1 eucalipto: mudanÇas perceptÍveis no municÍpio de

14
Revista VITAS Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE CLAROS DOS POÇÕES-MG Fredson reis Nunes 1 [email protected] Aparecida Pereira Soares 2 [email protected] Selma Pereira Soares 3 [email protected] RESUMO: O artigo descreve o processo de reflorestamento de eucalipto no município de Claro dos Poções, norte de Minas Gerais, e suas implicações ambientais e sociais, uma vez que a implantação dos maciços homogêneos no município trouxe mudanças perceptíveis, tanto no quadro ambiental como também no quadro social. A ameaça é grande à vegetação natural do Cerrado ali presente e às espécies animais, gerando também impactos sociais negativos, uma vez que famílias locais estão sendo encurraladas pelo processo de reflorestamento do eucalipto. O texto descreve as modificações ocorridas e a carência que hoje se apresenta nas famílias ali situadas, que antes complementavam o orçamento familiar com o Cerrado. A metodologia baseia-se em pesquisas bibliográficas com autores que discutem o tema proposto, entrevistas locais e pesquisa de campo no município de Claro dos Poções. PALAVRAS-CHAVE: Eucalipto, Cerrado, Impactos ambientais, Impactos sociais, Claro dos Poções. 1 Acadêmico do curso de Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros MG - bolsista do projeto PIBID. Professor acadêmico do Programa Núcleo de Atividades para a Promoção da Cidadania NAP UNIMONTES.E-mail: [email protected] 2 Acadêmica do curso de Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros MG. E-mail: [email protected] 3 Acadêmica do curso de Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros MG Professora acadêmica do Programa Núcleo de Atividades para a Promoção da Cidadania NAP UNIMONTES.E- mail:[email protected]

Upload: donguyet

Post on 07-Jan-2017

215 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012

1

EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

CLAROS DOS POÇÕES-MG

Fredson reis Nunes1

[email protected]

Aparecida Pereira Soares2

[email protected]

Selma Pereira Soares 3

[email protected]

RESUMO: O artigo descreve o processo de reflorestamento de eucalipto no

município de Claro dos Poções, norte de Minas Gerais, e suas implicações

ambientais e sociais, uma vez que a implantação dos maciços homogêneos no

município trouxe mudanças perceptíveis, tanto no quadro ambiental como

também no quadro social. A ameaça é grande à vegetação natural do Cerrado ali

presente e às espécies animais, gerando também impactos sociais negativos, uma

vez que famílias locais estão sendo encurraladas pelo processo de reflorestamento

do eucalipto. O texto descreve as modificações ocorridas e a carência que hoje se

apresenta nas famílias ali situadas, que antes complementavam o orçamento

familiar com o Cerrado. A metodologia baseia-se em pesquisas bibliográficas com

autores que discutem o tema proposto, entrevistas locais e pesquisa de campo no

município de Claro dos Poções.

PALAVRAS-CHAVE: Eucalipto, Cerrado, Impactos ambientais, Impactos sociais,

Claro dos Poções.

1 Acadêmico do curso de Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros – MG - bolsista do projeto

PIBID. – Professor acadêmico do Programa Núcleo de Atividades para a Promoção da Cidadania – NAP –

UNIMONTES.E-mail: [email protected] 2Acadêmica do curso de Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros – MG. E-mail: [email protected] 3 Acadêmica do curso de Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros – MG – Professora

acadêmica do Programa Núcleo de Atividades para a Promoção da Cidadania – NAP – UNIMONTES.E-

mail:[email protected]

Page 2: 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012

2

ABSTRACT: This paper describes environmental and social impacts of the

introduction of the plantation of eucaliptus in the the bioma of Cerrado in the north

of the state of Minas Gerais.

KEYWORDS: Cerrado, environmental assessment; social assessment, Claro dos

Poções

INTRODUÇÃO

A difusão das monoculturas cultivadas geneticamente, principalmente no

que diz respeito ao norte/nordeste de Minas, acarretou a substituição das varias

espécies de fauna e flora local; juntamente a essas “substituições” houve a

desestruturação da “agri-cultura” familiar, resultando assim na resistência das

famílias camponesas do lugar.

“A nova paisagem configurada pelo processo desenvolvimentista afetou

drasticamente os pilares de sustentação da agricultura familiar tradicional, construídos em

séculos de convivência com seus ecossistemas e seus limites agroambientais”. (D’angelis

Filho e Dayrell, 2009, p. 05).

Para situar o leitor do presente artigo, em primeiro momento, realiza-se um

recorte histórico e localização regional, assim também como a vivência dos

moradores locais e atributos naturais com ênfase na importância do cerrado para

as famílias situadas no determinado espaço.

A demanda pela plantação de eucalipto na região não trouxe somente

grandes maciços homogêneos, mas também questões de relevância no âmbito

ambiental e social, uma vez que interferiu nos recursos naturais locais e também

interferiu no quadro social das famílias locais, temas que serão abordados no

decorrer do presente trabalho.

O Cerrado, bioma de maior predominância no sertão norte mineiro, cobria

originalmente cerca de dois milhões de km2 do território brasileiro, mas cerca de

Page 3: 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012

3

40 de sua área foi desmatada. É constituído por vegetação caducifólia (ou

estacional), predominante arbustiva de raízes profundas, galhos retorcidos e

cascas grossas (que dificulta a perda de água). Duas das espécies mais conhecidas

são o pequizeiro e o buriti (o último encontrado em brejos e nas nascentes de rios e

veredas). É uma formação plenamente adaptada ao clima tropical típico com

chuvas abundantes no verão e no inverno seco, desenvolvendo-se, sobretudo, no

centro-oeste brasileiro. Esse bioma também ocupa porções significativas do estado

de Roraima. Nas regiões Sudeste e Nordeste do país ele se apresenta como

enclave. Em regiões mais úmidas esta formação se torna mais densa e com árvores

maiores, caracterizando o chamado “cerradão”, conforme AB ‘SABER (1971).

Para que seja mais bem compreendida a vivência dos moradores locais com o

Cerrado e a importância dele na vida dos mesmos, desde a alimentação, uso de

ervas medicinais, à cultura, isso faz parte de um processo socioeconômico de

grande relevância. Recorremos em primeiro momento aos estudos de Luz e

Dayrell (2000) sobre a região:

A riqueza do regime alimentar na região é ao mesmo tempo a expressão maior do

cruzamento da questão social com a questão ecológica, posto que o alimento é a energia

que o corpo humano necessita,com qualquer outro ser vivo. O regime alimentar, tecido ao

longo dos séculos pelos Geraizeros, pelos Caatingueiros, pelos Vazanteiros, é o resultado do

modo como essas populações se apropriaram das diferentes condições naturais que a

região oferecia seus brejos/várzeas, suas encostas suas chapadas, seus cerrados, suas matas

secas suas caatingas ensejando seus sistemas agrícolas.

Deste modo, mais que a pecuária, a região, sem duvida, tem uma tradição, uma agri-

cultura, há o requeijão, o queijo de minas, o cuscuz, a rapadura, o licor de pequi, a

cachaça,o bolo de milho, alem dos remédios... Luz, C; Dayrell, C.(2000,p. 23)

Segundo Gomes (1998), na região, de bioma predominante cerrado, são

extraídos diferentes tipos de produtos animais e vegetais, sendo que mais de 200

espécies de plantas potencialmente úteis ainda não foram devidamente

exploradas. Dentre diversas espécies de interesse, o pequi (caryocar brasiliense), o

cajuzinho-do-cerrado (anacardium humile), o rufão (peritassa campestris), a fava

Page 4: 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012

4

d’anta4, conhecida na região como favela; em certas épocas do ano famílias locais

se embrenham na mata a procura desses frutos, vendidos a peso para

compradores de fora, dessa forma adicionando uma renda a mais no orçamento

familiar. De acordo com Gomes (1996):

As espécies nativas são fontes de renda para agricultores da região. Isto ocorre

porque a produção agrícola é composta quase que exclusivamente de produtos para

subsistência e são inúmeros as dificuldades encontradas pelos agricultores, destacando-se a

queda da produtividade das lavouras, devido principalmente à seca; esgotamentos dos

solos e aumento da incidência de doenças e pragas nas plantações. Da vegetação nativa os

agricultores extraem recursos para o consumo e comercialização, que é o caso da fava

d’anta dito anteriormente. O extrativismo de plantas nativas é expressivo, contribui para a

obtenção de alimentos alem de geração de renda através da comercialização (Gomes, 1996

p. 29).

Percebe-se que o Cerrado é um bioma, um ecossistema de suma importância

para os povos locais desde seus modos de vida às tradições e costumes. Também é

importante para o regime hídrico regional, que é abundante, mas que com o

passar dos anos vem sendo alterado com a introdução das monoculturas do

eucalipto na região: embora a média pluviométrica não tenha sido alterada, as

irregularidades das chuvas são freqüentes, comprometendo assim a agricultura

familiar dos pequenos proprietários.

A INTRODUÇÃO DA MONOCULTURA DE EUCALIPTO: IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS

O município de Claro dos Poções está situado na mesorregião do norte de

Minas, na microrregião de Montes Claros, tendo municípios limítrofes: Montes

Claros, Bocaiúva, Jequitaí, Francisco Dumont e São João da Lagoa, ficando

aproximadamente a 450 km da capital mineira, Belo Horizonte. Sua população é

de aproximadamente 8.000 pessoas (IBGE, Senso 2010). O clima tropical típico da

região e do bioma predominante, o Cerrado, é considerado do ponto de vista

hidrológico a caixa d’água do Brasil.

4 Árvore de porte médio cujos seus frutos são usados para a fabricação medicamentos veterinários.

Page 5: 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012

5

De acordo com Rodrigues (2003), do ponto de vista da paisagem natural

predominante na região, a área se encontra inserida no Domínio dos Chapadões

Interiores, de acordo com a divisão morfoclimática proposta por Ab’ Saber (1971).

Em classificação fitogeográfica, a área situada encontra-se inserida no domínio das

savanas – Cerrados/Campos Gerais Tropicais. E em termos de cobertura

vegetacionais natural e tratos antrópicos: Floresta tropical Subcaducifolia, Floresta

Estacional Decidual, Savana, Formações pioneiras e reflorestamento.

A demanda das empresas para com a plantação de eucalipto na região se

iniciou primeiramente pelo fato das terras serem propícias para o cultivo do

eucalipto, instalam-se em terras do estado por meios de contratos e pela compra

de propriedades particulares, segundo Porto-Gonçalves:

Os gerais, ou seja, as terras públicas das chapadas dos sertões do norte de minas, se

tornaram particulares, seja pelas mãos do estado, através de contratos de sucessão de uso

para grandes plantações de eucalipto,seja pela apropriação à mão grande, a ponta do fuzil.

Tudo isso articulado ao pólo siderúrgico do Quadrilátero ferrífero, fornecendo carvão de

ótima qualidade, vegetal, para queimar nos auto-fornos e/ou nas indústrias de ferro-ligas

de Sete Lagoas, Capitão Enéas, Várzea da Palma, Pirapora Ipatinga, bocaiúva,

Betim...(C.W. Porto-Gonçalves,1999, p.23)

O estado de Minas Gerais, embora possua uma das mais avançadas

legislações ambientais dos pais, segundo Araújo (2000), é, ao mesmo tempo, um

dos estados que mais sofrem alterações antrópicas, principalmente, como visto, a

supressão da cobertura vegetal natural para implantações de florestas

homogêneas, áreas que para muitos especialistas constituem verdadeiros desertos

verdes.

Um dos primeiros impactos danosos ambientais começa com a supressão da

vegetação natural e na preparação do terreno para o plantio, preparação e correção

do solo, combate as formigas e pragas através do uso de inseticidas, intensa

movimentação de tratores, caminhões e trabalhadores.

Page 6: 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012

6

Segundo uma moradora local, após o plantio do eucalipto, o riacho “Cana

Brava”5, que sempre foi permanente, acabou assoreado: “lembro que antes os meninos

tomavam banho no rio no fundo de casa hoje se quiserem, tem cavar na areia até fazer um

pequeno buraco pra encher d’água.”6

Figura1- Supressão vegetal natural, e ao fundo plantação

de eucalipto, município de Claro dos Poções – MG,

Fonte: NUNES, F. R.

As novas paisagens configuradas pelo processo de reflorestamento ocorrem

em todas as regiões brasileiras, mas tem se intensificado na região Norte/Nordeste

mineira, segundo D’angelis Filho e Dayrell, (2009 p.06): “Impactos significativos

ocorrem em todas as regiões brasileiras, particularmente as situadas em uma

ampla faixa de transição dos cerrados para a caatinga sob o domínio do semi-árido

brasileiro.”

5 Afluente do Riacho Fundo, Localizada sua jusante no município de Claro dos Poções, próximo a BR 365,

km 56 entre a micro bacia do Riacho Fundo e a micro bacia do Rio São Lamberto. 6 Relato verbal, Srª Aldelina, moradora local cuja propriedade da mesma se encontra em limite territorial

com áreas em processo de reflorestamento.

Page 7: 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012

7

Figura1- Desmatamento próximo a jusante do riacho

Cana Brava, município de Claro dos Poções – MG.

Fonte: NUNES, F.R.

Um grande fato preocupante para os moradores é a interferência no leito e

nos cursos d’água dos riachos, como por exemplo, a construção de pequenas

represas próximas a nascentes e no leito dos mesmos, utilizando sacos de areia e

aprofundamento do leito, com o propósito abastecer os caminhões pipas7 para regar

as mudas de eucalipto durante e após seu plantio.

7 Caminhões cuja finalidade é dada ao transporte de água.

Page 8: 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012

8

Figura2- Pequena represa construída no leito do riacho

Cana Brava, município de Claro dos Poções – MG. Fonte:

NUNES, F. R

Outro fato preocupante causado após a plantação do eucalipto é a

diminuição do volume de água dos leitos, uma vez que o fluxo era permanente e

após o plantio do eucalipto se tornou quase intermitente, devido ao assoreamento

e o represamento do leito em diversos locais.

Figura3- Assoreamento do riacho Cana Brava, próximo a

sua nascente. Fonte: NUNES, F. R.

Page 9: 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012

9

Segundo Lima (1996), a introdução de certa espécie arbórea em um

determinado ecossistema contribuirá para a conservação da hidrografia local ou

pode contribuir também para sua destruição.

As veredas presentes na região são áreas consideradas como um verdadeiro

berçário de pássaros e pequenos animais; são locais de nascentes, constituídas de

solos pobres, cobertura vegetal de gramíneas, pequenos arbustos e palmeiras de

grande porte, os Buritis8. Mas nelas já não se encontra um volume de água perene,

pois com o passar do tempo houve a interferência negativa dos grandes

fazendeiros com a inserção do gado de corte, e recentemente com a implantação

de eucalipto na região.

Figura 04. Buritizeiro em meio a uma vereda local, agora

intermitente principalmente em período de estiagem. Fonte:

NUNES, F. R.

Conforme Carvalho (2001), o plantio em áreas elevadas em relação ao curso

d’água desempenhará um forte papel no abastecimento do lençol freático:

8 Mauritia vinifera

Page 10: 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012

10

Quanto a rebaixar o lençol freático, outras plantas também o fazem, algumas mais

do que eucalipto, mas há questões a considerar: as árvores extraem do solo menos água do

que ajudam a injetar nele; na seca seu metabolismo desacelera-se e portanto sua

evapotranspiração, como já disseram os especialistas; finalmente se rebaixarem o lençol

significativamente num ou outro caso, corte-se o eucalipto e o efeito desaparecerá.

Carvalho (2001).

Após diálogo com outra moradora local, percebe-se o desânimo de sua

família viver encurralada pelo eucalipto “me dá saudade e tristeza ao mesmo tempo,

em lembrar que antes isso tudo era chapada os meninos gostava de ir pro mato brincar,

caçar o que comer... , eu pegava Tingui pra fazer sabão... E hoje eles chegaram e plantaram

eucalipto em tudo” 9.

Aqui se recorre novamente a Gontijo (1999), que traz uma excelente

contribuição para o entendimento da ruptura do equilíbrio ambiental e social no

Cerrado:

Entretanto com a introdução das florestas homogêneas de eucalipto nas áreas de

chapadões, os camponeses perderam as áreas que utilizavam para completar sua economia

... perderam a possibilidade de completar sua alimentação com frutos e a pequena caça

durante anos de más colheitas. Perderam a possibilidade de catar galhos caídos que lhe

serviam como lenha. Perderam acesso a áreas de pastos que possibilitavam a sobrevivência

de seu rebanho durante secas. Perderam uma área considerável de plantas medicinais com

as quais colocavam em prática um conhecimento já arraigado e repassado desde gerações

pretéritas. Perderam em muitos casos a sua própria propriedade, pois muitos camponeses

não possuíam titulo de propriedade de suas terras e estas, sendo devolutas foram passadas

para as reflorestadoras (Gontijo, 1999:71-72).

Percebe-se aqui que após a introdução da monocultura do eucalipto na

localidade houve uma ruptura com a com a fauna e flora local, uma vez que todo

o meio ecológico foi alterado.

9 Relato verbal, Srª Aldelir, morador local.

Page 11: 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012

11

Pequizeiro florido, árvore restada após o desmatamento das

áreas locais para

o plantio de eucalipto. Fonte: NUNES, F. R.

Percebe-se também que houve uma grande ruptura no que diz respeito ao

quadro social local, uma vez que as famílias estão sendo encurraladas pelo

processo de reflorestamento, sendo obrigadas a mudar, e em muitas às vezes

drasticamente seu modo de vida e também mudanças na economia, pois os

complementos orçamentais extraídos de maneira sustentável no cerrado local já

não existem. A policultura que aqui existia fortemente ligada à vida dos

moradores locais está cedendo lugar às monoculturas.

CONSIDERAÇÕES

A economia dos moradores locais, reforçada pelo extrativismo vegetal do

Cerrado, era diversificada, com a criação de pequenos rebanhos soltos nas largas10,

em área de vegetação forrageira usada no período da seca, quando o gado não

tinha a alimentação suficiente nas pequenas propriedades de seus proprietários,

que recorriam a tal recurso.

10

Termo de origem local/regional referente às terras devolutas e/ou de grandes proprietários, que antes do processo de reflorestamento eram de uso comunal.

Page 12: 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012

12

A monocultura do eucalipto na localidade tomou o espaço das pequenas

lavouras como as de milho, cana, feijão, hortaliças, entre outros, que reforçavam a

alimentação dos moradores locais e também no que diz respeito às diversas

plantas para uso medicinal.

Como fica a questão dos pequenos agricultores, que dependem do Cerrado

para complementar o orçamento familiar assim também como sua sobrevivência?

Foi possível observar, através deste estudo sucinto, que a introdução do

eucalipto no município de Claro dos Poções, norte de Minas Gerais, é de fato

preocupante, uma vez que os recursos hídricos, o meio natural, as relações sociais

e socioeconômicas sofrem os impactos advindos das transformações após a

implantação das monoculturas de eucalipto no Município.

Figura 4- pequena propriedade que está sendo cercada

pelo eucalipto. Município de Claro dos Poções - MG.

Fonte: NUNES, F. R

Os cursos d’água já se encontram assoreados e rarefeitos, principalmente

próximo às áreas reflorestadas e em reflorestamento, e as famílias dos pequenos

agricultores estão sendo encurraladas pelo eucalipto.

Page 13: 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012

13

REFERÊNCIAS

AB ‘SABER, A. N. A organização natural das paisagens inter e subtropicais

brasileiras. In: Simpósio do cerrado, 3, 1971. São Paulo: Blücher/ed. USP, 1971.

ARAÚJO, Marcos Antonio Reis. Conservação da biodiversidade em Minas

Gerais: em busca de uma estratégia para o século XXI. Belo Horizonte: Unicentro

Newton Paiva, 2000.

CARNEIRO, Geralda V. N. F. B. [et al]; SANTOS, G. A. dos (Org). Trabalho,

cultura e sociedade no Norte/Nordeste de Minas. Montes Claros: Best

Comunicação e Markenting, 1997.

CARVALHO, E. O boi e o eucalipto. Estado de Minas Gerais, Belo

Horizonte, p. 3, (01. nov. 2001)

D´ANGELIS FILHO, J. S. & DAYRELL, C.A. Ataque aos cerrados: a saga dos

geraizeiros que insistem em defender o seu lugar. Cadernos do CEAS, Salvador,

n°222, 2006 .

GOMES, M. F. O. O pequi (caryocar brasiliense): uma alternativa para o

desenvolvimento sustentável do cerrado do norte Minas Gerais. Lavras: UFLA,

1997. 100p. Dissertação do Mestrado.

IBGE, 1970.

LIMA, W. P. Impacto ambiental do eucalipto. 2. ed. São Paulo: USP, 1996.

LUZ, Claúdia e DAYRELL, Carlos. Cerrado e desenvolvimento: Tradição e

atualidades. Montes Claros-MG, ed: Imprensa Universitária da Unimontes, 1999.

NAKATA, Hirome e COELHO, A. C. Geografia Geral. São Paulo: Ed.

Moderna, 1978.

Page 14: 1 EUCALIPTO: MUDANÇAS PERCEPTÍVEIS NO MUNICÍPIO DE

Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas

ISSN 2238-1627, Ano II, Nº 4, outubro de 2012

14

PAULA, Andréa M. R. de.[ Et al] ; RODRIGUES, L e MAIA, Claúdia (Org).

Cerrado em Perspectiva (s). Montes Claros: Universidade Estadual de Montes

Claros, 2003.

PORTO-GONÇALVES, C. W. As Minas e os Gerais: Breve ensaio sobre o

desenvolvimento e sustentabilidade a partir da Geografia do Norte de Minas.

Cerrado e Desenvolvimento. Montes Claros, p. 19-46. 1999.

Unimontes Científica Revista da Universidade Estadual de Montes Claros/

Universidade Estadual de Montes Claros.- v.8, n. 1, ( Jan/ jun. 2006) – Montes

Claros: Unimontes, 2006.