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Estudos Feministas, Florianópolis, 21(2): 336, maio-agosto/2013 701 Copyright © 2013 by Revista Estudos Feministas 1 Portuguese Cultural Studies, n. 4, 2012 (Brazilian Postcolonialities. SANTOS, Emmanuele, and SCHOR, Patricia, eds.). Disponível em: http://www2.let.uu.nl/solis/ psc/P/VolumeFOUR.htm. Brasil, estudos pós-coloniais Brasil, estudos pós-coloniais Brasil, estudos pós-coloniais Brasil, estudos pós-coloniais Brasil, estudos pós-coloniais e contracorrentes e contracorrentes e contracorrentes e contracorrentes e contracorrentes análogas: entrevista com análogas: entrevista com análogas: entrevista com análogas: entrevista com análogas: entrevista com Ella Shohat e Robert Stam Ella Shohat e Robert Stam Ella Shohat e Robert Stam Ella Shohat e Robert Stam Ella Shohat e Robert Stam Emanuelle Santos Universidade de Utrecht Patricia Schor Universidade de Utrecht Foi com prazer que entrevistamos a professora Ella Shohat e o professor Robert Stam, da Universidade de Nova Iorque, durante sua visita à Holanda para participar de dois eventos promovidos pelo Postcolonial Initiative da Universidade de Utrecht. Nesta entrevista Ella Shohat e Robert Stam tocam em assuntos de importância crítica para a reflexão sobre os temas desenvolvidos no número 4 do Portuguese Cultural Studies. 1 Ponto de Vista onto de Vista onto de Vista onto de Vista onto de Vista

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Estudos Feministas, Florianópolis, 21(2): 336, maio-agosto/2013 701

Copyright © 2013 by Revista Estudos Feministas1 Portuguese Cultural Studies, n. 4, 2012 (Brazilian Postcolonialities. SANTOS,Emmanuele, and SCHOR, Patricia, eds.). Disponível em: http://www2.let.uu.nl/solis/psc/P/VolumeFOUR.htm.

Brasil, estudos pós-coloniaisBrasil, estudos pós-coloniaisBrasil, estudos pós-coloniaisBrasil, estudos pós-coloniaisBrasil, estudos pós-coloniaise contracorrentese contracorrentese contracorrentese contracorrentese contracorrentes

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Emanuelle SantosUniversidade de Utrecht

Patricia SchorUniversidade de Utrecht

Foi com prazer que entrevistamos a professora Ella Shohate o professor Robert Stam, da Universidade de Nova Iorque,durante sua visita à Holanda para participar de dois eventospromovidos pelo Postcolonial Initiative da Universidade deUtrecht. Nesta entrevista Ella Shohat e Robert Stam tocam emassuntos de importância crítica para a reflexão sobre os temasdesenvolvidos no número 4 do Portuguese Cultural Studies.1

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EMANUELLE SANTOS E PATRICIA SCHOR

Emanuelle Santos (ES)/Patricia Schor (PS)Emanuelle Santos (ES)/Patricia Schor (PS)Emanuelle Santos (ES)/Patricia Schor (PS)Emanuelle Santos (ES)/Patricia Schor (PS)Emanuelle Santos (ES)/Patricia Schor (PS): Um ponto departida no campo pós-colonial em português tem sido“queremos cair fora” ou “queremos oferecer algo diferente” dateoria anglo-pós-colonial. O que vocês pensam sobre isso?

ShohatShohatShohatShohatShohat: Gostaríamos de discutir essa terminologia, porque aconsideramos problemática. Primeiramente, achamos que osestudos lusófonos e brasileiros deveriam oferecer algo diferenteda teoria pós-colonial anglófona! Nossa crítica sobre certosaspectos dos Estudos Pós-Coloniais é parte de nosso novo livro,2

e acho que é importante, porque acreditamos que um pouco darejeição eventual dos Estudos Pós-Coloniais na França e no Brasiltem a ver com a projeção dos Estudos Pós-Coloniais como os“anglo-saxões” em oposição aos “latinos”. De forma que váriosprojetos intelectuais que são de fato bastante transnacionais,tais como a Teoria Pós-Colonial, os Estudos Críticos de Raça, osEstudos Multiculturais e até mesmo os Estudos Feministas, ficarampresos nessa velha dicotomia regional – no final, um tipo deconstruto, e mesmo um fantasma – que vê ideias comoetnicamente marcadas como “latinas” ou “anglo-saxãs”.

Argumentamos no livro que os dois termos são impróprios,que a América “Latina” também é indígena, africana e asiática,da mesma maneira que a América supostamente “anglo-saxã”é também indígena, africana e asiática. O projeto de nossolivro é ir além dos estados-nação etnicamente definidos, parauma visão relacional, transnacional das nações comopalimpsésticas e múltiplas.

StamStamStamStamStam: Para nós, todas as Américas, apesar das hegemoniasimperiais, também têm muito em comum, tanto de formasnegativas (conquista, despossessão indígena, escravaturatransatlântica) quanto positivas (sincretismo artístico, pluralismosocial) e assim por diante. No seu livro de memórias, VerdadeTropical,3 Caetano Veloso diz que, assim como o Brasil, os EUAsão fatalmente mestiços – inevitavelmente mestiços – masescolhem, por racismo, não o admitir. O ódio virulento da direitacontra Obama, nesse sentido, revela um medo desse carátermestiço da nação americana.

ShohatShohatShohatShohatShohat: Não é coincidência que a relação entre as diásporasafro-americanas e outras diásporas africanas nas Américas temsido bastante forte. Tais colaborações não fazem sentido dentrode uma dicotomia “anglo-saxão” versus “latino”. Propomos, nolivro, que a palavra “anglo-saxão” – que designa duas tribosgermânicas extintas que se mudaram para a Inglaterra há maisde mil anos – seja trocada pela palavra “anglo-saxonista” comosinônimo de racismo. Quase todos os escritores que gabam osvalores “anglo-saxões” – Mitt Romney é o último a alardear essaherança – foram supremacistas brancos e racistas extermina-

2 STAM e SHOHAT, 2012a.

3 VELOSO, 1997a.

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cionistas. Nós vemos a dicotomia latina versus a anglófona comoum sintoma daquilo que chamamos o “narcisismo intercolonial”.Portanto, precisamos de outro vocabulário e outra gramática.

StamStamStamStamStam: É sobre duas versões do eurocentrismo, a versão do norteda Europa e a versão do sul da Europa sobre a superioridadeeuropeia, o anglo-saxonismo e uma latinité que se originou,como mostram [Walter] Mignolo e outros, em intervençõesfrancesas no México.

Embora a versão do sul da Europa tenha sidoposteriormente subalternizada, no início os britânicos e os norte-americanos, na verdade, invejavam Portugal e Espanha porseus impérios, porque ficaram ricos graças à riqueza mineralda América do Sul, que a América do Norte não tinha.

É interessante a história de Hipólito da Costa, umdiplomata português/brasileiro que foi a Washington na épocade revolução americana e relatou que “o povo é tão pobre, eeles se casam com indígenas” – todas as características quesão, em geral, associadas ao Brasil.

Claro que muito da resistência a essas correntesacadêmicas provém do ressentimento legítimo sobre o enormepoder da academia anglófona. Esse poder, e o privilégio dadoà língua inglesa, têm suas raízes históricas no poder do ImpérioBritânico (Pax Britanica) e dos EUA como herdeiros daqueleimpério (Pax Americana). Como Mário de Andrade há muitotempo observou, o poder cultural de uma nação está, de certaforma, relacionado ao poder de seus exércitos e sua moeda.Um dos pontos de nosso novo livro é questionar a divisãointernacional do trabalho intelectual, o sistema que exalta ospensadores do Norte Global em detrimento dos pensadores doSul Global, que considera Henry James “naturalmente” maisimportante que Machado de Assis, Fredric Jameson maisimportante que Roberto Schwarz, Jacques Rancière maisimportante que Marilena Chaui ou Ismail Xavier, e Sinatra maisimportante que Jobim. Outro exemplo dessa hierarquia é queconceitos como “hibridez” são atribuídos ao professor HomiBhabha, de Harvard, quando os intelectuais latino-americanosjá falavam sobre a hibridez há no mínimo meio século (sobre oque era a “antropofagia”?). De qualquer maneira, estamosmenos interessados em gurus e maîtres à penser do que noscircuitos transnacionais do discurso. Por isso sugerimos que osteóricos pós-coloniais olhem além dos impérios britânico efrancês, olhem para a América Latina, olhem para a Afro-América, para os pensadores francófonos, para os povosindígenas na Europa, afro-americanos na França, todos osintelectuais diaspóricos entrecruzados.

ShohatShohatShohatShohatShohat: Os intelectuais latino-americanos têm sido vanguardana mestiçagem, métissage, Antropofagia. Enquanto certamente

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EMANUELLE SANTOS E PATRICIA SCHOR

nos consideramos parte da teoria pós-colonial, temos tambémcriticado alguns de seus aspectos, por exemplo, a celebraçãoa-histórica, a-crítica do discurso da hibridez. Perguntamos:“Quais são as genealogias desses discursos?” Preferimosenfatizar a questão de “analogias relacionadas” entre e atravésdas fronteiras nacionais. Então, para nós, a análisetransfronteiriça torna-se realmente crucial. Não pode ser reduzidaa formações de estado-nação.

StamStamStamStamStam: Ao contrário, discutimos em nosso novo livro que o estado-nação pode ser visto como altamente problemático seadotarmos uma perspectiva indígena, uma vez que as naçõesindígenas não eram Estados. Elas foram vitimizadas pelosestados-nação europeizados, e eram algumas vezesfilosoficamente contrárias, como observa Pierre Clastres, aopróprio conceito de estados-nação e sociedades baseadosem coerção. Era isso que os modernistas brasileiros elogiavamnelas, não tinham polícia, nem exército, nem puritanismo.

ShohatShohatShohatShohatShohat: Também temos uma crítica à teoria pós-colonial,voltando a meu antigo ensaio,4 que demanda que se coloquea questão “Quando começa o pós-colonial?”, a partir de umaperspectiva indígena. Os pensadores indígenas frequentementeveem sua situação como colonial, e não pós-colonial; ou comoambas as situações ao mesmo tempo. Enquanto umadeterminada teoria pós-colonial celebra o cosmopolitismo, odiscurso indígena frequentemente valoriza uma existênciaenraizada, em vez de cosmopolita. Enquanto os Estudos Culturaise Pós-Coloniais deleitam-se nas “fronteiras difusas”, ascomunidades indígenas amiúde buscam afirmar as fronteirasdemarcando a terra, como vemos na Amazônia, contra invasoresde terras, mineiros, estados-nação e corporações transnacionais.

StamStamStamStamStam: Enquanto o pós-estruturalismo, que ajudou a dar formaao pós-colonialismo, enfatiza a invenção das nações e“desnaturaliza o natural,” os pensadores indígenas têm insistidono amor por uma terra considerada “sagrada”, outra palavradificilmente valorizada nos discursos do pós. Enquanto a teoriapós-colonial, numa vertente derridiana, milita contra opensamento “originário”..., grupos nativos ameaçados queremrecuperar uma cultura original parcialmente destruída pelaconquista e pelo colonialismo. O que Eduardo Viveiros de Castrochama de “multinaturalismo” indígena desafia não apenas oantinaturalismo retórico dos “pós”, mas também o que se poderiachamar de orientalismo primordial, aquele que separou anatureza da cultura, os animais dos seres humanos.

ShohatShohatShohatShohatShohat: Enquanto a obra Orientalism, de Edward Said,5 égeralmente considerada o marco inicial dos Estudos Pós-Coloniais

4 SHOHAT, 1992.

5 SAID, 1978.

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e tende a enfatizar os grandes impérios europeus do século XIX,e em menor medida o neo-império americano do século XX,preferimos evidenciar o imperialismo americano, mas tambémrecuar ao ano 1492; por isso nosso livro anterior, UnthinkingEurocentrism,6 tem um capítulo inteiro sobre 1492. Já emUnthinking estávamos argumentando pela atenção ao vínculoentre os vários 1492, o da Inquisição, da expulsão dos mouros,da “descoberta”, isto é, a conquista das Américas, e o início docomércio transatlântico de escravos, primeiramente de indígenas,depois de africanos. Os discursos sobre os judeus e muçulmanos– tais como a limpieza de sangre, que foi uma parte do discursoda Reconquista – na verdade viajaram para as Américas, ondeforam postos em ação, já com Colombo, sobre os povosindígenas, em que o discurso antissemita do “libelo de sangue”foi transformado em discurso anticanibalista. Assim como osjudeus e os muçulmanos eram demonizados na Europa, nasAméricas o demonizado foi o Exu africano, bem como Tupã, afigura dos indígenas Tupi.

ShohatShohatShohatShohatShohat: A questão é que não podemos mais tomarisoladamente todos os temas do antissemitismo, islamofobia,racismo contra os negros, os massacres do povo indígena.Convencionalmente, acredita-se que a Inquisição contra osjudeus levou ao Holocausto. Mas a Inquisição e a expulsão dosmouros, a conquista, também levaram à repressão das religiõesindígenas e africanas.

StamStamStamStamStam: Uma sequência maravilhosa em Terra em Transe,7 deGlauber Rocha, dramatiza o que Ella acabou de falar. A cenasatiricamente reproduz a Primeira Missa de Cabral, com opersonagem Porfirio Diaz como um golpista de direita. Cabral/Diaz levanta o cálice, nós escutamos uma música de candomblé.Isto é muito profundo e sugestivo. Num retorno dos reprimidos,Rocha sobrepõe uma imagem da missa católica à músicareligiosa africana. Todos conhecemos a Inquisição espanhola,mas frequentemente nos esquecemos de que a conquista e ocolonialismo europeu também levaram consigo um tipo deInquisição contra as religiões indígenas e africanas. Também éinteressante que o famoso esqueleto de “Luzia”, descoberto noBrasil, foi descrito como tendo “características negroides”. GlauberRocha intuiu tudo isso. Colocando a música de candombléenquanto Cabral/Diaz está levantando o cálice – nos recordamosde Afaste de mim este cálice, de Chico Buarque –,8 GlauberRocha evoca todas essas contradições históricas/culturais.Podemos chamar isso de “transe brechtianismo”. Ele usa a músicade transe de possessão do candomblé para ir além de BertoldBrecht. Não é somente classe contra classe, mas cultura contracultura. É a África, Europa, indígenas, tudo ao mesmo tempo.

6 SHOHAT e STAM, 1994.

7 ROCHA, 1967.

8 BUARQUE e GIL, 1978.

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EMANUELLE SANTOS E PATRICIA SCHOR

Uma das coisas que enfatizamos no livro é a imensa contri-buição estética dos artistas latino-americanos, com sua invençãoinesgotável: a Antropofagia, o Realismo Mágico, a Estética daFome, a Tropicália, o manifesto afro-brasileiro Dogma Feijoada.Muitas das estéticas alternativas da América Latina estãobaseadas em inversões anticoloniais. A Tropicália virou de cabe-ça para baixo a hostilidade em relação ao Trópico como“primitivo”. A Antropofagia valorizou o canibal rebelde. O Realis-mo Mágico exaltou a mágica sobre a ciência ocidental. Nósachamos que a teoria pós-colonial poderia aprender com essetipo de audácia e esse profundo repensar dos valores culturais.

ShohatShohatShohatShohatShohat: Porque eu acho que o que nos poderia preocupar éprecisamente qualquer tipo de narrativa metadifusionista quevê o estudo pós-colonial como exclusivamente anglo-saxão,ou mesmo uma coisa anglófona que viaja para, digamos, oBrasil. Apenas veja por outra perspectiva, não é que não hajanada que o pós-colonial possa nos ensinar como método deleitura, como método de análise, mas nós deveríamos vê-locomo um discurso potencialmente policêntrico e aberto, a serdefinido por múltiplos lugares e perspectivas. Nosso argumento-chave sobre as multidirecionalidades das ideias é que o projetopós-colonial e projetos similares emergem de muitos, muitoscontextos. Há muitos predecessores ao lado da conhecida tríadepós-colonial Edward Said, Homi Bhabha e Gayatri Spivak.Reconhecemos sua importância, mas temos que nos lembrarde figuras como Frantz Fanon, Aimé Césaire.

Em nosso livro, falamos sobre a “mudança sísmica” queprocurou descolonizar a cultura institucional e acadêmica. ASegunda Guerra Mundial, o nazismo, fascismo, Holocausto,descolonização, movimentos das minorias, tudo isso detonouuma crise na fé do Ocidente nas promessas de modernidade eprogresso. Tudo convergiu para que o Ocidente duvidasse desi mesmo. A autoimagem do Ocidente e do mundo brancoestava sendo questionada. Como resultado, você encontradesafios radicais dentro das disciplinas acadêmicas: Teoriada Dependência na Economia, onde os pensadores latino-americanos tiveram um papel crucial; Teoria Terceiro-Mundistae posteriormente Pós-Colonial na Literatura; AntropologiaCompartilhada e Dialógica; Teoria Crítica da Raça no Direito enas Ciências Sociais, e assim por diante. Nós tendemos a nosesquecer dos precursores, como a escrita do cubano RobertoFernández Retamar no início dos anos 1970.

Não minimiza a imensa contribuição de Said mostrarque, mesmo antes de seu Orientalism, Anouar Abdel-Malek, umegípcio marxista, no início dos anos 1960, escreveu uma críticaao orientalismo, muito fanoniana em sua voz, que foi publicadaem francês.9 E temos Abdul Latif Tibawi, outro escritor que faloude maneira critica sobre o orientalismo. Antes do surgimento

9 ABDEL-MALEK, 1963.

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dos Estudos Pós-Coloniais como termo ou rubrica em meadospara final dos anos 1980, esse tipo de pensamento era chamadode Estudos Anticoloniais ou Estudos do Terceiro Mundo.

StamStamStamStamStam: O que o pós-colonialismo trouxe foi a influência do pós-estruturalismo, por isso a influência de Foucault (ao lado deVico e Fanon) sobre Said, Derrida sobre Spivak, Lacan sobreBhabha. O periódico do qual eu fazia parte, Jump Cut, era umpouco dessa transição do marxismo terceiro-mundista para atendência pós-colonial, enquanto continuava ainda mais oumenos pós-marxista, interessado nos movimentos de liberaçãodas minorias, e totalmente anti-imperialista em relação à guerrano Vietnã e às intervenções americanas na América Latina. Demodo que não é como se nos movêssemos diretamente dotrabalho de Fanon, Black Skin, White Masks,10 em 1952, paraOrientalism, em 1978. Também, o pós-colonialismo emergiu nocontexto dos Estudos Ingleses e Literatura Comparada, demaneira que 1978 marca o momento em que essas questõestomaram maior importância nesses campos, enquanto antesesse trabalho era feito nas área de História, Antropologia, EstudosÉtnicos, Estudos Nativo-Americanos, Estudos Negros, EstudosLatinos e assim por diante.

ES/PSES/PSES/PSES/PSES/PS: Esta questão dialoga com os temas que vocês acabaramde levantar e com o ensaio influente de Ella Shohat, “Notes onthe ‘Post-Colonial’”. O rótulo pós-colonial continua contestado,e seu texto é uma referência contínua para essa contestação ecrítica. Apesar de os autores canônicos pós-coloniais (porexemplo, Bhabha e Spivak) serem frequentemente citados, otermo “pós-colonial” é muitas vezes rejeitado. Para essepropósito seu texto é lembrado, assim como o de AnneMcClintock,11 quando são articulados por Stuart Hall em “Whenis the ‘Post-Colonial’? Thinking at the Limit”.12 Nossa perguntapara vocês dois é como vocês reavaliam o campo, à luz doscomentários do texto de Shohat, vinte anos mais tarde? Depoisde tudo o que foi dito em “Notes on the ‘Post-Colonial’”, comovocês veem o campo?

ShohatShohatShohatShohatShohat: O pós-colonialismo foi paralelo a um pós-nacionalismoque investigou algumas das aporias do discurso nacionalistaterceiro-mundista. O pós-colonial, na esteira do capítulo “ThePitfalls of National Consciousness” em The Wretched of theEarth,13 de Fanon, examinou os pontos cegos do nacionalismoem termos de gênero e etnicidade, questionando a noção deque a nação é uma coisa monolítica única. Então temos arevolução da Argélia, mas os berberes não estão incluídos, asmulheres não estão incluídas; então, este é o aspecto muitopositivo dos Estudos Pós-Coloniais.

10 FANON, 1967[1952].

11 MCCLINTOCK, 1992.12 HALL, 1996.

13 FANON, 1965.

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EMANUELLE SANTOS E PATRICIA SCHOR

Meu antigo ensaio “Notes on the ‘Post-colonial’” erarealmente sobre desempacotar o termo. Estamos mesmo“depois” do colonial, quando pensamos nos palestinos ou nospovos indígenas? Eu estava dizendo que a virada pós-colonialé uma mudança discursiva e não histórica; é o que vem depoisdo discurso anticolonial, depois do discurso nacionalista,terceiro-mundista e tri-continental. Nem é somente posterior, estátambém de fato criticando aqueles discursos. Na melhor dashipóteses, a crítica expôs pontos cegos, e na pior fez umacaricatura terceiro-mundista dicotômica, maniqueísta e daí pordiante, quando argumentaríamos que, embora Fanon fossecego para o gênero, etnicidade e sexualidade, ele não eramaniqueísta. A situação colonial era maniqueísta, mas elemesmo não. Ele também falou sobre a “ambivalência” psíquica.

StamStamStamStamStam: E sobre a negritude, Fanon nunca foi essencialista. Aucontraire. Ele enfatizou o caráter relacional, conjuntural, discursivoe constantemente em mudança da raça. Ele diria, “Na França,quanto melhor seu francês, mais branco você é”, que uma pessoa– e isso fará muito sentido para os brasileiros na terra do “o dinheiroembranquece” e “brancos de Bahia” – poderia ser negra em umlugar e não ser negra em outro. Ele sempre enfatizou que a negrurae brancura existiam em “relação.”

ShohatShohatShohatShohatShohat: De fato ele traz à baila o “diagnóstico situacional”. Emnossas distintas publicações, citamos Fanon falando (numa notade rodapé para Black Skin, White Masks) sobre a recepção dosfilmes de Tarzan na Martinica, onde os martinicanos, que seidentificam com os brancos contra os africanos, descobriram,entretanto, que, na França, os olhares hostis ou condescendentesdos espectadores brancos franceses os conscientizaram de suaprópria condição de objetos do olhar (“to-be-looked-at-ness”)no cinema, percebendo que eram vistos como aliados dosafricanos que eles tinham visto como inimigos ao assistirem aofilme na Martinica.

Houve uma fase no início quando qualquer coisa quefosse vista como anticolonial era binário, essencialismo. É maiscomplicado que isso. Ainda assim, algumas coisas eram, outrasnão. O outro elemento que estávamos mostrando hoje ao falarsobre o Atlântico Vermelho14 é a noção de que qualquer coisaque você irá buscar no passado torna-se um tipo de nostalgiafetichista, ou uma volta às origens e, então, um essencialismoingênuo. Dessa forma, estávamos questionando a celebraçãonão problematizada da hibridez, e a rejeição de qualquerbusca no passado pré-colonial como uma busca ingênua deuma origem pré-lapsariana.

StamStamStamStamStam: Também citamos o exemplo do Vídeo nas Aldeias e osKayapós no Brasil usando câmeras para gravar e reconstituir a

14 SHOHAT e STAM, 2012.

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sua assim chamada cultura em extinção. Estes esforços sãoessencialistas? Devemos rejeitá-los em nome de nossa sofistica-ção pós-moderna? Isto seria obsceno, até racista da partedaqueles que não têm que se preocupar com a preservaçãoou ressuscitar sua cultura.

ShohatShohatShohatShohatShohat: Acho que a crítica que faço tanto no meu ensaio comoem nosso Unthinking Eurocentrism ainda é válida. Mas isso nãosignifica que não deveríamos usar o termo. Esta foi minhaconclusão no ensaio que creio que Stuart Hall não compreendeu,na minha opinião, quando ele tentou dizer que eu estava defato construindo um argumento terceiro-mundista. Eu não estavafazendo isso exatamente; era mais sobre a ideia de que nóstemos que ser precisos sobre a maneira como usar essa termino-logia. Não podemos simplesmente apagar o termo “Terceiro-Mundista” mesmo agora, se falarmos sobre uma época particularquando esse termo era usado. Ainda é relevante usá-lo paraespelhar determinada terminologia de época. Se falarmos sobreo pós-colonial como termo, sim, isto também é muito problemá-tico, porque tudo depende do que queremos dizer com isso. Nósqueremos dizer pós-colonial como em pós-independência? E,claro, então a pós-independência para a América Latina não éexatamente como a da Índia ou Iraque ou Líbano. O colonialismoacabou? De fato, não como sabemos; olhe o que vem aconte-cendo nos últimos dez anos em relação ao Oriente Médio etc.

StamStamStamStamStam: Acho que um importante conceito é o de “temporalidadespalimpsésticas”, que significa que o mesmo lugar nacional/transnacional pode ser simultaneamente colonial, pós-coloniale paracolonial. A relação com o povo indígena na maior partedas Américas e em Estados de assentamentos coloniais como aAustrália é ainda fortemente colonial, uma história dedespossessão que continua. Olhe o impacto da represa de BeloMonte sobre o povo indígena na Amazônia, ou de represassimilares no Canadá e até na Índia, onde o desenvolvimentismonacional vai contra os interesses dos povos indígenas. Entãovocê tem a dimensão neocolonial com a hegemonia econômicados EUA e do Norte Global, que lentamente definha diante da“ascensão do Resto” (rise of the Rest). Agora o Brasil dá dinheiroao FMI e Angola ajuda Portugal! Como Lula disse, “c’est treschic!” Esse tipo de mudança econômica remodela a hegemonia.E então nós encontramos o “paracolonial” em fenômenos queexistem tanto à parte como ao lado do colonial.

Acredita-se com frequência que o tema pós-colonial da“hibridez” emergiu historicamente no período do pós-guerra docarma colonial e na imigração dos anteriormente colonizadospara a metrópole. Mas a hibridez sempre existiu, e apenasintensificou-se com o intercâmbio colombino iniciado pelas“viagens de descoberta”. Já em 1504, o índio Carijó Essmoricq

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EMANUELLE SANTOS E PATRICIA SCHOR

deixou Vera Cruz (Brasil) para a França para estudar tecnologiade armamentos na Normandia; ele, portanto, representava,avant la lettre, o índio tecnizado ou o índio high-tech de Oswaldde Andrade. De forma que, quando você de fato pensa emuma duração mais longa e pensa multilocalmente, você vêesses temas de uma nova maneira.

Tudo se trata de “excesso de visão” (Bakhtin), acomplementaridade das perspectivas pelas quais nósmutuamente corrigimos e suplementamos os provincianismosuns dos outros. E aqui os intelectuais do Sul Global são, emalgumas coisas, menos provincianos que aqueles do NorteGlobal, porque são obrigados, relembrando [W.E.B.] DuBois, ater uma dupla ou tripla consciências, são obrigados a estaratentos ao Norte e ao Sul, centro e periferia. Também há maisprobabilidade de que sejam multilíngues.

ShohatShohatShohatShohatShohat: Em termos da terminologia, ainda acredito quedeveríamos usar o termo “pós-colonial” de uma forma flexível econtingente. Poderia ser melhor restringir o termo “teoria pós-colonial”, que implica um tipo de pré-requisito de capital culturalna forma de conhecimento de pós-estruturalismo para tornar-se membro do clube pós-colonial; e falar, bastante maisdemocraticamente, de Estudos Pós-Coloniais. Nesse momentoda história, nos sentimos muito confortáveis usando o termo comouma designação conveniente para um campo particular eespecialmente com as metodologias de leitura moduladas pelopós-estruturalismo.

StamStamStamStamStam: De fato, nós recém-publicamos um ensaio,15 uma respostaa ensaios de Robert Young16 e Dipesh Chakrabarty17 sobre oestado dos Estudos Pós-Coloniais. Nesse ensaio, nós elogiamosa capacidade de autocrítica dos estudos pós-coloniais e seudom camaleônico de absorver críticas que se tornam parte dopróprio campo. Então, alguns críticos dizem: “vocês não falamsobre economia política”, mas daí as pessoas começam a fazerisso, nesse sentido começa a fazer parte do campo. Masdebatemos com qualquer modelo maître à penser que produzaum tipo de sistema estelar que obscureça o trabalho de centenasde acadêmicos pelo mundo todo.

ShohatShohatShohatShohatShohat: E que afeta o que achamos da posição dos intelectuaisbrasileiros. Porque, mesmo se parte deste não foi produzido sob arubrica dos Estudos Pós-Coloniais, ainda continua sendo, claro,muito relevante para o campo. Esses trabalhos poderiam ser abor-dados e recuperados dentro dessa estrutura chamada EstudosPós-Coloniais. Portanto, não é a invenção da roda, não é voltar àestaca zero, como se não houvesse antecedentes brasileiros paratal trabalho – pense em Mário de Andrade, ou Oswald deAndrade, ou Abdias do Nascimento e Roberto Schwarz e inúmeros/

15 STAM e SHOHAT, 2012b.16 YOUNG, 2012.17 CHAKRABARTY, 2012.

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BRASIL, ESTUDOS PÓS-COLONIAIS E CONTRACORRENTES ANÁLOGAS

as outros/as. Se pensarmos a partir do Sul Global, pensaremosnuma maneira poliperspectiva, onde o centro é deslocado paraformar múltiplos centros – por isso “policentrismo” – e com ênfasenas múltiplas diásporas e conectividades transculturais. De formaque acreditamos realmente em um pluridiálogo intelectual e emuma interlocução descentralizada através das fronteiras.

StamStamStamStamStam: E isso também significa que os Estudos Pós-Coloniaisdevem ser multilíngues. Então, um dos pontos de nosso livro é“vamos falar sobre o trabalho em português e francês” e nãoapenas em inglês, como é muitas vezes o caso nos Estudos Pós-Coloniais e Estudos Culturais. Temos extensas seções sobre osdebates sobre raça e colonialidade no Brasil, o debate sobreação afirmativa, e uma extensa seção sobre a Tropicália.

Quaisquer que sejam as posições de Caetano Veloso eGilberto Gil na política local, seu trabalho em canções como “AMão de Limpeza”,18 “Manhatã”,19 e “Haiti”20 é absolutamentecosmopolita e brilhante. E você pode dançar ao som delas! Seriadifícil dizer o que eu valorizo mais – um dos livros de um maître àpenser ou estas músicas, que forjam ideias, mas o fazemmusicalmente, liricamente, performaticamente. Como Caetanodiz em “Língua”,21 em uma alusão a Heidegger, “alguns dizemque só se pode filosofar em alemão, mas se você tiver uma ideiabrilhante, coloque-a numa canção”! “Haiti” diz tanto sobre oAtlântico Negro, classe e raça e o que Stuart Hall disse sobre raçacomo a modalidade dentro da qual a classe é vivida; “Manhatã,”da mesma forma, trata do que chamamos o Atlântico Vermelho,colocando cunhã – palavra Tupi para “mulher jovem” – numacanoa no Hudson. Isso conecta o Brasil indígena com a Américado Norte indígena, num gesto transoceânico brilhante. Quandotoco a música para meus alunos (como fizemos aqui em Utrecht),sobreponho as imagens digitais de Manahatta – o nome indíge-na para Manhattan, como diz Caetano em Verdade Tropical.

ES/PSES/PSES/PSES/PSES/PS: Vocês têm discutido a viagem das teorias. Dada a novaposição de hegemonia que o Brasil está ganhando internacio-nalmente, vocês esperam ou desejam mudanças nas dinâmicasdo sistema de produção e recepção da teoria?

StamStamStamStamStam: Acho que isso está acontecendo em parte simplesmentepor causa da economia. A tal “ascensão do Resto” (rise of theRest) significa que o Brasil… Mário de Andrade falou sobre isso.Ele disse: “nossa literatura é grande, mas ninguém sabe dissoporque ter uma grande literatura é mais fácil se você tambémtem uma grande moeda, se você tem um grande exército.”Assim, a economia afeta parcialmente, enquanto os EUA estãoclaramente em declínio, assim como a Europa na era da crisedo euro. Isto é evidentemente, finalmente – para tocar no pontodo nacionalismo subalterno – momento do Brasil.

18 GIL, 1984.19 VELOSO, 1997b.20 GIL e VELOSO, 1993.

21 VELOSO, 2001.

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EMANUELLE SANTOS E PATRICIA SCHOR

ShohatShohatShohatShohatShohat: Sem dúvida o inglês continua sendo a língua francadominante nos intercâmbios acadêmicos pelo mundo. É resíduodo colonialismo e algo não tão fácil de mudar.

StamStamStamStamStam: Ao mesmo tempo, mesmo que isso muda vagarosamente,por exemplo, a LASA (Latin American Studies Association) e a BRASA(Brazilian Studies Association) são agora quase completamentebilíngues. Participantes facilmente vão e vêm do espanhol ao in-glês ou do português ao inglês, o que não costumava acontecer.

ES/PSES/PSES/PSES/PSES/PS: Como vocês enxergam a posição atual do Brasil emrelação à América do Sul e à África dentro do que vocêschamaram de “guerras culturais”?

ShohatShohatShohatShohatShohat: Talvez eu possa começar a responder à questão falandodos afro-americanos e da diáspora africana. Nosso projetocomeçou com a resposta de Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant22 aum livro de Michael Hanchard,23 um cientista político afro-americano que estudou o movimento negro no Brasil. Em duascríticas, Bourdieu e Wacquant atacaram o livro como sendo umcaso de exportação norte-americana do “veneno etnocêntrico”para dentro de uma sociedade brasileira completamente livredo racismo.

StamStamStamStamStam: Não é necessário dizer que esta foi uma interpretaçãomuito unilateral, provinciana e desinformada, que voltava aoesquema idealizado de Gilberto Freyre nos anos 1930. No Brasil,um número especial da Revista Estudos Afro-Asiáticos24 foi dedi-cado à crítica de Bourdieu/Wacquant do livro de Hanchard, queresumimos em nosso livro. Essas críticas, em geral, lamentavam afalta de conhecimento cultural do Brasil por trás dos ataques deBourdieu/Wacquant e observaram que, embora esses autoresacusem a academia norte-americana de etnocêntrica, citam,em sua refutação ao livro de Hanchard, apenas acadêmicosnorte-americanos, quase não reconhecendo a longa tradiçãoda academia brasileira nesses temas.

ShohatShohatShohatShohatShohat: Bourdieu/Wacquant insinuaram que a crítica do racismono Brasil poderia vir apenas de fora do Brasil, quando nossasestantes tinham um sem número de livros sobre racismo e discrimi-nação por autores como Abdias do Nascimento (Genodídio donegro brasileiro),25 Lélia Gonzales, Clóvis Moura, Sérgio Costa,Antonio Guimarães, Nei Lopes, e tantos/as outros/as.

StamStamStamStamStam: Assim, é questão de um narcisismo branco nacionalistaescondido, que projeta o racismo em um único lugar, esquecendoque a escravidão e a conquista existiram em todo o AtlânticoNegro e que, como consequência, o racismo e a discriminaçãotambém podem ser encontrados em todo o Atlântico Negro.

22 BOURDIEU e WACQUANT, 1999.23 HANCHARD, 1994.

24 Número especial da RevistaEstudos Afro-Asiáticos sobre oensaio de Bourdieu e Wacquant,“On the Cunning of ImperialReason” (janeiro-abril 2002).

25 NASCIMENTO, 1978.

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BRASIL, ESTUDOS PÓS-COLONIAIS E CONTRACORRENTES ANÁLOGAS

ShohatShohatShohatShohatShohat: Falamos em nosso novo livro de “narcisismo intercolo-nial” sobre a ideia de que todos os poderes coloniais, e commuita frequência seus intelectuais, querem achar que seucolonialismo, ou sua escravidão, ou sua discriminação, é melhordo que a dos outros.

StamStamStamStamStam: Assim, a forma americana de narcisismo é dizer: “nãosomos colonialistas” como os outros. Apesar do colonialismoóbvio da conquista do oeste indígena do país, apesar da “farraimperial” dos anos 1890, as práticas e o imperialismo das basesmilitares dos EUA, eles podem invadir um país atrás do outro esempre dizer: “Não queremos uma polegada de território daCoreia, do Vietnã, do Laos, do Camboja, de Granada, do Iraque,do Afeganistão etc.” Mas continuam invadindo e mantendo asbases. Este é o narcisismo excepcionalista dos EUA. Aí temos onarcisismo francês da mission civilisatrice – “nós só nos preocu-pamos com cultura e educação” –, o narcisismo britânico –“trata-se apenas de livre comércio” –, e o narcisismo portuguêsluso-tropicalista – “somos todos misturados e amamos asmulatas” –, então todo país tem seu excepcionalismo.

Salientamos que os intelectuais de países poderososamam “as vítimas dos outros”; assim os alemães, historicamente,adoravam os indígenas (nativos americanos), mas não eramtão fãs dos judeus. Portanto, eles supostamente nunca teriamdespossuído os nativos americanos, mas eles mataram osHererós na África, exterminando-os em 1904. Os francesesamavam os negros americanos, mas não os árabes argelinos.Todo mundo se sente bem pensando assim. É um debate bembranco: “nós somos menos racistas que aqueles outros racistas”.

ShohatShohatShohatShohatShohat: É nesse sentido que questionamos o livro popular de AliKamel, Não Somos Racistas.26 Ele é “global”, isto é, literalmenteuma das figuras importantes no mundo da Rede Globo, umimigrante sírio. É um livro jornalístico, superficial, mas sua tese ébasicamente a mesma que a de Bourdieu/Wacquant. E então,claro, a resistência ao multiculturalismo e ao pós-colonialismoestava relacionada à ideia de que essas correntes teóricas só seaplicam a lugares onde você tem questões de raça e, portanto,se aplicam aos EUA, mas não se aplica à França ou ao Brasil.

ES/PSES/PSES/PSES/PSES/PS: Sobre o tópico dos outros dos outros e da cegueira aoracismo, vocês acham a associação entre a representação dojudeu e a representação do negro uma forma frutífera dedescolonizar os corpos eurocêntricos da teoria?

ShohatShohatShohatShohatShohat: Definitivamente, isso é crucial e uma das discussões nonosso livro novo. Já levantamos esse tópico no UnthinkingEurocentrism e o trouxemos novamente em Race in Translation.Nos dois livros, lamentamos a segregação da questão judaica e

26 KAMEL, 2006.

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EMANUELLE SANTOS E PATRICIA SCHOR

a questão colonial da raça. Para nós sempre foi importanteconectar o judeu, o muçulmano e o negro africano diaspórico aesses debates. Todos esses assuntos podem ser encontrados nosvários eventos de 1492, a Inquisição, a expulsão dos mouros, a“descoberta”, isto é, a conquista das Américas e os primórdiosda escravidão transatlântica, primeiro dos índios, depois dosafricanos. Todos aqueles tópicos estavam relacionados naocasião, e ainda estão relacionados agora. Com relação aosjudeus e aos negros – e certamente esta não é uma oposiçãosimples já que muitos judeus são negros – iemenitas, etíopes,convertidos etc. – e muitos negros são judeus. Não é por acasoque o movimento ativista sobre judeus árabes em Israel seautodenominam Panteras Negras. Mas essa discussão remontahá muito tempo. Apenas no período do pós-guerra, Fanon, emBlack Skin, White Masks, começa a pensar sobre a racializaçãodo negro em relação ao judeu. Em Race in Translation, temosuma discussão desse estudo comparativo do judeu e do negro,e em Taboo Memories um ensaio enfoca essa questão emdetalhe.27 Mas em nosso livro mais recente nós ligamos a questãojudaica com a questão muçulmana/árabe, porque Fanontambém fala sobre o árabe, e ele não idealizou nenhum grupo.Ele diz: “O árabe é racista em relação ao negro, o judeu é racistaem relação ao negro”. Ele observou que na França era mais fácilser negro que árabe, e cita exemplos onde a polícia o teriaassediado, e depois se desculpado ao descobrir que ele nãoera árabe, mas um caribenho. O que complica a relação, comovimos ontem em Forget Baghdad,28 é toda a questão de Israel, osionismo como um projeto de branqueamento e europeizaçãodo judeu. Vemos isso na história do cinema sionista e mais tardeno cinema israelita, onde a escolha do elenco sempre favoreceatores loiros de olhos azuis, o judeu musculoso, culminando como filme Exodus, onde você tem Paul Newman sendo lançadocomo um novo tipo de judeu, o oposto polar do judeu dadiáspora, shtetl, do gueto, vitimizado. De certa forma, os judeusinternalizaram os discursos antissemitas.

ES/PSES/PSES/PSES/PSES/PS: É o problema da nação entrando no que poderia ser umcampo potencialmente liberador do pós-colonial?

ShohatShohatShohatShohatShohat: Embora seja possível dizer que a maioria dos estados-nação é anômala, Israel é, talvez, mais anômalo que outros. Éuma formação mista, por um lado representa um projetonacionalista – e, portanto, análogo às lutas do Terceiro Mundo ede minorias –, mas do ponto de vista palestino, também é umprojeto de assentamento colonial, e é por isso que os palestinosse veem como indígenas, comparáveis aos nativos americanos,um ponto levantado por Godard no filme Notre Musique,29 quefaz essa analogia diretamente. De fato, o filme liga os váriostemas – antissemitismo, nativos americanos, judeus, palestinos

27 SHOHAT, 2006.

28 SHOHAT, 2012.

29 GODARD, 2004.x

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BRASIL, ESTUDOS PÓS-COLONIAIS E CONTRACORRENTES ANÁLOGAS

etc. – fazendo os personagens nativo-americanos articularem aanalogia. O filme se passa também em Sarajevo, uma sociedademulticultural parcialmente muçulmana e distantemente judaica,sitiada pelos ortodoxos nacionalistas sérvios. (Há até uma históriasobre muçulmanos na Bósnia protegendo a Torá, mesmo depoisde os judeus terem partido.) Os palestinos, no filme, citam o poemaThe Red Indian, de Mahmoud Darwish.30

StamStamStamStamStam: Ao mesmo tempo, os americanos nativos se identificamcom os judeus como sendo vítimas do Holocausto. Alguns ameri-canos nativos, como Ward Churchill, que escreveu uma sinopsepara nosso livro, alega provocativamente que “Colombo foi nossoHitler”, e aqui Churchill foi atacado pelas organizações judaicasnos EUA: “Como ele pode comparar Hitler a Colombo… não houvegenocídio… não foi intencional, eles apenas pegaram doenças”etc. Mas, de fato, houve um megagenocídio, um tanto causadopor doenças, mas também pelos massacres já relatados por[Bartolomé] de las Casas no século XVI, que continuou até oséculo XX (por exemplo, na Guatemala e em El Salvador).

ShohatShohatShohatShohatShohat: Churchill também foi acusado – assim como muitosoutros escritores, como Edward Said – de “inveja narrativa” emrelação à narrativa de vitimização judaica.

StamStamStamStamStam: E na França esse debate tem sido muito intenso, envolven-do muitos escritores de diferentes contextos e envolvendo umgrande número de posicionamentos. Há pensadores judeus,como Alain Finkielkraut, vagamente associados à esquerda dosanos 1960, que mais tarde se tornaram antinegros, anti-TerceiroMundo e antipalestinos. Por outro lado, temos pensadores judeusmuito progressistas, como Edgar Morin e Esther Benbassa, quedizem: “Não, nós temos estado simbioticamente ligados aosmuçulmanos historicamente.” Observamos o que chamamos de“virada para a direita” de muitos judeus sionistas nos EUA e naFrança e em muitos outros países. Vale notar que ClaudeLanzmann, o autor de Shoah,31 mas também de documentáriosmilitantemente pró-israelitas, não foi sempre tão fervorosamentesionista ou antipalestino.

Em 17 de outubro de 1961, quando a polícia francesaassassinou (obedecendo ordens do Chefe de Polícia MauricePapon – e aqui novamente vemos a ligação entre as atitudesantimuçulmanos e antissemitas –, o mesmo homem que mandoujudeus para os campos de extermínio) duzentos ou mais argelinosnas ruas de Paris, Claude Lanzmann escreveu uma declaraçãopública dizendo: “Nós, como membros da comunidade judaica,entendemos o que vocês estão passando. Sabemos o que significaser acossado e assassinado por causa de sua identidade.Sabemos o que isso significa.” De forma que, nessa época, haviasolidariedade. Foi apenas depois de 1967 que há uma polariza-

30 DARWISH, 2000.

31 LANZMANN, 1985.

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ção radical, generalizada, entre judeu e árabe (e, é evidente,alguns judeus são árabes).

Fanon, da mesma forma, tinha alertado seus colegas negros“quando as pessoas estão falando de judeus, estão falando devocês”. Vocês sabem, “vocês serão os próximos”, ou, “é o mesmoprocesso”. No âmbito da academia, enquanto isso, o primeiro tra-balho sobre racismo na Europa e nos EUA, por exemplo, foi sobre oantissemitismo. “O Holocausto aconteceu, o que levou a isso?” As-sim você tem análises da “personalidade autoritária” e assim pordiante. É apenas mais tarde que a discussão muda para a raça.

ShohatShohatShohatShohatShohat: A aliança negro-judaica se desfez em grande parte nodespertar da vitória israelita, e nos EUA no despertar das lutaspelas autonomias das escolas, da Palestina e de outras questões;com Jean-Paul Sartre escrevendo na França sobre o Anti-Semiteand the Jew,32 mas também mais tarde publicando no L’Express“Une Victoire”,33 que é sobre Henri Alleg, um comunista judeuque se juntou à luta anticolonial argelina contra os franceses ese tornou prisioneiro, sendo torturado, o que o levou ao seu livrocensurado sobre tortura chamado La Question.34 Sartre, quetambém tinha escrito a introdução ao livro de Fanon, TheWretched of the Earth, viu a questão da tortura como parte domesmo contínuo de luta. Mas isso mudou depois de 1967,quando Josi, a esposa de Fanon, que ainda vivia na Argélia,explicou que ela não queria a inclusão da introdução de Jean-Paul Sartre na nova edição de The Wretched of the Earth porqueele tomou uma posição pró-Israel, portanto mostrou que apoiavao colonialismo. Em contraste, Jean Genet apoiou não apenas osPanteras Negras nos EUA, mas também os palestinos.

O ano de 1967 marca uma divisão, em que alguns judeusderam o que chamamos uma “virada para a direita”, se dissociadoda coalisão na luta terceiro-mundista (posteriormente multicultural),embora muitos judeus continuassem a ser aliados dos Terceiro-Mundistas e das lutas minoritárias. Mas no início dos anos 1980,no despertar da proclamação “Sionismo é Racismo” nas NaçõesUnidas,35 muitos judeus da esquerda começaram a virar para adireita porque associaram o Terceiro-Mundismo e posteriormenteo multiculturalismo com “anti-Israel” e até com posições antissemitas.

ES/PSES/PSES/PSES/PSES/PS: Continuando dentro da geopolítica e voltando ao Brasil,como vocês veem a posição do país em relação a outras regiões(formalmente) subalternas, quando o país emerge como umpoder potencialmente hegemônico? Por exemplo, o Brasil teminvestido em países africanos e está voltando sua atenção aospaíses africanos que têm o português como sua língua oficialatravés da CPLP.36

ShohatShohatShohatShohatShohat: Bem, certamente o Brasil, que é um país enorme e asexta economia do mundo, tem um desejo legítimo de ser reconhe-

32 SARTRE, 1948.33 SARTRE, 1978.

34 The Question teve sua primeirapublicação no Reino Unido. Logodepois de “Une Victoire”, deSartre, uma nova edição foipublicada em francês por LesÉditions de Minuit.

35 Em 10 de novembro de 1975, aAssembleia Geral das NaçõesUnidas adotou a Resolução 3.379,onde se lê na conclusão: “Osionismo é uma forma de racismoe discriminação racial”. Depoisde anos de pressão dos EUA e deIsrael, em 16 de dezembro de1991, a Assembleia Geral da ONUrevogou a Resolução 3.379.

36 Comunidade dos Países Africa-nos de Língua Portuguesa.

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BRASIL, ESTUDOS PÓS-COLONIAIS E CONTRACORRENTES ANÁLOGAS

cido como um poder global. Isso já estava claro desde que oBrasil mostrou o desejo de se tornar membro do Conselho deSegurança da ONU. O próprio fato de Sérgio de Mello ter sido es-colhido como representante brasileiro no Iraque – com trágicasconsequências – também representou algo muito positivo parao Iraque. Mas o Brasil tem, em certos momentos, jogado um papelambíguo e confuso no Oriente Médio, como quando vendeu, nãodiferentemente dos EUA, aviões para o Iraque durante a era deSaddam Hussein. Hussein era um ditador fascista, não muito dife-rente da junta militar do Brasil. O fato de ser totalmente contra ainvasão americana do Iraque não me impede, como uma judiaárabe-iraquiana, de denunciar Hussein de ditador. Mas, em geral,achamos que o Brasil, ao contrário dos EUA, que está semprevendendo armas, tem sido uma força pacificadora no mundo.

StamStamStamStamStam: Nós também temos a questão, claro, da negritude e daidentidade negra em relação à África e à diáspora africana. Porum lado, você tem a economia brasileira se expandido para aÁfrica. Você vê também cada vez mais estudantes africanos vindode Angola e Moçambique para as universidades brasileiras, umfenômeno que também se vê nos EUA, com o que se chama osneoafricanos do Senegal, Nigéria, Quênia e assim por diante.Tanto no Brasil quanto nos EUA, vocês têm o problema dos sistemaseducacionais eurocêntricos que tendem a tratar a África, quandonão a ignoram totalmente, como um continente vítima, umcontinente de escravos, sem qualquer história autônoma. Essasideias foram desafiadas por muitos acadêmicos nos dois países,por exemplo, pessoas como [Luiz Felipe de] Alencastro, que estudao Atlântico Sul de forma a enfatizar o agenciamento africano.

ESESESESES: Recentemente, políticas de ações afirmativas estão ganhan-do terreno no Brasil, para, de alguma forma, tentar um ajuste decontas com o estado subalterno dos descendentes de africanos;mas não há uma real memória pública sobre a violência perpe-trada contra os indivíduos negros durante e depois da colonização.

ShohatShohatShohatShohatShohat: A questão é: dentro de que tipo de metanarrativa? É anarrativa de trazer a modernidade para a África? É o mesmo tipode narrativa de resgate? O Brasil deverá ser visto agora quasecomo o país ocidental em relação à África “atrasada”? A reaçãosurpresa de Lula em relação à modernidade da África – “nemparece a África!”37 – é, nesse sentido, sintomática. À parte ocandomblé, e a capoeira e os blocos afro – que também sãomuito importantes –, como a África aparece no discurso políticobrasileiro contemporâneo? Estas seriam questões cruciais paraconsiderarmos dentro da nossa forma de pensar.

StamStamStamStamStam: Um dos argumentos de nosso novo livro é a interconecti-vidade transnacional em termos do intercâmbio de ideias. Por

37 Lula notoriamente declarou,quando da sua chegada emWindhoek (Namíbia) em 2003,que a capital era tão limpa, boni-ta e com povos tão extraordináriosque ele nem sentia que estavaem num país africano.

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exemplo, o Brasil e os EUA têm estado ligados desde o início. Apalavra “negro”, em inglês, vem do português. Alguns dosprimeiros negros em Manhattan eram afro-brasileiros de origembantu, cujos nomes – Simon Congo, Paulo d’Angola – revelamsuas origens. Os holandeses, em sua luta contra os americanosnativos e os britânicos, decidiram ter alguns negros com eles,provindos das áreas portuguesas, e dar-lhes liberdade e terrasem troca de que lutassem contra os britânicos. Por exemplo, oterreno onde está o SOBs (Sounds of Brazil/Sons do Brasil), o clubenoturno onde músicos brasileiros como Gilberto Gil, Martinho daVila e Djavan sempre tocam, pertenceu, numa continuidadeincrível, a Simon Congo.

ShohatShohatShohatShohatShohat: A conexão Nova Iorque/Brasil também envolve osjudeus do Recife que vieram para a então chamada NovaAmsterdã com os holandeses para fundar a primeira sinagogaem Nova Iorque. Sempre esquecemos que a Inquisiçãocontinuava nas Américas, inclusive no Brasil. Um filme luso-brasileiro chamado O Judeu, de Jom Tob Azulay,38 fala sobreessa relação. De forma que os holandeses não tiveramInquisição, e, de fato, uma porção de judeus portugueses veiopara cá [para a Holanda], Spinoza, etc. No norte do Brasil, emPernambuco, a dominação holandesa foi um refúgio paramuitos judeus perseguidos, e quando a Nova Amsterdãacontecia, e com a retirada dos holandeses de Pernambuco,eles foram para a Nova Amsterdã, que é Nova Iorque, e eis porque a primeira sinagoga em Nova Iorque é uma sinagogaportuguesa, por causa dos judeus que vieram de Pernambuco.

StamStamStamStamStam: E essa sinagoga foi o primeiro lugar no que hoje são osEUA a ensinar a língua portuguesa. A propósito, há outraexpressão em inglês, pickaninny, para se referir a uma criançapequena negra, que vem do português “pequenino.” Assim,através da língua você vê certa interconexão cultural, apesardo mito da separação.

ShohatShohatShohatShohatShohat: Eis por que a tradução também foi um tema-chavepara nós. Não somente a tradução literal, mas também comoum tropo para evocar toda a fluidez e as transformações eindigenizações que ocorrem quando as ideias “fora de lugar”39

cruzam as fronteiras e viajam de um lugar a outro. Também navida intelectual navegar é preciso.

ES/PSES/PSES/PSES/PSES/PS: A raça, entretanto, geralmente não é um tema, umaquestão nos Estudos de Tradução Cultural, que se tornou umaimportante área de conhecimento. Foi essa ausência quemotivou a sua escolha do título Race in Translation para seulivro? É uma provocação?

38 AZULAY, 1996.

39 SCHWARTZ, 1973.

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BRASIL, ESTUDOS PÓS-COLONIAIS E CONTRACORRENTES ANÁLOGAS

StamStamStamStamStam: Na verdade, não. Tentamos tantos títulos, de maneira quefoi quase por acaso que a raça acabou ficando tão destacada.

ShohatShohatShohatShohatShohat: Nós, na verdade, tínhamos pensado em Cultural Warsin Translation originalmente, mas a editora não gostou, achoumuito pesado, então ficamos com Race in Translation. De fato, araça tem sido um tema comum nos Estudos Culturais – incluindoautores como Stuart Hall – geralmente como parte do “mantra”(classe, raça, gênero, sexualidade etc.). No campo dos EstudosPós-Culturais, você encontra raça como tema através dasreferências a Fanon, mas é, às vezes, considerado menosimportante por estar muito atado às “políticas identitárias”,supostamente desconstruídas pela teoria pós-estruturalista. OsEstudos Pós-Coloniais, desde nosso ponto de vista, são às vezesum tanto condescendentes em relação às várias formas dosEstudos Étnicos e Estudos de Área (Estudos Nativo-Americanos,Estudos Afro-Diaspóricos, Estudos Latinos, Estudos Latino-Americanos, Estudos do Pacífico, Estudos Asiáticos etc.), ignorandosua contribuição, inclusive as formas através das quais os EstudosÉtnicos abriram a academia para que os Estudos Pós-Coloniaistivessem um espaço tão importante.

StamStamStamStamStam: O pós-colonialismo, às vezes, se apresenta comoteoricamente sofisticado, enquanto os Estudos Étnicos sãoinjustamente apresentados como tendo pouca aura e prestígioteórico. A escrita afro-americana também é teórica; não é comose só um lado fosse teórico. Nos EUA esses temas também ficamamarrados nas tensões entre os imigrantes, inclusive imigrantesafricanos, que se saem muito bem, enquanto os afro-americanosainda permanecem oprimidos e marginalizados, mesmo apesarda vitória do Obama. Você tem imigrantes da Índia que sãoprósperos e às vezes bastante conservadores, e você temamericanos negros que estão nos EUA há séculos e não estãotão bem. Pode-se até encontrar tensões entre os afro-americanose os africanos, e entre os negros nascidos nos EUA e os negroscaribenhos, porque os caribenhos são às vezes retratados como“a boa minoria”, como os asiáticos (esta mesma divisão se vê naFrança). As pessoas não sabem disso, mas os imigrantes commaior escolaridade nos EUA são os africanos. O que é uma penapara a África, é a fuga de cérebros, mas é uma bênção para osEUA. Mas nenhum deles, inclusive os intelectuais francófonos,conseguem trabalho na França. Então seguem para o Canadá,para os EUA e para a Inglaterra, mas não para a França, emparte porque a França, apesar do protagonismo dos escritoresfrancófonos em todos esses movimentos, além de ter um sistemaacadêmico relativamente fechado, esteve refratária aos EstudosCulturais, Estudos Étnicos e aos Estudos Pós-Coloniais. Mastambém observamos que houve uma grande explosão deliteratura sobre essas questões durante o século XXI, especial-

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mente depois das revoltas no banlieue, em 2005. Agora encontra-mos Estudos Negros à la française no livro de Pap Ndiaye, LaCondition Noire.40

ShohatShohatShohatShohatShohat: Mas a resistência aos Estudos Pós-Coloniais e Multicul-turais às vezes vem dos radicais esquerdistas leninistas, como[Slavoj] •i•ek, que ataca o multiculturalismo e a política de identi-dade de uma maneira muito pouco esclarecida (obviamenteele não leu o tipo de trabalho sobre o qual falamos). Deve-seperguntar por que a direita (Bush, Cheney, Cameron, Sarkosy,Merkel) e alguns esquerdistas se opõem às políticas de identida-de hoje em dia, embora obviamente não pelo mesmo ângulo.

StamStamStamStamStam: E, de certa forma, tem a ver com argumentos de que classeé mais relevante que raça, e que economia é mais relevante quecultura. Porque a “briga real é com capitalismo global”, não vamosnos deixar distrair com temas feministas, assédio policial, pessoasnegras marginalizadas, latinos nos EUA, descendentes de árabes/muçulmanos na França, indígenas e negros no Brasil etc.

ShohatShohatShohatShohatShohat: Um assunto no qual os Estudos Pós-Coloniais são muitovaliosos é na crítica das premissas que apoiam os Estudos deÁrea, que, diferentemente dos Estudos Culturais, foram umacriação muito de cima para baixo na política exterior dos EUA, eque, com frequência, separam a América Latina (lá) e as pessoaslatinas que moram nos EUA (aqui), o Oriente Médio (lá) e aspessoas do Oriente Médio (espalhadas pelas Américas, inclusiveno Brasil, onde sempre se diz que já há mais libaneses que nopróprio Líbano). Uma antologia que coeditei, que deve sair embreve, trata desse tópico. De forma que o que queremos é colocaressas coisas juntas, porque os Estudos de Área segregam, proble-maticamente, esse fluxo global de pessoas, de ideias, de culturas,se não olham para os movimentos diásporicos de ida e vinda.

StamStamStamStamStam: Encontramos uma segregação eurocêntrica semelhantena maneira como se reconta a história. A maioria dos livros sobrea revolução e a “era da revolução” nunca fala sobre o Haiti, quefoi a mais radical das revoluções, porque foi nacional, social,antiescravagista etc... e lembramos a nossos leitores que aprimeira “pós-colônia” e “neo-colônia” foi o recém-independenteHaiti. Em 1804, a França os puniu por derrotarem o exército francês,deixando-os com enormes dívidas. O FMI da época era a França.Mais tarde, os EUA invadiram o Haiti, e a França e os EUAcolaboraram para depor Aristide. Eis por que o Haiti é tão pobre.

PSPSPSPSPS: Os latino-americanos e os caribenhos, apesar do entusiasmopelos conceitos, frequentemente expressam ambivalência comrelação aos Estudos Pós-Coloniais e a teoria. Onde está aAmérica Latina nesta discussão?

40 NDIAYE, 2008.

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BRASIL, ESTUDOS PÓS-COLONIAIS E CONTRACORRENTES ANÁLOGAS

StamStamStamStamStam: Sim, a perspectiva não deveria ser a de “os pós-coloniaisestão lá, e nós os atacamos”. Não, somos parte disso e isso éparte de nós, e contribuímos, mas acho que muitos latino-americanos têm esta reserva: “E a América Latina?” Mas decerta maneira, devemos fazer nosso trabalho, e não só reclamardo que os Estudos Culturais não estão fazendo. No final dascontas, somos parte dos Estudos Pós-Coloniais.

ES/PSES/PSES/PSES/PSES/PS: Em seu capítulo em Europe in Black and White,41 vocêsalertaram contra as “grandes narrativas comparativas” nacrítica pós-colonial, que impôs rotas de viagem “dentro degeografias culturais rigidamente imaginadas”. Em sua opinião,quais ideias, conceitos e teorias não estão viajando o bastante?

ShohatShohatShohatShohatShohat: Acho que nos falta, em certas geografias de teoriasviajantes, esta questão de fazer conexões, o método de fazerconexões e o que enfatizamos como analogias associadas(linked analogies). Sempre fomos contra certo tipo de abordagemisolacionista e baseada no estado-nação, e muito mais a favorde uma abordagem ampla, multidirecional, mais relacional.

StamStamStamStamStam: Mas em nosso livro recente nos limitamos ao queconhecemos – França, Brasil e EUA (e para Ella, o Oriente Médio,embora eu conheça um pouco sobre a região por ter vivido nonorte da África, e agora em Abu Dhabi). Poderia defender-se osestudos Sul-Sul, por exemplo, incluindo Índia e Brasil como paísesmultiétnicos, multirreligiosos do Sul Global. Sempre nos ocorreque as teorias brasileiras sobre cinema poderiam ser muitorelevantes para o cinema indiano. Na Índia você tem estebinarismo, para os intelectuais, da “má Bollywood” e do “bomfilme de arte”, enquanto os brasileiros já estavam questionandoessa hierarquia nos anos 1970, vendo as chanchadas de umaforma positiva. Tropicália, Carmen Miranda, etc… Então achoque muitos lugares poderiam aprender com o Brasil, e é por issoque as pessoas afirmam que o Brasil foi pós-moderno avant laletre. A Tropicália estava questionando a alta e baixa cultura,incorporando a cultura global da mídia, promovendosincretismos. Em termos de sincretismo, você vê o romanceMacunaíma,42 de 1928, que era, o próprio, racialmente múltiplo,e que criou um personagem “sem nenhum caráter.” Opersonagem constantemente muda como um camaleão. Se issonão for hibridez pós-colonial, então não sei o que é.

ShohatShohatShohatShohatShohat: O problema é que esse tipo de conhecimento e análisetende a limitar-se aos Estudos Brasileiros, apesar de ser relevantepara todo o mundo. Então o Brasil, a cultura brasileira e os EstudosBrasileiros não estão viajando bastante. Todo país que se rebeloucontra o colonialismo produziu sua porção de pensamentos earte, inclusive o mundo árabe, a Ásia e o mundo indígena.

41 STAM e SHOHAT, 2011.

42 ANDRADE, 1928.

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EMANUELLE SANTOS E PATRICIA SCHOR

StamStamStamStamStam: Todo país deveria ser parte do debate pós-colonial. Agoraé hora de países como o Brasil ser fonte de ideias “fora de lugar”!Mas, mesmo que o Brasil esteja emergindo como uma espéciede poder econômico global, permanece marginalizado comopoder cultural/filosófico, considerado ainda, com frequência,irrelevante para os Estudos Pós-Coloniais e Estudos Culturais.

ShohatShohatShohatShohatShohat: Dessa forma, para nós, não se trata apenas de multiplicargeografias, mas também de multiplicar as rubricas e teorias eperspectivas para que se possa ver relacionalidades e analogiasassociadas. Tome qualquer lugar do planeta como exemplo:falar do Vietnã é falar do imperialismo francês e americano; é vê-lo em relação ao Senegal e Tunísia como colônias francesastambém, ou, em relação à França e aos EUA, como poderescoloniais/imperiais. Mas não tem que passar por um centro, e épor isso que defendemos no início de Unthinking Eurocentrism opolicentrismo e multiperspectivalismo, com uma abertura do tipocibernética de pontos de entrada e partida, enquantoreconhecendo também as assimetrias e as desigualdadesgeopolíticas.

StamStamStamStamStam: Parte do tema do nosso livro novo é defender os intelectuaisbrasileiros, sugerindo que Roberto Schwarz, Ismail Xavier, Haroldode Campos, Sérgio Costa e Abdias do Nascimento são tãointeressantes quanto Fredric Jameson ou Pierre Bourdieu. Não éuma hierarquia. Eles todos deveriam estar traduzidos. Falamossobre o fato de que os intelectuais brasileiros tendem a conheceros franceses e os americanos, mas quantos franceses eamericanos conhecem os escritores brasileiros?

A cultura popular brasileira é outra história, mas estatambém deveria ser mais bem conhecida, dado que a músicabrasileira, por exemplo, que é tão surpreendentemente eruditae sofisticada, e popular ao mesmo tempo. Caetano Veloso, porexemplo, dialoga com o ensaio de Roberto Schwarz emTropicália, respondendo: “Brasil é absurdo mas não é surdo.”43

Em quantos lugares do mundo músicos populares falam deHeidegger em suas canções, ou escrevem uma história líricade um movimento de cinema como o faz Caetano em “CinemaNovo?”44 Ou intelectuais literários como Zé Miguel Wisnik, quecompõe sambas eruditos e toca as composições de Scott Joplinde trás para a frente! Para nós, a música e a arte podem, muitasvezes, dizer tanto quanto a literatura acadêmica.

ES/PSES/PSES/PSES/PSES/PS: O Atlântico é um tropo recorrente nas analogias comuns erotas frequentes das viagens das ideias. Vocês consideram oAtlântico, tanto quanto a lusofonia, por exemplo, uma grandenarrativa comparativa que domina o campo pós-colonial? Épossível apropriar-se delas e usá-las produtivamente ou devería-mos ter como objetivo nos livrarmos delas em momento oportuno?

44 VELOSO, 1993.

43 VELOSO, 2007.

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BRASIL, ESTUDOS PÓS-COLONIAIS E CONTRACORRENTES ANÁLOGAS

ShohatShohatShohatShohatShohat: Talvez a lusofonia tenha sido visível nos Estudos Pós-Coloniais por causa da questão do Atlântico Negro e aescravidão, mas de fato, se pensarmos no “mundo lusófono”,teremos que relacioná-lo com a Índia, Goa, Oceano Índico,Macau e mesmo os resíduos dos assentamentos portuguesesno que hoje é Abu Dhabi, essas áreas, a área do Golfo.

StamStamStamStamStam: Em Race in Translation, observamos a explosão de metá-foras aquáticas para falar desses temas – Atlântico Negro (nósfalamos do Atlântico Vermelho), performance circum-Atlântica(Roach), tidalectics [dialética que segue o movimento das marés](Kamau Brathwaite), modernidade líquida (Bauman) – como formade encontrar uma linguagem mais fluida que vai além da rigidezdas fronteiras do estado-nação. Não é o caso de “se livrar de”,mas de expandir, para ver as correntes do Atlântico alimentaremo Pacífico.

ShohatShohatShohatShohatShohat: Temos os Estudos do Pacífico, os Estudos do OceanoÍndico, Estudos Mediterrâneos, e mesmo os Estudos do Delta eEstudos Insulares. Um artigo recente enfatizou que Obama eraum ilhéu – Havaí, Indonésia, Manhattan! Também é uma questãode modéstia. Não podemos saber tudo – o Atlântico Negro, oVermelho e o Branco já são assuntos enormes. De maneira que aquestão é fazer conexão com outras correntes. Françoise Vergès,que nasceu em Reunion, mas foi para a Argélia para se juntar àRevolução, e depois estudou nos EUA e na França, mas dá aulasna Inglaterra – portanto encarnando esta abordagem transna-cional –, sempre afirma que a escravidão penetrou Reunion; ocolonialismo esteve em toda parte; portanto, onde os viajantespassavam, deixavam suas marcas. De fato o que é útil aqui é ametáfora de rotas45 de James Clifford. Rotas [routes/roots] sãotambém oceânicas, então são importantes. Mas não é parasubstituir a terra. Não é uma questão de ou-ou; é uma questão defoco e abertura para novos conhecimentos, línguas, perspectivas.

ES/PSES/PSES/PSES/PSES/PS: Vocês falaram sobre o “Atlântico Vermelho” e as epistemolo-gias indígenas viajando entre a Europa e as Américas indígenas.Poderiam elaborar a ideia?

StamStamStamStamStam: Sim, mostramos que tem havido cinco séculos de interlocu-ção filosófica/literária/antropológica entre os escritores francesese os índios brasileiros, entre os franceses protestantes, como Jeande Léry; entre três índios Tupinambás na França e Montaigne, atéchegarmos a Lévi-Strauss – que trabalhou com os Nambiquaras– e Pierre Clastres (“Society against the State”)46 e René Girard(que fala sobre o canibalismo Tupinambá), e, na corrente contrá-ria, Eduardo Viveiros de Castro, que vê os índios da Amazôniaatravés de uma perspectiva deleuziana. Começamos a encontrarum diálogo mais equitativo entre os intelectuais ocidentais e os

45 Clifford faz um trocadilho comas palavras em inglês routes(rotas) e roots (raízes). N.R.

46 CLASTRES, 1987.

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pensadores nativos. Por exemplo, Sandy Grande é uma Quéchuado Peru, que dá aulas numa universidade americana. Elaescreveu um livro chamado Red Pedagogy,47 que é um diálogocrítico com os defensores mais radicais, marxistas, feministas,revolucionários e multiculturais de uma pedagogia radical dotipo freiriano, mas ela fala em pé de igualdade e mesmo comocrítica, dizendo que eles têm muito o que aprender com os povosindígenas. Os intelectuais nativos e produtores de mídia circulaminternacionalmente. Cineastas Caiapós – que não podiam viajarcom passaportes até a constituição brasileira de 1988 – encon-tram-se com os cineastas aborígenes australianos e indígenasdo Alasca em festivais de Nova Iorque e Toronto. Davi Yanomamirelata o massacre dos Ianomâmis fora do Brasil. Raoni e Sting sereúnem com François Mitterrand nos anos 1980. Já no século XVI,Paraguaçu se encontrou com a realeza francesa. No século XVII,Pocahontas reuniu-se com a realeza britânica e com dramaturgoscomo Ben Jonson.

Esquecemos que, nos primeiros séculos de contato, líderesnativos como Cunhambebe (retratado em Como Era GostosoMeu Francês)48 eram recebidos como membros da realeza pelosfranceses. Esquecemos que os Tupinambás foram a Rouen parase apresentar para o Rei Henrique II e Catarina de Médici, fatoque foi celebrado por uma escola de samba nos anos 1990.Temos um presidente Aimará na Bolívia, Evo Morales, queapareceu – para delírio da multidão – no programa Jon StewartDaily Show. Alguns países andinos incluíram em suasconstituições “o direito da natureza de não ser agredida”. Assim,sem ser eufórico, já que sabemos que as coisas não vãoexatamente bem para os povos indígenas, há, por outro lado,contracorrentes muito importantes.

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48 SANTOS, 1971.

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Tradução de Maria Isabel de Castro LimaRevisão de Claudia de Lima Costa