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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64 Botões de Ouro, Colheres de prata: os metais preciosos como elemento da riqueza em São Cristóvão setecentista Anderson Pereira dos Santos 1 RESUMO No setecentos em São Cristóvão/SE, os objetos de metais preciosos acumulados pelos agentes econômicos possuíram múltiplos valores e significados. Esses objetos são registros dos hábitos e costumes de uma época, abarcando aspectos da política, da economia, da tecnologia e da cultura desta sociedade colonial. Ter ouro e prata em forma de objetos foi uma das medidas da riqueza material possuída. O trabalho tem como objetivo analisar o valor econômico dos objetos de ouro e prata arrolados nos espólios dos agentes econômicos sancristovense, bem como compreender a relação entre o ouro/a prata e a riqueza material, e identificar os objetos e seus significados. As principais fontes utilizadas foram os inventários post-mortem, as cartas e ordens régias relativas a Sergipe. Os principais referenciais teóricos foram Daniel Roche, Pierre Bourdieu e Russel-Wood. Utilizamos a metodologia da história econômica. Concluímos que os objetos de ouro e prata acumulados pelos agentes econômicos foram expressão de riqueza, gosto, e estilo de vida em São Cristóvão. PALAVRAS-CHAVE: Ouro. Prata. Riqueza. São Cristóvão. ABSTRACT At seven in St. Kitts / SE, objects of precious metals accumulated by economic agents possessed multiple values and meanings. These objects are records of the habits and customs of an era, covering issues of politics, economics, technology and culture of colonial society. Have gold and silver in the form of objects was one of the measures of material wealth possessed. The work aims to analyze the economic value of objects of gold and silver enrolled in sancristovense spoils of economic agents, as well as understand the relationship between the gold / silver and material wealth, and identify the objects and their meanings. The main sources used were the postmortem inventories, letters and royal orders concerning Sergipe. The main theoretical frameworks were Daniel Roche, Pierre Bourdieu and Russell-Wood. We use the 1 Licenciado em História, mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe, e doutorando em História Social pela Universidade Federal da Bahia. Bolsista FAPESB com o projeto Os afortunados da Colônia: riqueza, acumulação e distinção em São Cristóvão/SE (1760-1820), orientado pela professora Drª. Maria José Rapassi Mascarenhas. E-mail: [email protected]

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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE

O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

Botões de Ouro, Colheres de prata: os metais preciosos como elemento

da riqueza em São Cristóvão setecentista

Anderson Pereira dos Santos1

RESUMO

No setecentos em São Cristóvão/SE, os objetos de metais preciosos acumulados pelos

agentes econômicos possuíram múltiplos valores e significados. Esses objetos são

registros dos hábitos e costumes de uma época, abarcando aspectos da política, da

economia, da tecnologia e da cultura desta sociedade colonial. Ter ouro e prata em

forma de objetos foi uma das medidas da riqueza material possuída. O trabalho tem

como objetivo analisar o valor econômico dos objetos de ouro e prata arrolados nos

espólios dos agentes econômicos sancristovense, bem como compreender a relação

entre o ouro/a prata e a riqueza material, e identificar os objetos e seus significados. As

principais fontes utilizadas foram os inventários post-mortem, as cartas e ordens régias

relativas a Sergipe. Os principais referenciais teóricos foram Daniel Roche, Pierre

Bourdieu e Russel-Wood. Utilizamos a metodologia da história econômica. Concluímos

que os objetos de ouro e prata acumulados pelos agentes econômicos foram expressão

de riqueza, gosto, e estilo de vida em São Cristóvão.

PALAVRAS-CHAVE: Ouro. Prata. Riqueza. São Cristóvão.

ABSTRACT

At seven in St. Kitts / SE, objects of precious metals accumulated by economic agents

possessed multiple values and meanings. These objects are records of the habits and

customs of an era, covering issues of politics, economics, technology and culture of

colonial society. Have gold and silver in the form of objects was one of the measures of

material wealth possessed. The work aims to analyze the economic value of objects of

gold and silver enrolled in sancristovense spoils of economic agents, as well as

understand the relationship between the gold / silver and material wealth, and identify

the objects and their meanings. The main sources used were the postmortem

inventories, letters and royal orders concerning Sergipe. The main theoretical

frameworks were Daniel Roche, Pierre Bourdieu and Russell-Wood. We use the

1 Licenciado em História, mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe, e doutorando em

História Social pela Universidade Federal da Bahia. Bolsista FAPESB com o projeto Os afortunados da

Colônia: riqueza, acumulação e distinção em São Cristóvão/SE (1760-1820), orientado pela professora

Drª. Maria José Rapassi Mascarenhas. E-mail: [email protected]

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methodology of economic history. We conclude that the objects of gold and silver

accumulated by economic agents were expression of wealth, taste, and lifestyle in St.

Kitts.

KEYWORDS: Gold. Silver. Wealth. St. Kitts.

Introdução

O estudo acerca da constituição dos patrimônios dos habitantes da cidade de São

Cristóvão é um campo da Historiografia Colonial Sergipana pouco pesquisado. Porque

só recentemente alguns pesquisadores utilizam os inventários post-mortem como um

tipo de fonte privilegiada que possibilita o estudo da riqueza2 e da cultura material. O

estudo dos objetos de ouro e prata descritos nos inventários post-mortem possibilitou

reconstituir alguns aspectos econômicos e sociais da sociedade sancristovense.

A pesquisa teve como objeto de estudo os objetos de metais preciosos descritos nos

inventários post-mortem dos agentes econômicos3 de São Cristóvão, de 1760 a 1800. O

trabalho tem como objetivo analisar o valor econômico destes objetos arrolados nos

espólios. Além de compreender a relação entre o ouro/a prata e a riqueza material, e

identificar tais peças e seus significados. Partimos da ideia se existiu um gosto

dominante, que caracterizou o setecentos em São Cristóvão. As principais fontes

utilizadas neste trabalho foram os inventários, as cartas e ordens régias para Sergipe do

2 O conceito de riqueza é relativo. Defino a riqueza particular como um conjunto acumulativo em

abundância de atributos, que englobam as possessões metálicas, imóveis, bens semoventes, móveis,

dívidas ativas e passivas, e manufaturas domésticas. 3 Utilizamos o conceito de agente econômico proposto por P. Bourdieu Cf. BOURDIEU, Pierre. O campo

econômico. In: Revista Política & Sociedade. v. 4, nº 6, Florianópolis: UFSC, 2005. Mais concretamente,

são os agentes: mercadores, senhores de escravos, senhores de engenho, curraleiros, lavradores,

comerciantes, traficantes de escravos e credores. Tal conceito permite mostrar que o acúmulo de ouro e

prata em forma de objetos é o produto de uma construção social.

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período. Foram analisados 23 inventários post-mortem de São Cristóvão4. Destes, 18

são inventariados homens e 5 mulheres. Extraímos dos inventários o valor do bem

avaliado no momento da partilha. Em seguida, a quantidade e o nome do objeto

descrito. Em seguida, foram produzidas tabelas que mostram a relação - objeto e valor,

e objeto e possuidor. Para esta pesquisa utilizamos apenas os bens móveis, no caso os

objetos de ouro e prata.

Os principais aportes teóricos da pesquisa foram Daniel Roche e Pierre Bourdieu.

Daniel Roche5 contribuiu para o estudo com a ideia de um “sistema indumentário”

específico do Antigo Regime. E também, ao inserir as mudanças nas vestimentas como

“uma escolha em matéria de aparência”. O processo de consumo de objetos de ouro e

prata na sociedade sancristovense era policiado pela Metrópole e pelos grupos

dominantes. Neste sentido, a circulação destes objetos foi fundamental para o

desenvolvimento dos valores, gestos e comportamentos fidalgos. Embora a constante

preocupação da Coroa Portuguesa em normatizar as regras de vestir, os objetos de

metais e as roupas passaram a ser consumidos cada vez mais durante o século XVIII.

Então, os agentes econômicos sancristovense tentavam se distinguir pela forma de

vestir, mas não conseguia impedir que outros grupos mantivessem um consumo das

roupas e objetos característicos deste segmento. O “sistema indumentário”6 existente em

4 Em 1º de janeiro de 1590, após levantar o forte Cotengiba, junto à foz do rio Sergipe, Cristóvão de

Barros fundou a primitiva povoação, sob a denominação de Cidade de São Cristóvão de Sergipe d'EI Rei,

centro inicial da colonização e organização da Capitania de Sergipe. Entre 1594 a 95, foi transferido para

uma elevação situada entre o Rio Poxim. Em 1607, é novamente transferida para a localidade onde

atualmente se encontra. Em 1617, São Cristóvão tornou-se distrito da freguesia de Nossa Senhora da

Vitória, na Bahia. Em 1675, passou a sede de Município. Em 1696, Portugal instituiu a Ouvidoria Geral

de Sergipe com sede na cidade de São Cristóvão. Em 1763, a Capitania de Sergipe Del Rey foi anexada à

Capitania Real da Bahia e a Comarca de Sergipe passou a fazer parte da jurisdição do Tribunal da

Relação da Bahia. Para este trabalho utilizei os inventários de São Cristóvão de 1760 a 1800. 5 ROCHE, Daniel. A Cultura das Aparências: uma história da indumentária. (séculos XVII - XVIII). São

Paulo: SENAC, 2007. p. 180. 6 O “sistema indumentário” representa a convergência entre a vestimenta e as representações sociais,

culturais, mentais, políticas ou econômicas de uma determinada sociedade.

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São Cristóvão era composto pelo uso exclusivo de fivelas, brincos, botões e cordões, e

por valores, gestos e comportamentos fidalgos. Isto significa dizer, também, que os

agentes econômicos se sentiam nos quadros do Antigo Sistema Colonial, por meio da

posse de objetos de metais preciosos específicos.

Pierre Bourdieu contribuiu para a pesquisa ao propor os conceitos de gosto7 e estilo de

vida8. Na sociedade sancristovense o gosto seria um produto da posição econômica e da

trajetória social de cada indivíduo. O acúmulo e o consumo de acessórios militares,

utensílios de uso doméstico e profissional, adornos pessoais, artigos religiosos e outros

feitos de ouro e prata expressariam uma dimensão do “gosto dominante” destes agentes

econômicos. Significa dizer que o “gosto dominante” é uma manifestação do estilo de

vida “dominante”. Desta forma, o estilo se definia pela presença de todos os objetos de

necessidade e legitimação de poder, tais como: armas, espadim, colheres, faca, garfos,

paliteiro, prato, esporas, fivela de cavalo, selim, argolas, botões, brincos, colar, pulseira,

crucifixo, cruz, oratório, relicário e rosário. Ter estes objetos significava a inclusão ou

exclusão dos indivíduos na ordem social do Antigo Regime. O acúmulo deles não

representaria o luxo, e sim uma questão de gosto e estilo de vida de um grupo

dominante. O trabalho possui uma seção O ouro e a prata como elemento da riqueza em

São Cristóvão subdivida em três partes. A primeira identifica os tipos de objetos, a

segunda mostra e interpretar o valor econômico deles, e a última apresenta os

significados dos objetos.

7 “Gosto” seria a propensão e aptidão à apropriação (material e/ou simbólica) de uma determinada

categoria de objetos ou práticas classificadas e classificadoras. Cf. BOURDIEU, Pierre. “Gostos de classe

e estilos de vida”. Reproduzido de BOURDIEU, P. e SAINT-MARTIN, M. Goftts de classe et styles de

vie. (Excerto do artigo "Anatomie du goftt".) Actes de Ia Recherche en Sciences Sociales, n° 5 , out.

1976, p. 18-43. Traduzido por Paula Montero. 8 “Estilo de vida” seria um conjunto unitário de preferências distintivas que exprimem, na lógica

específica de cada um dos subespaços simbólicos: mobília, vestimentas, linguagem ou héxis corporal. Cf.

BOURDIEU, Pierre. “Gostos de classe e estilos de vida”. Reproduzido de BOURDIEU, P. e SAINT-

MARTIN, M. Goftts de classe et styles de vie. (Excerto do artigo "Anatomie du goftt".) Actes de Ia

Recherche en Sciences Sociales, n° 5, out. 1976, p. 18-43. Traduzido por Paula Montero.

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2 O ouro e a prata como elemento da riqueza em São Cristóvão

a) A tipologia dos objetos

Durante o período colonial brasileiro o vestuário, as joias e acessórios

incorporaram símbolos capazes de identificar pessoas em seus cargos/funções; e de

marcar as distâncias sociais e econômicas entre os indivíduos de uma sociedade.9 O

ouro e a prata encontrados nos inventários de São Cristóvão estavam ligados às

representações econômica, religiosa, militar, doméstica, e de aparência destes

indivíduos.

A partir da análise dos 23 inventários, os objetos de metais preciosos foram

reunidos em 6 categorias: 1) uniforme e acessórios militares (alamares, armas, espadim,

florete); 2) utensílios de uso doméstico (cabos, colheres, faca, garfos, paliteiro, prato,

salva, talheres); 3) utensílios de uso profissional (alfinetes, alicate, esporas, fivela de

cavalo, selim); 4) adornos pessoais (aliança, anel, argolas, botões, brilhante, brincos,

colar, coroa, fivela, flores, laço, pulseira, voltas, rocicler); 5) artigos religiosos (breve,

coração, crucifixo, cruz, imagem, oratório, relicário, rosário, resplendor);10 e 6) diversos

(boceta, cabiona, caixa, cordão, caldeirinha, caixilho, cafuar, canque, engravamentos,

filamento, tamboladeira, vara, vitrina, xapete).11

Na maior parte dos inventários a descrição dos metais se iniciava pelo ouro e depois a

prata. Isto demonstra a importância econômica da posse de ouro como signo de riqueza,

além do seu valor social e cultural. Em São Cristóvão havia toda uma teatralização das

9 JANUÁRIO, Erlaine Aparecida. Jóias de adorno, como investimento e de devoção. São João Del

Rei/UFSJ, 2003.p.1. 10 Cf. DAMASCENO, Sueli. Igrejas Mineiras; Glossário de bens móveis. Ouro Preto, Instituto de Artes e

Cultura / UFOP, 1987. 11 É muito difícil por meio dos inventários post-mortem identificar a origem da peça.

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aparências de um gosto fidalgo. Pois, a aparência revelava a sistemática das relações

sociais. E com isso muitos grupos tentavam se distinguir pela forma de vestir.

Dos 211 objetos alistados, 42% eram de ouro e 58% de prata. Alguns objetos

tinham em sua composição diamantes, pedras preciosas12 e corais azuis e vermelhos.

Em relação às medidas de peso presente nos inventários contam-se: grãos e oitavas.13

Em geral, podemos dizer que a maior parte destas peças possuíam algumas

características. A primeira seria o peso, em geral peças leves não ultrapassando 450 g.

No caso sergipano, uma particularidade da vida regional (o modo de vida na pecuária)

levou a produção de objetos específicos tais como: fivelas de cavalo, esporas, selim,

sela, e cangalha. Muitos deles feitos de ouro e prata.

Em São Cristóvão, cidade de certa opulência existiu artífices que estenderam o

ouro e a prata em laminas, conhecidas por “pão de ouro” e “pão de prata”, para

oratórios, nichos, retabulos, molduras, credencias, móveis de igrejas e das casas ricas de

fidalgos e senhores de engenho.14 Muitos destes objetos podem ser encontrados ainda

hoje nas coleções dos Museus e acervos particulares de São Cristóvão. Na sede

moravam os seguintes artífices: em 1740 - Antonio Barreto da Conceição de 21 anos de

idade - oficial de ourives15, Teotônio Nunes Castro de 58 anos – oficial de ourives16,

12 Provavelmente topázios, ametistas, turmalinas, berilos, e águas marinhas. 13 A maior parte dos inventários não trazem as medidas de peso dos objetos. 14 SANTOS, Francisco Marques dos. A ourivesaria no Brasil antigo. In: Estudos Brasileiros. Ano II, Vol.

4, Nº 12, Maio – Junho de 1940. Rio de Janeiro. p.640. 15 Carta do Ouvidor Agostinho Felix Santos Capelo, ao Rei [D. João V], informando sobre a devassa da

residência que tirou do Capitão Mor Francisco da Costa. AHU_CU_022, Cx. 4, doc. 330, 1740. Sergipe. 16 Carta do Ouvidor Agostinho Felix Santos Capelo, ao Rei [D. João V], informando sobre a devassa da

residência que tirou do Capitão Mor Francisco da Costa. AHU_CU_022, Cx. 4, doc. 330, 1740. Sergipe.

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José Rodrigues Correia de 32 – ourives17, em 1751 - Antonio Correia de Almeida de 37

anos18, e em 1761 - José Luiz Guimarães de 46 anos - ourives19.

A superioridade da prata em relação ao ouro se explica não só, pelo seu papel de

destaque obtido pelas atividades a ela ligadas (pecuária), como a enorme proliferação de

objetos lavrados com este metal. Tal abundância levou a prata a se tornar um material

banal, de tal forma que, quando se pretendia encomendar um objeto considerado raro e

precioso, optava-se por outro tipo de matéria-prima que não a prata, por exemplo o

ébano, a tartaruga, o nácar, o marfim20, diamantes, corais, e pedras preciosas. No

entanto, a prata mantinha um valor intrínseco, que podemos definir como valor-peso,

sendo considerado um investimento seguro.21 A prataria consistia num dos elementos

que mais simbolizavam os valores fidalgos da sociedade colonial.22

Dentre todos os metais, o ouro tem sido o mais valorizado universalmente.23 O

ouro foi instrumento de distinção social em diversas sociedades, e na ocasião post-

17 Carta do Ouvidor Agostinho Felix Santos Capelo, ao Rei [D. João V], informando sobre a devassa da

residência que tirou do Capitão Mor Francisco da Costa. AHU_CU_022, Cx. 4, doc. 330, 1740. Sergipe. 18 Carta do Ouvidor de Sergipe del Rey, Domingos João Viegas, ao Rei[D. João V], comunicando que

tirou a residência de Manuel Francês do tempo que serviu de Capitão Mor da Capitania de Sergipe del

Rey. AHU_CU_022, Cx. 5, doc. 371, 1751. Sergipe. 19 ORDENS e CONTAS (traslados) ao desembargador da Relação da cidade da Bahia e juiz da Coroa,

Joaquim José de Andrada, para que procedesse a devassa sobre os procedimentos do capitão-mor da

cidade de Sergipe de El’rei, Joaquim António Pereira da Serra Monteiro Correia. Com os autos da

devassa e inquirição das testemunhas. AHU_CU_005-01, Cx. 32, doc. 5947. 1762, Julho, 8, Bahia. 20 MACHADO, Maria José Goulão. La puerta falsa de América - a influência artística portuguesa na

região do Rio da Prata no período colonial. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra: Coimbra,

2005. p. 292. 21 MACHADO, Maria José Goulão. La puerta falsa de América - a influência artística portuguesa na

região do Rio da Prata no período colonial. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra: Coimbra,

2005. p. 292. 22 MASCARENHAS, Maria José Rapassi. Fortunas Coloniais: elite e riqueza em Salvador, 1760-1808.

São. Paulo: USP, 1998. p. 172. (Tese de doutorado em História). 23 Cf. WEATHERFORD, J. A história do dinheiro. Trad. June Camargo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

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mortem no momento da partilha dos bens entre os herdeiros.24 As joias e as peças em

prata eram consideradas como sinônimo de riqueza e prestígio social.25

Para decorar os objetos de metal se utilizava diamantes, pedras e corais. Os

corais vermelhos e azuis tinham valor hierárquico e funcionavam como amuleto

poderoso. O coral era um material orgânico marinho explorado no Mediterrâneo (Itália,

Espanha, Argélia, Tunísia) e no Oceano Índico e foi trazido destas regiões pelos

portugueses no século XV, sendo comercializado em toda a Europa e no continente

africano.26 O coral era a pedra de Oxum e quem a usava se sentia fortalecido com os

seus poderes e ao mesmo tempo protegido de todas as forças contrárias a este deus.27

Aquele que traz esta peça consigo, está protegido contra o mau olhado, contra a

melancolia, medo e esterilidade.28 Em São Cristóvão, a grande quantidade de objetos de

prata, com tipologias muito variadas, correspondia a uma questão de gosto e estilo de

vida.

O ouro e a prata estiveram presentes em todos os espólios. Os objetos mais

citados nos inventários foram: fivelas (54 vezes arrolados), colheres (16), brincos (13),

botões (12), e cordão (10). Os fidalgos usavam alamares, espadim, florete, facas,

aliança, anéis, esporas, botões, fivela de cavalo, e crucifixo. As fidalgas usavam aliança,

anéis, botões, brilhantes, brincos, colares, coroas, fivelas, flores, laços, pulseiras, voltas,

rocicler, e crucifixo.

24 PEREIRA, Ana Luiza Castro. “Lençóis de linho, pratos da Índia e brincos de filigrana”: vida cotidiana

numa vila mineira setecentista. Est. Hist., Rio de Janeiro, vol. 24, nº 48, p. 338, julho-dezembro de 2011. 25 PEREIRA, Ana Luiza Castro, loc. cit. 26 PAIVA, Eduardo França. Escravidão e Universo Cultural na Colônia: Minas Gerais, 1716-1789.Belo

Horizonte: UFMG, 2001. 224-226p. Apud JANUÁRIO, Erlaine Aparecida. Jóias de adorno, como

investimento e de devoção. São João Del Rei/UFSJ, 2003.p.5. 27 JANUÁRIO, Erlaine Aparecida. Jóias de adorno, como investimento e de devoção. São João Del

Rei/UFSJ, 2003.p.5. 28 Cf. CABRERA, Lígia. Apud MÓL, Claúdia Cristina. Mulheres Forras: cotidiano e cultura material em

Vila Rica (1750-1800). (Dissertação de Mestrado) Belo Horizonte: UFMG, 2002.114p.

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Em finais do século XVIII, comer com as mãos ainda era corrente29, mas a

presença frequente nos inventários de cabos, facas, colheres, garfos, paliteiro, prato,

salva, e talheres, apontam para o refinamento dos hábitos coloniais. A diversidade de

utensílios domésticos assinalava uma intenção de recriar e interiorizar hábitos e

costumes europeus no interior das famílias sergipanas. A ostentação de ouro no

pescoço, na cabeça, e na vestimenta tinha no cotidiano daqueles indivíduos uma ideia de

recriar hábitos e costumes brancos. Os objetos religiosos, tais como: coração, crucifixo,

cruz, imagem, oratório, relicário, rosário, resplendor tiveram grande importância no

pertencimento social destes indivíduos na vida privada e pública religiosa desta

sociedade.

b) O valor econômico

A definição dos valores atribuídos aos bens arrolados nos inventários era uma

questão complexa e sujeita a inúmeras variáveis. A avaliação dependia da neutralidade,

prática cotidiana, boa fé, subjetividade dos avaliadores, do interesse em adquirir

determinado bem posterior à partilha, e em facilitar o pagamento das dívidas do

processo. Desta forma, muitos bens podiam ser valorizados ou depreciados. Os valores

atribuídos aos bens resultavam de uma avaliação feita, a priori, sem a intenção de

comercialização. Embora sempre fossem dois, dentro da prática usual, os avaliadores

entravam em acordo e apresentavam um único preço para cada item arrolado nos

inventários.30

Em São Cristóvão, os objetos de ouro e prata variaram o seu valor econômico de

acordo com a quantidade, o material utilizado para a fabricação do objeto, e seu peso.

29 PEREIRA, Ana Luiza Castro, op. cit., p. 334. 30 COSTA, Fernando A. Alves da. E quanto valia, afinal? O problema dos preços nos inventários post-

mortem do século XIX. In: Histórica: revista on-line do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Arquivos do Judiciário: crime e família. São Paulo: Nº 60, Ano 09, dez., 2013. p.6-17.

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Em suma, havia objetos domésticos, profissionais, religiosos, adornos e diversos que

não possuíam um valor padronizado. O valor econômico destes objetos consistia em ser

um investimento e entesouramento seguro para os agentes econômicos.

Possuir objetos de metais preciosos foi uma forma de acumular riqueza. Durante

boa parte da época moderna a riqueza baseava-se na posse de metais preciosos. Assim,

os agentes econômicos de São Cristóvão acumulavam metais preciosos, procurando

com a exposição e utilização cotidiana destes objetos, afirmar o seu estatuto social e

econômico31, se inserindo na ordem social do Antigo Regime.

Entre os indivíduos deste grupo que possuíam ouro e prata, podemos citar:

Antonio de Souza Benavides que era possuidor de três colheres de prata no valor de

2$600 réis.32 Já Antonio Simões dos Reis, tenente coronel, possuía um relicário de ouro

no valor de 50$040 réis, dois pares de botões de ouro avaliado em 7$700 réis, três pares

de brinco de ouro no valor de 16$800 réis, uma aliança de ouro no valor de 7$200 réis,

duas colheres de prata no valor de 13$000 réis, doze garfos de prata avaliados em

12$000 réis, um par de fivelas de prata de sapatos no valor de 2$000 réis, um cabo de

faca avaliado em 1$200 réis, uma caixa de breve de prata no valor de $200 réis.33

Firmiano de Sá Souto Mayor, sargento-mor, dono do Sítio Garamatá e Sítio de

terras no Poço Grande, detinha ouro, prata e cinco colheres de prata no valor de 6$000

réis.34 Francisca de Barros Pantojá, proprietária de um quinhão de terras no Sítio Saco,

era possuidora de um cordão de ouro avaliado em 26$000 réis, um par de [botões] de

31 MACHADO, Maria José Goulão. La puerta falsa de América - a influência artística portuguesa na

região do Rio da Prata no período colonial. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra: Coimbra,

2005. p. 292. 32 Inventário post-mortem de Antonio de Souza Benavides - Comarca de São Cristóvão. Arquivo do

Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF. Inventários. Cx.01-14. 33 Inventário post-mortem de Antonio Simões dos Reis - Comarca de São Cristóvão. Arquivo do

Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF. Inventários. Cx. 02-15. 34 Inventário post-mortem de Firmiano de Sá Souto Mayor – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do

Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF. Inventários. Cx.01-14.

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ouro grande e dois pequenos de punho, um par de brincos, e duas voltas de contas de

pescoço com catorze dúzias, duas contas o qual outro lado se acham empenhado com o

de referido cordão tudo avaliado em 16$000 réis; um par de brincos grandes de ouro no

valor de 8$200 réis, quatro colares de prata avaliada em 20$200 réis, um par de fivelas

de prata no valor de $900 réis, um par de brinco de ouro no valor de 5$000 réis, uma

colher de prata no valor de $80 réis e o outra no valor de 1$040 réis.35

Francisco de Barros de Almeida dono de sítio de terras no Saco possuía duas

colheres de prata no valor de 80$000 réis.36 Francisco Rodrigues Ferreira dono de sítios

de terras denominados Pau Grande, Santo Antonio, Limoeiro, uma casa de telha na

cidade, e morada de casas no Socorro, tinha um anel de ouro no valor de 1$500 réis,

cinco colheres de prata no valor de 4$000 réis cada, duas [contas] avaliada em 20$000

réis.37 Já Genoveva Maria das Flores era dona de morada de casa de sobrado de taipa

com pilares de tijolos na beirada do rio São Gonçalo, terras na vila, e sítios de terras, um

brinco de ouro no valor de 1$800 réis.38

Outro era Gonçalo Gomes Lobato possuidor de dois colares de prata no valor de

1$400 réis cada, um par de fivelas de cavalo de prata no valor de 1$750 réis cada, outro

par de fivelas de prata no valor de $500 réis, outro par de fivelas de prata avaliado em

$500 réis, um par de [fivelas] no valor de $150 réis, um colar de prata no valor de $450

réis, um garfo com o punho de ouro no valor de $800 réis, espadim de prata no valor de

35 Inventário post-mortem de Francisca de Barros Pantojá – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do

Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF – Inventários Cx. 01-14. 36 Inventário post-mortem de Francisco de Barros de Almeida – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do

Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF. Inventários. Cx.02-15. 37 Inventário post-mortem de Francisco Rodrigues Ferreira – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do

Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF – Inventários Cx. 01-62-14. 38 Inventário post-mortem de Genoveva Maria das Flores – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do

Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF. Inventários. Cx.01-14.

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4$000 réis.39 Gonçalo Luis Teles de Menezes, tenente, era possuidor de um par de

fivelas de prata no valor de 4$250 réis, uma espora de prata no valor de 4$000 réis, uma

cruz de ouro no valor de 2$470 réis.40

Temos ainda, João Bernardo de Macedo dono de sítio de terras com casa de

palha, e possuidor de quarenta e sete colheres de prata no valor de 4$100 cada.41 João da

Rocha Rego dono do sítio Nossa Senhora do Monte Santo (Porto Grande) e casa de

morar, possuidor de botões de ouro, brincos de ouro, rosário de ouro, fivelas de prata,

colher de prata, e um garfo de prata no valor de $300 réis.42 Joaquim da Silva Roque

possuía um espadim de prata no valor de 5$014 réis, um par de fivelas de prata de

sapatos no valor de 4$900 réis, um par de fivelas de prata de 1$760 réis, uma fivela no

valor de 2$000 réis, uma fivela de prata avaliada em 9$600 réis, um par de esporas de

prata no valor de 4$750 réis.43

Jose Cardozo de Santa Anna e Cardula Maria de Sam Joze proprietários do

Engenho Gameleira e sítios e casas de morar, eram possuidores de um par de fivelas de

ouro no valor de 30$100 réis, um par de fivelas de liga de ouro no valor de 12$600 réis,

uma fivela de pescoço de ouro avaliada em 9$100 réis, um colar de ouro no valor de

19$100 réis, breve de ouro no valor de 16$98 réis cada, dois pares de botões de punho

de ouro no valor de 2$930 réis cada, um laço de ouro no valor de 2$280 réis, outro laço

de ouro avaliado em 3$160 réis, um [brilhante] de ouro no valor de 1$400 réis, três

39 Inventário post-mortem de Gonçalo Gomes Lobato – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do Judiciário

de Sergipe. SCR/C.1º OF – Testamento Cx. 01-67. 40 Inventário post-mortem de Gonçalo Gomes Lobato – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do Judiciário

de Sergipe. SCR/C.1ºOF. Inventários. Cx.02-15. 41 Inventário post-mortem de João Bernardo de Macedo – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do

Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF – Testamento Cx. 03-16. 42 Inventário post-mortem de João da Rocha Rego – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do Judiciário de

Sergipe. SCR/C.1º OF. Inventários. Cx.02-15. – Inventário quase que totalmente ilegível o que

impossibilitou a quantificação dos objetos de ouro e prata. 43 Inventário post-mortem de Joaquim da Silva Roque – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do

Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF. Inventários. Cx.02-15.

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pares de brincos de ouro no valor de 5$700 réis, um anel de ouro com pedras falsas no

valor de 2$000 réis, dois cordões [de frente] de ouro no valor de $780 réis, um anel de

ouro com pedras no valor de $940 réis, quatro alamares de ouro no valor de 1$400 réis,

um alicate de prata avaliado em 2$800 réis, um cabo de faca de prata no valor de

17$600 réis, uma [boceta] de prata no valor de 17$050 réis, quatro colares de prata no

valor de 5$650 réis, uma [pulseira de braço] de prata no valor de 3$400 réis, uma fivela

de prata avaliada em 2$500 réis, duas fivelas de liga no valor de $700 réis, um florete de

prata no valor de 8$100 réis, um par de fivelas no valor de 2$950 réis, outro par de

fivelas de prata no valor de 1$100 réis, um par de fivelas no valor de $800 réis, outro

par de fivelas no valor de $650 réis, um par de fivelas de liga no valor de $500 réis,

umas argolas de prata no valor de $300 réis, um par de fivelas no valor de $200 réis,

dois alfinetes grandes de prata no valor de $50 réis, um par de fivelas de ouro no valor

de $640 réis, um par de fivelas de liga no valor de $250 réis, um par de fivelas de ouro

no valor de $300 réis.44

José de Freitas Brandão dono de morada de casas, e de sítio de terras com pés de

coqueiros, detinha um par de brincos de ouro no valor de 3$500 réis, um [laço] de ouro

no valor de 1$040 réis, duas voltas de contas de ouro no valor de 3$500 réis, um laço de

ouro no valor de 3$500 réis, um laço de ouro no valor de 2$100 réis, um par de brincos

no valor de 2$100 réis, um par de brincos de ouro no valor de 1$400 réis, um par de

botões de ouro no valor de 2$800 réis, um par de fivelas de ouro no valor de 5$600 réis,

um par de fivelas de prata no valor de 2$000 réis, um par de fivelas de prata no valor de

1$600 réis, um par de fivelas de prata no valor de 1$350 réis, um par de fivelas de ligas

de prata no valor de $750 réis, um par de fivelas de ligas de prata no valor de $600 réis,

44 Inventário post-mortem de Jose Cardozo de Santa Anna e Cardula Maria de Sam Joze – Comarca de

São Cristóvão. Arquivo do Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF. Inventários. Cx.01-14.

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um espadim no valor de 5$700 réis, um par de fivelas de ligas de prata no valor de $750

réis.45

Outro era Jose de Souza de Menezes dono de sítios de terras e possuidor de três

colheres de prata no valor de 1$800 réis.46 Josefa Maria de Serqueira dona de morada de

casas de sobrado com parede de pedra até o envergamento da rua, livraria de quinhentos

livros, dos quais 68 tomos pequenos de História Eclesiástica vendidos ao Reverendo

Padre Domingos Vieira de Mello, e sítio de terras com casas de telha e pés de coqueiros,

morada de casas na rua São Francisco na Cidade de São Cristóvão, possuidora de

espadim de prata no valor de 7$400 réis, um par de [fivelas] de prata no valor de 4$400

réis, um cabo de chicote de prata no valor de 1$300 réis, duas colheres de prata no valor

de 7$500 réis, um par de fivelas de prata no valor de 3$000 réis, um par de fivelas de

prata de liga no valor de $700 réis, uma fivela de prata no valor de $500 réis.47

Joze Figueiredo Prado, alferes, era dono de uma imagem de [santo] de ouro no

valor de 3$500 réis, uma imagem [sic] de ouro no valor de 5$600 réis, um par de

brincos de ouro no valor de 2$800 réis, um par de brincos no valor de 1$400 réis, três

talheres de prata no valor de 3$000 réis, uma fivela de prata no valor de 1$000 réis, um

par de fivelas de liga no valor de $600 réis, uma fivela de prata no valor de $400 réis.48

E ainda, Manoel Caetano do Lago, tenente e proprietário do Engenho Comandaroba e

sítios de terra em Itabaiana, era possuidor de uma fivela de [sapato] de ouro no valor de

15$600 réis, dois pares de botões de [sic] ouro avaliado em 3$790 réis, um anel de

pedras no valor de 2$800 réis, um [cafuar de calça de bandoleira] tudo de ouro no valor

45 Inventário post-mortem de Jose de Freitas Brandão – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do Judiciário

de Sergipe. SCR/C.1º OF. Inventários. Cx.01-14. 46 Inventário post-mortem de Jose de Souza de Menezes – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do

Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF – Testamento Cx. 02-14. 47 Inventário post-mortem de Josefa Maria de Serqueira – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do

Judiciário de Sergipe. SCR/C.1ºOF. Inventários. Cx.02-15. 48 Inventário post-mortem de Joze Figueiredo Prado – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do Judiciário

de Sergipe. SCR/C.1º OF – Testamento Cx. 01-67.

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de 6$300 réis, um par de fivelas de prata no valor de $400 réis, um par de esporas de

prata no valor de 6$400 réis, um par de esporas no valor de 2$000 réis, dois cabos de

faca de prata no valor de 15$200 réis, duas colheres de prata no valor de 2$400 réis, um

par de fivelas de prata no valor de 20$000 réis, um [cordão] de prata no valor de 1$120

réis, uma fivela de prata no valor de 16$000 réis, uma fivela de prata no valor de

17$800 réis, um par de [colheres] de prata no valor de 5$000 réis.49

Manoel Joze de Vasconcelos e Figueiredo, coronel, dono do Engenho Lagoa da

Penha, e sítios de terras denominados de Curralinho e Picahes, tinha um crucifixo com

sua cruz avaliado em 56$400 réis, um cordão de ouro no valor de 9$200 réis, outro

cordão de ouro no valor de 6$240 réis, um resplendor de ouro no valor de 4$980 réis,

outro resplendor menor de ouro no valor de 2$460 réis, outro resplendor de ouro no

valor de 3$240 réis, outro resplendor de ouro no valor de $800 réis, outro resplendor de

ouro no valor de 2$200 réis, duas flores de cabeça de mulher de ouro no valor de 2$320

réis, um caixilho de breve com seu trancelim de ouro avaliado em 35$080 réis, uma

imagem da Conceição ouro no valor de 16$080 réis, um rocicler de ouro no valor de

2$720 réis, outro rocicler de ouro no valor de 3$680 réis, um coração de ouro no valor

de $880 réis, uma coroa de prata no valor de 2$253 réis, um resplendor de prata no

valor de $550 réis, outro coração de prata no valor de $550 réis, outro resplendor de

prata no valor de $255 réis, uma vara com três asusenas tudo de prata no valor de $880

réis, uma coroa de prata no valor de 4$400 réis, uma caldeirinha com sua corrente tudo

de prata no valor de 80$395 réis, uma salva de prata no valor de 86$885 réis, cinco

49 Inventário post-mortem de Manoel Caetano do Lago – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do

Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF – Testamento Cx. 02-15. Em virtude da má conservação do

documento alguns itens da prataria constante no inventário estavam ilegíveis, o que impossibilitou utilizá-

los em sua totalidade.

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garfos e duas colheres tudo de prata no valor de 9$460 réis, um [canque] de prata no

valor de 3$860 réis, um prato de água armações de prata no valor de 47$850 réis.50

Manoel Joze Nunes Coelho de Vasconcellos e Figueiredo, coronel, era dono de

um Engenho Lagoa da Penha na região de Itabaiana e de sorte de terras no Cotinguiba,

um cordão de ouro com seu caixilho de breve no valor de 47$860 réis, um par de armas

de bentinhos de ouro no valor de 6$280 réis, vinte botões pequenos de ouro confeitados

no valor de 9$180 réis, três pares de botões de punho de ouro no valor de 2$250 réis,

três pares de botões de ouro no valor de 80$040 réis, dois pares de botões de mulher no

valor de 5$300 réis, uma imagem da Conceição de ouro no valor de 4$520 réis, um laço

de ouro de cabelo no valor de 4$400 réis, um rocicler de ouro no valor de 3$460 réis,

um engravamentos de corais vermelhos no valor de 7$580 réis, outro engravamentos de

corais azuis no valor de 87$880 réis, um par de brincos de ouro no valor de 4$900 réis,

um anel de ouro no valor de $680 réis, um caixilho de pente de cabelo de ouro no valor

de 3$500 réis, um aparelho de florete de ouro 26$440 réis, um cordão de ouro no valor

de 50$020 réis, duas flores de ouro de cabeça no valor 8$400 réis, trinta e quatro botões

de ouro lavrados no valor de 52$560 réis, um cordão de ouro no valor de 6$600 réis, um

anel de ouro no valor de 8$860 réis, um cordão de ouro com o seu pé no valor de

21$260 réis, um [cordão] da índia do mesmo cordão avaliado em 1$000 réis, um par de

fivelas de ouro com diamantes avaliado em 47$220 réis, um par de fivelas de liga de

ouro com seus [xoviscos] de diamantes no valor de 11$640 réis, uma fivela de ouro de

pescoço com seus xoviscos de diamantes no valor de 7$620 réis, um selim de prata no

valor de 8$040 réis, uma tamboladeira de prata no valor de 3$790 réis, um florete

aparelhado de prata no valor de 7$920 réis, um par de esporas de prata no valor de

13$035 réis, outro par de esporas de prata 7$260 réis, um par de fivelas de prata no

50 Inventário post-mortem de Manoel Joze de Vasconcelos e Figueiredo – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF – Inventários Cx. 02-15.

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valor de 3$685 réis, um par de fivelas de ligas de prata no valor de $385 réis, uma

boceta de tabaco de prata no valor de 3$465 réis, outra boceta de prata no valor de

3$300 réis, um filamento de prata de botas no valor de 80$505 réis, cinco dúzias de

botões de prata no valor de 4$950 réis, um cordão de prata no valor de 8$815 réis, um

par de fivelas de ligas de prata no valor de $880 réis, outro par de fivelas de ligas de

prata no valor de $495 réis, outro par de fivelas de ligas de prata no valor de $440 réis,

doze cabos de faca de mesa de prata no valor de 29$040 réis, uma dúzia de colheres de

prata no valor de 23$815 réis, doze garfos de prata no valor de 17$435 réis, um par de

facas de algibeira sem ponta aparelhada de prata no valor de 2$240 réis, um xapete de

prata no valor de 3$340 réis, um paliteiro de prata no valor de 1$690 réis.51

Marianna de Sandes era dona de moradas de casas, e de um sítio de terras

denominado Senhora do Monte, no Porto Grande, e possuidora de [dezesseis vitrinas]

de ouro no valor de 22$400 réis, um anel de ouro no valor de 1$000 réis, uma colher de

prata no valor de 1$300 réis, duas colheres de prata no valor de 2$100 réis, um espadim

de prata no valor de 4$000 réis, um par de fivelas de prata no valor de 2$300 réis, uma

cabiona de prata no valor de 10$600 réis, um oratório com suas imagens de prata

avaliado em 25$000 réis.52 Paulo Ribeiro e Maria de Oliveira possuíam um par de

fivelas de prata no valor de 1$380 réis.53 Por fim, Quitéria Francisca era dona de uma

colher de prata no valor de 1$400 réis.54

51 Inventário post-mortem de Manoel Joze Nunes Coelho de Vasconcellos – Comarca de São Cristóvão.

Arquivo do Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF – Testamento Cx. 01-62-14. 52 Inventário post-mortem de Marianna de Sandes – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do Judiciário de

Sergipe. SCR/C.1º OF. Inventários. Cx.02-15. 53 Inventário post-mortem de Paulo Ribeiro e Maria de Oliveira – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do

Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF. Inventários. Cx.01-14. 54 Inventário post-mortem de Quitéria Francisca – Comarca de São Cristóvão. Arquivo do Judiciário de

Sergipe. SCR/C.1º OF. Inventários. Cx.02-15.

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Tais exemplos revelam as possessões metálicas como um dos indicadores

econômicos fundamentais para a compreensão da estrutura e do desenvolvimento desta

sociedade. A seguir a tabela mostra os cinco maiores afortunados tendo como referência

a soma dos bens de ouro e prata acumulados pelos inventariados.

Tabela 1 – Os cincos maiores afortunados e os valores absolutos da soma dos

objetos de ouro e prata presentes nos inventários

Inventariado Soma dos valores de ouro e prata

absoluta em réis

Manoel Joze Nunes Coelho de

Vasconcellos e Figueiredo

733$974

Manoel Joze de Vasconcelos e

Figueiredo

383$618

Jose Cardozo de Santa Anna e

Cardula Maria de Sam Joze

174$010

Manoel Caetano do Lago 114$810

Antonio Simões dos Reis 110$140

Total 1.516$553

Fonte: Inventários post-mortem de São Cristóvão do século XVIII. AJES. 2013.

Portanto, havia uma concentração de riqueza nas mãos de poucos indivíduos.

Assim, a riqueza também pode ser entendida como a situação em que indivíduos vivem

acima de um determinado patamar. Há uma diferença econômica grande entre o mais

rico e o mais pobre. A partir de uma hierarquia econômica que consolidava

determinados indivíduos em sua posição social privilegiada. Estes indivíduos foram

considerados ricos a partir de condições mínimas e sua posição em seu grupo social

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considerado rico. A cidade de São Cristóvão seria um “espaço” da riqueza se comparada

a outros grupos sociais, e levando em consideração o tamanho da população, a

quantidade de recursos disponíveis, e a distribuição da riqueza.

c) Os significados dos objetos

As peças de ouro e prata possuíram múltiplos significados. A posse de objetos militares,

utensílios de uso doméstico e profissional, adornos pessoais, artigos religiosos e outros

significava de forma geral um instrumento de representação da riqueza de um grupo. As

joias funcionaram como um investimento para o momento presente e futuro. No

presente porque poderiam ser penhoradas, vendidas ou trocadas por outros produtos que

os donos necessitassem, e no futuro porque após a morte do inventariado cobririam as

despesas do testamento, do inventário e as dívidas passivas, caso houvessem.55

Os objetos de cunho religioso possuíram uma poderosa carga simbólica quando

associados ao culto divino. Numa sociedade colonial marcada pelas crenças religiosas, a

prata, dádiva divina, era transformada em objetos cuja função primordial consistia no

louvor a Deus, principal responsável por haver se revelado aos homens toda a riqueza

existente no Novo Mundo.56 Eles apresentam atributos estilísticos comuns expressam

valores culturais compartilhados em determinada comunidade ou grupo social.57 Os

55 JANUÁRIO, Erlaine Aparecida. Jóias de adorno, como investimento e de devoção. São João Del

Rei/UFSJ, 2003.p.3. 56 MACHADO, Maria José Goulão. La puerta falsa de América - a influência artística portuguesa na

região do Rio da Prata no período colonial. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra: Coimbra,

2005. p. 291. 57 GELL, Alfred. Art and agency: an anthropological theory. Oxford: Clarendon Press, 1998.p.155-156.

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objetos incorporavam informações únicas sobre a natureza do homem na sociedade.58

Assim, os objetos são singularizados por meio da mercantilização restrita.59

As peças militares significavam um instrumento de diferenciação e distinção

social. Os utensílios de uso doméstico significavam o status de família. Os objetos de

uso profissional significavam a identificação das atividades econômicas dos indivíduos.

Eles são importantes para as pessoas, porque atribuem prestígio e posição social.60 Os

adornos pessoais significavam poder aquisitivo e riqueza. Os objetos religiosos

significavam proteção espiritual. A sua presença nos inventários não estava apenas

ligada ao gosto pelo adorno ou ao investimento, estavam relacionados também a

devoção religiosa (Nossa Senhora) e proteção do corpo contra feitiços e espíritos

malignos.

Passamos, agora, a uma tabela que mostra os cinco objetos de maior valor

arrolados nos inventários post-mortem de São Cristóvão.

Tabela 2: Os cinco objetos de maior valor entre os bens arrolados de ouro e prata

dos inventariados de São Cristóvão, século XVIII

Objetos Valor absoluto

em réis

Inventariado

Engravamentos

de ouro e corais

azuis

87$880 Manoel Joze Nunes Coelho de Vasconcellos e

Figueiredo

Salva de prata 86$885 Manoel Joze de Vasconcelos e Figueiredo

Filamento de

prata de botas

80$505 Manoel Joze Nunes Coelho de Vasconcellos e

Figueiredo

58 PEARCE, Susan. Pensando sobre os objetos. In: Museu Instituição de Pesquisa. MAST COLLOQUIA,

vol. 7, 2005. p. 13. 59 KOPYTOFF, Igor. A biografia cultural das coisas: a mercantilização como processo. APPADURAI,

Arjun (org.). A vida social das coisas: mercadorias sob uma perspetiva cultural. Rio de Janeiro:

EDUFF,2008. p.15-88. 60 PEARCE, Susan. Pensando sobre os objetos. In: Museu Instituição de Pesquisa. MAST COLLOQUIA,

vol. 7, 2005: p.19.

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Caldeirinha com

sua corrente tudo

de prata

80$395 Manoel Joze de Vasconcelos e Figueiredo

Botões de ouro 80$040 Manoel Joze Nunes Coelho de Vasconcellos e

Figueiredo

Fonte: Inventários post-mortem de São Cristóvão do século XVIII. AJES. 2013.

Os objetos mais valiosos de ouro e prata aparecem como um elemento

identitário. A posse deles identificava um homem rico. Assim, o sistema indumentário

presente em São Cristóvão caracteriza-se por um conjunto de objetos que identificam os

agentes econômicos, por indumentárias que legitimam a posição social, pelo desejo de

controle da aparência, e pela norma do gosto. O acúmulo de ouro e prata em forma de

objetos é o produto de uma construção social.

A seguir outra tabela mostra os cinco objetos de menor valor arrolados nos

inventários post-mortem de São Cristóvão.

Tabela 3: Os cinco objetos de menor valor entre os bens arrolados de ouro e prata

dos inventariados de São Cristóvão, século XVIII

Objetos Valor absoluto

em réis

Inventariado

Alfinetes grandes

de prata

$50 Jose Cardozo de Santa Anna e Cardula Maria de

Sam Joze

Colher de prata $80 Francisca de Barros Pantojá

Fivelas de prata $150 Gonçalo Gomes Lobato

Caixa de breve de

prata

$200 Antonio Simões dos Reis

Garfo de prata $300 João da Rocha Rego

Fonte: Inventários post-mortem de São Cristóvão do século XVIII. AJES. 2013.

Isto significa dizer que o grupo dominante desejava conservar sua posição social

privilegiada na imposição das regras do gosto modificando suas práticas de consumo

para guardar exclusividade e fidalgismo. Logo, muitos objetos de uso doméstico

enfatizavam o gosto de necessidade, portanto possuíam pouco valor. Aqueles que

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possuíssem maior poder econômico e cultural dominavam e impunham a hierarquia de

gosto e preferências. Então, as marcas sociais através dos objetos foram desejadas,

porque demonstravam um gosto que os posicionavam na hierarquia social como

pertencentes a um grupo.

Conclusão

À guisa de conclusão os objetos de ouro e prata acumulados pelos agentes econômicos

foram expressão de riqueza, gosto, e estilo de vida em São Cristóvão. Nesta sociedade o

gosto seria um produto da posição econômica e da trajetória social de cada indivíduo. O

acúmulo e o consumo de acessórios militares, utensílios de uso doméstico, de uso

profissional, adornos pessoais, artigos religiosos e outros feitos de prata e ouro

expressariam uma dimensão do “gosto dominante” destes agentes econômicos. Isto quer

dizer que o “gosto dominante” é uma manifestação do estilo de vida “dominante”. O

estilo foi definido pela presença de todos os objetos de necessidade e legitimação de

poder, tais como: armas, espadim, colheres, faca, garfos, paliteiro, prato, esporas, fivela

de cavalo, selim, argolas, botões, brincos, colar, pulseira, crucifixo, cruz, oratório,

relicário e rosário. Ter estes objetos significava a inclusão ou exclusão dos indivíduos

na ordem social do Antigo Regime. O acúmulo destes objetos não representaria o luxo,

e sim uma questão de gosto e estilo de vida de um grupo dominante. Assim, estes

agentes se sentiam nos quadros do Antigo Sistema Colonial, também, por meio de sua

indumentária específica.

A diversidade de objetos de ouro e prata acumulados pelos agentes é resultado da

variação do gosto deste segmento social. Nesta sociedade, o gosto era adquirido social e

culturalmente, e foi resultado de diferenças de origem familiar, econômica e

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oportunidades sociais. A posse dos objetos de maior valor por determinados indivíduos

revelou uma ordem social hierarquizada.

Em São Cristóvão no século XVIII, os mais afortunados em ouro e prata, foram:

Manoel Joze de Vasconcelos e Figueiredo e Manoel Joze Nunes Coelho de

Vasconcellos e Figueiredo. Dos 211 objetos alistados nos 23 inventários, 42% era de

ouro e 58% de prata. Alguns objetos tinham em sua composição diamantes, pedras

preciosas e corais azuis e vermelhos. Os objetos mais citados nos inventários foram:

fivelas (54 vezes arrolados), colheres (16), brincos (13), botões (12), e cordão (10). Os

fidalgos usavam alamares, espadim, florete, facas, aliança, anéis, esporas, botões, fivela

de cavalo, e crucifixo. As fidalgas usavam aliança, anéis, botões, brilhantes, brincos,

colares, coroas, fivelas, flores, laços, pulseiras, voltas, rocicler, e crucifixo. Este era o

modo de vestir deste segmento e uma forma de fazer parte do Antigo Regime.

Ter objetos de ouro e prata é uma forma de acumular riqueza. As joias

funcionaram como um investimento para o momento presente e futuro. Durante boa

parte da época moderna a riqueza baseava-se na posse de metais preciosos. Assim, os

agentes econômicos de São Cristóvão acumularam metais preciosos, procurando com a

exposição e utilização cotidiana deles, afirmar o seu estatuto social e econômico, se

inserindo na ordem social do Antigo Regime. O acúmulo de ouro e prata em forma de

objetos é o produto de uma construção social. Por fim, há um valor social destes objetos

em organizar e reforçar a estrutura hierárquica consubstanciada na aparência. A posse

de objetos militares, utensílios de uso doméstico e profissional, adornos pessoais,

artigos religiosos e outros significou de forma geral um instrumento de representação da

riqueza de um grupo.

Fontes

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sobre a devassa da residência que tirou do Capitão Mor Francisco da Costa.

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CARTA do Ouvidor de Sergipe del Rey, Domingos João Viegas, ao Rei[D. João V],

comunicando que tirou a residência de Manuel Francês do tempo que serviu de Capitão

Mor da Capitania de Sergipe del Rey. AHU_CU_022, Cx. 5, doc. 371.

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do Judiciário de Sergipe. SCR/C.1º OF.

ORDENS e CONTAS (traslados) ao desembargador da Relação da cidade da Bahia e

juiz da Coroa, Joaquim José de Andrada, para que procedesse a devassa sobre os

procedimentos do capitão-mor da cidade de Sergipe de El’rei, Joaquim António Pereira

da Serra Monteiro Correia. Com os autos da devassa e inquirição das testemunhas.

AHU_CU_005-01, Cx. 32, doc. 5947.

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