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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 593 (ano VIII) (21/04/2016) ISSN - - BRASÍLIA 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – -

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 593

(ano VIII)

(21/04/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

Conteú

doJu

rídico-ISSN

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 593 de 21/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

BoletimConteudoJurıdico

Publicação

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

21/04/2016 Rômulo de Andrade Moreira 

» O curioso comunicado da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do 

Rio Grande do Sul

ARTIGOS 

21/04/2016 Filipe Ferreira Munguba » O recurso de amparo espanhol como instrumento de defesa dos direitos 

fundamentais 

21/04/2016 Clarissa Abrantes Souza 

» As políticas assistencialistas e o pensamento de Hannah Arendt 

21/04/2016 Marília Nadir de Albuquerque Cordeiro 

» Da guarda compartilhada ‐ aspectos doutrinários e jurisprudenciais 

21/04/2016 Suellen Santos Rodrigues de Aguiar 

» O Inquérito Policial na França 

21/04/2016 Filipe Alves de Lima Costa 

» Responsabilidade Civil dos Profissionais de Medicina a luz do Código de Defesa do 

Consumidor 

21/04/2016 Caio Cavalcanti Amorim Martins 

» A evolução doutrinária e jurisprudencial acerca da constitucionalidade da 

transferência do sigilo bancário prevista na Lei Complementar 105/2001 

21/04/2016 João Henrique de Brito Marinho 

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» O Vício de Inconstitucionalidade por Quebra de Decoro Parlamentar e sua 

configuração na aprovação da Emenda Constitucional nº 41/2003 com análise das ADIs 

Nº 4887, 4888 E 4889 

21/04/2016 Josilene Nascimento Oliveira 

» Legitimidade dos crimes de perigo abstrato como meio de contenção de riscos na 

sociedade contemporânea 

21/04/2016 Anna Paula Pinto Cavalcante 

» Breve análise sobre a teoria da argumentação jurídica 

21/04/2016 Vinicius Araujo da Silva 

» Realização de pesquisa mercadológica informal 

21/04/2016 Arthur da Gama França 

» A modulação dos poderes do curador pelo magistrado na hipótese da pessoa que não 

pode exprimir sua vontade 

21/04/2016 Jorge Luis Loreto Junior 

» Tutelas Provisórias no CPC/15 

21/04/2016 Tauã Lima Verdan Rangel 

» Apontamento sobre a Declaração de Québec (2008): A Edificação e Reconhecimento 

do Espírito Local na Preservação do Patrimônio Cultural 

21/04/2016 Lorena Carneiro Vaz de Carvalho Albuquerque 

» A problemática doutrinária acerca da bipartição existente em relação a aplicação da 

Lei nº 11.232/05 à execução de alimentos 

21/04/2016 André Luiz Rapozo de Souza Teixeira 

» O bem jurídico econômico e o direito criminal 

 

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O CURIOSO COMUNICADO DA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL

RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA: Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós‐graduado, lato sensu, pela Universidade  de  Salamanca/Espanha  (Direito  Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.

Na Bahia, Otávio Mangabeira, velho político, Governador do Estado no período compreendido entre os anos de 1947 a 1951, cunhou uma frase que atravessa décadas sendo repetida sempre que estamos diante de um absurdo em nosso Estado: “Pense num absurdo, na Bahia tem precedente.” Não é bem assim... Absurdos encontramos em todos os Estados da Federação, inclusive, no Distrito Federal, onde está a cúpula do Poder Judiciário brasileiro com suas decisões muitas vezes absurdamente distanciadas dos princípios constitucionais.

Pois bem. Desta vez deparamo-nos com algo inusitado: um

“Comunicado” (sabe-se lá que validade jurídica tem), subscrito pelo Desembargador Sylvio Baptista Neto, Presidente da 1ª. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no qual determina (ou comunica?) “que, a partir da sessão prevista para o dia 23 de março de 2016, inclusive, só serão permitidas sustentações orais em Recursos em Sentidos Estrito e Apelações Criminais.”

O estranho Comunicado (que determina...) leva em consideração o disposto no art. 177, § 14º., do Regimento Interno daquela Corte, segundo o qual “será admitida a sustentação oral somente nas hipóteses expressamente previstas no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal.”

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Qual, então, a lógica dos integrantes do órgão fracionário do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul? Como “o Código de Processo Penal prevê, em seus artigos 610 e parágrafo único e 613 (Artigo 610: Nos recursos em sentido estrito, com exceção de habeas corpus, e nas apelações interpostas..., § único (sic): Anunciado o julgamento pelo presidente, e apregoadas as partes, com a presença destas ou à sua revelia, o relator fará a exposição do feito e, em seguida, o presidente concederá, pelo prazo de 10 (dez) minutos, a palavra aos advogados ou às partes que a solicitarem..., (sic) e ao procurador-geral, quando o requerer, por igual prazo. Artigo 613: As apelações interpostas das sentenças proferidas em processos por crime a que a lei comine pena de reclusão, deverão ser processadas e julgadas pela forma estabelecida no artigo 610, com as seguintes modificações...), apenas a sustentação oral para as hipóteses de Recursos em Sentido Estrito e Apelação Criminal”, então assim será! Afinal de contas vestem togas e são os últimos bastiões da República. Podem dizer tudo (ou comunicar, determinando...). Aliás, assim tem sido na República, onde se prende Senador em flagrante inexistente e por crime afiançável; conduz-se coercitivamente indiciados e réus que têm o direito ao silêncio e o de não produzir provas contra si mesmo, prende-se preventivamente para forçar delações premiadas que, depois, serão vazadas para setores privilegiados da imprensa, interceptações telefônicas idem, inclusive da Chefe de Estado (ainda que depois sejam pedidas desculpas pelo transtorno causado...), etc.

Vê-se, às escâncaras, que o velho caudilho baiano não tinha lá suas razões inteiras. Absurdos também acontecem alhures. E em um Tribunal onde já brilhou a estrela de um Nereu José Giacomolli, nada obstante, um homem simples.

O Comunicado erra ao interpretar um texto dentro “daquele contexto”. Os artigos referidos são datados: 1º. de janeiro de 1942, quando entrou em vigor o Código de Processo Penal, cuja Exposição de Motivos é assinada pelo então Ministro da Justiça

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Francisco Campos, que se vivo hoje estivesse, certamente estava a engrossar as fileiras em favor do impeachment, pois era um “golpista de carteirinha”, tendo prestado seus serviços em 1937 e 1964.

Obviamente que estes dispositivos devem ser hoje interpretados sob a ótica da nova ordem constitucional, dos Pactos Internacionais e da respectiva normatividade. Não se compadece com uma interpretação digna de uma Corte de Justiça tal restrição. Evidentemente que este artigo tem aplicação quando se tratar de outros recursos, inclusive o Agravo em Execução, a Carta Testemunhável e a Correição Parcial. Por todos, veja-se o Mestre Tourinho Filho (2009, p. 397).

E o que dizer da impossibilidade da sustentação oral nos processos de Habeas Corpus? Ora, a exceção estabelecida no caput do art. 610 justificava-se em razão do que se continha no art. 611, revogado pela ditadura militar por meio do Decreto-lei nº. 552/1969 (tornando mais moroso o procedimento do Habeas Corpus e colocando o então manietado Ministério Público como “vigia” das decisões do Judiciário). Revogado expressamente o art. 611, “cumpria ao legislador alterar a redação do art. 610, ajustando-o ao novo texto legal. Não o tendo feito, a tarefa ficou reservada à doutrina e jurisprudência.” (TOURINHO, 2009, p. 397).

Portanto, por óbvio, que cabe a sustentação oral no procedimento do Habeas Corpus. Aliás, assim o seria, ainda que o Código de Processo Penal estabelecesse o contrário, pois uma tal disposição entraria em rota de colisão com o art. 5º., LIV, LV e LXVIII, da Constituição Federal: Princípio do Devido Processo Legal, com os seus consectários – ampla defesa e contraditório, e o Habeas Corpus como garantia ao direito à liberdade de locomoção.

Ademais, observa-se que ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs. 1.105-7 e 1.127-8 (DOU de 26 de maio de 2006), o Supremo Tribunal Federal, declarando a inconstitucionalidade do art. 7º., IX da Lei nº. 8.906/94 (Estatuto da

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Ordem dos Advogados do Brasil), apenas afirmou, conforme consta da ementa, que “a sustentação oral pelo advogado, após o voto do relator, afronta o devido processo legal, além de poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece entre as partes.” Portanto, segundo a Suprema Corte, inconstitucional não é “sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento” (conforme constava do texto do inciso impugnado), mas fazê-lo “após o voto do relator” (aqui, faço um adendo: qual o sentido mesmo de uma sustentação oral antes do voto do relator, voto, aliás, já conhecido pelos demais integrantes do órgão – e, geralmente uníssonos? Claro que a disposição, longe de inconstitucional, privilegiava a ampla defesa, pois não se pode contra-argumentar sem os argumentos. Já que estamos falando de absurdos...).

A propósito, no julgamento do Habeas Corpus nº. 150.937-RJ, a 5ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator Ministro Felix Fischer, deixou-se consignado na ementa que “a frustração da sustentação oral viola as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, posto que esta constitui ato essencial a defesa. (Precedentes do STF e do STJ).”

O Comunicado da Câmara Criminal do Tribunal do Rio Grande do Sul, ademais, viola o Princípio da Legalidade no Processo Penal que, segundo Hassemer, “deve se reportar à ética do Estado de Direito. Ela corresponde às ideias da separação dos poderes, à certeza legal, à igualdade, ao Estado de Direito. O princípio da legalidade, no processo penal, é um rebento das ideias, as quais, conforme a filosofia política do Iluminismo, são válidas para a relação entre direito penal e processual penal, em um Estado moderno.” (HASSEMER, 2007, p. 49).

O processo de Habeas Corpus e o respectivo procedimento não podem admitir tergiversações de qualquer natureza, muito menos interpretações contrárias à Constituição Federal. Suprimir o

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direito de sustentação oral da defesa em sede de Habeas Corpus (ou mesmo de qualquer recurso defensivo) é menoscabar um valor: a liberdade. E isso é intolerável em um Estado Democrático de Direito que “está designado para trilhar os interesses comuns assumidos por aqueles que vivem sob ele, e somente tais interesses comuns. Sob o ideal da não-dominação, isso significa que, na medida em que o Estado é democrático – um assunto, inevitavelmente de grau imperfeito – nessa medida ele não será arbitrário e não comprometerá a liberdade de seus membros. Suas leis coercivas, decretos e outras iniciativas condicionarão as escolhas do povo, como as limitações naturais o fazem, mas o Estado não comprometerá a liberdade do povo na forma de uma presença dominadora.” (PETTIT, 2007, p. 247). Muito menos por um estranho Comunicado.

REFERÊNCIAS: 1) HASSEMER, Winfried, Direito Penal Libertário, Belo

Horizonte: Del Rey, 2007. 2) PETTIT, Philip, Teoria da Liberdade, Belo Horizonte: Del

Rey, 2007. 3) TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, São Paulo,

Saraiva, 2009, 12ª. Edição.

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O RECURSO DE AMPARO ESPANHOL COMO INSTRUMENTO DE DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

FILIPE FERREIRA MUNGUBA: Advogado. Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ (2012). Mestre em Ciências Jurídico-Políticas com menção em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - PT (2014).

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo estudar o mecanismo de defesa dos direitos fundamentais denominado recurso de amparo, notadamente seu desenvolvimento na experiência jurídica espanhola, instrumento este que serve à defesa dos direitos fundamentais do cidadão quando lesados pelo poder público. No estudo, se apresentarão as características gerais deste instituto, sua origem, finalidade, pressupostos, sua disciplina no âmbito do Tribunal Constitucional e, por fim se analisará um caso em que este instrumento foi utilizado e como a Corte espanhola tratou da violação aos direitos fundamentais objeto do recurso de amparo constitucional.

Palavras-chave: Espanha. Tribunal Constitucional. Direitos Fundamentais. Recurso de Amparo. Abstract: This work aims to study the writ of amparo, used for protection of fundamental rights, especially its development in the Spanish legal experience. This instrument serves to defend the fundamental rights of citizens when violated by the government. In the study, will present the general characteristics of the institute, its origin, objectives, requirements, their discipline in the Constitutional Court and, finally, to consider a case where the writ of amparo was used, and as the Spanish Court corrected the violation fundamental rights object of this writ

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Keywords: Spain. Constitutional Court. Fundamental rights. Writ of Amparo.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 ORIGEM, ÂMBITO DE PROTEÇÃO E DUPA FUNÇÃO DO RAC. 2.1 ORIGEM. 2.2 ÂMBITO DE PROTEÇÃO. 2.3 DUPLA FUNÇÃO. 3 PECULIARIDADES DO RAC. 3.1 LEGITIMIDADE. 3.2 OBJETO. 3.3 PRESSUPOSTOS. 3.4 PRAZO. 3.5 JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. 3.6 EFEITOS DAS DECISÕES ESTIMATÓRIAS DE AMPARO. 4 MEMÓRIA JURISPRUDENCIAL: SENTENÇA38/1981. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por desiderato analisar o instituto do recurso de amparo constitucional espanhol, na medida em que concebido para proteger direitos fundamentais dos cidadãos lesados pelos poderes públicos.

Os direitos fundamentais, por constituir patrimônio indisponível do cidadão (rectius: da própria espécie humana), constituem limite à atuação estatal e merecem especial proteção, e sua observância é obrigatória por parte do Estado. Nesse contexto, exsurge a seguinte questão: em caso de desrespeito pelo Poder Público aos direitos fundamentais, qual o instrumento que permite impor a observância do direito vergastado e/ou promover a reparação à lesão causada?

É certo que nas experiências constitucionais mundiais existem um sem número de institutos voltados a este desiderato, uns com mais outros com menos efetividade. No Brasil, por exemplo, dentre outros mecanismos, destacam-se os remédios constitucionais (mandado de segurança, o habeas corpus, o habeas data e mandado de injunção), além de outros.

A Constituição espanhola de 1978 (CE) prevê o recurso de amparo como instituto apto à efetivação desta tutela. Denominado por Ángela Burrieza[1] de “instituto medular da atual organização

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jurisdicional do Estado”, o recurso de amparo constitucional[2] (RAC), na Espanha, é uma ferramenta à disposição dos cidadãos para a defesa de seus direitos fundamentais quando violados pelos poderes públicos[3]. Na senda da queixa constitucional alemã, o RAC é um instrumento de caráter extraordinário e idôneo para a proteção de certos direitos (não todos), nomeadamente os previstos nos art. 14, na Seção Primeira do Capítulo Segundo (arts. 15 a 29) e no art. 30 da Constituição Espanhola. Está consagrado no art. 53.2[4] do Texto Magno e encontra sua sistemática detalhada no Título III (arts. 41 a 58) da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional espanhol (LOTC).

Assim, o desrespeito pelo Poder Público – em qualquer uma de suas manifestações – aos direitos fundamentais merece a tutela devida e a respectiva reparação. Para este fim se presta o recurso de amparo. Por óbvio não é o único instrumento de proteção dos direitos fundamentais, pois existem Estados Democráticos de Direito que não o adotam e ainda assim são eficazes na defesa das lesões emanadas de órgãos públicos. Mas, indubitavelmente, se não é o único mecanismo, é um meio bastante efetivo, quiçá o mais eloquente na proteção dos direitos fundamentais. E é este notável instituto que se pretende estudar aqui neste trabalho.

2 ORIGEM, ÂMBITO DE PROTEÇÃO E DUPLA FUNÇÃO DO RAC

2.1 ORIGEM

O primeiro antecedente direto do recurso de amparo, lembra Burrieza[5], foi, por ocasião da Constituição de 1931, a criação de um Tribunal de Garantias Constitucionais com competência para conhecer do “recurso de amparo de garantias individuais”[6]. Entretanto há referência a uma instituição, na Idade Média, durante o reino foral de Aragão, que tinha por atribuição defender os indivíduos contra os atos das autoridades públicas, instituição está que fora abolida em 1716[7].

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Por fim, as fontes primígenas de inspiração do legislador constituinte de 1978 foram o amparo da Constituição mexicana de 1917, a Beschwerdenaustríaca e suíça, e a Verfassungsbeschwerde alemã, além do instrumento da Carta anterior (de 1931).[8]

2.2 ÂMBITO DE PROTEÇÃO

Conforme asseveram Cascajo Castro e Gimeno Sendra[9]: “No todos los derechos subjetivos públicos

pueden hacerse valer a través del recurso de amparo, sino tan sólo los preestabblecidos en el art. 53,2.º de la Constitución, esto es, el principio de igualdad (art. 14), el derecho a la objeción de conciencia (art. 30,2.º) y todos los recogidos en la sección 1.ª del capítulo 2.º del Título I de la Constitución (arts. 15-29), quedando, por tanto, fuera de dicha protección jurisdicional los derechos sociales de los arts. 30 ss.”.[10]

A despeito da celeuma doutrinária que envolve a taxatividade ou não do rol elencando no art. 53.2, o importante é frisar que o legislador visou, por meio do amparo, a proteger as clássicas liberdades e garantias, também nominadas de direitos de primeira geração (ou dimensão).

Uma última nota diz respeito à inadmissão, pelo Tribunal Constitucional (TC), do “contra-amparo”, que seria quando o juiz “ampara em excesso”, ou seja, quando amplia, por via da interpretação, o conteúdo material do direito fundamental tutelado, traspassando, inclusive, as balizas traçadas pelo “guardião da Constituição”. Nestas situações não é facultado à parte prejudicada pela decisão judicial interpor recurso de amparo, salvo se desta dimensão normativa elástica, extraída pelo juiz em sua decisão, houver violação a outro direito fundamental tutelável pela via do

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amparo. Nesta senda, registra Caamaño Dominguez[11]: “(...) el«contra-amparo» se produce cuando el órgano judicial al amparar por «exceso» un derecho fundamental ocasiona la vulneración de otro”.

2.3 DUPLA FUNÇÃO

Tal como a queixa alemã, o instituto sub examenapresenta uma dupla dimensão. A clássica função subjetiva de defesa dos direitos lesados, de modo que, como observa Cruz Villalón[12], “donde no hay un derecho subjetivo que tutelar nunca habrá un recurso de amparo; y no sólo un derecho subjetivo, sino un derecho fundamental”.

Embora, não se deva olvidar da outra perspectiva deste instituto, que funciona como instrumento da defesa objetiva da Constituição[13], pois possui uma finalidade que transcende a esfera individual[14]. Destaca Fernández Farreres[15] que esta dupla dimensão do recurso de amparo está associada com o duplo caráter dos próprios direitos fundamentais já que estes enquanto direito subjetivos também se constituem como elementos essenciais do ordenamento objetivo do Estado.

Frise-se, por fim, que significativa parte da doutrina, desde há muito, advogava a prevalência da dimensão objetiva do amparo sobre a primeira função[16]. Com efeito, o amadurecimento institucional e as condições conjunturais da experiência espanhola, somando-se com o assoberbamento da capacidade laboral do TC, em decorrência dos infindos recursos de amparo intentados junto à Corte, vieram a dar razão aos defensores da supremacia da dimensão objetiva.

A Ley Orgánica n.º 6/2007 de 24 de Mayo, que alterou a LOTC, introduziu um requisito de admissão recursal de cunho marcadamente objetivo – a “especial transcendência constitucional” do recurso[17], com o desiderato de instituir verdadeiro filtro de acesso às demandas de amparo perante o TC. Assim, mesmo que

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o cidadão possua direito subjetivo ao amparo, se não demonstrada esta transcendência o recurso não será conhecido[18].

3 PECULIARIDADES DO RAC

3.1 LEGITIMIDADE

Nos termos do artigo nº. 162, 1, b), da CE, estão legitimados para propositura do amparo constitucional “toda persona natural o jurídica que invoque un interés legítimo, así como el Defensor del Pueblo y el Ministerio Fiscal”.[19]

Assim, logo resta evidente a diferença deste instrumento com a queixa alemã, pois, para além da legitimação individual: pessoa física, nacional ou estrangeiro (desde que seja titular do direito fundamental invocado) e pessoa jurídica, seja pública[20] ou privada[21], há possibilidade de figurarem como parte ativa as duas instituições acima mencionadas, manifestando uma dimensão objetiva do recurso, como instrumento de defesa da própria sociedade[22].

Ainda, é permitida a intervenção de terceiros, nos moldes do art. 47, 1 da LOTC, quando estes sejam favorecidos pela decisão ou ato motivadores do amparo, ou que ostentem um interesse legítimo no recurso.

Quanto à legitimidade passiva, para além do poder público, como sobejamente conhecido, a grande questão que se coloca diz respeito à possibilidade dos atos particulares serem atacados pelo recurso de amparo. A priori, esta condição não é possível, pois o instrumento fora concebido exatamente para proteger o cidadão em face do Estado.

Todavia, necessária se afigura uma observação, conforme assevera Emília Girón Reguera[23], o TC tem reconhecido como idônea a via do amparo às lesões oriundas dos atos particulares,

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com lastro no artigo 41,1, LOTC, quando uma decisão judicial nega a pretensão da parte recorrente em ver seu direito protegido.

Assim, o que se ataca pelo amparo é a decisão judicial (na medida em que não exerceu seu papel de proteção de um direito fundamental vulnerado em determinado conflito entre privados) e não o ato particular em si.

3.2 OBJETO

Segundo estabelece o art. 41, 2 da LOTC, o objeto do recurso de amparo constitucional está circunscrito às violações de direitos fundamentais decorrentes das “disposiciones, actos jurídicos, omisiones o simple vía de hecho de los poderes públicos del Estado, las comunidades autónomas y demás entes públicos de carácter territorial, corporativo o institucional, así como de sus funcionarios o agentes”.

Assim, os atos das três esferas de Poder são impugnáveis através do amparo. Observe-se ainda que a lesão invocada deve ser real, concreta, efetiva e direta[24]. Não obstante, faz-se imperioso destacar uma diferença crucial entre o recurso espanhol e a queixa constitucional alemã: os atos emanados pelo Parlamento susceptíveis de amparo são aqueles sem valor normativo. As leis são impugnáveis apenas por meio da “cuestión de inconstitucionalidade”, disposta no art. 163, CE (controle concreto de constitucionalidade), ao contrário do que acontece na Alemanha, onde elas podem constituir objeto da pretensão de amparo.

Deveras, indagar-se-ia o que deve fazer o Tribunal se, durante o julgamento de um recurso de amparo, observar a necessidade de declarar determinada lei incompatível com a Constituição. Com efeito, prevê o art. 55, 2, LOTC[25], que a Sala do TC responsável pelo conhecimento do recurso eleve a questão ao Pleno da Corte, suspendendo o prazo para prolação da sentença.

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O Plenário possui competência para declarar a inconstitucionalidade da norma com força obrigatória e geral. É a denominada “auto-questão de inconstitucionalidade”[26], que constitui uma forma indireta do particular incitar o controle de constitucionalidade de normas legais quando violadora dos direitos fundamentais[27].

3.3 PRESSUPOSTOS

Alves Correia[28] elenca basicamente três pressupostos: o caráter extraordinário do recurso, consistente na ocorrência de uma violação real e efetiva de um direito fundamental passível de amparo; o caráter excepcional, que se revela quando a vulneração do direito não encontra socorro no sistema ordinário de garantias e; a origem da violação decorrer de ato, disposição ou atuação de fato dos Poderes Públicos e não da conduta de sujeitos privados. Do segundo requisito, extrai-se a necessidade do prévio esgotamento das vias jurisdicionais ordinárias para viabilizar a interposição do amparo.

Tal exigência é corolário do princípio da subsidiariedade que vigora no regime jurídico do instituto do amparo e se traduz na primazia da jurisdição ordinária na defesa dos direitos fundamentais. Referido princípio, como oportunamente lembra Balaguer Callejón[29], não é uma exigência constitucional, mas uma construção legal acolhida na LOTC (arts. 43 e 44).

Entretanto, o TC vem afastando a exigência quando os recursos pendentes de interposição se revelem improcedentes ou inúteis. Assim, “el recurso interpuesto ha de ser de alguna manera idóneo a los fines de conseguir que el órgano jurisdiccional pueda reestablecer el derecho lesionado cuya protección se invoca”[30] [31].

3.4 PRAZO

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O prazo de para intentar o amparo varia de acordo com o ato vulnerador do direito fundamental invocado. Se os atos (ou omissões) forem oriundos do Executivo, desde que esgotadas as vias ordinárias, poderá ser manejado o recurso no prazo de 20 (vinte) dias, contados da notificação da decisão prolatada no processo judicial prévio, nos termos do art. 43, 2, LOTC

As violações (susceptíveis de amparo) originadas imediata e diretamente de um ato (ou omissão) judicial, possibilitarão a interposição do recurso no prazo de 30 (trinta) dias, contados, igualmente, da notificação da decisão proferida no processo judicial, conforme delineado no art. 44, LOTC, sempre observando a regra da exaustão da jurisdição “a quo”.

Finalmente, os atos sem valor de lei emanados pelo Parlamento poderão ser impugnados pela via do amparo em até 3 (três) meses, computados a partir do momento em que se tornam permanentes, nos termos dos regramentos internos da respectiva casa legislativa (art. 42, LOTC). Aqui não se exige o esgotamento prévio, devendo o recurso ser intentado diretamente junto ao Tribunal Constitucional.

3.5 JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

A competência para julgamento do recurso é das Salas do TC. O juízo de admissibilidade será feito pelas Seções[32], que analisarão a compatibilidade da petição com os requisitos exigidos para seu regular processamento.

Constituem requisitos para admissibilidade da pretensão: exposição clara e concisa dos fatos que sustentam a pretensão; especificação dos dispositivos constitucionais reputados violados; fixação do amparo que pretende receber objetivando preservar ou reestabelecer o direito violado e; a especial transcendência constitucional do recurso (manifestação da dimensão objetiva do instituto)[33].

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Caso haja deficiências sanáveis, será a parte intimada para emendar a peça, todavia, os juízes poderão rechaçar, de plano, o recurso interposto quando: este for manifestamente insanável; se dirija contra direitos não susceptíveis de amparo; careça manifestamente de conteúdo ou; se o Tribunal já tiver julgado improcedente demandas substancialmente iguais a veiculada nele.

As Seções admitirão o recurso pela unanimidade de seus membros (art. 50,1), caso a admissão se dê por maioria, o processo é remetido à Sala que opera novo juízo de admissibilidade (art. 50,2). Quanto à inadmissibilidade do recurso, dispõe o art. 50, 3, LOTC que as providências de inadmissão adotadas pelas Seções ou Salas especificarão os requisitos descumpridos pela petição e notificarão o demandante e o Ministério Fiscal, cabendo recurso apenas para o Ministério de cuja decisão é irrecorrível.

3.6 EFEITOS DAS DECISÕES ESTIMATÓRIAS DE AMPARO

Dispõe o art. 55.1, LOTC que as sentenças que outorguem o amparo poderão: declarar a nulidade da decisão, ato ou resolução que macularam o direito protegido; reconhecer o direito ou liberdade pública, em conformidade com seu conteúdo constitucionalmente declarado e; reestabelecer o recorrente na integridade de seu direito, adotando as medidas apropriadas para conservação do mesmo. Observa Fernandez Segado[34] que, dependendo da situação submetida a juízo, esses pronunciamentos podem ser cumulativos[35]. A eficácia da decisão se estende apenas no âmbito endoprocessual, não há efeitos erga omnes[36].

4 MEMÓRIA JURISPRUDENCIAL: SENTENÇA 38/1981[37]

Esta decisão remonta aos primórdios do funcionamento da Corte Constitucional espanhola, pois, foi em 1981 que o TC exarou sua primeira sentença. Ela possui um significado especial no que atine à impugnação de atos jurídicos entre privados quando mediados em uma decisão judicial.

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Em 1980 um grupo de trabalhadores de determinada empresa, filiados a um Sindicato solicitaram à mesa diretora do mesmo a realização de eleições para função de “delegado de personal” na empresa. Pedido este que foi aceito, ato contínuo fora constituída a mesa eleitoral e os solicitantes proclamados candidatos. No dia seguinte a empresa na qual trabalhavam os demitiu alegando que enfrentava necessidades econômicas (não consta se a empresa sabia ou não da eleição).

Assim, os trabalhadores entraram com uma ação na Justiça do Trabalho alegando a violação dos arts. 14 (princípio da igualdade) e 28 (liberdade sindical) da CE e requerendo a nulidade da despedida e a consequente reintegração nos postos de trabalho. O magistrado, em sua decisão, entendeu que a despedida foi nula em razão de descumprimento de vícios formais exigidos para concretização da mesma e não violação aos direitos alegados, acarretando as consequências legais.

Irresignados, intentaram recurso de suplicação para o Tribunal Central do Trabalho que fora julgado improcedente. Contra o pronunciamento do Tribunal Central do Trabalho interpuseram recurso de amparo junto ao TC com fundamento na violação dos direitos dispostos nos referidos artigos 14 e 28 da Constituição pela decisão judicial.

O Tribunal entendeu que houve mais que um problema de desigualdade, uma afronta à liberdade sindical e que esta liberdade “necesita de garantías frente a todo acto de ingerencia, impeditivo u obstativo del ejercicio”. Assim, concedeu o amparo para, reconhecendo a “nulidad radical”, reintegrar os requerentes em suas funções, assegurando o direito de se candidatarem ao posto de representantes dos trabalhadores, vedada qualquer forma de discriminação em razão de pertencerem a um sindicato.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Os direitos fundamentais enquanto afirmações da supremacia da própria Constituição em um Estado de Direito Democrático são dotados de especial dignidade. Esta especial dignidade que justifica a existência de procedimentos que assegurem sua defesa e efetividade. Dentre tantos institutos garantísticos da ordem constitucional, emerge, com especial relevo, o recurso de amparo que, na experiência dos países que o adotam, tem se mostrado verdadeiramente útil na promoção e garantia dos direitos fundamentais.

Notadamente na Espanha, como se pôde observar, esse instrumento constitui o pilar da justiça constitucional, sendo sua implementação um caminho sem volta, pois, através do amparo essa sociedade tem se tornado uma verdadeira “sociedade de direitos fundamentais”. Assim, os direitos fundamentais encontram seu verdadeiro escudo protetor no instituto do amparo.

Verdade que a quantidade avassaladora destas demandas obrigou os legisladores a adotarem filtros, cada vez mais rigorosos, na tentativa de estancar o fluxo desarrazoado, numa verdadeira valorização da dimensão objetiva do recurso de amparo. Saliente-se, por exemplo, que, no ano de 2011, foram intentados junto ao TC Espanhol 31 recursos de inconstitucionalidade (controle abstrato sucessivo), 51 questões de inconstitucionalidade (controle concreto) e 7.098 recursos de amparo[38]. Entretanto, após a instauração da “especial transcendência constitucional” como requisito de admissibilidade recursal a quantidade de amparos vem diminuindo anualmente[39].

Assim, através do recurso de amparo – não obstante se tente fazer com que apenas os casos mais relevantes ascendam ao Tribunal Constitucional – a Justiça Constitucional exerce um relevante papel de proteção da esfera individual do cidadão, tornando-se uma verdadeira “jurisdição dos direitos fundamentais”[40].

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NOTAS:

[1] BURRIEZA, Ángela Figueruelo. El recurso de amparo en cuanto tutela reforzada de los derechos fundamentales. In: Cuadernos de la Cátedra Fadrique Furió Ceriol, Valência, nº.6, 1994, p. 43.

[2] A expressão “constitucional” é destacada para diferenciar do procedimento, igualmente previsto no art. 53.2 da CE, de proteção dos direitos fundamentais baseado nos princípios de preferência e sumariedade, desenvolvido ante a jurisdição ordinária, também conhecido como “amparo ordinário” e que não constitui objeto desta investigação. Sobre o tema: Cfr. CARRILLO, Marc. La aplicacion jurisdiccional del recurso de amparo ordinario: la ley 62/78, de proteccion jurisdiccional de los derechos fundamentales de la persona. In: Revista del Centro de Estudios Constitucionales, nº, 11, 1992, p. 83-112; BALAGUER CALLEJÓN, Francisco (coord). Manual de Derecho Constitucional. v.2 , Madri: Tecnos, 2005, pp. 307 e ss.

[3] Procurando uma definição global sobre o amparo, assevera Paulo Cardinal: “Podemos, (...), procurar ensaiar uma definição do instituto do amparo como sendo uma categoria processual autónoma (e direito fundamental em si mesmo), genérica (isto é, não dirigida à defesa de um só direito como ocorre normalmente no habeas corpus) e de vocação exclusiva de defesa dos direitos fundamentais (e não um recurso de constitucionalidade/legalidade)”. In: CARDINAL, Paulo. O instituto do recurso de amparo de direitos fundamentais e a juslusofonia: os casos de Macau e Cabo Verde. In: Direito e Cidadania, ano 7, nº. 24, 2006, p.83.

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[4] Art. 53.2. Cualquier ciudadano podrá recabar la tutela de las libertades y derechos reconocidos en el artículo 14 y la Sección primera del Capítulo segundo ante los Tribunales ordinarios por un procedimiento basado en los principios de preferencia y sumariedad y, en su caso, a través del recurso de amparo ante el Tribunal Constitucional. Este último recurso será aplicable a la objeción de conciencia reconocida en el artículo 30. In: ESPANHA. Constitución Española(1978). BO do dia 29/12/1978. Disponível em: http://www.senado.es/web/conocersenado/normas/constitucion/index.html.

[5] Acrescenta a ilustre autora: “Fue novedoso el estabelecimento de esta garantia de natureza judicial, porque en el desarrollo del concepto de Justicia Constitucional imperante en Europa, no tenía lugar una institución semejante, ya que la idea kelseniana fijaba su atención, sobre todo, en el control de la constitucionalidad de las leyes”. Todavia, esta inovação não gozou de efetividade, pois “(...) el recurso de amparo de garantías individuales, aunque llegó a funcionar, no respondió a las ideas que en su origen se pudo tener de esta institución, que resultó prácticamente relegada a la resolución de recursos planteados frente a multas impuestas por motivos de orden público”. In: BURRIEZA, op. cit., p.45, nota 1.

[6] FERNANDÉZ SEGADO, Francisco. La Jurisdiccion Constitucional en España, In: GARCIA BELAUNDE, Domingos; FERNANDEZ SEGADO, Francisco (coord.) La jurisdicción constitucional en Iberoamerica, Madrid: Dykinson, 1997, p.675.

[7] Denominada de “Justicia Mayor”. Para mais: BOTELHO, Catarina Santos. A Tutela Directa dos Direitos Fundamentais: avanços e recuos na dinâmica das justiças constitucional, administrativa e internacional. Coimbra: Almedina, 2010, p. 214-216.

[8] Idem.

[9] CASCAJO CASTRO, José L., GIMENO SENDRA, Vicente. El recurso de amparo. 2.ed. Madrid: Tecnos, 1992, pp.97-98.

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[10] Pérez Luño atenta que os direitos subjetivos públicos gizados na Convenção Europeia de Direitos do Homem não estão protegidos pela via do amparo, pois “El recurso de amparo protege sólo los derechos constitucionales y fuera de la Constitución no existe ningún derecho fundamental”. In: LUÑO apud GALÁN JUÁREZ, Mercedes. Antropología y derechos humanos. Madrid: Editorial Dilex, 1999, p. 198. Nesta seara das limitações do âmbito de proteção do recurso de amparo, lembra Alves Correia que em Espanha referido instrumento se presta a defender os cidadãos das lesões causadas pelo poder público, diferentemente do que ocorre em Venezuela, Colômbia e Costa Rica, pois os ordenamentos jurídicos destes países, “(...) ampliam, em certas circunstâncias, o âmbito de protecção do “recurso de amparo” às “violações” de direitos fundamentais da autoria de sujeitos jurídico-privados”.In: CORREIA, Fernando Alves. I conferência da Justiça constitucional da Ibero-América, Portugal e Espanha : os órgãos de fiscalização da constitucionalidade : funções, competências, organização e papel no sistema constitucional perante os demais poderes do Estado. In:Boletim Documentação e Direito Comparado, nº. 71/72, 1997, p. 102-103. Entretanto, quando as pessoas privadas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, quando atuam em nome da Administração, violem direitos fundamentais, está aberta a via do amparo, assim assentou o TC: “La noción de «poderes públicos» que utiliza nuestra Constitución (arts. 9, 27, 39 a 41, 44 a 51, 53 y otros) sirve como concepto genérico que incluye a todos aquellos entes (y sus órganos) que ejercen un poder de imperio, derivado de la soberanía del Estado y procedente, en consecuencia, a través de una mediación más o menos larga, del propio pueblo. Esta noción no es sin duda coincidente con la de servicio público, pero lo «público» establece entre ambas una conexión que tampoco cabe desconocer, pues las funciones calificadas como servicios públicos quedan colocadas por ello, y con independencia de cuál sea el título (autorización, concesión, etc.) que hace posible su prestación, en una especial relación de dependencia respecto de los «poderes públicos»”. In: ESPANHA.Tribunal Constitucional de España. Sentença nº 035/1983. Publicada em 20/05/1983.

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[11] CAAMAÑO DOMINGUEZ, Francisco. El recurso de amparo y la reforma peyorativa de derechos fundamentales: El denominado contra-amparo. In:Revista Española de Derecho Constitucional, Ano 16, nº. 47, 1996, p. 142.

[12] CRUZ VILLALÓN, Pedro. Sobre el amparo. In:Revista Española de Derecho Constitucional, Ano 14, nº. 41, 1994, p. 15.

[13] Sobre a dimensão objetiva assinalou Bustos Gisbert: “(...) el recurso de amparo constitucional permite la creación de um corpus jurisprudencial en torno al concreto contenido de los derechos fundamentales. (...) es una función relevante en la medida en que permite la centralización de la jurisprudencia de los derechos en una única instancia cuyas decisiones vinculan a los tribunales inferiores”. In: BUSTOS GISBERT, Rafael. Está agotado el modelo de recurso de amparo diseñado en la Constitución española? In: Teoría y Realidad Constitucional, nº. 4, 1999, p. 275.

[14]O Tribunal Constitucional espanhol, por ocasião da Sentença n.º 1/1981, assim se manifestou: “La finalidad esencial del recurso de amparo es la protección, en sede constitucional, de los derechos y libertades que hemos dicho, cuando las vías ordinarias de protección han resultado insatisfactorias. Junto a este designio, proclamado en el art. 53.2, aparece también el de la defensa objetiva de la Constitución, sirviendo de este modo la acción de amparo a un fin que transciende de lo singular”. In: ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentença nº 001/1981. Publicada em 24/02/1981.

[15] FERNÁNDEZ FARRERES, Germán. El recurso de amparo segun la jurisprudencia constitucional: comentarios al título III de la LOTC. Madrid: Marcial Pons, 1994, pp.31-32.

[16] Como se observa na dicção de Revenga Sanches: “(...) es esa segunda dimensión del RA, su dimensión de tutela objetiva de los derechos mediante la delimitación de contenidos y fijación de líneas jurisprudenciales, la que debe prevalecer sobre su dimensión de tutela subjetiva y/o subsidiaria”. In: REVENGA SANCHEZ, Miguel. Las paradojas del recurso de amparo. In: Revista Española de Derecho Constitucional, Ano 14, nº. 41, 1994, p. 31. No mesmo

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sentido, defendendo a adoção de um instrumento semelhante ao writ of certiorari norte-americano: CRUZ VILLALON, op. cit., nota 12. Nos antípodas da concepção defendida por esses autores, Díez-Picazo, acentuando a dimensão subjetiva do recurso de amparo: “Por más que quienes las sostienen estén animados por un noble espíritu liberal, dichas teorías incentivan el riesgo de confundir el orden objetivo de valores instaurado por la declaración constitucional de derechos con el ordem imperante de valores sociales. Los derechos fundamentales existen para que los ejerzan los ciudadanos, sobre todo cuando son disidentes y marginados, a quienes la sociedad misma no protege suficientemente (...)”. In: DÍEZ-PICAZO, Luis Maria. Dificultades prácticas y significado constitucional del recurso de amparo. In: Revista Española de Derecho Constitucional, Ano 14, nº. 40, 1994, pp. 32-33.

[17] Art. 49, 1. El recurso de amparo constitucional se iniciará mediante demanda en la que se expondrán con claridad y concisión los hechos que la fundamenten, se citarán los preceptos constitucionales que se estimen infringidos y se fijará con precisión el amparo que se solicita para preservar o restablecer el derecho o libertad que se considere vulnerado. En todo caso, la demanda justificará la especial trascendencia constitucional del recurso (grifou-se).In: ESPANHA. Ley Orgánica n.º 6/2007 de 24 de Mayo. BO: 25/05/2007. Disponível em: http://www.tribunalconstitucional.es/es/tribunal/normasreguladoras/Lists/NormasRegPDF/Normas%20Reguladoras/LO6-2007modificacionLOTC.pdf.

[18] Sob uma perspectiva crítica acerca deste novo requisito discorre Catarina Botelho: “(...) parece-nos que a actual configuração processual constitucional espanhola vai mais longe que a objetivação da queixa constitucional que teve lugar na Alemanha, na medida em que foram eliminados todos os resquícios visíveis de elementos subjectivos no desenho do amparo constitucional. Não deve estranhar-se, por isso, que alguma doutrina tenha considerado que se assistiu a um «excesso de objetivação», pois a própria etimologia da expressão «amparo» nos indica que esta não pode ser completamente alheada da vertente subjectiva do mesmo”. In: BOTELHO, op. cit., pp.282-283, nota 7.

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[19] De maneira cristalina resume Galán Juárez: “La capacidad para ser parte en el recurso de amparo la tienen todas las personas que pueden ser titulares de derechos fundamentales”. In: GALÁN JUÁREZ, op. cit., p.195, nota 10.

[20] Sobre as pessoas jurídicas públicas: “(...) las posibilidades que tienen las Administraciones públicas de defender sus "derechos" en vía de amparo son muy limitadas. Debemos tener en cuenta que el recurso de amparo constitucional es una garantía procesal, no sólo subsidiaria de la judicial, sino en sí misma extraordinaria, y cuyo disfrute no queda garantizado por la Constitución en la generalidad de los casos”. In: ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentença nº 239/2001 de 18/12/2001.

[21] Quanto às pessoas jurídicas, o TC oportunamente manifestou-se: “Si el objetivo y función de los derechos fundamentales es la protección del individuo, sea como tal individuo o sea en colectividad, es lógico que las organizaciones que las personas naturales crean para la protección de sus intereses sean titulares de derechos fundamentales, en tanto y en cuanto éstos sirvan para proteger los fines para los que han sido constituidas. Em consecuencia, las personas colectivas no actúan, en estos casos, sólo en defensa de un interés legítimo en el sentido del art. 162.1 b) de la C.E., sino como titulares de un derecho propio. Atribuir a las personas colectivas la titularidad de derechos fundamentales, y no un simple interés legítimo, supone crear una muralla de derechos frente a cualesquiera poderes de pretensiones invasoras, y supone, además, ampliar el círculo de la eficacia de los mismos, más allá del ámbito de lo privado y de lo subjetivo para ocupar un ámbito colectivo y social”. In: ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentença nº 139/1995. Publicada em 14/10/1995.

[22] Afirmam Cascajo Castro e Gimeno Sendra sobre essa legitimidade: “Se trata de una « sustitución procesal» (Prozesstandchaft) en la que el Defensor del Pueblo o al M.F actúan, de un lado, en nombre del titular del derecho fundamental vulnerado, y de otro, de la misma sociedad que impone a los poderes públicosla obligación de que seán celosos en respeto y

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efetivo cumplimiento de los derechos fundamentales”. In: CASCAJO CASTRO/ GIMENO SENDRA, op. cit., p.111, nota 9.

[23] Continua a eminente professora: “Así pues, imputando a los órganos judiciales las lesiones ante ellos denunciadas que no hayan reparado, se ha venido a ampliar el ámbito de protección del recurso de amparo ante las vulneraciones producidas en las relaciones entre particulares y a superar el escollo resultante de que la LOTC haya limitado el amparo a las violaciones originadas por los poderes públicos”. In: GIRÓN REGUERA, Emilia. Semejanzas y diferencias entre el amparo constitucional español y la acción de tutela colombiana como instrumentos de protección jurisdiccional de los derechos fundamentales. In:Cuadernos de la Cátedra Fadrique Furió Ceriol, Valência, nº.20/21, 1997, p. 103.

[24] Esta construção é fruto da própria jurisprudência do TC: “(...) constituye una doctrina jurisprudencial consolidada la de que el recurso de amparo no posee una función meramente preventiva o cautelar, por lo que únicamente es admisible ante la existencia real y concreta, efectiva y cierta de vulneraciones de derechos fundamentales y libertades públicas, siendo improcedente frente a lesiones meramente temidas, potenciales o futuras”. In: ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentença nº 27/1997. Publicada em 14/03/1997.

[25] Art. 55.2- En el supuesto de que el recurso de amparo debiera ser estimado porque, a juicio de la Sala o, en su caso, la Sección, la ley aplicada lesione derechos fundamentales o libertades públicas, se elevará la cuestión al Pleno con suspensión del plazo para dictar sentencia, de conformidad con lo prevenido en los artículos 35 y siguientes.

[26] BOTELHO, op. cit., p.230, nota 7.

[27] Oportunamente assentou o TC: “(...) el recurso de amparo no está concebido como un procedimiento de la jurisdicción constitucional para el control directo y abstracto de la constitucionalidad de una Ley por presunta violación en la misma de alguno de los derechos fundamentales o libertades públicas, sino como un remedio para reparar las lesiones que en tales derechos y

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libertades se hayan efectivamente producido por disposiciones, actos jurídicos o simple vía de hecho de los poderes públicos. Sólo en el caso de que la lesión del derecho fundamental por los poderes públicos sea la consecuencia de la aplicación de una Ley que menoscaba aquel derecho, y una vez estimado el recurso de amparo por tal motivo, la Sala elevará la cuestión al Pleno «con objeto de que se sustancie por el procedimiento propio de las cuestiones de inconstitucionalidad y proceda, en su caso, a declarar la inconstitucionalidad de la Ley en nueva Sentencia vinculante para todos los poderes públicos, con el valor de cosa juzgada y los efectos generales a que se refiere el art. 38 de la LOTC”. In: ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentença nº 113/1987. Publicada em 29/07/1987.

[28] CORREIA, Fernando Alves. A Justiça Constitucional em Portugal e em Espanha. Encontros e Divergências. In: Revista Xurídica da Universidade de Santiago de Compostela, volume VII, n.º 2, 1998, pp. 63-64 (nota 54).

[29] BALAGUER CALLEJÓN, op. cit., p. 244, nota 2.

[30] Idem.

[31] Nas palavras da Corte Constitucional: “Es preciso recordar al respecto que el principio de subsidiariedad que rige el recurso de amparo, y que se establece en el art. 44.1 a) LOTC, no exige ciertamente que se interponga con carácter previo al mismo cualquier recurso imaginable, sino sólo los que, siendo procedentes en función de las normas concretamente aplicables, permitan reparar adecuadamente lesiones de derechos fundamentales que se denuncian ante este Tribunal”. In: ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentença nº 337/1993. Publicada em 10/12/1993.

[32] Tecnicamente, constitui uma faculdade das Salas atribuir este competência às Seções, segundo o art. 8,3, LOTC, todavia, podem as Salas avocarem essa atribuição se entenderem que pela importância da questão devam elas mesmas resolvê-la, conforme preconiza o art.11,2, LOTC. Por fim, reza o art. 48 do mesmo diploma legal: El conocimiento de los recursos de amparo

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constitucional corresponde a las Salas del Tribunal Constitucional y, en su caso, a las Secciones.

[33] BOTELHO, op. cit., p.238, nota 7.

[34] FERNANDEZ SEGADO, op. cit., p.700, nota 6.

[35] Uma preocupação comum aos ordenamentos jurídicos que adotam o instituto do amparo, nas palavras de Alves Correia é “(...) atribuir à decisão que concede amparo a maior eficácia possível, em termos de ela pôr termo à lesão ou ameaça de lesão do direito fundamental e, sendo o caso disso, reintegrar o cidadão no pleno gozo de seu direito”. In: CORREIA, op. cit., p.109, nota 10. Sobre a natureza da decisão de amparo arremata Gomes Canotilho: “(...) a decisão judicial deamparo constitui uma instância de «revisão judicial» quer de decisões e outros tribunais quer de actos da administração”. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes.As palavras e os homens: reflexões sobre a Declaração Conjunta Luso-Chinesa e a institucionalização do recurso de amparo de direitos e liberdades na ordem jurídica de Macau. In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume 70, 1994, p. 129.

[36] Nesse sentido, o TC manifestou-se: “(...) el recurso de amparo no permite una impugnación abstracta de disposiciones generales que conduzca, en su caso, a una declaración de nulidad con efectos erga omnes, al margen y con independecia de la existencia o no de una lesión concreta y actual de un derecho fundamental”. In: ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentença nº 193/1987. Publicada em 26/12/1987.

[37] ESPANHA. Tribunal Constitucional de España. Sentença nº 38/1981. Publicada em 22/12/1981. Para mais: Cfr. MARTÍNEZ EMPERADOR, Rafael. Despido discriminatorio y recurso de amparo constitucional. In:Civitas : Revista Española de Derecho del Trabajo, nº. 10, 1982, p. 261-272.

[38] Estatísticas do ano de 2011, Disponível no sítio eletrônico do Tribunal Constitucional espanhol, no seguinte endereço:

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http://www.tribunalconstitucional.es/es/tribunal/estadisticas/Paginas/Estadisticas2011.aspx.

[39] A reforma de 2007 que instituiu referido mecanismo, todavia nos anos subsequentes houve um aumento do número de recursos, só a partir de 2010 que a curva entra em fase descendente: 2007: 9.840 recursos; 2008: 10.279; 2009: 10.792; 2010: 8.947; 2011: 7.098. In: Idem.

[40] CORREIA. Fernando Alves. Os direitos fundamentais e a sua protecção jurisdicional efetiva.Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume LXXIX, 2003, p.68.

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AS POLÍTICAS ASSISTENCIALISTAS E O PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT

CLARISSA ABRANTES SOUZA: Analista Judiciária, área judiciária, no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

RESUMO: O presente trabalho busca ampliar o que se entende por liberdade, através das ideias desenvolvidas por Hannah Arendt, objetivando demonstrar a importância de se procurar salvaguardar o princípio da liberdade em sua essência. Faz uma explanação sobre as políticas assistencialistas e, a partir disso, uma reflexão acerca da liberdade cerceada através do assistencialismo. Tem como referencial o pensamento de Hannah Arendt sobre liberdade e política, discutindo-se um dos diversos meios que a política dispõe para restringir a liberdade do cidadão. Encontra na autora clássica o requisito da liberdade para o desenvolvimento autônomo do cidadão e, com base nisso, expurga ações meramente assistencialistas a fim de que o indivíduo possa desenvolver-se plenamente na sociedade em que vive, salvaguardando os ditames do Estado Democrático de Direito.

Palavras-chaves: Políticas assistencialistas. Liberdade. Estado Democrático de Direito. Hannah Arendt.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Conceitos Fundamentais. 1.1. Assistencialismo. 1.2. Liberdade. 2. O Verdadeira Papel do Estado. 3. A Visão Política de Hannah Arendt. 4. Críticas de Hannah Arendt. Conclusão. Referências Bibliográficas.

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INTRODUÇÃO

Atualmente, a prática de assistencialismo é uma constante no cenário político brasileiro, fato que desvirtua a busca por um Estado Democrático de Direito. Tanto esforço para a instauração desse Estado pode ser derrocado pela opressão das liberdades civis e, a partir disso, ferir um preceito constitucional. A salvaguarda dos direitos fundamentais previstos na Constituição de 1988 é um pressuposto para que seja estabelecida a democracia e, conseqüentemente, que os indivíduos sejam autônomos e capazes de se organizar politicamente.

Todavia, não é o que se vê diante da submissão dos mais desfavorecidos perante o titular das ações de caráter assistencialista. O necessitado passa a ter uma relação de gratidão com esse titular, e é exatamenteeste o vínculo que se procura criar, pois só assim os assistidos retribuirão eleitoralmente a atenção; por isso, os assistidos são dependentes, não devendo se organizar autonomamente e, tão-pouco, expressar demandas políticas. Evidencia-se nessa relação a supressão da liberdade do homem dominado.

É, nesse contexto, que se insere o pensamento de Hannah Arendt sobre liberdade e autonomia política do indivíduo no artigo em comento. Ao desenvolver suas idéias acerca de liberdade, a referida filósofa tinha seu pensamento imerso no referencial totalitarismo, no entanto, procura-se neste artigo, adequar seu conceito às políticas assistencialistas.

Essa adequação não tem como objetivodeturpar o pensamento de uma autora clássica, mas despertar a reflexão acerca do tema. O que se pretende é ter um olhar crítico de temas políticos sob o enfoque do conceito de liberdade proposto por Hannah Arendt, posto que a mesma considera a liberdade juntamente à política como dois conceitos indissociáveis. Existe uma cadeia para garantir a essência da liberdade através do desenrolar do papel da política, explicitada da seguinte forma do

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Hannah Arendt: “O propósito supremo da política, ‘a finalidade do governo’, era a garantia da segurança; a segurança, por seu turno, tornava possível a liberdade, e a palavra ‘liberdade’ designava a quintessência de atividades que ocorriam fora do âmbito político”.

1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS

1.1 Assistencialismo

Segundo Pedro Demo (1994, p. 30), o assistencialismo significa sempre o cultivo do problema social sob a aparência da ajuda. Esse é o traço distintivo entre a assistência e o assistencialismo, pois a primeira é um direito do cidadão, protegido pela Constituição Federativa da República do Brasil. A assistência tem o condão de amparar grupos sociais marginalizados, seja permanentemente ou emergencialmente, que não se autossustentam, garantindo o direito à sobrevivência a tais grupos.

Assistencialismo consiste na prática de organizar e prestar assistência a membros ou camadas mais carentes de uma sociedade, em vez de atuar para a eliminação das causas de sua carência, ou ainda um Sistema ou prática populista, que circunstancialmente proporciona certos benefícios aos pobres com vistas ao seu aliciamento eleitoral.

Não só relacionado aos programas de bolsa do governo, onde se coloca o eleitor numa espécie de dependência crônica que necessita sempre de ajuda para que possa sobreviver à sombra do governo, o assistencialismo abrange também outras formas que limitam a liberdade do cidadão, outros tipos de assistencialismo que existem há muito tempo na sociedade. Podemos vê-los nos supostos “benefícios” oferecidos pelas empresas, como o vale refeição, o vale alimentação, vale transporte, plano de saúde, plano odontológico, auxílio creche, etc. O salário mínimo definido pela Constituição Federal de 1988 deve ser “capaz de atender a suas [do

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trabalhador] necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Quando se desvincula os valores para esses fins do salário-mínimo, além da perda financeira pelo trabalhador, já que não são contados para fim de cálculo de benefícios trabalhistas como as férias, existe também o prejuízo causado pela retirada da liberdade de escolha das pessoas, restringindo o poder da pessoa sobre o seu próprio salário, que deveria está disposto para gastá-lo de acordo com suas necessidades, dentro dos limites mínimos exigidos pela lei.

Um político assistencialista não se preocupa cm o desenvolvimento de projetos em prol do fim da pobreza, do desemprego, enfim, projetos que procurem promover a independência do cidadão, e assim sendo em nada contribui para a cidadania nem muito menos para a democracia. Ele faz de cada necessidade do eleitor a sua forma fácil de galgar os mais diferentes graus do poder.

Portanto, como foi visto, a assistência visa à proteção de um direito humano, enquanto que o assistencialismo se preocupa em manter vivas as desigualdades para que as políticas assistencialistas pareçam ser sempre a única esperança de uma vida digna, devida ao político. A tutela desse direito constitucional é imprescindível, entretanto, deve ser exercida adequadamente, para não ultrapassar a linha tênue entre a assistência e o assistencialismo

1.2 Liberdade

Dentre tantas facetas que a liberdade pode assumir, ainda assim consideramos um conceito amplo, qual seja, o de independência, de não submissão ao domínio de outrem. O indivíduo, enquanto ser livre, tem pleno poder sobre si e sobre seus atos. A capacidade de analisar e interpretar o mundo em que vive é

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o que confere ao homem o sentido da liberdade entendida como plena expressão da vontade humana.

De acordo com o pensamento filosófico de Kant (KANT, 1997), vontade é uma espécie de causalidade dos seres vivos, enquanto racionais, e liberdade seria a propriedade desta causalidade, pela qual pode ser eficiente, independentemente de causas estranhas que a determinem.

Para Kant (KANT, 1997), ser livre é agir sem que obstáculos se ponham no caminho, ou seja, ditar a si mesmo as regras que devem ser seguidas de acordo com sua vontade e fim. Entretanto, esse conceito de liberdade ligado à exterioridade é relativamente recente, tendo em vista que na Antiguidade o conceito de liberdade estava inerente ao interior do homem, onde o mesmo podia desenvolver-se e pensar livremente, sem a mesma faculdade de indivíduo livre quando se falava em ação e sociedade.

Consiste, dessa forma, o conceito de liberdade um conceito sem pacificidade, visto que pode assumir variadas formas, porém, essa explanação se torna necessária para seu estudo à guisa do pensamento de Hannah Arendt.

2 O VERDADEIRO PAPEL DO ESTADO

O Estado pode ser definido como um grupo humano fixado em um território que institui uma organização política dentro dos limites de suas fronteiras. A implementação dessa organização visa assegurar justiça, segurança e bem-estar aos indivíduos que habitam esse lugar comum.

O papel do Estado vem sofrendo mutações ao longo da história, atendendo aos anseios da nova sociedade e adequando-se à realidade. Dessa forma, pode-se analisar as funções políticas e sociais do Estado Contemporâneo, para entendermos o papel da

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assistência que deve ser realizada pelo mesmo e da não aceitação do assistencialismo, muitas vezes prestado indevidamente pelo Estado. Procedendo à análise de suas funções, o Estado tem como obrigação primordial promover a paz social, através do perfeito funcionamento da administração pública para converter os bens arrecadados em benefícios para a sociedade. Atentando para a função social, ele deve promover o bem-estar e melhorar as condições de vida da população.

Nesta mesma direção, deve ser abordada a questão das políticas assistenciais prestadas pelo Estado. Sabe-se que em todas as sociedades existem grupos que não conseguem se autossustentar, tendo o Estado como obrigação prestar-lhes assistência. Refere-se às prestações decorrentes do direito de cidadania. Esse direito assegura uma existência digna aos cidadãos, pactuando a assistir tais grupos, especialmente por meio do Estado, que foi criado com esse intuito, como foi dito anteriormente.

Ressaltada a assistência como direito humano, fica claro que o Estado é protetor do mesmo. Devendo, portanto, aplicar metodologias produtivas e participativas no campo das assistências, buscando a emancipação dos cidadãos, não apenas assisti-los. Ainda podemos enfocar o desenvolvimento de políticas socioeconômicas por parte do Estado, fomentando o crescimento econômico com vistas ao social. Também é tarefa fundamental do Estado incentivar investimentos voltados à geração de emprego e renda.

3 A VISÃO POLÍTICA DE HANNAH ARENDT

Em sua obra, no que diz respeito à política, Hannah Arendt é realista e idealista ao mesmo tempo. Ela nos mostra uma relação entre a política com “chance e espaço da liberdade”, demonstrando ainda a importância do agir e da realização pessoal, em

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comparação com a fixação da pura produção de produtos. Ela faz uma crítica à representação política, que está associada à sua concepção de liberdade. Essa liberdade existe quando diversas pessoas agem em concerto, e se mostra a partir da participação do povo no governo, de uma forma que ela não deixa explícita em sua obra, mas sugere uma estrutura de conselhos, pelo menos em sua origem espontâneos, que não tenham como finalidade nenhuma decisão burocrático-administrativa. Através de exemplos históricos a autora nos mostra que nos conselhos devem estar presentes mais questões políticas do que sociais, assim “a única coisa que pode ser objeto de representação ou de delegação é o interesse ou o bem-estar dos outorgantes, mas não suas ações ou opiniões” (ARENDT, 1988, p. 175).

Tomando por conceito básico de liberdade política a liberdade do homem numa sociedade politicamente organizada, ou seja, num Estado, uma liberdade do homem “contra” o Estado e que possibilita a sua participação nas decisões públicas, observa-se na obra de Hannah Arendt uma preocupação com essa liberdade política que os cidadãos devem gozar. De acordo com o Dicionário de Política de Norberto Bobbio (BOBBIO, 2000), a liberdade política é uma subcategoria da liberdade social e normalmente se refere à liberdade dos cidadãos ou das associações em relação ao Governo. O interesse pela liberdade política, em diferentes momentos históricos, concentrou-se na liberdade de religião, de palavra e de imprensa, de associação (religiosa, política, econômica) e de participação no processo político (sufrágio). Porém, com o passar do tempo, a ideia de liberdade política foi ampliada a fim de satisfazer os anseios de liberdade econômica, de liberdade da necessidade e de autodeterminação nacional.

Para Hannah, um modelo de política ideal seria apolis grega, e através dela nos mostra o verdadeiro sentido da política - que é a liberdade - e que nós não podemos nos contentar com a nossa atual

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realidade, com o absurdo que nos é imposto pela política vigente, e nem com as insuficiências da política prática. Em um de seus textos ela nos diz que enquanto os homens puderem agir eles serão capazes de fazer o improvável e o incalculável, mostrando que o homem pode agir e sempre começar de novo, e que ele não precisa ser marionete de um destino situado fora do seu ser, como, por exemplo, pelas interferências muitas vezes postas pela política. Assim, ela faz uma grande crítica não só ao totalitarismo, em sua obra “As origens do totalitarismo”, como também aos supostos sistemas livres que de alguma forma sufocam o agir livre do homem.

Hannah ensina corretamente que a desgraça política do século XX não se restringe ao surgimento desses regimes totalitários, que deslocaram a liberdade da essência do político, mas contempla também os sistemas políticos, que pretendem ser liberais, mas que de uma certa forma se contaminam por uma forma mais “branda” de totalitarismo, na medida em que, a partir de suas políticas como as assistencialistas, limitam a liberdade do homem de agir e viver por seus próprios esforços, com a restrição da liberdade, a repressão da espontaneidade humana e a corrupção do poder através da violência, que também são uma ameaça constante para a política dos pretensos sistemas liberais.

4 CRÍTICAS DE HANNAH

Segundo Hannah Arendt, a cidadania é o direito a ter direitos. Na realidade vivida em nosso país, pode-se afirmar que graças à pobreza política, a cidadania é muito pequena. “A função mais real da política social tem sido controlar e desmobilizar a população” (DEMO, 1994). A cidadania, conforme Pedro Demo, é entendida como um processo histórico de conquista popular, através do qual a sociedade adquire, progressivamente, condições de tornar-se sujeito histórico consciente e organizado, com capacidade de conceber e efetivar projeto próprio. Partindo dessa conceituação, e do importante conceito de liberdade desenvolvido

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pela obra de Hannah, pode-se entender claramente a insuficiência política e a mínima cidadania gozada pelos brasileiros. Esse conceito - baseado, dentre outras coisas, na não submissão ao domínio de outra pessoa, na possibilidade de o homem agir por si mesmo, sendo dono dos seus atos – quando contraposto à atual situação vivida, onde políticas assistencialistas, de caráter meramente paliativo, que deturpam a noção de liberdade prevista por Hannah Arendt, demonstram o quanto nós não podemos nos acomodar com a nossa realidade. Realidade essa, onde a liberdade é restringida, visto que o cidadão passa a depender do governo para garantir aquilo que deveria ter condições de conseguir por seu próprio esforço. Conforme as ideias de Hannah Arendt: “A coisa política, entendida nesse sentido grego está, portanto, centrada em torno da liberdade, sendo liberdade entendida negativamente como o não-ser-dominado e não-dominar, e positivamente como um espaço que só pode ser produzido por muitos, onde cada qual se move entre iguais”. (ARENDT, 2006, p. 48)

A maneira de ajudar essas pessoas menos favorecidas é que está errada. Da maneira que é realizada, o que se observa são pessoas inertes, esperando pela ajuda do governo, que não lhes dá as condições necessárias para alcançarem a sua sobrevivência por conta própria, livres. Assim, são impossibilitadas de se tornarem sujeitos da sua história. Na atual cidadania não-consciente, é claramente demonstrada a sobrevalorização do Estado, principalmente do Poder Executivo, que contribui para o surgimento de governos de cunho populista, governos estes que em nada beneficiam a verdadeira cidadania, nem a liberdade do cidadão. Em meio a sua obra, Hannah Arendt nos traz uma profunda reflexão acerca dessa liberdade, “Essa reflexão levou-a, em vista do primado da necessidade e do cuidado com a existência, dominante na política, a relacionar a política com ‘chance e espaço da liberdade’, e a frisar a importância do agir e da realização pessoal, em comparação com a fixação da pura produção de produtos” (ARENDT, 2006, p. 10)

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O papel das políticas públicas sociais deve, portanto, longe de restringir a liberdade do cidadão, ser equalizador de oportunidades, devendo contribuir para a independência do cidadão, tendo em vista o prejuízo causado pela situação onde o pobre ainda acredite que sua emancipação dependa dos outros, principalmente, do grupo dominante. A ação do Estado deve ser preventiva no sentido de agir na raiz do problema, enquanto que as políticas assistencialistas são sistematicamente não-preventivas, e acabam, de certo modo, criando obstáculos ao processo de formação da cidadania popular, mantendo a degradação material e, consequentemente, aumentando a dependência de políticas públicas curativas, políticas assistencialistas.

A política, assim aprendemos, é algo como uma necessidade imperiosa para a vida humana e, na verdade, tanto para a vida do indivíduo como da sociedade. Como o homem não é autárquico, porém depende de outros em sua existência, precisa haver um provimento da vida relativo a todos, sem o qual não seria possível justamente o convívio. Tarefa e objetivo da política é a garantia da vida no sentido mais amplo. Ela possibilita ao indivíduo buscar seus objetivos, em paz e tranquilidade, ou seja, sem ser molestado pela política - sendo antes de mais nada indiferente em quais esferas da vida se situam esses objetivos garantidos pela política, quer se trate, no sentido da Antiguidade, de possibilitar a poucos a ocupação com a filosofia, quer se trate, no sentido moderno, de assegurar a muitos a vida, o ganha-pão e um mínimo de felicidade. (ARENDT, 2006, P. 45-46)

O governo deve, pois, garantir aos cidadãos condições para que estes tenham a sua dignidade preservada, e possam

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desenvolver a sua personalidade, através da criatividade, já que é o agir criativo que possibilita ao homem transformar o seu meio, aprimorá-lo, de maneira livre. Ou seja, cabe ao governo assegurar as condições básicas necessárias para que os homens busquem os seus objetivos, e não torná-los totalmente dependentes da intervenção estatal, como se observa de maneira progressiva nas políticas adotadas nos dias atuais.

CONCLUSÃO

Em suma, diante da análise do princípio da liberdade de uma forma mais complexa, de acordo com o pensamento de Hannah Arendt, observa-se que esta não se restringe ao direito de ir e vir, é muito mais abrangente, e engloba inclusive o direito a ter asseguradas as condições mínimas que propiciem às pessoas a possibilidade de agir, de conseguir seus objetivos por conta própria, sem depender de outros.

A assistência prestada à população, da forma que é proposta pelo governo, com políticas públicas assistencialistas, que só tornam as pessoas cada vez mais dependentes do governo, traz inúmeros malefícios à sociedade, dentre eles a restrição à liberdade dos cidadãos.

Observamos em toda a obra de Hannah Arendt uma constante esperança de que o homem pode mudar essa situação e através dela nos é chamado atenção ao fato de que não podemos nos contentar diante das calamidades que vemos por aí, e diante da insuficiência da política que nos é imposta, já que para ela o homem tem em si o dom de fazer milagres, e de fazer um novo começo.

É esse o posicionamento deste trabalho, o da não conformação, e da esperança de uma mudança na nossa política, para que esta realmente tenha o sentido da liberdade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ARENDT, Hannah. A condição humana. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

______. Entre o passado e o futuro. 2. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972.

______. O que é política? 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 13. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000.

DEMO, Pedro. Política Social, Educação e cidadania. São Paulo: Papirus, 1994.

KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes, trad., São Paulo: Ediouro, 1997.

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DA GUARDA COMPARTILHADA - ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS

MARÍLIA NADIR DE ALBUQUERQUE CORDEIRO: Advogada (OAB/PE). Formada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - Faculdade de Direito do Recife. UFPE/FDR.

Resumo: Este artigo tem objetivo de informar o leitor sobre a guarda compartilhada. Para realização deste trabalho foram utilizadas doutrina consubstanciada em livros, artigos em revistas e na internet, e disposições legais atinentes ao tema, encontradas principalmente na Constituição Federal, no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Palavras-chave: Direito Civil. Direito de Família. Guarda Compartilhada.

1. Introdução

A guarda surge, juntamente com a partilha dos bens, os alimentos e o sobrenome utilizado, como questão essencial a ser resolvida no momento do divórcio.

As famílias têm os mais variados modelos e mais diferentes configurações, de forma que se exige do Judiciário uma posição mais cautelosa, que estude o caso concreto a fim de determinar qual o tipo de guarda mais indicado, sempre tendo em vista o melhor interesse da criança e do adolescente.

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É nesse contexto que surge a guarda compartilhada como a melhor alternativa, aquela que deve ser buscada na maioria dos casos. Surge, então, a lei 11.698/2008, que passa não só a admitir expressamente, no direito brasileiro, este novo modelo de guarda, como a privilegiá-lo, quando fala que será aplicado, sempre que possível, quando não houver acordo entre os pais (art. 1584 do CC/2002 com a redação dada pela nova lei).

A escolha da guarda deve ser analisada casuisticamente, percebendo as peculiaridades de cada situação, e com muito cuidado, sempre tendo em vista o melhor interesse do menor.

2. Noção de Guarda Compartilhada

O surgimento da ideia da guarda compartilhada foi motivada pela vontade crescente dos pais de, em conjunto, como antes da ruptura familiar, promover a educação e criação de seus filhos. Isso porque os demais modelos até então visualizados e utilizados não supriam esse desejo de corresponsabilidade.

Durante muito tempo, o esquema da guarda exclusiva foi o suficiente para a sociedade: era justificável e compreensível que ele fosse adotado. Não mais. Hoje vivemos em um Estado Democrático de Direito, plasmado pela igualdade entre os sexos, sejam como marido e esposa na sociedade conjugal, sejam como homem e mulher na sociedade em geral. Além disso, devem ser respeitados ao máximo o princípio da convivência familiar e o pilar do direito de família, o princípio do melhor interesse da criança.

Sobre a convivência familiar e sua importância, explica Fabíola Santos Albuquerque:

Este princípio detém natureza constitucional e, perante o Estatuto da Criança e do Adolescente, integra o rol dos

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chamados direitos fundamentais. (...) Como sabido, a família é o locus privilegiado para o desenvolvimento e a realização plena de seus membros. Nesses termos, o princípio da convivência familiar é um corolário lógico do sentido de família e, por conseguinte, é direito fundamental da criança crescer e se desenvolver na companhia dos pais. Qualquer hipótese diferente dessa orientação denota excepcionalidade.[1]

O ingresso da mulher no mercado de trabalho faz mudar as regras do “jogo”: ela deixa de ser apenas dona de casa e o homem deixa de ser apenas trabalhador fora do lar. Os papéis se confundem: ambos trabalham dentro, cuidando da casa e dos filhos, e fora, provendo pela família, em conjunto.

Assim, tanto as mães não querem arcar sozinhas com a responsabilidade de criar um filho, pois sua jornada agora é dupla, como os pais não querem se resumir ao papel de provedor. Eles querem ir além: cuidar, educar e conviver, enfim, participar mais ativamente da vida de seu filho.

Além dessa igualdade conquistada, o melhor interesse do menor e o princípio da convivência familiar conspiraram para idealizar a guarda conjunta, pois ela permite a continuidade das relações do menor com ambos genitores mesmo após a ruptura, e nada melhor para a criança do que a presença de seus pais em sua vida.

A noção de guarda compartilhada surgiu da necessidade de se reequilibrar os papéis parentais, diante da perniciosa guarda uniparental concedida sistematicamente à mãe (na guarda

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tradicional, o genitor não guardião tem uma quantidade limitada de contato com o menor), e de garantir o melhor interesse do menor, especialmente, as suas necessidades afetivas e emocionais. As noções trazidas à colação, sejam do ponto de vista jurídico, sejam do psicológico, enfatizam essas duas considerações. Por um lado, revalorizam o papel da paternidade, por outro trazem ao centro das decisões o destinatário maior do tema em debate; o menor, oferecendo-lhe um equilibrado desenvolvimento psicoafetivo e garantindo a participação comum dos genitores em seu destino.[2]

Tentando explicar melhor o que seja essa guarda, o desembargador Sérgio Gischkow Pereira, define como sendo

(…) a situação em que fiquem como detentores da guarda jurídica sobre um menor, pessoas residentes em locais separados. O caso mais comum será o relacionado a casais que, uma vez separados, ficariam ambos com a custódia dos filhos, ao contrário do sistema consagrado em nosso ordenamento jurídico.[3]

A definição supra traz um alerta importante: os detentores da guarda não precisam ser, obrigatoriamente, pai e mãe, podendo figurar como guardião um tio ou uma avó, o que será melhor explicado mais adiante.

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Além dele, Maria Antonieta Pisano Motta, psicóloga, contribui para a conceituação dessa guarda:

A guarda conjunta deve ser vista como uma solução que incentiva ambos os genitores a participarem igualitariamente da convivência, da educação e da responsabilidade pela prole. Deve ser compreendida como aquela forma de custódia em que as crianças têm uma residência principal e que define ambos os genitores do ponto de vista legal como detentores do mesmo dever de guarda seus filhos.[4]

Confirmando esse entendimento, Sérgio Eduardo Nick afirma:

O termo guarda compartilhada ou guarda conjunta de menores (“joint custody”, em inglês) refere-se à possibilidade dos filhos de pais separados serem assistidos por ambos os pais. Nela, os pais têm efetiva e equivalente autoridade legal para tomar decisões importantes quanto ao bem-estar de seus filhos e frequentemente têm uma paridade maior no cuidado a eles do que os pais com guarda única (“sole custody”, em inglês).[5]

Ainda, as lições de Paulo Lôbo corroboram e defendem esse instituto:

A guarda compartilhada implica envolvimento afetivo mais intenso dos pais, que devem assumir, em caráter

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permanente, os deveres próprios de pai e de mãe, malgrado residindo em lares distintos. O filho sente a presença constante dos pais, que assumem conjuntamente os encargos e acompanhamento da educação, do lazer e do sustento material e moral.[6]

Assim, a guarda conjunta é dividir, de forma equitativa, os direitos e deveres dos pais com relação aos filhos. É não sobrecarregar um e esvaziar o outro de funções. É fazer com que os dois participem das decisões importantes na vida do filho. É perpetuar a convivência familiar após a ruptura.

Tendo entendido a ideia dessa guarda, cabe explicar como ela funciona. De antemão, cabe dizer que não se trata de um modelo operacionalizado de forma fechada e acabada, igual para todas as famílias. Não existem regras pré-estabelecidas de como ela irá funcionar na prática: os pais podem acordar da maneira que acreditam ser melhor para alcançar as necessidades dos filhos. Assim, não há uma fórmula comum. Ela será planejada e executada conforme o caso.

Não significa necessariamente, portanto, que os pais irão dividir o exato mesmo tempo com os filhos. O diferencial não é esse. O que caracteriza a guarda compartilhada é que os ambos os guardiões devem ser parte de decisões importantes na vida do menor e têm acesso livre a este, ou seja, não ficam a mercê de datas previamente estipuladas de visitação. Os detentores da guarda podem acordar os encontros da maneira que melhor se adeque à vida da criança e deles mesmos. Nem o pai nem o filho ficam presos a certos dias em que têm a obrigação de estar em companhia um do outro: eles se veem quando quiserem e for possível.

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É importante ressaltar que a concordância de ambos não é necessária em qualquer situação. O guardião físico da criança pode tomar decisões do dia a dia por si só, sem consultar o outro. Essa necessidade só surge quando da tomada de decisões de grande repercussão na vida do menor.

Os pais não procuram um ao outro toda vez que precisam decidir se a criança pode comer um doce ou sair para brincar. Claro está que não é esta a intenção da guarda compartilhada. Esta espécie de guarda é uma forma de assegurar que os pais continuem participantes ativos na vida de seus filhos, fazendo parte das decisões que tenham um efeito significante para o desenvolvimento destes.[7]

A guarda compartilhada tem, em geral, duas formas de se apresentar: sem e com alternância de residências, quando, nesse caso, é comumente confundida com a guarda alternada.

A primeira é a mais comum. Até mesmo porque, para alguns, é a única hipótese possível, uma vez que repudiam a alternância de residências. É o caso de Eduardo Leite e Maria Antonieta. Para eles, a residência deve ser única, a fim de evitar o sentimento de insegurança e instabilidade.

Nesse caso, ambos os pais são guardiões legais, mas apenas um detém a guarda física. Difere do outro porque, no sistema de visitação existem datas pré-fixadas pelo juiz enquanto que, no caso, dá-se o acesso livre e pais e filhos podem se encontrar quando quiserem e puderem. O acesso é estabelecido de comum acordo entre os genitores, de acordo com as necessidades da família. A ideia é que seja o mais flexível possível, passível de adaptação ao cotidiano de todos os envolvidos, sem atrapalhar ou se tornar um

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inconveniente. “Não tendo que renunciar à presença habitual do filho, os pais poderão organizar a assistência e o amparo diretos, sem a preocupação com a rigidez de dias e horários”.[8]

Os pais, no entanto, podem querer acordar que seus filhos passem, por exemplo, semanas alternadas com cada um. Nesses casos, é importante que os pais definam as regras, para que elas valham nos dois ambientes: o mesmo horário de sair e voltar, as mesmas determinações sobre o que pode e o que não pode, a ideia do que é certo e errado, enfim, a fim de evitar a tão temida instabilidade e insegurança.

Difere, portanto, da guarda alternada, uma vez que, nela, não se tem o mesmo cuidado de tentar criar o filho sob as mesmas regras, favorecendo a instalação de verdadeira confusão na cabeça do menor: “na casa do papai, eu posso, mas na da mamãe, não; qual o certo afinal?”. Além disso, a alternada nada mais é do que uma guarda exclusiva que passa de um para outro pai de tempos em tempos, pois eles não decidem conjuntamente o que é melhor pros filhos, mas sim sozinhos, cada um na sua “vez”.

Outro problema da alternância da residência é o alto custo que implica, pois as duas casas devem apresentar a estrutura necessária para o conforto e bem-estar do filho. Esse problema será melhor abordado adiante.

Essa modalidade recebe severas críticas e é pouco aplicada justamente pela confusão que se faz com a guarda alternada, que pode trazer os problemas supracitados de instabilidade. No entanto, há quem advogue que a alternância de residências pode ser uma ótima opção para pais que têm dificuldade de comunicação, evitando a síndrome da alienação parental. Além disso, impossibilita a chantagem dos adolescentes que, ao enfrentar qualquer discussão com algum dos pais, ameaça que irá se mudar para a casa do outro genitor.

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Carlos Kleber F de Oliveira, pensa dessa forma e expõe que:

(...) a guarda compartilhada com alternância de residências pode ser uma solução para genitores que não conseguem sequer dialogar nem mesmo quando se trata de assuntos de interesse do menor. (…) ficando a criança iguais períodos com ambos os pais, esta, dificilmente sofrerá de alienação parental, pois ela desfrutará do amor dos genitores de forma uniforme e igualitária sem falar que, naturalmente, na guarda compartilhada com residência única, o não guardião com o passar do tempo, mediante as dificuldades impostas pela vida moderna, nascimento de outro relacionamento e dificuldades geradas pelo guardião para as visitas regulares ao menor, este, distancia-se e torna-se unicamente um provedor da pensão alimentícia que considerará como um “fardo” a carregar.[9]

A denominação síndrome da alienação parental surgiu com o psiquiatra Richard Garner em 1985 e diz respeito ao fenômeno em que um pai ou uma mãe, após a ruptura do laço amoroso, em virtude das desavenças latentes, manipula o filho para que pense que ele é a vítima da situação, cujo culpado é outro genitor, fazendo com que o menor desenvolva sentimentos de raiva e temor com relação a este.

Discute-se, ainda, quanto à guarda compartilhada, se existem pressupostos para que ela possa se tornar uma realidade. Além disso, surgem questionamentos quanto à questão dos alimentos.

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Quanto a essa última questão, vale dizer que não é algo que mereça ser alvo de preocupação, pois o dever de alimentos permanece por parte do guardião legal que não detém também a guarda física e, quando há alternância de residências, ambos os pais prestam alimentos, proporcionalmente ao tempo em que os filhos estão consigo, ou seja, da mesma forma que dividem a guarda, compartilham o dever de prover os alimentos, de forma que não importa em redução do valor para o alimentando. “A obrigação de alimentos deriva da lei que prevê uma determinada situação de necessidade na qual se encontra uma pessoa que não pode prover a sua manutenção (…) é expressão de solidariedade familiar”[10] e independe do arranjo de guarda.

Entre os pressupostos, o básico é que ambos os pais estejam aptos a exercer a guarda. Somente assim pode haver a guarda conjunta. Eles precisam estar em condições legais, físicas e morais de desempenhar as atividades compreendidas no exercício da guarda.

Comumentemente, aponta-se também como pressuposto da guarda conjunta um bom relacionamento entre os pais. Esse, no entanto, não é pacífico e há grande discussão na doutrina sobre sua necessidade, ou não, para efetivação dessa modalidade de guarda.

A ruptura dos laços amorosos, no mais das vezes, é acompanhada de mágoas e ressentimentos mútuos, de maneira que é possível visualizar uma dificuldade de manutenção saudável do contato entre os protagonistas dessa história que chega ao fim. Afeta, assim, a capacidade desses pais de chegarem a acordos e pode gerar mais brigas ainda, fazendo com que o filho se sinta o centro da discórdia. Defende-se ser, assim, fundamentais o respeito e a boa comunicação entre os pais para que tal guarda dê certo.

É como pensa o desembargador José Carlos Teixeira Giorgis:

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É necessário esclarecer que a guarda compartilhada não será remédio milagroso para a cura dos distúrbios familiares; nem divisão de tempo ou de semana para folgança dos pais; não é a intromissão lá e cá, principalmente quando se cuidam de entidades reconstituídas; não tem lugar quando há mágoas, litígio ou difícil relacionamento na parceria.[11]

E também Danièle Ganancia, para a qual não é possível impor esta espécie de guarda quando os pais estão obstinados a machucar um ao outro: “a autoridade parental conjunta não é uma obrigação jurídica sancionada, mas um estado de espírito que implica respeito mútuo, tolerância, diálogo, cooperação e, sobretudo, o reconhecimento de cada um dos pais do lugar do outro”[12].

Contrariamente, existe uma corrente que pensa não ser necessário esse bom convívio e a possibilidade de acordos, conforme pensa Maria Berenice Dias: “caso um dos genitores não aceite, deve o juiz determiná-la de ofício ou a requerimento do Ministério Público”.[13] O instituto não pode ficar a mercê das vontades de um dos pais, sob pena de esvaziar de sentido e efetividade o instituto. Se essa solução se apresentar como aquela que preenche o melhor interesse do menor, ela deve ser aplicada.

Também Maria Antonieta pensa que não é imperativa a existência de pais colaboradores e capazes de diálogo e entendimento, bastando apenas que eles não se desqualifiquem mutuamente diante dos filhos, pois aí estes sofreriam conflitos de lealdade.[14]

Assim, a existência de litígio e incompatibilidade entre os pais, por si só, não exclui a possibilidade de aplicação da guarda

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compartilhada, contanto que eles consigam deixar de lado as discussões que têm um com o outro a fim de, juntos, fazer o que é melhor para seus filhos. “Não é preciso que os pais se acertem como casal, mas sim como pai e mãe.”[15]

Ainda nesse sentido, Edward Teyber, reconhece que essa guarda “funciona bem para a maioria dos pais cooperativos, e muitas vezes tem êxito quando o diálogo entre os pais não é bom, mas eles são capazes de isolar os filhos de seus conflitos”[16]. Alerta, no entanto, que tem sido adotado de forma equivocada “por casais amargos e em conflito, e nessas condições ele fracassa redondamente”.[17]

Conclui, assim, Waldyr G. Filho, que “para essas famílias, destroçadas, deve optar-se pela guarda única e deferi-la ao genitor menos contestador e mais disposto a dar ao outro o direito amplo de visitas”.[18]

2. A Guarda Compartilhada no Brasil: Lei 11.698/2008

A guarda compartilhada surge expressamente na legislação brasileira somente em 2008 com a lei 11.698, que modifica os artigos 1.583 e 1.584 do atual Código Civil. No entanto, não significa que a ideia e a prática não já existisse antes disso. Trata-se de grande conquista no direito de família, pois, no mais das vezes, essa modalidade é a que mais se coaduna com os princípios da convivência familiar, da igualdade entre os sexos e, principalmente, do melhor interesse da criança, pois permite a ambos os pais a continuidade da relação e faz com que o menor sinta a presença constante deles em sua vida, sem ter que perder um em virtude da separação enquanto casal.

Anteriormente à lei supracitada, o comum após a ruptura familiar era o exercício da guarda exclusivamente pela figura materna. À época, fazia sentido que assim fosse devido à

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conformação social: mulheres donas-de-casa e únicas capazes de cuidar bem de seus filhos, pois os homens não estavam acostumados com essa atividade e nem tinham tempo, pois precisavam trabalhar pra sustentar sua família.

A sociedade foi remodelada e os papéis masculino e feminino passaram a ser os mesmos. Tem-se, assim, a igualdade na sociedade conjugal e a corresponsabilidade parental. Foi preciso, então, repensar essa preferência pelo modelo de guarda exclusiva.

Ainda sem expressa previsão legal, a guarda compartilhada era aplicada em alguns casos, na maioria das vezes em virtude de acordo entre os pais, e raras vezes por determinação judicial.

Com a nova lei, essas opções não desaparecem, mas, de reconhecido valor superior, a guarda compartilhada terá aplicação preferencial pelo juiz quando não houver acordo entre o pai e a mãe. Nessa perspectiva, a guarda compartilhada passa a ser a regra e a exceção a guarda exclusiva.[19]

É a presunção legal da guarda compartilhada, que será melhor entendida adiante, quando da análise dos artigos 1.583 e 1.584 do CC antes e após a lei 11.698/2008.

2.1 Art. 1.583

O art. 1.583, que foi alterado pela lei em questão, era assim redigido:

Art. 1.583. No caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento

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ou pelo divórcio direto consensual,observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.

A nova versão desse artigo tem a seguinte redação:

Art. 1.583. A guardaserá unilateral ou compartilhada:

§ 1.º Compreende-se por guarda unilateral aatribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5.º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

§ 2.º A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores:

I – afeto nas relações com o genitor e o grupo familiar;

II – saúde e segurança;

III – educação

§ 3.º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos.

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§ 4.º (Vetado.)

Prima facie, percebe-se que a guarda exclusiva perde o seu caráter absoluto, passando o sistema a ser dual: a guarda será ou unilateral ou compartilhada. É claro que, na prática, outros acordos podem ser feitos, se assim for melhor para a criança. Além disso, anteriormente priorizava-se aquilo que os pais acordassem. Com a nova lei, caso a guarda seja unilateral, ela deverá ser deferida àquele genitor ou a um terceiro que revele melhores condições para exercê-la, ou seja, àquele que proporcionar um ambiente afetuoso, seguro, saudável e educativo. Isso significa que a decisão deve ser tomada com base nos interesses e necessidades do menor, e não dos pais. E por isso mesmo a Justiça não se satisfaz com o acordo dos pais. Ele será homologado se, de fato, aquele arranjo for o melhor para os filhos.

É importante ressaltar, no entanto, que os fatores mencionados no § 2º do artigo em questão não são enumerativos, mas sim exemplificativos e pretendem somente ser um auxílio ao julgador na hora de analisar quem oferece um melhor ambiente para os menores.

Deve-se atentar também para o fato de que, ao conceituar a guarda unilateral, o legislador esclarece ser possível que ela seja exercida pelo pai, pela mãe e por um terceiro enquanto que, ao falar da compartilhada, limitou-se a mencionar apenas os genitores. No entanto, tal restrição não deve existir e a interpretação desse artigo deve ir mais além: é sim possível existir guarda conjunta entre outros que não sejam pais, a exemplo de uma avó ou um tio, como segue na decisão colacionada abaixo:

CIVIL E PROCESSUAL. PEDIDO DE GUARDA COMPARTILHADA DE MENOR POR TIO E AVÓ PATERNOS. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. SITUAÇÃO

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QUE MELHOR ATENDE AO INTERESSE DA CRIANÇA. SITUAÇÃO FÁTICA JÁ EXISTENTE. CONCORDÂNCIA DA CRIANÇA E SEUS GENITORES. PARECER FAVORÁVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

(STJ, 4ª turma. Recurso Especial – REsp nº 1.147.138 - SP (2009/0125640-2. Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior.)

Por fim, fica posto como dever do não-guardião, quando adotada a guarda unilateral, a fiscalização do exercício desta por parte do guardião perante o filho comum, observando se os fatores que motivaram o juiz a decidir por essa solução ainda existem, pois caso contrário a decisão deverá ser reformada, respeitado a cláusula rebus sic stantibus. O objetivo dessa medida é evitar o abandono moral e/ou material do filho.

2.2 Art. 1.584

O art. 1584, anteriormente à lei, tinha a seguinte redação:

Art. 1.584. Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.

Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência

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levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica.

Esse artigo foi modificado e agora é assim redigido:

Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio desse com o pai e com a mãe.

§ 1.º Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

§ 2.º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.

§ 3.º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência

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sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.

§ 4.º A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.

§ 5.º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.

Novamente, verifica-se que o acordo dos pais estava acima, em ordem de preferência, da determinação do juiz do que fosse de melhor interesse para o menor. Atualmente, o acordo ainda é a maneira mais adequada de solucionar a questão da guarda, mas não será homologado se não for, de fato, a melhor decisão conforme com as necessidades da criança.

A atual versão do artigo além de trazer uma novidade: a guarda compartilhada, dá a ela grande importância, obrigando o juiz a informar aos genitores a sua relevância e explicar que representa uma melhor distribuição de direitos e deveres, implicando na co-responsabilidade parental. Trata-se de conscientização dos pais em relação ao que parece ser a melhor solução para filhos de um lar alquebrado.

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Por isso mesmo, ainda que em face de negativa de um dos pais quanto ao exercício da guarda compartilhada, frustrando o acordo, ela deverá ser aplicada. Esse modelo passa a ser, então, a regra. O juiz, no entanto, não irá impô-la sem antes ter o cuidado de verificar se, in casu, trata-se da melhor opção para o menor. Para tal análise, poderá fazer uso de pareceres de equipes interdisciplinares ou de orientação técnico-profissional e, aliás, é melhor que o faça.

Assim, pode-se dizer que há uma presunção legal a favor da guarda compartilhada. Mas é importante ressalvar que ela não é absoluta e pode ser revertida a depender da análise fática de cada caso. Segundo Roman e Haddad, seguindo esse pensamento, não se pode afirmar que a guarda em questão seja a melhor solução para todas as crianças após a ruptura familiar, justamente porque se deve analisar cada caso em concreto, cada criança, cada família, cada interesse, mas, aparentemente, trata-se do arranjo mais lógico e emocionalmente plausível.[20]

3. Desvantagens da guarda exclusiva: Defesa da Guarda Compartilhada

O rompimento da família e da vida em comum faz iniciar, em todos os componentes desse lar destruído, um estado de ansiedade e angústia: pais assustados com o prospecto de uma vida nova que pode, inclusive, significar a perda da guarda do filho e filhos com raiva do mundo, com medo do afastamento de algum dos pais, confusos sobre o que os separou e desejoso por vê-los novamente juntos.

Para aqueles casais que se envolvem em disputas de guarda, o processo torna-se infinitamente mais difícil e emocionalmente esgotante. Não é por acaso que as discórdias de guarda são chamadas de

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lutas e batalhas. Os participantes são os pais e os filhos e nessa guerra todos são perdedores. [21]

O conflito está instalado. Como resolver? Ao se optar pela guarda exclusiva, afasta-se a criança de um de seus genitores, mudando radicalmente a situação, que antes era de convívio familiar com ambos pais. Faz, assim, confundir a separação entre o casal com a separação pai-filho, ou seja, quem decidiu se separar foram os pais, um do outro, o que não implica, ou não deve implicar, em separação de nenhum deles com relação aos filhos. “A finitude do relacionamento do casal não deve seccionar a infinitude permanente da vida entre pais e filhos”.[22]

A guarda única vai atribuir os cuidados, as responsabilidades, a educação e a convivência com os filhos a um só genitor, ainda que ambos estejam aptos a exercer plenamente o poder familiar, relegando ao outro a posição de mero espectador na criação de seu próprio filho: a ele caberá visitá-lo e fiscalizar o outro pai na atividade de educar a criança.

Todos são “perdedores” na guarda exclusiva. Do ponto de vista do não-guardião, sua relação com o filho é bruscamente afetada pelo afastamento, não mais podendo desfrutar da convivência diária que consolida o amor, o carinho e o respeito entre eles. É relegado à posição de mero recreador de fim de semana e feriados. O pouco contato acaba por criar um hiato tão grande entre eles que, por vezes, o pai acaba abandonando o filho, principalmente após formar nova família.

Um pai ou uma mãe que visita ou é visitado tem pouca chance de servir como verdadeiro objeto de amor, confiança e identificação, já que esse papel se baseia em estar presente de modo ininterrupto no

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dia a dia. (…) as visitas de fim de semana não compensam a ausência dos pais em momentos cruciais da vida dela e as visitas prolongadas nas férias só servem, na grande maioria dos casos, para despertar dificuldade de disposição para a volta ao pai ou mãe de custódia.[23]

O guardião, a seu turno, fica sobrecarregado, uma vez que a educação e a tomada de decisões em geral é de sua responsabilidade tão somente. Ele deve criar sozinho um filho que não é só seu. Essa situação de sobrecarga gera transtornos para o guardião, que fica sem tempo para cuidar da sua vida pessoal, o que pode fazer com que ele ressinta o próprio filho, que, por sua vez, sentirá essa rejeição.

O filho, cujos interesses devem inspirar a decisão de guarda, é também prejudicado, pois perde a atenção constante, o carinho diário e a convivência ampla com um pai e, assim, perde um referencial importante para o seu desenvolvimento. Além disso, a guarda exclusiva estimula a disputa acirrada entre os genitores, uma vez que “o vencedor leva tudo” e, com medo de perder a guarda do filho, os pais são capazes de realizar atitudes impensáveis numa situação de normalidade. Esse sistema encoraja, assim, acusações e xingamentos mútuos, gerando mágoas e conflitos desnecessários, que acabarão por minar qualquer possibilidade de bom convívio entre eles no futuro. Isso faz com que os filhos se sintam culpados por esse péssimo relacionamento, pois acreditam ser o motivo das discussões entre seus pais.

Por sua vez, o sistema de visitação não é eficiente: é preciso que o filho saiba que ambos pais se preocupam com ele e participam de sua vida. As visitas “respondem, quase sempre, mais à necessidade de delimitação do terreno na convivência dos ex-

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cônjuges do que propriamente às reais necessidades da criança”.[24] Além disso, as crianças, por vezes, se revoltam com o fato de quererem ver o genitor não-guardião e não poderem porque o juiz já definiu previamente as datas de encontro entre eles.

Quando a lei decide uma coisa que afeta a criança, resulta ainda mais terrível para ela pelo fato de ser algo de legal. Com efeito, a decisão é tomada por um magistrado, os dias em que o filho vê o pai e a mãe são fixados, o que é lamentável, porquanto as afinidades e o desejo de se verem entre filhos e pais não podem obedecer a datas estipuladas dessa maneira. (…) todas as regulamentações são más para aquilo que é vivo e afetivo entre os pais e filhos.[25]

Nos casos de guarda unilateral, outro problema comum é a alienação parental, criando na cabeça do menor uma ideia errônea da realidade: um pai é o herói e o outro é o vilão da situação. Também há casos de fuga de um genitores com o filho, seja para frustrar o outro de vê-lo, seja porque não aguenta mais ser mero espectador na vida da criança.

Com todas essas desvantagens, surge a guarda compartilhada e a pergunta: se ambos os pais estão aptos e são capazes de exercer a guarda dos filhos, porque não fazê-lo conjuntamente?

A guarda compartilhada apresenta-se como solução de continuidade da relação paterno-filial após a ruptura familiar, diminuindo os efeitos negativos dessa separação nas crianças e nos pais.

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O sistema familiar que se rompe com a separação necessita de organização para manter a interação. A guarda conjunta é a estrutura que facilita a organização para o benefício dos filhos. As crianças com arranjos de guarda repartida revelam os benefícios especialmente na auto-estima, competência e menor sentimento de perda, comparado com os que ficam somente com a mãe.[26]

Além de diminuir o sentimento de perda, a convivência constante tem a vantagem de habituar o filho à presença de ambos e, assim, caso algum deles faleça não será um choque tão grande como seria se a guarda fosse exclusiva e o falecido fosse seu guardião, facilitando a adaptação.

4. Críticas à Guarda Compartilhada

Por tudo que foi exposto até agora, a maioria da doutrina diz-se a favor da guarda conjunta. Tal pensamento encontra-se respaldado pela legislação a partir da lei 11.698 de 2008, que passou a pregar sua presunção legal. Após isso, dados confirmam uma maior aceitação judicial desse modelo, mas, vale dizer, ainda muito incipiente. Segundo o IBGE, em 2004, a taxa dos divórcios que culminaram em guarda compartilhada era de 2,7%, tendo aumentado para 4,7% em 2009, um ano após a entrada em vigor da lei supracitada. A guarda mais comum ainda é a unilateral materna, que, nesse mesmo ano, representava 87,6% dos divórcios.[27]

A causa disso é a falta de informação sobre o que é e como funciona essa guarda por parte da sociedade em geral e até do judiciário. Muitos dos próprios magistrados ainda estão receosos de aplicar tal guarda em virtude de uma visão errônea e confusa que

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têm dela. Costumam, por exemplo, confundi-la com a guarda alternada, sem perceber as diferenças existentes entre esta e a guarda compartilhada com alternância de residências e, ainda, ignorando o fato de que a guarda conjunta pode existir com residência fixa.

No entanto, mesmo aqueles bem informados sobre esse modelo são capazes de enumerar alguns problemas que surgem na sua aplicação prática. Obviamente, a guarda compartilhada não é uma mágica que faz todos os problemas desaparecem; ela é somente, em teoria, a melhor opção dentre as existentes e isso deve ser confirmado casuisticamente.

Em primeiro lugar, argumenta-se que é irreal a ideia de pais recém-separados serem capazes de conseguir realizar acordos e compartilhar decisões, ainda que diga respeito aos filhos comuns. E, para que a guarda conjunta desse certo, seria necessária capacidade de entendimento entre ambos. No entanto, quem a defende, afirma que se os pais conseguem separar suas diferenças e conviverem minimamente sem predisposição a brigas, ela é sim possível, não sendo requisito que haja um bom relacionamento.

Além disso, o fantasma do preconceito gerado pelo patriarcalismo ainda assombra: considera-se que os pais geralmente não querem assumir as responsabilidades de criar sua prole. Alguns magistrados acreditam que, na maioria das vezes, quando os pais disputam a guarda dos filhos, é para atingir a ex-companheira e, por isso, resistem ao modelo da guarda compartilhada. É de se ressaltar que os próprios pais e mães de hoje ajudam a perpetuar esse preconceito. Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, os homens dificilmente disputam pela guarda dos filhos e, quando o fazem, raramente conseguem, pois os juízes ainda estão inseridos na lógica patriacal, ao passo que as mulheres “sentem sua proeminência materna como um poder que não

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querem dividir, mesmo que seja à custa de seu esgotamento físico e psíquico”.[28]

No entanto, é crescente o número de pais que reconhece seu papel e sua relevância na vida dos filhos. Também a mulher passa a entender que dividir as tarefas domésticas e de educação das crianças não faz dela menos capaz ou pior mãe, de forma que caminha-se para uma sociedade menos preconceituosa no que diz respeito a esses modelos arcaicos de pai e de mãe, que não mais se viabilizam no mundo atual.

O pai de amanhã será simplesmente um homem a quem serão devolvidas, face ao bebê e à criança, as reações complexas e ambivalentes até aqui reservadas apenas à mãe. Não achamos que ele será um pai mãe, como dizem alguns. Pensamos que ele será um homem-pai.[29]

Ainda com relação aos problemas, os próprios pais que vivem a realidade da guarda conjunta apontam alguns, a exemplo das opiniões contrárias. Por vezes os genitores não chegam em acordo quanto ao que é melhor para criança e aquela decisão precisa ser tomada em conjunto, e isso é bastante complicado e trabalhoso.

Com relação especificamente à guarda compartilhada com alternância de residências, outra dificuldade existente é o alto custo de manutenção desse arranjo. Criar um ambiente de conforto com o máximo de similitude nas duas casas é custoso e, em verdade, é impossível ter tudo em duplicata. Por isso mesmo, a toda mudança, a criança tem de levar coisas consigo.

5.Conclusão

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O presente trabalho buscou tratar sobre um tema bastante atual e importante: a guarda compartilhada. Foram feitos apontamentos sobre suas vantagens e desvantagens, seu lugar dentro do Direito de Família e a sua observância na prática.

Observou-se que, não raras vezes, a família destrói-se e a partir daí nascem problemas que devem ser resolvidos com responsabilidade e segurança, a exemplo da questão da guarda. Elemento do poder familiar, a guarda dos filhos, numa situação de normalidade, é exercida por ambos pais conjuntamente sob um mesmo teto. No evento da ruptura, surgem opções e a necessidade de acordo ou de decisão judicial.

Por muito tempo, a escolha padrão dos casais e dos magistrados foi relegar à mãe a exclusividade dos cuidados e atenções para com os filhos. Assim era porque a figura materna se dedicava a educar as crianças e a cuidar da casa, ao passo que o pai se limitava a prover materialmente pela família. O tempo passou e a situação mudou: pai e mãe são igualmente importantes para o desenvolvimento do filho e devem, em união e solidariedade, exercer o poder familiar e a guarda.

Com base nisso, surge uma nova modalidade de guarda: a compartilhada. Pensando que a separação dos pais não deve nem pode significar a separação entre qualquer deles e seus filhos, ela se propõe a permitir a continuidade da convivência familiar e a promover a igualdade entre pai e mãe. E por tudo isso, em teoria, ela se afigura como o modelo que melhor atende aos interesses do menor.

A ruptura familiar representa um momento delicado na vida de todos os seus integrantes. Todos sofrem com as mudanças provindas desse evento, em especial as crianças. Deve-se tentar amenizar ao máximo seus efeitos danosos. A guarda compartilhada, ao dividir igualmente as responsabilidades e

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deveres dos pais quanto aos filhos e ao evitar o afastamento deste com um dos genitores, o que é comum na guarda unilateral, é, em teoria, a resposta eficiente para o caso.

É verdade que existem problemas práticos na execução desse modelo, a exemplo de novos relacionamentos e da mudança radical de ideias por parte de algum deles, pois essas situações são desafiadoras e, em geral, suscitam discussões que podem prejudicar a criança.

Ainda, é necessário que os genitores estejam dispostos a deixar de lado seus problemas e, por vezes, seu ódio mútuo para focar em decidir juntos o que é melhor para seus filhos. Somente assim é possível que a guarda compartilhada seja devidamente exercida.

Ao longo do trabalho, foram elencados alguns defeitos da guarda exclusiva. Defeitos esses, em sua maioria, superados pela guarda conjunta. Por isso mesmo defendo essa modalidade, por ela respeitar o melhor interesse da criança, a igualdade entre os sexos e a convivência familiar. No entanto, faz-se mister ressaltar que cada criança, cada lar, cada família é um caso e, portanto, deve haver um estudo minucioso que leve em conta a realidade específica de cada situação para, então, decidir que tipo de guarda será deferida e a quem.

No Brasil, a guarda compartilhada surge no direito pela primeira vez somente em 2008 com a lei 11.698. Essa lei, que modifica os arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil, explica de que se trata, exige que o juiz a mencione como opção para o casal que se separa, e cria a sua presunção legal, isto é, ela deve ser exercida quando pais não chegam a um acordo. Essa presunção, entretanto, é juris tantum, admitindo prova em contrário.

Estamos em 2012 e ainda a decisão mais comum é a guarda unilateral exercida pela mãe, apesar de sua porcentagem haver

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diminuído, ao passo que o da guarda compartilhada aumentou. O judiciário e a sociedade continuam amarrados à realidade do passado, mas, aos poucos, percebem que o mundo de hoje exige deles outras decisões.

6. Referências Bibliográficas

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NOTAS:

[1] ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. As perspectivas e o exercício da guarda compartilhada consensual e litigiosa. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, v. 7, n. 31, p. 23.

[2] GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 4ª ed rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 132.

[3] PEREIRA, Sérgio Gischkow. A guarda conjunta de menores no direito brasileiro. Ajuris, v. 36, p. 53-64.

[4] MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Guarda compartilhada. Uma solução possível. Revista Literária de Direito, n. 9, a. 2. São Paulo, jan-fev. 1996, p. 19.

[5] NICK, Sérgio Eduardo. Guarda compartilhada: um novo enfoque no cuidado aos filhos de pais separados ou divorciados. In: BARRETO, Vicente (coord.). A nova família: problemas e perspectivas, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 135.

[6] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Código Civil Comentado: direito de família, relações de parentesco, direito patrimonial: arts. 1591 a 1693. Álvaro Villaça Azevedo (coord.). São Paulo: Atlas, 2003. v. 16, p. 122-123.

[7] MORGENBESSER, Mel e NELS, Nadine.Joint custody: an alternative for divorcing families. Chicago: Nelson-Hall, 1981, p. 34. Tradução livre.

[8] OLIVEIRA FILHO, Bertoldo Mateus de.Emocionando a razão: aspectos socioafetivos no direito de família (união conjugal e entidades familiares). Belo Horizonte: Inédita, 1999, p. 117.

[9] OLIVEIRA, Carlos Kleber F. de. A guarda compartilhada com alternância de residências como forma de evitar a síndrome da alienação parental. Disponível

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em:http://www.correiofeirense.com.br/ultimas_noticias.php?codnoticia=6493. Acesso em: 02 fevereiro, 2012.

[10] OLIVEIRA, José Lamartine Correa de e MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de Direito de Família. 3ª ed. Curitiba: Juruá, 1999, p.55.

[11] GIORGIS, José Carlos Teixeira. A guarda compartilhada. Disponível em:http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=421. Acesso em: 02 fevereiro, 2012.

[12] GANANCIA, Danièle. Justiça e Mediação Familiar: uma parceria a serviço da co-parentalidade. Revista do Advogado. São Paulo, n. 62, 2001, p. 9.

[13] DIAS, Maria Berenice. Guarda compartilhada, uma novidade bem-vinda! Disponível em: http://www.albertomacedo.com.br/news.asp?id=31. Acesso em: 03 fevereiro, 2012.

[14] MOTTA, Maria Antonieta Pisano.Compartilhando a guarda no consenso e no litígio. Família e Dignidade Humana. V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Anais. Belo Horizonte, 2005. São Paulo: IOB Thompson, 2006, p. 593.

[15] GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 4ª ed rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 205.

[16] TEYBER, Edward. Ajudando as crianças a conviver com o divórcio. São Paulo: Nobel, 1995, p. 119.

[17] Ibidem, p. 120.

[18] GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 4ª ed rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 225.

[19] Ibidem, p. 193.

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[20] ROMAN, Mel e HADDAD, William. The disposable parent: the case for joint custody. Dallas: Penguin Books, 1979, p. 104.

[21] MORGENBESSER, Mel e NELS, Nadine.Joint custody: an alternative for divorcing families. Chicago: Nelson-Hall, 1981, p. 2. Tradução livre.

[22] FACHIN, Luiz Edson. Código Civil Comentado: direito de família, casamento: arts. 1.511 a 1.590. Álvaro Villaça de Azevedo (coord.). São Paulo: Atlas, 2003. v. 15, p. 262.

[23] GOLDESTEIN, Joseph, FREUD, Anna e SOLNIT, Albert J. No interesse da criança? Tradução Luis Cláudio de Castro e Costa, revisão Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 27 e 83.

[24] MALDONADO, Maria Tereza. Casamento: término e reconstrução. 6ª. ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 220.

[25] DOLTO, Françoise. Quando os pais se separam. Entrevista conduzida por Ines Angelino. Tradução Eduardo Saló. Lisboa: Editorial notícias, p.67.

[26] GRUNSPUN, Haim. Mediação familiar: o mediador e a separação de casais com filhos. São Paulo: LTr, 2000, p.110.

[27] IBGE – Estatísticas do Registro Civil 2009. Disponível em:http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1753. Acesso em: 15 fevereiro, 2012.

[28] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 2ª ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 154.

[29] PERSEVAL, Geneviève Delaise de. A parte do pai. Tradução de Theresa Cristina Stummer. Porto Alegre: L&PM, 1986, p. 240.

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O INQUÉRITO POLICIAL NA FRANÇA

SUELLEN SANTOS RODRIGUES DE AGUIAR: Analista Judiciária do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Bacharela em Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade Federal da Paraíba, residente em João Pessoa - PB.

RESUMO: O ordenamento jurídico de cada país deve espelhar as necessidades das relações jurídicas daquela determinada população. Porém, o estudo sistematizado do direito comparado enriquece a experiência dos compêndios jurídicos de cada Estado, na medida em que se mostram as falhas e os acertos de cada jurisdição, de acordo com a aplicação dentro do seu país de origem. Nesse sentido, o artigo pretende explicitar as linhas gerais do inquérito policial francês, com análise dos principais artigos concernentes e apontamentos doutrinários.

Palavras-chave: Inquérito Policial, Direito Comparado, Ordenamento jurídico francês.

INTRODUÇÃO

O Inquérito policial "é o registro legal, formal e cronologicamente escrito, elaborado por autoridade legitimamente constituída, mediante o qual esta autentica as suas investigações e diligências na apuração das infrações penais, das suas circunstâncias e dos seus autores[1]".

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Diante de tal conceito, o presente labor foi realizado com vistas a enriquecer o conteúdo intelecto-jurídico no que diz respeito a este tema, procurando sempre exaltar os pontos comuns e as divergências entre as instituições jurídicas francesa e brasileira.

Este trabalho, no que se refere ao seu caráter metodológico, foi realizado mediante bibliografia dos mais renomados doutrinadores penais franceses, como Jean Pradel e François Fourment, além da análise do próprio Código de Processo Penal francês (Code de Procédure Pénale).

O Direito faz parte da vida dos povos, e o Direito Penal executa papel fundamental na proteção dos direitos dos cidadãos, buscando, sempre, a resolução dos conflitos. O inquérito policial, então, deve ser um instrumento de garantia de direitos fundamentais do indivíduo, não submetendo o indivíduo, senão quando necessário, aos entraves causados por uma ação penal

CAPÍTULO I

SOBRE A POLÍCIA JUDICIÁRIA FRANCESA

1.1 Considerações preliminares: prova

Em primeiro lugar, cabe tecer algumas considerações para melhor entendimento da matéria, como a conceituação da prova na França. A prova, no direito francês incumbe àquele que acusa. Esta regra é consequência direta do Princípio da Presunção de Inocência:

“Ce principe signifie qu´un individu est innocent tant que sa culpabilité n´a pas été prouvée par un jugement irrévocable (Este princípio significa que um indivíduo é inocente até que a sua culpabilidade seja provada por um juízo irrevogável). Il assure la protection des individus dans leurs rapports avec les autorités

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étatiques. ‘In dubio pro reo’: le doute profite à l´accusé. Ce principe a valeur constitutionnelle.”

1.2 Polícia Judiciária Francesa

Polícia judiciária designa indiferentemente tanto o corpo de funcionários encarregados do inquérito, como o trabalho, de natureza judiciária, das operações de polícia que estes funcionários efetuam.

Distingue-se polícia administrativa e polícia judiciária. Aquela tem missão de prevenção, impedindo que a ordem pública seja perturbada. Esta tem função de constatar uma infração real ou suposta.

Na França, a polícia judiciária pertence à organização administrativa da polícia geral e se divide entre os serviços da polícia e da esquadra nacionais: a polícia nacional é um corpo de funcionários civis sob a autoridade do Ministro do interior. É dividida em três corpos: o de concepção e direção (comissariado de polícia, comissariado principal, divisionário, controlador geral, inspetor geral), os corpos do comandante (tenente, capitão e comandante, os mais antigos inspetores de polícia são os integrantes desses corpos), e os corpos de aplicação (brigadeiro, guardião da paz, brigadeiro-chefe). É organizada em serviços centrais, que são direções centrais de competência nacional, como por exemplo, Direção da Segurança Pública, e em serviços exteriores que cuidam de uma determinada circunscrição territorial, como os serviços regionais de polícia judiciária (SRPJ).

A esquadra nacional é um corpo de funcionários militares sob a autoridade do Ministro da Defesa. É composto por um corpo de oficiais e sub-oficiais. Também é organizado em serviços centrais (Ex:Gendarmerie maritime).

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1.2.1 Composição da polícia judiciária

O art. 15 do Código de Processo Penal possui a seguinte redação:

Art. 15 La police judiciaire comprend :

1° Les officiers de police judiciaire ;

2° Les agents de police judiciaire et les agents de police judiciaire adjoints ;

3° Les fonctionnaires et agents auxquels sont attribuées par la loi certaines fonctions de police judiciaire.

A polícia judiciária possui duas atribuições principais. De uma forma geral, tem por missão constatar as infrações à lei penal, colher provas e procurar os autores. Especificamente, quando uma instrução é aberta por um juiz de instrução, a polícia judiciária deve executar as delegações deste magistrado e deferir suas requisições, ou seja, executar comissões rogatórias e mandatos.

Como atribuições materiais, a polícia deve recepcionar as denúncias e queixas. Tais atos possuem, na França, natureza idêntica, mas enquanto a queixa emana da vítima da infração, a denúncia provém de um terceiro. Todos os dois devem ser transmitidos ao Procurador da República, que possui a função de dirigir a polícia judiciária. Além disso, a polícia deve proceder ao inquérito de crimes em flagrante ou preliminares, de ofício ou a pedido do procurador. Os oficiais podem requerer diretamente o emprego da força pública para exercer as suas funções.

Com relação à competência territorial, o art. 18 do CPP traça as medidas que devem ser seguidas:

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Les officiers de police judiciaire ont compétence dans les limites territoriales où ils exercent leurs fonctions habituelles (Regra Geral).

Les officiers de police judiciaire, mis temporairement à disposition d'un service autre que celui dans lequel ils sont affectés, ont la même compétence territoriale que celle des officiers de police judiciaire du service d'accueil.

En cas de crime ou délit flagrant, les officiers de police judiciaire peuvent se transporter dans le ressort des tribunaux de grande instance limitrophes du tribunal ou des tribunaux auxquels ils sont rattachés, à l'effet d'y poursuivre leurs investigations et de procéder à des auditions, perquisitions et saisies. Pour l'application du présent alinéa, les ressorts des tribunaux de grande instance situés dans un même département sont considérés comme un seul et même ressort. Les ressorts des tribunaux de grande instance de Paris, Nanterre, Bobigny et Créteil sont considérés comme un seul et même ressort.(…)

Os oficiais de polícia judiciária cuja competência territorial ordinária é limitada à circunscrição de um ou muitos tribunais de grande instância podem se beneficiar de uma extensão de competência a um ou mais tribunais limítrofes. Isso só é possível em caso de crime ou delito em flagrante que necessitam de investigações exteriores à circunscrição.

Os oficiais de polícia judiciária que exercem habitualmente suas funções nos veículos coletivos ou nos locais destinados ao acesso desses veículos (ex: ponto de ônibus) são competentes para operar na zona de defesa do seu serviço de afetação, e, portanto, sua competência territorial são os meios de transporte.

Qualquer oficial de polícia judiciária pode obter uma extensão de competência, sob requisição do procurador da República, em

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caso de inquérito preliminar ou flagrante, ou sob comissão rogatória de um magistrado instrutor.

1.2.2 O Controle da Polícia Judiciária

Considerada dentro da qualificação de administração de polícia, a Polícia Judiciária obedece aos principais ditames do controle hierárquico, mas, dentro do exercício de suas atribuições judiciais, depende do controle da autoridade judiciária e das regras de processo penal.

Tal controle pode ser feito por diversos órgãos e autoridades: Procurador da República, Procurador-Geral, “Chambre d´Instruction”, etc.

A polícia judiciária é, por excelência, comandada pelo procurador da República. O Procurador geral vigia os oficiais de polícia de sua área, podendo ordenar sanções contra membros da polícia, como suspenção. O Chambre d´instruction possui também um poder disciplinar. Ele pode, por exemplo, transmitir ao procurador geral o dossiê do agente considerado como infrator à lei penal.

Tais regras relacionadas à Polícia Judiciária, suas regras e hierarquias, são importantes para compreender o inquérito, principalmente no que concerne à repartição de funções, controle e prestação de contas.

CAPÍTULO II

O INQUÉRITO POLICIAL

A França possui dois tipos de inquérito: o preliminar e o de flagrante delito. Cada um possui regras específicas e precisas, porém, o inquérito de flagrante delito apresenta mais

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especificidades por ter escopo mais urgente, sendo mais coercitivo que o tipo preliminar.

O processo de inquérito é secreto e as pessoas que participam dos mesmos devem obedecer ao segredo profissional, sob pena de infração penal.

2.1 O inquérito sobre crimes em flagrante

O “enquête de flagrance” ou “enquête sur infraction flagrante” ocorre, por óbvio, na hipótese de crimes em flagrante, quando se vê, se entende ou se percebe que a infração ocorreu. Visa impedir a ‘fuga’ das provas.

A situação deve ser plenamente caracterizada (a situação de flagrante), antes que se executem os procedimentos autorizados especificamente para esses casos:

“Enquêtant ‘sur’ une infraction, la police judiciaire doit d´abord en caractériser la flagrance. Autrement dit, ce ne sont pas les pouvoirs d´enquête de flagrance qui doivent permettre à la police judiciaire de révéler la flagrance mais la situation de flagrance qui autorise la police judiciaire à recourir à l´utilisation de ces pouvoirs d´enquête.”[2]

Os poderes do inquérito em flagrante delito se distinguem dos outros pelo caráter mais coercitivo, afinal, há um problema de ordem pública pendente. Ele é aplicável para todos os crimes e delitos puníveis com pena de prisão. Não é possível, portanto, para contravenções ou delitos com pena de multa.

Há três casos principais que podem dar ensejo ao inquérito de flagrante delito:

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a) O crime ou delito atual: é a infração que pode ser percebida por um senso comum de percepção, repousando sobre índices objetivos;

b) Anterioridade imediata do crime ou delito: o crime acabou de ser cometido;

c) A infração reputada flagrante: existe quando dentro de um tempo próximo à infração, uma pessoa é indicada pelo clamor público (exemplo clássico: gritos de “pega ladrão), ou tenha em seu porte objetos, ou apresente traços e indícios que permitem pensar que ela participou do ato delituoso. Exclui-se, aqui, o simples rumor.

A jurisprudência junta ao critério temporal e legal da atualidade do delito, uma condição material: o índice aparente de um comportamento delituoso (Ex: fuga de um indivíduo). Logo, basta o simples conhecimento de indício de delito para a instauração do inquérito.

A primeira obrigação do oficial de polícia judiciária, ao saber da ocorrência do delito, é informar imediatamente o ocorrido ao procurador da República, porque este dirige o inquérito, e deve se destinar ao local.

Tal oficial deve se transportar ao local, contudo, com a chegada do procurador, pode ser dispensado. O procurador, então, realiza todos os atos da polícia judiciária no local, ou pode ordenar tais atos ao oficial. Pode, ainda, transitar pelo local e proceder às primeiras constatações, quando há, por exemplo, um cadáver ou alguém muito ferido. O juiz de instrução também pode se dirigir ao local. Inclusive, na prática, quando o delito é grave, tanto o procurador como o juiz restam presentes no local.

O Procurador da República pode expedir um mandado de busca, sendo o suspeito preso preventivamente pelo oficial de

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polícia judiciária do lugar da descoberta, efetuando o seu depoimento.

Quando não é dispensado pelo Procurador da República, o oficial de polícia pode proceder à constatação dos indícios suscetíveis de serem úteis para a busca da verdade. Para isso, ele pode tirar fotografias, proceder a levantamentos, colher objetos, etc.

É proibido, para todos, sob sanção penal, modificar o estado das coisas ou efetuar levantamentos, salvo se a segurança ou insalubridade pública assim exija, ou se as medidas são indispensáveis para dar assistência às vítimas. O oficial de polícia pode proibir qualquer pessoa de sair do local da infração até o fechamento das operações.

O inquérito de flagrante delito pode ter, sem se interromper, uma duração de 8 dias, a contar do primeiro ato do inquérito. Contudo, quando as investigações necessárias à descoberta da verdade de um crime ou delito que possuem pena igual ou superior à 5 anos de prisão não são suficientes, pode o Procurador da República prolongar o período de inquérito por mais oito dias. No fim da validade de tal período, o dossiê seguirá, seja para o inquérito preliminar, seja para a Instrução.

2.1.1 Busca e apreensão no inquérito de flagrante delito

O oficial da polícia judiciária procede à busca e apreensão. Pode, então, se transportar ao domicílio das pessoas suspeitas e que podem ter objetos ou peças relativas ao fato incriminador. Algumas regras, porém, devem ser seguidas.

As buscas e visitas domiciliares devem ser feitas entre as 6 e 21 horas, e com a presença da pessoa suspeita. As buscas em escritórios de advogados ou em seus domicílios devem ser feitas pelos magistrados, na presença do bastonário ou de alguém por ele

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delegado. O segredo profissional não pode, nesse caso, impedir a apreensão de peças suscetíveis ao estabelecimento da participação eventual do suspeito em uma infração penal. O oficial de polícia pode recorrer a experts para proceder a constatações ou exames técnicos ou científicos.

2.2 Inquérito preliminar

É o inquérito de exceção: só existe quando não há condições de se instaurar um inquérito de flagrante delito. Pode ser feito de ofício por um agente da polícia judiciária ou à pedido do Procurador da República.

Tem por objetivo reunir um mínimo de elementos para que o Procurador da República possa exercer seus poderes com todo o conhecimento da causa.

Deve-se tomar cuidado com o inquérito preliminar, pois, em certos casos, ele substitui a fase de instrução, sem dar aos interessados as garantias que lhe são devidas no momento da divulgação de uma informação. Ademais, os elementos recolhidos no curso do inquérito poderão ser provas perante o juízo penal.

O Procurador de República, quando dá instrução aos oficiais de polícia judiciária para que procedam a um inquérito preliminar, deve fixar o período em que ele deve correr, podendo prolongar sob justificativa; quando o inquérito é feito de ofício, os oficiais devem prestar contas ao Procurador da República do seu Estado quando o inquérito começou há seis meses ou mais. Leva-se em conta, para começo do ínterim, a data do primeiro processo-verbal do inquérito.

2.2.1 Atos do inquérito preliminar

Tais atos podem ser cumpridos de ofício pela polícia judiciária, ou a pedido do Parquet. Como não é um inquérito coercitivo, como

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o de flagrante delito, os atos precisam de um acordo prévio com o indivíduo. Contudo, leis recentes dão maiores poderes à polícia quando do inquérito preliminar, mais coercitivos, especialmente no campo de delinquência e crimes organizados.

2.2.2.1 Audições

Qualquer pessoa pode ser solicitada para dar depoimento: a vítima, as testemunhas, o suspeito. Tal audição possui caráter coercitivo. Se o convocado não responde ao chamado ao depoimento, o oficial pode avisar ao Procurador da República, que poderá utilizar-se da força pública.

2.2.2.2 Buscas, visitas e apreensões

Tais atos não devem ser realizados sem a permissão expressa do indivíduo, feita por meio de uma declaração escrita à mão pelo interessado, sendo esta a fórmula geral: “En sachant que je puis m´opposer à la visite de mon domicile, je consens expressément à ce que vous y opériez les perquisitions et saisies que vous jugerez utiles à l´enquête en cours”. Tal consentimento não pode mais ser revogado.

Se as necessidades relativas a um inquérito que apura um crime ou delito de pena de prisão com duração igual ou superior a cinco anos exigirem, o juiz pode, à requisição do procurador da liberdade, decidir, por meio escrito e motivado, que a perquirição poderá ser efetuada sem o assentimento da pessoa.

2.2.2.3 Requisições

Sob autorização do procurador da República, pode-se demandar aos organismos públicos ou às pessoas morais de direito privado (exceto igrejas e grupos de caráter religioso, filosófico, político ou sindical ou imprensa escrita e audiovisual), que

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disponibilizem as informações úteis à manifestação da verdade, exceto as protegidas por segredo previsto em lei.

O procurador da República, ou, com autorização deste, o oficial da polícia judiciária, podem requerir de qualquer pessoa, estabelecimento, ou organismo privado ou público, ou de toda administração pública, documentos e informações necessárias ao andamento do inquérito.

2.2.2.4 Mandado de busca

Quando as necessidades de inquérito de um crime ou delito punível com pelo menos três anos de prisão exigirem, pode o procurador expedir mandado de busca contra toda pessoa contra a qual existe uma ou mais razões plausíveis de suspeitas de cometimento ou tentativa de infração.

CAPÍTULO III

PARTICULARIDADES DO INQUÉRITO DE DELINQUÊNCIA E CRIMES ORGANIZADOS

3.1 Durante o inquérito preliminar

Diante da necessidade, o juiz da liberdade e detenção do tribunal de grande instância pode, com requisição do procurador da República, decidir que as buscas, visitas e apreensões podem ser efetuadas fora dos horários previstos no art. 59 (das 6 às 21 horas), quando as operações não concernem aos locais de habitação.

A autorização é dada para buscas determinadas e tem por objeto uma ordem escrita, que prescreve a qualificação da infração cuja prova está sendo alvo da procura, assim como o endereço do local em que os atos serão realizados. As operações são feitas sob o controle do magistrado que as autorizou, e para isso, ele pode se dirigir ao local, para velar pelo respeito às normas legais.

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Quando a busca será feita na casa de alguém que está preso sob custódia, e seu transporte não pode ser feito para evitar graves riscos, seja de fuga ou de violação à ordem pública, seja de perigo de evasão de provas, a busca pode ser feita em presença de duas testemunhas ou um representante designado pelo indivíduo preso, através de acordo prévio com o procurador da República ou juiz de instrução.

3.1.2 Escutas Telefônicas

O Juiz das liberdades e da detenção pode, com requisição do procurador da República, autorizar, sob seu controle, a intercepção, o registro e a transcrição de correspondências emitidas por meio de telecomunicação por uma duração máxima de 15 dias, renováveis uma vez nas mesmas condições de forma e duração.

3.1.3 A infiltração em matéria de crime organizado

Segundo o art. 706-81, alínea 2 do Código de Processo Penal:

“L´infiltration consiste, pour un officier ou un agent de police judiciaire […] à surveiller des personnes suspectées de commettre un crime ou un délit en se faisant passer, auprès de ces personnes, comme un de leus coauteurs, complices ou receleurs. […]”

Só é possível para crimes organizados, no curso de um inquérito ou instrução, quando a necessidade for estritamente justificada. É autorizada pelo procurador da República, ou pelo juiz de instrução, por meio escrito e motivado, sob pena de nulidade. A autorização deve conter: a identidade do policial, a duração da operação, que não pode exceder quatro meses, renováveis sob as mesmas condições de forma e duração.

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O magistrado pode interromper, a qualquer momento, a autorização da operação, mesmo antes da expiração da duração fixada.

3.2 Controle e verificação de identidade

Pode ser indispensável para o objetivo de um inquérito o conhecimento da identidade de uma ou mais pessoas. Toda pessoa que se encontre no território nacional deve aceitar a possibilidade de passar por um controle de identidade efetuado dentro das condições fixadas pela lei e pelas autoridades policiais.

Podemos distinguir a procura da polícia administrativa e da judiciária. A administrativa, ou preventiva, objetiva prevenir uma infração; já a judiciária se insere dentro de um inquérito em que a procura pode se desenvolver. No primeiro caso, pode-se detectar uma infração, e no segundo, permitir um inquérito de um delito já constatado.

3.2.1 Os controles de identidade

São efetuados pelos oficiais da polícia judiciária, ou sob seu controle, pelos agentes da polícia judiciária. No primeiro caso, está disciplinado pelo art. 78-2: “les policiers peuvent inviter à justifier, par tout moyen, de son identité toute personne à l´egard de laquelle existe une ou plusieurs raisons plausibles de soupçonner:

A) Que ela cometeu ou tentou cometer uma infração;

B) Que se preparou para cometer crime ou delito;

C) Que é suscetível de fornecer informações úteis ao inquérito em caso de crime ou delito

D) É alvo de buscas ordenadas por uma autoridade judiciária.

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Os controles da polícia administrativa podem ser ordinários ou relacionados ao “titre de séjour” dos estrangeiros. Os primeiros são disciplinados pelo art. 78-2, alínea 3 do Code: “L´identité de toute personne, quel que soit son comportement, peut être également contrôlée, selon les modalités prévues au premier alinéa, pour prévenir une atteite à l´ordre public, notamment à la securité des personnes et des biens”[3]Não há, portanto, necessidade de um comportamento especial ou estranho para que seja efetivado o controle do indivíduo.

O controle dos “titres de séjour” dos estrangeiros, por sua vez, traz dificuldades para os policiais, visto que eles devem determinar a qualidade do estrangeiro antes de interpelá-lo (“Titre de séjour” é o reconhecimento, pela administração do Estado, do direito de ficar temporariamente em um país). As pessoas de nacionalidade estrangeira devem apresentar consigo os documentos que as permitem de circular ou permanecer na França sempre que forem requisitadas pelo oficial de polícia judiciária.

Ademais, há os controles de vigilância das fronteiras, que tem por função remediar o desaparecimento de fronteiras no interior do espaço Schengen[4], a fim de evitar a imigração clandestina. Tais controles são possíveis entre a fronteira terrestre da França com as partes da convenção Schengen e uma linha traçada a 20km desta, dentro das zonas acessíveis ao público dos portos, aeroportos, ferrovias, e rotas.

3.2.2 A verificação de identidade

Ela ocorre se o interessado se recusa ou está impossibilitado de declinar sua identidade. É uma espécie de procura coercitiva, e não pode ser efetuado por alguém que não seja um oficial da polícia judiciária.

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A pessoa pode ser retida no local ou em algum posto de polícia durante o tempo estritamente necessário ao estabelecimento de sua identidade, num período máximo de 4 horas. Durante o ínterim, o policial procede às operações de verificação necessárias, após demandar ao indivíduo todos os meios necessários para se estabelecer a identidade, como documentos, depoimentos, indícios. Se, da mesma forma, a pessoa recusa de revelar a identidade ou fornece elementos falsos ou inexatos, o oficial pode iniciar os procedimentos para a identidade judiciária, como impressões digitais ou fotografia. Tal medida deve ser imperativamente necessária, a única forma de estabelecer a identidade do indivíduo, e supõe a autorização de um magistrado, Procurador da República ou juiz de instrução. Deve, ainda, ser mencionado dentro de um auto, em que aparecerá como motivação ou procedimento especial.

A recusa de se submeter a tais medidas (as de identidade judiciária) é punível com prisão de 3 meses, mais uma multa de 3750 euros. Caso o cidadão se submeta, ele é liberado ao fim de 4 horas, mesmo que a identidade não seja encontrada.

3.2.3 O controle de veículos e lugares destinados ao uso profissional

3.2.3.1 Controles dos lugares destinados ao uso profissional

Os agentes de polícia judiciária e os agentes de polícia adjunta podem, sob requisição do procurador da República, entrar nos lugares de uso profissional onde ocorrem atividades de construção, produção, transformação, reparação, prestação de serviços ou de comercialização, com o objetivo de assegurar que tais atividades estejam matriculadas nos registros profissionais ou no Cadastro do comércio e das sociedades,

3.2.3.2 Controle de veículos

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São possíveis em três hipóteses:

Sob requisição escrita do Procurador da República, com o fim de busca e perseguição de certos atos de terrorismo. Tal controle é efetuado pelos oficiais de polícia judiciária, no local e horário determinado pelo magistrado (no máximo 24 horas, renováveis por decisão expressa e motivada), exercitando não apenas o controle de identidade dos indivíduos, mas também a inspeção dos veículos em movimento, parados ou estacionados em via pública ou nos lugares acessíveis ao público.

Os veículos em movimento não podem ficar imobilizados mais que o tempo estritamente necessário à inspeção, e a presença do condutor é exigível. Se o carro está estacionado ou parado, na falta do condutor ou proprietário, o oficial requisitará alguma pessoa, que só estará dispensada caso a inspeção acarrete perigo de segurança das pessoas e dos bens.

O controle pode ser feito, também, quando exista alguma desconfiança ou suspeita sobre o condutor ou um passageiro do veículo, como autor ou cúmplice de um delito ou tentativa de delito em flagrante. Por fim, o controle existe para prevenir um atentado grave à segurança das pessoas e dos bens, que se desenrolará nos mesmos moldes dos supracitados.

3.2.4 As garantias asseguradas em caso de detenção

A retenção obsta o direito de ir e vir, e, por isso, deve estar acompanhada de certas garantias para o cidadão. Tais direitos devem ser respeitados sob pena de nulidade do procedimento:

- Obrigação de se apreciar a legalidade da retenção;

-O menor retido deve estar obrigatoriamente assistido por seu representante legal, que deve ser procurado e advertido. O

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procurador da República deve ser avisado de tal retenção desde o seu princípio.

- O cidadão retido deve tomar conhecimento de que pode: “qu´elle peut faire aviser le Procureur de la République de sa rétention; qu´elle peut faire prévenir à tout moment sa famille ou toute personne de son choix et si des circonstances perticulières l´exigent, l´officier de police judiciaire prévient lui-même la famille ou la personne choisie”.

- Um auto de verificação deve ser feito para permitir o bom desenvolvimento do processo, com informações das etapas do processo (horas, dias, motivo da retenção…),e informações obrigatórias que podem ser dadas pela pessoa. Tal auto deve ser assinado pelo detido, e sua recusa deve ter seus motivos especificados no processo.

- O interessado deve ser informado do seu direito de fazer avisar ao Procurador da República quando restar mantido sob observação e for objeto de um processo de inquérito ou de execução endereçado à autoridade judiciária.

CAPÍTULO IV

LA GARDE À VUE

“La garde à vue” consiste em manter alguém à disposição do oficial de polícia judiciária para as necessidades de um inquérito, de forma que se priva a liberdade individual. Como é uma ameaça aos direitos individuais, tem uma regulamentação extremamente estreita.

Tal medida é utilizada em diversas circunstâncias, sendo mais comum no inquérito de flagrante delito ou preliminar. Tem natureza

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de detenção, feita apenas pelo oficial de polícia, sendo excluídos o Procurador e os agentes de polícia judiciária.

É possível nos casos em que os indivíduos possuem uma ou mais razões plausíveis de suspeita de cometimento (ou tentativa) de uma infração.

O garde à vue é vedado para testemunhas, pois é proibido em qualquer caso para as pessoas contra as quais não há qualquer indício que faça presumir que elas tentaram ou cometeram alguma infração. Para tais casos, o indivíduo pode ser retido apenas o tempo estritamente necessário para sua audição. O Procurador da República pode, todavia, recorrer à força pública para constranger uma pessoa convocada pelo oficial de polícia judiciária a comparecer perante sua pessoa. A testemunha convocada pelo juiz de instrução, pelo viés de uma comissão rogatória, pode, igualmente, ser constrangida a comparecer. Se a testemunha não comparece, deve-se arbitrar uma multa.

4.1 Considerações gerais da prisão sob custódia

Em geral, a duração da prisão é de 24 horas, com possibilidade de prolongação nas mesmas condições. O começo é fixado no momento em que o interessado é privado de sua liberdade. Na inquérito preliminar, a autorização da prolongação é dada pelo Procurador da República sem apresentação do interessado. No inquérito de flagrante delito, porém, a prolongação só pode ser feita com a apresentação prévia da pessoa (a não ser em casos excepcionais) ao Procurador.

Essa regra geral, porém, dá abertura a algumas exceções. Na prisão preventiva decidida em aplicação de uma comissão rogatória, o período máximo é de 24 horas, prolongáveis por mais 24 com autorização escrita do juiz de instrução; em matéria de crimes organizados, se o inquérito ou instrução assim exigir, a

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prisão pode, excepcionalmente, ser objeto de duas prolongações supletivas de 24 horas cada.

Tais prolongações são autorizadas, por decisão escrita e motivada, seja a requisição do Procurador da República, pelo juiz da Liberdade e da Detenção[5], seja pelo juiz de instrução após apresentação da pessoa ao magistrado.

Com relação às garantias daquela pessoa colocada sob observação, há o direito de receber a notificação do fato que deu origem à prisão, que pode ser feito verbalmente, todavia, deve ser feito de forma imediata. Além disso, as horas passadas em audição devem ser registradas. Ademais, o indivíduo deve ser informado dos direitos relacionados nos arts. 63-2, 63-3, e 63-4, sobre as informações relativas à duração dela garde à vue e da natureza da infração prevista no inquérito. Tais informações devem ser expedidas em uma língua que a pessoa compreenda (e, na falta de pessoas que consigam se exprimir na língua, deve ser feito um documento escrito por um intérprete. Da mesma forma, caso haja um deficiente auditivo, deve-se providenciar um intérprete que utilize a linguagem dos sinais). Existe, ainda, o direito, dentro de um período máximo de 3 horas, do aviso aos familiares, por telefone , da situação em que o indivíduo se encontra. Contudo, o oficial de polícia judiciária pode estimar que, em razão das circunstâncias do inquérito, ele não deve exercer o direito ao telefonema, remetendo, então, ao procurador da República, a decisão de efetivação ou não de tal direito.

O procurador da República deve ser informado sobre o cidadão sob custódia desde o início da prisão, e os interrogatórios das pessoas colocadas sob custódia por crime, realizados nos locais de serviço ou unidade da esquadra ou polícia devem ter registro audiovisual.

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A pessoa colocada sob custódia pode demandar desde o início da prisão uma visita médica, podendo reiterar esta demanda em caso de prolongação da medida. O médico é escolhido pelo Procurador da República ou pelo oficial de polícia judiciária. Ademais, há a garantia de ser acompanhado por um advogado através de um encontro, que é confidencial, e tem duração máxima de 30 minutos. O advogado pode fazer observações escritas que serão obrigatoriamente juntadas ao dossiê.

Uma prisão sob custódia que se desenrola fora dos padrões legais, ou que comete excessos (ferimentos, detenção arbitrária), pode dar ensejo à punição dos policiais envolvidos, inclusive, com abertura de um processo de responsabilidade civil, além, obviamente, da nulidade da prisão em questão.

CONCLUSÃO

Este trabalho teve por objetivo trazer à tona as peculiaridades do Inquérito Policial no direito francês, tendo por base a legislação processual penal e a doutrina respectiva.

A importância desse labor está na possibilidade de incrementar conhecimentos da matéria, já que pode se visualizar como o direito se amolda a cada sociedade, de acordo com as suas necessidades.

Para os que se dedicam ao estudo do direito penal, fica a segurança do conhecimento do direito internacional comparado, da abordagem minuciosa, assim como da íntima relação existente entre a realidade jurídica brasileira e a francesa. Já para os que seguem outras áreas do Direito, fica marcada a satisfação pela apreciação de um instituto de imensurável praticidade, pois o inquérito policial é um instituto de seguridade dos direitos humanos, e deve ser aprimorado, para instituir, em seu âmbito, o contraditório e a ampla defesa, e se torne, de uma vez por todas, um instrumento que busca a verdade real da situação.

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REFERÊNCIAS

FOURMENT, François. Procédure Pénale. 9ª ed. Orléans: Paradigme, 2008.

MONDIN, Augusto. Manual do inquérito policial.Sugestões Literárias, 1969.

PRADEL, Jean. Manuel de Procédure Pénale. 14a. ed. Paris: Éditions Cujas, 2008.

RENAULT-BRAHINSKY, Corinne. Procédure Pénale. 10a. ed. Paris: Gualino, 2009.

http://fr.wikipedia.org/wiki/Juge_des_libert%C3%A9s_et_de_la_d%C3%A9tention

Rubrica “Acordo de Schengen”, em Wikipedia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_de_Schengen> . Acesso em: 19/11/2009.

Rubrica “Le juge des libertés et de la détention ”, em Wikipedia. Disponível em: <http://fr.wikipedia.org/wiki/Juge_des_libert%C3%A9s_et_de_la_d%C3%A9tention>. Acesso em: 04/02/2010.

NOTAS:

[1] MONDIN, Augusto, 1969.

[2] FOURMENT, François. 2009. P.71.

[3] A identidade de toda pessoa, qualquer que seja seu comportamento, pode ser controlado também, segundo as modalidades previstas à alínea 1, para prevenir um dano à ordem pública, notadamente à segurança das pessoas e dos bens.

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[4] “O Espaço Schengen permite a livre circulação de pessoas dentro dos países signatários, sem a necessidade de apresentação de passaporte nas fronteiras. Porém, é necessário ser portador de um documento legal como, por exemplo, o Bilhete de Identidade. Além do mais, o Espaço Schengen não se relaciona com a livre circulação de mercadorias (embargos, etc.) cuja entidade mediadora é a União Europeia e os outros membros fora do bloco económico. São 24 nações da União Europeia(Bulgária, Roménia e Chipre aguardam a implementação) e mais outros quatro países europeus membros da EFTA (Islândia, Noruega e Suíça;Liechenstein aguarda implementação)” Retirado dehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_de_Schengen. Visualizado em 19-11-2009, às 00:05.

[5] Le juge des libertés et de la détention(JLD) est « un magistrat du siège ayant en principe un rang de président, de premier vice-président ou de vice-président. Le JLD est notamment compétent pour ordonner, pendant la phase d'instruction d'une affaire pénale, le placement en détention provisoire d'une personne mise en examen ou la prolongation de la détention provisoire, et d'examiner les demandes de mise en liberté. Il est saisi en principe par uneordonnance motivée du juge d'instruction. Cependant pour certaines infractions graves relevant notamment de la criminalité organisée, le procureur de la Républiquepeut directement saisir le juge des libertés et de la détention pour demander le placement du mis en examen si le juge d'instruction n'a rendu une ordonnance en ce sens. http://fr.wikipedia.org/wiki/Juge_des_libert%C3%A9s_et_de_la_d%C3%A9tention

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RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS DE MEDICINA A LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

FILIPE ALVES DE LIMA COSTA: Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife. Pós Graduado em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera-Uniderp.

RESUMO: O presente artigo trata da responsabilidade civil no âmbito das atividades médico-hospitalares, objetivando analisar o tema sob a perspectiva do Código de Defesa do Consumidor, bem como o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca da matéria.

Palavras chave. Responsabilidade Civil. Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade Médico-Hospitalar. Natureza Jurídica. Dever de Informação.

INTRODUÇÃO

Não é de hoje que a atividade médica consubstancia-se em um labor de grande relevância social e, consequentemente, jurídica. A doutrina aponta que nos Códigos de Hamurabi e de Manu, a preocupação de fixar normas acerca da responsabilidade civil dos médicos[1] já existia. A forma de tratamento e a própria atividade em questão evoluíram bastante, sem deixar, contudo, de ocupar uma posição a qual demanda atenção especial dos operadores do direito, seja pelo risco que a atividade em si representa a sociedade, seja pelo aumento do número de processos nos quais se discute a conduta dos profissionais da medicina.

Se é verdade que o uso crescente de novas tecnologias a favor de proporcionar aos usuários dos serviços médicos melhores formas de enfrentar as moléstias que lhes

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acometem torna um fator de diminuição da margem de cometimentos de erros por parte dos médicos, também é verdade que, por outro lado, a lógica da massificação dos atendimentos, a má qualidade de ensino e instalações de alguns hospitais, dentre outros motivos, fazem com que o número de ações na justiça se multipliquem de maneira exponencial.

Nos idos de 2008, o site do Superior Tribunal de Justiça divulgou notícia em que apontava o aumento de número de processos no percentual de 200% no período de seis anos (entre 2002 e 2008)[2]. O Conselho Regional de Medicina de São Paulo, CREMESP, também registrou aumento percentual significativo do número de denúncias por má prática profissional – aproximadamente de 302% - na primeira década do presente século, chegando a quase a dobrar o número de penalidades aplicadas durante tal período[3].

A doutrina aponta como precedente histórico no sentido de admitir-se a responsabilização dos médicos julgado de 1835, perante um tribunal francês, destacando-se a figura do Procurador-Geral Dupin que em seu parecer fixou as premissas básicas de então para a responsabilização do profissional, apontando que: o médico, como profissional, está sujeito às sanções da lei; na aplicação dessas sanções, os tribunais devem agir com prudência; isto (responsabilizá-los) não é capaz de retirar o prestígio da atividade[4].

Dois motivos básicos – porém, não únicos – são apontados como fatores de incremento das demandas: a despersonalização da relação médico-paciente e a dessacralização da figura daquele responsável pela tentativa de proporcionar saúde ao indivíduo.

A despersonalização decorre da massificação dos atendimentos e do afastamento da ideia do amigável “médico da família”, passando-se a ressaltar mais a natureza mercantil

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da prestação de um serviço do que, propriamente, um laço de confiança[5]. A crescente especialização e a necessidade de universalização dos serviços de saúde, já que fora posto a nível constitucional o direito à saúde como dever do Estado e direito de todos, e os interesses mercantis envolvidos por conta das corporações atuantes no ramo, tornam a relação cada vez mais impessoal.

Quanto à dessacralização, pode-se de dizer a mística existente em torno de tais profissionais acaba por ser afastada. Se antes os insucessos do tratamento eram tidos por inevitáveis, hoje os pacientes encontram-se numa posição mais favorável ao questionamento das atitudes do médico, sendo este visto como um profissional como outro qualquer, que ganha vida como os demais e deve pagar pelos erros cometidos[6].

Apesar de ser uma atividade dotada de humana consideração e respeito ao próximo diante dos objetivos pretendidos com a relação jurídica firmada entre médico-paciente, é fato que o enfermo, ao recorrer aos serviços prestados pelo médico, estabelece com este uma relação de consumo como qualquer outra regida pelo Código de Defesa do Consumidor[7].

Acresça-se que, na lógica do Estado Democrático de Direito, passa-se a facilitar o acesso à jurisdição daqueles que se sintam lesados por algum agir do profissional, daí os indivíduos sentirem-se mais ávidos pela reparação dos danos experimentados (sejam eles materiais, morais ou estéticos) ainda que não completamente certos da culpa daquele.

Ressaltamos, por fim, que trataremos da responsabilidade civil dos médicos e hospitais no âmbito privado, uma vez que quando o serviço é prestado por intermédio do Estado através do Sistema Único de Saúde a matéria está mais afeta ao Direito Administrativo,

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notadamente às questões referentes à responsabilidade civil do Estado.

2.1 Fundamento da Responsabilidade civil dos Médicos e causas de responsabilização – a imprudência, a negligência e a imperícia.

Diz-se que a responsabilidade é um dever sucessivo, pois nasce da violação de um dever originário que diz respeito à obrigação. É verdade também que a prestação dos serviços médicos encontra-se sujeita às disposições do Código de Defesa do Consumidor e esse diploma legal adota, em regra, como fundamento a concepção de risco e equidade para responsabilizar os fornecedores de bens e serviços, já que estes por auferirem vantagens ao atuarem no mercado de consumo, também devem arcar com o ônus em caso de reparação por danos experimentados pelos destinatários finais de suas atividades independentemente da existência de culpa. A regra do sistema de tutelar da supracitada Lei é, portanto, a da responsabilização objetiva.

Dessa forma, para a legislação consumeirista temos que a responsabilização dar-se-á quando comprovados o dano e o nexo de causalidade entre aquele e a conduta do ofensor, independentemente do elemento subjetivo – se fora com dolo ou culpa em sentido estrito.

Ocorre que o §4º do art. 14 da Lei 8.078/90 excepcionou a regra geral de responsabilização objetiva, adotando-se a teoria da culpa no caso dos profissionais liberais. Apesar de não definir profissional liberal, é certo que os médicos são abarcados quando atuarem de forma autônoma (leia-se sem subordinação jurídica) na prestação de seus serviços. Conforme leciona RIZZATO NUNES[8], tais profissionais possuem como característica também o fato de estarem fora do sistema típico de exploração das atividades no mercado de consumo, fugindo do padrão risco/custo/benefício.

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Por outro lado, o legislador optou por excluir do Código de 2002 a regra expressa de consagração da responsabilidade subjetiva dos profissionais de saúde que se encontrara inserta no art. 1.545 da Legislação Civilista de 1916.

Ainda assim, o novo Diploma Civil tratou de estabelecer em seu art. 951 que “O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal ou inabilitá-lo para o trabalho” e de forma mais genérica em seus arts. 186 e 927.

Consoante será exposto linhas à frente, é preciso distinguir a atuação empresarial para a realização dos serviços de saúde, na qual se tem típica relação de massa, da atuação pessoal e autônoma já que isso vai influenciar de forma substancial na configuração ou não da responsabilidade civil em cada caso.

De fato, é razoável adotar a culpa como fundamento da responsabilidade dos médicos, cada pessoa ainda que em sintomatologia similar, poderá reagir de forma diversa ao mesmo tratamento, podendo-se chegar ao extremo de uma obter a cura enquanto outra vir a óbito, não sendo possível, na maioria das intervenções, existir uma garantia de sucesso da atuação do profissional.

Cabe ao médico empregar toda diligência e meios necessários ao enfretamento das enfermidades de seus pacientes[9]. Ao prestar os seus serviços, o médico se obriga a proporcionar ao paciente os cuidados e conselhos recomendados para o seu tratamento, com observância das regras, métodos e técnicas recomendáveis para o caso[10].

A aferição da culpa do profissional pelo Juiz tende a ser das tarefas mais difíceis. Isso por que, via de regra, muitos fatores complexos precisam ser analisados para a

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constatação daquela, como as circunstâncias do atendimento, os meios postos à disposição do médico, as condições do vitimado e sua respectiva reação ao tratamento etc. É crucial que fique demonstrado que a atuação do profissional fora determinante para a ocorrência do dano[11].

Não é necessário, pois, que a sua culpa seja gravíssima, apenas que seja certa uma vez que nosso direito confere a gradação da culpa influência sobre o arbitramento do quantum indenizatório[12].

É dizer-se que a cura não atingida, por si, não implica na afirmação de que houve culpa do profissional. Mesmo diante de avançados instrumentos para que o médico obtenha sucesso em sua intervenção, o corpo humano não se comporta como uma máquina, podendo ter suas reações imprevisíveis. As ciências médicas não possuem o grau de exatidão das ciências matemáticas e, por isso, nem todo resultado adverso na assistência à saúde individual ou coletiva é sinônimo de erro médico[13].

Um dos pontos nucleares da responsabilidade médica é exatamente o de identificar o erro[14]. RUY ROSADO DE AGUIAR Jr nos ensina que o erro escusável não acarreta em responsabilização do médico uma vez que em tal situação, o profissional emprega correta e oportunamente os conhecimentos em regras da ciência, mas, por falha aceitável, chega à conclusão errada[15]. Ainda sobre o erro, SÉRGIO CAVALIERI FILHO afirma que: “(...) embora não se possa falar em um direito ao erro, será este escusável quando invencível à mediana cultura médica, tendo em vistas às circunstâncias do caso (...)” [16].

Portanto, não é qualquer erro que levará a responsabilização do profissional, mas, é necessário que ele seja inescusável. Ressalte-se que não se está afirmando pela responsabilização em caso de erros grosseiros, mas, sim, da

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falha que um médico dotado de conhecimentos razoáveis e que diante das circunstâncias postas não os cometeria.

Nesse diapasão, modalidades da culpa são a imprudência, negligência ou imperícia do prestador do serviço de saúde.

Como é de conhecimento comum, ao se falar de culpa stricto sensu, temos um agir que, mesmo involuntariamente, o resultado poderia ser previsto pelo ofensor. Para verificar se o evento era ou não previsível, utiliza-se o standard do médico diligente, sendo, pois, tal aferição casuística[17].

A imprudência está relacionada a uma atuação positiva, quando deveria abster-se ou adotar outro procedimento. É ato caracterizado pela intempestividade, precipitação, insensatez ou inconsideração[18]. O Prof. CLÁUDIO BRANDÃOleciona que: “prudência denota a ideia de cautela necessária; daí conclui-se que a imprudência é o agir sem a cautela necessária” [19]. Atua com imprudência, por exemplo, o médico que procede a intervenção cirúrgica quando era aconselhável esperar a evolução da moléstia de seu paciente.

Já a negligência diz respeito à inércia, a uma atuação omissiva quando se era necessário intervir. É negligente o profissional que não se utiliza dos recursos disponíveis a fim de chegar ao diagnóstico correto de seu paciente, sobrevindo-lhe danos em razão dessa omissão. Contrariamente à imprudência, a negligência precede a ação, pois significa a abstenção de uma cautela que deveria ser adotada antes do agir[20].

No que tange a imperícia, pode-se afirmar que ela está relacionada à deficiência de conhecimentos técnicos para prática de determinados atos. O médico imperito é aquele que não observa as normas básicas da profissão ou

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se aventura irresponsavelmente na realização de procedimentos estranhos à sua especialização.

No tocante a responsabilidade dos anestesistas, temos que a tendência é de se avaliar isoladamente os atos do médico-chefe e do anestesista, de modo que se presume a culpa daquele por danos durante a cirurgia e que estejam sob sua subordinação. Em sede do REsp 605.435 - RJ[21], a 4ª Turma do STJ afirmou-se que, nas palavras do Relator Ministro João Otávio de Noronha: “ (...) a escolha do médico anestesista pelo cirurgião chefe não atrai para este a responsabilidade por atos daquele se os atos de um e outro puderem ser individualizados e se o anestesista estiver fora do âmbito de subordinação ao cirurgião (...)”. Apesar disso, a tese que se sagrou vencedora no mencionado julgado, fora no sentido de responsabilizar solidariamente o cirurgião-chefe e o anestesista que agira culposamente, ainda que as complicações do procedimento tenham se dado por erro exclusivo deste.

Outro ponto relacionado às atividades médico-hospitalares, diz respeito à questão da responsabilidade em face de infecções contraídas nos nosocômios. É entendimento majoritário na jurisprudência do STJ no sentido de que o citado fato lesivo acarreta em responsabilização do estabelecimento, não podendo ser atribuível como caso fortuito ou de força maior[22], o que excluiria o nexo causal e, por conseguinte, o dever de indenizar. Para alguns doutrinadores, tal espécie de fato jurídico lesivo pode ser visto como um risco intrínseco razoavelmente esperado na atividade envolvida, sendo apenas considerado defeituoso no prisma da Lei de Consumo quando não garante a segurança dele esperada em condições normais[23].

É importante frisar que o Direito Positivo nacional não é omisso quanto ao tema uma vez que a Lei Federal nº 9.431 de 06 de janeiro de 1997, a obrigação dos

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estabelecimentos hospitalares manterem um programa de controle de infecções. Contudo, o próprio legislador deu a entender pela impossibilidade de atingir o índice zero em relação às infecções, pois estabeleceu no art. 1º, §1º da citada Lei como objetivo do Programa de Controle das Infecções o de que: “o conjunto de ações desenvolvidas deliberada e sistematicamente com vistas à redução máxima possível da incidência e da gravidade das infecções hospitalares” (grifos nossos).

Apesar disso, entende-se que o posicionamento do STJ mostra-se mais favorável ao consumidor dos serviços médicos nesses casos.

2.2 Natureza da prestação médica. Ônus da prova: Obrigações de meio x Obrigações de resultado. Responsabilização pessoal x Responsabilização empresarial.

É de conhecimento comum que, diante do estabelecimento do acordo de vontades entre médico e paciente, tal relação jurídico-obrigacional nos revela a natureza contratual da prestação médica. Não falamos aqui da necessidade de existir um instrumento com todos os termos da avença, uma vez que, na maioria das vezes, a convenção ocorre de forma tácita. Além do que em tal tipo de prestação, principalmente em relação ao médico, já traz consigo uma série de deveres como de cuidado, conselho, informação etc, que são considerados cláusulas inerentes e implícitas do contrato.

Na lição de BRUNO MIRAGEM, o objeto da supramencionada relação é, via de regra, uma obrigação de fazer com escopo de proporcionar a preservação da vida, a cura ou a prevenção de enfermidades[24].

Com isso, temos que o aspecto contratual da atividade apresenta-se revestido de uma série de cautelas, seja imposta pela Lei Consumeirista, seja pelo Código de

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Ética Médica, sejam pelos preceitos gerais da Responsabilidade Civil.

Apesar disso, a doutrina nos dá uma gama de situações nas quais o profissional poderá responder extracontratualmente. Por exemplo, quando fornece atestado médico falso, quando deixa de socorrer enfermo em via pública, quando age deliberadamente infringindo deveres éticos básicos da profissão etc. Contudo, ainda que a relação não seja fundada em um contrato, caso o dano exista, persistirá a obrigação de indenizar, verificados outros pressupostos – nexo causal e conduta.

Ponto importante na análise do contrato de prestação dos serviços médicos diz respeito a perquirir se a obrigação assumida pelo profissional é de meios ou de resultado. A divisão entre obrigações de meio e de resultado é tradicionalmente atribuída a RENÉ DEMOGUE[25].

Nas obrigações de meio, o profissional se compromete a agir com o cumprimento das regras da medicina, sem garantir o resultado pretendido pelo paciente. É dizer-se que não está obrigado a curar seu cliente, mas tão somente proporcionar os cuidados adequados segundo o grau de evolução da ciência. Assim, caso o tratamento não seja bem sucedido, não há que se falar em presunção da culpa do médico ou em inadimplemento contratual.

Já no que concerne as obrigações de resultado, há um comprometimento do devedor em atingir um determinado fim, mesmo que não se possa garantir 100% de cumprimento da obrigação. A não realização do resultado esperado implica no inadimplemento contratual[26].

Em que pesem as críticas que possam ser formuladas sobre tal distinção, é patente que em nossa doutrina e jurisprudência a dicotomia é amplamente aceita e utilizada. Além do que influencia consideravelmente na distribuição do ônus probatório.

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Diz-se isso porque, regra geral, quando se descumpre uma obrigação de resultado, militará em desfavor do profissional a culpa presumida, já que o mesmo não atingiu o resultado desejado pelo paciente, cabendo-lhe afastar tal hipótese provando que o evento danoso ocorreu independentemente de sua conduta, ou seja, elidindo o nexo de causalidade. O que não acontece com as obrigações de meio, nas quais recairá sobre o credor o dever de demonstrar em juízo que o devedor agiu com culpa, configurando-se essa pela violação das cautelas necessárias ao adimplemento contratual.

Nesse diapasão, temos que, em regra, a obrigação assumida pelos médicos é de meios, isto é, há o reconhecimento de que diante da variabilidade de reações passíveis de decorrer do tratamento sobre o corpo humano, seja tal profissional obrigado a um fim específico. Mas tal regra não é absoluta, pois se reconhece hoje em determinadas especialidades da medicina nas quais se consubstanciam em obrigações de resultado.

É caso, por exemplo, dos anestesistas e de serviços acessórios como radiológicos, exames laboratoriais e diagnósticos em geral.

Aqui cabe um parêntese também para falarmos da prestação do cirurgião plástico. Esse poderá atuar em intervenções meramente estéticas ou reparadoras. No primeiro caso, o credor encontra-se em gozando de boa saúde, mas deseja promover determinada alteração sobre sua forma física, de modo a tornar sua aparência mais satisfatória para si. Assim, considera-se majoritariamente que a obrigação do cirurgião seria de resultado, pois se subsume que quem procura a prestação do serviço em tais condições não restará satisfeito com a mera atividade do profissional[27].

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Enquanto que nos procedimentos reparadores, visa-se a correção de alguma deformidade ou alteração corporal, isto é, o paciente se apresenta acometido por alguma enfermidade. Dessa forma, se comprometerá o profissional a utilizar-se de todos os meios e cautelas disponíveis a fim de que sua intervenção possa ser capaz de proporcionar melhor qualidade de vida ao enfermo, sem, contudo, garantir-lhe a melhora esperada – obrigação de meio.

Nosso Código de Ritos adotou como regra a distribuição estática do ônus da prova, assim, segundo o art. 333 do citado, cabe ao autor provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu a prova dos fatos extintivos, impeditivos ou modificativos deste direito[28]. Na lição processualística, o ônus é um encargo (não uma obrigação), que o sujeito possui o interesse de assumi-lo a fim de evitar uma posição desvantajosa[29].

Ocorre que, considerando a hipossuficiência do consumidor, o CDC adotou a possibilidade de inversão do ônus probatório quando verossímeis as alegações do consumidor ou este for hipossuficiente, o que é de suma relevância nos casos de responsabilização médica.

Primeiramente porque é o profissional quem terá maiores condições de demonstrar que sua atividade foi exercida em observância das rigorosas regras da profissão. Além disso, atende ao princípio básico da Lei de Consumo concernente à facilitação da defesa de seus direitos, esculpida no art. 6º, inciso VIII da Lei 8.078 e do próprio princípio da proteção o qual permeia toda a essa lei.

E, principalmente, em razão do atendimento à isonomia sob seu aspecto material. Melhor explicando, quando da relação médico-paciente advier danos a este último temos que o patrimônio jurídico – moral e/ou material – é abalado, o que faticamente acarretará ao lesado uma posição desvantajosa não existente antes do contrato. Com a

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possibilidade de inversão ope judicis, restabelece-se certa “paridade de armas”, sendo técnica que prestigia o princípio da igualdade e o princípio da adequação[30].

Desta feita, ainda que tenhamos uma obrigação de meio assumida pelo médico, da qual se origine um dano ao paciente e configure-se uma relação de consumo, caso se aplique a inversão do ônus da prova, caberá ao profissional demonstrar a ausência de culpa assim como acontece quando não atinge o fim esperado ao assumir uma obrigação de resultado.

Acresça-se que, ao nosso entendimento, não cabe avaliar a gradação da culpa em casos em que essa é admitida como pressuposto de responsabilização nas relações de consumo enquanto forma de diminuição da indenização ao teor do que preconiza o parágrafo único do art. 944 do CC/02. Isso porque a verificação da culpa é regra excepcional do sistema protetivo imposto pelo CDC de modo que falar em culpa gravíssima, grave ou leve em detrimento de considerar-se o dano experimentado seria adotar interpretação desfavorável ao paciente/consumidor lesado.

Quando destacamos a culpa enquanto pressuposto de responsabilização do profissional lembramos, outrossim, que tais casos são os que envolvam a responsabilidade pessoal do médico. Aplica-se a regra que excepciona a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, esculpida no art. 14, §4º do CDC. Para CLAUDIA LIMA MARQUES o fato dos profissionais liberais se organizarem como uma pessoa jurídica lhes retira esse privilégio, devendo ser tratados como fornecedores normais[31], submissos a regral geral do art. 14 do CDC, que é a da responsabilidade objetiva pelos danos causados.

A diferença fundamental entre os casos de responsabilização pessoal e os casos de responsabilização empresarial, utilizando-se essa ultima nomenclatura para

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designar clínicas, hospitais e planos de saúde, é que em relação a esta não se exige a verificação da culpa. Estaremos, portanto, diante de hipótese de responsabilidade objetiva que o CDC denomina de responsabilidade por fato do serviço.

Dessa maneira, os hospitais respondem objetivamente pelos atos praticados por integrantes do seu corpo técnico, existente a relação de subordinação. Ocorre que a caracterização de tal tipo de responsabilidade depende da existência da prestação de um serviço defeituoso, consoante se depreende do art. 14, §3º do CDC.

Por seu turno, novamente, apontamos diferença entre a responsabilidade pessoal e a empresarial. Nesta não se fala em culpa, mas, sim, em defeito do serviço para caracterização do dever de indenizar e o ônus de comprovar que o serviço prestado forneceu a segurança que dele o consumidor poderia esperar é, ex vi lege, do estabelecimento. Enquanto que na aferição da culpa, o ônus é do autor da demanda, podendo ser invertido a critério do juiz da causa[32].

Segundo o entendimento adotado pelo CDC, o defeito é a falha do dever de segurança[33]legitimamente esperada pelo serviço. É admissível a ocorrência de prejuízos ao paciente somente em relação aos riscos razoáveis e suficientemente a ele informados[34]. Logo, se conclui que mesmo diante do insucesso da intervenção médica, a inexistência do serviço considerado defeituoso, seja por condições próprias do paciente, seja por fato inevitável, exclui a responsabilidade do estabelecimento hospitalar.

Poderá ocorrer que na discussão acerca do defeito do serviço seja, de certa forma, discutida também a culpa do profissional quando for preciso a avaliação do ato médico. Contudo, tal relação não é necessária, isso porque a responsabilização dos nosocômios não se restringe a falha do

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ato médico, abrangendo também os instrumentos hospitalares, os serviços auxiliares, o dever de guarda etc.

O mesmo raciocínio se aplica às operadoras de Plano de Saúde uma vez que o segurado possui um leque restrito de profissionais aos quais poderá recorrer para a prestação dos serviços médicos. E, sendo aqueles escolhidos por critérios impostos pela seguradora, será ela alcançada pela regra da responsabilização objetiva dos fornecedores de serviços posto integrante da cadeia de consumo.

Não se pode fazer a mesma afirmação quanto aos chamados Seguros Saúde, pois nesses há realmente a liberdade de escolha por parte do consumidor/paciente que é posteriormente reembolsado das despesas efetuadas com serviços médicos. Logo, tal tipo de empreendedor não influencia ou direciona a escolha feita, não sendo cabível sua responsabilização por atos de terceiros a ele não subordinados direta ou indiretamente.

2.3 Falta ao dever de informação como causa autônoma de indenização: a relevância do consentimento do paciente.

Conforme mencionamos linhas acima, aponta-se uma série de deveres implícitos, os quais deve observar o profissional da medicina. Dentre eles, destaca-se o dever de informação e o correlato direito do paciente em ser alertado de todos os riscos do tratamento. O questionamento a ser feito no presente tópico é no sentido de indagar se ausência de informação pode ser causa autônoma de responsabilização? Quais seriam os fundamentos – éticos e jurídicos – desta?

Com efeito, ao prestar as informações sobre um determinado tratamento a ser realizado, o médico estará de certo modo fazendo com que o seu cliente dê anuência ao proceder, já que este, regra geral, não pode ser constrangido ou obrigado a aceitar a intervenção sobre seu corpo,

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conforme melhor leitura do art. 15 do CC/02, sob pena de se ferir a liberdade pessoal daquele. Além do que atende ao princípio da boa fé, o qual serve de pilar das relações jurídicas obrigacionais, estendendo-se por diversos domínios do nosso direito[35].

A par e passo surge a necessidade de obtenção de um consentimento qualificado e tal qualificação é a informação capaz de dar ao paciente a compreensão do tratamento. Também por isso, AGUIAR DIAS e GENIVAL VELOSO DE FRANÇApreferem a nomenclatura consentimento esclarecido[36].

“O consentimento informado consiste na manifestação livre e consciente de vontade pelo paciente, a partir da compreensão de informações transmitidas pelo médico” [37]. Nesse contexto, subsume-se que as informações devam ser claras, não no sentido técnico cientifico, mas no sentido da utilização do standard do homem médio seja capaz de compreendê-las.

O precedente histórico no qual se aponta o uso pela primeira vez da terminologia informed consent(consentimento informado) é atribuível à decisão judicial do caso Salgo vs. Leland Stanford Jr. University Board of Trustees, em 1957, nos Estados Unidos. Nesse, o paciente Martin Salgo fora submetido a procedimento cirúrgico e, ao retornar dos efeitos da anestesia, descobrira que tinha perdido de forma permanente os movimentos dos membros inferiores, risco do qual não tinha conhecimento estar sujeito. A Corte entendeu pela responsabilização do cirurgião[38].

Do ponto de vista histórico, também pode ser ressaltado o desenvolvimento das discussões no âmbito da Bioética no pós Segunda Guerra Mundial e da adoção da dignidade da pessoa humana como fundamento das mais diversas ordens jurídicas. Tal contexto nos remete a que a Ciência deva ser um instrumento a favor da humanidade. Os

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homens não podem nesse processo ser “instrumentalizados” em nome da evolução técnica como aconteceu com as práticas nazistas no período de conflito mundial. Daí a importância da Bioética no reconhecimento da autonomia do paciente enquanto ser capaz de se autodeterminar livremente, desde que lhe sejam fornecidos os subsídios necessários à compreensão da sua escolha.

Insta ressaltar que a mera assinatura de termo ou formulário padrão pelo paciente não é suficiente para ser atendida a obtenção do consentimento. Muito pelo contrário, uma vez que não há uma imposição de forma específica para tanto e, principalmente, pelo fato de que aquele deverá ser fruto do diálogo entre médico e paciente no qual exista a preocupação por parte do profissional em alertá-lo de todas as particularidades do tratamento. Ou seja, não há de se falar que o consentimento foi validamente obtido caso a informação seja incompleta, imprecisa, obscura etc.

Por oportuno, acresça-se que o cumprimento do dever de informação por parte do profissional não o exime de ser responsabilizado pelos atos culposos eventualmente cometidos. Mas tão somente pode excluir a responsabilidade por danos causados involuntariamente, isto é, danos decorrentes do risco intrínseco do tratamento ao qual submetera seu cliente, ao qual não foi oportunizado deliberar sobre a assunção ou não do risco a que se sujeitara.

Por um lado, pode-se dizer então que a obtenção do consentimento esclarecido tem a função de legitimar a intervenção de outrem – no caso o médico – sobre a integridade física de seu paciente, por outro, promove o reconhecimento dos direitos deste, notadamente em relação à liberdade de escolha, a sua autonomia por assim dizer. É a valorização da autonomia da vontade, resgatando o sujeito de direito que é o paciente, em detrimento do centralismo decisório do profissional prestador do serviço de saúde. Do

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ponto de vista do nosso Direito Positivo, alguns dispositivos reforçam o instituto.

No primeiro plano, a Constituição Federal ao eleger a dignidade da pessoa humana como um de seus princípios fundamentais vai ao encontro das ideias supracitadas relacionadas a fazer da técnica um instrumento destinado à valorização do homem.

No âmbito das normas da Classe, o Código de Ética Médica dispõe em seu art. 46 que: “é vedado ao médico efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida”. Nesse trilhar, observa-se também que apesar da importância dada à autonomia da vontade expressa pelo consentimento informado, aquela não é absoluta. O direito a vida é tão fundamental que deverá ser protegido contra a vontade do próprio titular[39]. Logo, há um limite da capacidade decisória do paciente que é justamente o risco de vida.

Apesar da importância das mencionadas normas, vai ser a Lei 8.078 quem vai nos dar resposta mais precisa sobre a responsabilização em face da falta da informação e consequente não obtenção do consentimento informado.

No primeiro momento, a supracitada Lei de Consumo elenca dentre os direitos básicos do consumidor a “informação clara e adequada sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (grifamos) – art. 6º, III da Lei 8.078. Ao adotar tal postura, o Legislador fez com que a informação passa-se a integrar de forma expressa o patrimônio jurídico do consumidor/paciente, sendo a violação de tal direito passível de reparação civil.

Mas não é só isso. Ao tratar especificamente acerca da responsabilidade dos fornecedores de serviços, o sistema

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protetivo também ressaltou a importância da informação enquanto causa autônoma do dever de reparação do dano causado. É o que se depreende da parte final do caput do art. 14 da lei em comento[40]. Ora, fica cristalino que a informação é um direito pertencente ao paciente, logo, nada mais coerente que os danos decorrentes da violação de tal direito deve resultar no dever de reparação por parte do ofensor.

Destacamos que no ordenamento jurídico brasileiro, existe pelo menos uma hipótese de obtenção do consentimento em que há disciplinamento específico, estabelecendo-se formas especiais para a formalização da autorização.

É o caso da Lei 9.434 de 04 de fevereiro de 1997, a chamada Lei dos Transplantes. Nesse Diploma Legal, diferencia-se a questão do consentimento para fins de transplantes de órgãos e tecidos em virtude do doador estar ou não vivo.

Em relação ao receptor do órgão ou tecido, exige-se o consentimento expresso dele, consoante dispõe o caput do art. 10 da Lei[41]. Por seu turno, a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.931 veda ao médico seu art. 44 a omissão de informações quanto ao procedimento de transplante[42].

Sendo os órgãos doados vindos de pessoa viva exige-se: 1º a plena capacidade para os atos da vida civil – ato personalíssimo – e que 2º o receptor seja cônjuge parente consanguíneo até 4º grau, inclusive. Caso o doador vivo pretenda beneficiar pessoa diferente dos familiares alhures citados, precisará de autorização judicial, salvo para doação de medula óssea. Além do que a Lei de Transplantes impõe uma série de outras restrições à autonomia do pretenso doador em seu art. 9º, parágrafo 3º [43]. E, quanto à forma, impõe-se que preferencialmente seja escrita e perante

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testemunhas, havendo especificação do órgão ou tecido a ser posto a disposição de outrem.

Tratando-se de doação post mortem exige-se previamente o atestado fornecido por dois médicos da morte encefálica do doador. Em tais casos o consentimento também deverá ser por escrito e subscrito por duas testemunhas.

Outra questão contemporânea é a da reprodução assistida. Com efeito, não existe Lei Federal sobre isso, sendo as regras de classe do Conselho Federal de Medicina que mais tratam do assunto. No caso em questão, é a Resolução nº 1.957/2010 do citado na qual é expressa a necessidade de obtenção do consentimento para a manipulação de material para fins de reprodução com auxilio das técnicas de fecundação em laboratório, sendo posicionado como princípio básico em tais procedimentos.

Conclusão

Na sociedade contemporânea, diante da sua constante dinâmica produtiva e dos riscos que várias atividades de massa trazem consigo, temos que ela acaba sendo potencial causadora de danos aos direitos patrimoniais e morais do individuo.

Dentre tais atividades, encontra-se a médico-hospitalar que, por um lado tem por objetivo a promoção da saúde dos indivíduos, por outro, tem provocado consideráveis aumentos na quantidade de demandas na qual se analisa a responsabilidade civil em tal área. Nunca antes, tantos médicos, hospitais, planos de saúde dentre outros, foram levados aos bancos dos réus em nosso Judiciário. O estudo do estágio atual da responsabilidade civil em tal área serve não somente aqueles que se sintam lesados, mas também a própria viabilização da prestação dos serviços de saúde.

Consideramos que, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, sempre que a Corte se depara com litígios

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envolvendo a reparação do dano estético e a questão da responsabilidade civil médico-hospitalar e, principalmente, quando se aplica o CDC na resolução de tais controvérsias, há nítida tendência de fixar entendimentos mais favoráveis às vítimas do dano. A edição da Súmula 387, a imposição da obrigação do cirurgião plástico como de resultado, a aceitação da inversão do ônus da prova em tais lides, a não aceitação de que as infecções hospitalares são decorrentes de caso fortuito e o descumprimento do dever de informar como causa de responsabilização autônoma, são exemplos claros da adoção de posicionamento mais favorável a reparação dos danos ocasionados.

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NOTAS:

[1] DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Do erro médico. Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, n. 27, p. 101-110, set./dez.

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2003, disponível emhttp://bdjur.stj.jus.br/xmlui/handle/2011/8247, acessado em 01/07/2012.

[2] Disponível em www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&.texto=89920, acessado em 08/07/2012.

[3] Disponível em http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=NoticiasC&id=2574, acessado em 08/07/2012.

[4] FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 219/222 e KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

[5] “Aponta-se como causa dessa postura belicosa a despersonalização do relacionamento médico-paciente, em decorrência da socialização da medicina e dos altos níveis de especialização da arte médica. Desapareceu a figura cordial do ‘médico da família’, amigo e camarada – em quem se depositava confiança irrestrita e contra quem jamais se cogitaria intentar uma demanda (...) A massificação da medicina é um dos males do nosso tempo e uma das grandes causas, juntamente com a superespecialização, da deterioração do relacionamento médico-paciente.” KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 26/32.

[6] FRANÇA, Genival Veloso de. Ob. cit., p. 220.

[7] SIQUEIRA, Maria Fernanda Santos.Consentimento informado: o Direito do paciente à informação, o respeito à sua autonomia e a responsabilidade civil do médico. Revista da ESMAPE, n. 27. Recife, jan./jun., 2008, p. 377/410.

[8] NUNES, RIzzato. Curso de Direito do Consumidor. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

[9] “Comprometem-se os médicos a tratar o cliente com zelo, utilizando-se dos recursos adequados, não se obrigando, contudo,

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a curar o doente. Serão, pois, civilmente responsabilizados somente quando ficar provada qualquer modalidade de culpa: imprudência, negligência e imperícia”. GONÇALVES, Carlos Roberto.Direito Civil Brasileiro, v. 4: responsabilidade civil. 5 ed. São Paulo, Saraiva, 2010, p. 257.

[10] RIBEIRO, Antonio de Pádua.” Responsabilidade médica e o Código de Defesa do Consumidor”, in:http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/handle/2011/606, 2004, acessado em 18/09/2012.

[11] “Neste sentido, é evidente que o dano indenizável não pode ser aquele decorrente da continuidade da enfermidade em razão do insucesso do tratamento ou qualquer outra espécie de procedimento médico. O que não significa que não possa ser indenizado o dano decorrente da atuação do profissional que contribua com o agravamento da situação do paciente”. MIRAGEM, Bruno.Responsabilidade Civil Médica no Direito Brasileiro.Responsabilidade Civil: direito fundamental à saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, cit. 718.

[12] “A noção de culpa médica evolui da ausência total de responsabilização, passando pelas demandas fundadas apenas em erro grosseiro, notória negligência, imperdoável imprudência, absoluto desconhecimento científico – para o estado atual, em que qualquer tipo de negligência já é suficiente para fundamentar a responsabilidade civil do médico.”KFOURI NETO, Miguel. Culpa Médica e Ônus da Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 49.

[13] FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico.9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 235.

[14] DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Do erro médico. Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, n. 27, p. 101-110, set./dez. 2003, disponível emhttp://bdjur.stj.jus.br/xmlui/handle/2011/8247, acessado em 01/07/2012.

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[15]AGUIAR JR, Ruy Rosado de. Responsabilidade Civil do Médico. Responsabilidade Civil: direito fundamental à saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 515 e ss.

[16] CAVALIERI FILHO. Op. cit, p. 362.

[17] KFOURI NETO, Miguel. Culpa Médica e Ônus da Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 40.

[18] FRANÇA, Genival Veloso de. Ob, cit, p. 238.

[19] BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 168.

[20] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 287.

[21] Disponível emhttp://www.stj.jus.br/SCON/infojur/toc.jsp?livre=@cnot='010349', acessado em 18.08.2012.

[22] A título de exemplos, citamos o REsp 903.258-RS e o AgRG no AREsp 24.602-RS.

[23] KRIGER FILHO, Domingos Afonso. A responsabilidade civil por infecção hospitalar. Revista dos Tribunais. Ano 99, vol. 899, set./2010. Editora Revista dos Tribunais.

[24] MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade Civil Médica no Direito Brasileiro. Responsabilidade Civil: direito fundamental à saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 682/683.

[25] KFOURI NETO, Miguel. Culpa Médica e ônus da prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. Acrescenta o autor que, quanto às obrigações de meios em matéria de responsabilidade civil dos médicos, existe certa presunção favorável ao profissional de que o dano teria acontecido independentemente de sua atuação.

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[26] GOMES, Alexandre Gir. Responsabilidade Civil do Médico. Responsabilidade Civil: direito fundamental à saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 746.

[27] “Estabelece-se, sem dúvida, entre médico e paciente relação contratual de resultado que deve ser honrada. Portanto, pacta sunt servanda”. STOCO, Rui. Ob, cit. p. 645.

[28] “O CPC, ao distribuir o ônus da prova, levou em consideração três fatores: a) a posição da parte na causa (se autor, se réu); b) a natureza dos fatos em que se funda sua pretensão/exceção (constitutivo, extintivo, impeditivo ou modificativo do direito deduzido); c) e o interesse em provar o fato”. DIDIER JR, Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, vol 2. 4 ed. Salvador: JusPodivum, 2009, p. 77.

[29] Idem, p. 73.

[30] Idem, p. 85.

[31] MARQUES, Claudia Lima, BENJAMIN, Antonio Herman V. e MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 289 e ss.

[32] “Há, sem dúvida, uma aparente contradição entre a estipulação de responsabilidade objetiva relativamente aos hospitais e a lição transcrita, mas ela se resolve se atentarmos para a conclusão preconizada, de onde se extrai que as causas de isenção ali mencionadas são, na verdade, causas que excluem o próprio nexo causal, aplicáveis tanto à responsabilidade objetiva, quanto à responsabilidade subjetiva, com ou sem presunção de culpa”. DIAS, José de Aguiar. Ob cit, p. 364.

[33] Segundo o Art. 14, do CDC: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O

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serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: (grifamos)

[34] MIRAGEM, Bruno. Ob. Cit. p. 710/712.

[35] MIRAGEM, Bruno. Ob, p. 689 e ss.

[36] DIAS, José de Aguiar. Ob, cit. p. 342.

[37] SIQUEIRA, Maria Fernanda Santos.Consentimento informado: o Direito do paciente à informação, o respeito à sua autonomia e a responsabilidade civil do médico. Revista da ESMAPE, n. 27. Recife, jan./jun., 2008, p. 378.

[38] Idem. Contudo, Miguel Kfouri Neto aponta outro julgado mais antigo, em 1932, como pioneiro em se reconhecer a relevância do dever de informar. Trata-se do caso Schloendorff vs. Society of New York Hospital, porém, não se afirma que houve a utilização do instituto do consentimento informado, limitando-se a expor que a condenação se dera sob o fundamento da culpa do cirurgião e pela ofensa a liberdade pessoal da paciente. KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico... p. 40.

[39] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

[40] Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos (grifamos).

[41] Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento. (grifamos).

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[42] Art. 44 da Res. 1.931/2009 nos seguintes dizeres :“Deixar de esclarecer o doador, o receptor ou seus representantes legais sobre os riscos decorrentes de exames, intervenções cirúrgicas e outros procedimentos nos casos de transplantes de órgãos”. Disponível em:http://www.portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20661:codigo-de-etica-medica-res-19312009-capitulo-vi-doacao-e-transplante-de-orgaos-e tecidos&catid=9:codigo-de-etica-medica-atual&Itemid=122, acessado em 06.08.2012.

[43]Art. 9º (...) § 3º Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora.

    

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A EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DA TRANSFERÊNCIA DO SIGILO BANCÁRIO PREVISTA NA LEI COMPLEMENTAR 105/2001

CAIO CAVALCANTI AMORIM MARTINS: Formado no curso de graduação em direito na Faculdade Estácio do Recife. Pós-graduado em Direito Tributário na Universidade Anhanguera. Analista Judiciário no Tribunal de Justiça de Pernambuco;

Resumo: Esse artigo tem como objetivo traçar uma breve análise sobre o que é o sigilo bancário e qual sua conceituação, além dos contornos que permitem sua excepcional relativização. Sucessivamente, adentra-se na previsão do art. 6º da Lei Complementar 105/2001 sobre a transferência do sigilo, transcrevendo criticamente os argumentos que ponderam sobre sua constitucionalidade. Por fim, destaca-se a evolução jurisprudencial do tema até sua suposta pacificação. Palavras-chaves: Transferência do sigilo bancário. Análise de constitucionalidade. Lei complementar 105/2001. Constituição da República.

INTRODUÇÃO O art. 6º da Lei Complementar 105/2001 acresceu ao

ordenamento jurídico pátrio hipótese de transferência de sigilo bancário das instituições financeiras para a autoridade fazendária, condicionada ao cumprimento de determinados requisitos previstos na lei.

Com o seu advento, surgiram diversas vozes doutrinárias questionando se o sigilo bancário poderia ser relativizado por

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determinada norma infraconstitucional, o que veio a refletir em uma construção jurisprudencial destoante.

Assim, o presente artigo visa dar uma conceituação inicial sobre o tema, percorrendo entendimentos doutrinários abalizados.

Por fim, será feita análise de como evoluiu a jurisprudência sobre a questão até os dias atuais.

1. DEFINIÇÃO DE SIGILO BANCÁRIO E PREVISÃO

CONSTITUCIONAL Inicialmente, destaca-se que a previsão da inviolabilidade do

sigilo bancário possui amparo na própria ordem constitucional, especificamente no famoso artigo 5º da Constituição da República, o qual colaciona uma série de direitos e garantias fundamentais dos indivíduos.

Apesar do pacífico reconhecimento de que o sigilo bancário foi consagrado pela ordem constitucional,destaca-se a existência de divergência sobre ofundamento propriamente dito que daria amparo ao referido sigilo.

Aliás, sobre o tema, defende o professor Marcelo Novelino:

Considerando que a proteção constitucional dada expressamente ao sigilo de dados (CF, art. 5.°, XII) é voltada precipuamente à liberdade das comunicações pessoais, entendemos ser necessário um duplo enquadramento dos dados bancários, fiscais, telefônicos e informáticos:

i) a comunicação dos dados (vedação de sua interceptação) faz parte do âmbito de proteção da liberdade de comunicação pessoal (CF, art. 5.°,XII); ii) o conteúdo dos

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dados, quando relacionado à vida privada ou à intimidade do indivíduo, fazparte do âmbito de proteção dodireito à privacidade (CF, art. 5.°, X). (1, 589)

Independentemente de qual dispositivo em específico fundamenta o sigilo bancário, é possível atestar sua existência como consagrada na ordem constitucional. O instituto pode ser delimitado e conceituado como a própria proteção dada ao conteúdo constante nos extratos bancários (1).

Partindo do pressuposto de que a inviolabilidadepossuí assento constitucional, construiu-se, doutrinariamente e jurisprudencialmente, a ideia de que a quebra da proteção dos dados bancários está sujeita areserva de jurisdição, ou seja, demandaria autorização judicial prévia.

Destaca-se, porém, que, conforme notória e pacífica jurisprudência do Superior Tribunal Federal, a reserva de jurisdição in casu é relativizada quando da solicitação por Comissão Parlamentar de Inquérito para a quebra de sigilo bancário, contanto que respeitado o postulado da colegialidade e a solicitação seja devidamente fundamentada.

Assim, tem-se que a regra geral para a quebra do sigilo bancário é a reserva de jurisdição, relativizando-a, contudo, quando se tratar das Comissões Parlamentares de Inquérito.

A grande celeuma sobre o tema surgiu com o advento da Lei complementar 105/2001, a qual, em seuartigo 6º, previu a possibilidade - suscitada por algunscomo uma suposta “quebra de sigilo bancário pela viaadministrativa” - de que:

“As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão

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examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentesa contas de depósitos e aplicaçõesfinanceiras, quando houverprocesso administrativo instauradoou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente” (2)

Sobre o contexto e os fundamentos quepermeiam a criação desse dispositivo, ensina Ricardo Alexandre:

Visando a aparelhar o Estado de instrumentos jurídicos aptos a capacitá-lo a fazer valer, na prática, o princípio da capacidade contributiva, a Constituição Federal de 1988, no mesmo art. 145, § 1.º, ora objeto de discussão, facultou à administração tributária “identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

O próprio legisladorconstituinte fez uma ponderaçãoentre a finalidade social do tributo e a intimidade dos particulares, entendendo que, dentro da razoabilidade, esta não pode servir como obstáculo intransponível ao Estado, quando este busca tributar cada um na medida de sua capacidade contributiva. Assim, a lei obriga a que cada contribuinte declare anualmente à Secretaria da Receita Federal sua atividade, suarenda, seu patrimônio, seusnegócios relevantes.

Com fundamento no mesmo instituto, após o advento da Lei Complementar 105, de 10 de

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janeiro de 2001, tornou-se possível ao fisco requisitar diretamente às instituições financeiras (sem necessidade de ordem judicial) informações protegidas por sigilo bancário. (3,102 - 103)

A partir da vigência desta previsão, a questão passou a ser debatida nas doutrinas constitucionais e tributárias, discutindo-se sobre a possível inconstitucionalidade do dispositivo.

Sobre o tema:

A matéria polêmica, entretanto, não gira em torno da possibilidade de a Constituição Federal outorgar diretamente a um órgão o poder de determinar a quebra de sigilo, como ocorre com as CPI. Tampouco há controvérsia quanto à legitimidade de o Poder Judiciário autorizar, mediante requerimento fundamentado de determinadas autoridades administrativas, a quebra de sigilobancário de pessoas que estejam sobre investigação destas.Tormentosa, sim, é a questão concernente à possibilidade de a lei facultar que autoridades administrativas determinem, por ato próprio, a quebra de sigilo bancário, ainda que obedecidos os procedimentos que a mesma lei estabeleça. (4, 44)

Assim, segue-se para analise abalizada sobre o tema.

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2.

DOS ENTENDIMENTOS SOBRE A LEICOMPLEMENTAR 105/200

1 A transferência do sigilo bancário prevista na Lei

Complementar 105/2001 suscitou divergências no âmbito doutrinário.

Sobre as críticas negativas sofridas pela previsão legal, descreve Ricardo Alexandre:

Não obstante os nobres objetivos visados pela norma, existe considerável corrente doutrinária sustentando haver inconstitucionalidade da previsão. O fundamento desta tese é que o sigilo bancário, apesar de não ser uma garantia absoluta – algo inexistente no direito brasileiro –,somente poderia ceder em face deordem judicial, e não como decorrência de decisão de natureza administrativa. (3, 104)

Ricardo Alexandre (3, 104) ressalva que o conjunto de restrições previstas no art. 3.º do Decreto 3.724/2001, o qual regulamentou a transferência de sigilo, demonstra que a ponderação (capacidade contributiva e finalidade social do tributo versus direitos individuais) não corresponde ao total abandono de um princípio em favor de outro, as prerrogativas atribuídas à administração tributária, afinal, existem desde que “respeitados os direitos individuais” e “nos termos da lei”.

Nesta toada, defendendo o instituto, versa Leandro Paulsen:

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(. . . ) Note-se que o sigilo bancário não constitui um valor em si. Tem cunho meramente instrumental, só se justificando em função da proteção dosverdadeiros direitos fundamentaisconsagrados constitucionalmente. Não ostenta, de modo algum, caráter absoluto. Na quase totalidade dos países ocidentais, existe a possibilidade de acesso às movimentações bancárias sempre que tal seja importante para a apuração de crimes e fraudes tributárias em geral. No Brasil não é diferente. (. . . ). (5, 271)

Assim, nota-se que a grande celeuma está na possibilidade de relativização, ou não, por norma infraconstitucional, da proteção extraída do texto constitucional ao sigilo bancário, ponderando parte da doutrina pela constitucionalidade da previsão e outra parte pela inconstitucionalidade.

3 A evolução jurisprudencial do tema A divergência criada em sede doutrinária se reflete, ou

melhor, se refletia, na própria jurisprudência dos tribunais superiores.

O Superior Tribunal de Justiça (6) se posicionou, em 2009, em julgamento por meio da sistemática do recurso repetitivo, no sentido de que o dispositivo previsto no artigo 6º da Lei Complementar 105/2001 eraconstitucional, utilizando, dentre outros argumentos, a constatação que o dispositivo se perfilava ao preceito constitucional do artigo 145, 1º, da Constituição daRepública, o qual faculta à administração tributária,identificar, respeitados os direitos individuais e nostermos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

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O referido entendimento, contudo, sofreu restrições posteriores dentro do próprio tribunal quando as informações provenientes do sigilo bancário vieram a fundamentar inquérito penal.

Assim:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. 1. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. VIOLAÇÃOAO ART. 157 DO CPP.OCORRÊNCIA. CONDENAÇÃOPELO DELITO DO ART. 1º, I, DALEI N. 8.137/1990. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA.AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃOJUDICIAL. NULIDADE DA PROVA.2. RECURSO ESPECIAL

PROVIDO. 1. Afigura-se decorrência lógica do respeito aos direitos à intimidade e à privacidade (art. 5º, X, da CF) a proibição de que a administração fazendária afaste, por autoridade própria, o sigilo bancário do contribuinte, especialmente se considerada sua posição de parte na relação jurídico-tributária, com interesse direto no resultado da fiscalização. Apenas o Judiciário, desinteressado que é na solução material da causa e, por assim dizer, órgão imparcial, está apto aefetuar a ponderação imprescindível entre o dever de sigilo - decorrente da privacidade e da intimidade asseguradas ao indivíduo, em geral, e ao contribuinte, em especial - e o também dever de preservação da ordem jurídica

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mediante a investigação de condutas a ela atentatórias.

2. Recurso especial a que se dá provimento para reconhecer a ilicitude da prova advinda da quebra do sigilo bancário sem autorização judicial, determinando-se que seja proferida nova sentença, afastada a referida prova ilícita e as eventualmente dela decorrentes. (7)

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, decisões conflitantes e sem força erga omnes somente aqueciam a discussão, o que, aliás, em nada se coadunava com a pacificação social objetivada pelo direito.

Descrevendo de forma objetiva o auge da celeuma na corte máxima, versa Ricardo Alexandre:

Passada uma década da edição da lei, em fevereiro de 2011, o STF finalmente apreciou a matéria. Entretanto, além de não pôr fim à insegurança jurídica que permeia o tema, tornou-o ainda mais controverso. Em um primeiro julgado, em sede cautelar, o Plenário entendeu, por maioria de 6 votos a 4, que é constitucional o art. 6º, da Lei Complementar nº 105/2001. O raciocínio seguido pela maioria foi o de que a possibilidade de requisição de informação sigilosa pela administração tributária não significaria quebra de sigilo bancário, mas mera transferência de informações sigilosas que continuariam protegidas, tendo em vista as regras sobre sigilo fiscal.

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Posteriormente, o mesmoPlenário, por maioria de 5 votos a4, tomou decisão diametralmenteoposta, considerando a normainconstitucional quando do julgamento do mérito do mesmo caso (RE 389.808). Na prática, ainversão do entendimento se deuem virtude da ausência do Ministro Joaquim Barbosa e da mudança de voto do Ministro Gilmar Mendes, que acatou argumento doRelator Marco Aurélio no sentidode que o princípio da dignidade da pessoa humana impõe o necessário respeito à inviolabilidade das informações do cidadão, que somente pode ceder com intervenção jurisdicional. (3,104 - 105)

Pode-se imaginar o imbróglio jurídico que surgiu após os supramencionados conflitos jurisprudenciais. OSuperior Tribunal de Justiça e o Supremo TribunalFederal estavam em lados distintos quanto ao tema, sendo que, no caso deste último, a decisão não gerava a segurança ansiada pela comunidade jurídica, seja em razão do quórum da decisão final proferida, seja pelo fato da composição do julgamento ter sido bastante modificada ao longo dos anos.

O tema, finalmente, acabou por ser julgado em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, pacificando o ponto controvertido pela sua constitucionalidade. Diante da importância do tema, transcreve-se a decisão publicada no Diário de Justiça:

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 225 da repercussão geral, conheceu do recurso

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e a este negou provimento, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello. Por maioria, o Tribunal fixou, quanto ao item “a” do tema em questão, a seguinte tese: “O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”; e, quanto ao item “b”, a tese: “A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, §1º, do CTN”, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 24.02.2016. (8)

O entendimento que prevaleceu foi o de que o cerne da questão não era a possibilidade de “quebra” em si do sigilo bancário. O enfoque da norma, na verdade, era tratar de transferência das informações sigilosas da órbita bancária para a fiscal, estando as informações, em ambas as esferas, protegidas do acesso de terceiros. Consoante, conclui-se que, seguindo o raciocínio de que não há propriamente “quebra” do sigilo das informações, mas só a transferência deste para o órgão fazendário, não subsistem quaisquer fundamentos para a suposta ofensa à Constituição Federal ou à reserva de jurisdição.

O referido entendimento jurisprudencial, inclusive, acabou por privilegiar o combate as ações ilícitas que lesavam a sociedade brasileira por meio do uso abusivo e distorcido da garantia da inviolabilidade do sigilo bancário.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim, conclui-se que, independente do embasamento

teórico a ser utilizado, não há como se falar em ausência de previsão constitucional resguardando o sigilo bancário. Não é este, aliás, o fundamento das decisões que o afastam situações excepcionais.

Evidentemente que há fundamentos sólidos tanto para a defesa quanto para o questionamento da constitucionalidade do artigo 6º da Lei Completar 105/2001, o que justifica a existência de jurisprudência conflitante até recentemente.

Contudo, com o tema decidido em sede de repercussão geral, a matéria tende a se pacificar pela constitucionalidade do dispositivo pertencente a Lei Complementar 105/2001, considerando-se como fundamento decisório principal o fato de que não se está a falar propriamente de uma quebra de sigilo bancário, mas de uma transferência de sigilo, devidamente fundamentada e procedimentalizada, imputando-se aos órgãos fazendários a obrigação de manter e preservar o sigilo da informação recebida.

REFERÊNCIAS NOVELINO, M. Manual de Direito Constitucional. 9º edição. Rio

de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014. Citado 2 vezes nas páginas 2 e 3.

BRASIL. LEI COMPLEMENTAR Nº 105, DE 10 DE JANEIRO DE 2001. 2001. Acesso em 12 de abril de 2016. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil\_03/leis/LCP/Lcp105.htm>. Citado na página 2.

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O VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR QUEBRA DE DECORO PARLAMENTAR E SUA CONFIGURAÇÃO NA APROVAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41/2003 COM ANÁLISE DAS ADIS Nº 4887, 4888 E 4889

JOÃO HENRIQUE DE BRITO MARINHO: Advogado. Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará - UFC.

RESUMO: O presente estudo visa examinar a suposta inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 41/2003 por vício decorrente de quebra de decoro parlamentar. Para tanto, faz-se uma análise do controle de constitucionalidade a que as Emendas à Constituição devem se submeter. Delimita-se, ainda, os conceitos de bloco de constitucionalidade e de decoro parlamentar, bem como de seus aspectos constitucionais e a construção da teoria de Lenza acerca da existência da inconstitucionalidade, por quebra no dever de decoro parlamentar. Essa teoria ganhou notoriedade com o comprovado esquema de compra de votos na Ação Penal nº 470, para que projetos de lei fossem aprovados de acordo com os interesses do governo à época. Serão citadas e examinadas as ADIs nº 4887, 4888 e 4889, casos concretos em que o STF terá de se manifestar pela primeira vez sobre essa espécie de vício de inconstitucionalidade. Nas considerações finais, defendemos a declaração de inconstitucionalidade da Reforma da Previdência de 2003, sugerindo a modulação de seus efeitos, de modo que restem conciliados os interesses social, jurídico, político e econômico envolvidos na causa.

PALAVRAS-CHAVE: Controle de Constitucionalidade. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Compra de votos. Inconstitucionalidade por vício decorrente de quebra de decoro parlamentar.

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ABSTRACT: This paper aims to examine the alleged unconstitutionality of Constitutional Amendment No. 41/2003 for addiction due to breaking parliamentary decorum. Therefore, it is an analysis of judicial that the Amendments to the Constitution must be submitted. Wraps are also the concepts of constitutional block and parliamentary decorum, as well as their constitutional aspects and construction of Lenza theory about the existence of unconstitutionality, for breach of the duty parliamentary decorum. This theory gained notoriety with the proven vote-buying scheme in Criminal Case No. 470, that the bills were approved in accordance with the interests of the government at the time. It will be cited and examined the academically ADIs No. 4887, 4888 and 4889, where in particular the Supreme Court will have to speak for the first time on this new form of unconstitutionality. In the concluding remarks, we advocate a declaration of unconstitutionality of the Welfare Reform 2003, suggesting the modulation of their effects, so that the interests reconciled avoidance social, legal, political and economic involved in the cause.

KEYWORDS: Control of Constitutionality. Direct Action of Unconstitutionality. Vote buying. Unconstitutional by Parliamentary decorum.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Controle de Constitucionalidade e seus elementos identificadores. 2.1 Definição e relevância para o ordenamento jurídico. 2.2 Classificações e suas espécies normativas: breves considerações. 2.3 Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.3.1 Conceito. 2.3.2 Elementos essenciais do controle de constitucionalidade via ADI. 2.3.3 Objeto da Ação. 2.3.4 Procedimento da ADI. 2.3.5 Controle de constitucionalidade das Emendas Constitucionais. 3 Dever de decoro parlamentar e o controle de constitucionalidade decorrente de sua ausência. 3.1 Conceito de decoro parlamentar. 3.2 Princípios ofendidos pela quebra do decoro parlamentar. 3.3 Hipóteses de quebra de decoro

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parlamentar. 3.4 Das penalidades aplicáveis por conduta violadora do dever de decoro. 4. Discussão acerca da Inconstitucionalidade da EC nº 41/2003 por vício de decoro parlamentar – ADIs nº 4887, 4888 e 4889. 4.1 Análise da ADI nº 4887. 4.2 Análise da ADI nº 4888. 4.3 Análise da ADI nº 4889. 4.4 Fundamentos jurídicos favoráveis à constitucionalidade e inconstitucionalidade da EC nº 41/2003 por quebra de decoro parlamentar. 5 Considerações finais.

1. INTRODUÇÃO

Tratará o presente trabalho sobre a suposta inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003 decorrente de vício decorrente de quebra de decoro parlamentar, emenda esta que é atualmente objeto das ADIs n° 4887, 4888 e 4889, ainda aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal.

O tema será abordado sob a perspectiva do controle de constitucionalidade a que todas as leis e os atos normativos (Emenda Constitucional, in casu) estão sujeitos, tomando como ponto de partida um breve estudo sobre o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, com ênfase na Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica.

Entretanto, será feita uma análise jurídica diversa das tradicionalmente estudadas inconstitucionalidades formais e materiais, qual seja, sob o prisma da inconstitucionalidade por vício decorrente da quebra de decoro parlamentar.

Posteriormente, será objeto de estudo o conceito de decoro parlamentar, ao passo que serão levantadas as penalidades aplicáveis aos parlamentares que infringirem o dever de decoro.

Ademais, serão demonstradas algumas condutas em que estes parlamentares atuariam de maneira incompatível com o decoro parlamentar, além das hipóteses previstas nos regimentos internos das casas legislativas, com especial destaque para o abuso das prerrogativas asseguradas a membros do Congresso Nacional e a percepção de vantagens indevidas (CRFB/88, Art. 55,

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§ Io), caracterizando desrespeito ao regular andamento dos trabalhos legislativos em flagrante ofensa à ética parlamentar.

Por fim, será feita uma análise sobre a viabilidade de se realizar o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos sob o vício de inconstitucionalidade decorrente da quebra de decoro parlamentar, com apresentação de fundamentos jurídicos favoráveis à constitucionalidade ou não da Emenda Constitucional n° 41/2003, que tratou da popularmente conhecida “Reforma da Previdência”.

O objetivo deste trabalho visa, consequentemente, realizar um estudo sobre a viabilidade do controle de constitucionalidade decorrente de quebra de decoro parlamentar, tese de Pedro Lenza (2013, p. 273-274), a qual, apesar de não guardar consenso doutrinário, é de extrema relevância, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal terá de se manifestar sobre o assunto, face a propositura das Ações Diretas de Inconstitucionalidade de n° 4887, 4888 e 4889, que estão atualmente aguardando julgamento.

Essas ações têm como fundamento a quebra de decoro parlamentar comprovada na Ação Penal n° 470, tendo em vista as irregularidades demonstradas na fase de votação e de aprovação da Emenda Constitucional n° 41/2003, por meio de esquema de compra de votos de parlamentares comprometidos com o esquema denominado “mensalão”.

Tais atitudes revelam nítida mácula à essência do voto e aos princípios constitucionais da representatividade popular e da moralidade, razão pela qual se faz necessária a declaração de inconstitucionalidade da chamada “Reforma da Previdência”.

Ademais, não nos faltam exemplos de leis federais, estaduais e municipais em nosso cenário político que foram comprovadamente aprovadas sob interesses escusos, que já foram

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inclusive objeto de diversas matérias jornalísticas. Tais denúncias só corroboram a relevância do presente estudo, pois tais diplomas legislativos não merecem prosperar em nosso ordenamento jurídico, uma vez que não encontram seu fundamento de validade na Constituição Federal.

De fato, o tema que ora se analisará é de interesse de toda a sociedade brasileira e não somente dos operadores do Direito, pois a lesão provocada pelo vício apontado acima compromete o conceito de democracia representativa.

Face sua complexidade, passaremos então à análise e apresentação do tema, elaborado mediante pesquisa bibliográfica, com uma abordagem dos mecanismos de controle de constitucionalidade a que se submetem os atos normativos, além de destacar a necessária conduta ética do parlamentar, em especial, quando da elaboração e aprovação de normas comstatus constitucional, e as possíveis decorrências de sua infringência ética parlamentar.

2.CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - ELEMENTOS IDENTIFICADORES

Inicialmente, como forma de adentrarmos no tema do nosso estudo, necessário se faz a abordagem de alguns pontos relativos ao nosso ordenamento jurídico até chegarmos ao controle de constitucionalidade, vez que as ações mencionadas no título desse trabalho são formas do exercício da jurisdição constitucional, logo, de defesa do Texto Maior.

Ordenamento jurídico é um conjunto de normas jurídicas compatíveis entre si e que guardam uma unidade, visto que, embora oriundas de inúmeras fontes, estão todas dedicadas a observar a estrutura básica constitutiva de cada Estado, unidade esta que é conferida pela Constituição.

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Dessa forma, verifica-se ser a Constituição uma lei superior que ordena as demais normas pelo princípio da supremacia da Constituição, servindo como fundamento de validade a todas as demais normas, sob pena de, em caso de contrariedade com os preceitos constitucionais, serem invalidadas.

É fácil observar, portanto, que as normas de um determinado ordenamento jurídico estão estruturadas de maneira escalonada, de modo que todas as normas desse ordenamento são fundamentadas direta ou indiretamente por outra.

Embora seja dada, no presente trabalho, maior ênfase a esta hierarquia constitucional sobre todas as outras normas, cumpre frisar que não há somente a supramencionada hierarquia constitucional, mas também há hierarquia das normas legais sobre as normas infralegais.

Ao lado da supremacia constitucional, outra premissa essencial à existência do controle de constitucionalidade seria a rigidez constitucional, senão vejamos o que ensina Luís Roberto Barroso (2012, p. 16):

Duas premissas são normalmente identificadas como necessárias à existência do controle de constitucionalidade: a supremacia e a rigidez constitucionais. A supremacia da Constituição revela sua posição hierárquica mais elevada dentro do sistema, que se estrutura de forma escalonada, em diferentes níveis. É ela o fundamento de validade de todas as demais normas. Por força dessa supremacia, nenhuma lei ou ato normativo — na verdade, nenhum ato jurídico poderá subsistir validamente se estiver em desconformidade com a Constituição.

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A rigidez constitucional é igualmente pressuposto do controle. Para que possa figurar como parâmetro, como paradigma de validade de outros atos normativos, a norma constitucional precisa ter um processo de elaboração diverso e mais complexo do que aquele apto a gerar normas infraconstitucionais. Se assim não fosse, inexistiria distinção formal entre a espécie normativa objeto de controle e aquela em face da qual se dá o controle.

No tocante à supremacia da Constituição, Zeno Veloso (2003, p. 17) assim leciona:

As normas constitucionais são dotadas de preeminência, supremacia em relação às demais leis e atos normativos que integram o ordenamento jurídico estatal. Todas as normas devem se adequar, têm que ser pertinentes, precisam se conformar com a Constituição, que é o parâmetro, o valor supremo, o nível mais elevado do direito positivo, a lex legum (Lei das Leis). Porém, de nada adiantaria a rigidez constitucional, a soberania (paramoutcy) da Carta Magna, a natural e necessária ascendência de suas regras e princípios, se não fosse criado um sistema eficiente de defesa da Constituição, para que ela prevalecesse sempre, vencesse qualquer embate, diante de leis e atos normativos que a antagonizem.

Isso evidencia a fundamental importância que a Constituição tem para todo o ordenamento jurídico, visto que organiza em seu corpo todos os elementos essenciais do Estado.

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Nesse sentido, José Afonso da Silva (2010, p. 37-38):

[...] um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.

Assim, faz-se necessária, para que se respeitem os ditames da Lei Suprema, ou seja, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), a existência de um rígido controle de constitucionalidade, pelo qual todas as outras normas devem estar submetidas, para que se possa analisar a validade desses atos infraconstitucionais e de todo o nosso ordenamento, a fim de que se consiga preservar e restaurar a unidade ameaçada.

Face sua importância, passemos, a seguir, a uma análise pormenorizada sobre o referido controle de constitucionalidade.

2.1. Definição e relevância do controle de constitucionalidade para o ordenamento jurídico

Como visto anteriormente, o controle de constitucionalidade é um dos mecanismos de proteção e de defesa da Constituição perante os atos do Poder Público, especialmente leis e demais atos normativos, merecendo censura todos os atos incompatíveis com a Constituição Federal.

Nesse contexto, cumpre frisar a presunção de constitucionalidade que gozam as leis e os atos normativos, porque eles, uma vez aprovados e incorporados em nosso ordenamento,

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seriam, idealmente, fruto da legítima atuação e fundada na legitimidade democrática dos agentes públicos eleitos, no dever de promoção do interesse público e no respeito aos princípios constitucionais, inclusive e notadamente os que regem a Administração Pública.

Todavia, não é sempre assim que ocorre, razão pela qual fazia-se necessário esse controle sobre a constitucionalidade dessas leis, para que se possa averiguar se determinada lei ou ato normativo estaria retirando ou não seu fundamento de validade da Constituição Federal.

Referido controle é deveras importante, tendo em vista que, do contrário, não haveria como falar em supremacia da Constituição, e qualquer ato normativo poderia contrariá- la impunemente.

Desta feita, vem aludido controle repousar sobre normas inconstitucionais para expurgá-las do ordenamento jurídico pátrio.

Sobre a importância da existência desse mecanismo para preservar a força obrigatória da Constituição, colaciono observações feitas por Kelsen(apud MENDES, 2010, p. 1157-1158):

[...] é certo que uma Constituição que, por não dispor de mecanismos de anulação, tolera a subsistência de atos e, sobretudo, de leis com ela incompatíveis, não passa de uma vontade despida de qualquer força vinculante. (...) É que a ordem jurídica zela para que todo ato que contraria uma norma superior diversa da Constituição possa ser anulado. Assim, essa carência de força obrigatória contrasta radicalmente com a aparência de rigidez

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outorgada à Constituição através da fixação de requisitos especiais de revisão. Por que tanta precaução se as normas da Constituição, ainda que quase imutável, são, em verdade, desprovidas de força obrigatória?

Imperioso, assim, registrar a relevância desse mecanismo de controle para se conferir força obrigatória e normativa à CRFB/88, ao se realizar uma análise sobre a constitucionalidade dos atos ou omissões dos Poderes Públicos, aplicando sanções àqueles com ela incompatíveis.

2.2. Classificações e suas espécies normativas: breves considerações

Para melhor identificar quando e como uma norma constitucional será objeto do controle de inconstitucionalidade, é salutar tecer breves considerações sobre algumas de suas classificações e características.

O controle de constitucionalidade se divide em três sistemas, a depender do órgão encarregado de seu exercício. São eles: o jurídico, o político e o misto.

O sistema jurídico é aquele realizado pelo Poder Judiciário, enquanto o político é incumbido a órgãos de natureza política, caso da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em que era exercido pelo Presidium do Soviete Supremo. Por sua vez, o controle por sistema misto propõe uma junção dos outros dois sistemas - político e jurídico - tal como ocorre na Suíça, em que, em regra, o controle das leis é exercido pelo Poder Judiciário, mas que, em se tratando de lei federal, é realizado de maneira política pelo Poder Legislativo.

Sobre o sistema jurisdicional, adotado atualmente no Brasil, acrescenta Paulo Bonavides (2006, p. 301-302):

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Não há dúvida de que exercido no interesse dos cidadãos, o controle jurisdicional se compadece melhor com a natureza das Constituições rígidas e sobretudo com o centro de sua inspiração primordial - a garantia da liberdade humana, a guarda e proteção de alguns valores liberais que as sociedades livres reputam inabdicáveis. A introdução do sobredito controle no ordenamento jurídico é coluna de sustentação do Estado de direito, onde ele se alicerça sobre o formalismo hierárquico das leis.

Quanto às formas de exercício desse controle, dar-se-á de maneira difusa ou concentrada.

Aquela confere um amplo poder aos juizes e ocorre sempre que há um questionamento incidental sobre a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. É tarefa atribuída a todos os órgãos do Poder Judiciário com função jurisdicional, como os juizes ou tribunais. Também conhecido por via de exceção, referido controle geralmente se configura como uma forma indireta de se declarar a inconstitucionalidade de uma lei, visto que os efeitos dessa declaração são inter partes, claro, ressalvada a possibilidade de também ser atribuído o efeitos erga omnes, desde que reste configurado o procedimento disposto no Art. 52, X, CRFB/88[1].

Mauro Cappelletti (1984, p.67) ao discorrer sobre os órgãos incumbidos desse controle, destaca como esse se realiza:

a) o “sistema difuso”, isto é, aquele em que o poder de controle pertence a todos os órgãos judiciários de um dado ordenamento jurídico, que o exercitam incidentalmente, na ocasião da decisão das causas de sua competência; e

b) o “sistema concentrado”, em que o poder de controle se concentra, ao contrário, em um único órgão judiciário.

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O controle pela via concentrada, sobre o qual deteremos maior atenção, face sua maior incidência e relevância ao estudo realizado no presente trabalho, é aquele deferido somente ao tribunal de cúpula do Poder Judiciário ou a uma corte especial para ser o guardião da Constituição.

No Brasil, a análise abstrata da lei em face da Constituição Federal é de competência do Supremo Tribunal Federal.

O controle concentrado tem natureza objetiva, ou seja, e, diversamente do controle difuso, possui um reduzido rol de legitimados ativos, taxativamente previstos no Art. 103 da CRFB/88, quais sejam: o Presidente da República, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa do Senado Federal, a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. A propósito, cumpre destacar que, em criação jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal dividiu esses legitimados ativos em dois grupos:

Os Legitimados Universais ou neutros, que são aqueles que presumimos o interesse de agir, ou seja, não precisam demonstrar pertinência temática. São eles: Presidente da República, Procurador Geral da República, mesa do Senado Federal, mesa da Câmara dos Deputados, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Partido Político com representação no Congresso Nacional. Há também os Legitimados Especiais ou interessados, que são aqueles que precisam demonstrar a pertinência temática, ou seja, o vínculo subjetivo entre as funções que desempenham e a norma que será impugnada. São eles: Mesa da Assembleia Legislativa, Governador de Estado, Confederação Sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

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Ainda no tocante aos legitimados ativos, é relevante salientar que o Presidente da República, mesa do Senado Federal, mesa da Câmara dos Deputados, mesa de Assembleia Legislativa, o Governador de Estado, a mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil têm capacidade postulatória para propor a ação direta de inconstitucionalidade. O Partido político com representação no Congresso Nacional, a Confederação Sindical e a Entidade de Classe em âmbito nacional, por sua vez, não possuem capacidade postulatória, necessitando de estarem representados por advogado para que a ação seja conhecida.

Referido controle pode ser realizado por meio das seguintes ações: Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Representação Interventiva e Ação Declaratória de Constitucionalidade.

Todavia, dentre as ações acima epigrafadas, cumpre-nos dar destaque à Ação Direta de Inconstitucionalidade a ser julgada pelo STF, tema fundamental desse estudo, razão pela qual se passa agora à sua análise.

2.3. Ação Direta de Inconstitucionalidade

É a mais antiga de nosso ordenamento jurídico. Introduzida no Direito Brasileiro pela Emenda Constitucional n° 16, de 26 de novembro de 1965, com o nome de Representação, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) é um dos instrumentos que materializa o controle de constitucionalidade concentrado, visando declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos federais ou estaduais que guardem contrariedade com a Constituição da República Federativa do Brasil, buscando sua invalidação.

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2.3.1. Conceito

Conhecida doutrinariamente por ADI genérica, essa ação, regulamentada pela Lei n° 9.868/99, é um instrumento utilizado no chamado controle direto de constitucionalidade das leis e atos normativos frente à CRFB/88, exercido pelo Supremo Tribunal Federal, tendo por objetivo retirar do ordenamento jurídico a lei contemporânea estadual ou federal, que seja incompatível com a Constituição.

Sobre o tema, Marinoni; Sarlet; Mitidiero (2012, p. 905):

A razão de ser de uma ação em que se pede exclusivamente declaração de inconstitucionalidade advém da necessidade de se eliminar da ordem jurídica norma que seja incompatível com a Constituição. Tutela-se, assim, a ordem jurídica. A decisão que declara a inconstitucionalidade produz efeitos erga omnes,resultando inquestionável diante de todos, e, na mesma medida, a norma não mais aplicável.

Dessa forma, cumpre destacar que, uma vez declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por uma ação direta de inconstitucionalidade, atribui-se à decisão os efeitos erga omnes, ex tunc e vinculante, em regra, em relação aos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública federal, estadual, municipal e distrital.

É oportuno observar que, no que diz respeito ao efeito ex tunc, é facultada a modulação de referido efeito à nossa Corte Suprema, tema que será abordado com mais detalhes quando do estudo do procedimento da ADI.

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2.3.2. Elementos Essenciais do controle de constitucionalidade

Repise-se que a proteção e a defesa da Constituição se configuram por intermédio de um exame de compatibilidade vertical de um ato infraconstitucional em relação ao parâmetro constitucional, também denominado bloco de constitucionalidade.

Cumpre observar que referido parâmetro consiste em um conjunto de normas da Constituição, que se toma como alicerce para que uma lei tenha, caso divergente com ele, sua inconstitucionalidade declarada.

Sobre esse parâmetro, é salutar frisar que há uma tendência a ampliar o conceito desse paradigma de confronto.

Face essa nova perspectiva, destacamos ser de extrema relevância a compreensão, em sua completude, da composição desse paradigma de controle, porque a delimitação de seu conceito nos indicará o que é constitucional ou não. Nesse sentido, afigura-se salutar determinar os elementos essenciais do controle de constitucionalidade (elementos temporal e conceituai de bloco de constitucionalidade), tema já explorado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, quando do julgamento da ADI n° 595-ES.

Sobre o tema, destaco trecho do voto do Ministro Celso de Mello em referida ADI, que pode ser verificado no Informativo n° 258/STF. Senão vejamos:

[...] A busca do paradigma de confronto, portanto, significa, em última análise, a procura de um padrão de cotejo, que, ainda em regime de vigência temporal, permita, ao intérprete, o exame da fidelidade hierárquico-normativa de

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determinado ato estatal, contestado em face da Constituição. Esse processo de indagação, no entanto, impõe que se analisem dois (2) elementos essenciais à compreensão da matéria ora em exame. De um lado, põe-se em evidência o elemento conceituai, que consiste na determinação da própria idéia de Constituição e na definição das premissas jurídicas, políticas e ideológicas que lhe dão consistência. De outro, destaca-se o elemento temporal, cuja configuração torna imprescindível constatar se o padrão de confronto, alegadamente desrespeitado, ainda vige, pois, sem a sua concomitante existência, descaracterizar-se-á o fator de contemporaneidade, necessário à verificação desse requisito.

No tocante ao elemento temporal, merece guarida o pacífico entendimento do STF no sentido de não admitir a interposição de ADI para atacar lei ou ato normativo revogado ou de eficácia exaurida, restando configurada a hipótese de prejudicialidade da ação direta. Cabem aqui algumas decisões, in verbis:

Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei 15.227/2006 do Estado do Paraná objeto de fiscalização abstrata. 3. Superveniência da Lei estadual 15.744/2007 que, expressamente, revogou a norma questionada. 4. Remansosa jurisprudência deste Tribunal tem assente que sobrevindo diploma legal revogador ocorre a perda de objeto. Precedentes. 5. Ação direta de inconstitucionalidade prejudicada. (ADI 3885,

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Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 06/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 27-06-2013 PUBLIC 28-06-2013)

EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Decreto n° 153-R, de 16 de junho de 2000, editado pelo Governador do Estado do Espírito Santo. ICMS: concessão de crédito presumido. Liminar deferida pelo pleno desta corte. Revogação tácita. Perda de objeto. 1. O Decreto n° 1.090-R/2002, que aprovou o novo regulamento do ICMS no Estado do Espírito Santo, deixou de incluir no rol das atividades sujeitas a crédito presumido do tributo “as operações internas e interestaduais com mercadoria ou bem destinados às atividades de pesquisa e de lavra de jazidas de petróleo e gás natural enquadrados no REPETRO”, as quais eram objeto de impugnação na presente ação direta. 2. A jurisprudência desta Corte é pacífica quanto à prejudicialidade da ação direta de inconstitucionalidade, por perda superveniente de objeto, quando sobrevêm a revogação da norma questionada. Precedentes. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada prejudicada, em razão da perda superveniente de seu objeto. (ADI 2352, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-157 DIVULG 16-08-2011 PUBLIC 17-08-2011 EMENT VOL-02567-01 PP-00013)

Ademais, destaque-se que as normas pré-constitucionais e as normas constitucionais originárias também não são passíveis de controle de constitucionalidade via Ação Direta de

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Inconstitucionalidade, tendo em vista que estas são fruto do poder constituinte originário, que é ilimitado e incondicionado juridicamente, enquanto aquelas são passíveis de revogação, caso sejam incompatíveis com os preceitos da nova ordem constitucional vigente.

Nesse sentido, Temer (2008, p. 50):

A norma questionada na ação direta de inconstitucionalidade deve ser lei ou ato normativo federal ou estadual pós-constitucionais. O STF entende que eventual colisão entre o direito pré-constitucional e a Constituição vigente deve ser resolvida pela jurisdição ordinária, de acordo com os princípios de direito intertemporal (lex posterior derrogat priori). No entanto, a arguição de descumprimento de preceito fundamental admite tal confronto (...) (grifo nosso).

Dessa forma, cumpre enfatizar que, além das normas de Constituições anteriores e das constitucionais originárias, as normas constitucionais já revogadas ou as normas constitucionais do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que já tiveram sua eficácia exaurida, ou seja, já produziram todos os seus efeitos, não podem ser usadas como parâmetro de controle de constitucionalidade.

Com relação ao elemento conceituai, há doutrinariamente duas posições: uma restritiva, que afirma que o parâmetro constitucional se limita às normas e princípios formalmente previstos no texto constitucional; e outra ampliativa, englobando não apenas as normas e princípios expressos na Constituição, mas também os princípios implícitos da ordem constitucional global e

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valores suprapositivos, que, segundo o Ministro Celso de Mello, ainda na ADI 595-ES, são:

[...] considerados não apenas os preceitos de índole positiva, expressamente proclamados em documento formal (que consubstancia o texto escrito da Constituição), mas, sobretudo, que sejam havidos, igualmente, por relevantes, em face de sua transcendência mesma, os valores de caráter suprapositivo, os princípios cujas raízes mergulham no direito natural e o próprio espírito que informa e dá sentido à Lei Fundamental do Estado.

Tendo em vista ambas as perspectivas acima apontadas, cumpre destacar que o conceito majoritariamente aceito na doutrina e jurisprudência atual - inclusive do Supremo Tribunal Federal - de bloco de constitucionalidade é aquele composto apenas pelas normas formalmente constitucionais.

Como efeito, o parâmetro da ação direta de inconstitucionalidade não se restringe apenas à parte permanente da Constituição (Arts. Io a 250), tendo abrangência transcendente, utilizando-se, também, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (Art. Ioao Art. 97), Princípios Implícitos e Tratados Internacionais de Direitos Humanos com aprovação de 3/5, em dois turnos e nas duas casas legislativas (Art. 5o, §3° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).

Nesse sentido, Juliano Taveira Bernardes(apud LENZA, 2013, p. 328):

[...] no direito brasileiro prevalece a restrição do parâmetro direto de controle que aqui poderia ser chamado de bloco de

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constitucionalidade em sentido estrito - às normas contidas, ainda que não expressamente, em texto constitucional (normas formalmente constitucionais).

Definido o que seria o parâmetro do controle de constitucionalidade sobre o qual as leis ou atos normativos devem guardar compatibilidade, passemos ao estudo do que pode ou não ser objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

2.3.3. Objeto da ação

Como demonstrado, o objeto da ADI será a lei ou o ato normativo federal ou estadual (Art. 102, I, a, CRFB/88[2]) supostamente conflitante, pós-constitucional, que supostamente não retirou seu fundamento de validade na Lei Maior.

De modo a esclarecer que leis e atos normativos seriam esses, expomos a seguir alguns exemplos do que pode ser objeto de ADI:

1) Espécies normativas previstas no Art. 59 da CF/88, quais sejam: leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções e Emendas Constitucionais;

2) Regimentos Internos dos Tribunais;

3) Regimentos Internos das Casas do Poder Legislativo;

4) Decretos autônomos (Art. 84, inciso VI, CRFB/88);

5) Tratados Internacionais e Convenções Internacionais.

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Cumpre registrar que, no tocante aos tratados internacionais, não importa a sua natureza jurídica (se lei ordinária, norma constitucional[3] ou supralegal[4]), contra todas é possível a propositura de ADI.

Verificado o conjunto de atos passíveis de controle de constitucionalidade pela Ação Direta de Inconstitucionalidade, trazemos abaixo um breve relato do procedimento dessa ação, a qual é regulada integralmente pela Lei n° 9.868, de 10 de novembro de 1999.

2.3.4. Procedimento da ADI

A Lei n° 9.868/99 dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, evidenciando todo o seu procedimento.

A petição inicial, nos termos do Art. 14, deve indicar o dispositivo da lei ou do ato normativo questionado, a causa de pedir e o pedido com suas especificações, sendo oportuno destacar que o STF não está adstrito à fundamentação jurídica exposta pelo autor, pela chamada causa de pedir aberta.

Todavia, o mesmo não ocorre em se tratando do pedido, salvo na hipótese de inconstitucionalidade por arrastamento ou consequencial, em que observada a dependência normativa de determinados atos, poderá o Supremo Tribunal Federal declará-los inconstitucionais, mesmo que não tenham sido relacionados com os expressamente impugnados na exordial.

Caso o relator entenda que essa inicial é inepta, não fundamentada ou manifestamente improcedente, poderá ele indeferi-la liminarmente, sendo cabível a interposição de agravo dessa decisão no prazo de cinco dias, nos termos do Art. 4o, caput, e parágrafo único, da Lei n° 9.868/99.

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Admitida a ADI, não será permitida a desistência da ação, e a petição será encaminhada aos órgãos ou às autoridades que produziram a lei ou o ato normativo impugnado, os quais deverão prestar informações no prazo de trinta dias, a contar do conhecimento formal da ação.

Posteriormente, será encaminhada, sucessivamente, ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, que terão de se manifestar no prazo de quinze dias.

Encerrados os prazos, o relator do processo enviará um relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento, conforme o Art. 9o da referida lei.

Esse mesmo Art. 9o, em seus § § 1o e 2o, contém inovações importantes ao possibilitar a apuração de questões fáticas no controle de constitucionalidade, práticas anteriormente vedadas no Supremo, o qual entendia que fatos controvertidos ou que necessitassem de alguma instrução probatória não poderiam ser apreciados em sede de ADI.

Superado esse entendimento, o relator, em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, fica autorizado a solicitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para emitir parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Resta facultado ao relator, ainda, solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição.

Sobre o tema, assim dispõe Bernardo Gonçalves Fernandes (2013, p. 1.125):

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Fica claro que o STF, na análise de uma ADI, não trabalha apenas com questões de direito.O STF passa a trabalhar, também, com questões de fato, que não são meramente técnicas, jurídicas.

[...] O art. 9o da Lei n° 9.868/99 traz para o Brasil a lógica da sociedade aberta dosintérpretes da Constituição (Peter Haberle). O STF, literalmente, à luz da dicção legal, chama a sociedade para o debate, pois passa a reconhecer que existem outros intérpretes da Constituição que devem participar do jogo de concretização e de densificação da Constituição. Nesses termos, peritos, especialistas e interessados, como o amicus curiae, são chamados a participar da concretização das normas constitucionais. Embora, é bom que se registre, o intérprete oficial continue a ser o STF. (grifo original)

Concluída a instrução processual e chegada a data do julgamento, o relator, caso estejam presentes pelo menos oito ministros na sessão (Art. 22, Lei n° 9.868/99), lerá seu relatório e voto.

Os demais ministros presentes à sessão podem acompanhar ou divergir do voto do relator, sendo possível a qualquer deles, ainda, pedir vista do processo com o fito de estudá-lo, o que acarretará a suspensão do julgamento.

Ao final, será declarada a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade da lei ou do ato normativo impugnado, se houver votação de, no mínimo, seis ministros em um mesmo sentido (Art. 23, Lei n° 9.868/99). Caso contrário, será a sessão suspensa e marcada outra data para o prosseguimento do julgamento.

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A declaração de inconstitucionalidade possui, em regra, efeitos ex tunc, sendo facultado ao Tribunal modular os efeitos de sua decisão, por maioria de dois terços de seus membros. Assim, poderá o Tribunal restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, conforme previsto no Art. 27 da Lei n° 9.868/99[5].

Essa decisão é irrecorrível, salvo por embargos de declaração, interpostos a fim de se eliminar uma aparente obscuridade, omissão ou contradição no acórdão recorrido.

Cumpre frisar que, de acordo com o Art. 21 da lei ora em comento, há a possibilidade de a inicial trazer também pedido de cautelar, ocasião em que haverá diferenças no trâmite acima exposto, principalmente nos prazos de manifestação, que serão reduzidos. Essas mudanças visam dar eficácia às cautelares, medidas essas requeridas em situações de urgência.

Assim, desde que comprovada a existência de seus requisitos essenciais (fumus boni juris e periculum in mora), pode ser deferida a cautelar pelo Supremo por decisão da maioria absoluta de seus membros.

A concessão dessa cautelar importa na suspensão do julgamento de qualquer processo em andamento perante o Supremo Tribunal Federal, até a decisão final na ação direta de inconstitucionalidade. Embora provisória, referida concessão será dotada, em regra, de efeitos erga omnes e ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa, por meio do mecanismo processual da modulação dos efeitos anteriormente explicado.

Outrossim, afigura-se essencial destacar hipótese mais célere de tramitação do procedimento da ADI, prevista no Art. 12[6] da Lei n° 9.868/99, que permite ao relator, levando em consideração questões singulares do caso, submeter a matéria diretamente ao Tribunal.

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É de extrema relevância evidenciar essa hipótese de trâmite diferenciado do Art. 12 da Lei n° 9.868/99, tendo em vista que as Ações Diretas de Inconstitucionalidade de n° 4887, 4888 e 4889, importantes para o presente trabalho, estão em andamento no Supremo Tribunal Federal sob esse rito, conforme decisão monocrática da Ministra Relatora Carmem Lúcia. Senão vejamos:

ADIs 4887,4888 e 4889: Min. Carmem Lúcia: “(...) 3. Adoto o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/99 e determino sejam requisitadas, com urgência e prioridade, informações do Congresso Nacional, para que as preste no prazo máximo e improrrogável de dez dias. Na seqüência, dê-se vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, sucessivamente, para manifestação, na forma da legislação vigente, no prazo máximo e igualmente improrrogável e prioritário de cinco dias cada qual (art. 12 da Lei n. 9.868/99). Publique-se”.

Do exposto, como já determinados todos os ritos possíveis para o trâmite de uma ação direta de inconstitucionalidade, inclusive o adotado nas ações que interessam ao nosso estudo, passemos à análise do controle de constitucionalidade das Emendas Constitucionais.

2.3.5. Controle de Constitucionalidade das Emendas Constitucionais

As Emendas Constitucionais são uma das espécies normativas que podem ser objeto de uma ADI, ou seja, podem sofrer controle de constitucionalidade por via desta ação.

Frise-se que as famosas PECs (Propostas de Emendas à Constituição) não são passíveis de controle por meio de ADI, uma

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vez que só podem ser objeto dessa ação leis e atos normativos já editados e publicados. Porém, é viável, segundo o STF, a impetração de mandado de segurança por parlamentar, com a finalidade de ilidir proposta de emenda com procedimento incompatível com os preceitos constitucionais.

Conquanto normalmente ocorra o controle de constitucionalidade entre normas infraconstitucionais face à Constituição, é salutar destacar que as Emendas Constitucionais, mesmo dotadas de status de norma constitucional, são passíveis sim de apreciação no juízo de constitucionalidade, tendo em vista não serem oriundas do Poder Constituinte Originário.

As Emendas à Constituição são fruto do Poder de Reforma, o qual foi constituído para alterar nossa Lex Legum quando necessário, de modo a conformá-la com os anseios da sociedade, prevenindo assim um engessamento do texto constitucional e possíveis rupturas da ordem constitucional decorrentes de sua estagnação.

Criado pelo Poder Constituinte Originário, o Poder de Reforma está condicionado pelas regras impostas por aquele, haja vista se encontrar limitado pelas normas expressas e implícitas da Constituição de origem.

O Poder Constituinte Originário, este sim, detém poder ilimitado juridicamente, incondicionado[7] e autônomo, visto ser aquele que instaura uma nova ordem jurídica, rompendo com a ordem precedente.

Ao passo que o Poder de Reforma, que se dá por meio de Emendas e são a única forma de se alterar formalmente a Constituição vigente, encontra restrições na própria CRFB/88 estabelecidas pelo Poder Constituinte Originário.

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Nesse sentido, vejamos o que Luís Roberto Barroso (2012, p. 198) leciona sobre o tema:

[...] pacífica a possibilidade de controle de constitucionalidade de emenda à Constituição. Sujeita-se ela à fiscalização formal — relativa à observância do procedimento próprio para sua criação (art. 60 e § 2o) — e material: há conteúdos que não podem constar de emenda, por força de interdições constitucionais denominadas cláusulas pétreas (art. 60, § 4o). De parte isto, a Constituição prevê, também, limitações circunstanciais ao poder de emenda, que não poderá ser exercido na vigência de intervenção federal, de estado de defesa e de estado de sítio (art. 60, § 1o).

Cumpre ressaltar que as Emendas Constitucionais sofrem, pela CFRB/88, limitações formais ou procedimentais (Art. 60,1, II, III, e §§ 2o, 3o e 5o), circunstanciais (Art. 60, § Io) e materiais (Art. 60, § 4o e todo o bloco de constitucionalidade).

Todavia, essas limitações de nada valeriam se não fosse possível o controle de constitucionalidade das Emendas Constitucionais pelo Poder Judiciário.

Sobre o tema, preconiza Temer (2008, p. 146):

Assim, projeto de emenda só pode converter-se em norma constitucional se obediente a processo legislativo especialmente previsto e abrigando conteúdo não destoante do texto constitucional.

Evidentemente, se uma emenda constitucional trouxer modificação, por exemplo,

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do sistema tributário, vulnerando princípios, ou em desobediência à forma determinada para sua produção, não se admite sua introdução na Constituição. Se vier a introduzir-se, é passível de declaração de inconstitucionalidade.

Convém notar que o texto constitucional abriga vedações explícitas e implícitas.

[...]

As implícitas são as que dizem respeito à forma de criação de norma constitucional bem como as que impedem a pura e simples supressão dos dispositivos atinentes à intocabilidade dos temas já elencados (art. 60, § 4o da CF).

Frente às demasiadas Emendas no ordenamento brasileiro e seu crescente número, afigura-se fundamental o mecanismo de controle de constitucionalidade, para que se possa expurgar de nosso ordenamento as Emendas contrárias aos fundamentos e princípios constitucionais e, com isso, se consiga manter incólume a unidade da Constituição.

Na vigência da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal já teve, algumas vezes, a oportunidade de apreciar a (in)constitucionalidade de Emendas à Constituição, tendo nossa Corte Suprema afirmado pacificamente sua competência para julgá-las via ADI.

Destacam-se a seguir apenas duas delas, a ADI 939/DF e a ADI 2395/DF.

A primeira ação declarou inconstitucional a EC n° 3/93 por violação a princípios e normas imutáveis da Constituição da

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República Federativa do Brasil de 1988, enquanto a segunda foi julgada improcedente face à inexistência de afronta à forma federativa do Estado, cláusula pétrea. Senão vejamos:

Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis(somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio,

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rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequência, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993. (ADI 939, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755) Sic! (grifo nosso).

EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Emenda Constitucional no 15/1996, que deu nova redação ao § 4o do art. 18 da Constituição Federal. Modificação dos

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requisitos constitucionais para a criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios. 3. Controle da constitucionalidade da atuação do poder legislativo de reforma da Constituição de 1988. 4. Inexistência de afronta à cláusula pétrea da forma federativa do Estado, decorrente da atribuição, à lei complementar federal, para fixação do período dentro do qual poderão ser efetivadas a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios. Precedente: ADI n° 2.381-1/RS, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.12.2001. 5. Ação julgada improcedente. (ADI 2395, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2007, DJe-092 DIVULG 21-05-2008 PUBLIC 23-05-2008 EMENT VOL-02320-01 PP-00122 RTJ VOL-00205-02 PP-00618).

Esses são apenas dois dos inúmeros precedentes do STF relacionados com o controle jurisdicional de emendas constitucionais.

Assim, resta clarividente que nossa Suprema Corte não tem encontrado problemas para analisar e, em concordando com o requerente, declarar a inconstitucionalidade de normas editadas pelo Poder Constituinte de Reforma.

Por essa razão, afigura-se plenamente possível o julgamento das ADIs n° 4887, 4888 e 4889, em trâmite no Supremo — objetos do presente trabalho — vez que pugnam pela declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003, que tratou da chamada Reforma da Previdência.

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3. DEVER DE DECORO PARLAMENTAR E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DECORRENTE DE SUA AUSÊNCIA

O processo legislativo para a elaboração e formação das espécies normativas, dentre as quais merecem destaque as Emendas à Constituição, devem passar por um trâmite específico com as seguintes etapas: iniciativa, votação, promulgação e publicação.

Dentre elas, cumpre-nos destacar, face sua relevância para o desenvolvimento do tema do presente trabalho, a fase de votação, na qual, constatadas irregularidades em seu processo, maculam a lei aprovada por vício de inconstitucionalidade.

Em específico, neste trabalho, examinar-se-á a possibilidade de inconstitucionalidade por vício decorrente da quebra de decoro parlamentar.

Sobre o tema, Pedro Lenza (2013, p. 273) defende que a irregularidade na fase de votação implica em malferimento da prerrogativa parlamentar mais relevante, o voto, podendo, portanto, macular todo o processo legislativo de formação das Emendas.

Destarte, a quebra de decoro parlamentar ocasiona vício de inconstitucionalidade, ao se infringir os deveres parlamentares previstos no Art. 55, § Io da CRFB/88 e diversos princípios constitucionais, como os da moralidade e da representação popular. Nesse sentido, assevera o autor:

Como se sabe e se publicou em jornais, revistas etc., muito se falou em esquema de compra de votos, denominado “mensalão”, para votar de acordo com o governo ou em certo sentido.

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As CPIs vêm investigando e a Justiça apurando, e, uma vez provados os fatos, os culpados deverão sofrer as sanções de ordem criminal, administrativa, civil etc.

O grande questionamento que se faz, contudo, é se, uma vez comprovada a existência de compra de votos, haveria mácula no processo legislativo de formação das emendas constitucionais a ensejar o reconhecimento de sua inconstitucionalidade.

Entendemos que sim, e, no caso, trata-se de vício de decoro parlamentar, já que, nos termos do art. 55, § Io, “é incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou apercepção de vantagens indevidas”.

Dito isso, cabe lembrar que, no julgamento da AP 470(conhecida como “mensalão”),ficou demonstrado o esquema de corrupção para compra de apoio político (matéria pendente).(LENZA, 2013, p.273) (grifo original)

Assim sendo, destaca-se a importância da compreensão do conceito de decoro parlamentar, para que, em seguida, seja possível verificar a ocorrência de sua violação, o que ensejaria, segundo Lenza, a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, notadamente as Emendas Constitucionais.

3.1. Conceito de decoro parlamentar

O decoro parlamentar traz a ideia de dignidade, decência, honestidade dos deputados e senadores no exercício parlamentar.

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José Anacleto Abduch Santos (2008, p. 751), sobre o conceito de decoro parlamentar, assim leciona:

[...] o decoro parlamentar é o “conjunto de princípios éticos e normas de conduta que devem orientar o comportamento do parlamentar no exercício de seu mandato”. Logo, decoro parlamentar, como conduta exigível do parlamentar, é espécie do gênero decoro (conduta exigível de todas as pessoas que pretendem bem viver em sociedade, exercendo seus direitos e respeitando os direitos alheios).

Dessa forma, cumpre asseverar que os parlamentares estão sujeitos a um código de ética e decoro parlamentar, que estabelece os princípios éticos e as regras básicas que devem orientar a conduta dos que estejam no cargo de senador ou de deputado.

Nossa atual Constituição, em seu Art. 55, § Io, estabelece que “é incompatível com

o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.

Ocorre que, muito embora as condutas que desvelam a quebra de decoro parlamentar estejam definidas na Constituição ou nos Regimentos Internos das Casas Legislativas, que por sinal não vão muito além da redação do dispositivo constitucional supratranscrito, seu conceito continua relativamente indeterminado.

Ao explicar o motivo para essa indeterminação, Carla Costa Teixeira (1996, p. 124) leciona que “o decoro parlamentar,

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como um código de honra, precisa se referir aos valores de uma época e de um grupo. Vem daí sua necessária imprecisão, sua natureza avessa à plena tradução em atos especificados juridicamente”.

Todavia, apesar de indeterminado, é possível se depreender, conforme as palavras do Procurador do Estado do Paraná, José Anacleto Abduch Santos (2008, p. 751), que “o parlamentar deve guardar conduta compatível com a dignidade da função pública e do mandato recebido - o que deve ser interpretado em conformidade com os princípios constitucionais a que estão sujeitos os agentes públicos”.

Do exposto, verifica-se que a conduta de todo parlamentar deve estar pautada em conformidade com um conjunto de princípios éticos e, sobretudo, constitucionais, de modo a permanecer dignificada a Instituição do Parlamento.

E uma dessas condutas claramente atentatórias ao dever de decoro parlamentar é a compra de votos de parlamentares, que deixam de prestar com dignidade sua função precípua para votar de acordo com interesses escusos, ferindo uma série de princípios constitucionais, conforme se verificará a seguir.

3.2. Princípios ofendidos pela quebra do decoro parlamentar

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu Art. 1o, afirma nosso País como um Estado Democrático de Direito em que todo o poder é do povo, emana dele, e em seu nome é exercido, seja mediante sua participação direta ou por meio de representação política. In verbis:

Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se

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em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifo nosso).

Resta claro, assim, que nossa Constituição adota um regime de governo que se funda no princípio democrático, mais precisamente em uma democracia representativa e participativa, ou seja, semidireta, em que se configura a predominância das formas clássicas da democracia representativa sobre os mecanismos da democracia direta, expressos no Art. 14, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. In verbis:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I - plebiscito;

II - referendo;

III - iniciativa popular.

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Sobre o tema, José Afonso da Silva (2010, p. 131) assevera:

A democracia, em verdade, repousa sobre dois princípios fundamentais ou primários, que lhe dão a essência conceituai: (a) o da soberania popular, segundo o qual o povo é a única fonte do poder, que se exprime pela regra de que todo o poder emana do povo', (b) a participação, direta ou indireta, do povo no poder, para que este seja efetiva expressão da vontade popular, nos casos em que a participação é indireta, surge um princípio derivado ou secundário: o da representação, (grifo do autor)

Todavia, resta lembrar que há inúmeras limitações impostas à participação popular, que acabam distanciando os cidadãos do processo legislativo, e toma os mecanismos de participação direta da população como, no mínimo, de difícil aplicação prática.

A maior prova disso é que, passados mais de vinte anos da promulgação da Constituição cidadã, aconteceram apenas duas consultas populares: o plebiscito de setembro 1993 (art. 2o, ADCT-CF), pelo qual o eleitorado definiu a forma e o sistema de governo; e o referendo de outubro de 2005, que decidiu pela não-proibição da comercialização de armas e munições no País.

O sistema eleitoral vigente privilegia os atuais mandatários e acaba por servir meramente como instrumento de legitimação superficial dos governantes, que continuam a perseguir interesses julgados por eles importantes.

Destarte, poderiam ser levadas ao debate público as fases de elaboração e aprovação das leis, dando maior oportunidade de participação na produção de um consenso.

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Alavancava- se maior espaço para a cidadania, respeitando a vontade popular. Isso de maneira alguma afrontaria a democracia representativa, mas, na democracia semidireta, não se pode deixar a sociedade tão alheia às principais decisões, pois uma sociedade só se torna efetivamente democrática na medida em que o povo participe efetivamente das decisões políticas do Estado.

Note-se que, na representação política, deve haver delegação temporária por parte do povo de cota de seu poder soberano concretizada por mandato conferido aos seus representantes, os quais, eleitos pelo voto, detêm esse múnus público de legislar em nome do povo e segundo seus anseios.

Portanto, deve-se concretizar o princípio da soberania popular, pois o poder soberano do povo tem apenas o seu exercício transferido aos seus representantes, os quais, a seu turno, devem atender as necessidades da população.

A soberania popular é, portanto, corolário do exercício da democracia representativa, sem olvidar que a novel Constituição cuida também da democracia participativa pelos mecanismos acima explanados.

Os representantes do povo são escolhidos por meio de eleições periódicas, em que os vencedores são investidos em mandatos temporários para o exercício da função parlamentar.

E como já explanado, a conduta desses parlamentares deve estar norteada por princípios éticos e jurídicos, de tal forma que se respeitem e se cumpram os compromissos firmados quando de sua candidatura.

Todavia, no Brasil, tem-se verificado a crise desse modelo representativo, tendo em vista, principalmente, que seus postulados não vêm sendo obedecidos.

Hodiernamente, muitos parlamentares já não representam mais o povo, que, por sua vez, não participa ativamente do processo de tomadas de decisões políticas.

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Deparamo-nos cada vez mais com tristes episódios que maculam a legitimidade da representação popular. Incidentes como o do “mensalão” acabam por desacreditar o sistema representativo.

Salvo raras exceções de parlamentares que prestigiam o sentido de democracia e que laboram com seriedade, vivemos atualmente sob uma ilusória representação popular.

Na lição de José Afonso da Silva (2010, p. 140), citando Luís Carlos Sáchica:

A representação é montada sobre o mito da “identidade entre povo e representante popular” que tende “a fundar a crença de que, quando este decide é como se decidisse aquele, que o segundo resolve pelo primeiro, que sua decisão é a decisão do povo;...que, em tal suposição, o povo se autogoverna, sem que haja desdobramento, atividade, relação intersubjetiva entre dois entes distintos; o povo, destinatário das decisões, e o representante, autor, autoridade, que decide para o povo”.

É nessa crise de representação que se localiza a raiz de todos os problemas do sistema representativo. Ela constitui um dos mais sérios obstáculos à consolidação da democracia no Brasil.

O parlamentar, uma vez eleito, sujeita-se a diversos princípios constitucionais e, como todo agente público, tem o dever de decoro, in casu, de decoro parlamentar, que seria a conduta exigível dos representantes atuantes nas casas legislativas.

Ora, é clarividente que os deputados e senadores, ao malversarem suas prerrogativas e deveres parlamentares, estão violando diversos princípios constitucionais, sendo um deles

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princípio pilar de nosso Estado Democrático de Direito, qual seja, o princípio da representação popular. Ao procederem sem a necessária ética em seu labor, estão por desrespeitar o povo em sua representatividade. Digo isso porque a representação popular não consiste em atribuir um poder absoluto ao parlamentar, mas uma representação do povo, em que o representante deve expressar o que o representado quer, de forma democrática.

Note-se, ainda, que qualquer ato atentatório ao decoro parlamentar está por ofender o princípio da democracia, haja vista que, ao deixarem de exercer suas funções devidamente, ou seja, deixando de buscar a satisfação dos interesses de seus representados para procurar concretizar interesses escusos, estão esses parlamentares desrespeitando a própria democracia e, porque não dizer, o Estado Democrático de Direito como um todo.

Ademais, frise-se a ofensa a outros princípios constitucionais, quando há quebra do dever de decoro, tais como os princípios da moralidade e da probidade administrativas, também consagrados pelo Estado Democrático de Direito.

O princípio da moralidade, expressamente previsto no Art. 37 da Constituição, e o princípio da probidade administrativa são institutos que visam impedir as arbitrariedades e desonestidades estatais, visando sempre o bem comum.

Inobstante ser difícil estabelecer uma diferenciação entre esses conceitos, Larissa Freitas Carlos (2000, online) os diferencia estabelecendo que:

A moralidade administrativa compreende o tipo de comportamento que os administrados esperam da administração pública para a consecução de fins de interesse coletivo,

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segundo uma comunidade moral de valores, já a probidade na administração vem a ser o agir em consonância com tais valores, de modo a propiciar uma administração de boa qualidade. A moralidade é o genérico, do qual a probidade é uma especialização.

Por sua vez, sobre o dever do parlamentar de exercer com moralidade e probidade a sua função, José Anacleto Abduch Santos (2008, p. 752) assim leciona:

O parlamentar, como todo agente público, tem o dever do decoro - dentro e fora do Parlamento! Tem o dever de, com sua conduta, transmitir aos seus outorgantes (o povo) uma mensagem clara de respeito aos padrões sociais contemporâneos de moralidade, ética, honestidade e probidade. O Parlamento é instituição fundamental e indispensável à democracia, e seus integrantes recebem a responsabilidade de exercer com dignidade e honra a função parlamentar e a de prestar contas quanto aos deveres outorgados junto com o mandato recebido - o que inclui o dever de observância das leis e normas vigentes, de retidão moral e de caráter.

Visando resguardar a moralidade e a probidade administrativa no exercício de mandatos públicos, foi criada a Lei Complementar n° 135, de 4 de junho de 2010, que estabelece, de acordo com o § 9odo Art. 14 da Constituição Federal[8], casos de inelegibilidade, prazos de cassação, dentre outras providências.

A supramencionada Lei Complementar ficou popularmente conhecida como “Lei da Ficha Limpa” e determina

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precipuamente que “aqueles que não possuírem vida pregressa e comportamento compatíveis com os princípios da Moralidade e da Probidade Administrativa tornam-se desonerados e incapacitados dessa árdua e relevante tarefa de definir os rumos da coletividade” (BELISCO, 2012, online).

Diante do exposto, resta patente que o parlamentar, ao desrespeitar seu dever de decoro, infringe uma série de princípios éticos e, sobretudo, jurídicos, estabelecidos em nossa Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, devendo, portanto, ser coibida a prática de conduta contrária ao decoro e seus desdobramentos.

3.3. Hipóteses de quebra de decoro parlamentar

Embora seja difícil descrever com exatidão quando um parlamentar descumpre com seu dever de decoro, analisaremos e teceremos a seguir breves considerações sobre as três hipóteses previstas em nossa atual Constituição:

1) os casos previstos nos regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal;

2) o abuso das prerrogativas asseguradas aos membros do Congresso;

3) a percepção de vantagens indevidas.

Nos regimentos internos das casas legislativas, as mesmas disposições da Constituição são repetidas, quase que de mesmo modo, nos Art. 240 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e Art. 32 do Regimento Interno do Senado Federal.

À guisa de exemplo, tomemos o regimento da Câmara dos Deputados e demais atos normativos, a fim de explicitar

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determinadas hipóteses de quebra de decoro e as medidas disciplinares que visam coibir tais práticas.

O Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, por exemplo, alarga as possibilidades de quebra de decoro:

Art. 4o - Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato: I - abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § Io); II - perceber, a qualquer título, em proveito próprio ou de outrem, no exercício da atividade parlamentar, vantagens indevidas (Constituição Federal, art. 55,§1°); III - celebrar acordo que tenha por objeto a posse do suplente, condicionando- a a contraprestação financeira ou à prática de atos contrários aos deveres éticos ou regimentais dos deputados; IV - fraudar, por qualquer meio ou forma, o regular andamento dos trabalhos legislativos para alterar o resultado de deliberação; V - omitir intencionalmente informação relevante, ou, nas mesmas condições, prestar informação falsa nas declarações de que trata o art. 18.

Art. 5o- Atentam, ainda, contra o decoro parlamentar as seguintes condutas, puníveis na forma deste Código:

I - perturbar a ordem das sessões da Câmara ou das reuniões de comissão;

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II - praticar atos que infrinjam as regras de boa conduta nas dependências da Casa; III - praticar ofensas físicas ou morais nas dependências da Câmara ou desacatar, por atos ou palavras, outro parlamentar, a Mesa ou comissão, ou os respectivos Presidentes;

[...]

É salutar trazer à baila o Art. 25 do Regimento Interno do Senado, o qual estabelece que somente dentro do edifício do Senado Federal poderia o Senador ser responsabilizado pelo exercício de ato incompatível com o decoro parlamentar. Senão vejamos:

Art. 25. Se algum Senador praticar, dentro do edifício do Senado, ato incompatível com o decoro parlamentar ou com a compostura pessoal, a Mesa dele conhecerá e abrirá inquérito, submetendo o caso ao Plenário, que sobre ele deliberará, no prazo improrrogável de dez dias úteis. (NR)

Todavia, cumpre frisar que há quem discorde do teor do supracitado dispositivo, como José Anacleto Abduch Santos (2008, p.752), que sobre o tema assim assegura:

O parlamentar não é parlamentar apenas entre as quatro paredes do prédio do Parlamento. No Parlamento, exerce a função pública, mas não se despe da condição de parlamentar ao se retirar dele. (...) A conduta do titular de mandato eletivo deve ser exemplar, seja nos trabalhos realizados no exercício da função pública, seja na conduta privada, sob

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pena de tornar a expressão “decoro parlamentar” uma contradição em termos.

Nesse mesmo sentido, Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro (2007, online):

[...] decoro parlamentar visa a assegurar e preservar a própria imagem que se tem do Poder Legislativo. E esta imagem, desenganadamente, pode ser afetada por atos de congressistas que não guardem qualquer relação com o efetivo exercício do mandato parlamentar.

Nesta linha, no extremo, pode o Congresso Nacional entender que a permanência, na Casa, de parlamentar acusado de estupro afeta, sim, a própria honorabilidade do Parlamento. Trata-se, portanto, de ato completamente destacado da atividade parlamentar (suposta prática de estupro), mas, ainda assim, potencialmente apto a danificar a honra objetiva do Parlamento.

Outros exemplos poderiam ser dados, todos eles evidenciadores de que tanto atos públicos, praticados por parlamentares enquanto tal, como atos de índole meramente privada, são virtualmente capazes de atingir o Congresso Nacional. Tanto é assim, que as vedações constitucionais impostas aos parlamentares também se referem a atos que não guardam qualquer relação com o mister congressional. Veja-se, por exemplo, que, desde a expedição do diploma, Deputados e Senadores não poderão firmar ou manter

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contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária. Típica limitação que, inspirada pelo princípio da moralidade administrativa, atinge a esfera privada, negociai, empresarial, do parlamentar (CF, art. 54,1, "a"). Sic!

Quanto à questão do abuso das prerrogativas parlamentares, Celso Ribeiro Bastos (1999, p. 243) afirma que “o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional seria o equivalente a abusar das imunidades outorgadas ao parlamentar para o bom e independente desempenho de seu cargo”.

E no que diz respeito ao que seria a percepção de vantagens indevidas, destacamos que essa pode ser entendida como qualquer benefício que o parlamentar aufira sem título legítimo do próprio Estado ou de um particular.

Cumpre frisar, ainda, que não é necessário que a conduta incompatível com o decoro parlamentar tenha se dado na vigência do mandato para que reste configurada violação ao decoro, pois práticas realizadas em períodos fora do mandato também enfrentam a sua censura.

Nessa perspectiva, destaco mais um entendimento de Pinheiro (2007, online) sobre o tema:

Assim, é desnecessário, para a configuração da quebra de decoro parlamentar, qualquer relação de contemporaneidade entre a prática do ato tido como indecoroso e a titularidade do mandato ou, ainda, qualquer vínculo material de implicação entre a conduta

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desabonadora e o exercício das funções congressuais. Ao contrário disso, o processo de cassação por quebra de decoro pode validamente se instaurar sempre que a Casa Legislativa, num juízo que lhe é absolutamente privativo, entender que conduta imputada a parlamentar pode comprometer, por sua gravidade mesma, o prestígio social desfrutado pela Instituição.

Igualmente, ressalte-se que o momento em que referidas condutas indecorosas são praticadas não se mostra essencial para a configuração de quebra de decoro e a perda do mandato daí advinda, uma vez que todas essas hipóteses supramencionadas não foram criadas com o fito de vigiar o exercício do mandato do parlamentar, mas sim de manter a honra objetiva do Parlamento.

3.4. Das penalidades aplicáveis por conduta violadora do dever de decoro

Para a concretização do regime democrático, é imprescindível, dentre outros requisitos, o fortalecimento dos padrões éticos e morais da sociedade, ante o exorbitante número de casos comprovados de corrupção em nosso País. Logo, faz-se necessária, para frear essas práticas indecorosas dos parlamentares, a criação de mecanismos de punição.

O Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, a título de exemplo, estabelece, em seu Art. 10, sanções cabíveis aos parlamentares que infringirem seu dever de decoro:

Art. 10. São as seguintes as penalidades aplicáveis por conduta atentatória ou incompatível com o decoro parlamentar:

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I - censura, verbal ou escrita;

II - suspensão de prerrogativas regimentais;

III - suspensão temporária do exercício do mandato;

IV - perda do mandato.

Parágrafo único. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a Câmara dos Deputados, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do infrator.

Consoante previsão constitucional, destaquem-se algumas situações que, excepcionalmente, podem acarretar a perda de mandato parlamentar antes de findo o seu prazo, mais precisamente no Art. 55 da CRFB/88:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

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V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;

VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

(...)

§ 2o - Nos casos dos incisosI, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa, (grifo nosso).

Dentre os casos acima enumerados, cumpre-nos destacar, face sua relevância para o desenvolvimento de nossa pesquisa, a hipótese decorrente de procedimento incompatível com o decoro parlamentar.

Conforme especificado no § 2o do Art. 55, CRFB/88, essa sanção de perda do mandato é ato disciplinar de competência privativa da respectiva Casa Legislativa, a qual pode determinar a cassação do mandato parlamentar como uma medida disciplinar, mediante votação secreta[9] e por quórum de maioria absoluta, após provocação da Mesa da Câmara ou do Senado, a depender do caso, ou de partido político com representação no Congresso Nacional.

No caso da Câmara dos Deputados, é de responsabilidade do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, criado em outubro de 2001, estabelecer a abertura de processo disciplinar para a aplicação de penalidades nos casos de

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descumprimento de normas relativas à quebra de decoro parlamentar.

Tramitou no referido Conselho apenas um processo disciplinar por quebra de decoro parlamentar, esse contra o deputado Natan Donadon, este que foi o primeiro caso de parlamentar a cumprir pena no exercício do mandato.

Esse deputado encontra-se atualmente preso na penitenciária da Papuda, em Brasília, em razão de ter sido condenado por sentença penal transitada em julgado no Supremo Tribunal Federal por crimes de formação de quadrilha e de peculato, tendo inclusive seu pedido de revisão criminal sido rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal recentemente.

Tendo em vista que a condenação criminal transitada em julgado não cassa automaticamente o mandato parlamentar, porquanto cabe ao Poder Legislativo dar a palavra final sobre a perda de mandato[10], o Partido Socialista Brasileiro (PSB) entrou com uma representação contra Donadon no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, visando à cassação de seu mandato por quebra de decoro parlamentar.

Essa representação visa resguardar a imagem da Câmara dos Deputados, uma vez que a manutenção do mandato de um condenado por crimes contra a Administração Pública macularia a integridade da Instituição Parlamentar.

Nesse sentido, o deputado Beto Albuquerque (2013, online), líder do PSB na Câmara dos Deputados, em sessão realizada no dia dois de setembro de 2013, reforçou a representação apresentada por seu partido político, pronunciando-se sobre o assunto da seguinte maneira:

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[...] Deputado Natan Donadon, que se encontra preso na Papuda, tendo sido condenado criminalmente, e havido transitado em julgado o processo.

(...)

A conveniência da quebra de decoro parlamentar está em ofensa à integridade da instituição, do Parlamento, de todos os Parlamentares. O que se julga não é o comportamento do Parlamentar em questão, mas, sim, o ferimento mortal do conjunto da instituição, do próprio Poder Legislativo.

Então, o conceito abrangente de decoro parlamentar na Constituição se dá exatamente no sentido de que esta Casa tenha, de forma pertinente, o juízo de valor de julgar esse tipo de fato.

Hoje, esta Casa não pode negar que está constrangida; não pode negar que está em desconexão com a sociedade brasileira; e não pode negar que há em curso um movimento no sentido de repulsa à decisão tomada.

É flagrante, portanto, que a manutenção do mandato de Natan Donadon ofendia a regra do decoro parlamentar, que, consoante outrora demonstrado, não tem como objetivo tutelar o exercício do mandato, mas, sim, a honra objetiva do Parlamento.

Sobre o tema, Pinheiro (2007, online):

A idéia, portanto, em tema de cassação de mandato parlamentar por quebra de decoro, é a preservação da intangibilidade do bem jurídico

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que se pretende tutelar, qual seja, a respeitabilidade, a honorabilidade, da Instituição Parlamentar. (,..)velar pelo funcionamento das instituições democráticas e pela crença na democracia como o único regime capaz de assegurar o pleno exercício dos direitos fundamentais. Sic!

E foi nesse sentido que assim decidiu o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, ao, em fevereiro de 2014, e por votação aberta, condenar o ex-deputado Natan Donadon por quebra de decoro parlamentar, finalmente cassando seu mandato.

Assim, as condutas praticadas por parlamentares que atentarem contra os deveres éticos inerentes ao decoro merecem a devida averiguação e punição, de modo que eles exerçam seu múnus público de maneira proba e, com isso, a vontade popular e, consequentemente, a democracia sejam respeitadas.

4. DISCUSSÃO ACERCA DA INCONSTITUCIONALIDADE DA EC N° 41/2003 POR VÍCIO DE DECORO PARLAMENTAR - ADIs N°S 4887, 4888 E 4889

Inicialmente, cumpre frisar que, para a maior parte da doutrina, dentre eles José Afonso da Silva (2010, p. 47), a incompatibilidade, tecnicamente denominada de inconstitucionalidade, pode ocorrer de duas maneiras:

(a) formalmente, quando tais normas são formadas por autoridades incompetentes ou em desacordo com formalidades ou procedimentos estabelecidos pela constituição; (b) materialmente, quando o conteúdo de tais leis ou atos contraria preceito ou princípio da constituição.

Contudo, merece destaque a hipótese peculiar de inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar, a

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qual desafia o controle jurisdicional de constitucionalidade, conforme tese idealizada e lançada por Pedro Lenza em 2005.

A tese de nova hipótese para o controle de constitucionalidade agora encontra respaldo para ser aplicada, em razão do julgamento do caso do “mensalão” na Ação Penal (AP) n° 470, oportunidade em que se concluiu pela existência de um esquema de compra de votos de sete parlamentares, para que projetos de lei fossem aprovados de acordo com os interesses do governo à época. Atualmente, a Ação Penal se encontra em sede de embargos infringentes no Supremo Tribunal Federal, e seu mérito já foi amplamente discutido e analisado, tendo os Ministros se manifestado por diversas vezes no sentido de que houve, sim, a compra de votos na Câmara dos Deputados.

Consoante o decisum do STF, verifica-se a ocorrência de grave vício no processo legislativo da Emenda Constitucional n° 41/03. Entretanto, questão nodal a ser enfrentada pelo STF nas ADIs n°s 4887, 4888 e 4889 reside antes na possibilidade de controle de constitucionalidade por quebra de decoro parlamentar em face da comprovada existência de esquema de compra de votos.

Lenza entende ser possível o controle de constitucionalidade pelo Judiciário por vício decorrente de quebra do decoro parlamentar (2013, p. 273):

(...) trata-se de vício de decoro parlamentar, já que, nos termos do art. 55, § Io, “é incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou apercepção de vantagens indevidas”.

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Frise-se que, embora desde 2005 Lenza levante a possibilidade de controle de constitucionalidade por supramencionado motivo, somente agora o Supremo Tribunal Federal se manifestará sobre esse vício, uma vez que tramitam na Corte Suprema três ações sobre a matéria.

Nesse passo, é oportuno registrar que a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL), a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizaram, respectivamente, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n°s 4887, 4888 e 4889 no Supremo Tribunal Federal, tendo as três como relatora a Ministra Carmem Lúcia, todas com o fito de ver declarada a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003.

Nesse sentido, Fonseca (2012, online)assevera que:

Há algum tempo o Prof. Pedro Lenza vem levantando a discussão sobre a inconstitucionalidade decorrente da quebra de decoro parlamentar. Este assunto já foi até objeto de questionamento em concurso público. O tema é polêmico, não havendo consenso doutrinário sobre ele. Agora o STF terá a oportunidade de se manifestar sobre o assunto. Tratam-se de ADIs que questionam a Reforma da Previdência (EC n° 41/2003), sob a alegação de que foi aprovada por meio de votos de parlamentares comprados por réus condenados no Mensalão (AP 470).

Passemos agora a uma breve análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidade que estão com julgamento pendente no Supremo Tribunal Federal, atualmente conclusas à relatora Ministra Carmem Lúcia, ressaltando que, inobstante essas ADIs apresentem

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também outros vícios formais e materiais da Emenda Constitucional n° 41/03, no presente trabalho, deter-nos-emos nos argumentos que se referem a inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar.

Ao final, destacaremos outros argumentos favoráveis à referida inconstitucionalidade dessa Emenda por esse vício, além de expor os argumentos contrários, os quais defendem a sua constitucionalidade.

4.1. Análise da ADI N° 4887

Ação ajuizada pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, com pedido cautelar, pugnando pela inconstitucionalidade de toda a Emenda Constitucional n° 41/2003, em especial do Art. 40, § 7o, I e II, CRFB/88, com as alterações trazidas pela emenda rechaçada, bem como pela totalidade da EC n° 47/2005.

Buscaremos, por enquanto, trazer alguns argumentos que militam em favor da inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003 por vício decorrente de quebra do decoro parlamentar.

A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil sustentou na exordial que a Emenda Constitucional n° 41/2003 foi introduzida em nosso ordenamento jurídico mediante processo legislativo viciado, uma vez que restou comprovado, na Ação Penal n° 470, a existência de esquema de compra de votos de deputados federais por integrantes do Executivo à época, violando princípios como os da moralidade e da representatividade popular, assegurados por nossa Carta Magna. Senão vejamos:

[...] afronta ao princípio da moralidade (C.F.. art. 37, caput, tendo em conta que o processo legislativo foi, inequivocadamente, imoral e fraudado, como ficou já demonstrado nos

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presentes autos(venda de votos). Maculada, destarte, “a essência do voto e o conceito de representatividade popular (C.F., art. Io, § único) (grifo original)

Ao ser aprovada por meio de procedimento viciado, em que parlamentares votaram pela aprovação da Emenda por interesses particulares, resta clarividente que houve vício decorrente da quebra de decoro parlamentar por ofensa ao Art. 55, § Io, da CRFB/88, bem como a diversos princípios constitucionais, o que esvazia a legitimidade da aprovação da Emenda.

Por conseguinte, toma-se premente a necessidade de se expurgar a Emenda Constitucional n° 41/2003 de nosso ordenamento.

Nesse sentido, colaciono trecho da inicial em comento:

Em suma, o vício ocorrido no processo legislativo demonstrado é inequívoco e, portanto, tornam os atos normativos impugnados in totum inconstitucionais e nulos, de forma chapada, data vênia, expressão utilizada, no cotidiano, pelo então Ministro Sepúlveda Pertence, isto é, na espécie, a totalidade das Emendas Constitucionais 41/03 e 47/05. (grifo original)

Por sua vez, o Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual do Rio de Janeiro (SINFRERJ) e o Sindicato Nacional dos Servidores Federais Autárquicos nos Entes de Formulação, Promoção e Fiscalização da Política da Moeda e do Crédito (SINAL) requereram o ingresso no feito na condição de amicus curiae, conforme previsto no Art. 7o, § 2o, da Lei n° 9.868/99[11].

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Cumpre trazer à baila o Parecer do Procurador-Geral da República, que reconheceu não haver dúvida de que houve vício na formação da vontade no procedimento legislativo, e que houve nítida violação aos princípios democrático e do devido processo legislativo. Todavia, ao final, alegou não ter havido comprovação de mácula na vontade de parlamentares em número suficiente para alterar o quadro de aprovação do ato normativo, e, em respeito ao princípio constitucional de presunção de não culpabilidade (art. 5o, LVII, CRFB/88), não poderia ser presumido esse esquema de compra e venda de votos e apoio político aos demais parlamentares envolvidos, razão pela qual deu parecer pela improcedência do pedido autoral.

Os autos de referida ação, até o momento do fechamento deste capítulo, estão conclusos à relatora. Aguardemos como o Supremo Tribunal Federal analisará essa nova hipótese de vício de inconstitucionalidade.

4.2. Análise da ADI N° 4888

Nesta ADI, a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) afirmou a inconstitucionalidade dos Arts. Io e 4o da Emenda Constitucional n° 41/2003 por contrariarem o disposto no Art. 55, § Io da CRFB/88, ao defender que “as normas em questão foram editadas em um contexto e em uma dinâmica de vício insanável de decoro parlamentar, vedado expressamente no artigo 55. § 1°. da Constituição da República Federativa do Brasil”.(grifo original)

Na inicial, a parte autora revela a mácula no processo legislativo, votação da Emenda Constitucional n° 41/2003, ao descrever que:

O Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal 470, também já reconheceu a

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comprovação induvidosa da existência de crime contra a República Federativa do Brasil, crime de lesa-pátria alojado no lamentável fenômeno de quebra de decoro parlamentar à ocasião do processo legislativo de formação e votação da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003, publicada no Diário Oficial da União, em 31/12/03, emenda essa que ensejou a malfadada “Reforma da Previdência”, com redução de direitos previdenciários de servidores públicos e a privatização de parte do sistema político de seguridade.

A Confederação dos Servidores Públicos do Brasil destacou que as condutas criminosas dos parlamentares envolvidos no esquema organizado para ampliar a base de apoio do governo na Câmara dos Deputados acarretaram o malferimento da soberania popular, da moralidade e da probidade administrativas.

Ademais, a parte autora salientou a necessária existência de “instrumentos jurídicos capazes de inibir eventuais desvios de poder ou de conduta ocorridos quando do exercício da atividade parlamentar”. Assim, uma vez caracterizada a prática de abuso ou desvio desse poder, deve o Judiciário agir, a fim de impedir que atos normativos sejam elaborados e aprovados mediante processo legislativo viciado.

Destaque-se que a inicial em comento assenta-se em decisão, inaugural no âmbito do Poder Judiciário sobre o tema, de lavra do magistrado mineiro Doutor Geraldo Claret de Arantes, que, ao julgar o Mandado de Segurança n° 002412129593-5, declarou, em 3 de outubro de 2012, em sede de controle difuso, a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003 por

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vício decorrente da quebra de decoro parlamentar. Cópia integral da sentença encontra-se em anexo.

Colaciona-se excerto da decisão supracitada, in verbis:

[...] EC 41/2003 foi fruto não da vontade popular representada pelos parlamentares, mas da compra de tais votos, mediante paga em dinheiro para a aprovação no parlamento da referida emenda constitucional que, por sua vez, destrói o sistema de garantias fundamentais do estado democrático de direito.

Aguardemos como o Supremo Tribunal Federal vai se manifestar sobre a matéria; atualmente, os autos se encontram conclusos à relatora, Ministra Carmem Lúcia.

4.3. Análise da ADI N° 4889

A Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4889 ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) questiona a inconstitucionalidade da Reforma da Previdência, visto que restou comprovada a prática do crime de corrupção passiva de sete parlamentares, os quais venderiam seus votos para a aprovação de projetos importantes do governo em troca de benefícios financeiros.

Conforme a parte autora, estaria, dessa forma, evidenciado o vício de inconstitucionalidade por violação dos princípios da representação democrática e da moralidade.

Para reforçar o exposto, colacionam-se trechos da inicial desta ação:

Está-se diante de uma conduta que comprovadamente afrontou o princípio da representação popular, na forma do quanto

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arguido. O vício de vontade dos parlamentares, para além de contaminar o de outros parlamentares, que seguiram a orientação do seu partido, num total de 108 votos, contaminou o próprio processo legislativo, que, não pode prevalecer face à patente inconstitucionalidade que o inquina.

[...]

Inegavelmente, a votação da PEC 40/2003 foi fraudada, corrompida, vilipendiada por dinheiro e razões outras escusas, por exercício de indevido poder político e por meios ilícitos e vedados que burlaram o devido processo legislativo e inconstitucionalmente fixada a Emenda - ferindo notadamente os princípios da moralidade, da ética, da democracia, da representação popular - art. Io, Parágrafo único da CF/88, da boa-fé, da segurança jurídica, do devido processo legislativo - culminou na inconstitucionalidade formal da Emenda Constitucional 41/2003, razão pela qual se requer à essa Corte o controle de constitucionalidade abstrato para declarar a inconstitucionalidade da referida norma, retirando-a do ordenamento.

Por fim, em sucinta análise das três ADIs que estão aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal, todas versando sobre o vício de inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar, destaca-se a condução dos processos pela relatora Ministra do STF, Carmem Lúcia, a qual fez por bem atribuir o rito abreviado do Art. 12 da Lei n° 9.868/99, determinando que sejam prestadas com urgência informações do Congresso Nacional

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sobre os dispositivos questionados, abrindo vista ao Procurador-Geral da República e ao Advogado- Geral da União para manifestação, além de levar a matéria diretamente ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, consoante trechos do seguinte despacho:

2. Adoto o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/99 e determino sejam requisitadas, com urgência e prioridade, informações do Congresso Nacional, para que as preste no prazo máximo e improrrogável de dez dias.

Na sequência, dê-se vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador- Geral da República, sucessivamente, para manifestação, na forma da legislação vigente, no prazo máximo e igualmente improrrogável e prioritário de cinco dias cada qual (art. 12 da Lei n. 9.868/99). (grifo original)

Frise-se que será a primeira vez que nossa Suprema Corte se manifestará sobre a inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar, razão pela qual se mostra assaz relevante seu pronunciamento, seja para declarar a inconstitucionalidade ou constitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003 por esse motivo.

4.4. Fundamentos jurídicos favoráveis à constitucionalidade e inconstitucionalidade da EC n° 41/2003 por quebra de decoro parlamentar

Nesse ponto, inicialmente, teceremos breves comentários sobre os argumentos a favor da constitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003, para somente depois destacar os fundamentos favoráveis à declaração de inconstitucionalidade.

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Um dos fundamentos contrários à inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003 se baseia na competência exclusiva do Congresso Nacional para averiguar a ocorrência de quebra de decoro parlamentar de seus componentes, cuja matéria seria interna corporis, o que, por sua vez, impossibilitaria a apreciação pelo Judiciário.

Entretanto, em que pese a suposta competência exclusiva do Congresso Nacional para averiguar a ocorrência de quebra de decoro parlamentar, da análise dos autos da Ação Penal n° 470, não restam dúvidas acerca da atuação dos parlamentares condenados, que infringiram de forma aviltante e das mais variadas maneiras as disposições do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados.

Todavia, a conduta desses parlamentares também violou princípios expressos da CRFB/88, razão pela qual se faz necessária à apreciação pelo Poder Jurisdicional. Inviabilizar a análise dessa questão pelo Judiciário em casos tão flagrantes como esse, é atentar contra a soberania popular, a moralidade administrativa e o Estado Democrático de Direito como um todo.

Frise-se que não se objetiva com isso, desconstituir a legitimidade ou mesmo minar a competência das casas legislativas para avaliar o decoro de seus próprios membros. O que se deseja esclarecer é que, ante a comprovada existência de compra de votos de parlamentares para aprovação de propostas de interesse do Governo à época, resta patente a ofensa a uma série de princípios constitucionais. Logo, o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, deve protegê-la dessas “normas compradas”.

É cediço que cabe somente à respectiva casa legislativa analisar a conduta atentatória ao decoro praticada por seus integrantes e puni-los quando necessário, mas - repise- se - o que se está a defender é a possibilidade de análise pelo Supremo

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Tribunal Federal sobre a constitucionalidade de uma norma em razão desse vício - corrupção dos membros do parlamento no processo legislativo.

Ademais, é salutar esclarecer que omitir-se quanto à tarefa de apreciar referida quebra de decoro parlamentar difere e muito do ato de declarar a inconstitucionalidade de uma norma em razão dessa comprovada violação.

Em outras palavras, o objeto de controle jurisdicional não repousaria sobre as condutas parlamentares em si mesmas consideradas, mas sim sobre o resultado final delas. A exemplo do que se defende nas ADIs n° 4887, 4888 e 4889, a Emenda Constitucional 41/2003, aprovada sob esse esquema de corrupção parlamentar, seria inconstitucional. Ou seja, não se trata de tarefa do Supremo Tribunal Federal julgar o ato do parlamentar em si, mas sim com relação à norma resultante deste. Se a malversação das prerrogativas parlamentares foi determinante para o advento da Emenda na ordem jurídica, deve, portanto, ser declarada inconstitucional, pois já nasceu maculada pelo vício volitivo representativo.

Outro argumento a favor da constitucionalidade dessa Emenda reside no fato de que apenas sete parlamentares, condenados na AP n° 470, estariam envolvidos nesse esquema de compra de votos. Para os defensores desse argumento, referido número de parlamentares corrompidos seria irrelevante frente ao total de votos necessários para a aprovação da Emenda.

Dessa forma, não seria tal violação suficiente para comprometer as votações da PEC n° 40/2003, uma vez que, retirados os votos viciados, permaneceria respeitado o quórum de três quintos, necessários à sua aprovação.

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Ocorre que, apesar do reduzido número de parlamentares investigados e condenados frente ao total de membros presente na Câmara, deduz-se que a atenção do corruptor se volta para peças importantes no jogo político, de modo que o “investimento traga resultados”. Assim, embora não se possa afirmar qualquer desdobramento desse esquema de compra de votos com precisão, é de se inferir que, no mínimo, como alguns dos deputados condenados eram líderes de bancadas de seus partidos políticos, tenham eles influenciado os demais integrantes de seus partidos, no sentido de se ver aprovada a PEC n° 40/2003.

Mesmo que isso não tenha ocorrido, tomamos a dizer que a cormpção de uns poucos congressistas em sua função precípua, qual seja, votar pela aprovação de leis, já se afigura suficiente para embasar a declaração de inconstitucionalidade de norma decorrente dessa prática. Assim deve se dar, tendo em vista que o mais importante é a manutenção da ordem pública e do Estado Democrático de Direito, com o devido respeito aos mais diversos princípios constitucionais, como os da soberania popular, moralidade e representatividade popular.

Cumpre agora destacar alguns argumentos favoráveis à inconstitucionalidade da Reforma da Previdência de 2003, em decorrência do vício de quebra de decoro parlamentar.

Os que são contrários à constitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003 defendem não haver dúvidas da ocorrência da quebra de decoro parlamentar pelos deputados envolvidos no esquema de compra de votos e indiciados na Ação Penal n° 470, visto que a exigência constitucional do decoro, estatuída no Art. 55, § Io, CRFB/88, representa justamente a fidúcia que deve existir entre o eleitor e o eleito, durante o mandato parlamentar.

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Ora, resta claro que os condenados, ao venderem seus votos, deixaram de exercer seu mandato com a necessária moralidade administrativa, dignidade e respeito à coisa pública e à soberania popular.

Ao terem votado de acordo com interesses escusos, estão os deputados condenados abusando de seu poder, em nítido desvio de finalidade.

Isso macula não apenas os princípios da moralidade e probidade administrativa, mas o próprio modelo democrático traçado pela nossa Constituição atual como um todo, o que, consequentemente, retira a validade do processo legislativo de formação da Emenda Constitucional n° 41/2003.

Ante o exposto, torna-se evidente que permitir a subsistência da Emenda Constitucional n° 41/2003 implica em desrespeitar uma gama de princípios e valores estatuídos em nossa CRFB/88, razão pela qual reputamos essencial a declaração de inconstitucionalidade dessa Emenda pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que seja ela expurgada de nosso ordenamento.

Todavia, cumpre ressaltar que na decisão do STF pode ser aplicado o instituto de modulação dos efeitos, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, por maioria qualificada de 2/3 de seus Ministros, podendo-se restringir os efeitos dessa declaração ou decidir que ela tenha eficácia a partir do trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, conforme Art. 27 da Lei n° 9.868/99.

É de extrema relevância para o caso essa possibilidade de modulação de efeitos das decisões proferidas pelo STF no controle concentrado de constitucionalidade, porque permite uma ponderação e conciliação dos interesses social, jurídico, político e econômico, de modo a se resguardar a segurança jurídica no ordenamento.

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Por enquanto, só nos resta aguardar o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema nas ADIs n° 4887, 4888 e 4889.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

À vista de tudo quanto se expôs, não há como negar a relevância da futura análise pelo Supremo Tribunal Federal sobre a suposta inconstitucionalidade por vício decorrente de quebra do decoro parlamentar nas ADIs n° 4887, 4888 e 48889, uma vez que referida tese não teve seu mérito apreciado por nossa Suprema Corte até o fechamento deste trabalho.

Sobre o tema do vício decorrente da quebra de decoro parlamentar, é importante repisar que o Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito, em que, mediante o sufrágio universal, os representantes são escolhidos mediante votação para decidirem em nome de todos os eleitores.

Assim, ao se constatar que o processo legislativo de formação da emenda constitucional em análise (Emenda Constitucional n° 41/2003) foi contaminado pelo vício de representação popular, uma vez que os parlamentares envolvidos no esquema do mensalão não atuaram no sentido de traduzir a soberana vontade do povo, mas aprovando-a sob interesses escusos, há que ser declarada a inconstitucionalidade da norma, expurgando-a de nosso ordenamento jurídico.

Nesse contexto, reputamos ser necessária a utilização de uma medida que prestigie todos os interesses e direitos envolvidos nesta causa, de forma que a concessão de efeitos ex tunc, aplicada, em regra, para as hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, não se amoldará como medida mais adequada ao presente caso.

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Considerando ser permitida a modulação dos efeitos dessa declaração, recomendamos que o Pretório Excelso conceda, in casu, outro prazo de validade da norma, nos moldes previstos no Art. 27 da Lei n° 9.868/99, de modo que se possibilite ao Congresso Nacional promover nova votação para aprovar a Emenda Constitucional n° 41/2003 de maneira legítima, ou legislar sobre outra norma que a substitua.

Dessa forma, restará prestigiada a segurança jurídica, orçamentária e os princípios constitucionais aqui defendidos, em especial, a representatividade popular.

Ante o exposto, para concluir, restou plenamente demonstrada, por meio de ampla pesquisa bibliográfica, a relevância do presente tema, uma vez ser de interesse de toda a sociedade brasileira a necessária correção de lesão ocorrida, com a aprovação irregular da Reforma da Previdência, ao Estado Democrático de Direito e diversos outros preceitos constitucionais. É de se frisar que servirá, ainda, para futuros casos em que possam subsistir dúvidas acerca da legitimidade de Emendas Constitucionais e até mesmo de outras leis assim aprovadas, sendo possível as suas exclusões de nosso ordenamento jurídico caso haja incompatibilidade com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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_________ . Informativo n° 258 do STF.______ Disponível em:http://www.stf.ius.br/arquivo/informativo/documento/informativo258.htm.Acesso em 10 de setembro de 2013.

[1] Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

omissis

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

[2] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

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a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;

[3] Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

§ 3o Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

[4] RE n° 466.343.

[5] Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

[6] Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.

[7] J J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, 7. Ed., p. 81, em sentido contrário, observa que o poder constituinte originário “[...]é estruturado e obedece a padrões e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e

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sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade, nesta medida, considerados como ‘vontade do povo’”.

[8] Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(...)

§ 9o Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão n° 4, de 1994)

[9] Cumpre destacar a PEC 349/01, já aprovada com unanimidade pela Câmara e atualmente aguardando votação no Senado Federal, que, dentre outras medidas, visa dar fim às votações sigilosas, ou seja, a declaração de perda de mandato por falta de decoro e condenação criminal sujeita ã análise do Plenário, por exemplo, deverá ocorrer por votação aberta. Frise-se que, até o momento da elaboração desse trabalho, referida proposta de emenda à Constituição não foi votada no Senado.

[10] O Senado Federal aprovou recentemente, mais precisamente no dia 11 de setembro de 2013, em primeiro e segundo turnos, a PEC 18/2013, que determina a perda imediata do mandato de parlamentar condenado por penas superiores a quatro anos, em sentença definitiva, por improbidade administrativa ou crime contra a administração pública. A proposta encontra-se na Câmara e, até o momento, não foi aprovada.

[11] Art. 1-, § 2- O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

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LEGITIMIDADE DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO COMO MEIO DE CONTENÇÃO DE RISCOS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

JOSILENE NASCIMENTO OLIVEIRA: Graduada em direito pela universidade Presidente Antônio Carlos. Especialista em ciências criminais pela universidade Estácio de Sá. Especialista em direito constitucional pela AVM Faculdade Integrada. Analista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais e professora assistente na da universidade Presidente Antônio Carlos - Campus Barbacena.

RESUMO: Trata-se de artigo científico que aborda a expansão do Direito Penal através dos crimes de perigo abstrato na sociedade contemporânea como meio de conter os riscos advindos das inovações científicas e tecnológicas empregadas nos meios de produção. Desenvolve-se a abordagem através da análise dos fatores que levaram à consolidação da sociedade hodierna como sendo uma sociedade de riscos, os motivos que levaram à eleição do Direito Penal como instrumento de contenção destes riscos, apresentando-se o posicionamento doutrinário a respeito do tema. Ao final, conclui-se pela legitimidade da utilização da técnica dos crimes de perigo abstrato como meio de proteger determinados bens jurídicos, sejam difusos ou individuais, desde que observados determinados parâmetros de garantia decorrentes da elevação da dignidade da pessoa humana como postulado maior do ordenamento jurídico, com observância dos princípios constitucionais que regem o Direito Penal.

Palavras-chave: Riscos. Crimes de perigo abstrato. Legitimidade.

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ABSTRACT: It is scientific article that addresses the expansion of criminal law through the abstract danger of crimes in contemporary society as a means to contain the risks arising from the scientific and technological innovations employed in the means ofproduction. It develops the approach by analyzing the factors that led to the consolidation of today's society as a risk society, the reasons that led to the election of the criminal law as a tool to contain these risks, presenting the doctrinal position on the subject . Finally, we conclude the legitimacy of the use of the technique of abstract danger of crimes as a means to protect certain legal interests, whether diffuse or individual, provided they fulfill certain security parameters resulting from the elevation of human dignity as a major postulate of planning legal, compliance with the constitutional principles governing criminal law.

Keywords: Scratchs. abstract danger of crimes. Legitimacy.

1 INTRODUÇÃO

Na sociedade contemporânea, diante do avanço tecnológico e econômico, o que é visivelmente perceptível nas relações de consumo e no acesso à informação, tem-se percebido o surgimento e o incremento de novos riscos que ocasionaram certa modificação no Direito Penal. Nessa perspectiva, verifica-se que o Direito Penal, diuturnamente, vem se expandindo de forma considerável, o que pode se verificar através da ampliação do âmbito de abrangência dos tipos penais, da flexibilização das garantias individuais e, principalmente, pela antecipação da tutela penal através da técnica dos crimes de perigo abstrato, assumindo o Direito Penal nítido caráter de prevenção.

Com o presente trabalho, objetiva-se a análise do uso desta categoria de delitos (crimes de perigo abstrato), como meio de

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contenção dos riscos produzidos pelo avanço tecnológico e científico no contexto social e econômico na sociedade hodierna.

Parte-se da observação do desenvolvimento da sociedade contemporânea, com a análise da adoção de novas técnicas de produção que acabaram por criar para o corpo social novos âmbitos de riscos com considerável potencial de lesividade a bens jurídicos sobejamente relevantes à vida em sociedade, surgindo, deste modo, uma sociedade de risco.

A sociedade de risco, resultado do desenvolvimento econômico intensificado a partir da Revolução Industrial, é caracterizada pela busca diuturna de novas tecnologias que permitam a produção e a distribuição de bens em uma escala cada vez maior, com o escopo de se atingir indeterminado número de consumidores.

Todavia, todo este empenho na busca de técnicas inovadores que permitam o desenvolvimento da atividade econômica não é acompanhado, no mais das vezes, da necessária análise dos efeitos decorrentes do uso de tais tecnologias, criando no corpo social uma sensação de incerteza e insegurança, vez que os riscos daí decorrentes potencializam a probabilidade de danos até então não cogitados e cuja reparação afigura-se de difícil ocorrência.

Com o objetivo de evitar que tais danos venham efetivamente a ocorrer, o Estado lança mão, dentre outros instrumentos de contenção destes riscos, do próprio Direito Penal, fazendo-o por meio dos crimes de perigo abstrato, dispensando o resultado lesivo ou o perigo concreto de dano, na medida em que a lesão ao bem jurídico decorrentes de tais riscos, embora sejam passíveis de punição por crimes de dano, dificilmente seriam reparadas, tornando inócua a atuação estatal.

Neste diapasão, objetiva-se a análise das características e dos limites dos crimes de perigo abstrato na ordem constitucional vigente, com a finalidade de se questionar a legitimidade dos crimes de perigo abstrato enquanto instrumentos de contenção dos riscos

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na sociedade moderna, frente a principiologia constitucional que rege a espécie, buscando soluções que permitam a compatibilização do Direito Penal do risco na sociedade moderna com os princípios e garantistas que regem o Direito Penal.

2 SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – A SOCIEDADE DE RISCOS

A partir da Revolução Industrial, quando então o modelo econômico adotado de livre concorrência passou a exigir dos produtores inovações tecnológicas que permitissem a produção e distribuição de insumos em larga escala, a produção artesanal passou a ser substituída pela produção industrial, a qual, com a agregação de inovadoras técnicas, permitiu significativa diminuição dos custos e o alcance de maior número de consumidores.

Investimentos significativos passaram a ser empregados nos serviços de conhecimento e inovação, com escopo de se conseguir novas tecnologias que permitissem o aumento qualitativo e quantitativo da produção. Todavia, a velocidade deste progresso tecnológico não foi acompanhada por estudos e análises acerca dos efeitos decorrentes destas novas tecnologias, ou seja, iniciou-se uma fase de criação de novas técnicas de produção sem instrumentos que permitissem a avaliação dos resultados de sua aplicação.

Com isto, como bem salienta Bottini (2007, p. 34): Do descompasso entre o surgimento de

inovações científicas e o conhecimento das conseqüências de seu uso surge a incerteza, a insegurança, que obrigam o ser humano a lidar com o risco sob uma nova perspectiva. O risco, fator indispensável ao desenvolvimento econômico de livre mercado, passa a ocupar papel contra o modelo de organização social. O risco torna-se figura crucial para a organização coletiva, passa a compor o núcleo da atividade social, passa a ser sua essência.

Assim, embora sejam notórios os benefícios que o desenvolvimento da sociedade na era industrial e pós-industrial trouxe em qualidade de vida, dada a dimensão com que se

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passaram a ser satisfeitas as mais diversas necessidades humanas, fato é que, novos riscos até então não conhecidos foram criados, seja pela globalização, pela integração internacional, pelo predomínio do poder econômico sobre o político, dentre outros, surgindo assim, o que se pode chamar de uma sociedade de riscos.

Conforme Beck (2010, p. 21.) riscos: "são formas sistemáticas de lidar com os perigos e as inseguranças induzidas e introduzidas pelo próprio processo de modernização".

Sobre a sociedade de riscos, diz Giddens (1991, p. 13) apud Bottini (2007, p. 34):

[...] sociedade de riscos compreende um período em que as conseqüências da modernidade se tornam mais radicalizadas e universalizadas do que antes, e podem ser compreendidas, então, como o conjunto de relações econômicas e sociais que se desenham na era pós-industrial, em que o novo modelo de produção determina um novo papel ao risco.

E conclui Bottini (2007, p. 34-35): Atente-se para o fato de que o termo

sociedade de risco já implica o reconhecimento de que as novas técnicas se apresentam, imediatamente, como lesivas ou prejudiciais. Se assim não o fosse, estaríamos em uma sociedade de perigo, e não de riscos. A dificuldade em reconhecer uma ameaça evidente nas atividades inovadoras, que decorre da incapacidade da ciência em estabelecer relações de causalidade claras nestes espaços acarreta uma sensação de risco constante, mas não de perigo constante. As tecnologias das quais tratamos, e sua utilização, não criam um estado imediato de crise, mas potencializam sua probabilidade. Este estado de coisas, que exige atenção a medidas de prevenção e precaução antes da restauração, é um estado de risco, já definido como expectativa de perigo, e não como um estado de perigo, caracterizado por um

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contexto real de submissão de bens à ameaça concreta.

Percebe-se, assim, que o entendimento do que vem a ser a sociedade de riscos está intimamente ligado à própria noção do que vem a ser o risco e a sua evolução. Neste prisma, sobreleva tecer algumas considerações acerca do conceito de risco e sua evolução.

Acerca do conceito de risco e de sua evolução, Goldblatt (1996, p. 227-269), com propriedade assevera que:

[...] na primeira fase, a da sociedade liberal do século XIX, o risco assume a forma de acidente, isto é, de um acontecimento exterior e imprevisto, de um acaso, e é simultaneamente individual, repentino e irremediável. Nesta época, os perigos eram perceptíveis mediante os sentidos e o direito penal não podia dar conta dos riscos; na segunda fase, surge a emergência da noção de prevenção e segurança, entendendo-se como tal a atitude coletiva, racional que se destina a reduzir a probabilidade de ocorrência e a gravidade de um risco, que, por óbvio, era, na esteira da modernidade, objetivo e mensurável. A utopia da ciência perfeita e da técnica infalível de uma sociedade capaz de resolver racionalmente seus problemas faz o risco ser controlado pela estatística, pelo cálculo de probabilidades e o torna socialmente suportável pela divisão das responsabilidades pelos danos; na terceira fase da história do risco, ou na atualidade, o risco é encarado como algo invisível, imensurável, catastrófico, irreversível, pouco ou nada previsível, que destrói as nossas esperanças de prevenção e de domínio, sendo um efeito perverso ou secundário das próprias decisões humanas. A sociedade da atualidade, "do risco" é, pois, uma sociedade que se põe por seus próprios atos em perigo. [...]

A que se pode constatar, a partir da intocável lição acima esposada, é que o risco sempre existiu na sociedade, todavia era

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visto sob outra ótica, como algo externo à própria comunidade. Complementando o tema, Faria (1992, p. 321), aduz que:

Em termos extraordinariamente simples e redutores poderá dizer-se que ele era sentido pela consciência ética comunitária e "experienciado" por cada um dos seus membros como algo externo à própria comunidade. O perigo vinha sempre de fora, perfilava-se como uma realidade baseada na heteronomia do poder externo. O perigo ou vinha dos hostes, ou era desencadeado pela natureza. De sorte que, nesse tipo de comunidade profundamente fechada, as situações externas de perigo determinavam ainda um maior esmiesmamento o que, por seu turno, implicava total ausência de ressonância valoradora na consciência comunitária das situações de perigo desencadeadas no seio da própria comunidade [...]

Desta feita, pode-se observar que os riscos na sociedade atual passam a se relacionar com a própria atividade humana, ou seja, as ameaças a que os indivíduos estão expostos emanam das decisões e atitudes adotadas por seus próprios pares, o que trará, no porvir, efeitos danosos derivados das técnicas de desenvolvimento industrial e tecnológico empregadas para a satisfação dos próprios interesses da coletividade.

Neste desiderato, como bem salienta Bottini (2007, p. 34): [...] Não é mais somente a natureza que,

com seus sobressaltos, coloca em crise bens fundamentais, mas também a atividade humana que, com o aprimoramento de técnicas industriais, ameaça os interesses mais caros da vida. O que era externo passa a ser também interno, passa a integrar o núcleo de desenvolvimento da sociedade. O risco, assim, torna-se um referencial político. [...]

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Tais riscos são ainda mais intensificados pela globalização, pelas relações supranacionais e pela preponderância do poder econômico sobre o poder político. E é atento a tais fatores que Diego Romero (2004) vem asseverar que:

[...] São características desta sociedade pós-industrial em que estamos inseridos: globalização, integração supranacional, predomínio do poder econômico sobre o político, imprevisibilidade, risco ou aparecimento de novos riscos, insegurança, identificação da maioria social com a vítima, descrédito nas instâncias de proteção, reforço da criminalidade organizada e o consequente surgimento de um direito penal hipertrofiado e essencialmente preventivo.

A sociedade de risco assim possui inegável vinculação com o fenômeno da globalização, por meio da qual o risco é sensivelmente aumentado, pois que a expansão técnica, científica e econômica insere a fragilidade nos sistemas, enfraquecendo os Estados Democráticos de Direito.

Com efeito, a intensidade das relações econômicas e a velocidade das comunicações que, por meio da globalização, perdem referências geográficas e temporais, seja através da internet ou de outros meios de comunicação, que permitem uma interação imediata entre pessoas que se encontram em qualquer lugar do mundo, acarretam a perda da coesão social mantida pelos valores constituídos e respeitados pelos vários grupos comunitários, acarretando uma perda de referência e, por conseguinte, a perda da capacidade de respeito às normas tradicionais.

Neste ponto, oportunas são as considerações feitas por Stuart Hall apud Romero (2004) quando afirma que:

[...] o processo de mudança constante, rápido e permanente causado pela globalização, bem como o impacto deste fenômeno diante da identidade do indivíduo, acentuou o contraste das sociedades "modernas", nas quais as práticas sociais são reexaminadas (refletidas) e

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reformadas à luz de informações recebidas sobre estas próprias práticas, o que altera continuamente seu caráter, em relação as sociedades "tradicionais", as quais, baseadas na tradição e na valorização de símbolos que perpetuam a experiência de gerações tentaram paralisar o tempo, ao inserirem qualquer atividade ou experiência particular numa linha de práticas do passado.

Não menos oportuna é a lição de Bottini (2007, p. 88), quando assevera que:

A desestruturação dos espaços de convívio social, potencializada pela intensificação da comunicação virtual, ocasiona o desmonte dos padrões de comportamento que possibilitam este mesmo convívio. Se, por um lado, este fenômeno amplia os espaços de liberdade do indivíduo, por outro desfaz a coesão social que resultava da obediência e do exercício de normas culturais e que, de certa forma, garantia a estabilidade das expectativas de comportamento.

Todo este processo de globalização e de integração supranacional, que se dá em uma velocidade anteriormente não vivenciada, torna cada vez mais difícil e quiçá impossível a possibilidade de previsão dos acontecimentos, dos riscos a que está sujeita a sociedade, inviabilizando, de igual maneira, as formas de gerenciá-los e controlá-los.

Outra característica que marca a sociedade de riscos é que, tendo origem no comportamento humano, a criação dos riscos na atividade industrial e econômica, é antropocêntrica, o que faz com que seu controle torne-se passível, sendo realizado através de parâmetros gestão destes riscos. Assim, revela-se indubitável a necessidade de coerção dos comportamentos que representem riscos acima dos tolerados, abrindo-se espaço para a “incidência do Direito Penal sobre as condutas arriscadas, produzidas pelo comportamento humano que, cada vez mais, ameaçam bens e interesses fundamentais para a vida em comum” (BOTTINI, 2007, p. 36).

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Neste diapasão, baseando-se a sociedade atual na busca contínua de novas tecnologias que permitam maior produtividade e um menor custo, o desenvolvimento industrial é estruturado pela velocidade com que tais inovações tecnológicas são apresentadas. Todavia, os conhecimentos científicos acerca dos efeitos resultantes de tais inovações nem sempre acompanha o ritmo com que tais avanços tecnológicos se apresentam, gerando, como visto, o risco na sociedade.

Não grassam dúvidas, pois, que este paradoxo do risco, somado à dificuldade em delimitar sua extensão, gera para a coletividade grande sensação de insegurança e repercute, sobremaneira, no sistema jurídico, sendo fator determinante para a política criminal.

Neste sentido é o posicionamento de Romero (2004), para quem:

[...] o Direito Penal oriundo da sociedade do risco pretende a minimização do risco e a produção de segurança. Trata-se da idéia de prevenção, de proteção dos bens jurídicos através de uma orientação pelo risco. Ou seja, nada mais do que a reedição, com outro enfoque, do projeto falido que fora construído pela modernidade nos últimos três séculos.

O surgimento da sociedade de risco aparece então como fator determinante para a construção e compreensão do Direito Penal, interferindo sobremaneira na elaboração deste ramo do Direito, que é convocado a cumprir o papel de instrumento de controle dos riscos, recebendo, como se verá, um caráter eminentemente de prevenção.

3 DA UTILIZAÇÃO DO DIREITO PENAL COMO INSTRUMENTO PARA CONTENÇÃO DE RISCOS

Como gizado alhures, tem-se como marca principal da sociedade de risco derivada do atual modelo social e econômico adotado pela sociedade contemporânea, o fato de que o risco procede da própria atividade humana. A partir desta premissa, ganha força a idéia de que os riscos podem e devem ser limitados pelo Direito, notadamente pelo Direito Penal, que ganha então

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contornos de relevante instrumento de gerenciamento do desenvolvimento das atividades perigosas.

Neste panorama, o Direito Penal recebe cada vez mais caráter de prevenção, pretendendo a minimização do risco e a produção da segurança tão almejada pelo corpo social. Neste panorama, o desvalor do resultado é substituído pelo desvalor da ação, reprimindo o Direito Penal comportamentos potencialmente danosos em si mesmos.

Com isso, na esteira do ensinamento de Romero (2004): [...] inicia-se a formação de um direito penal

hipertrofiado, prevencionista e expansivo, sendo que este caráter de expansão explica-se pela acolhida de novos bens jurídicos (tais como meio ambiente, saúde pública, mercado de capitais, tributos, relações de consumo), pelo adiantamento das barreiras entre o comportamento impune e o punível e pela redução das exigências para a reprovabilidade da ação humana, o que se expressa na mudança de paradigma que vai da lesão do bem jurídico para a perigosidade da ação em si mesma, já que, muitas vezes, o núcleo do dano causado talvez não possa ser atribuído a alguém, todavia, acaba-se adotando a postura de considerar tais casos como resultantes de falta de cuidado, havendo um incremento na tipificação dos crimes de perigo, crimes comissivos por omissão, não-distinção ente autoria e participação, inversão da carga de prova, além da substituição do modelo clássico de justiça pela justiça negociada (ver o casos dos juizados especiais criminais e da delação premiada na lei de tóxicos).

Este caráter prevencionista do Direito Penal ganha força na medida em que o desenvolvimento tecnológico possibilitou o crescimento de técnicas e produtos potencialmente danosos ao corpo social, expondo a coletividade a riscos consideráveis, até então não previstos, sendo certo que, na esteira do entendimento de Faria Costa (1992, p. 357), seria justamente esta idéia de dano

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absoluto o fator justificante da elevação do perigo criado na sociedade atual à categoria jurídico penal, haja vista que “vivemos, pela primeira vez na história à escala humana, a possibilidade de o homem se destruir, e se destruir enquanto espécie”.

Na mesma senda, Figueiredo Dias (2004, p. 128) destaca que a sociedade atual:

[...] exasperadamente tecnológica, massificada e global, onde a ação humana, as mais vezes anônima, se revela susceptível de produzir riscos globais ou tendendo para tal, susceptíveis de serem produzidos em tempo e lugar largamente distanciados da ação que os originou ou para eles contribuiu e de poderem ter como consequência, pura e simplesmente, a extinção da vida.

Não obstante a amplitude das lesões potencialmente verificáveis como decorrência lógica das atividades humanas na sociedade atual, contribui também para a expansão deste Direito Penal singularmente prevencionista, a reflexividade dos riscos, na medida em que, segundo Bottini (2007, p. 86), os riscos derivados de determinada atividade atingem toda a comunidade, não eximindo sequer a classe economicamente dominante produtora e exploradora destes riscos, elevando, desta forma, a demanda por medidas de contenção destes riscos.

Neste sentido, tem-se que esta convergência entre as classes sociais afasta eventuais óbices que poderiam ser impostos pelas classes dominantes, servindo, assim, de estímulo à expansão do Direito Penal na sociedade de risco.

Soma-se, ainda, a estes fatores, a sensação de insegurança, que é constantemente ampliada pelos meios de comunicação de massa, fazendo com que a população intensifique ainda mais o clamor público pela minimização do risco e pela produção da segurança almejada, demandando um Estado de segurança que amplie os âmbitos de contenção, Estado de segurança este que, segundo Baratta (1994, p. 13) “seria então o resultado da transformação da estrutura política adequada sobre a características de uma sociedade que, num ritmo cada vez mais acelerado, conduz a situações de risco”.

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De igual maneira, o descrédito de outros meios de gerenciamento destes riscos também contribui significativamente para a expansão do Direito Penal na sociedade contemporânea. Como é cediço, o Direito Civil, no mais das vezes, não é capaz de inibir as condutas criadoras dos riscos, cabendo tão somente a tal ramo do Direito a reparação dos danos causados pela efetivação do perigo criado pela atividade produtora do risco.

Ademais, corrobora ainda mais a fragilidade do Direito Civil, como meio de inibição, o desenvolvimento e a aplicação cada vez maior das Ciências Atuariais, principalmente na administração de seguros, na medida em que torna quase imperceptível a repressão exercida, porquanto permite, nos dizeres de Bottini (2007, p. 89), a socialização dos danos causados pelo parcelamento antecipado dos riscos, prevenindo o prejuízo e não a ação por ele responsável.

O Direito Administrativo, no mesmo diapasão, também se mostra inidôneo à contenção dos riscos, tanto pela incapacidade estrutural do Estado de identificar as condutas potencialmente lesivas, quanto pela incapacidade de efetiva repressão a tais condutas, uma vez que as sanções pecuniárias cominadas não se mostram suficientes a tal intimidação.

E nesta esteira, todo este clamor social, como salienta Bottini (2007, p. 90):

[...] sensibiliza o discurso político e leva à juridicização da opinião pública, ou seja, o público deixa de ser um simples destinatário da norma jurídica, para se tornar, ao mesmo tempo, um elemento indutor da expansão deste sistema, interferindo na produção legislativa e orientando a construção de um novo direito penal.

Assim, o avanço da sociedade contemporânea, notadamente das atividades econômicas, somado aos fatores acima expostos, tem ocasionado uma modificação substancial da Ciência Criminal, passando-se a considerar como resultado punível hipóteses que anteriormente não passavam de mera situação de risco, como forma de tranqüilizar o corpo social. Neste aspecto, intocável é a lição de Romero (2004), quando aduz que:

[...] paulatinamente, na ânsia de aumentar a segurança social, quebrando a sistemática clássica do Direito Penal, passou-se a

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compreender que até mesmos resultados mais remotamente prováveis ou até apenas possíveis, segundo um juízo hipotético, deveriam ser considerados como puníveis, desde que pudessem causar potencialmente esse perigo. Cada vez mais se acentua uma ideologia punitiva, ampliando o campo das condutas penalmente condenáveis, mesmo sem estarem ligadas a um resultado danoso, ou sem apresentarem uma direta, ou perceptível, situação de dano próximo.

Põe-se em relevo, então, um dos traços mais evidentes do Direito Penal hipertrofiado, que consiste precisamente na criminalização adiantada ou antecipada de algumas condutas frente ao que tradicionalmente foi considerado seu núcleo básico: a lesão.

Todas estas modificações estruturais do Direito Penal, insculpidas a partir dos fatores acima elencados, na busca de redução dos riscos produzidos na sociedade contemporânea, também são destacadas por Mendonza Buergo (2001, p. 285) apud Bottini (2007, p. 91) que preleciona:

[...] este é o contexto do direito penal do risco que, nos dizeres de MENDOZA BUERGO, é a expressão que, em boa medida, surge como criação conceitual crítica da doutrina e identifica a evolução experimentada pelo direito penal, designando-se as modificações estruturais para adaptar o sistema repressivo ao fenômeno da sociedade de risco. Esta nova roupagem do direito penal implica em alterações legislativas e dogmáticas, com conseqüências em todos os campos de sua aplicação[...]

Assim, com o escopo de atingir os fins colimados pela sociedade, o que ocorre é uma nítida modificação legislativa com a

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ampliação dos bem jurídicos protegidos pelo Direito Penal, incluindo a proteção de bens jurídicos difusos e coletivos, como o meio ambiente, as relações de consumo, o sistema econômico, dentre outros. Consequentemente, está havendo uma mudança no Direito Penal, tornando-o cada vez mais abrangente, valendo-se o legislador para tanto, no mais das vezes, do uso crescente e notável da técnica dos crimes de perigo abstrato, visando a antecipação da tutela penal para afetar condutas antes da verificação do resultado, como forma de efetivar a proteção de tais bens jurídicos.

4 DA ADOÇÃO DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO COMO MEIO DE CONTENÇÃO DOS RISCOS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Em princípio há que se esclarecer o que vem a ser crime de perigo. Pode-se dizer que crime de perigo é aquele que se consuma frente à provável possibilidade do dano. Ainda pode-se asseverar que o crime de perigo é a ação ou a omissão que coloca em risco determinado bem jurídico penalmente protegido. A consumação desse tipo de crime independe da efetivação de um dano ao bem jurídico.

Assim, nos dizeres de Romero (2004), crime de perigo, é aquele em que: “[...] sem destruir ou diminuir o bem jurídico tutelado pelo direito penal, representa uma ponderável ameaça ou turbação à existência ou segurança de ditos valores tutelados, uma vez existir relevante probabilidade de dano a estes interesses [...]”.

O perigo pode ser dividido em concreto (que precisa ser comprovado) e abstrato (originário de uma presunção trazida pela lei em um determinado caso concreto, diante de um comportamento positivo ou negativo).

Os crimes de perigo abstrato, na definição de Bottini (2007, p. 101):

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[...] é a técnica utilizada pelo legislador para atribuir a qualidade de crime a determinadas condutas, independentemente da produção de um resultado externo. Trata-se de prescrição normativa cuja completude se restringe à ação, ao comportamento descrito no tipo, sem nenhuma referência aos efeitos exteriores do ato, ao contrário do que ocorre com os delitos de lesão ou de perigo concreto [...]

A partir da definição acima transcrita, pode-se afirmar que nos crimes de perigo abstrato, a simples prática do ato indicado na norma encerra os aspectos objetivos do tipo, sendo que o juízo de reprovabilidade recai sobre a própria conduta do agente, sendo prescindível eventual lesão ao bem jurídico protegido (crimes de dano) ou mesmo da concreta exposição do bem jurídico protegido a perigo de dano (crimes de perigo concreto). O dano aqui é presumido.

A técnica dos crimes de perigo abstrato, a priori, mais compatível com os anseios sociais de se evitar a concretização dos riscos criados e tidos por necessários ao progresso econômico e social, vem se mostrar como uma das características mais visíveis do desenvolvimento do Direito Penal na sociedade contemporânea, notadamente nos campos em que se verifica a necessidade de políticas de segurança mais acentuadas, tal como no Direito Penal econômico, do meio ambiente, objetivando, inclusive, como preleciona Diego Romero, facilitar e diminuir os problemas processuais, tais como a dificuldade na produção de provas, na verificação dos sujeitos ativos, nas averiguações destes delitos (ROMERO, 2004).

Existem alguns motivos que seriam os responsáveis pela “proliferação dos crimes de perigo abstrato”, inclusive apresentados por Bottini (2007, p.118-126), ao enfrentar o tema.

Em primeiro lugar, pode-se apontar que a expansão do Direito Penal, por intermédio dos crimes de perigo abstrato, tem como uma de suas bases inconfundíveis o alto potencial lesivo de algumas atividades e produtos, que trazem inovações tecnológicas

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capazes de causar danos irreversíveis a bens jurídicos fundamentais. Pode-se apresentar, v.g., a energia nuclear, a utilização de organismos geneticamente modificados, o desenvolvimento de diversos medicamentos em larga escala, dentre outros.

Com efeito, verifica-se aí, sem sombra de dúvidas, uma das razões pelas quais se busca com o Direito Penal, na sociedade contemporânea, a antecipação da tutela penal, como meio de se evitar a lesão que, no mais das vezes, pode traduzir dano irreversível ao bem jurídico protegido, ressaltando um papel preventivo do Direito que passa a dirigir-se à conduta e não ao resultado.

O segundo fator que explicita o aumento da previsão legal dos crimes de perigo abstrato é a dificuldade de elucidação ou de previsão de nexos causais derivados da aplicação de novas tecnologias. Isso se dá não só pela impossibilidade de previsão dos efeitos desconhecidos decorrentes do manejo de novas tecnologias, tornando ineficaz a previsão de qualquer resultado adredemente tipificado, como também pelas graves dificuldades de comprovação da responsabilidade penal, na medida em que o desenvolvimento das relações de produção e distribuição de insumos com a massificação do consumo e as complexas estruturas organizacionais formadas dificultam a análise da relação de causalidade e do dano efetivamente sofrido.

Outro fator desencadeante deste uso massivo dos tipos de perigo abstrato é a proteção cada vez mais crescente de bens jurídicos difusos e coletivos, com a dificuldade de limitar e caracterizar os sujeitos passivos da ação criminosa.

Outra razão para o emprego de tipos penais de perigo abstrato são os atos perigosos por acumulação, que dizem respeito a ações que, embora isoladamente não representem riscos em potencial para bens jurídicos, sua reiteração ou multiplicação acabam por criar um ambiente de riscos efetivos para estes interesses protegidos.

Pode-se exemplificar com a hipótese do crime de caça de espécie da fauna nativa, tipificada no artigo 29 da Lei 9.605/98[1], cujo tipo penal prescreve: “Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória,

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sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”.

É inequívoco que a supressão de um único exemplar de determinada espécie de seu habitat não trará qualquer dano de maior monta ao meio ambiente, todavia, a reiteração desta atividade, que caracteriza os atos perigosos por acumulação, poderá levar a espécie à extinção, justificando, assim, a adoção dos crimes de perigo abstrato como meio de evitar a criação do contexto dos riscos.

A partir desta síntese de hipóteses supramencionadas, ficam caracterizadas as principais causas que levam à adoção dos crimes de perigo abstrato como forma de gerenciar os riscos produzidos na sociedade contemporânea, representando referidos crimes o mais nítido sintoma da expansão do Direito Penal, como meio de se tentar controlar o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico, que produzem consideráveis riscos para a população em geral.

5 DA LEGITIMIDADE DA UTILIZAÇÃO DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO FRENTE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE REGEM O DIREITO PENAL

Parcela significativa da doutrina penal pátria e alienígena se posicionam contrariamente à adoção da técnica dos delitos de perigo abstrato, aduzindo, em apertada síntese, que tal fenômeno afigura-se nitidamente incompatível com o modelo de Estado Democrático de Direito, que fundamenta o exercício dojus puniendi na proteção exclusiva de bens jurídicos e, por consectário lógico, na premissa da lesividade, ou seja, da efetiva lesão ao bem jurídico ou na exposição concreta do bem a perigo.

Com efeito, dissertando acerca dos crimes de perigo abstrato, Ferrajoli (2006. p. 440) assevera que:

Se o direito penal é um remédio extremo, devem ficar privados de toda relevância jurídica os delitos de mera desobediência, degradados à categoria de dano civil os prejuízos reparáveis e à de ilícito administrativo todas as violações de normas administrativas, os fatos que lesionam

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bens não essenciais ou os que são, só em abstrato, presumidamente perigosos, evitando, assim, a ‘fraude de etiquetas’, consistente em qualificar como ‘administrativas’ sanções restritivas da liberdade pessoal que são substancialmente penais. [...] O mesmo pode-se dizer dos denominados ‘crimes de perigo abstratos’ ou ‘presumido’, nos quais tampouco se requer um perigo concreto, como perigo que corre um bem, senão que se presume, em abstrato, pela lei; desta forma, nas situações em que, de fato, nenhum perigo subsista, o que se castiga é a mera desobediência ou a violação formal da lei por parte de uma ação inócua em si mesma. Também estes tipos deveriam ser reestruturados, sobre a base do princípio de lesividade, como delitos de lesão, ou, pelo menos, de perigo concreto, segundo mereça o bem em questão uma tutela limitada ao prejuízo ou antecipada à mera colocação em perigo.

Comungando do mesmo entendimento, Marques (2008, p. 69) aduz:

[...] Na realidade, a tese do perigo abstrato é insustentável, porque importa em presunção absoluta de resultado. Diga-se mais: a tese do perigo abstrato é insustentável, ainda que a conduta típica contenha o perigo como elemento integrante de sua descrição, porque há violação ao princípio da causalidade e a violação à própria culpabilidade. Por último, a tese do perigo abstrato é insustentável, porque condutas de mera desobediência ou de mera infração são levadas a tipos-de-ilícito.

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Na mesma esteira dos insignes autores, Romero (2004) também preleciona que, de fato:

[...] Os tipos de perigo são fontes de inesgotáveis debates, acarretando sérios problemas na interpretação e aplicação da lei, uma vez que realizam verdadeira virada conceitual no Direito Penal Clássico, propondo criminalizar condutas por elas mesmas, presumindo a existência de um fato perigoso. Sinale-se, todavia, que a conduta do homem é fenômeno ocorrente no plano da experiência não podendo ser jamais presumida ou imaginada, mas sim verificada [...] Claramente, desse emprego dos tipos penais de perigo abstrato, resulta afronta ao enunciado de Direito Penal clássico nullum crimen sine injuria, e, por conseguinte, inobservância ao princípio constitucional da ofensividade, pois não há crime sem resultado.

Gomes (2002, p. 35), questionando também a legitimidade da adoção da técnica dos crimes de perigo abstrato à luz do princípio constitucional da lesividade, com propriedade aduz:

[...] Uma vez que se concebe que a ofensividade é condição necessária, ainda que não suficiente, da intervenção penal e que o delito é expressão de uma infração ao Direito (lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido), tem relevância ímpar exigir do legislador a descrição do fato típico como uma ofensa a um determinado e específico bem jurídico.

E as críticas não param. Silvestroni (2004, p. 207), comungando do mesmo entendimento acima, afirma:

[...] os delitos de perigo abstrato não podem ser admitidos em um direito penal baseado no princípio da lesividade. A mera presunção de que certas condutas podem afetar terceiros não basta para legitimar a ingerência punitiva se

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essa afetação não se produz realmente no caso concreto.

De fato, a partir das lições acima epigrafadas, de fácil percepção que não se justifica que o Estado, com clara finalidade de tranquilizar a opinião pública e suplantar os sentimentos de insegurança, venha afrontar a própria liberdade da pessoa humana, formulando descrições penais incapazes de lesar ou, pelo menos, colocar em real perigo o interesse tutelado pela norma, o que demonstra completa incompatibilidade vertical com o texto constitucional.

Destarte, malgrado o discurso de busca da efetivação dos princípios constitucionais regentes do ordenamento jurídico pátrio, o que se vê ao revés, é um Direito Penal que, através da tipificação de crimes de perigo abstrato, atenta claramente contra tais princípios reitores, máxime o princípio da ofensividade, razão pela qual se deve buscar cada vez mais posicionamentos consentâneos com a ordem constitucional vigente de modo a se alcançar a paz e a harmonia social sem que haja qualquer ofensa à liberdade e à dignidade da pessoa humana.

E é justamente sob esta ótica que Bottini (2007, p. 170) vem ponderar que:

[...] o respeito ao princípio da lesividade não implica a rejeição, de plano, dos delitos de perigo abstrato (infra IV, 4.1.3). A lesividade não é verificada apenas nos comportamentos que danificam bens jurídicos, mas abarca também a ameaça real ou potencial dos objetos de tutela, que revela condutas penalmente relevantes. O abalo social que legitima a repressão é revelado inicialmente pela da conduta, e não pelo resultado ex post. A consolidação de um direito penal que proteja, de maneira racional e funcional, os bens jurídicos diante dos novos riscos exige, em alguns momentos, a antecipação da tutela. O que se faz necessário é a configuração de limites precisos para a atuação repressiva estatal, por meio da construção de uma política criminal racional e teleológica que impeça, em nome do

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alargamento da proteção de interesses fundamentais, o exercício irracional do ius puniendi, e isso somente será possível com uma metodologia funcional que paute o sistema penal pelas premissas básicas do modelo de Estado vigente.

De acordo com o posicionamento acima, tendo o Direito Penal o escopo de preservar o funcionamento do modelo social no qual é criado, sua legitimidade decorre da necessidade de manutenção da forma de Estado e de sociedade, para a estabilidade da organização política.

Desta feita, para que o Direito Penal se mostre adequado aos postulados de um Estado Democrático de Direito, seu conteúdo material deve estar voltado para os princípios que o regem, elegendo como valor fundamental a dignidade da pessoa humana, devendo os crimes de perigo abstrato ser compreendidos e analisados sob este prisma.

Na sociedade contemporânea, a legitimidade dos crimes de perigo abstrato fica um tanto quanto latente quando se está diante de bens jurídicos difusos, cuja titularidade não é individual, mas sim coletiva. Não há duvidas de que elementos inerentes ao funcionamento da sociedade não são de titularidade de um só indivíduo, mas de toda a coletividade, tais como o meio ambiente, a saúde pública, a ordem econômica, sendo que sua lesão acarretaria inequívoca lesão individual às pessoas, razão pela qual se pode afirmar que a tutela da dignidade da pessoa humana passa, também, pela preservação de interesses coletivos, o que se tem feito, justamente, através dos crimes de perigo abstrato.

Todavia, não se pode admitir que, sob o argumento de se manter a ordem e preservar os indivíduos de eventuais riscos, até então não concebidos e de difícil reparação, se adote uma tendência de expansão ilimitada do Direito Penal com uma contínua desvinculação da norma penal do conceito de bem jurídico.

Enfrentando esta temática, com razão, Bottini (2007, p. 176) obtempera que:

[...] para evitar a expansão irracional do direito penal, faz-se necessário recuperar a capacidade crítica do conceito de bem jurídico, especialmente quando se tratar de bens difusos,

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e isso só pode ser alcançado se estes foram compreendidos como contextos necessários para, ainda que de maneira mediata, garantir a existência de interesses individuais indispensáveis para a materialização da dignidade humana. Isso não significa definir bens transindividuais como mero somatório dos bens jurídicos individuais. O conteúdo de proteção de ambos é substancialmente diferente porque aqueles, quando afetados, em geral não permitem a aferição de prejuízos perfeitamente individualizáveis, pois não se pode quantificar a parcela que pertence a cada indivíduo em relação ao todo. A questão que se coloca não é a legitimidade da proteção dos bens jurídicos coletivos, mas a determinação do substrato material que justifique a intervenção penal.

Neste particular, pode-se afirmar que a legitimidade do Direito Penal não pode ser analisada senão tendo como parâmetro a estrutura política sobre a qual ele se alicerça, estrutura esta que nos fornecerá, sob um aspecto funcional, os parâmetros críticos para avaliar a legitimidade dos seus institutos.

Ora, como é cediço, consoante se denota do art. 1º da Constituição Federal de 1988, com nítido escopo de ir além da proclamação formal de igualdade entre todos perante a lei, visando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer ouras formas de discriminação, o legislador constituinte erigiu a República Federativa do Brasil ao status de um Estado Democrático de Direito.

Como consequência, não se pode olvidar que, sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, como bem afirma Capez (2008, p. 7), por reflexo, seu Direito Penal há de ser legítimo, democrático e obediente aos princípios constitucionais que o informam, passando o tipo penal a ser uma categoria aberta, cujo conteúdo deve ser preenchido em consonância com os princípios derivados deste perfil político-constitucional.

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Cinge-se, pois, dentro desta concepção de Estado, de singular relevância, o princípio da dignidade da pessoa humana, norteador que é da correta interpretação e aplicação da norma penal e do qual derivam princípios outros, tal como o princípio da ofensividade, da presunção de inocência, entre outros que, exercendo um controle sobre a atuação repressiva estatal, conduzem a um Direito Penal mais condizente aos anseios sociais, garantidor dos direitos fundamentais e mantenedor da ordem na sociedade organizada, abandonando a idéia de um direito ligado tão somente à proteção de interesses objetivos e formais.

E então, dentro deste contexto, como bem assevera Ferrajoli (2002, p. 7), mesmo com sua "potestade punitiva", o Estado deve respeitar um elenco sistêmico de garantias que devem por ele ser efetivados, sendo este o primeiro passo para a configuração de um verdadeiro Estado Constitucional de Direito.

Salutar destacar, assim, que em um Estado Democrático de Direito como a República Federativa do Brasil, é justamente a dignidade da pessoa humana, enquanto valor fundamental, o substrato material legitimador da intervenção penal, seja através de crimes de dano ou mesmo de crimes de perigo abstrato.

Por esta ótica, tem-se que o conceito de bem jurídico e a sua caracterização como conteúdo material do injusto, está intimamente ligado ao conceito de dignidade da pessoa humana, sendo que bem jurídico será todo elemento indispensável ao livre desenvolvimento do indivíduo dentro de um sistema social orientado para a autodeterminação, para a garantia da pluralidade e da liberdade democrática (ROXIN, 1997, p. 56).

Logo, a identificação de bens jurídicos passíveis de proteção deve ser feita à luz da dignidade da pessoa humana, sendo que somente os elementos fundamentais para sua concretização poderão formar o rol de bens passíveis de tutela penal.

De bom alvitre salientar, todavia, que tal legitimidade afigura-se nítida quando estamos diante do direito à vida, à integridade física, à saúde, que são interesses sem os quais não há dignidade da pessoa humana. Contudo, não se apresenta de igual maneira clara quando estamos diante de bens difusos, de titularidade não de um indivíduo per si, mas da coletividade e que também necessitam, indubitavelmente, de proteção jurídica.

Ademais, como bem destacado por Bottini (2007, p. 181):

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A própria caracterização do Estado, como instituição voltada para a preservação de condições individuais e coletivas necessárias para a dignidade humana, enseja o amparo de direitos sociais constitucionais. A construção do indivíduo se faz por meio da interação comunicativa com outros, o que exige o compartilhamento de bens entre muitos ou todos os cidadãos. Elementos inerentes ao funcionamento da sociedade não são de titularidade dos indivíduos, mas de toda a coletividade, como o meio ambiente, a saúde pública, a ordem econômica, e sua supressão afetaria sobremodo o desenvolvimento de cada cidadão. Portanto, a preservação da dignidade da pessoa humana exige a tutela penal de bens coletivos.

Demonstrada a necessidade de tutela os bens jurídicos difusos, oportuno ressaltar que, na linha de raciocínio desenvolvida, a tutela de tais bens será do mesmo modo legítima, sempre que assegurarem, em última análise, as possibilidades vitais do indivíduo.

Vale lembrar que a referência à pessoa humana será sempre imperiosa para a caracterização de qualquer tipo penal voltado à tutela de bens difusos, sendo certo que, embora não se posse aferir, prima facie, nos bens jurídicos supraindividuais como o meio ambiente, a saúde, entre outros, referência direta ao indivíduo, esta pode ser sempre observada de forma mediata, haja vista que tais bens são considerados fatores indispensáveis à saúde e à vida do homem, o que permite dizer que tais bens somente terão interesse para o Direito Penal quando oferecer risco aos interesses humanos fundamentais (afetar equilíbrio ecológico v.g).

Tais considerações nos permitem consignar que tal conceituação de bem jurídico, que tem a dignidade do indivíduo como núcleo de toda e qualquer política criminal, é a única que se compatibiliza com os preceitos de um Estado Democrático de Direito, sendo que a determinação de referências individuais nos crimes de perigo abstrato, mesmo nos casos de proteção de bens jurídicos coletivos, será sempre o parâmetro a ser observado

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quanto à legitimidade de utilização do Direito Penal como instrumento de resposta aos anseios sociais por maior segurança frente aos riscos inerentes à sociedade contemporânea.

Com propriedade, Bianchini (2002, p. 41), corroborando tal posicionamento, relembra que:

[...] um Estado do tipo democrático e de direito deve proteger, com exclusividade, os bens jurídicos considerados essenciais à existência do indivíduo em sociedade. A dificuldade encontra-se, exatamente, na identificação desta classe de bens. A determinação do que seria algo digno de tutela oenal representa uma decisão política do Estado, que, entretanto, não é arbitrária, mas condicionada à sua própria estrutura. Em um Estado social e democrático de direito, a eleição dos bens jurídicos haverá de ser realizada levando em consideração os indivíduos e suas necessidades no interior da sociedade em que vivem.

No mesmo sentido é a posição adotada por Luiz Flávio Gomes (2002, p. 76), quando esclarece que:

[...] não é correto dizer que exclusivamente os direitos fundamentais são merecedores da tutela penal. Outros bens ou interesses, particulares ou até mesmo coletivos, ainda que não esteja contemplados no texto constitucional, podem ser objeto da proteção penal, sempre que sejam socialmente relevantes e compatíveis com o quadro axiológico constitucional.

Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já decidiu: HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE

ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. (A)TIPICIDADE DA CONDUTA. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. MANDADOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO E MODELO EXIGENTE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS EM MATÉRIA PENAL. CRIMES DE

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PERIGO ABSTRATO EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA DESMUNICIADA. ORDEM DENEGADA. 1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. 1.1. Mandados constitucionais de criminalização: A Constituição de 1988 contém significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas é possível identificar um mandado de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandados constitucionais de criminalização, portanto, impõem ao legislador, para seu devido cumprimento, o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. 1.2. Modelo exigente de controle de constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado em níveis de intensidade: Podem ser distinguidos 3 (três) níveis ou graus de intensidade do controle de constitucionalidade de leis penais, consoante as diretrizes elaboradas pela doutrina e jurisprudência constitucional alemã: a) controle de evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de sustentabilidade ou justificabilidade

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(Vertretbarkeitskontrolle); c) controle material de intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle). O Tribunal deve sempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplas margens de ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e necessárias para a efetiva proteção desses bens. Porém, uma vez que se ateste que as medidas legislativas adotadas transbordam os limites impostos pela Constituição – o que poderá ser verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) –, deverá o Tribunal exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa, declarando a inconstitucionalidade de leis penais transgressoras de princípios constitucionais. 2. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. PORTE DE ARMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALDIADE. A Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) tipifica o porte de arma como crime de perigo abstrato. De acordo com a lei, constituem crimes as meras condutas de possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo. Nessa espécie de delito, o legislador penal não toma como pressuposto da criminalização a lesão ou o perigo de lesão concreta a determinado bem jurídico. Baseado em dados empíricos, o legislador seleciona grupos ou classes de ações que geralmente levam consigo o indesejado perigo ao bem jurídico. A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba

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sendo a melhor alternativa ou a medida mais eficaz para a proteção de bens jurídico-penais supraindividuais ou de caráter coletivo, como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde etc. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Apenas a atividade legislativa que, nessa hipótese, transborde os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada de inconstitucional. 3. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA. Há, no contexto empírico legitimador da veiculação da norma, aparente lesividade da conduta, porquanto se tutela a segurança pública (art. 6º e 144, CF) e indiretamente a vida, a liberdade, a integridade física e psíquica do indivíduo etc. Há inequívoco interesse público e social na proscrição da conduta. É que a arma de fogo, diferentemente de outros objetos e artefatos (faca, vidro etc.) tem, inerente à sua natureza, a característica da lesividade. A danosidade é intrínseca ao objeto. A questão, portanto, de possíveis injustiças pontuais, de absoluta ausência de significado lesivo deve ser aferida concretamente e não em linha diretiva de ilegitimidade normativa. 4. ORDEM DENEGADA. (STF - HC 102087, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 28/02/2012, DJe-159 DIVULG 13-08-2012 PUBLIC 14-08-2012 REPUBLICAÇÃO: DJe-163 DIVULG 20-08-2013 PUBLIC 21-08-2013 EMENT VOL-02699-01 PP-00001)[2]

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Ante o exposto, pode-se dizer que o princípio da ofensividade cumprirá sua função limitadora da intervenção do Direito Penal em perfeita consonância com os preceitos de um Estado Democrático de Direito sempre que, por meio do tipo penal se esteja a tutelar determinado bem jurídico, seja coletivo ou individual, que diga respeito, em última análise, à liberdade de autodeterminação do ser humano.

Assim, independente da adoção de tipos de lesão, de perigo concreto ou de perigo abstrato, a legitimidade de tal criminalização restará presente sempre que se verificar a funcionalidade de tais delitos, ou seja, sempre que cumprirem a missão de assegurar bens jurídicos individuais ou coletivos que se afigurem relevantes à garantia da dignidade da pessoa humana, parâmetro que sempre deverá ser observado na análise da legitimidade dos tipos penais incriminadores em um Estado Democrático de Direito.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade contemporânea, como resultado de um processo de globalização e interação supranacional, caracteriza-se por ser uma sociedade de riscos, decorrendo estes dos avanços tecnológicos trazidos pela industrialização. Todavia, referido progresso tecnológico não veio acompanhado de estudos e análises dos efeitos decorrentes destas novas técnicas de produção, trazendo incerteza e insegurança, que obrigou a sociedade a lidar com o risco sob uma nova perspectiva, surgindo, assim, uma sociedade de riscos.

Neste novo contexto, os riscos passam a se originar da própria atividade humana, apresentando extensa lesividade, afigurando-se imperioso o seu controle, com a obstrução de comportamentos que apresentem riscos acima do ordinariamente tolerável, como forma de resguardar os bens jurídicos mais relevantes ao convívio social.

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Todo este panorama passa a ter considerável influência sobre o sistema jurídico, passando a ser fator determinante para a política criminal, que passa a colimar a minimação dos riscos e a produção da sensação de segurança almejada pelo corpo social, sendo certo que, diante do clamor público, o Direito Penal passa então a ser utilizado como meio de contenção destes riscos, recebendo nítido caráter de prevenção.

Com isso, ocorre uma clara expansão do Direito Penal dentro desta sociedade de riscos, principalmente através dos crimes de perigo abstrato, o que encontra duras críticas da doutrina, na medida em que afronta, prima facie, princípios reitores do direito penal em um Estado Democrático de Direito, tais como o princípio da lesividade, da presunção de inocência, entre outros, o que impõe a necessidade de uma análise pormenorizada da legitimidade deste fenômeno, diante das garantias constitucionais que funcionam como limitadores da repressão estatal.

O risco, pois, para legitimar a tutela ex ante por meio do Direito Penal deve-se pautar pelo equilíbrio entre esta punição e a observância dos princípios constitucionais que regem a matéria, fazendo-se, para tanto, uma releitura da própria dogmática jurídico-penal como forma de adequar o Direito Penal a esta nova realidade social em que está inserido, onde se verifica que, a mera punição, no mais das vezes, não será capaz de reparar os danos efetivamente causados.

Este quadro nos leva então a concluir que a utilização do Direito Penal, enquanto mecanismo de contenção de riscos na sociedade contemporânea, somente será legítima quando tal uso se compatibilizar com os preceitos fundamentais de um Estado Democrático de Direito, sendo justamente a dignidade da pessoa humana, enquanto postulado maior de tal conjuntura político-jurídica, o substrato material legitimador da intervenção penal.

Logo, a análise da legitimidade do uso dos crimes de perigo abstrato frente à principiologia constitucional que rege a matéria passa, antes, pela conceituação e caracterização do bem jurídico

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como conteúdo material do injusto penal, cabendo ressaltar que o bem jurídico no dentro de um Estado Democrático de Direito será todo elemento indispensável ao livre desenvolvimento do indivíduo dentro de um sistema social orientado para a autodeterminação, para a garantia da pluralidade e da liberdade democrática.

Destarte, é a partir da identificação, à luz da dignidade da pessoa humana, de bens jurídicos passíveis de tutela penal é que se poderá afirmar legítima ou ilegítima determinada incriminação, seja por crimes de danos, de perigo concreto ou de perigo abstrato.

Pode-se concluir, assim, que tendo o Estado Democrático de Direito como fim maior a preservação da dignidade da pessoa humana, estando esta em risco, ante o desenvolvimento das relações econômicas e sociais, constatada a periculosidade da conduta em relação aos bens protegidos, não se pode olvidar da legitimidade do uso dos crimes de perigo abstrato como meio de proteção de tais bens jurídicos, sejam individuais ou difusos.

Somente se justifica, assim, a antecipação da tutela penal quando seja constatada nos comportamentos humanos a periculosidade para os bens jurídicos dignos de proteção, respeitados os princípios constitucionais que regem o Direito Penal através de uma interpretação que privilegie sempre a dignidade humana, parâmetro de legitimação da pretensão punitiva estatal.

O uso da técnica dos crimes de perigo abstrato nestes termos, enquanto meio de contenção dos riscos a que está submetida a sociedade atual, encontrará sua legitimidade sempre que se fundar em parâmetros de garantia decorrentes da elevação da dignidade da pessoa humana como postulado maior do ordenamento jurídico, concretizando-se com estrita observância dos princípios constitucionais que o regem.

REFERÊNCIAS

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NOTAS:

[1] BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.

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[2] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000190720&base=baseAcordaos> Acesso em 29. fev.2016.

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BREVE ANÁLISE SOBRE A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

ANNA PAULA PINTO CAVALCANTE: Analista Ministerial e Assessora Jurídica Especial do Ministério Público do Estado do Ceará. Pós-Graduada em Direito Penal.

RESUMO: O presente trabalho tem por escopo examinar a atividade de argumentação como forma de controle da interpretação constitucional, diante das peculiaridades decorrentes da tessitura aberta do texto constitucional, bem como da alta carga valorativa de suas normas.

PALAVRAS-CHAVE: Argumentação jurídica. Controle. Interpretação constitucional.

ABSTRACT: This intelectual task intends to examine the argumentative activity as constitutional interpretation control, considering the peculiarities arising from the opened composition of the Constitution text as well as the high load of its juridic normativity.

KEYWORDS: Legal argument. Control. constitutional interpretation.

1. INTRODUÇÃO

Diante do destaque assumido pela Constituição da República em nossa ordem jurídica, como decorrência do neoconstitucionalismo e do fenômeno da constitucionalização do Direito, tem-se discutido sobre a adequada interpretação e aplicação das normas constitucionais, que, por terem estrutura diversa e carga valorativa superior às regras infraconstitucionais,

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não se contentam com os métodos hermenêuticos tradicionais, inaptos para extrair toda a potencialidade normativa da constituição.

Com efeito, os clássicos métodos de interpretação propostos por Savigny (métodos gramatical, lógico, sistemático, histórico e teleológico) não se revelam suficientes quando se trata de interpretar normas constitucionais, que albergam, no mais das vezes, princípios fundamentais do sistema, expressos de forma proposital em conceitos indeterminados e textos abertos, a fim de permitir a contínua evolução da jurisprudência, em harmonia com as alterações sociais.

A partir dos ensinamentos de Konrad Hesse, a doutrina identifica oito princípios instrumentais específicos para tratar sobre a hermenêutica constitucional. Tratam-se de meta normas, ou normas de 2º grau, que orientam como as normas de 1º grau (que compõem a dogmática jurídica) devem ser aplicadas. São eles: princípios da unidade, do efeito integrador, da concordância prática ou harmonização, da relatividade, da força normativa, da máxima efetividade, da conformidade ou da justeza e da proporcionalidade.

Assim, na interpretação das normas constitucionais e, sobretudo, no caso de colisão entre princípios fundamentais, o intérprete deve se valer desses postulados a fim de encontrar a melhor solução para o caso concreto, reduzindo proporcionalmente o âmbito de aplicação dos princípios em conflito com objetivo de evitar o sacrifício completo de algum deles, concretizando-os na maior medida possível.

Pelas considerações preliminares e comezinhas postas acima, é possível desde logo constatar que o atual ordenamento jurídico defere grande margem de atuação ao intérprete constitucional, conferindo-lhe expressiva liberdade que, se mal utilizada, poderá redundar em desvios e soluções inadequadas. O

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risco foi devidamente percebido por Paulo Bonavides (2005, p.477), que resumiu a questão da seguinte maneira:

“Descortina-se assim um campo de imprevisível extensão para o florescimento de distintas posições interpretativas no domínio da hermenêutica constitucional. Perde porém essa hermenêutica a firmeza do modelo clássico, que se assentava numa lógica confiante, sólida, imbatível. Sua plasticidade é fraqueza. A manipulação dos fins e do sentido faz deveras fácil o tráfego a soluções de conveniência, a conclusões pré-concebidas, a subjetivismos, em que o aspecto jurídico sacrificado cede complacente a solicitações do aspecto político, avassalador da norma e produtor exuberante de perplexidades e incertezas inibidoras”.

Sucede que todo o caminho percorrido pelo juiz até chegar à solução do caso deverá ser devidamente fundamentado, como impõe o art.93, inciso IX da Constituição Federal, dever que se apresenta mais contundente em se tratando de normas constitucionais, uma vez que elas guardam os valores mais relevantes para a sociedade.

Aqui desponta o estudo sobre a argumentação jurídica, objeto do presente trabalho, como forma de controle da legitimidade da interpretação constitucional.

2. ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: CONCEITO E ELEMENTOS

A argumentação faz parte do mundo jurídico, da própria essência do Direito, pois todas as partes que atuam no processo

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apresentam seus argumentos, seja para convencer ou para motivar determinado entendimento.

Assim, podemos conceituar argumentação como a atividade de fornecer razões para a defesa de um ponto de vista, o exercício da justificação de determinada tese ou conclusão, tendo como elementos fundamentais: (1) a linguagem, (2) as premissas, que atuam como ponto de partida e (3) as regras que orientam a passagem das premissas à conclusão.

Considerando que a interpretação dos princípios constitucionais admite diversos resultados, vez que, ao contrário das regras, não são mandamentos de definição nem se aplicam por subsunção, a análise da argumentação ganha relevo para propiciar o controle da racionalidade das decisões judiciais.

A argumentação jurídica desenvolveu-se, notadamente, no final do século passado, citando-se como expoentes Aarnio (1987), Alexy (1978), MacCormick (1978), Peczenik (1984) e Wróblewsky (1974). A principal questão posta pela teoria da argumentação pode ser assim resumida: se há diversas possibilidades interpretativas acerca de um mesmo caso, qual delas é a correta? Ou, na hipótese de diversas soluções plausíveis, quais delas apresentam uma fundamentação racional consistente? Como se demonstrar que uma determinada argumentação é melhor que a outra?

Nas palavras de Uadi Lammêgo Bulos (2010, p.438):

“A teoria da argumentação, aplicada à exegese constitucional, procurou fornecer subsídios para sabermos qual a opção exegética que deve prevalecer diante das diversas possibilidades interpretativas da mesma norma”.

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Existem diversas teorias acerca dos parâmetros que a argumentação deve observar para ser considerada válida, variando os critérios de acordo com o autor, ante a ausência de consenso doutrinário. Aqui, examinaremos os três parâmetros elementares de controle de argumentação sistematizados pelo Ministro Luís Roberto Barroso, em razão da sua simplicidade e utilidade quando da utilização da técnica de ponderação.

1º) A argumentação jurídica deve apresentarfundamentos normativos. O intérprete deve indicar elementos da ordem jurídica, mesmo que implícitos, aptos a respaldar sua decisão. Logo, não basta o bom senso e o sentido de justiça pessoal, pois é necessário um referendo jurídico à sua posição.

Este primeiro parâmetro decorre da própria ideia de Estado de Direito, pois apenas por meio de lei o Poder Judiciário pode impor coativamente determinada conduta a alguém. Logo, a argumentação jurídica deve manter e reforçar seu caráter jurídico – não se trata apenas de uma argumentação lógica ou moral. Por conseguinte, a priori, um conflito normativo deve ser resolvido em prol da solução que apresente o maior número de normas jurídicas em seu arcabouço, ou seja, que apresente maior suporte jurídico.

Aqui, necessário fazer uma rápida digressão: é que apenas será possível controlar a argumentação do intérprete se houver uma argumentação explicitamente declinada.

É sabido que, por força do já mencionado art.93, inciso IX da Constituição Federal, toda decisão judicial deve ser motivada; contudo, se a decisão envolver a técnica da ponderação, a imposição de motivar torna-se ainda mais contundente, uma vez que haverá restrição no âmbito de aplicação de um princípio constitucional. Nesses casos, o julgador percorre um caminho muito mais longo e acidentado para chegar à conclusão. É seu dever

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constitucional demonstrar claramente às partes qual foi o percurso trilhado por seu pensamento até chegar aquele resultado.

Atento à necessidade de motivar melhor as decisões judiciais, e visando a coibir certas técnicas de decisão que, a despeito de aceitas pela jurisprudência, não realizam satisfatoriamente o dever de fundamentação (motivação concisa), o recente Código de Processo Civil inovou e trouxe, em seu art.489, §1º, um rol em que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Nesses casos, a decisão será nula, devendo ser proferida outra em substituição, dessa vez com o vício sanado.

Vê-se que o legislador ordinário em boa hora preocupou-se com a efetividade do dever de fundamentação das decisões judiciais, que, repise-se, ganha especial relevo quando se adotar a técnica da ponderação, caso em que será absolutamente indispensável que o julgador exponha analítica e expressamente o raciocínio e a argumentação que o conduziram a uma determinada conclusão, permitindo assim que as partes possam controlá-la.

2º) A argumentação jurídica deve preservar a integridade do sistema. O intérprete deve ter compromisso com a

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unidade, com a continuidade e com a coerência da ordem jurídica, o que decorre dos princípios instrumentais da unidade e do efeito integrador, mencionados de pórtico. As decisões judiciais não devem ser casuísticas, mas passíveis de generalização e universalização a todos os casos semelhantes em que estejam presentes as mesmas circunstâncias – afinal, onde há a mesma razão, deve haver o mesmo Direito.

Ademais, o intérprete deve atentar para os precedentes e evitar mudanças bruscas e não fundamentadas de entendimento. O respeito à jurisprudência é uma forma de promover segurança jurídica e de resguardar a isonomia, embora autorizadas vozes se insurjam contra a possível fossilização da atividade criativa da jurisdição. Nessa linha, o novo Código de Processo Civil atribui expressiva força aos precedentes dos tribunais, que não podem ser livremente ignorados pelo juiz em nome da sua convicção e independência.

Este ponto, portanto, traduz a possibilidade de universalização dos critérios adotados pela decisão, o que já sinaliza a sua coerência e permite a prévia visualização de desvios e inconsistências. Em atenção ao princípio da isonomia, espera-se que os critérios empregados para a solução de um determinado caso concreto possam ser transformados em regra geral para situações semelhantes.

3º) A argumentação deve ser principialista. Exige-se rigor técnico na atividade de argumentação, a qual deve observar os princípios específicos de interpretação constitucional, bem como os princípios materiais propriamente ditos, que trazem em si a carga ideológica, axiológica e finalística da ordem constitucional.

Dessa forma, entre várias soluções igualmente plausíveis, o intérprete deverá percorrer o caminho ditado pelos princípios instrumentais e realizar, tanto quanto seja possível, de acordo com

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as possibilidades fáticas e jurídicas existentes, o estado ideal pretendido pelos princípios materiais.

O intérprete constitucional não pode isolar-se no mundo jurídico, desconectando-se da realidade e das consequências práticas de sua atuação. No exercício de sua atividade, deverá encontrar um equilíbrio entre a prescrição normativa, os valores a serem concretizados e os efeitos da decisão sobre a realidade. É preciso evitar situações extremas: juízes e tribunais não podem se valer de uma argumentação visando apenas às consequências práticas de suas decisões – ao contrário, devem guardar obediência aos valores e princípios constitucionais que lhes cabe concretizar. Por outro lado, o juiz constitucional não pode ser um jurista frio e indiferente à repercussão de sua atuação sobre o mundo real, sobre as instituições, o Estado e as pessoas.

Além da questão posta acima, outros dois problemas que têm ocupado os estudiosos da argumentação jurídica envolvem exatamente a seleção das normas e dos fatos que serão considerados em uma determinada situação. Sabe-se que, na prática, durante o julgamento de determinado caso complexo, alguns fatos são considerados relevantes, enquanto outros são ignorados. Que critérios levam o intérprete a dar relevância jurídica a alguns eventos e ignorar outros? Como evitar que esta seleção decorra de ideologias pessoais, considerando que é ultrapassado o ideal utópico de juiz neutro?

Também a seleção das normas aplicáveis nem sempre é tarefa simples. A pergunta aqui pode ser formulada nos seguintes termos: que normas são pertinentes ao caso? Quais princípios estão aparentemente em conflito?

3. CONCLUSÃO

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Como se viu, o controle da racionalidade do discurso jurídico suscita questões diversas, complexas e sutis, que se agravam na proporção da liberdade concedida a quem interpreta. Em sede de interpretação constitucional, a argumentação assume, muitas vezes, um papel decisivo no controle das decisões judicias, pois o caráter aberto dos princípios e os conceitos indeterminados conferem ao intérprete elevado grau de subjetividade.

Contudo, observa Uadi Lammêgo Bulos (2010, p.438):

“Embora merecedora de aplausos, a teoria não conseguiu decifrar o indecifrável: o que se passa na mente do intérprete.

Por mais que se busquem decisões judiciais “seguras” ou “corretas”, jamais será possível desvendar por que existem vereditos contraditórios sobre um mesmo assunto, proferidos por um mesmo juiz, com base em fatos e elementos normativos idênticos.

O motivo é simples: a interpretação jurídica é o reencontro gradual do espírito humano consigo próprio.”

Não obstante as profundas ponderações do grande constitucionalista, é pacífico que a demonstração lógica e adequada do raciocínio desenvolvido revela-se imprescindível para a legitimidade da decisão proferida, permitindo seu controle e revisão pelos jurisdicionados.

4. REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

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BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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REALIZAÇÃO DE PESQUISA MERCADOLÓGICA INFORMAL

VINICIUS ARAUJO DA SILVA: Assessor Jurídico do Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte. Pós Graduado em Direito.

Resumo: O presente artigo objetiva realizar uma abordagem de natureza científica acerca da realização da pesquisa mercadológica quando da realização de licitações públicas. Busca-se analisar de forma lógica e sistematizada, a possibilidade da realização de pesquisa informal, sobretudo por meio de sítios eletrônicos, telefone fax, sob a orientação e incidência dos princípios constitucionais do Direito Administrativo.

Introdução:

O presente estudo pretende demonstrar de forma clara e objetiva a possibilidade de realização de pesquisa mercadológica informal no âmbito das licitações públicas, sob o prisma de uma nova interpretação do Direito Administrativo, levando em conta o novo modelo de sociedade e os aspectos trazidos tecnologia.

Entretanto, não há de se perder de vista o princípio da legalidade e segurança jurídica que merecem despertar grande atenção do intérprete do Direito Administrativo, tendo em vista que há uma grande discussão acerca da compatibilidade desse procedimento com os preceitos constitucionais administrativos.

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Com isso, é imprescindível estabelecer, diante das exigências da sociedade moderna, se, realmente, essa técnica é compatível com a Constituição Federal.

Desenvolvimento:

De início, importante registrar que o art. 3º, inciso III da Lei nº 10.520/02, dispõe que dos autos do procedimento constará o orçamento, elaborado pelo órgão ou entidade promotora da licitação, dos bens ou serviços a serem licitados.

No mesmo norte, o inciso V, do art. 15 da Lei nº 8.666/1993 determina que as compras sempre que possível deverão balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública. Ademais, o §1º, do mesmo artigo dispõe que o registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.

A Lei nº 8.666/93 – Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública, em seus arts. 40, §2º, II e 43, IV, estabelece a previsão de exigências de orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários e a observância nos procedimentos quanto ao processamento e julgamento da licitação, dentre elas, a verificação da conformidade com os preços correntes de mercado, conforme estabelecido em:

Art. 43. A licitação será processada e julgada com a observância dos seguintes procedimentos: (...)

IV – verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com

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os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis.

Percebe-se, então, que dentre as várias exigências estabelecidas pela legislação que rege o sistema licitatório, encontra-se aquela atinente à necessidade de a Administração comprovar, de forma efetiva, que os preços estimados para o certame se encontram em conformidade com a realidade do mercado, de forma que se evite qualquer prejuízo ao erário.

É certo que o Tribunal de Contas da União possui entendimento no sentido de que a Administração deve realizar ampla pesquisa de preços para determinar a vantajosidade da proposta. Enumera metodologia a ser empregada pela Administração para a realização da pesquisa de preços, recomendando que se junte aos autos pesquisa realizada junto ao mercado com pelo menos 3 (três) empresas distintas do ramo licitado e pesquisa em outros órgãos públicos ou do próprio órgão, bem como e especialmente consulta nos sistemas de compras (comprasnet, siasg, sinapi, etc), devendo haver justificativa caso não seja possível cumprir o requisito.

É o que se depreende das decisões abaixo:

“Assunto: LICITAÇÕES. DOU de 02.12.2010, S. 1, p. 170. Ementa: determinação à ELETROBRÁS para que observe, quando da aquisição de bens, a Decisão nº 431/1993-P, no que concerne à realização de pesquisa de preços em pelo menos 3 empresas

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pertencentes ao ramo do objeto licitado, visando a comprovação da compatibilidade dos preços propostos com os praticados no mercado, e que seja feita inclusão da pesquisa de preços nos processos licitatórios” (item 9.2.10, TC-010.173/2004-9, Acórdão nº 7.049/2010-2ª Câmara).

“- Assunto: CONTRATOS. DOU de 06.10.2010, S. 1, p. 117. Ementa: alerta à Gerência Regional de Administração em Rondônia (GRA/RO) para que, antes de prorrogar qualquer contrato, realize detalhada estimativa de preços com base em pesquisa fundamentada em informações de diversas fontes propriamente avaliadas, como, por exemplo, cotações específicas com fornecedores, contratos anteriores do próprio órgão, contratos de outros órgãos e, em especial, os valores registrados no Sistema de Preços Praticados do SIASG e nas atas de registro de preços da Administração Pública Federal, de forma a possibilitar a estimativa mais real possível, em conformidade com os arts. 6º, inc. IX, alínea "f", e 43, inc. IV, da Lei nº 8.666/1993” (item 1.5.2.5, TC-019.918/2007-6, Acórdão nº 6.110/2010-1ª Câmara).

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De outro lado, cumpre informar que a pesquisa realizada em outros órgãos não se confunde com a pesquisa de mercado. Em verdade, a pesquisa em órgãos públicos tem a finalidade de comprovar se os preços praticados no mercado pelas empresas estão condizentes com os preços efetivamente contratados pelas empresas. Trata-se de uma ampliação da pesquisa de mercado, não substituindo a necessidade de cotar os preços junto às empresas prestadoras de serviço.

Conforme já asseverado, a realização de consulta a outras fontes de pesquisa como contratações anteriores tanto do próprio órgão quanto de outros, valores constantes no SIASG, tem sido reiteradamente recomendada pelo TCU aos seus órgãos fiscalizados.

Esta ampliação da pesquisa de preços tem sido reiteradamente denominada de “cesta de preços aceitáveis”:

“- Assunto: LICITAÇÕES. DOU de 16.06.2010, S. 1, p. 120. Ementa: recomendação ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás para realizar, previamente às suas licitações, consulta prévia aos preços praticados no site de compras do Governo, no sistema SIAFI (CONOB, etc.), de modo a obter a média mensal dos preços ofertados pelos fornecedores, nas licitações realizadas em todo o Brasil, para a obtenção de preços reais e melhores que aqueles fornecidos por e-mail, quando da pesquisa de mercado para aquisição de bens/produtos” (item 1.6.1, TC-008.324/2010-7, Acórdão nº 3.088/2010-1ª Câmara).

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Sob outro aspecto, trago à lume também o Parecer Normativo nº 02/2012/GT359/DEPCONSU/PGF/AGU da Procuradoria-Geral Federal que estabelece diretrizes a serem seguidas pelo Administrador na elaboração da pesquisa de preços:

“20. Compete ao gestor demonstrar a regularidade dos atos que pratica, conforme dispõe o art. 113 da lei nº 8.666[6], tendo obrigação de fiscalizar os atos de instrução processual realizados pelos servidores a ele subordinados.

21. De igual forma, compete à Comissão de licitação ou ao pregoeiro, antes de passar à fase externa do certame, verificar se a pesquisa de preços foi realizada observando-se os parâmetros expostos neste parecer.

22. Portanto, é imperioso que a Administração registre nos autos do processo administrativo os atos de pesquisa de preços, atentando para as seguintes orientações:

Deve haver a identificação do servidor responsável pela cotação (AC-0909-10/07-1)

As empresas pesquisadas devem ser do ramo pertinente à contratação desejada (Acórdão nº 1.782/2010-Plenário)

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Não pode haver vínculo societário entre as empresas pesquisadas (Acórdão nº 4.561/2010-1ª Câmara)

Em relação aos orçamentos apresentados, exige-se:

D.1) caracterização completa das empresas consultadas (endereço completo, acompanhado de telefones existentes) (AC-3889-25/09-1)

D.2) Indicação dos valores praticados (AC-2602-36/10-P) de maneira fundamentada e detalhada (AC-1330-27/08-P)

D.3) data e local de expedição (AC-3889-25/09-1)

23. Todas estas informações devem constar de despacho expedido pelo servidor responsável pela realização da pesquisa, no qual, além de expor o atendimento das exigências acima, irá realizar uma análise fundamentada dos valores ofertados pelas empresas, inclusive cotejando-os com os valores obtidos junto às outras fontes de consulta. É através desta análise fundamentada, que a Administração irá estabelecer o valor estimado da contratação.”

Para a aquisição de objetos com escassez no país o TCU também já se pronunciou:

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“9.5.2.1. apure com acuidade o valor de mercado do objeto licitado, recorrendo, quando se tratar de objeto com escassos fornecedores no país, a informações quanto aos preços praticados no mercado internacional, inclusive junto ao próprio fabricante, visando a garantir a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração, em atenção ao disposto no art. 3º da Lei 8.666/93;

9.5.2.2. explicite, quando for o caso, todos os custos e despesas envolvidas no preço final estimado, tais como impostos, taxas aduaneiras, fretes, seguros, treinamentos, assistência técnica, e outras, no intuito de aferir com precisão os valores praticados no mercado e de forma a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, conforme art. 3º da Lei 8.666/93;( AC-1147-16/10-P Sessão: 19/05/10 Grupo: II Classe: VII Relator: Ministro AUGUSTO SHERMAN CAVALCANTI – Fiscalização)

Desse modo, a pesquisa de preços, nas contratações públicas, deve, em regra, ser realizada de forma ampla, consignando o máximo de preços encontrados, devendo haver, no mínimo, a juntada de 3(três) fornecedores do ramo pertinente ou justificativa para a ausência e, ainda, consulta a ser efetivada junto aos órgãos públicos e junto aos sistemas de compras, sendo

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pertinente a elaboração de despacho fundamentado analisando a pesquisa realizada a fim de estimar o valor do objeto a ser contratado

Assim sendo, é certa a exigência de pesquisas de preços de mercado tanto na Lei de Licitações, bem como no Decreto nº 5450/2005. Porém, não há menção sobre a possibilidade de utilização de recursos eletrônicos, de websites ou outros meios de comunicação para essa finalidade.

Por não existir disposição expressa de como se deve proceder em tais pesquisas de preços, a Administração Pública detém certa margem de discricionariedade, estando apta a estabelecer os critérios de pesquisa, sem com isso ferir a legalidade, sempre que buscar efetivar os valores da economicidade e eficiência, como é o caso da utilização de recursos eletrônicos para a aferição de preços praticados no mercado.

Por outro lado, obter dictum, o TCU não reprimiu a utilização de pesquisa de preços com recurso à internet, quando do julgamento Acórdão 2349/2007- Plenário, por exemplo.

Em todo caso, quando houve inviabilidade ou não merecerem fé as pesquisas de preços efetuadas diretamente aos empresários ou em qualquer caso, a administração poderá realizar a pesquisa de preços em atas de registro de preços e, ainda em websites que reproduzam, em meio virtual, a oferta real e de produtos e de serviços.

Com estas considerações, não há dúvida acerca da possibilidade de utilização de recursos informatizados para a realização da pesquisa de mercado, como Internet, e-mail, fax, devendo a administração cuidar para que a cotação seja o mais ampla possível, levando-se em consideração consultas ao mercado “real ou virtual”, bem como preços já registrados em contratações

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públicas, atas de registro de preços, sempre comprovando nos autos a sua realização, com no mínimo 03 (três fornecedores) aptos à contratação, salvo motivo devidamente justificado.

No tocante à utilização de telefone para realização de pesquisa mercadológica, não se vê óbice legal. Por exemplo, o servidor poderá obter as informações e registrá-las em formulário próprio que deverá ser, necessariamente, juntado aos autos do processo administrativo. Mas, nesse caso, o servidor deve fazer constar seu nome e matrícula, a fim de se responsabilizar pelas informações contidas nessa peça. Nesse caso, não é demais dizer, fica o servidor responsável pela informação juntada.

Com efeito, os atos administrativos gozam de uma presunção de legitimidade, isto é, pressupõe-se que foram editados em conformidade com as devidas normas legais. Essa característica não depende de lei expressa, pelo contrário, deflui da própria natureza do ato emitido pela Administração Pública.

Porém, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, o telefone só deve ser utilizado em casos excepcionais, na hipótese de ser justificada a impossibilidade de emprego dos outros meios, tais como Internet, e-mail ou fax.

Sobre como realizar o apontamento e de quais informações devem contar nesse registro, é imperioso destacar que, em primeiro lugar, deve haver a identificação do servidor responsável pela cotação.

Ademais, em relação aos orçamentos apresentados, exige-se caracterização completa das empresas consultadas, a indicação dos valores praticados de maneira fundamentada e detalhada, assim como a data e local de expedição.

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Advirta-se que todas estas informações devem constar de despacho expedido pelo servidor responsável pela realização da pesquisa, no qual, além de expor o atendimento das exigências acima, irá realizar uma análise fundamentada dos valores ofertados pelas empresas, inclusive cotejando-os com os valores obtidos junto às outras fontes de consulta.

Por fim, como já mencionado acima, em qualquer das hipóteses o servidor poderá ainda registrar as informações obtidas em formulário próprio que deverá ser, necessariamente, juntado aos autos do processo administrativo.

Conclusão:

Diante do exposto, pode-se concluir que é sim possível a realização de pesquisa mercadológica por meio de Internet, e-mail, fax e, excepcionalmente, por telefone.

Entretanto, deve haver a identificação do servidor responsável pela cotação e, em relação aos orçamentos apresentados, exige-se caracterização completa das empresas consultadas, a indicação dos valores praticados de maneira fundamentada e detalhada, assim como a data e local de expedição. Além disso, todas estas informações devem constar de despacho expedido pelo servidor responsável pela realização da pesquisa, no qual, além de expor o atendimento das exigências acima, irá realizar uma análise fundamentada dos valores ofertados pelas empresas, inclusive cotejando-os com os valores obtidos junto às outras fontes de consulta. Por fim, como já mencionado acima, em qualquer das hipóteses o servidor poderá ainda registrar as informações obtidas em formulário próprio que deverá ser, necessariamente, juntado aos autos do processo administrativo.

REFERÊNCIAS:

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JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14. ed. Sao Paulo: Dialética, 2010.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos : orientações e jurisprudência do TCU – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília : TCU, Secretaria- Geral da Presidência : Senado Federal, 2010.

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Vade-mecum de licitações e contratos. 5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di et al. Temas Polêmicos sobre Licitação e Contratos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

CRETELLA JÚNIOR, José. Das Licitações Públicas. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 4. ed. Niterói: Impetus, 2010.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Direito Administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

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A MODULAÇÃO DOS PODERES DO CURADOR PELO MAGISTRADO NA HIPÓTESE DA PESSOA QUE NÃO PODE EXPRIMIR SUA VONTADE

ARTHUR DA GAMA FRANÇA: Especialista em Direito Civil. Pós graduado ela ESMA-PB. Professor na Faculdade Maurício de Nassau em Campina Grande. Advogado militante.

Resumo: O presente artigo tem como foco as alterações no instituto da capacidade civil e as incapacidades. Com a pesquisa bibliográfica realizada em artigos, livros e Leis Federais, e com o uso do método hipotético-dedutivo, buscou-se demonstrar as transformações que se efetivaram ao longo dos anos no Código Civil, em especial a análise do Instituto da Incapacidade civil depois da vigência da Lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) que alterou o tipo de incapacidade para os que não podem exprimir a vontade. Palavras-chave: Direito civil. Incapacidade. Código Civil. Estatuto

da Pessoa com Deficiência.

Introdução

O direito busca regular a vida das pessoas usando de normas justas visando ao bom convívio social. Para tanto usa de diversos princípios para concretizar sua busca ao ponto ideal de controle entre o indivíduo e a sociedade.

Como início desta valorização do indivíduo no Sistema Jurídico Pátrio atual, temos o Artigo primeiro do Código Civil que logo vem a estabelecer direitos e deveres a todas as pessoas, respeitando a

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individualidade de cada um e possibilitando sua participação na sociedade.

Todavia, buscando exatamente individualizar a pessoa e perceber suas necessidades para exercer estes direitos e assumir obrigações, já nos artigos terceiro e quarto se estabelece limitações ao exercício destes direitos. Isto porque estas pessoas, por algum motivo, não são consideradas aptas a realizarem plenamente os atos da vida civil, da vida em sociedade, como a grande maioria de seus demais membros.

Os motivos que levam estas pessoas a ser consideradas inaptas a exercerem os atos da vida civil como os demais são os mais variados, sejam fatores médicos-psicológicos, a idade (biológicos), a dependência de substâncias psicoativas específicas, compulsão financeira patológica, enfim, situações que precisam de auxílio para exercerem plenamente seus direitos e obrigações.

Ao longo dos anos a concepção de pessoa consideradas incapazes trazida no Código Civil de 1916 foi mitigando para hoje termos um panorama bem diferente a aquele. Mas até mesmo o Código Civil de 2002 foi modificado severamente pela Lei 13.146/15, o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Não todas as alterações foram bem aceitas pelos juristas e precisam ser analisadas para se estabelecer o seu impacto no ordenamento cível e seus reflexos na pessoa do incapaz. Uma destas modificações foi a alteração do tipo de incapacidade da pessoa que não pode exprimir sua vontade o que passaremos a analisar.

1. O cerne da incapacidade civil do texto inaugural do Código Civil de 2002 O Código Civil de 1916 esteve eficaz até que a Lei 10.406/02, o

Código Civil brasileiro atual, revogou o antigo e passou a viger em

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2003. Neste novo diploma legal, buscou de início estabelecer o alcance da incapacidade tomando como padrão o discernimento do indivíduo.

Para as pessoas sem discernimento atribuía a incapacidade absoluta para todos os atos da vida civil, enquanto que para os que apresentavam um pouco de discernimento conferia a incapacidade relativa para alguns atos da vida civil ou a maneira de os exercer.

Com a visão diferente do Código Civil antigo, o Novo Código Civil define que esta maior ou menor proteção se daria em face do grau de discernimento ou necessidade que a pessoa tivesse para realmente avaliar o que seria melhor para si, eis a grande modificação conceitual entre os textos.

O objetivo para se limitar o exercício dos direitos civis tem por cerne a proteção do indivíduo dos riscos em assumir obrigações que podem lhe comprometer o bom andar de suas vidas diante da falta de compreensão da realidade que teriam estas pessoas, buscando manter sua dignidade. Por isto, estabelecer o grau de comprometimento do discernimento para adequar a lei às suas necessidades e individualidade.

2. A diferenciação dos institutos da Incapacidade civil absoluta e relativa Pela reprodução do texto original dos Arts. 3º e 4º do Código

Civil, podemos perceber o alcance da incapacidade e suas espécies:

Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência

mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

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III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios

será regulada por legislação especial.

A princípio pode-se destacar a diferença de alcance dos dois institutos. Para a Incapacidade civil absoluta temos que o alcance se estende a todos os atos da vida civil, enquanto que para a incapacidade relativa se resume a certos atos ou a maneira de os exercer.

Para a incapacidade relativa, diante do pouco discernimento que contempla o incapaz, o legislador preferiu lhe respeitar a vontade para algumas situações, como para o Pródigo ao qual sua incapacidade só atinge alguns direitos que extrapolem a mera administração de seus bens, como se vê pelo Art. 1.782 do Código Civil:

Art. 1.782. A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.

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Mostra-se, assim que o Pródigo poderá decidir as demais coisas sobre a sua vida, como casar, constituir família, viajar, etc, sem que o curador tenha que ser consultado.

Aliás, a consulta é outra característica diferenciadora dos institutos, que vai se encaixar na expressão “a maneira de os exercer”, contida no final do caput do Art. 4º do Código Civil.

Para o relativamente incapaz, diante do seu parco, mas existente discernimento, garantiu-se que ele participasse dos atos que lhe impusessem obrigações, contudo deverá ser assistido por um curador, os pais ou o tutor, a quem caberá a palavra final sobre a obrigação que assumirá o incapaz. O Instituto aplicável é o da assistência.

Isto é bem diferente do que ocorre com os absolutamente incapazes, pois estes não opinam e o ato é exercido por intermédio de um representante a quem estabelecerá a melhor escolha dentre as possíveis para o incapaz.

O representante, diante as modificações trazidas com o Estatuto da pessoa com deficiência, o instituto da incapacidade absoluta restou somente aos menores de 16 anos de idade (menor impúbere), como se pode ver pela nova redação do Art. 3º do Código Civil:

Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

Neste caso, o instituto da representação ficou restrito aos pais e aos tutores. Como determina os Arts. 1.690, 1.728 e 1.747, do Código Civil:

Art. 1.690. Compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade,

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representar os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados.

Art. 1.728. Os filhos menores são postos em tutela:

I - com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes;

II - em caso de os pais decaírem do poder familiar.

Art. 1.747. Compete mais ao tutor: I - representar o menor, até os dezesseis

anos, nos atos da vida civil, e assisti-lo, após essa idade, nos atos em que for parte;

Como se verifica nos artigos acima transcritos, quando a idade é o elemento limitador da capacidade compete aos pais e, na falta destes, os tutores que sucederão aos pais no cuidados dos menores em razão do falecimento destes ou da retirada do poder familiar.

Deduz-se, portanto, que a incapacidade absoluta não se estabelece em juízo, mas sim na lei que traz a hipótese biológica para tanto, o menor impúbere.

3. Aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade. Desde a publicação do Código Civil de 2002 se atribuiu uma

nova hipótese de incapacidade absoluta que seriam os que, mesmo por causa transitória, não pudessem exprimir a vontade, que abrangeriam os surdos mudos que não conseguissem se comunicar com as demais pessoas para externar sua vontade e outras pessoas em situações especiais que não lhe permitissem expressar a vontade, p.ex.: que estivessem em coma.

De fato, o que se tinha era uma abrangência do instituto da incapacidade civil absoluta, não só para as pessoas que não tinham

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discernimento, mas para aquelas que não conseguissem externar a sua vontade.

Aparentemente situa-se um conflito desta alteração aos institutos da incapacidade absoluta e relativa, por sua inadequação conceitual aos institutos da representação e assistência.

Cabe lembrar que a pessoa que não pode exprimir sua vontade não poderá participar da celebração do ato jurídico, afinal de contas ela não tem como exprimir sua vontade. Mas também é preciso estabelecer que o instituto da incapacidade relativa implica em dizer que para a perfeição na celebração do ato jurídico o incapaz deve participar do ato jurídico externando a sua vontade em conjunto com os seus assistentes.

Vejamos o que defendeu GAGLIANO E PAMPLONA FILHO (2012, p. 150):

“Já o suprimento da incapacidade relativa dá-se por meio da assistência. Diferentemente dos absolutamente incapazes, o relativamente incapaz pratica o ato jurídico juntamente com o seu assistente (pais, tutor ou curador), sob pena de anulabilidade.”

Marcos Ehrhardt Jr. (2011, p. 143) também se pronuncia a respeito dos relativamente incapazes afirmando:

“Já nos relativamente incapazes, descritos no art. 4º do CC/02, sua opinião é relevante para o Direito e sem sua vontade (ou contra ela) o ato jurídico não se constitui.”

Alguns negócios jurídicos estão inviabilizados, p. ex.: o que possibilita a continuidade do exercício da atividade empresária por

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meio do Incapaz. Como se depreende da leitura do Art. 974, III, do Código Civil:

“Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança. (...)

III – o sócio relativamente incapaz deve ser assistido e o absolutamente incapaz deve ser representado por seus representantes legais”

Embora não tenha modificado a interpretação do instituto, o transporte da hipótese da pessoa que não tem como exprimir sua vontade para os relativamente incapazes, trouxe surpresa e estranheza para alguns juristas.

Para viabilizar a eficácia do instituto, a decisão judicial que decretar o curador o terá que o denominar de representante para que este possa agir em nome do representado já que o curatelado (representado) não pode participar dos atos jurídicos, pois, por óbvio, estes não teriam como fazê-lo diante da impossibilidade que lhe acomete.

A própria lei traz sua adequação, nos Artigos 1.767 e 1.772, quando estabelece a necessidade de interdição para a pessoa que não puder exprimir sua vontade e, quando atribui ao juiz o dever de ajustar os poderes do curador segundo as potencialidades do curatelado, conforme se extrai dos artigos do Código Civil abaixo transcritos.

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela: - aqueles que, por causa transitória ou

permanente, não puderem exprimir sua vontade; Art. 1.772. O juiz determinará, segundo as

potencialidades da pessoa, os limites da

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curatela, circunscritos às restrições constantes do art. 1.782, e indicará curador.

Neste caso, o legislador encerrou a partição do instituto da assistência e da representação, como até então se tinha: a representação aplicada para os absolutamente incapazes e a assistência para os relativamente incapazes.

Com a modificação no Código Civil já vigente desde o dia 02 de janeiro de 2016, o magistrado deve avaliar cada caso e modular os poderes do curador em razão das potencialidades da pessoa com deficiência, neste caso a deficiência que impede externar a vontade. Sobretudo, estando a pessoa incapacitada de participar do ato da vida civil, o juiz deverá conceder ao curador os poderes de representar os interesses do curatelado junto as demais pessoas, mesmo este sendo um relativamente incapaz na classificação estabelecida nos artigos 3º e 4º do Código Civil.

4. Considerações finais Como não poderia deixar de ser, o Código Civil se rendeu as

modificações sociais e se adaptou as descobertas científicas ao longo dos tempos.

O legislador foi corajoso, percebeu a injustiça social com os surdos-mudos e lhe retirou o estigma que muito lhes prejudicava. Deixou claro que não era o surdo-mudo que precisaria de proteção e sim as pessoas que não pudessem exprimir a própria vontade.

O Estatuto civil, privilegiando a dignidade da pessoa humana, fincou valores e bateu de frente com o conservadorismo e preconceitos da sociedade para viabilizar a inclusão social dos deficientes e os tornou plenamente capazes, sem lhes abandonar totalmente, pois ainda previu algumas formas de proteção.

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Enfim, assumiu seu viés de inclusão social, buscando uma sociedade livre justa e solidária que só existe possibilitando que o ser humano tenha dignidade, possa participar livremente da sociedade que pertence e tomar as rédeas da sua vida.

Para tanto teve que alterar o padrão existente até então da partição da representação e assistência para determinado tipo de incapacidade. Deste modo, restou ao magistrado o dever de distinguir as necessidades do deficiente e as suas potencialidades para lhe suprir as necessidades através de um assistente ou representante. O que melhor lhe servir.

Referências BRASIL. Decreto-Lei 891/38. Planalto. Disponível em: http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/110787/lei-de-fiscalizacao-de-entorpecentes-decreto-lei-891-38. Acesso em 24/02/2016.

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________. Lei 13.146/15. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm. Acesso em 24/02/2016.

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TUTELAS PROVISÓRIAS NO CPC/15

JORGE LUIS LORETO JUNIOR: Acadêmico de direito na Faculdade de Ensino Superior da Amazônia Reunida. Redenção - PA.

RESUMO: As tutelas provisórias fazem parte de um conjunto de novidades trazidos pelo novo Código de Processo Civil, o diploma legal já apelidado por alguns de "Código dos Advogados", devido a ampla participação da classe no processo de elaboração do projeto. É fato que o CPC/15 trouxe uma séries de benefícios aos advogados, inclusive a simplificação de determinados procedimentos. A tutela provisória é gênero tendo como espécies a tutela de urgência e evidência. Estes novos procedimentos simplificaram os antigos processos cautelares que há muito se viram desvirtuados de sua verdadeira função. As tutelas são classificadas quanto ao tempo de seu pleito, motivação, requisitos e seus efeitos no ordenamento jurídico. Sem sombra de dúvidas, as tutelas provisórias fazem parte de um conjunto que veio para dar efetividade a celeridade processual, chamando a existência a vivencia da razoável duração do processo, tendo em vista a possibilidade de ser ver satisfeita a pretensão antes mesmo da propositura do processo principal, mesmo que de forma provisória.

PALAVRAS CHAVES: Tutelas provisórias. Tutela cautelar. Tutela de evidência, tutela urgência. Tutela satisfativa. Tutela antecedente, tutela incidental.

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1 INTRODUÇÃO

A Lei nº 13.105/2015, aprovada em 16 de março de 2015 e publicada em 17 de março de 2015, com vacatio legis de um ano, veio como uma tentativa de dar efetividade ao princípio da celeridade processual, trazendo em seu bojo um conjunto de novidades que visam gerar mudanças significativas, com o fulcro de combater o mal da morosidade outrora impregnado nos processos cíveis. Como sabiamente afirmou Rui Barbosa: “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta.”

Alfredo Buzaid, na exposição de motivos ao Código de Processo Civil de 1973, já tratava das duas exigências necessárias para o aperfeiçoamento do processo: a rapidez e a Justiça. Porém, o que se via na prática era a banalização do termo razoável duração do processo, tendo em vista as inúmeras demandas que seguiam durante anos antes de findar a lide.

Entre as varias mudanças trazidas pelo novo diploma legal, tem se destacado a tutela provisória, um mecanismo que permite ao magistrado, após provocação da parte interessada, antecipar os efeitos práticos pretendidos pelo autor e que normalmente só seriam gerados após prolatada sentença.

O novo Código de Processo Civil adotou um padrão sincrético, atribuindo as tutelas provisórias uma livro próprio (livro 5) na parte geral do processo (art. 294 ao 311).

Citamos Carreira Alvim, em sua obra "Alterações do Código de Processo Civil":

"O sincretismo processual traduz uma tendência do direito processual, de combinar fórmulas e procedimentos, de modo a possibilitar a obtenção de mais uma tutela jurisdicional, de forma simples e imediata, no bojo de um mesmo processo, com o que,

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além de evitar a proliferação de processos, simplifica e humaniza a prestação jurisdicional".

O objetivo no novo diploma legal é tornar simples a prestação jurisdicional, desburocratizando determinados procedimentos que outrora congelavam o marcha processual.

Sem dúvida as tutelas provisórias são uma das grandes apostas realizadas pelo legislador, trazendo-nos um inicio de esperança de ver concretizado o princípio da celeridade processual além da teoria, dando a ele efetividade prática.

Para se ter uma plena compreensão das tutelas provisórias, necessário se faz compreender a sua classificação quanto ao momento em que são requeridas (antecedente ou incidental) e a sua justificativa (urgência e evidência).

2 Distinção entre Tutela Antecedente e Incidental

A novidade legislativa visou dar cabo aos antigos processos cautelares que já assumiam verdadeiro status de satisfação e não cautela. As tutelas provisórias vieram para permitir que antes mesmo de ser proposto o processo principal o autor pudesse ver garantido o futuro provimento do seu pleito ou a satisfação da pretensão do direito material. O que distingui em regra os institutos é o momento em que são aplicados, antes, no mesmo momento ou após a ser postulado o pedido principal.

3 Tutela Provisória de Urgência Antecipada Antecedente ou incidental

Reza a inteligência do artigo 294 do CPC/15 que a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

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A tutela de urgência de caráter antecedente tem natureza satisfativa, correspondendo a efetiva satisfação da pretensão do direito material, podendo ser pleiteada antes ou no momento em que for postulada a ação com pedido principal, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e indicar o pedido de tutela final, com exposição da lide, do direito que se busca realizar e o preenchimento dos requisitos do art. 300 do CPC/15. É importante observar que a tutela de urgência de caráter antecedente não exime o autor do pagamento de custas processuais.

Após a interposição do pedido de tutela provisória de urgência em caráter antecedente, caso está seja concedida, deve o autor efetuar o aditamento da inicial no prazo de 15 dias, com a complementação de sua argumentação, juntada de novos documentos e confirmação do pedido de tutela final (art. 303, I).

Por outro lado, as tutelas provisórias de urgência antecipadas incidentais são pleiteadas após a propositura da petição inicial contendo o pedido principal, ficando o autor livre do pagamento de novas custas processuais.

3.1 Tutela Provisória de Urgência Cautelar Antecedente ou Incidental

A banalização e o desvirtuamento do processo cautelar, que passou a ser adotado em situações absolutamente impróprias, como quando o demandante deduzisse pretensão de cunho satisfativo, em virtude desta total ausência de mecanismos específicos, foi um dos principais motivos que levaram o legislador a trazer no novo diploma legal a distinção entre tutelas antecipadas e cautelares.

A tutela cautelar antecedente segue as mesmas diretrizes da tutela provisória de urgência antecipada antecedente no que se

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refere ao momento da sua aplicabilidade. Será tutela provisória de urgência de natureza cautelar antecedente quando for pleiteada antes ou no momento em que for postulada a petição contendo o pedido principal, de igual sorte será incidental quando for postulada após ter sido realizada a postulação do pedido principal.

É importante salientar que ao ser efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá que ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que foi deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais (art. 308 do CPC/15).

A tutela provisória de urgência cautelar, seja antecedente ou incidental, não visa a satisfação antecipada da pretensão e sim a garantia de que o futuro provimento jurisdicional seja possível, útil e proveitoso. É de fundamental importância compreender que a tutela provisória antecipada possui natureza satisfativa enquanto a tutela cautelar é de caráter não satisfativo, sejam antecedente ou incidental.

3.2 REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA PROVISÓRIA

O caput do art. 300 do CPC/15 e o §3º, apontam os requisitos para a concessão das tutelas provisórias de urgência. Segue reproduzido o texto na integra:

Art. 300 - A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciam a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

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O primeiro requisito trazido pelo texto é a probabilidade do direito. Importante não confundir probabilidade com possibilidade, há distinções entre ambos os institutos. Segundo o dicionário Aurélio probabilidade se refere a verossimilhança, enquanto possibilidade faz referência tão somente a algo que possa acontecer.

A verossimilhança (probabilidade) se refere a tudo o que tem aparência de verdadeiro, plausível ou provável, não se tratando de mera expectativa e sim de verdade aparente.

O primeiro requisito imputa ao demandante o ônus de provar, juntamente com sua petição, prova suficiente da verossimilhança. Deve existir o "fumus boni iures", não havendo a fumaça do bom direito não será admissível a concessão da tutela provisória de urgência, seja em caráter antecedente ou incidental.

O segundo requisito apontado pelo texto é o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Tal requisito aponta para a necessidade de existência do periculum in mora, não havendo perigo na demora não há que se falar em tutela de urgência.

O terceiro e último requisito é a reversibilidade dos efeitos da decisão constante no parágrafo segundo do artigo 300. O terceiro requisito exige uma certa cautela por parte do leitor. É de fundamental importância não confundir a "reversibilidade dos efeitos da decisão" com a "reversibilidade da decisão".

Já pude perceber em algumas vídeo aulas e artigos publicados eletronicamente equívocos referentes ao terceiro requisito para a concessão da tutela provisória de urgência, sendo que alguns estão fazendo referência a "reversibilidade da decisão". Como primeiro ponto é óbvio que a decisão pode ser reformada ates do transito em julgado, porém, nem sempre os efeitos desta decisão poderão ser revertidos ao status quo ante. Para que seja concedida a tutela

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provisória de urgência, em caráter antecedente ou incidental, é necessário que os efeitos da decisão - e não a decisão propriamente dita - possam ser revertidos.

4 Tutela de Evidência

Eis aqui uma inovação que em nada se assemelha a qualquer outro dispositivo legal do antigo CPC.

O caput do artigo 311 do CPC/15, bem como seus incisos, demonstram os requisitos para a concessão da tutela de evidência. Diferente das tutelas provisórias de urgência, as tutelas de evidência serão concedidas independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.

Será concedida a tutela de evidência em conformidade com o artigo 300 quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte e quando o direito só puder ser comprovado via prova documental, havendo tese firmada em I.R.D.R ou Sumula Vinculante.

5 CONCLUSÃO

É bem verdade que a expectativa criada pelos brasileiros na eficácia do novo Código de Processo Civil se mostra em parte atendida pelos mecanismo das tutelas provisórias. A fundamentação de urgência no pleito antes, durante ou após a propositura de ação principal, gera grande expectativa de uma maior efetividade da tão sonhada celeridade processual na esfera cível. A tutela de evidência é um mecanismo totalmente novo, o novo diploma legal peca na ausência de especificidade do dispositivo, o que certamente acarretara debates acalorados, porém, deixa em seus incisos as circunstancia em que serão concedidas - ainda restando a duvida se de oficio pelo juiz ou a

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requerimento das partes, ou de ambas as formas. Pela inteligência do artigo 311, entendo que ambas as possibilidade são válidas.

Referências bibliográficas

SANTANA, Alexandre Ávalo. Novo CPC análise doutrinária sobre o novo direito processual brasieliro.

Assumpção, Daniel Amorim. Novo CPC comparado.

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APONTAMENTO SOBRE A DECLARAÇÃO DE QUÉBEC (2008): A EDIFICAÇÃO E RECONHECIMENTO DO ESPÍRITO LOCAL NA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

Resumo: O objetivo do presente está assentado na análise da Declaração de Québec (2008), no que concerne à edificação e ao reconhecimento do espírito local na preservação do patrimônio cultural. Cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e

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escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. O conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela Jurídica. Documentos Internacionais.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 Apontamento sobre a Declaração de Québec (2008): A Edificação e Reconhecimento do Espírito Local na Preservação do Patrimônio Cultural.

1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada

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em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar

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porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era

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marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”[6].

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

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momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível[7].

Quadra anotar que os direitos alocados sob a rubrica de direito de terceira dimensão encontram como assento primordial a visão da espécie humana na condição de coletividade, superando, via de consequência, a tradicional visão que está pautada no ser humano em sua individualidade. Assim, a preocupação identificada está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas influências afetam a todos, de maneira indiscriminada. Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides, que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição de 1988,

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emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais.

2 Comentários à concepção de Meio Ambiente

Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos apresentados por José Afonso da Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10].

Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam oser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com bastante pertinência, que:

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(...) o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal[12].

É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225,conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e

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teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que:

A preocupação com o meio ambiente - que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (...) tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade[15].

O termo “todos”, aludido na redação do caputdo artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal

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fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeitoerga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em

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tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios

Quadra salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

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ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos”[16]. Desta maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência da própria sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[17]. Quadra anotar que os bens compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que

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ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização. O autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira). Recurso conhecido em parte e provido. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais, os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou entendimento que“expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um

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povo”[18]. Esses aspectos constituem, sem distinção, abstratamente o meio-ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a geração e é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente”[19], decorrendo, com destaque, da interação com a natureza e dos acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[20], que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo[21], em seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança, referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo[22], que os bens que constituem o denominado patrimônio cultural consistem na materialização da história de um povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão de substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana.

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4 Apontamento sobre a Declaração de Québec (2008): A Edificação e Reconhecimento do Espírito Local na Preservação do Patrimônio Cultural

Em um primeiro momento, cuida anotar que a Declaração de Québec traz a tona princípios e recomendações para a preservação do spiritu lociatravés da proteção do patrimônio tangível e intangível, considerado uma forma inovadora e eficiente de assegurar o desenvolvimento sustentável e social no mundo inteiro. O espírito do lugar é construído por vários atores sociais, seus arquitetos e gestores, bem como seus usuários que contribuem ativamente e em conjunto para dar-lhe um sentido. Visto como um conceito relacional, o espírito do lugar assume ao longo do tempo um caráter plural e dinâmico capaz de possuir múltiplos sentidos e peculiaridades de mudança, e de pertencer a grupos diversos. Esta abordagem mais dinâmica se adapta melhor ao mundo globalizado atual, caracterizado por movimentos transnacionais da população, relocação populacional, contatos interculturais crescentes, sociedades pluralísticas e múltiplas ligações ao lugar. O espírito do lugar oferece uma compreensão mais abrangente do caráter vivo e, ao mesmo tempo, permanente de monumentos, sítios e paisagens culturais. Supre uma visão rica, mais dinâmica e abrangente do patrimônio cultural. Ao lado disso, o espírito do lugar existe, de uma forma ou de outra em praticamente todas as culturas do mundo e é construído por seres humanos em resposta às suas necessidades sociais. As comunidades que habitam o lugar, especialmente quando se trata de sociedades tradicionais, deveriam estar intimamente associadas à proteção de sua memória, vitalidade, continuidade e espiritualidade.

É importante assinalar que a Declaração de Québec reconheceu que o espírito do lugar é composto por elementos tangíveis (sítios, edifícios, paisagens, rotas, objetos) bem como de

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intangíveis (memórias, narrativas, documentos escritos, festivais, comemorações, rituais, conhecimento tradicional, valores, texturas, cores, odores, etc.) e que todos dão uma contribuição importante para formar o lugar e lhe conferir um espírito, declaramos que o patrimônio cultural intangível confere um significado mais rico e mais completo ao patrimônio como um todo, e deve ser considerado em toda e qualquer legislação referente ao patrimônio cultural e em todos os projetos de conservação e restauro para monumentos sítios, paisagens, rotas e acervos de objetos. Igualmente, considerou que o espírito do lugar é complexo e multiforme, exigimos que os governos e outros interessados convoquem a perícia de equipes de pesquisa multidisciplinar e especialistas com tradição para melhor compreender, preservar e transmitir este espírito do lugar. Ademais, cuida anotar que como o espírito do lugar é um processo em permanente reconstrução, que corresponde à necessidade por mudança e continuação das comunidades, nós afirmamos que pode variar ao longo do tempo e de uma cultura para outra, em conformidade com suas práticas de memória, e que um lugar pode ter vários espíritos e pode ser compartilhado por grupos diferentes.

Nesta linha, ainda, a Declaração de Québec considerou que mudança climática, turismo em massa, conflitos armados e desenvolvimento urbano induzem transformações e ruptura das sociedades, precisamos melhorar nosso entendimento sobre estas ameaças para poder estabelecer medidas preventivas e soluções sustentáveis. Recomendou-se que entidades governamentais e não governamentais e organizações do patrimônio local e nacional desenvolvam planejamento estratégico a longo prazo para prevenir a degradação do espírito do lugar e seu entorno. Os habitantes e autoridades locais deveriam também ser conscientizados sobre a proteção do espírito do lugar, para que assim estejam melhor preparados a lidar com as ameaças de um mundo em transformação. À medida que aumenta o compartilhamento dos

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lugares empossados com diferentes espíritos por vários grupos, aumenta o risco de competição e conflito. Reconhecemos que estes sítios requerem gestão, planejamento e estratégias específicas, ajustadas ao contexto pluralístico das sociedades multiculturais modernas. Como as ameaças ao espírito do lugar são especialmente poderosas entre grupos minoritários, sejam nativos ou recém-chegados, recomendamos que estes grupos sejam os primeiros e mais importantes a se beneficiar de políticas e práticas específicas.

No mais, como hoje em dia na maioria dos países do mundo o espírito do lugar, sobretudo seus componentes intangíveis, atualmente não se beneficiam de programas de educação formal ou de proteção legal, recomendamos a implementação de reuniões e consultorias com peritos de diferentes origens e recursos, pessoas das comunidades locais, e o desenvolvimento de programas de treinamento e políticas jurídicas para uma melhor proteção e promoção do espírito do lugar. Considerando que modernas tecnologias digitais (bancos de dados, websites) podem ser usadas eficaz e efetivamente a um custo muito baixo para desenvolver inventários multimídia que integrem elementos tangíveis e intangíveis do patrimônio, a Declaração de Québec, incisivamente, recomendou seu amplo uso para melhor preservar, disseminar e promover os sítios do patrimônio e seu espírito. Estas tecnologias facilitam a diversidade e renovação constante da documentação sobre o espírito do lugar. Nesta linha, a declaração supramencionada reconheceu que o espírito do lugar é essencialmente transmitido por pessoas e que a transmissão é parte importante de sua conservação, declarando que é por meio de comunicação interativa e participação das comunidades envolvidas que o espírito do lugar é preservado e realçado da melhor forma possível. A comunicação é, de fato, a melhor ferramenta para manter vivo o espírito do lugar.

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Dado que geralmente as comunidades locais estão mais bem posicionadas para compreender o espírito do lugar, sobretudo no caso de grupos culturais tradicionais, nós afirmamos que são também aquelas melhor equipadas para sua salvaguarda e que estas devem estar intimamente associadas em todos os esforços para preservar e transmitir o espírito do lugar. Meios de transmissão não-formais (narrativas, rituais, atuações, experiência e práticas tradicionais etc.) e formais (programas educativos, bancos de dados digitais, websites, ferramentas pedagógicas, apresentações multimídia, etc.) deveriam ser fomentados, porque não apenas garantem a proteção do espírito do lugar, mas, acima de tudo, protegem o desenvolvimento sustentável e social da comunidade. Ao reconhecer que a transmissão intergeracões e transcultural desempenha um papel importante na disseminação sustentada e na preservação do espírito do lugar, foi recomendado a associação e o envolvimento das gerações mais novas, bem como de grupos culturais diferentes associados ao lugar, na tomada de decisões políticas e gestão do espírito do lugar.

Referência:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015.

__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015.

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__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015.

__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015.

__________. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais dapolítica urbana e dá outras providências. Disponívelem: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 18 out. 2015.

__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

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BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em 18 out. 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

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FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

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MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões. 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004.

RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.Direito Constitucional Ambiental: Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: EditoraJusPodivm, 2012.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 18 out. 2015.

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NOTAS:

[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 18 out. 2015, s.p.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão emArguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[3] VERDAN, 2009, s.p.

[4] BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[5] MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.

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[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[7] Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna – Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

[9] BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[10] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.

[11] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 77.

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[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08 mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[13] THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116.

[14] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

[15] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

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da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna – Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[16] BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 18 out. 2015, p. 15-16.

[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

[18] BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome. Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico (ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas características podem inspirar o registro de marcas, pelas peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega), utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor

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incidir erro ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº 818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada. Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em 25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[19] BROLLO, 2006, p. 33.

[20] BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 out. 2015.

[21] BROLLO, 2006, p. 33.

[22] FIORILLO, 2012, p. 80.

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A PROBLEMÁTICA DOUTRINÁRIA ACERCA DA BIPARTIÇÃO EXISTENTE EM RELAÇÃO A APLICAÇÃO DA LEI Nº 11.232/05 À EXECUÇÃO DE ALIMENTOS

LORENA CARNEIRO VAZ DE CARVALHO ALBUQUERQUE: Advogada, inscrita na OAB/GO. Bacharel em Direito pela PUC/GO. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNIDERP.

INTRODUÇÃO

A doutrina, diante da problemática surgida diante da aplicabilidade da Lei n. 11.232/05 à execução de alimentos face a uma outra corrente que defende a inaplicabilidade de tal instituto, agora se vê dividida.

Os argumentos utilizados para os defensores da aplicabilidade da Lei n. 11.232/05 são, em linhas gerais, os seguintes:

a) unificação dos atos cognitivos e executórios em um único processo;

b) necessidade de acabar com uma nova citação do devedor;

c) otimização do processo judicial; d) a defesa do devedor será realizada por um meio mais simples, que é a impugnação.

De outro vértice, os que se alinham no sentido da inaplicabilidade da Lei n. 11.232/05 defendem que o art. 732 do

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CPC, que versa sobre a execução dos alimentos sob pena de penhora, não fora objeto de qualquer alteração, mantendo-se inalterado de maneira que inexistiu intenção por parte do legislador modificar a execução dos alimentos, devendo esta ser realizada por meio de processo autônomo. Com efeito, o art. 732 do CPC reporta-se ao Capítulo IV do Título II do Livro II, ou seja, aos arts. 646-724 do CPC, e não ao Livro I do Código.

Segundo a orientação de Alexandre F. Câmara e Luiz Guilherme Marinoni, associado ao professor Alexandre Câmara, defensores da aplicação da Lei n. 11.232/05 à execução dos alimentos, ao defenderem, assim o fazem ante a necessidade de ser feita uma releitura do CPC, no que tange à execução dos alimentos, considerando-se a estrutura sincretizada para cumprimento de sentença, manifestando-se:

"(...) É interessante notar, porém, que o legislador da Lei n. 11.232/05 ''esqueceu-se'' de tratar da execução de alimentos, o que pode levar à impressão de que esta continua submetida ao regime antigo, tratando-se tal módulo processual executivo como um processo autônomo em relação ao módulo processual de conhecimento. Assim, porém, não nos parece. Não seria razoável supor que se tivesse feito uma reforma do Código de Processo Civil destinada a acelerar o andamento da execução de títulos judiciais e que tal reforma não seria capaz de afetar aquela execução do credor que mais precisa de celeridade: a execução de alimentos. Afinal, como

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se disse em célebre frase de um saudoso intelectual brasileiro, Hebert de Souza (o Betinho), ''quem tem fome tem pressa''. Assim sendo, nos parece inegável que a Lei n. 11.232/05 deve ser interpretada no sentido de que é capaz de alcançar os dispositivos que tratam da execução de prestação alimentícia[07]".

Os professores Luiz Guilherme Marinoni e Arenhart também defendem a aplicação da nova lei de cumprimento de sentença à execução da prestação de alimentos, destacando que:

"execução é iniciada mediante requerimento simples (art. 475-J) - que não exige o preenchimento integral dos requisitos do art. 282 do CPC (...)"[08].

Na oposição, os professores Luiz Rodrigues Wambier e Misael Montenegro Filho [09]sustentam a inaplicabilidade das alterações da forma de cumprimento da sentença em sede de execução de alimentos. É que o art. 732 do CPC faz remissão ao capítulo IV, do Livro II do Código, isto é, aos artigos 646-724, não se aplicando, portanto, a nova estrutura de cumprimento da sentença, delineada nos arts. 475-I e 475-J do CPC.

Essa mesma tese acima aduzida, também é a sustentada por Theodoro Júnior que assim consignou:

"Na hipótese do art. 732 a execução de sentença deve processar-se nos moldes do disposto no Capítulo IV do Título II do Livro II do Código de Processo Civil, onde se acha

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disciplinada a ''execução por quantia certa contra devedor solvente'' (arts. 646 a 724), cuja instauração se dá por meio de citação do devedor para pagar em 3 dias (art. 652, caput), sob pena de sofrer penhora. Como a Lei n. 11.232/05 não alterou o art. 732 do CPC, continua prevalecendo nas ações de alimentos o primitivo sistema dual, em que acertamento e execução forçada reclamam o sucessivo manejo de duas ações separadas e autônomas: uma para condenar o devedor a prestar alimentos e outra para forçá-lo a cumprir a condenação[10]".

De qualquer forma, parece-me que não foi o propósito do legislador da Lei n. 11.232/05 impor a sua aplicação à execução da prestação de alimentos, caso o tivesse sido, este teria modificado a redação do art. 732 do CPC, que faz remissão às regras da execução por quantia certa dos arts. 646-724 do CPC, todavia, não o fez.

Ante a inexistência de qualquer alteração legislativa em sede de execução de alimentos, conclui-se que a nova estrutura de cumprimento de sentença não deve ser aplicada nesse particular.

Entender de forma diversa, implica na necessidade de aplicar a nova estrutura de cumprimento também à execução contra a Fazenda Pública, quando pautada em título judicial. A doutrina, contudo, não se reporta a essa aplicação, discutindo apenas a aplicação ou não das regras de cumprimento de sentença à execução dos alimentos.

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De mais a mais, o procedimento da execução da prestação de alimentos, com a aplicação da técnica de cumprimento de sentença, quedaria muito confuso e daria ensejo, na prática, à utilização de procedimentos diferentes entre os magistrados para o mesmo fim.

Enfim, inúmeros seriam os problemas na aplicação da nova estrutura de cumprimento de sentença à execução da prestação de alimentos de forma que a solução para todos os futuros problemas teria que ser dada pelos Tribunais e daí, certamente, resultariam inúmeros recursos especiais.

Assim, os defensores da corrente doutrinária que primam pela inaplicabilidade da Lei n. 11.232/05 à execução da prestação de alimentos assim o fazem sob a alegação de primazia da segurança jurídica e observância ao princípio do devido processo legal, de forma que procedimento verdadeiramente não pode ser flexibilizado de tal maneira que crie insegurança para o jurisdicionado. Ademais, como já registrado, o art. 732 do CPC não foi alterado e continua fazendo remissão ao disposto no Capítulo IV do Título II do Livro II do CPC [11].

CONCLUSÃO

Diante de todas as considerações elencadas acima expendidas verifica-se que a nova técnica de cumprimento de sentença, implementada pela Lei n. 11.232/05, não deve ser aplicada nas execuções das prestações de alimentos, vez que o Legislador da mencionada reforma não modificou a estrutura da execução dos alimentos, nem tampouco alterou sequer um único artigo do Capítulo V do Título II do CPC.

Na prática forense, as modificações têm desencadeado verdadeira confusão entre os operadores do Direito, havendo magistrados que vem aplicando as alterações da Lei

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11.232/05 à execução da prestação de alimentos, ao passo que outros, deixam de aplicá-las e muitos outros, que tem mesclado a nova estrutura de cumprimento de sentença com o sistema autônomo de execução.

Essa verdadeira confusão acaba por causar instabilidade entre os advogados que ficam se saber qual procedimento será o adotado pelo magistrado quando do ajuizamento de uma execução de alimentos, sem nos esquecermos do maior prejudicado nessa situação ser o próprio credor dos alimentos, vez que no procedimento executivo as discussões que versam sobre a aplicação ou não da Lei n. 11.232/05 alongar-se no tempo sem solução efetiva e eficaz!

De qualquer modo, ao Magistrado alinhando à função social do processo e ao moderno instrumentalismo substancial [12] caberá, até que o Superior Tribunal de Justiça solucione de uma vez por todas a questão, deferir o processamento da execução na forma requerida pelo autor. Por outras palavras: seja requerida como ação ou como mero pedido de cumprimento de sentença, a execução dos alimentos deverá ser normalmente processada. É que somente dessa forma serão tutelados os direitos do alimentante, regra geral, a parte mais vulnerável e fraca na relação processual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lúmen juris, 2006.

Lições de direito processual civil. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2007. v. 2.

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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5.

HERTEL, Daniel Roberto. A nova execução de sentença: a consolidação do processo sincrético. Revista dialética de direito processual - RDDP, São Paulo, n. 43, out., 2006.

Técnica processual e tutela jurisdicional: a instrumentalidade substancial das formas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2006.

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MONTENEGRO FILHO, Misael.Cumprimento da sentença e outras reformas processuais. São Paulo: Atlas, 2006.

THEODORO JÚNIOR, Humberto.Curso de direito processual civil. 41. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 2.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 9. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007. v. 2.

NOTAS:

07 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2007. v. 2. p. 367. Este mesmo autor defendeu essa tese em outra obra, cf.: CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2006. p. 149. Consignou, desta feita, a importância de ser realizada uma nova leitura dos arts.

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732 e 733 do CPC, principalmente para que sejam utilizadas as inovações referentes à intimação do executado e à impugnação, em substituição aos embargos do devedor.

08 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. São Paulo: Revista dos tribunais, 2007. p. 375. Também defende a aplicação do art. 475-J do CPC à execução da prestação de alimentos: ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 2. ed. São Paulo: Forense universitária, 2007. p. 423.

09 WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de, TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de direito processual civil. 8. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 2. p. 378. No mesmo sentido, cf.: MONTENEGRO FILHO, Misael. Cumprimento da sentença e outras reformas processuais. São Paulo: Atlas, 2006. p. 6.

10 THEODORO JÚNIOR, Humberto.Curso de direito processual civil. 41. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 2. p. 416.

11 Essa mesma conclusão eu defendi em outro ensejo. Cf.: HERTEL, Daniel Roberto. A nova execução de sentença: a consolidação do processo sincrético. Revista dialética de direito processual - RDDP, São Paulo, n. 43, out., 2006.

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O BEM JURÍDICO ECONÔMICO E O DIREITO CRIMINAL

ANDRÉ LUIZ RAPOZO DE SOUZA TEIXEIRA: Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador (2012). Advogado. Empregado público do Banco do Brasil, lotado na Assessoria Jurídica do Banco do Brasil (AJURE-BA) - Tem experiência na área de Direito, com especialização lato sensu em Ciências Criminais pela Faculdade Baiana de Direito (2015) e pós-graduando em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes (2016).

RESUMO: O contemporâneo artigo jurídico tem como desígnio analisar de forma concisa o bem jurídico econômico tutelado pelo Direito Criminal.

PALAVRAS-CHAVE: Bem Jurídico; Direito Criminal; Crimes; Economia.

SUMÁRIO: Introito – Capítulo I. Escorço histórico – Capítulo II. A cadeira constitucional – Capítulo III. Infraconstitucionalidade – Capítulo IV. Conclusão –Referências.

INTROITO

O desenvolvimento do direito criminal econômico aponta para uma crescente intervenção do Estado, ante o conglomerado de mutações surgidas no mundo após a primeira grande guerra.

Por um viés, essas crescentes intercessões do Estado em esferas da economia, se contrapõem a um conjunto de normas penais objetivando a criação de um sistema que tutele o cidadão desse acentuado intervencionismo estatal, lado outro, a

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estruturação de grandes empresas exigiu do Estado a formulação de um sistema jurídico apto a conter-lhes o poderio e a tutelar os interesses de uma crescente sociedade de massas.

Do ponto de vista da macroeconomia, se deduz claramente os contornos complexos da criminalidade econômica, a exigir do operador do direito uma releitura dos institutos do direito penal.

A partir de uma análise histórica do direito penal econômico, o contemporâneo artigo jurídico tem como desígnio analisar de forma concisa o bem jurídico econômico tutelado pelo Direito Criminal, tentando analisar a especulação gananciosa dos possuidores do poderio econômico.

CAPÍTULO I. ESCORÇO HISTÓRICO

Leciona Miguel Reale que desde a Roma antiga a legislação era explícita quanto às normas de proibição da exploração da economia popular. Em Roma, a punição era dirigida àqueles que monopolizavam atividades com o intuito de aumentar os preços de qualquer sorte de utilidades, principalmente as que se destinavam ao atendimento das necessidades essenciais do povo.

Por sua vez, nas cidades gregas protegiam-se os cidadãos contra os monopolistas que especulavam, estocando mercadorias para forçarem as altas ilícitas de preço.

Tal regramento também pode ser encontrado na lei francesa ao tempo do absolutismo, onde também se procurava coibir os efeitos maléficos da exploração do povo por condutas ilícitas de especulação econômica, especialmente, de gêneros alimentícios.

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Já em solo pátrio o tratamento do tema sofreu algumas alterações ao longo de sua evolução histórica. Inicialmente, até a época do Império, não existiam normas penais econômicas, especialmente porque o regramento brasileiro era pautado pelas normas preconizadas pelo poder colonizador. Essa omissão se refletiu no Código penal de 1890, que nada dispôs sobre os delitos contra a Ordem Econômica.

Com a Constituição Republicana de 1891 fundada no liberalismo econômico, a intervenção estatal na seara privada foi fortemente restringida, favorecendo o enriquecimento de uma minoria privilegiada em detrimento da maioria da população explorada em suas necessidades vitais. Essa situação restou inalterada até o advento da Revolução de 1930 onde predominaram os ideais de maior intervencionismo estatal, por vezes, com cunho totalitário. Nesse contexto surgiu o Decreto nº 22.626/33, primeiro diploma normativo de repressão ao crime de usura.

Foi na Reforma da Constituição de 1934 que dispositivos constitucionais fizeram pela primeira vez referência à expressão economia popular, todavia, destituídos de maiores efeitos práticos, vez que dependiam de regulamentação posterior por lei ordinária para serem aplicados.

Com o advento do Estado Novo, a presença forte do Estado na economia, propiciou um tratamento mais rigoroso para ordem econômica, razão pela qual os infratores econômicos passaram a ser julgados por um Tribunal de Segurança Nacional, apto a assegurar pronta e segura punição.

Em 1939 foi editado o Decreto-lei 869/1939, que sistematizou e enumerou os crimes contra a economia popular, definindo-os como danos efetivos ou potenciais ao patrimônio de um indefinido número de pessoas. Com o intuito de conferir resposta rápida aos infratores econômicos, restou consignada a

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impossibilidade de fiança, da suspensão condicional da pena e do livramento condicional.

Posteriormente, com a adoção do Estado Democrático de Direito em 1946, dispositivos consolidaram uma visão ponderada das infrações contra a economia popular, oportunidade em que foi editada a primeira lei penal ordinária tratando sobre o tema, qual seja, a lei 1.521/1951.

CAPÍTULO II. A CADEIRA CONSTITUCIONAL

Com a nova ordem constitucional inaugurada com a Constituição de 1988 foi implantada uma nova ordem econômica, fundada especialmente na valorização do trabalho e na livre iniciativa. A participação estatal objetiva apenas coibir os abusos e preservar a livre concorrência tanto no âmbito público quanto no privado.

Significa de tal forma, asseverar que se o constituinte prestigiou uma economia de mercado, de cunho capitalista, a ordem econômica, mesmo capitalista, deve priorizar o labor humano como valor constitucional supremo em relação aos demais valores integrantes da economia de mercado.

A intervenção do Estado na economia deve atentar para dignidade da pessoa humana, fundamento não só da ordem econômica, mas da República como um todo.

Miguel Reale também sustenta que a posição neoliberal assumida pelo Estado brasileiro lhe impôs uma função meramente fiscalizatória e não mais gestora da economia. É dizer, a ordem econômica só restará respeitada se a dignidade humana for atendida através da liberdade e da justa competitividade.

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Por sua vez, a livre iniciativa decorre da valorização do trabalho, do trabalho livre em uma sociedade livre e pluralista. A liberdade de iniciativa vem a ser um valor essencial em reforço do Estado Democrático brasileiro, que representa a projeção da liberdade individual no plano da produção, circulação e distribuição de riquezas em prol do coletivo.

Ocorre que muitas das atividades livremente desenvolvidas podem ser indevidamente utilizadas em detrimento dos valores pregados pela carta constitucional, favorecendo exclusivamente um pequeno grupo de indivíduos.

O exercício de condutas socialmente reprováveis pode trazer consequências nefastas a coletividade, mormente se considerada a atual estrutura globalizada da economia.

Por este ensejo, o artigo 173, §4º da Carta de 1988 prevê a repressão legal ao abuso do poder econômico praticado com vistas ao domínio de mercado, eliminação da concorrência ou aumento arbitrário dos lucros, restando a expressão como sinônimo de infração à ordem econômica.

CAPÍTULO III. INFRACONSTITUCIONALIDADE

Com o escopo de consolidar o comando constitucional, a legislação ordinária prevê diversos mecanismos de responsabilização da empresa ou do empresário, seja no âmbito cível, administrativo ou até penal.

Civilmente, as condutas contrárias à ordem econômica podem resultar em lesão a concorrentes e consumidores, os indivíduos – pessoas físicas ou jurídicas – diretamente prejudicados, bem como associações ou o Ministério Público, podem intentar a responsabilização indenizatória em razão do comportamento inadequado dos empreendedores.

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Já no domínio administrativo, o Estado tem como recurso a lei 8884/94, que contém a previsão de diversas sanções a condutas atentatórias à ordem econômica, dentre as quais podem ser citadas, as penas pecuniárias e as restritivas de direito, inclusive consistente no encerramento das atividades.

Na seara penal, a lei 8.137/1990, prescreve penas restritivas de liberdade ou multas para os infratores da ordem econômica, contendo tipos penais que, geralmente, reproduzem as condutas administrativas vedadas.

Cumpre frisar que a edição da lei 8.884/1994 representou um importante instrumento de uniformização do tratamento conferido ao tema, ao regular inteiramente, a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. Por meio desse diploma, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) foi transformado em autarquia, propiciando a almejada independência funcional indispensável ao bom desempenho de suas atividades, e munido de diversos instrumentos de atuação, fiscalização e repressão, dentre os quais, dar-se-á maior atenção ao acordo de leniência.

Com a edição da Lei 12.529/2011, revogando a lei 8884/1994, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência foi estruturado. O novel diploma dispôs sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica e promoveu algumas alterações na regulação do Acordo de Leniência.

IV. CONCLUSÃO

Com este lacônico exame, primeiramente, evoluímos de acordo com a história, na proteção fundamental e infraconstitucional conferida ao bem jurídico econômico.

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 593 de 21/04/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

Restou fulgente que a Carta Magna de 1988, atentou às mudanças ocorridas no Estado brasileiro e aos novos paradigmas do mundo globalizado, conferiu tratamento relevante ao tema, ao destacar a importância do bem jurídico da ordem econômica, para o bem-estar social.

De igual forma, ficou assentada a necessidade da tutela criminal da ordem econômica, dado os prejuízos sociais desmedidos e decorrentes de sua violação.

Todavia, para resguardar adequadamente o bem jurídico econômico serão necessárias profundas adaptações no direito penal clássico, tudo visando conferir uma tutela efetiva aos sofisticados mecanismos utilizados pela criminalidade contemporânea.

REFERÊNCIAS

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Revan, 4ª edição, 2001.

BIANCHINI, Alice. Direito penal econômico: os fins justificam os meios? Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.7, n.84, p. 9/10, nov. 1999.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal – parte geral. 6ª edição, São Paulo: Saraiva, 2000.

DOTTI, René Ariel. A criminalidade econômica. Revista dos Tribunais. São Paulo. Revista dos Tribunais, ano 74, v.602, pp 295/304, 1985.

GOMES, LUIZ Flávio Gomes. As grandes transformações do direito penal tradicional. Série as ciências criminais no século XXI. São Paulo. RT,2005.

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GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.