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Boletim 4º trimestre 2017 – n. 18 REDE BRASILEIRA DIREITO E LITERATURA ESPECIAL LITERÁRIO ENSAIO SOBRE LITERATURA E HERMENÊUTICA lgumas questões acompa- nham-nos desde a aurora da civilização: Como eu co- nheço o mundo? Como dou nome às coisas? O nome dos objetos existe por natureza e eu con- sigo acessá-los ou é mera convenção arbitrária e não há verdade para além da retórica ou da vontade do sujeito? Autor de Ser e tempo (1920), Martin Heidegger foi o pensador que se ocupou, sobretudo, da questão do ser e nos revelou a his- tória do esquecimento do ser na tradição metafísica, cujas origens deitam raízes no pensamento grego pré-socrático. Heidegger anuncia a desconstrução da ontologia para encontrar o não-dito do acontecer da história do ser. Sua obra não vem para substituir a metafísica, mas para transcendê-la, a partir da necessária supe- ração do dualismo sujeito-objeto, que remonta ao início das dis- tinções míticas entre o sensível e o inteligível 1 . A sua filosofia hermenêutica, inscrita, em especial, na obra- prima Ser e tempo, reconstrói a antiga questão da existência do homem no mundo, vinculando-a à questão do lugar do homem no tempo e na linguagem 2 . Trata-se de obra que percorre a suces- são de etapas do pensamento oriundas dos princípios epocais que conformaram os modos de entificação do ser 3 . Na forma como conhecida por nós, a palavra hermenêutica remete à mitologia grega, na qual Hermes desempenha a função de mensa- geiro dos deuses 4 . Nesse sentido, portanto, aos mortais, não era dado saber o que os deuses disseram, se- não aquilo que Hermes-disse-que-os- deuses-disseram 5 . Muito embora a etimologia da palavra con- serve-se “obscura”, Heidegger identifica que deriva dos seguintes equivalentes gregos: “interpretar, interpretação, intérprete” 6 . Para o filósofo alemão, o conceito originário de hermenêutica encontrava-se já presente em Platão, quando o pensador afir- mava que “os poetas são somente os mensageiros dos deuses”. 1 STEIN, Ernildo. Diferença e metafísica: ensaios sobre a desconstrução. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 2008, p. 32. 2 FLICKINGER, Hans-Georg. Gadamer & a educação. 1. ed. Belo Horizonte: Autên- tica, 2014, p. 22 3 STEIN, Ernildo. op. cit., p. 39-45. 4 “[A palavra hermenêutica] Está relacionada com Ερμῆς [Hermes], o nome do deus mensageiro dos deuses”. HEIDEGGER, Martin. Ontologia (Hermenêutica da faticidade). Petrópolis: Vozes, 2012, p. 15. 5 STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de hermenêutica: quarenta temas fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do Direito. Belo Horizonte: Letra- mento, 2017, p. 89. 6 HEIDEGGER, Martin. Ontologia (Hermenêutica da faticidade). Petrópolis: Vozes, 2012, p. 15. O homem, assim, não acessa diretamente as coisas e seus senti- dos. Ele precisa contentar-se com o que sobra – e o que sobra é o que se pode desvelar. Daí o conceito de alethéia (desvelamento, descobrir, descortinar). A linguagem, por sua vez, torna-se, com a filosofia hermenêutica, condição de possibilidade para que o ho- mem tenha “mundo”. *** Não é novidade que o estudo do Direito e Literatura – sobre- tudo, na perspectiva do Direito na Literatura – é de grande valia para o ensino jurídico 7 . Com efeito, Roland Barthes já afirmava a imprescindibilidade da Literatura para a formação humana e para as ciências em geral: A Literatura congrega saberes polissêmicos e apresenta-se como por- tal de acesso a todas as outras ciências, propiciando o voo filosófico. Se, por não sei que excesso de socialismo ou de barbárie, todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento literário 8 . Antonio Candido, no ensaio O direito à literatura (1988), sustenta o potencial hu- manizador do universo literário, com ên- fase sobre o exercício da reflexão, a aquisi- ção do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a ca- pacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cul- tivo do humor. No que se refere ao Direito, as obras literárias fornecem, de maneira ímpar, recursos para (re)pensá-lo e para facilitar a com- preensão de diversas questões que o permeiam. Com efeito, al- gumas questões jurídicas se encontram melhor “formuladas e es- clarecidas em obras literárias do que em muitos manuais jurídicos especializados” 9 . Mais do que isso: a literatura nos faz “escrever, falar e compreender melhor”, além de possibilitar o exercício da alteridade, cada vez mais raro na formação dos juristas 10 . 7 O desenvolvimento do Direito e Literatura inscreve-se na tradição jurídica oci- dental a partir do surgimento, na década de 70, da escola norte-americana Law and Literature, cuja linha de pesquisa foi, rapidamente, importada no continente europeu. 8 BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1978, p. 18 9 TRINDADE, André Karam; BERNSTS; Luísa. A crítica hermenêutica a partir de um viés literário no Brasil. Passo Fundo: IMED, 2014. Disponível em: https://www.imed.edu.br/Uploads/micimed2014_submission _282.pdf. Acesso em 25/01/2018. 10 TRINDADE, André Karam. Entrevista sobre “Direito e Literatura” com André Ka- ram Trindade. 16 de maio de 2017. Disponível em: https://www.li- ceuace.com.br/single-post/2017/05/16/Entrevista-com-Andr%C3%A9-Karam- Trindade-sobre-Direito-e-Literatura. Acesso em 29.01.2018. A

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Boletim 4º trimestre 2017 – n. 18

REDE BRASILEIRA DIREITO E LITERATURA

ESPECIALLITERÁRIOENSAIOSOBRELITERATURAEHERMENÊUTICA

lgumasquestõesacompa-nham-nosdesdeaauroradacivilização: Como eu co-nheçoomundo?Comodounomeàscoisas?Onomedos

objetosexistepornaturezaeeucon-sigoacessá-losouémeraconvençãoarbitráriaenãoháverdadeparaalémdaretóricaoudavontadedosujeito?

AutordeSeretempo(1920),MartinHeideggerfoiopensadorqueseocupou,sobretudo,daquestãodoserenosrevelouahis-tóriadoesquecimentodosernatradiçãometafísica,cujasorigensdeitam raízes no pensamento grego pré-socrático. Heideggeranunciaadesconstruçãodaontologiaparaencontraronão-ditodoacontecerdahistóriadoser.Suaobranãovemparasubstituirametafísica,masparatranscendê-la,apartirdanecessáriasupe-raçãododualismosujeito-objeto,queremontaaoiníciodasdis-tinçõesmíticasentreosensíveleointeligível1.

A sua filosofiahermenêutica, inscrita,emespecial,naobra-primaSeretempo,reconstróiaantigaquestãodaexistênciadohomemnomundo,vinculando-aàquestãodo lugardohomemnotempoenalinguagem2.Trata-sedeobraquepercorreasuces-sãodeetapasdopensamentooriundasdosprincípiosepocaisqueconformaramosmodosdeentificaçãodoser3.

Na forma como conhecida pornós,apalavrahermenêuticaremeteà mitologia grega, na qual Hermesdesempenha a função de mensa-geiro dos deuses4. Nesse sentido,portanto,aosmortais,nãoeradadosaberoqueosdeusesdisseram,se-nãoaquiloqueHermes-disse-que-os-

deuses-disseram5.Muito embora a etimologia da palavra con-serve-se“obscura”,Heideggeridentificaquederivadosseguintesequivalentesgregos:“interpretar,interpretação,intérprete”6.

Paraofilósofoalemão,oconceitoorigináriodehermenêuticaencontrava-se já presente em Platão, quando o pensador afir-mavaque“ospoetassãosomenteosmensageirosdosdeuses”.

1STEIN,Ernildo.Diferençaemetafísica:ensaiossobreadesconstrução.2.ed.Ijuí:Unijuí,2008,p.32.2FLICKINGER,Hans-Georg.Gadamer&aeducação.1.ed.BeloHorizonte:Autên-tica,2014,p.223STEIN,Ernildo.op.cit.,p.39-45.4 “[Apalavrahermenêutica] Está relacionada comΕρμῆς [Hermes], o nomedodeusmensageirodosdeuses”.HEIDEGGER,Martin.Ontologia(Hermenêuticadafaticidade).Petrópolis:Vozes,2012,p.15.5STRECK,LenioLuiz.Dicionáriodehermenêutica:quarentatemasfundamentaisdateoriadodireitoàluzdacríticahermenêuticadoDireito.BeloHorizonte:Letra-mento,2017,p.89.6HEIDEGGER,Martin.Ontologia(Hermenêuticadafaticidade).Petrópolis:Vozes,2012,p.15.

Ohomem,assim,nãoacessadiretamenteascoisaseseussenti-dos.Eleprecisacontentar-secomoquesobra–eoquesobraéoquesepodedesvelar.Daíoconceitodealethéia(desvelamento,descobrir,descortinar).Alinguagem,porsuavez,torna-se,comafilosofiahermenêutica,condiçãodepossibilidadeparaqueoho-memtenha“mundo”.

***

NãoénovidadequeoestudodoDireitoeLiteratura–sobre-tudo,naperspectivadoDireitonaLiteratura–édegrandevaliaparaoensinojurídico7.Comefeito,RolandBarthesjáafirmavaaimprescindibilidadedaLiteraturaparaaformaçãohumanaeparaasciênciasemgeral:

ALiteraturacongregasaberespolissêmicoseapresenta-secomopor-taldeacessoatodasasoutrasciências,propiciandoovoofilosófico.Se,pornãoseiqueexcessodesocialismooudebarbárie, todasasnossasdisciplinasdevessemserexpulsasdoensino,excetouma,éadisciplina literáriaquedevia ser salva,pois todasas ciênciasestãopresentesnomonumentoliterário8.

AntonioCandido,noensaioOdireitoàliteratura (1988), sustentaopotencialhu-manizador do universo literário, com ên-fasesobreoexercíciodareflexão,aaquisi-çãodosaber,aboadisposiçãoparacomopróximo,oafinamentodasemoções,aca-pacidade de penetrar nos problemas davida, o senso da beleza, a percepção dacomplexidadedomundoedosseres,ocul-tivodohumor.

NoqueserefereaoDireito,asobrasliteráriasfornecem,demaneiraímpar,recursospara(re)pensá-loeparafacilitaracom-preensãodediversasquestõesqueopermeiam.Comefeito,al-gumasquestõesjurídicasseencontrammelhor“formuladasees-clarecidasemobrasliteráriasdoqueemmuitosmanuaisjurídicosespecializados”9.Maisdoqueisso:aliteraturanosfaz“escrever,falarecompreendermelhor”,alémdepossibilitaroexercíciodaalteridade,cadavezmaisraronaformaçãodosjuristas10.

7OdesenvolvimentodoDireitoeLiteraturainscreve-senatradiçãojurídicaoci-dentalapartirdosurgimento,nadécadade70,daescolanorte-americanaLawandLiterature,cujalinhadepesquisafoi,rapidamente,importadanocontinenteeuropeu.8BARTHES,Roland.Aula.SãoPaulo:Cultrix,1978,p.189TRINDADE,AndréKaram;BERNSTS;Luísa.Acríticahermenêuticaapartirdeumviés literário no Brasil. Passo Fundo: IMED, 2014. Disponível em:https://www.imed.edu.br/Uploads/micimed2014_submission _282.pdf. Acessoem25/01/2018.10TRINDADE,AndréKaram.Entrevistasobre“DireitoeLiteratura”comAndréKa-ram Trindade. 16 de maio de 2017. Disponível em: https://www.li-ceuace.com.br/single-post/2017/05/16/Entrevista-com-Andr%C3%A9-Karam-Trindade-sobre-Direito-e-Literatura.Acessoem29.01.2018.

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Deigualforma,asobrasliteráriasfavo-recem a compreensão de problemas denatureza complexa. Este é o caso, porexemplo,aosepensararecepçãopelate-oriajurídicadafilosofiahermenêuticaela-borada por Heidegger11. O presente en-saio se propõe, portanto, a articular tre-chos extraídos de obras literárias, na ex-pectativa de melhor ilustrar a revoluçãoparadigmática inaugurada por Heidegger

nocampodafilosofia–cujosinfluxossãoperceptíveistambémnateoriadodireito–edeafirmar,umavezmais,arelevânciadaLi-teraturaparaoaprimoramentodosensinamentosjurídicos.

NoEvangelhodeJoãojáconstava:“noprincípioeraoverbo”.Defato,omundonãoexistesemlinguagem,assimcomooDireitonãoexistesemaspalavras12.Emoutrasáreasdosabernãoédi-ferente:eumemanifestoatravésdalinguagemeaconstituiçãodo Eu na psicanálise também passa pela linguagem. Palavra,comocostumadestacaroprofessorLenioStreck,épá-que-lavra,queabresulcosnosconscienteseinconscientes.Norelatodacri-ação doGênesis, aparece fortemente o poder da palavra: “noprincípioDeuscriouocéueaterraeDeusdisseealgoaconte-ceu”.Ouseja,encontra-sepresente,ali,justamenteadimensãocriadoraqueseconcretizapelodizer,pelafala.Nomesmosen-tido,opoetaalemãoHölderlin,umdospreferidosporHeidegger,escreveu que aquilo que perdura é fundado pelos poetas(Dichter).

A linguagem,portanto,éacondiçãoab-solutaparaquetenhamosmundo,paraquenela se represente mundo. Vale resgatar,aqui,exemplotrazidopeloprofessorDraitonGonzagadeSouzanoprogramaDireito&Li-teratura13: em português, nós dispomos,para designar “número”, das variações doplural e do singular. Em hebraico, porém,alémdopluraledosingular,háodual.Odualdesignacoisasduplas,comoorelhas,olhosepés. As águas, antigamente, eram grafadas

nessedual:haviaáguassuperioreseáguas inferiores,afinal, sechove,devehaverágua“láemcima”.EmGuimarãesRosa,noseuclássicoGrandeSertão:Veredas,temosoutrademonstraçãopoé-ticaarespeitodecomoalinguagemécondiçãodepossibilidadeparanossa representaçãodomundo: “cachoeiraébarrancodechãoeáguasecaindoporele,retombando”.Onossoestar-aínomundoé,portanto,constituídopelalinguagem.

Afundaçãodeumaculturaéacompanhada,emgeral,deumgrandetextopoético–Gênesis,Hesíodo,Homero,Goethe,Sha-kespeare,Camões–ou,ainda,delendasprimitivas,decançõesedetradiçõesorais.Heideggerafirmaquealinguageméacasado

11Fazendo-sefilosofianodireito,talqualpropostoporLenioStreckeErnildoStein,noanode2003,emconferênciaproferidanoProgramadePós-GraduaçãoemDi-reitodaUFPR.12OpresenteensaiofoiinspiradonodebatepromovidopelosprofessoresDraitonGonzagadeSouza,MárioFleigeHenrieteKaram,comamediaçãodeLenioStreck,sobreotemaOpoderdaspalavras,noprogramadoDireito&Literatura.Disponí-velem:https://www.youtube.com/watch?v=aJIU5DbfjN413“Paradigmadaintersubjetividade”.ProgramaDireito&Literatura(TVJUSTIÇA).ParticipaçõesdeMárioFleig,KathrinRosenfieldeDraitonGonzagadeSouza,sob

Ser,nestacasamoraohomemequeospoetaseospensadoressãoosvigilantesdessacasa.

NaaberturadaobraAcaminhodaLinguagem,orenomadofilósofoalemãoescreveque:

Ohomemfala.Falamosquandoacordadoseemsonho.Fala-mos continuamente. Falamosmesmoquandonãodeixamossoarnenhumapalavra.Falamosquandoouvimoselemos.Fa-lamosigualmentequandonãoouvimosenãolemose,aoin-vés,realizamosumtrabalhoouficamosàtoa.Falamossempredeumjeitooudeoutro.

Somosumconstantediálogoeodiálogonosconstitui.Eporquê?Porqueháumadistânciaentreumeoutro,entrenóseascoisas,eprecisamosdalinguagem,dodiálogo,paranosaproxi-mardissooudaquiloquetemaooutroeque,comooutro,temos.Paraahermenêutica,nemosobjetossãocomosão,nemosobje-tossãoporqueeuqueroqueassimsejam.Oobjetoéporcontadeummododeacessoaelequeéintermediadopelalinguagem–públicaeprodutodaintersubjetividade.E,valereforçar,ésem-preintermediadopelalinguagemeporumaprioricompartilhadoquenãopermiteaosujeitoagirdeformasolipsista14.RecorrendoaStreck,oobjetonãoestádooutroladodoabismognosiológicoquenos“separa”das“coisas”.Etampoucoháumsujeito“assu-jeitador”nessarelação.

Ou seja, por um lado, eu não possuo acesso imediato aomundoe,poroutro,alinguageméanterioramim–elanãofoicriadapormim.Ohomemcainummundorepletodelinguagem,aonascer15.Alinguagemmetemeeumerela-cionocomosobjetospelaeatravésda lingua-gem.Onossoacessoaomundoésempremedi-adolinguisticamente.Oparadigmadaintersub-jetividade é, pois, antitético ao relativismo, jáque os sentidos das coisas não estão àminhadisposição,massãoumaconstruçãocoletiva,in-tersubjetiva,vinculadaàtradição16.

EssaperspectivaseencontraencantadoramenteretratadaemVidasSecas,deGracilianoRamos,napassagememqueosfilhosdeFabianosurpreendem-seaovisitaracidade:

Omeninomaisvelhohesitou,espiouaslojas,astoldasiluminadas,asmoçasbemvestidas.Encolheuosombros.Talvezaquilotivessesidofeitoporgente.Novadificuldadechegou-lheaoespíritosoprou-anoouvidodoirmão.Provavelmenteaquelascoisastinhamnomes.Ome-ninomaisnovointerrogou-ocomosolhos.Sim,comcertezaaspreci-osidadesqueseexibiamnosaltaresda igrejaenasprateleirasdaslojas tinham nomes. Puseram-se a discutir a questão intrincada.Como podiam os homens guardar tantas palavras?Era impossível,ninguémconservariatãograndesomadeconhecimentos.Livresdosnomes,ascoisasficavamdistantes,misteriosas.Nãotinhamsidofei-tasporgente.

mediação de Lenio Streck. Disponível em https://www.you-tube.com/watch?v=4C18DfPQ8lU.14STRECK,LenioLuiz.Op.cit.,p.273-277.15STRECK,LenioLuiz.Op.cit.,p.87.16STRECK,LenioLuiz.Conhecimentofastfood,HomerSimpsoneoDireito.RevistaConsultor Jurídico. 24/05/2012.Disponível em<www.conjur.com.br/2012-mai-24/senso-incomum-conhecimento-fast-food-homer-simpson-direito >. Acessoem30/01/2018.

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Ecomoseriaomundosemalinguagem?Oqueaconteceriaao homem que não falasse? Como seria a representação de

mundodaquelemarginalizadododiálogo,ex-cluídodaintersubjetividade?ALiteraturanosdá outro belo exemplo disso. A obra KasparHauser ou A indolência do coração (CasparHauseroderdieTrägheitdesHerzens),publi-cadaem1908porJakobWassermann,consa-graumarepresentaçãobastanteidealdoau-tênticoindivíduosolipsista.

No fundo,écomoopoetaStefanGeorgeeternizouumdia:quenenhumacoisasejaondefracassaapalavra(keinDingsei,wodasWort gebricht). E qual seria o desafio para oDireito, nissotudo?Talvez,conformeprojetaStreck,odefazerumacaminhadaantimetafísica: “diferenciando (e não cindindo ou dualizando)textoenorma,palavrasecoisas,fatoeDireito”...Emsuma,odetrabalharpara“des-velaressemistério[entrepalavraecoisa]queexistedesdeaauroradacivilização”17.Felizmente,alinguagem–assim como a Literatura – serão nossas companhias, por todaparte,nessajornada.

DieterAxt**MestrandoemDireitoPúbliconaUniversidadedoValedoRiodosSinos(UNISI-NOS). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS).RoteiristadoProgramadeTVDireito&Literatura(TVJustiça).MembrodaRedeBrasileiraDireitoeLiteratura(RDL).AssistenteEditorialdaAnamorphosis-RevistaInternacionaldeDireitoeLiteratura.EscritoreeditordaEditoraLeChien.

ENTREVISTACOMDANIELACARPIALITERATURAÉOCULTIVODAALMA

A seção desta edição trazpassagens da entrevistaconcedida pela pesquisadoraitaliana Daniela Carpi àAnamorphosis – RevistaInternacional de Direito eLiteratura, v. 3, n. 2, julho-dezembro2017.

DanielaCarpiéumaproeminentepesquisadoranaáreadeDi-reitoeLiteratura.ComformaçãoemLetras,Carpiespecializou-seemLiteraturaInglesaededicou-se,precursoramente,ainvestigararelaçãoentreoscamposdaLiteraturaedoDireito.Asuapes-quisa demonstra a complementariedadeentre ambas as áreas.Em2008,CarpifundouaAIDEL–Associazoneitalianadirittoele-tteratura(http://www.aidel.it/).

ÉmembrodaAdvisoryBoardofEdinburghUniversityPress,editora da série Law and Literature (DeGruyter Publisher/ALE),editora-chefe da revista Pólemos – A Journal of Law Literatureand Cultures (DeGruyter Publisher/ALE), membro do conselhoconsultivo da revista Journal Law and Humanities (Hart Publis-her/ING),membrodoquadrocientíficodoCentreforCulturalStu-diesoftheUniversityofGraze,desde2015,integraaAcademiaEuropaea. Atualmente, é professora titular da Universidade deVerona (ITA)eprofessoraadjuntadaSouthernCrossUniversity(AUS).

17Idem,ibidem.

Napresenteentrevista,Carpicomentaosdesafioseaspossi-bilidadesqueenvolvemarelaçãoentreoDireitoeaLiteraturaeasuapercepçãoacercadaevoluçãodosestudosnaárea,alémdeaspectosdesuacarreirapessoal.

RDL-Atualmente,vocêépresidentedaAIDELedesenvolve,há

maisdevinteanos, trabalhosnaáreadeDireitoeLiteratura.Asuaformação,noentanto,foinaáreadasLetras.Normalmente,ocorreocontrário:sãoosjuristasque,pormotivosdiversos,ori-entamsuascarreirasemdireçãoàLiteratura.Trata-se,sevocêmepermitir,deummovimentoatípico.Comofoipercorreressetra-jetodasLetrasrumoaoDireito?Quandosurgiuoseuinteresse?

DanielaCarpi–EudavaÉumaobservaçãocorretae,defato,encontreimuitaresistênciadentrodaminhaárea,queéLitera-tura Inglesa, por parte dosmeus colegas. Poucosme seguiramnessaempreitada,àparteosmembrosdogrupodepesquisaquecrieijuntoaoDepartamentodeLínguaseLiteraturasEstrangeirasdeVerona.Alémdisso,euvenhodeumafamíliadejuristas(co-mercialistas,advogados,notários)epensei:vejaqueabordageminteressante!Dei-me conta de quebempoucohavia sido feitopararevelarosfortesinfluxoslegaisnointeriordostextosliterá-rios;porisso,comeceiaestudarfilosofiadodireitoetodosostex-tosteóricosquesurgiramjuntoaCardozoSchoolofLaw,emNovaIorque,ejuntoaBirkbeckCollege,emLondres.Estiveemcontatocomosmaioresexpoentesdomovimento,quenasceuporvoltadosanos70nocampojurídico.Devodizer,comgrandeorgulho,quecontribuíparaa renovaçãoda leituradeShakespeareapósmaisdequatroséculosqueseescreviasobreele,analisandoosinúmeroselementosjurídicospresentesemsuasobras.

RDL-OsestudosemDireitoeLiteraturajáapontam,háanos,oquantooDireitosebeneficiadessarelaçãointerdisciplinar.Noentanto,muitaspessoascreemqueessaéumaviademãoúnica.OqueoDireitotemaacrescentarparaateorialiteráriaeparaosestudosinterdisciplinaresnaárea?Háummeioidealdepromoveressaaproximação?

DanielaCarpi–Antesdetudo,querodizerqueodireitoco-meçouaconsiderarostextosjurídicosdassentençascomotextosliterários.Porisso,osjuristas“roubaram”osmétodoscríticosdeanálisedotextoliterárioquesurgiramnafasepós-estruturalista(porexemplo,adesconstruçãoamericana)epassaramateorizarsobreaincertezadodireito,inclusivesobreafalênciadodireito.Obviamente, no momento em que eu começo a divulgar essaabordagemnaItália(porquefuieuquemimportouessetemadosEstadosUnidoshávinteecincoanos),encontreimuitaresistên-cia,sejanoâmbitojurídico(comoousavateorizarsobreaincer-tezadodireitoemumpaísfundadonodireitoromanoenacer-tezadodireito?),sejanoâmbito literário(masoqueestavafa-zendo?;saíadomeucampo?;nãofalavamaisdeliteratura?).Foicansativofazercompreenderemasenormesvantagensqueessaabordagemtraziaaosestudosliterários.Eraprecisoestudarbas-tante,sobretudofilosofiaefilosofiadodireito.Eraprecisoestu-dartodososteóricosdessemovimento.Ocorrequenemtodososdocentesestavamdispostosaentrarnojogo.Mas,nomomentoemqueseadquiriaaexpertise,quantassatisfaçõescientíficas!O

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modoidealdepromoçãodessesestudosfoi,pre-cisamente, organizar congressos internacionaisanuais;criarumarededecolaboradoresinterna-cionais;fundarumaassociação[AIDEL]comumórgãocientíficopróprio,comoarevistaPólemos–JournalofLaw,LiteratureandCulture,queháalgunsanosépublicadapelaeditoraDeGruyter,deBerlim,oquelheconfereumadifusãomuito

grande;criaracoleção“LawandLiterature”,tambémemparceriacomDeGruyter;desenvolverumwebsiteparadivulgarasativida-desdaAssociação[AIDEL].

RDL–Asuapesquisaabordaodomíniodaliteraturadeteste-munhoe, também,doscontosde fada.No texto“Fablesof theHolocaust:Hansel andGretel”, publicado no livro Fables of thelaw:fairytalesinalegalcontext(DeGrutyer,2016),asuaanálisetememperspectivaoHolocausto(Shoah).Comosedáaaproxi-maçãodeduasvertentesliteráriasaparentementetãodistintas?DequeformaaLiteraturapodenosauxiliaraconservaramemó-ria,nãoapenasa individual,masespecialmentea coletiva,evi-tandoque incorramosemerrosdopassado?ALiteraturapode,também,anteverproblemasfuturos,apartir,porexemplo,dali-teraturadistópica?

DanielaCarpi-Asfábulasfazempartedoinconscientecole-tivodahumanidadeeconferemvozàquiloqueésocialmentere-primido.Sobretudonosdiasdehoje,assiste-seaumgrandere-nascimentodasfábulas,porémrelidasdemodosubversivo,comorebeliãoaostatusquo,aomundopatriarcaldatradição.Elasau-xiliamamanifestaroinexpressávelouoinexprimível.OhorrordoHolocausto, nos romances que analisei no ensaio referido porvocê,concentra-senasconsequênciasdaperseguiçãodascrian-ças.Portanto,ocupa-sedaviolaçãodosdireitosdascriançasedofatodequeaquiloqueocorriasuperavaasuacompreensão.Eis,aqui,orecursoàfábuladeJoãoeMariacomomeioparadarumsentido àquilo que, para eles, não tinha nenhum sentido. Ade-mais,sendoumafábulamuitoviolenta,servebempararepresen-taraviolência inumanadaqueleperíodohistórico.Atualmente,muitosromancesabordamoHolocausto.Háumavastaliteraturaa respeito.Apósos anosemqueoHolocausto caiuno silêncio(PrimoLevi,emOsafogadoseossobreviventes,afirmaprecisa-mentequeos sobreviventesnão tinhamnemmesmoumavoz,porqueaspessoasnãoqueriamouvir;omesmofalaHartman,emScarsos theSpirit,quando refereas feridas incuráveisdoespí-rito),finalmenteahistóriatomouasnecessáriasdistânciasparapodernarrá-lo.Aliteraturaaindadávozaomal-estar(histórico,nessecaso), falaquaseparapurificar-sedessaculpa terríveldahistória.Asfábulas,literaturacertamentenãoinfantil,comosus-tentotambémnomeuúltimotrabalhoFairyTalesinthePostmo-dernWorld:notalesforchildren(Winter,2016),temafunçãodemediaraquiloqueexcedealinguagemeaquiloqueéprecisonar-

rar.Chegandoàsuaúltimapergunta,sim,muito frequentemente a literatura ante-cipaofuturo:sepensarmosemFrankens-tein,quepercorreasquestõesbioéticaseestigmatiza os experimentos genéticos,assim como A ilha do Dr. Moreau, deWells;sepensarmosnatemáticadaeuta-násiaemDrácula.Enfim,sepensarmosemgrandepartedaliteraturacontemporâneaqueseocupadabioéticaedobiodireito,como os romances de Jodi Picoult, que

precedemaleirecémpromulgada,naItália,sobreotestamentobiológico.

RDL-Falandonisso,queobrasliteráriasvocêresgatariaparadiscutirquestõescontemporâneas,comoabioéticaeobiodireito?ODireitoprecisasereinventarparaequacionarosdesafiosprove-nientesdessapluralidadeambíguadevaloreschamada“pós-mo-dernidade”? Como a Literatura viabiliza a tarefa de indagaçãoética?

DanielaCarpi-Comodizia,muitaliteratura(ecomtaltermoentendotambémfilmes)ocupa-sedeproblemasatuais,comoaredefiniçãodepessoanoâmbitotecnológico.Maisdoquepós-modernidade,eugostodefalardepós-humanismo,emqueatec-nologianospõediantedeproblemasnovosededifícilsolução.Existetodaumasériedefilmes,comoTranscendence(2014),Her(2013),TheMachine(2013),TheCircle(2017),paracitarapenasalguns,quecolocaproblemaséticos:quemouoqueépessoa?Comonostornamospós-humanos,questiona-seKathrineHayles?Comonoscolocamosfrenteaumcyborg,pergunta-seRosiBrai-dottiemsuaanálisedopós-humanismo?Comoépossívela leilevaremconsideraçãoessasnovasformasdepessoa?Qualéolimitedaprivacidade?Issotudoestáatreladoaoconceitodeiden-tidadeeanovastensõesmetafísicas.Naverdade,mesmodiantedaperdadeDeusemsentidoreligiosoefilo-lógico,essaliteratuatendeaumaformadetranscendência, a uma recuperação de al-guma justiça suprema. O homem não estámaisnocentrodouniverso,masse tornouum cyborg. Se, com Blade Runner, era ocyborgquedesejava tornar-sehumanoealinhadedemarcaçãoentreocyborgeohu-manoeramasemoções;agora,éohomematransformar-se em cyborg, em inteligênciaartificialtransportadanocomputador.

RDL-Paraencerrar,quaissãoassuasobrasliteráriaspreferi-daseporquenósestamos–edevemosestar–constantementerelendoosgrandesclássicos?ComoaLiteraturanospermitedizeroindizível?

DanielaCarpi-Osgrandestextossãoimortaisporqueconti-nuamafalardohomemcontemporâneo,porquepodemserper-manentementerelidos,revelandoaspectosnovoseadaptadosdohomem de hoje. Certamente, Shakespeare é omeu constanteamorliterário,mastambémmuitosescritoresdoséculoXXquesouberamabrirnovoscaminhos,sejamformaisoutemáticos,porexemplo, William Golding, Iris Murdoch, John Fowles, PeterAckoryd,emboraalistapudessesermuitomaior.Pormeiodafic-cionalização, a literaturapossuiumgrandepoderexpressivo: aimaginaçãonospermiteabrirasbarreirasentrerealidadee fic-ção,nosoferecepossibilidadescomunicativasinusitadas,nosco-loca em condição de romper barreiras temporais, viajando notempoparafrente,comaficçãocientífica,quenosprojetamun-dospossíveis;eparatrás,permitindo-nosrevisitaropassadocomaconsciênciadehoje.É,sobretudo,umagrandenutriçãodoes-pírito,é“cultura”nosentidolatinode“colere”,cultivodaalma.

Entrevista:DieterAxtTradução:Prof.Dr.AndréKaramTrindade

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NOTÍCIASEMDESTAQUEPUBLICAÇÃODONOVONÚMERODARE-VISTAANAMORPHOSISv.3,n.2,jul.dez.2017(QUALISA2)

Já seencontraonline omais recentenúmerodaANAMORPHOSIS-RevistaIn-ternacionaldeDireitoeLiteratura.

EmsuaApresentação,oseditoresdaANAMORPHOSIS, André Karam TrindadeeHenrieteKaram,destacam:

“OpresentenúmeroiniciacomoestudodeFrançoisOst,da

UniversitéSaint-Louis(Bélgica),queabordaopensamentojurí-dicoepolíticodeSade,contrapondo-seàtesedeum“Sademo-ralista”edefendendoaperspectivadeque,naobrasadiana,acrítica radical da ordem estabelecida se faz acompanhar daideiadecontrafacçãodalei.AlbertoVespaziani,daUniversitàdelMolise (Itália), investigaasorigensde categoriaspolíticasmodernidade emDecameron, destacando sua dimensão jurí-dicaeeuropeia,asquestõesjurídicaseaspersonagensinstitu-cionaisexploradasnasnovelasqueocompõem,bemcomootemapolítico-constitucionaldonovoiníciodacomunidadeeoarquétipocoletivodapesteenquantometáforadoestadodeexceção. Alícia Ruiz, da Universidad de Buenos Aires (Argen-tina),apartirdaleituradeOperaçãomassacre,deR.Walsh,trazuminstiganteparaleloentrealiteraturadenão-ficçãoeodis-curso judicial, apontando a função de instância narrativa de-sempenhadapelojuiz,pelojornalistaepeloescritorparapro-blematizaracontingênciadaverdadenarradaeasintersecçõesentrepolítica,históriaedireito.LeonorSuárezLlanos,daUni-versidaddeOviedo(Espanha),examinaarelaçãoentreoDireitoeaLiteraturae,concentrando-sena interpretação,posiçãoefunçãodointérprete,naretórica,nanarrativaenoNewCriti-cism,enfocaosimpassesaseremenfrentadospelaabordagemliteráriadodireito,sobretudonoqueserefereaocarátertrans-gressordaliteraturafaceaoslimitesdarealidadecomplexa,di-nâmicaeflexíveldodireito.LuísRobertoBarroso,daUniversi-dadeEstadualdoRiodeJaneiro(UERJ),retomaAtragédiadeJúlioCésar,deShakespeare,paraprivilegiaraanálisedodes-prendimento e do idealismodeBrutus, oferecendo reflexõessobreopodereoscomportamentoshumanosnoperíodoqueantecedeofimdaRepúblicaromanaeabordandoostemasdoamor,doidealedatraição.RaphaelHenriqueFigueiredodeOli-veira,daUniversidadedeRibeirãoPreto(UNAERP),debruça-sesobreaobradeFranzKafkaparaextrairasfiguraçõesqueseustextosoferecemdosmalescontemporâneosqueassolamaci-ênciapenaleilustrarapenacomoinstrumentosimbólicodere-pressãoeainversãogarantistadaintervençãomínimaoperadapelapersecuçãopenalhodierna.DanielYamauchiAcostaeRuthFariadaCostaCastanha,ambosdaPontifíciaUniversidadeCa-tólicadeSãoPaulo(PUC/SP),concentram-senoromanceOpro-cesso,deF.Kafka,paraevidenciaramorosidadeeaburocraciadosprocessosjudiciais,bemcomoarelatividadedoconceitodejustiça como uma das causas da estagnação do direito en-quanto ciência jurídica. Ana Paula Lemes de Souza e RafaelLazzarotto Simioni, ambosda FaculdadedeDireitodo Sul de

Minas(FDSM),partindodafunçãohistóricaqueareligiãode-sempenhounaconstruçãodassociedadesedogradativodeclí-niodesua importânciacomoadventodamodernidade,evo-camocontoOAleph,deJ.L.BorgeseateoriadossistemasdeN.Luhmanparaindagarsobreopapeldareligiãonacontempo-raneidadeeavaliaracorrupçãosistêmicaverificadanocenáriopolíticobrasileiro.IsabelCristinaBrettasDuarteeAngelitaMa-riaMaders,ambasdaUniversidadeRegionalIntegradadoAltoUruguaiedasMissões(URI),investigamaquestãodoolhar,naobraPalomar,deÍtaloCalvino,e,recorrendoàTeoriapoéticadodireito,buscamilustraranecessidadedesuperaçãodopa-radigma da consciência. Luana Paixão Dantas do Rosário, daUniversidade Estadual de Santa Cruz (UESC), e João MateusSilvaFagundesOliveira,daUniversidadeEstáciodeSá(UNES),analisamarepresentaçãodofemininooferecidapelaprotago-nistadoromanceSenhora,deJosédeAlencar,faceaoselemen-tosdodiscursojurídicopresentesnanarrativae,combaseempostuladosdeM.FoucaulteM.Bakhtin,caracterizamopredo-mínio do viés patrimonialista e patriarcalista e o empodera-mentofrustradodeAuréliaCamargo.Porfim,NelsonCamattaMoreiraeSandroNerySimões,ambosdaFaculdadedeDireitodeVitória(FDV),situamomomentohistóricodaproduçãodoromanceOcortiço,deAluísiodeAzevedo,eocontextosócioju-rídicoquesubjazà intriga,examinandotrêsdesuaspersona-gensapartirdasteoriasdoreconhecimentodeC.TayloreA.Honneth,comoobjetivodedestacaraimportânciadainclusãodamoradiacomodireitofundamentalnaConstituiçãode1988easuarelaçãocomoreconhecimentodeidentidadescidadãs.AseçãoENTREVISTAtemcomoobjetivodecriarumespaçodeinterlocução com investigadores considerados expoentes nosestudosdeDireitoeLiteratura,demodoaviabilizaroperma-nenteintercâmbiodeideiaseainteraçãodepontosdevista,aoaproximar pesquisadores e leitores. Neste número, temos oprazer de divulgar a entrevista concedida por Daniela Carpi,teóricaitalianadosestudosemdireitoeliteratura,fundadoradaAIDEL–Associazoneitalianadirittoeletteraturaeeditora-chefedarevistaPólemos–AJournalofLawLiteratureandCul-tures..

ANAMORPHOSIS–RevistaInternacionaldeDireitoeLiteratura.PortoAlegre:RDL,v.3,n.2,jul.-dez.2017.

SUMÁRIO

EDITORIAL

ApresentaçãoIssueIntroductionAndréKaramTrindade,HenrieteKaram

PT_BREN_US

ARTIGOS

SadeouapolíticadopiorSadeoulapolitiquedupireFrançoisOst

FR_FRPT_BR

“Algumaforçacomaparênciaderazão”:direito,juristasepoderconsti-tuinteem"Decameron"“Unaforzadaalcunaragioncolorata”:diritto,giuristiepoterecostitu-entenel"Decameron"AlbertoVespaziani

IT_ITPT_BR

Literaturadenão-ficçãoediscursojudicial:asnarrativasprocessuaistoleramfinaisabertos?Literaturadenoficciónydiscursojudicial:¿lasnarrativasprocesalestoleranlosfinalesabiertos?AlíciaRuiz

ES_ESPT_BR

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Literaturadodireito:entreaciênciajurídicaeacríticaliteráriaLiteraturadelderecho:entrelacienciajurídicaylacríticaliteraturaLeonorSuárezLlanos

ES_ESPT_BR

AtragédiadeJúlioCésar:poder,idealetraiçãoThetragedyofJuliusCaesar:power,idealandtreasonLuísRobertoBarroso

PT_BREN_US

Kafkapenalista:daficçãoliteráriaàrealidadepenalKafkaasacriminalist:fromliteraryfictiontocriminalrealityRaphaelHenriqueFigueiredodeOliveira

PT_BREN_US

Direito,justiçaemito:umaleituraapartirde“Oprocesso”,deF.KafkaLaw,justiceandmyth:areadingof“Thetrial”,byF.KafkaDanielAcostaYamauchi,RuthFariadaCostaCastanha

PT_BREN_US

OCongressoNacionalentreo“mýthos”eo“lógos”:religiãoecorrup-çãosistêmicanocenáriopolíticobrasileiroTheNationalCongresssplitbetween“mythos”and“logos”:religionandsystemiccorruptioninthebrazilianpoliticalscenarioAnaPaulaLemesdeSouza,RafaelLazzarottoSimioni

PT_BREN_US

OdireitopelosolharesdePalomarThelawinPalomar’spointofviewIsabelCristinaBrettasDuarte,AngelitaMariaMaders

PT_BREN_US

AuréliaCamargo:sujeitofemininodedireitoedelinguagem–odis-cursojurídicoem“Senhora”,deJosédeAlencarAureliaCamargo:afemalesubjectoflawandlanguage–thelegalspe-echinthenovel"Senhora",byJosedeAlencarLuanaPaixãoDantasRosário,JoãoMateusSilvaFagundesOliveira

PT_BREN_US

Constituição,literaturaereconhecimentonaobra“Ocortiço”Constitution,literatureandrecognitionin“Ocortiço”

NelsonCamattaMoreira,SandroNerySimoes

PT_BREN_US

ENTREVISTA

EntrevistacomDanielaCarpi–AliteraturaéocultivodaalmaIntervistaconDanielaCarpi–Laletteraturaècoltivazionedell’animaFrançoisOst

IT_ITPT_BR

OsinteressadosempublicarseustextosnaANAMORPHOSISpodemremetê-losvia:http://seer.rdl.org.br/index.php/anamps.

Osartigosoutrabalhosdevemserinéditoseserãopublicadosemportuguês, com traduçãoem inglês, e emespanhol, inglês,francês,italianoealemão,comtraduçãoemportuguês,devendosemprepassar pelo corpodepareceristas que atuano sistemadouble-blindpeerreview.

Osistemaédefluxocontínuo.Asnormasdesubmissãoeasdiretrizesaosautoresestãodisponíveisnoreferidosítiovirtual.

Submetaseutextoeajudeadivulgarnossarevista!

ALIANÇAS TRANSATLÂNTICAS: CRÔNICA DO PRIMEIROSEMINÁRIOINTERNACIONALSOBREACULTURALITERÁRIADODIREITO,OCORRIDONAUNIVERSIDADEDEMÁLAGA

O 1º Simpósio Internacional:A Cultura Literária do Direito:

alianças transatlânticas, organizado pela Cátedra Aberta deDireitoeLiteratura,daUniversidadedeMálaga,coordenadopeloProf.Dr.JoséCalvoGonzález,CatedráticodeFilosofiadoDireitodaquelauniversidade,aconteceunosdias30denovembroe1ºdedezembrode2017.Oevento,contoucomoapoioinstitucionaldaAssembleiadeDeputadosdeMálaga,daFundaçãoGeraldaUniversidade de Málaga, da Aula María Zambrano de EstudosTransatlânticos, da Faculdade de Direito da Universidade deMálaga e da Rede Brasileira de Direito e Literatura. Estiverampresentesestudiososrenomadossobre"DireitoeLiteratura"nãosódaUniversidadedeMálaga,mastambémdaUniversidadedeNavarra,daUniversidadesdeYaleedasbrasileirasUniversidadedeBrasília eUniversidadedeGuanambi. Tambémparticiparam

professores e estudantes de pós-graduação de diversas outrasinstituiçõesdeensinosuperioremDireito.

Na cerimônia de abertura, as intervenções da 2ª Vice-PresidentedaAssembleiadeDeputadosdeMálaga,Dra.AnaC.MataRico,doDiretordaFaculdadedeDireitodeMálaga,Dr.JuanJosé Hinojosa Torralvo e do Prof. Dr. José Calvo Gonzáles,organizadordoevento,destacaramoextensoeintensotrabalhopreparatório que, há décadas, vem projetando a Faculdade deDireito da UMA e, consequentemente a cidade deMálaga, nocenáriointernacionalcomoreferênciaeuropeiaetransatlântica,especialmente na Ibero-américa, nos estudos sobre Direito eLiteratura. Este primeiro simpósio, afirma o Prof. Dr. CalvoGonzales, é representativo nesta trajetória de projeção econsolidaçãoexterna.Nas intervenções foidestacadaa relaçãoíntima e constante entre Direito e Literatura, bem como aextrema e urgente necessidade de formar juristas dotados deelementosepistemológicosrenovadoseperspectivasdeanálisecapazes demelhorar e ampliar a compreensãodos fenômenosjurídicos e a busca por soluções tanto para problemaspermanentescomoparaosnovosdesafiosintelectuaisinerentesàstransformaçõessociaiscontemporâneas,emqueoestudodoDireito requer metodologias inovadoras, especialmenteinterdisciplinares,eumindispensávelenriquecimentocrítico.

AconferênciadeaberturadoeventoficouacargodoProf.Dr.AndréKaramTrindade,presidentedaRedeBrasileiradeDireitoeLiteratura(RDL)eCoordenadordoProgramadePós-GraduaçãoemDireitodaUniversidadedeGuanambi,Bahia.OProf.AndréKaramTrindade,emsuapalestra“CulturaliterariadelDerechoenBrasil”,abordouasexperiênciasacadêmicase formativassobreDireito e Literatura desenvolvidas no Brasil, nas últimas duasdécadas e,mais recentemente, a partir dos eventos e debatespromovidospelaRDL.SublinhouqueasreflexõesjusliteráriasnoBrasil vem ganhando gradualmente mais espaço não só pelasiniciativas acadêmicas,mas tambémpelosdebatespromovidosem torno e a partir do Programa de TV Direito e Literaturatransmitido em rede nacional pela TV Justiça e no canal doYoutube.

O Prof. Dr. José Francisco Alenza García, professor daFaculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Pública deNavarra,Espanha,responsávelpeloProgramaLyder(LiteraturaeDireito),emsuapalestra“Formaciónyarticulacióndeestructurasacadémicas y Enseñar Derecho deleitando: el Programa Lyder(Literatura y Derecho) de la Universidad Pública de Navarra”relatou que as experiências acadêmicas e formativasmaterializam-se em propostas de ensino complementaresvoltadas para estudantes de graduação em Direito, deLicenciatura em Relações Laborais e Recursos Humanos, e deDuplaGraduação emAdministração eDireito Empresarial, cujaofertaacadêmicajáfoiconcluídaedesenvolveumprogramadeleituradeobrasclássicasecontemporâneasesuaapresentaçãoediscussãoemdoisciclos,comaté12semináriosanuais.

A Profa. Dra. Cristina Monereo Atienza, professora daFaculdade de Direito da UMA palestrou sobre o tema“Imaginación literaria femenina: la reconstrucción de sujetoscompasivos", seguidapelapalestra sobre"Bartleby,deHermanMelvilleylas‘cancelas’comometáforadeloslímitesdelderecho",proferida pela Profa. Dra. Maria Pina Fersini, pesquisadora daFaculdadedeDireitodeMálaga.

Nosegundodia,palestraramoProf.Dr.CristianoPaixão,daUniversidadedeBrasília(UNB),sobreotema"Memorialhistórico

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yverdadficcionalenIncidenteenAntares,deEricoVeríssimo"eoProf. Dr. Felipe Navarro Martínez, da Faculdade de Direito daUniversidadedeMálaga, sobreo tema"AméricadeKafkay lasformasbrevesenDerecho".

OeventoencerroucomapalestradoProf.Dr.CalvoGonzales,catedrático de Filosofia do Direito da Faculdade de Direito daUMA sobre "Iura el Poemata. Versos y constitucionalismo detradiciónliberal"e,porfim,comapalestradoProf.Dr.RobertoGonzálezEchevarría,professoreméritodeEspanholePortuguêse professor de Literatura Comparada na Universidade norte-americana de Yale. Esta conferência de encerramento tratousobre o tema Derecho romano y narrativa hispanoamericana:‘DoñaBárbara’,deRómuloGallegos,girouemtornodeseulivro“Mitoyarchivo:una teoríade lanarrativa latinoamericana”.OProf.Enchevarria,apartirdeMikhailBakhtineFoucault,propõeumateoriasobreaorigemeevoluçãodatradiçãonarrativalatino-americana considerando singularidade e autonomia desta nocontextoocidental.

Profª.DrªAngelaAraújodaSilveiraEspíndola** Doutora em Direito Público pela UNISINOS. Professora Adjunta doDepartamento de Direito da UFSM. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSM e do Centro Universitário de Guanambi(UniFG). Membro da Associação Brasileira do Ensino do Direito/ABEDi.MembrofundadoradaRDL.EditoradaRevistaEletrônicadoCursodeDireitoda UFSM (Qualis A1). Coordenadora do Grupo de Pesquisa CNPq/UFSM:“PHRONESIS:EstudoePesquisasobre JurisdiçãoeHumanidades”.Atuanaárea de Direito Público, com ênfase na temática sobre "Jurisdição,Constituição e Processo", "Ativismo Judicial e Garantismo processual","DireitoeLiteratura"e"EnsinodoDireito".FALECEOJORNALISTAEESCRITORCARLOSHEITORCONY

ARedeBrasileiraDireitoeLitera-tura lamentao falecimentodeCar-los Heitor Cony, aos 91 anos, nanoitede sexta-feira (05), na cidadedoRiodeJaneiro.

NascidonoRiodeJaneiroem14demarçode1926,Conyera jorna-lista, escritor, ensaísta político, ro-teirista e foi o quinto ocupante daCadeiranº3daAcademiaBrasileiradeLetras,sucedendoHerbertoSalesnoano2000.

Cony venceu por três vezes oPrêmioJabuti,comasobras"Quasememória"(1996),"Acasadopoetatrágico"(1997)e"Romancesempalavras"(2000),alémdereceberoPrêmioMachadodeAssis,em1996,peloconjuntodaobra,eacomendadeArteseLetrasconcedidapelogovernofran-cês,em2008.

No cinema, escreveu os roteiros de "A noite domassacre"(1975), "Os trombadinhas" (1979), "Os primeiros momentos"(1973)e"Intimidade"(1975).

DuranteoperíododaDitaduraMilitar,foipresodiversasve-zes,oquelherendeu,inclusive,indenizaçãodoMinistériodaJus-tiça,pordanospsíquicosemateriaissofridos.Asuaobra"QuemmatouGetúlioVargas"sofreucensuradoregimemilitar.

JORGELUISBORGESEMPAUTANodia17denovembro,foirealizadaa34ªediçãodotradicio-

nalCafé,DireitoeLiteratura.OencontrodebateuaobradeJorgeLuisBorges,comespecialenfoquenoscontosFunes,omemoriosoeLoterianaBabilônia.OeventoocorreunoCaféTerraNova,sobcoordenaçãodoProf.NelsonCamattaMoreira, vice-presidentedaRDL.

Oconsagradoescritorargentinotambémfoiotemadepro-gramaespecial doDireito& Literatura,quedebateua vidaeaobradesseautor.Aproveitandoapresençade ilustresconvida-dos,porocasiãodasatividadesdoIVCIDIL,LenioLuizStreckcon-duziuricodebatecomosprofessoresargentinosAliciaRuiz,JorgeDouglasPriceeCarlosMaríaCárcovasobrefascinanterelaçãoen-treBorgeseoDireito.

NOVASEDIÇÕESDECOLETÂNEASOBREDIREITOELITERATURA

AcoletâneaeditadaporElizabethVilliersGemmetterecebeunova edição em 2017. Três dos quatro livros da pesquisadoranorte-americanaforamrevisadoseatualizados.Paraosinteres-sados,ostítulospodemserencontradoseadquiridosnositedaAmazon.com.

Asobrasabordamquestõespertinentes,apartirdetemáticasquepermitemoestudodoDireitoeLiteraturasobdiversosenfo-ques:Lawinliterature:anannotatedbibliographyofLaw-relatedworks;Lawandliteratue:legalthemesinAmericanstories:1842-1917;Lawinliterature:legalthemesindrama;eLawinliterature:legalthemesinnovellas.

ParaajuristaholandesaJeanneGaakeer,trata-sedematerial“indispensáveltantoparaoensinojurídico,quantoparaapráticajurídica”.

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NOVIDADESEDITORIAIS

LOPES, Mônica Sette; MATOS, Andityas Soaresde Moura Costa. SANTANA, Eder Fernandes.Representações da violência: direito, literatura,cinemaeoutrasartes.BeloHorizonte:D’Plácido,2017.

Este livro reúne diferentes análises deproduçõesdacultura,emseusmodosdiver-sosderepresentaroudeapontaroirrepre-sentávelda violência. Trata-sedeum livroemqueosmodos,vias,isoladasoueminterface,seapresentamparadizerdaviolência,desuairrupçãoemconflitoindividualoucoletivo,de suapotência,de suamanifestaçãopositiva/criativaounegativa/destrutiva,aspossibilidadeseoslimitesdesuaela-boraçãonarrativa.

Aobraabordatemasquevãodequestõesraciaisedegêneroàpolíticaeàsrepresentaçõesdaviolêncianaarte,passandopelatemáticacriminaleprocessualpenal.

Osautoressãoprofessores,pesquisadores,estudantesdegra-duação e de pós-graduação das áreas de Letras, Comunicação,Jornalismo,Educação,História,Psicanálise,CinemaeLiteratura.Autores:AlessandraMargottidosSantosPereira;AndityasSoaresdeMouraCostaMatos;BernardoGomesBarbosaNogueira;Ber-nardoSupranzettideMoraes;BrunoMoraisAvelarLima;CarolinaSoaresNunesPereira;DouglasCarvalhoRibeiro;EderFernandesSantana;EduardaCoutoPessoaOthero;FabianaJuvêncioAguiarDonato;FelipeFurtadoSoares;FernandoJoséArmandoRibeiro;FernandoNogueiraMartins Júnior; FilipeMonteiro Lago; FláviaSiqueira; IsabeladeAndradePenaMirandaCorby;JeanPatríciodaSilva;JonasMiguelPiresSamudio;JoyceKarinedeSáSouza;JúliaLeiteValente;LauraGuimarãesCorrêa;LianaPortilho;LídiaMello; Luana Magalhães de Araújo Cunha; Ludmilla Zago An-drade;MarceladeCastroReis;MarceloAndradeCattonideOli-veira;MilaBatistaLeiteCorrêadaCosta;MônicaSetteLopes;Na-yaraRodriguesMedrado;OswaldoFrançaNeto;RamonMapadaSilva;ReginaGeniAmorimJuncal;RicardoManoeldeOliveiraMo-rais;ThaisaMariaRochaLemos;VictorCezarRodriguesdaSilvaCosta;YagoCondéUbaldodeCarvalho.

CERVANTES,AleidaHernández(coord.).DerechoyLiteratura: una alianza que subvierte el orden.CiudaddeMéxico:BonillaArtigasEditores,2017.

Outraformadeseaproximardodireitoépossível:esseéoespíritoquesintetizaesteli-vro.Issoporquealiteraturaé,precisamente,umadestasformas.Opropósitodestetextoédesalojarodireito,desalojarestedireitoqueconhecemos tradicionalmente como um sis-temanormativoqueordenaàs sociedadesoque fazereoquenãofazer,posicionando-seapartirdeumasupostaneutralidadeedesinteresse.

Pararetirarodireitodesuazonadeconforto,éprecisomovê-lodesuaautoconsciênciaconfortáveldeintegridade,segurançae suficiência; insistir na necessidade de que abandone seu au-tismo,queomantémfalandodesieparasi.Acomunidadeque

cria, interpreta,pensa,ensinaoDireitoéamesmacomunidadeque,aofinal,tambémomistifica.

Abrir as porta dessemundo jurídico de estruturas e hierar-quiasnormativasferrenhasparapassaràsamplasexplicaçõesdoserhumano,éoquenospermitiráoenormepotencialquealite-raturaoferecepararefletirodireito.Seodireito,emsuaconcep-çãomoderna,temsidooguardiãoesíntesedaracionalidadepú-blica,aliteraturadescobreconstantementeseuladoirracionalecontraditórioparanosmostrarumahumanidadetocadaepertur-badaporsuasformasdeoperação–muitasvezes–mecanizadas.

Assim,otítulodolivroadquiresignificado:Diretoeliteratura,umaaliançaquesubverteaordem.Trata-sedesubtrairaordemdesuasprópriasestruturas;detransformá-laemalgodiferente,nãomistificado,comoqualsepossadialogarapartirdeoutraslinguagens,quepossaseranalisadoapartirdeoutrosenfoquesequebusquecompreenderprofundamenteoquetentaregular:asrelaçõesdossereshumanosnacoletividade.

BOTO, José María Miranda. El Derecho enTolkien.Madrid:EdicionesCinca,2017.

Em nenhuma parte consta que J.R.R.

Tolkientiveraomenorvínculoprofissionalou acadêmico com o mundo do Direito,nememsuavidapessoal,nememsuavidaliterária. Obviamente, no transcorrer dosanos ele se casou, pagou impostos, fezpartedaequipedevárioscolégioseuniversidades,participoudatediosatarefadereformarumcurrículo,fezcompras,pagoumul-tasdetrânsito,fezpartedoExércitoBritânico,negocioucontratosdeediçãocomeditoras...masnadamaisalémdaexistênciaco-mumdeumapessoaforadomundodasleis.

Aforçadacriaçãoemseutrabalho,porém,provocouqueoDireitochegasseàTerraMédia.ComoosHobbitsfaziamumtes-tamento,deondeveioalegitimidadedosComissários,qualeraamoedadecursolegalemBree,apossibilidadeparaumElfoviúvoterumsegundomatrimônio,osistemamercantildosanões,opo-der disciplinar do Senhor das Trevas... São todos os problemasquevãosurgindoaolongodocaminhoparaOrodruin,certamentenabordadocaminho,mascontribuindoparaacolossalpaisagemdeArda.

Emresumo,ograndemundodaTerraMédiaseabrediantedenós,paraatravessá-locomosolhosdoDireito,analisandoto-dosessesaspectos legaisqueTolkienestavaplantandoemsuaobra,semestarcientedisso.Enãohádúvidadequeo jurídicoencontrousuaacomodaçãonoTolkien'sLegendarium.AocriaroimensocatálogodesociedadesquepovoamArda,inconsciente-mentefezoditoclássico:ubisocietas,ibiius;Láondeexistesoci-edade,háDireito.

AVELAR,DanielRibeiroSurdide (Coord.);PRAZE-RES,Angelados;LEÃO,LianadeCamargo(Orgs.).OjulgamentodeOtelo,omourodeVeneza:Direitoe Literatura Edição comemorativa Shakespeare400anos.Florianópolis:EmporiodoDireito,2017.

Não é essa a pri-meira vez que Otelo é julgado em ter-rasparanaensese,comcerteza,nãoseráa

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última.Ohistóricojulgamentode1961foisucedidoporumanovasessãoem2011–ambosrealizadosnoTeatroGuaíradeCuritiba– e, em 2016, mesmo após dois éditos absolutórios,asagadeOtelovoltouaserapreciadanacapitalparana-ense.OlocalescolhidodestavezfoioplenáriodoTribunaldoJúri de Curitiba. Portanto, força é convir que o julgamento de2016marcouahistóriadoTribunalPopular.

Aênfaseaolocalédevidaadoisaspectosquedestavezseentrelaçaram:aabordagemdaliteraturashakespeariana,aqualéconsideradacomoamaiorfontedeconteúdohumano,umavezquetranscendeoexercíciodaeloquênciapoética,eadiscussãodos conflitos e tensões humanas quando elevados ao ex-tremo,justamentenolocalondetodososdiasissoocorre,po-rémcompersonagensdavidareal.Ademais,instamencionarqueojulgamentode2016tevecomoobjetivoojúbilodos400anosdeShakespeare,apromoçãododireito,daarteedaculturanãoapenasàcomunidadeacadêmicaejurídica,masatodasociedadecuritibana,eprincipalmente,oincentivoàaçãosocial,hajavistaqueosrecursosauferidosforamconvertidosemdoaçãoàPeni-tenciáriaFemininadoEstadoParaná.Cabemencionaraindaquese o JulgamentodeOtelo foi possível em tempos hodiernos, etambémopoderásernofuturo,issoégraçasaobrilhantismoeàalmapoéticadeMunirKaram,quenãoapenasfoiograndeidea-lizardoprimeirojulgamentoem1961,mastambémmuitocontri-buiuparaquepudéssemosrealizaraempreitadade2016.

Porfim,revela-seque,enquantoorganizávamosasativi-dadesdojulgamentodeOtelo,eisquesurgiuaideiadenãoape-nasregistrarmososeuresultado,mas,sobretudo,asimpres-sõesacercadapeçashakespearianaescolhida,esuacompre-ensãopormeiodeumaabordagemliterária,bemcomodasuainterlocuçãocomodireito,e issoapartirdasreverberaçõesdeimportantesnomesdaliteraturaedodireito.Destarte,essefoioalvorecerdapresenteobra.GRÜNE, Carmela (org.). Direito no cinema brasi-leiro.SãoPaulo:EditoraSaraiva,2017.

Apresenteobraéfrutodostrabalhosdo

coletivodepesquisadoresdoGrupodePes-quisa “Direito no Cinema Brasileiro” e pre-tende exercitar a plena compreensão dofenômeno jurídico, rejeitando a falsa oposi-çãoentreopolíticoeojurídico.Paraocole-tivo,“ajustiçanãodeveencontraroempecilhodalei”.

Nesteponto,identificamoprotagonismodosprovedoresdeuma justiçapoética, capazesdeapre(e)nderoDireitoaoandarpelasruas,porque,“quandoseandapelasruas,colhe-semelhoravidanosseuscontrasteseseprolongapelaclarividênciadaob-servaçãoreduzidaaaresto”,comojásedissecertavez.MORENO,JuanAlfredoObarrio.Iuraethumanitas:diálogos entre el derecho y la literatura.Madrid:Dykinson,2017.

Escuchar y conversar con los libros, con

unoslibrosqueformanpartedenuestrabio-grafía,denuestroálbumfotográfico,eselfinalquenosdirigimos.Adialogarconaquellos

relatosquenohallaremosenTwitter,nienInstagram,niennin-gunaotraredsocial,sinoenesetiempoyeneseespacioquetras-ciendedelairrisoriafugacidad[...]

Yalescucharyconversarconlos libros,sabemosque“Cadaunopeleaconlasarmasqueledieronlosdioses”,comoexclamaHéctorenLaIlíada.Nuestraúnicaarmaserálapalabra,lainquie-tud,lapreguntayelmisterioqueinterroga,inquiereydialogaconquienesnosenseñaron,consusescritos,asentirlainquietudporconoceryporpreguntarnosporesesaberquenosimpideperma-necerquiescentesoadormecidosantelavida,[...]unlibronacidoparaleer,sentirypensar.[...]Buscarnuevosespaciosdereflexiónqueayudenadesterrarlaindolenciayelquietismoenelquees-tánancladoslosuniversitariosdesdehacedécadasybuenapartedenuestrasociedad.LoadvierteAlainFinkielkrautensulibroLaderrotadelpensamiento.Enconcreto,enelepígrafetitulado‘Elzombie’yelfanáticorecuerdaqueenestasociedadsehainsta-lado“lamemezdelpensamiento”,aquélque“habitualmentein-vocaelargumentodelaeficacia”,loquenosabocaauna“épocadepersianasbajadas”,aunnopensar[...].Quizáestelibrohayavalidolapenaescribirlosiconélpodemos,dealgunamanera,au-narelDerechoalaLiteratura,acercando,así,elmundodelalec-turaaesasaulashuérfanasdesaberquesonhoynuestrasFacul-tades.

SólonoscabeconcluirhaciendonuestraslaspalabrasqueHer-manMelvilleescribieraensunovelaMobyDick:“Estelibroenteronoesmásqueunborrador;mejordicho,elborradordeunborra-dor”.Unborradorenelquehemosqueridorecordar,conJosepPla,que“Venimosdeloslibros.Hemosleídoyleemoslibros.Cre-emosquehemosvividoporquehemosleídolibros”.Quizálafic-ciónseasóloeso:unanecesidadparacontinuarviviendo.(ElAu-tor)

LAVEAGA,Gerardo.SinLiteraturanohayDerecho.México: El Colegio deMéxico / Tirant lo Blanch,2017.

Trazar rumbos, señalarhorizontes, siem-

preexigeunrelato:¿quésepretendeconuncuerpo de normas? ¿Orden? ¿Bien común?¿Felicidad?¿Paraqué?¿Paraalcanzarunaso-ciedadideal?¿Ycómodebeseresasociedad?¿Debegobernarlaunsabio?¿Debeestarregidaporungrupodeclérigos iluminados?¿Quiénmaquila las leyespuedeaplicarlas?Todoestoimplicautopías.Parairtrasellas,paraobedecerlasdis-posicionesjurídicasquepretendenayudarnosaalcanzarlas,hacefaltauncuento.‘Ideales’,decimosdemodosolemne.Lasperso-nasvanalaguerraennombredeundiosodeunanación‘ficcio-nesambas’yponenbombasenarasdeotrasficcionesalasquedenominanigualdadolibertad(GerardoLaveaga).

BOTERO, Andrés. Historia de caminantes: el sacer-doteyeljoven.En:FLORES,Carlos;REVIRIEGO,Fer-nando y ENRÍQUEZ, José (Eds.). De la solidaridad yotroscuentos.Madrid:Amargord,2017.

De la solidaridad y otros cuentos nasce da

coordenaçãoedoempenhodetrêsilustrespro-fessores:CarlosFloresJuberías,FernandoRevi-riegoPicóneJoseMaríaEnríquezSánchez.Estevolume completa a coleção iniciada em 2015

Page 10: Boletim 18 - RDL - RDL.pdf · à mitologia grega, na qual Hermes ... paradigmática inaugurada por Heidegger no campo da filosofia – cujos influxos são perceptíveis também na

REDE BRASILEIRA DIREITO E LITERATURA

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comDe la libertad y otros cuentos e em 2016 De la igualdadyotroscuentos.

ComoexpressaLuisJimenaQuesadanoprólogo,ostrêscon-ceitosnosremetemàDeclaraçãoUniversaldosDireitosHumanosde10dedezembrode1948: todososhomensnascem livreseiguais emdignidadeedireitos, dotados comoestãode razãoeconsciência,devemcomportar-sefraternalmenteunscomosou-tros.

Declaração idealista que recorda aquela Constituição boa ebenéfica,pormaisquearealidadedosacontecimentosàsvezescoloquem os homens em situações mais próximas de ThomasHobbes.

Para mais informações e para encontrar os exemplares ävenda basta acessar o seguinte endereço eletrônico: www.to-docoleccion.net/libros/de-solidaridad-otros-cuentos-carlos-flo-res-juberias-fernando-reviriego-picon~x95526995

AGENDAMitoenarrazionidellagiustizianelmondogrecoLocal:UniversitàCattolicadelSacroCuoreData:1demarçoLiteraturaedireitosdamulherLocal:AuditórioCCSA/UFSData:1defevereiro,19horasSeminariodelProgramaLyDer(LiteraturayDerecho)Local:UniversidadPúblicadeNavarra(Upn).Palestrante:JoséCalvoGonzálezTítulodapalestra:Laextravaganciadelcaleidoscopio.HistoriayDerecho:dispositivosficcionalesdelrelatoen'LaverdadsobreelcasoSavolta',deEduardoMendoza.Data:2demarçode2018