s se introduziram, mas

    tambm nesse mundo, pela cultura de que eram portadores, se fizerem

    necessrios como preceptores. Swift sugere o nome de Gay para a ideia de uma

    comdia pastoral a se passar na priso de Newgate, entre ladres e prostitutas.

    Gay absorve a ideia e cria uma obra em que os personagens so baseados em

    figuras observveis nas ruas da Londres de ento, no baixo mundo miservel e

    5Jonathan Swift (Dublin, 30.11.1667 Dublin, 19.10. 1745) escritor satrico irlands, moroumuitos anos na Inglaterra onde se formou em Teologia e privou do convvio com polticos.Escreveu um nico romance As viagens de Gulliver.

    6Alexander Pope(21.05.1688, Londres 30. 05.1744, Twickenham, hoje parte de Londres) umdos maiores poetas britnicos do sculo XVIII, autor de poemas filosficos ou didticos, comoEssay on Criticism (Ensaio sobre a crtica), e Essay on Man(Ensaio sobre o Homem) (1733-34),comps uma stira, Dunciad, e tambm The Rape of the Lock (O rapto da Madeixa) em queridiculariza a corte da Inglaterra.

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    sujo por onde circulavam mendigos, ladres e prostitutas. So personagens

    trazem uma dimenso de registro a srio mas passam a figurar num espetculo

    musical burlesco, uma Ballad opera, depois da intromisso de nmeros musicaisentre os dilogos, por deciso tomada pelo diretor do teatro, na semana da

    estreia, em atendimento ao amigo compositor Johan Cristoph Pepusch. A stira

    resultante - alm de sucesso de pblico, pela habilidade e graa com que ameniza

    a agudeza da crtica social por meio da apropriao de baladas populares ao lado

    dos nmeros originais, criados por Pepusch -, conseguiu manter-se em cartaz por

    algum tempo, e sem interveno da censura.

    A cpia brechtiana

    desse conjunto: argumento, ambiente e personagens, que Brecht se apropria.

    Dele faz uma cpia, mas uma cpia adaptada ao seu modo. A cpia em si, como

    expediente do fazer literrio, decididamente no o incomoda, antes, o instiga:

    Copiar uma arte em si que o mestre deve dominar. Ele deve manejar isso

    sabiamente, pela simples razo de que sem isso ele no produzir nada que sejadigno de ser copiado, por sua vez... (EUROPE, 1957).7Essa cpia que realiza,

    apresenta-se como novo original, separado por intervalo de duzentos anos do

    texto matriz, do qual ainda ser uma extenso metonmica por conservar

    personagens, situao social, referncia geogrfica, alterando a temporalidade: a

    Londres de Gay deslizada para o final do sculo XVIII. Interessava ao autor

    explorar todos os expedientes que o permitissem atingir o alvo sem ser pego pela

    censura usando estratgias que dez anos depois revela em documento de 1938

    (Cinco maneiras de dizer a verdade).

    Ultrapassar o modelo para adequ-lo ao propsito sim a preocupao e tarefa

    de Brecht. Para quem vai escrever? Para uma Alemanha que, derrotada,

    aprendera so s a aceitar, mas tambm a admirar os ex-inimigos, Inglaterra e

    Estados Unidos. A burguesia endinheirada alem desejava agora o american way

    7EUROPE. Brecht. Ano 35, n. 133-134. Paris: Jan-Fev, 1957.

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    of lifedo cinema americano e os modelos veiculados pelo teatro ingls. Devolver-

    lhes o ridculo de suas atitudes num teatro frontalmente expositivo s iria afugentar

    a crtica e o pblico que sustentavam a mquina de entretenimento. O golpeestaria em driblar o ataque direto, deslocando o quadro para outro tempo-espao

    de identificao menos bvia, oferecendo na cena a sociedade invertida dos

    miserveis de Gay, com suas estratgias de burla e de explorao humana, em

    sistemas esprios de organizao social. Num s gesto atacar dois alvos, a

    sociedade inglesa, que queria ridicularizar, e a nova mentalidade burguesa alem,

    que queria ironizar. Furtando-se aproximao realista, como ocorrera com o

    texto de Gay, a obra de Brecht engenhosa, divertida e aguda, sobretudo pelomanejo da linguagem.

    So esses usos da linguagem, em que conjuga texto dialogado e cantado, que

    trazem uma nova marca. interessante ler o depoimentos da jornalista Lotte

    Eisner, amiga da famlia Brecht, quando observa o dramaturgo e poeta em

    processo de criao, sobretudo das baladas da Opera. (O comentrio de Eisner

    sai publicado em 1957, na revista Europe, de homengam a Brecht aps a sua

    morte, na edio de jan-fev). Eisner destaca o uso particular da lngua alem feitopor Brecht, de forma maliciosa, jogando com a duplicidade de sentidos, e o modo

    como esculpia as palavras, buscando angulaes afiadas, para torn-las

    cortantes. Do mesmo modo, preocupa-se com a exacerbao desse poder de

    corte possvel por um uso especial da msica. Diz a jornalista, depois de observ-

    lo: Quando ia de vez em quando sua casa ele ento morava na

    Handenbergstrasse o surpreendia no seu trabalho com Weill para a Opera dos

    trs vintns, assoviando ou tocando algumas notas ao piano, de uma maneira

    cortante, marcada e irregular, escandindo perfeitamente o ritmo, que Kurt Weill

    tinha apenas que transpor(EUROPE, 1957).

    Essa forma de cpia adequa-se ao pensamento de Blanchot, em LEntretien infini,

    (A conversa infinita), quando sugere, sobre a questo da originalidade em

    literatura: Primeiro, ningum pensa que as obras e os cantos poderiam ser

    criados do nada. [...] O que importa no dizer, mas redizer e, nesse redito, dizer

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    a cada vez, ainda, uma primeira vez. Pensamento que completa em O espao

    literrio: A obra diz essa palavra, comeo, e o que pretende dar histria a

    iniciativa, a possibilidade de um ponto de partida.8

    O pastiche de Chico Buarque

    Se da leitura da tese sobre a circulao da leitura, de Blanchot, pude inferir uma

    ideia de cpia como efeito produtivo, no eixo metonmico, pelo deslocamento dos

    elementos do modelo, pode-se pensar que ao longo do tempo, as sucessivas

    aes de leituras realizadas por um leitor criador criam uma acumulao de

    substratos-matrizes que, na numa lgica semelhante, porm mais ampliada,permite a criao de uma trama intertextual, onde se percebem sinais evidentes

    da apropriao. Mas o resultado oferece um padro outro.

    Cinquenta anos depois, a Opera brechtiana d margem a uma cpia em que o

    novo autor tambm imprime sua marca tempo-espacial ao objeto apropriado. No

    mais a Inglaterra do final do sculo XVIII usada por Brecht, mas a Lapa do Rio de

    Janeiro nos anos 40. A Opera do malandro, de Chico Buarque, resultante de

    uma apropriao cujos pontos de contato com um texto matriz, a Opera dos trsvintns, se afastam mais do que se aproximam, tomando como vetor o eixo

    metafrico, e fazendo surgir um pastiche. Chico usa livremente as referncias

    tomadas obra e as distorce de tal modo que a ela imprime um carter de

    pastiche. Pastiche visto aqui no sentido ps-moderno de parfrase irreverente,

    uma espcie de pardia a srio. Se h ainda entre as obras distncias e

    aproximaes, os pontos de contato revelam, sobretudo, os desvios de uma

    reescritura, cuja intencionalidade est sub-repticiamente indicada na dinmica domalandro. Chico faz uma pera de malandro.

    Como se apropria da matriz? Percebe-se que a pea de Chico retrabalha a

    proposta brechtiana no macro, nas grandes linhas, mantendo traos de

    semelhana entre os negcios escusos do submundo, mas trocando o negcio da

    mendicncia de Peachum pelo comrcio de carne viva, como a ele se refere

    8BLANCHOT, Maurice. LEntretien Infini. Paris: Gallimard, 1969.

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    Jeni, a travesti que trabalha na butique de Duran ( qual que a mulher de Duran,

    Vitria, faz questo de chamar pelo nome de rapaz, Genival). Jeni o elo de

    ligao entre as prostitutas, Max Overseas e os sogros de Max. o porta-voz dasbases desse mundo marginal. Mas essa baixa sociedade que Chico traz para o

    primeiro plano, reproduz uma moral e uma lgica da alta esfera social, pela

    denegao da prpria classe, desejo explcito de ascenso. Uma cena

    emblemtica a do anncio do nome da noiva de Max Oversas, o malandro

    desafeto de Duran, com a filha dos comerciantes, por uma Jeni to cnica quanto

    ferina: Como mesmo o nome da noiva? Ah! J sei! O nome da noiva

    Teresinha Fernandes de Duran... que coincidncia. Eu nem tinha notado. Comesse sobrenome, ser que a moa no parenta de vocs?. Gelo total, seguido

    da resposta de Vitria - discurso que, na sua capacidade de sntese, pela

    inadequao entre a emitente e o contedo que expressa, metaforiza o verdadeiro

    quadro social demonstrado ali, totalmente burgus e inadequado realidade do

    que se percebe escamoteado naquele antro de marginalidade e corrupo:

    Duran, o nosso nome est manchado. Uma vida inteira

    construindo uma reputao de dignidade e decoro, e danoite para o dia cai tudo por gua abaixo! Agora que a

    sociedade no nos recebe mesmo. O teu nome no vai

    sair nunca na coluna do Jacinto de Thormes! Imagine!

    Luxuosos cocktail na casa da sogra do muambeiro... E eu

    que sonhava um dia entrar pra scia do Country Club,

    agora sou capaz de levar bola preta no Bangu! Vou ser

    barrada at em porta de gafieira. Confeitaria Colombro,

    ento, posso riscar da agenda... Que desgraa! Ah! no!Eu no vou permitir que faam isso comigo! Eu vou ao

    Papa! Vou conseguir a anulao desse casamento! (1979:

    p.47)

    O espelho deformado de uma sociedade marginal foi a grande sacada, apesar das

    cutucadas na inteligncia da censura: antes de abrir a cortina, um produtor da

    trupe que levaria o espetculo, vestido de smoking, dirige-se ao pblico e diz que

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    vai representar uma nova vereda para a nossa companhia teatral, porque

    acredita que tempo de abrirmos os olhos para a realidade que nos cerca e que

    acabaram encontrando pea de autor que goza de palpvel prestgio naschamadas rodas de malandragem carioca (p.19). A forma de driblar a ditadura

    que j censurara o autor Chico Buarque em 1972, quando impediu a estreia e a

    temporada de Calabar ou o elogio da traio, com um veto geral at prpria

    imprensa de noticiar o fato. Salvou-se a publicao do texto, que logo esgotou.

    Estava feita a aposta. Entre em cena o malandro, figura bem delineada por

    Antonio Cndido no seu texto A dialtica da malandragem, exemplar anlise

    metacrtica da novela de Manuel Antnio de Almeida Memrias de um sargento de

    milcias. Dos traos que vai tramando Cndido para ver o personagem de

    Leonardo Pataca filho, para caracteriz-lo malandro, alguns cabem perfeitamente

    nessa guinada que o anti-heri de Chico d no de Brecht: Max um malandro que

    no tem trabalho regular, porque tudo lhe surge como coisa devida; no passa

    aperto, porque de tudo as mulheres do proviso, recebe tratamento especial das

    putas, da amante e casa-se com a filha do arqui-inimigo rico, patro de suas

    amigas; e ainda amigo do chefe de polcia.

    Da anlise de Cndido podemos reter alguns traos que separam ainda Max do

    seu modelo Macheat: o carioca um astucioso que quer driblar as enrascadas; o

    ingls pragmtico, cranea suas jogadas como um homem de negcios, sem se

    importar em trair ou ser desleal. Se ambos os anti-heris no tm tica, a sem

    cerimnia de Max mais simptica e irreverente; enquanto Macheat mostra mais

    as garras, mais bandido. Apesar de ambos privarem da mesma malemolncia

    amorosa dos pcaros. A referncia a esse malandro oficial tambm est na

    Homenagem ao malandro, com que se abre o 2 Prlogo: Agora j no

    normal/ o que se d de malandro/ regular, profissional/ malandro com aparato/ de

    malandro oficial/ malandro candidato/ a malandro federal/ malandro com retrato/

    na coluna social/ com gravata e capital/ que nunca se d mal. Quase um retrato

    satrico do Macheat.

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    Mas h ainda um trao comparativo que ao mesmo tempo aproxima e distingue os

    dois remakes: o tratamento da msica. A agudez e angulao cortante das

    palavras musicadas de Brecht e Weill, com sua maneira irregular, estridente ebarulhenta de se apresentar, reforam e atualizam, na mesma direo, a crtica de

    Gay e Pepusch. Mas a msica de Chico tem outras conotaes, ela seduz,

    inebria, aproxima, sublinha e brinca. Chico Buarque cita Mack the Knifeapenas na

    cano de abertura O malandro, mas inova criando uma trilha que sobrevive at

    hoje na popularidade de canes em tons romnticos melodramticos como

    Folhetim, O meu amor, Pedao de mim. Nesse repertrio, destaca-se o duelo

    entre a mulher Teresinha e a amante Lcia; destaca-se tambm a magnfica edelicada economia potica de Terezinha.

    Concluso

    Apenas duas ressalvas finais:

    A primeira, para dizer que essa abordagem incipiente, primeira aproximao

    com esse campo da criao, abordagem ainda incompleta e reticente, porque

    representa uma etapa de reconhecimento, circunscrio da questo e que ainda

    no se fundamenta num levantamento exaustivo e merecido das comprovaes

    textuais. Um cotejo completo precisaria trabalhar as sonoridades e, por que no,

    os resultados obtidos pelas montagens.

    A segunda, apenas para deixar aberta novamente a questo das categorizaes

    possveis da cpia, da simples intertextualidade ao pastiche. Essa umaoperao que deixa feliz o autor quando ele a realiza na condio de leitor que se

    apropria de obra de outro, para torn-la sua por meio de uma operao de

    reescritura. Quando, porm, o autor vtima dessa apropriao, que ele mesmo

    incentiva quando oferece ao pblico uma nova obra, dentro da lgica desenvolvida

    aqui, a coisa toma outra dimenso, sobretudo porque o autor sabe serem fora do

    seu controle esses resultados que, na maioria das vezes, ele desdenha, aberta ou

    secretamente.

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    Assim ocorreu com Brecht a respeito da cpia de sua pea feita por Pabst, para

    um filme que surgiu de um propsito comum aos criadores, alis. No incio, at

    que os trs tentaram trabalhar juntos a adaptao da pea para filme, Brecht, LeoLania (o produtor) e Pabst. Foram para a regio francesa do Le Lavandou. Mas

    Brecht no se entendeu com Pabst definitivamente, no suportou as diferenas

    em relao s proposies dele, e deixou Lania, com quem j trabalhara,

    representando seus interesses. Tudo em vo. Insatisfeitos ao extremo com os

    resultados do filme, Brecht e Weill registram uma queixa contra a sociedade

    produtora do filme. As queixas de Brecht moviam-se em torno dos direitos

    autorais. A opinio pblica se dividiu em relao a isso, o advogado da parteadversa alega que Brecht toda vida desafiou os direitos do autor quando diziam

    respeito a outros, como fez com os versos de uma traduo depositada de Villon,

    para construir suas baladas da Opera.A ironia o tom principal do julgamento.

    Um dos advogados de Brecht diz que seu cliente nunca negou ter usado uns 40

    versos, mas s quarenta, de um total de 500. Diante disso, Brecht vira

    argutamente a argumentao: no estava defendendo os seus direitos de autor,

    mas a propriedade do espectador,que tem o direito de exigir que uma obra lhe

    seja transmitida intacta e segundo as intenes do verdadeiro autor. No aceitava

    que a indstria cinematogrfica deliberadamente deteriorasse uma obra literria

    como fez com a sua. Como reagiria ele, se vivo estivesse, ao resultado obtido pela

    apropriao feita por Chico Buarque?

    O problema de compreenso da obra, tanto pelo juiz da causa, quanto pela

    maioria, era perceber o alcance da tragicomdia violenta que ele escrevera.

    Brecht perde a causa, na verdade porque no contrato havia uma clausula de

    obrigatoriedade de acompanhamento dos trabalhos at o fim, inclusive da

    montagem do filme, e ele abandonara tudo. Weill, mais paciente, continuara a

    trabalhar com Pabst, apesar da contrariedade, e ganha a sua causa. Nesse

    particular, Weill foi um leitor mais paciente e soube melhor driblar os

    constrangimentos da cpia. Brecht preferiu preservar para si o direito de se sentir

    logrado.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo. Trad. Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro:

    Rocco, 2011.

    BLANCHOT, Maurice. LEntretien Infini. Paris: Gallimard, 1969.

    BUARQUE DE HOLLANDA, Chico. A Opera do malandro. 2a ed. So Paulo :

    Livraria Cutura editora, 1979.

    CANDIDO, Antonio. Dialtica da malandragem. In: O discurso e a cidade. So

    Paulo: Duas Cidades, 1993.COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citao. Trad.Cleonice Mouro. Belo

    Horizonte : UFMG, 1996.

    EUROPE. Brecht. Ano 35, n. 133-134. Paris: Jan-Fev, 1957.

    BRECHT, Bertolt. Trad. Geir Campos. In: Bertolt Brecht: Teatro completo. Rio de

    Janeiro: Paz e Terra, 1990.

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