a filosofia da libertação frente aos estudos pós-coloniais
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Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.08,N.4,2017,p.3232-3254.EnriqueDusselDOI:10.1590/2179-8966/2017/31230|ISSN:2179-8966
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A Filosofia da Libertação frente aos estudos pós-coloniais,subalternoseapós-modernidadeThe Philosophy of Liberation face the post-modernity and post-colonial andsubalternsstudies
EnriqueDussel
UniversidadNacionalAutónomadeMéxico,CidadedoMéxico,México.
Versãooriginal:LaFilosofíadelaLiberaciónantelosestudiosposcolonialesysubalternosylaPosmodernidad.Cap.2. daobra:DUSSEL,Enrique.FilosofíasdelSur.DescolonizaciónyTransmodernidad.EdicionesAkal:México,2015,pp.31-50.
Tradução
LucasFagundesMachado,UniversidadedoExtremodoSulCatarinense,Criciúma,SC,Brasil.
E.EmilianoMaldonado,UniversidadeFederaldeSantaCatarina,Florianópolis,SC,Brasil.
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I-introdução
Osmarcosteóricosusadoseconstruídosnofinaldosanosnoventa,tantonaAméricaLatina
comoentreoslatino-americanistasnosEstadosUnidos,quesãofilósofos,críticosliterários,
historiadores, sociólogos, antropólogos, etc., foram diversificados e têm adquirido
complexidade, tornando necessário trazer uma topografia das posições para poder
continuar inteirando-se do debate. Assim, têm mudado a tal ponto as perspectivas,
categorias e os planos de profundidade da “localização” dos sujeitos do discurso teórico-
interpretativo e crítico, que já não é fácil iniciar no estudo, e muito menos continuar o
debatesobreolatino-americano.Emmeioatantasárvoresobosquehátemposjáperdeu
suavisibilidade.Oantigo latinoamericanismo, “latinoamericanismo I”, pareceumobjeto
de museu; devendo ser, porém, a referência obrigatória em toda a discussão. Vejamos
rapidamenteaditatopografiadodebate,emconsideraçãoaquetratasomentede“uma”
interpretação,masvalecomoumgrãodeareiaparadartalvezalgodeclarezaàdiscussão.
II - O “Pensamento Latinoamericano”: desde o final da Segunda Guerra europeia-norte
americana
Emmeadosdosanosquarenta,quandochegouaofimaGuerraEuropeia-norteamericana,
umgrupodejovensfilósofostaiscomoLeopoldoZeanoMéxico,ArturoArdaonoUruguai
ouFranciscoRomeronaArgentina,reiniciaramodebatesobreaproblemáticade“Nuestra”
AméricaLatina,comhaviaacontecidonoséculoXIXcomJuanBautistaAlberdi,AndrésBello
ou JoséMartí, ou na primeira parte do século XX, comMariátegui, Vasconcelos, Samuel
Ramos e tantos outros. Frente o “pan-americanismo” norte americano levantava-se uma
interpretação da América Latina que tampouco queria se confundir com o “Ibero-
americanismo”dofranquismoespanhol.
Os membros de uma filosofia acadêmica “institucionalizada” na etapa anterior a
Guerra–naperiodizaçãodeFranciscoRomero–,haviamcomeçadoa travar contatosem
todoocontinentelatino-americano.Tratava-sedeconhecera“história”dopensamentona
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região,esquecidodetantoobservarsomenteàEuropaeaosEstadosUnidos.“Américaenla
historia” de Leopoldo Zea, publicado em 1957, pela editora Fondo de Cultura Económica
(México),éumexemplodestaépoca.
OmarcoteóricodestageraçãosenutriadefilósofostaiscomoHusserl,Heidegger,
OrtegayGasset,Sartre,ouhistoriadorescomoArnoldToynbee.Retornava-seaosheróisda
Emancipação, ao começo do século XIX (não se tentava recuperar a época colonial) para
repensarseuideallibertárioanteumEstadosUnidosdesde1945hegemônicodoOcidente,
nocomeçodaGuerraFria.
Por sua parte, na África, um Placide Tempels publicava, em 1949, La Philosophie
bantoue,naeditoralPrésenceAfricainedeParis.NaÁsiaenaÍndia,maisparticularmente,o
pensamento de Gandhi havia redescoberto um “pensamento hindu” como motor
emancipadordaex-colôniabritânica.
Nestaetapa culminaem tornoa1968, anodegrandesmovimentos intelectuais e
estudantisqueseiniciamcomaRevoluçãoCulturalnaChina,em1966,eabarcamtantoo
maio francês comooprotesto contra aGuerradoVietnãemBerkeley, EstadosUnidos, o
outubroemTlatelolconoMéxicoeoCordobazoargentinoem1969.
III-Modernidade/Pós-ModernidadenaEuropaeEstadosUnidos
Na década de setenta mudou o “ambiente” europeu da filosofia. As revoltas estudantis
esgotaramumacertaesquerdaqueabandona,emparte, a tradiçãomarxista,Castoriadis,
enquantoqueoutrosforamburocratizados,construindoomarxismostandard, incluindoo
clássicoalthusseriano.Deestaformasurgelentamenteumacertacríticaaouniversalismo,
fundacionaloudogmático,desdeposiçõesnão tradicionais.Michel Foucault, protagonista
noNanterrede1968,criticaasposiçõesmetafísicasea-históricasdomarxismostandard,ou
seja,oproletariadocomo“sujeitomessiânico”,ocursonecessárioeprogressivodahistória,
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opodermacroestruturalcomooúnicoexistente,etc.1.NaFrança,GillesDeleuze2,Jacques
Derrida3oJeanFrançoisLyotard,naItáliaGianniVattimo4(composiçõesmuitocontrárias),
se levantam contra a “razão moderna”, buscada sob a categoria de totalidade por
EmmanuelLévinasem1961(emTotalidadeeInfinito,publicadonacoleçãofenomenológica
de Nijhoff Nimega). A obra de Lyotard,A condição pós-moderna,de 1979, publicada por
Minuit, em Paris, é como ummanifesto. Na terceira linha da Introdução nos diz que “o
termoestaemusonocontinenteamericano”,eodefine:
Designaoestadodaculturadepoisdastransformaçõesqueafetaramasregrasdojogodaciência,daliteraturaedasartesapartirdoséculoXIX.Aquisesituamestastransformaçõescomrelaçãoacrisesdosrelatos.5
Desde Heidegger, com sua crítica da subjetividade do sujeito como superação da
ontologia da modernidade6, e ainda mais desde Nietzsche, com sua crítica ao sujeito, a
ordemdevaloresvigentes,averdade,ametafísica,omovimento“pós-moderno”nãosóse
1Ver:M.Foucault,Lesmotsetleschoses,París,Gallimard,1966[ed.Cast.:Laspalabrasylascosas,MéxicoSigloXXI,1986];L’archeólogiedusavoir,París,Gallimard,1969(ed.Cast.:Laarqueologíadelsaber,México,SigloXXI];Histoire de la folie à l’âge classique, Páris, Gallimard, 1972, (trad.Historia de la locura en la época clásica,México,FondodeCulturaEconómica);Surveilleretpunir,París,Gallimard,1975(trad.Vigilarycastigar,México,SigloXXI);Histoiredelasexualité1.LaVolontédesavoir,París,Gallimard,1976(trad.Historiadelasexualidade1. La voluntad de saber,México, Siglo XXI, 1977);Histoire de la sexualité 3. Le souce de soi,París,Gallimard,1984,(trad.Historiadelasexualidade3.Lainquietuddesí,México,SigloXXI,1987),eHistoriadelasexualidad2.El usode losplaceres,México, SigloXXI, 1986.ComentaD. Eribonquepode se verem:Historiade la locura,Foucault mostra que ao excluído não lhe era permitido falar (como crítica à psiquiatria); enquanto que emHistoria de la sexualidad (desde La volutandde saber) o poder prolifera e toma a palavra do excluído comapsicanálise.Suaintençãoétodoumprocessodelibertaçãodosujeitoquepartedanegaçãoorigináriaefundaapossibilidadedeumfalardiferencial.A“ordem”,istoé,osistemadodiscursodisciplinar(repressor)exerceumpoderquelegitimaouproíbe,primeiro;mas,posteriormente,os“quebrados”tomamapalavra.Foucaultéumintelectualdodiferencial;Sartredouniversal.Énecessáriosaberarticulá-los.2Ver:G.Deleuze,NietzscheetlaPhilosophie,París,PUF,1962;Foucault,México,Paidós,1991,ecomF.Guattari,Capitalismeetschizophrénie1.L’Anti-Oediper),París,LeséditionsdeMinuit,1972.3Verassuasobrasjuvenistaiscomo:“Violenceetmétaphysique,essaisurlapenséd’EmmanuelLevinas”,RevuedeMéaphysiqueetdeMorale69/3(1964),pp.322-354;ibid.,pp.425-43;L’écritureetlaDifférence,París,Seuil,1967,yDelaGrammatologie,París,LeséditionsdeMinuit,1967.4 Ver: G. Vattimo, Schleiermacher filosofo dell’interpretazione, Milán, Mursia, 1968, La fine della Modernità,Nichilismo ed ermeneutica nella cultura post-moderna,Mílan, Garzanti, 1985; Le avventure della Differenza,Milán, Garazanti, 1988; El sujeto y la máscara, Barcelona, Península, 1989; Essere, storia e linguaggio inHeidegger,Gênova,Marietti,1989,yCrederedicredere.ÉpossibiliesserecristianinonostantelaChiesa?,Milán,Garzanti,1998.5 J. – F. Lyotard, La condición postmoderna,Madrid, Cátedra, 1989, p. 9. W. Welsch mostra que a origemhistóricadotérminoéanterior(veremUnserepostmoderneModerne,Berlín,AkademieVerlag,1993,p.10).6Ver:E.Dussel,Paraunade-struccióndelahistoriadelaética,Mendonza,SeryTiempo,1974.
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opõemaomarxismostandard,masmostraavertenteuniversalistacomoprópriadoterrore
daviolênciada racionalidademoderna. Frenteaunicidadedo serdominante se levantaa
differance, a multiplicidade, a pluralidade, a fragmentariedade, a desconstrução de todo
macrorelato.
Nos Estados Unidos, a obra posterior de Fredric Jameson, Postmodernism or the
Cultural Logico of Late Capitalism, publicado em 1991 por Duke University, é um novo
momento do processo. Richard Rorty é um cético antifundacionalista, que poderia ser
inscritonatradiçãopós-moderna,mascolateralmente.
NaAméricaLatina,arecepçãodomovimentopós-modernosedáaofinaldosanos
oitenta.NaobradeHermannHerlinghauseMonikaWalter,Posmodernidadenlaperiferia7,
ounaobracompiladaporJohnBeverly,JoséOviedoyMichelAronna,ThePostmodernism
Debate in Latin America8, podem ver-se trabalhos muito recentes; os mais antigos da
metadedosoitenta.Emgeral, significaumageraçãoqueexperimentacerto“desencanto”
própriodofinaldeumaépocanaAméricaLatina(nãosomentedopopulismo,masdetoda
a esperança que despertou a Revolução cubana de 1959, confrontada com a caída do
socialismorealdesde1989).Temumaatitudedeenfrentarpositivamenteahibridezcultural
deumamodernidadeperiféricaque jánãocrêemmudançasutópicas;desejamevadir-se
dos dualismos simplificados de centro-periferia, atraso-progresso, tradição-modernidade,
dominação-libertaçãoetransitarpelapluralidadeheterogênea,fragmentária,diferencial,de
uma cultura transnacional urbana. Agora são os antropólogos sociais9 ou os críticos
literáriososquetemproduzidoumanovainterpretaçãodolatino-americano10.
7 H. Herlinghaus y M. Walter, Posmodernidad en la periferia. Enfoques latinoamericanos de la nueva teoríacultural, Berlín, Langer Verlag, 1994; com trabalhos dos editores e de José Joaquín Brunner, Jesús Martín-Barbero,NéstorGarcía Canclini, CarlosMonsiváis, RenatoOrtiz, Borbert Lechner,Nelly Richard, Beatriz Sarlo,HugoAchúgar.8J.Beverlyetal.(eds.),“ThepostmodernismDebateinLatinAmerica”,Boundary2:aninternationaljournalofliteratura and cultura 20/03 (1993); com colaboração dos editores e Xavier Albó, José J. Brunner, FernandoCalderón, EnriqueDussel,MartínHopenhayn,N. Lechner, AníbalQuijano,N. Richard, Carlos Rincón, B. Sarlo,SilvanoSantiago,HernánVidal.9 Em especial N. García Canclini,Culturas híbridas. Estratégias para entrar y salir de lamodernidad,México,Grijalbo,1989.10Ver:R.Follari,Modernidadypostmodernidad:unaópticadesdeAméricaLatina,BuenosAires,REI,1991;S.Arriarán, Filosofia de la postmodernidad. Crítica a laModernidad desde América Latina,México, Faculdad deFilosofia y Letras – UNAM, 1997 e a crítica de R, Mailandi, Dejar la Postmodernidad. La ética ante elirracionalismoactual,BuernoAires,Almagesto,1993.
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PensoqueaobradeSantiagoCastro-Gómezédesumointeresse,jáquerepresenta
umexemplodeumafilosofiapós-modernadesdeAméricaLatina11.Suacríticaéendereçada
contraopensamentoprogressistalatino-americano;contraAdolfoSánchezVásquez12,Franz
Hinkelammert13,PabloGuadarrama,ArturoRoig14,LeopoldoZea15,AugustoSalazarBondy16,
etc.Emtodososcasos–enomeupróprio–suaargumentaçãoésempresemelhante:estes
filósofos (para Castro-Gómez) sob a pretensão de criticar a Modernidade, ao não ter
consciência crítica da “localização” de seu próprio discurso, por não ter possuído as
ferramentas foucaultianas de uma arqueologia epistemológica que houvesse permitido
reconstruirgeneticamenteomarcocategorialmoderno,deumaououtramaneiravoltama
cairnaModernidade(sealgumavezsaíramdela).Falardesujeito,dehistória,adominação,
a dependência externa, as classes sociais oprimidas, do papel das massas populares, de
categoriastaiscomototalidade,exterioridade, libertação,esperança,seriacairnovamente
emummomentoquenãoassumedeformasériao“desencantopolítico”noqualacultura
atual se encontra radicada. Falar então demacro instituições como o Estado, a nação, o
povo,odasnarrativasépicasheroicas seria terperdidoo sentidodomicro,heterogêneo,
plural,híbrido,complexo.Deumamaneirapessoal,entreoutrascríticas,seinscreve:
Ooutrodatotalidadeéopobre,ooprimido,oque,porencontrar-senaexterioridade do sistema, se converte na fonte única de renovaçãoespiritual. Ali na exterioridade, no ethos do povo oprimido, se vivemoutrosvaloresmuitodiferentesaosprevalentesnocentro...ComoqualincorreDusselna segunda redução:adeconverteraospobresemumaespécie de sujeito transcendental, a partir da qual a historia latino-americanaadquiririasentido.Aqui jánosencontramosnasantípodasda
11Ver:S.Castro-Gómez,Críticadelarazónlatinoamericana,Barcelona,PuvillLibros,1996;DiePhilosophiederKalibane. Diskursive Konstrutionen der Barbarei in der lateinamerikanischen Geschichtsphilosophie, Tubinga,FaculdaddeFilosofia(s.f);comE.Mendieta(eds.),Teoríassindisciplina.Latinoamericanismo,poscolonialidadeglobalización en debate,México, Porrúa-Universidad de San Francisco, 1998 (com trabalhos dos editores eWalterMignolo,AlbertoMoreiras,IleanaRodríguez,FernandoCoronil,ErnavonderWalde,NellyRichard,HugoAchúgar).12S.Castro-Gómez,Críticadelarazónlatinoamericana,cit.,p.18.13Ibid.,p.19.14Especialmentenastrêsobrasnomeadaseemmuitoslugares(éoautormaiscriticado).15OmencionadoemrelaçãoaROIG.16S.Castro-Gómez,Críticadelarazónlatinoamericana,cit.,pp.89ss.“SalazarBondypensaqueaesquizofreniapsicológicaéapenasexpressãodeumaalienaçãoeconômica”(ibid.,p.90).Oautorsempretendeasimplificaraposiçãodocontráriodeumaformaumtantosiamesa.
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pós-modernidade, pois o que Dussel procura não é descentralizar aosujeitoiluminista,massubstituí-loporoutrosujeitoabsoluto17.
O que não adverte Castro-Gómez é que Foucault critica certas formas de sujeito,
masvalorizaoutras;criticacertasmaneirasdehistoriardesdeleisapriorinecessárias,mas
revaloriza uma história genético epistemológica. Frequentemente Castro-Gómez cai no
fetichismodas fórmulas,enãoadvertequeénecessáriaumacertacríticadosujeitopara
reconstruir uma visãomais profundadomesmo;que se requer criticar uma simplificação
das causas externas do subdesenvolvimento latino-americano para integrá-lo a uma
interpretação mais compreensiva; que é necessário não descartar as micro-instituições
(esquecidas pelas descriçõesmacro) paramelhor articulá-las asmacro instituições; que o
Poder se constitui de formamútua e relacional entreos sujeito sociais,masnãopor isso
deixadeexistiropoderdoEstadooudeumanaçãohegemônica(comohojeéocasodos
EstadosUnidos).Secriticaumacertaunilateralidadecomoutradesentidocontrário,ese
cai naquilo que se critica. Desde uma crítica panóptica pós-moderna repete a pretensão
universal da Modernidade; ou seja, “a pós-modernidade – nos diz Eduardo Mendieta –
perpetuaa intençãohegemônicadamodernidadeedaCristandadeaonegar-lheaoutros
povosapossibilidadedenomearasuaprópriahistóriaedearticular seuprópriodiscurso
autorreflexivo”18.
NaEuropa,poroutraparte,umcertoracionalismouniversalista,quedesconfiado
irracionalismo fascista (do período nazi alemão), como o de Karl-Otto Apel ou Jünger
Habermas, opina que pelo contrário, do que se trata é de “completar a tarefa da
Modernidade”comoracionalidadecrítico-discursivademocrática.Setratadeumintentode
fundamentararazãocontraoscéticosdotipoRichardRorty.
17Ibid.,pp.39-40.EsqueceaquiCastro-GómezqueH.Ceruttimecriticouemnomeda“classetrabalhadora”(oproletariado como categoriametafísica, que eu não aceitava dogmaticamente) do althusserianismo, pelo usoindevido do “pobre” e “povo”, que, comomostrarei depois, é exatamente, ummodomuito foucaultiano dedeter-sereflexivamentesobreos“excluídos” (o ‘demente’dosmanicômios,ocriminosodasprisões…”Outros”que vagam na “exterioridade” da visão panóptica da “totalidade” da época clássica francesa). Levinas haviaradicalizadoantescertostemasqueFoucaulttratoudepois.18Em“Modernidad,posmodernidadyposcolonialidad”,naobraqueeditacomS.Castro-Gómez,1998,p.159.
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De maneira que o debate, no Norte, se estabeleceu entre uma pretensão de
racionalidadeuniversalouaafirmaçãodadiferença,danecessidadedanegaçãodosujeito,
adesconstruçãodahistória,doprogresso,osvalores,ametafísica,etc.
IV-Surgimentodediversospensamentoscríticosnaperiferiapós-colonial:aFilosofiada
Libertação19
No seminário “Cross-genealogies and Subaltern Knowledges”, convocado por Walter
Mignolo,naUniversidadedeDukede15a18deoutubrode1998,pudeconhecerascolegas
da Índia Gyan Prakash (Princeton), Dipesh Chakrabarty (Chicago) e Jha Prabhakara (El
Colegio de México), que descreveram como surgiu o movimento denominado Subaltern
Studies,quandoemtornoaoanode1970RanajitGuha20iniciouumatransformaçãoteórica
quedemarxistastandard,pormeiodeumaleiturasituadadeFoucault,começouasairdos
caminhos trilhados do passado inovando enquanto ao estudo da cultura das massas
populares, grupos ou classes subalternas, na Índia. O importante deste movimento, que
depoisseenriquececomaparticipaçãoentreoutrosdeGayatriSpivak21,HomiBhabha22,os
19Ver:E.Dussel,PhilosophyofLiberation,NuevaYork,OrbisBooks, ³1993yTheUndersideofModernity,NewJersey,HumanitiesPress,1996.20Ver:R.GuhayG. Spivak,“On someaspectof theHistoriographyof colonial India”, enSelected SubalternalStudies,NuevaYork,OxfordUniversityPress,1988.Comosepodesuporessacorrentehistoriográficaseopõeamera“historiografiadaÍndia”tradicionalnomundoanglo-saxão.SuadiferençaaestabeleceummétodocríticoinspiradoemKarlMarx,MichelFoucaultouJacquesLacan.NissoasemelhançacomaFilosofiadaLibertaçãosefazevidente.21Verem:G.Spivak,“SubalternStudies:DeconstructingHistoriographyandValue”,emInOtherWorlds.Essaysin Cultural Politics, Nueva York, Methuen, 1987; Outside in the Teaching Machine, Nueva York-Londres,Routledge, 1993; P. William y L. Chrisman (eds.), “Can the Subaltern Speak?”, en Colonial Discourse andPostcolonialThoery:AReader,NuevaYork,ColumbiaUniversityPress,1994,pp.66-111.22Suaobrade1994,Thelocationofculture,Londres-NuevaYork,Routledge,daqualE.Saidescreve:“Hisworkisa landmark in the Exchange between ages, genres and cultures; the colonial, post-colonial, modernist andpostmodern”, se situaemuma fecunda “localização” (location):o “ser-entre”,o“in-betwenn(ness)” superaasdicotomiassemnegá-lasunilateralmente.Trabalhanatensãoenointerstício.Bhabhanãonegaocentronemàperiferia, o gênero nem a classe, a identidade nem a diferença, a totalidade nem a alteridade (se referefrequentementeàs“othernessoftheOther”pensandoexplicitamenteemLevinas),masexploraafecundidadedo “ser-entre”do “border land”da terra,do tempo,das culturas,das vidas, comoum“lugar”privilegiadodelocalizaçãocriadora.Sejasuperadaadualidadeenãocairnasuapuranegação.AFilosofiadaLibertação,semnegar suas intuições originárias pode aprender muito, crescer. Bhabha assume uma negação simplista domarxismo,comomuitospós-modernoslatino-americanosque,semadvertir,caememposiçõesconservadoras,eatéreacionárias.
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nomeados G. Prakash e D. Chakrabarty, e muitos outros, é que todos utilizam a
epistemologiadeFoucaultedeLacan,semdeixarderecorreraMarxesituam-secomoum
movimento intelectual de “compromisso político” junto aos grupos subalternos. Agora
podem abrir-se a problemas de gênero, de cultura, de política e de crítica ao racismo,
porquecontamcomnovosinstrumentosteóricoscríticosdeanálise.
A obra de Edward Said, de 1978,Orientalism.Western Conceptions of theOrient,
publicadoemLondres,sesituaigualmentecomoumatomadadeconsciênciacriticaanteos
estudoseuropeussobreaÁsia.ComrespeitoaÁfrica,aposiçãodeTempelsserácriticada
quasetrêsdecêniosdepoisdesuaapariçãoporPaulinHountondji,queem1977publicasua
obraCritiquedePethnophilophosie,emMaspero,Paris.
Quero com isto sugerir que em toda a periferia (África, Ásia e América Latina),
começaram a surgir movimento críticos que partiam de sua própria realidade regional e
utilizavamemalgunscasosummarxismorenovadocomoreferencialteórico.
Penso que a Filosofia da Libertação na América Latina, que se inicia por volta de
1970(quaseaomesmotempoqueosprimeirostrabalhosdeR.GuhanaÍndia)equeestá
influenciadanãoporFoucault,masporLévinas, seencontramarcadaporummesmotipo
dedescobrimentoquepodemsermalinterpretadossenãosereconstróiconvincentemente
asuasituaçãoorigináriadenascimento,eporissosedistorceasuaperspectiva.AFilosofia
da Libertaçãonunca foi simplesmente “pensamento latino-americano”,nemhistoriografia
deste; foi filosofiacrítica, localizadaautocriticamentenaperiferia,nosgrupossubalternos.
Por outra parte, desde 1976, em alguns casos, se vem proclamando o esgotamento da
Filosofia da Libertação. Muito pelo contrário, parece que foi no final dos anos noventa
quando foi descobrindo e abrindo novos horizontes de profundidade que permitiram um
diálogoSul-Sul,preparatóriodefuturosecriativosdiálogosSul-Norte.
A intuiçãoorigináriadaFilosofiada Libertação, tradição filosófica (adiferençados
outrosmovimentosmais antropológicos, históricos, de crítica literária, que deveriam por
isso articular-se enriquecedoramente) herdeira dos movimentos de 1968, partiu de uma
críticadarazãomoderna,dosujeitocartesianodesdeacríticaontológicadeHeidegger,por
umaparte,oquelhepermitiusustentarumaposiçãocríticaradicaldedimensãoontológico-
fundamental. Por outra parte, se inspirou igualmente na primeira Escola de Frankfurt
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(Horkheimer,Adorno,especialmenteemMarcusedoElhombreunidimensional),oquelhe
ajudou a compreendero sentidopolíticodadita ontologia (incluindo a heideggeriana em
suavinculaçãocomonazismo).Citávamosem1969umtextodeHeideggeremParauma
destruccióndelahistóriadelaética:
O que significa mundo quando falamos de escurecimento mundial? Oescurecimento mundial implica o enfraquecimento do espírito de simesmo, sua dissolução, consumação e falsa interpretação [...] Adimensão predominante é a da extensão e o número [...] Tudo isso seintensificadepoisnaAméricaenaRússia23.
E concluímosdizendoqueénecessáriodizer “umnãoaomundomodernoque já
terminaseuciclo;eumsimaonovohomemquehojeestánotempodesuaconversão,de
suavirada(Quebre/giro)”24.
Masaomesmotempo,foramobrascomoadeFrantzFanon,Loscondenadosdela
Tierra, as que nos situaram. Na Argentina nessemomento as massas populares lutavam
contra a ditaduramilitar deOngania, Levingston e Lanusse. Como filósofos e acadêmicos
assumimos a responsabilidade crítica e teórica no processo25. Sofremos atentados de
bomba, fomos expulsos das universidades e do país, alguém (como Mauricio López) foi
torturadoeassassinado.Odesmonteteóricoiaarticuladocomaprática.Foramelaboradas
categorias críticas frentea subjetividademoderna.Oacessohistóricoera fundamentalna
destruiçãodaModernidade.Erajáumagenealogiadascategoriasmodernas,masdesdeum
horizonte (metrópole/colônia).Situandonossodiscursodentrodosistema-mundo(aoque
nãopuderamacessarFoucault,Derrida,Vattimo,nemmesmoLévinas)descobríamosqueo
“Eu”queassinavadesde1519asreaiscédulasdoreidaEspanha,eimperador,eraomesmo
queo“euconquisto”deHernánCortésnoMéxicoem1521,muitoantesqueo“egocogito”
deDescartesnaAmsterdamde1637.Nãoerasomenteiraossupostosepistemológicosda
idade clássica da França, nos séculos XVII e XVIII; era considerar a toda Modernidade
mundialdesdemaisde500anos.23M.Heidegger,EinführunginDieMetaphysik,Tubinga,MaxNiemeyer,1966,pp.34-35.24E.Dussel,Paraunade-struccióndelahistoriadelaética,cit.,p.126.25 Ver: “Una década argentina (1966 – 1976) y el origen de la Filosofía de la Liberación”, emHistoria de lafilosofíayfilosofíadelaliberación,Bogotá,NuevaAmérica,1994,pp.55-96.
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Hácincoséculoscomeçouaesboçar-seo“mitodaModernidade”26,asuperioridade
europeia sobre as restantes culturasdoorbe.Ginésde Sepúlveda foi certamenteumdos
primeiros grandes ideólogos do “ocidentalismo” (o eurocentrismo da Modernidade), e
Bartolomé de las Casas, desde 1514, o primeiro “contradiscurso” da Modernidade com
sentidoglobal,mundial,centro-periferia.
O“excluído”e“vigiado”nomanicômioeaprisãopanópticaclássicafrancesa,havia
sidoantecipadoemséculospeloíndioexcluídoevigiadonas“reduções”,povosedoutrinas
da América Latina desde o século XVI27. O negro vigiado na senzala junto à Casa Grande
haviasurgidoem1520emSantoDomingo,quandoterminouaexploraçãodoourodosrios
e começava a produção de açúcar. OOutro de Lévinas, que nas minhas obras de 1973,
tendolidocomcuidadojánesseentãoaJacquesDerrida,denominavao“distinto”(porque
a“di-ferença”sedefiniadesdea“Identidade”28),é,deumamaneira“generalizada”ouem
abstrato, o excluído e vigiado de Foucault, como demente recluído no manicômio ou
criminososeparadonaprisão.Verna“exterioridade”umacategoriameramentemodernaé
distorcer o sentido desta categoria levinasiana crítica, que a Filosofia da Libertação
reconstrói não semaoposição aopróprio Lévinas, que somentepensavana Europa, sem
advertir,enapura“responsabilidade”éticapeloOutro,massem“responsabilidade”sobre
oquedeixaráde“terfome”,deestarsemcasa,deserestrangeiro.AFilosofiadaLibertação
se separa de imediato de Lévinas porque deveria pensar criticamente a responsabilidade
acercadavulnerabilidadedoOutro,masnoprocessodareconstruçãodeumanovaordem
(comtodaaambiguidadequeisto implica).Ofilósofodalibertaçãonãoé“representante”
deninguém,nemfalaemnomedeoutros (comosehouvessesido investidodesta função
política), nem realiza uma tarefa para suportar ou negar uma culpabilidade pequeno
26Ver:E.Dussel,1492:ElencubrimientodelOtro,Madrid,NuevaUtopía,1992.27Opanópticopodiaserobservadonosplanosclaros,quadrados, coma igrejaaocentro,dospovos traçadoscom racionalidade renascentista espanhola, mas não por isso menos “disciplinaria” dos corpos e das vidas,regradas hora por hora desde as cinco da madrugada, regras interiorizadas pelo “exame de consciência”jesuítico,um“egocogito”reflexivomuitoanterioraDescartes…nasreduçõessocialistasutópicasdoParaguai,ouentreosmoxosychiquitosemBolívia,oscalifornianosnonortedoMéxico(epartedosEstadosUnidos).28 Édizer, falavadadifférance comodiferença;outraqueamera “diferença”na Indentidade, desde1973emPara una ética de la liberación latinoamericana (t. I, Buenos Aires, Siglo XXI). Depois, desde o México, emFilosofiade laLiberación (México,Edicol,1977), indicorepetidasvezesadiversidadeentre“diferença”e“Dis-tinção”doOutro,ondenoprólogoobservo(em1977,doisanosantesqueLyotard)quesetratadeumafilosofia“pós-moderna”.
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burguesa. O filósofo crítico latino-americano, como concebe a Filosofia da Libertação,
assume a responsabilidade de lutar pelo Outro; a vítima, a mulher oprimida do
patriarcalismo, as gerações futuras aos que deixaremos uma Terra destruída, etc. Assim,
todosostiposdealteridadepossíveldesdesuaconsciênciaéticasituada;adequalquerser
humanoscom“sensibilidade”éticaquesaibaindignar-sefrenteàinjustiçaquesofrealgum
Outro.
“Localizar” (no sentido de Homi Bhabha) o discurso foi sempre a obsessão da
Filosofiada Libertação.Pretendia situar-senaperiferiado sistema-mundo,desdeas raças
dominadas, desde amulher naordemmachista, desde a criançano sistemadeeducação
bancário, desde amiséria29, etc. Claro é que os instrumentos teóricos devem aos poucos
serem aperfeiçoados, e para isso a contribuição teórica pós-moderna deve subsumir-se.
Mas a Filosofia da Libertação igualmente subsumiu as categorias deMarx, de Freud, da
hermenêutica de Ricoeur, da Ética discursiva, e de os movimentos do pensamento que
possamcontribuircategoriasquesãonecessáriasemboranãosuficientesparaumdiscurso
quejustifiqueapráxisdelibertação.
Sim é verdade que há uma história hegeliana, “grande relato” encoberto e
eurocêntrico30, mas não é sustentável que as vítimas necessitem somente micro relatos
fragmentários.Pelocontrário,RigobertaMenchú,oExércitoZapatista,osafro-americanos,
os hispanos nos Estados Unidos, as feministas, os marginais, a classe trabalhadora no
capitalismo transnacional que se globaliza, etc., necessitam uma narrativa histórica que
reconstruasuamemória,nosentidodesuaslutas.As“lutasporreconhecimento”dosnovos
direitos (falando como Axel Honneth) necessitam da organização, da esperança, da
narrativaépicaqueabrehorizontes.Adesesperançatemseusentidodurantealgumtempo,
masaesperançadavidahumana,desuaprodução,reproduçãoedesenvolvimentoéuma
vontadedeviver,dequejáSchopenhauersedeclaroucontrário,emboranuncaNietzsche.
RichardRortynãonecessitanadadisso,massimasmilharesdevítimas,porserempobres,
dofuracãoMitchnoCaribeeCentro-américa.
29HernannCohenescreviaqueométodoônticoiniciasuatarefaassumindoaposiçãodomiserável.30Ver:E.Dussel,1492:ElencubrimientodelOtro,cit.,cap.1.
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O dualismo simplista de centro-periferia, desenvolvido-subdesenvolvido,
dependência-libertação,classesexploradoras-classesexploradas,todososníveisdegênero,
cultura, raça na bipolaridade dominador-dominado, civilização-barbárie, fundamento-
fundado, princípios universais-incerteza, totalidade-exterioridade, enquanto superficial ou
reduzidamenteutilizados,deve ser superado.Porémsuperado (enquanto subsumido)não
quer dizer que se pode “decretar” sua inexistência, inutilidadeepistêmica, total negação.
Pelo contrário, a desconstrução Derridiana supõe que o texto pode ser lido desde uma
totalidadede sentido vigenteoudesde a exterioridadedoOutro (o qual permiteuma tal
desconstrução).Estascategoriasdialéticasduaisdevemsersituadasemníveisconcretosde
maiorcomplexidade,articuladascomoutrascategoriasquelhessirvamdemediaçãoemum
nívelmicro.Noentanto,suporquenãohádominadoresnemdominados,nemcentronem
periferia,écairemumpensamentoreacionárioouperigosamenteutópico.Otempochegou
na América Latina de passar a posições de maior complexidade, sem fetichismo ou
terrorismo linguístico que declaram superadas, antigas, obsoletas ou sem validez as
posições que usam outra nomenclatura que a desejada pelo expositor. A luta de classes
nunca poderá ser superada, mas não é a única luta, há outras (a luta da mulher, os
ecologistas,asraçasdiscriminadas,asnaçõesdependentes)eemcertasconjunturas,outras
lutassãomaispromissorasecomumasignificaçãopolíticamaior.Seoproletariadonãoé
um “sujeitometafísico”para toda a eternidade, não significapor issoquenãoénenhum
sujeito coletivo, intersubjetivo, que apareça e possa desaparecer em certas idades
históricas.Esquecer-sedesuaexistênciaéigualmenteumgraveerro.
V-Osestudoslatino-americanosnosEstadosUnidos
Nosúltimostrêsdecênios,empartepeladiásporadevidaasditadurasmilitareseemparte
pela pobreza da sociedade latino-americana ocasionada pela exploração do capitalismo
tardiotransnacional,muitosintelectuaislatino-americanos–emuitosoutrosjánosEstados
Unidos integrados como “hispanos” – renovaram completamente os marcos teóricos
interpretativos no âmbito dos Estudos latino-americanos (cabe destacar que a Latin
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AmericanStudiesAssociation foi fundadaem1963),especialmentenacrítica literária,que
tomouarelevânciado“pensamento latino-americano”,emmãodosfilósofosnopassado.
Istofoidevido,entreoutrasrazões,aqueumacertaesquerdamarxistanorte-americanafoi
expulsa dos departamentos de filosofia e se fez presente nos departamentos de crítica
literária, literatura comparada ou línguas romances (em especial o francês); o que deu a
estesestudosumvooteóriconuncaantesalcançado(nemnosEstadoUnidos,tampoucona
Europa).Apreponderâncianousodefilósofosfranceses(Sartre,Foucault,Derrida,Lyotard,
Baudrillard,etc.)seexplicaigualmenteporqueédesdeosdepartamentosdelínguafrancesa
(enãoa inglesa31,maistradicionalesobocontroledeumpensamentomaisconservador)
queditomovimentoiniciaseustrabalhos.
SeagregamosaistoqueosCulturalStudies,especialnoReinoUnido(pensa-seem
Stuart Hall, de origem jamaicano), também contaram com os aportes da diáspora latino-
americana (como no caso de Ernesto Laclau, por exemplo), poderia entender-se que o
panoramafoiampliando-se.
Os Subalternal Studies procedentes da Índia, o pensamento e a filosofia africana
afro-americana e afro-caribenha, em pleno desenvolvimento, permitiram discutir a
inovadorahipótesedeumarazãopós-colonialoupostcolonialreason32,quesurgiunaÁsiae
naÁfricadepoisdaemancipaçãodenaçõesdeditoscontinentesapartirdasegundaguerra
Europa do século XX. Logo, adverte-se que o antigo pensamento latino-americano e a
FilosofiadaLibertaçãohaviamjáabordadoquestõesqueagorasediscutemnaÁfricaena
Ásia. Um estudo subalterno latino-americano (Latin American Subalternal Studies) se
sobrepõeamuitos temas já tratadospela tradição filosófica latino-americana iniciadanos
sessenta,eaparentementeesquecida(emparteporqueosespecialistasemcríticaliterária
nãoforamprotagonistasdasdiscussõesfilosóficasnaquelaépoca).
Dai que um Alberto Moreira mostra a necessidade da crítica do primeiro latino-
americanismo (tanto dos estudos latino-americanos nos Estados Unidos como do
31SomentequandoemtornoaoinglêsdoCommonwealthcomeçamaexporospensamentosasiáticos,africanoecaribenhos,opanoramamudaráradicalmente,emumalinhamuitosemelhanteàFilosofiadaLibertação.32VerB.Moore-Gilbert,PostcolonialTheory.Contexts,Pratices,Politics.Londres:Verso,1997.Comexcelentesdescrições mostra agora a presença do pensamento crítico da periferia pós-colonial nos departamentos deliteraturainglesanosEstadosUnidos.OCommonwealthsefazpresente.
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pensamentolatino-americanodaAméricaLatina)edoneolatino-americanismo.Atarefade
um segundo latino-americanismo seria “produzir um aparelho antirrepresentacional,
anticonceitual, cuja principal função seria a de entorpecer o progresso tendencial da
representação epistêmica à sua total clausura”33, omeramente global, de uma sociedade
ondeodisciplináriohaviadeixadolugaraocontroleanti-diferencial.
Frente aodescobrimentoda interpretaçãodo “orientalismo”,nos termosde Said,
descobre-seposteriormentedeumcerto“ocidentalismo”(aauto-compreensãomodernada
Europamesma),eporissosefalacomRobertoFernándezRetamarouFernandoCoronilde
“pós-ocidentalismo”:
Ocidentalismoé,portanto,umaexpressãoquedenotaarelaçãoentreasrepresentaçõesocidentais dasdiferenças culturais eodomíniomundialpelo ocidente. Enfrentar o ocidentalismo significa desestabilizar suasrepresentações,queproduzemconcepçõespolarizadasehierárquicasdoocidenteedosdemais34.
Opós-ocidental deCoronil é comoa transmodernidadequepropomosemoutros
trabalhos.Opós-modernoéaindaeuropeu,ocidental.Opós-ocidentaloutransmodernovai
além da Modernidade (e da pós-modernidade), e se encontra melhor articulado com a
situação latino-americana, cuja “ocidentalização” é maior que na África e na Ásia, e sua
emancipação–porissoo“pós-colonialismo”nãocabeadequadamente35.
33VerE.MendietayS.Castro-Gómez(coords.),“Fragmentosglobales: latinoamericanismodesegundoorden”,em:Teoríassindisciplinas.Latinoamericanismo,poscolonialidadyglobalizacióndeldebate.Porrúa:México,pp.59-83.O“latino-americanismonorte-americano”quesepraticanos“estudosdeárea”dasuniversidadesdessepaíscontacomaimigraçãomassivadeintelectuaisdaAméricaLatina,emestadohíbridoeinevitavelmenteumtanto desrraigados. Mas é possível a solidariedade: “A política de solidariedade, assim entendida, deve serconcebidacomoumarespostacontra-hegemônicaàglobalizaçãoecomoumaaberturaaoplanodomessiâniconomundo global” (ibid., p. 70). A única questão de fundo seria perguntar se a pobreza e a dominação dasgrandesmassasdasnaçõesperiféricasnãoassituamemmuitosníveiscomodefatoexcluídosdoprocessodeglobalização.Quer dizer, não parece tão evidente que “a sociedade civil não pode se entender hoje fora dascondiçõesglobais,econômicasetecnológicas”(ibid.,p.71).34Traduçãolivredoinglês:“Occidentalismisthustheexpression.OfaconstitutiverelationshipbetweenWesternrepresentations of cultural difference and worldwideWestern dominance. Challenging Occidentalism requiresthatitbeunsettledasamodeofrepresentationthatproducespolarizedandhierarchicalconceptionsofthewestanditsothers”.F.Coronil.TheMagicalState.Nature,MoneyandModernityinVenezuela.UniversityofChicagoPress:Chicago,1977,pp.14-15.35W.Mignolo,em“Posoccidentalismo:elargumentodesdeAméricaLatina”(nolivroeditadoporF.Mendieta-S.Castro-Gómez,pp.31-58),desenvolveoargumento.
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VI–Reflexõesfinais
Oquefoidito,comopoderáobservar-se,foiintuídoempartejápelaFilosofiadaLibertação
desde o início e, em último caso, tem possibilidade de apreendê-lo, de integrá-lo,
reconstruí-lo,emseuprópriodiscurso.Porém,ecomrespeitoatodasestasnovaspropostas
epistêmicas,tantonoscentrosdeestudosdaAméricaLatinacomodosEstadosUnidosou
Europa,aFilosofiadaLibertaçãosegueguardandoumaposiçãoprópria.Emprimeirolugar,
setratadeumafilosofiaquepodeentraremdiálogocomacríticaliteráriaeassimilarmuito
dela(edetodososmovimentosnomeados,dospós-moderno,SubalternalStudies,Cultural
Studies, postcolonia reason,metacrítica do latino-americanismo como de Moreira, etc.).
Enquanto filosofia crítica, lhe cabeuma funçãobemespecífica: deveria estudarnomarco
teóricomaisabstrato, geral, filosóficoda literaturadenominada“de testemunho” (prefiro
chamá-laépica,comoexpressãocriadoradosnovosmovimentossociaisque irrompemna
sociedadecivilcontemporânea).Emterceiro lugar,deveriaanalisare fundarométodo,as
categorias, o discurso mesmo teórico de todos estes movimentos críticos que, de fato,
havendo se inspirado em Foucault, Lyotard, Baudrillard, Derrida, etc., devem ser
“reconstruídos” desde um horizonte mundial, já que, em geral, pensam de forma
eurocêntrica,eapartirdemuitasexigênciashojeinevitáveis,taiscomoacompreensãodo
diálogo(sehouver)interculturalnaestruturadeumsistemaqueseglobaliza.Globalização-
exclusão(novaaporiaquenãodevesimplificar-sedemodofetichista)marcaaproblemática
dasoutrasdimensões.
Cabe, ainda fazer algumas reflexões sobreoantifundacionalismo,porexemplodo
tipo rortyano, aceitado por muitos pós-modernos. Não se trata de uma mera defesa da
razãopelarazãomesma.Setratadadefesadasvítimasdossistemaspresentes,dadefesa
davidahumanaemriscodesuicídiocoletivo.Acríticada“razãomoderna”nãopermiteà
FilosofiadaLibertaçãoconfundir-secomacríticadarazãocomotal,ecomrespeitoaseus
tiposouexercíciosderacionalidade.Muitopelocontrário,acríticadarazãomodernasefaz
emnomedeumaracionalidadediferencial(arazãoexercidapelosmovimentosfeministas,
ecologistas, culturais e étnicos, da classe trabalhadora, das nações periféricas, etc.) e
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universal (como a razão prático-material, discursiva, estratégica, instrumental, crítica,
etc.)36.Aafirmaçãoeemancipaçãodadiferença,ediferençanauniversalidade.
Damesmamaneira,ogrupodepensadoresanti-fundacionalistaopõeosprincípios
universaisàs incertezasou falibilidadesprópriasda finitudehumana,oquepareceabriro
campode lutapelahegemonia indizívelapriori37.A Filosofiada Libertaçãopode,por sua
parte, afirmar a incerteza da pretensão de bondade (ou justiça) do ato humano,
conhecendo a falibilidade e indecidibilidade inevitavelmente prática, mas podendo ao
mesmotempodescreverascondiçõesuniversaisouosprincípioséticosdeditaaçãoética
ou política. Universalidade e incerteza permitem, exatamente, descobrir a inevitabilidade
das vítimas, e desde elas que se origina o pensamento crítico e libertador propriamente
dito.
Opino por tudo isso que a Filosofia da Libertação tem recursos teóricos para
afrontar os desafios presentes e poder assim subsumir à herança do pensamento latino-
americano dos anos quarenta e cinquenta, dentro da evolução que se cumpriu
originariamentenos sessentae setenta,que lhepreparouparaentrarnosnovosdiálogos
fecundo e criativos, como em um processo crítico de retroalimentação nos oitenta e
noventa. Com Imre Lakatos diríamos que um programa de pesquisa (como a Filosofia da
Libertação)mostra ser progressista se pode subsumir antigos e novos desafios. O núcleo
firmedaFilosofiadaLibertação,suaÉticadaLibertação, foicriticadoparcialmente (porH.
Cerutti, O. Schutte, K.-O. Apel e outros),mas, opino, foi respondido como totalidade até
agoracriativamente.
Contudo,oséculoXXInoscolocatarefasurgentes.Desdemaisdevinteanos(desde
1976nocasodeCeruttieoutroscolegas),sevemproclamandooesgotamentodaFilosofia
daLibertação.Parece,aocontrário,quesomentenocomeçodosanos2000vaidescobrindo
e abrenovoshorizontes deprofundidadequepermitemdiálogos Sul-Sul, preparatóriode
futuros e criativos diálogos Sul-Norte, ou seja, de África, Ásia, América Latina e Europa
Oriental,incluindoasminoriasdo“centro”.Ademais,odiálogotransversaldasdiferenças;a
36Vertudo issoem:E.Dussel.Éticade laLiberaciónen laedadde laglobalizaciónyexclusión.Madrid:Rotta,1998.37Éaposiçãodeb.
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possibilidade de articular o pensar crítico dos movimentos feministas, ecologistas,
antidiscriminaçãoentre as raças, dospovosouétnicasoriginárias, das culturas agredidas,
dos marginais, dos imigrantes dos países pobres, das crianças, da terceira idade, sem
esqueceraclassetrabalhadoraecampesina,ospovosdoantigoTerceiroMundo,asnações
periféricas empobrecidas...as “vitimas” (usando a denominação de Walter Benjamin) da
Modernidade, da colonização e do capitalismo transnacional e tardio. A Filosofia da
Libertaçãobuscaanalisaredefinirametalinguagemfilosóficadestesmovimentos.
PensoqueaFilosofiadaLibertaçãonasceunesteambientecrítico,eporissopensou
desdesuaorigemestesproblemascomosrecursosteóricosemmãoseemsuaépoca,em
sua “localização” histórica. Meta-categorias como “totalidade” e “exterioridade” seguem
tendo vigência, como referências abstratas e globais que devem ser medidas pelas
microestruturas do Poder, o qual se encontra disseminado em todos os níveis e de que
ninguémpodedeclarar-seinocente.
A Filosofia da Libertação, ao final dos anos sessenta foi já uma Filosofia pós-
moderna desde a periferia mundial, como superação da ontologia (a Überwisndung)
inspiradanamisérialatino-americanaeaalteridadelevinasiana.Foicriticadapelomarxismo
standard, pelo populismo irracionalista, pelo conservadorismo, o liberalismo, a filosofia
repetitiva(analítica,hermenêutica,acadêmica,etc.)ehojeporjovenspós-modernoslatino-
americanos (eurocêntricos?)que talveznão tenhamdescobertonaFilosofiada Libertação
um movimento pós-moderno avant la lettre, na realidade transmoderno, que aprecia a
crítica pós-modernamas descentraliza desde a periferiamundial e a reconstrói desde as
exigênciaspolíticasdosgrupossubalternos.
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SobreoautorEnriqueDusselProfessor no Departamento de Filosofia da Universidad Autónoma Metropolitana (UAM,Iztapalapa,CidadedoMéxico),enoColégiodeFilosofiadaFaculdadedeFilosofiaeLetrasda Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). Doutor em Filosofia pelaUniversidad Complutense deMadrid, Doutor em história na Sorbonne de Paris. Obteve oDoutoradoHonoris Causa em Freiburg (Suíça); naUniversidad de SanAndrés (Bolívia); naUniversidad de Buenos Aires (Argentina); na Universidad de Santo Tomás de Aquino(Colômbia); naUniversidad Nacional de General SanMartín (Argentina) e naUniversidadNacional(CostaRica).Co-fundadordomovimentoFilosofiadaLibertação.FoiReitorinterino(2013-2014) da Universidad Nacional Autónoma de la Ciudad de México. TrabalhaespecialmentenocampodaÉticaedaFilosofiaPolítica.E-mail:[email protected]