biblioteconomia comparada uma revisao crftlca · origens dessa aparente apatia pelas causas e...

13
BIBlIOTECONOMIA COMPARADA UMA REVISAo CRfTlCA ANTONIO MIRANDA Chefe do Departamento de Ensino lt Pesquisa CNPq/IBICT Presidente da FIO/ClA (1981 -1984) O que diferencia, na sua essência, a bibJiotecoIlornia brasileira da que se teoriza ou é praticada em outras latitudes? Existe - real. mente -, uma biblioteconomia brasileira ou seria mais correto deno- miná-la "biblioteconomia no Brasil"? Nlio abundam, entre nós, estudos heurísticos ou filosóficos so- bre as características e os fundamentos de nossa profissão, tal como ela se desenvolveu no Brasil. A explicação dessa quase absoluta au- sência de estudos interpretativos e avaliativos talvez seja a de que os profissionais bibliotecários estão mais voltados para as tarefas or- dinárias e pouco interessados nas razões e explicações dos fenôme- nos. Estariam mais devotados à aprendizagem do "como fazer" do que ao "porquê" das técnicas e metodologias que aprenderam. As origens dessa aparente apatia pelas causas e hipóteses, razões e teo- rias, poderiam ser encontradas também no próprio ensino ministra- do nas escolas (que se limita à transmissão de "técnicas e normas processualísticas e de mecânicas operacionais" sem questionamen- to) e na "tradiçlio" que esse ensino imediatista criou. isto é. a falsa dicotomia entre arte e ciência. Em verdade, só recentemente começam tais assuntos a moti- var os nossos pesquisadores e suscitar o interesse do público. A exis- 4 INTRODUÇÃO t

Upload: lyanh

Post on 11-Nov-2018

220 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

BIBlIOTECONOMIA COMPARADAUMA REVISAo CRfTlCA

ANTONIO MIRANDA

Chefe do Departamento de Ensino lt PesquisaCNPq/IBICT Presidente da FIO/ClA(1981 -1984)

O que diferencia, na sua essência, a bibJiotecoIlornia brasileirada que se teoriza ou é praticada em outras latitudes? Existe - real.mente -, uma biblioteconomia brasileira ou seria mais correto deno­miná-la "biblioteconomia no Brasil"?

Nlio abundam, entre nós, estudos heurísticos ou filosóficos so­bre as características e os fundamentos de nossa profissão, tal comoela se desenvolveu no Brasil. A explicação dessa quase absoluta au­sência de estudos interpretativos e avaliativos talvez seja a de que osprofissionais bibliotecários estão mais voltados para as tarefas or­dinárias e pouco interessados nas razões e explicações dos fenôme­nos. Estariam mais devotados à aprendizagem do "como fazer" doque ao "porquê" das técnicas e metodologias que aprenderam. Asorigens dessa aparente apatia pelas causas e hipóteses, razões e teo­rias, poderiam ser encontradas também no próprio ensino ministra­do nas escolas (que se limita à transmissão de "técnicas e normasprocessualísticas e de mecânicas operacionais" sem questionamen­to) e na "tradiçlio" que esse ensino imediatista criou. isto é. a falsadicotomia entre arte e ciência.

Em verdade, só recentemente começam tais assuntos a moti­var os nossos pesquisadores e suscitar o interesse do público. A exis-

4

INTRODUÇÃO

t

tencia de cursos de pós·sraduaçlo nu Ú'ea ele Biblioteconomia eCiancia da Informaçlo vem promovendo estudos mais avaliativose críticos, embora muitas dessas teses produzidas ainda se restrin·jam ao nível descritivo, desde uma perspectiva meramente estatís·tica, fechada em si mesma.

Verdadeiras pesquisas, com a formulaçlo e comprovaçlo dehipóteses e teorias, com demonstraçlo ou refutaçlo de axiomu.diasnosticando situaçOes e descobrindo caulU e explicando os seusefeitos, nlo slo freqUentes e surgirlo apenu quando tivermos ver·dadeiru equipes interdisciplinares devotadas à pesquisa. ou quandoa investigaçlo individual atingir o nível de doutorado.

Sem dl1vida, vários autores recentes vem questionando as basesde nossa profisslo à luz de nossa própria realidade histórica e social.O Professor Antonio Agenor Briquet de Lemos pesquisa os funda·mentos sociais de biblioteconomia no Brasil, tal como ela se desen·volveu entre nós, e o Prêmio MEC de Biblioteconomia e Documenta·910 de 1978 coube ao Professor Edson Nery da Fonseca pela suaobra "A Biblioteconomia Brasileira no Contexto Mundial".

A Biblioteconomia Comparada ingressa no País pelas suas ver·tentes mais conhecidas: pelos estudos históricos (o livro do Prof.Nery da Fonseca (12) é o melhor exemplo) e pelas análises de dadosde um conjunto de bibliotecas, na tentativa de extrair as suas carac­terísticas comuns e diferenciais (a tese de Milton A. Nocetti (21) éum exemplo típico).

Caberia, a estas alturas, indagar se tais estudos se circunscre­vem ou não nos limites naturais do que se convenciQnou chamar,mtomAeiooll1monto, do "bibUottoOnomill OomPUllàll", 01 IlUtOrtloitlldol (Ntl')' di PonMell (I NootUI), 1m nlnbum momtnto Mpro­pUllrlm ArtllllllÇlo do 'Itudol oompulldol, 01 rtlultlldol, pon1m• mál pllu ooooluIl'Jt1 I qUI oDtlUIm do qUI ptlo tndtodo qUItmprtprlm - Morllntlm no .nUdo Iludido, qull Mljll, ô dt mtor·prttu I nOl.. blbUotloonomllll oUllotlrll4-11llm I\IllldtnUdlldt IX­olul1va.

Sm OUUOl lltudol fortemente, oomPUlltivoS Zandooade (26)F.mandes (10) onde o mdtodo foi 1I"lido mais de perto, os rotul·tldoa do ele natureza mais descritiva do que avaltativos, no relativol interpretaçlo intercuitura! das realidades nacionais, embora te·nham o mlfrito do pioneirismo.

94

Não existe um consenso, a nível internacional, quanto ao queé e o que não é um estudo comparado, assim como são discordantesas definições de diferentes autores quanto às funções e objetivos daBiblioteconomia Comparada.

Divergências à parte, o ensino de Biblioteconomia ComparadainiCIou-se no Brasil através dos cursos de mestrado da UFMG, daUnB e da PUC/Campinas e alguma literatura especializada começaa ser produzida e consumida.

O presente ensaio pretende levantar as principais questõesquanto às definições, amplitude e utilidade da Biblioteconomia Com­parada assim como suscitar a discussão sobre a função que ela podedesempenhar no processo de.planejamento e administração de biblio­tecas e sistemas de informação em geral e no processo decisório deimportação de tecnologia informacional em particular.

OS ESTUDOS COMPARADOSE A BIBLlOTECONOMIA COMPARADA

São freqüentes, desde o século passado, os estudos compara­dos em outras áreas do conhecimento (Anatomia Comparada, Direi.to Comparado, Sociologia Comparada, etc.), embora os seus funda­mentos sejam bem mais antigos, sobretudo nas disciplinas históricas,onde as origens remontam à era greco-Iatina.

Uma metodologia científica, no entanto, somente se desenvol­ve nos últimos duzentos anos, e só mais recentemente se cristalizamas denominadas disciplinas comparadas com o rigor metodológicopróprio.

Poder-se-ia afirmar, um tanto arbitrariamente, que a compara­ção está na base de todo processo crítico e interpretativo mas quesomente a existência de um método diferenciaria um trabalho me­ramente "comparativo" de outro especificamente "comparado".No primeiro caso ("comparativo"), com conotações objetivas, secaracterizariam os estudos menos sistemáticos, mais de naturezaespeculativa e intuitiva. No segundo caso ("comparado"), em senotido substantivo, entrariam os estudos onde são aplicadas as técni­cas de justaposição/interpretação intercultural de dados. Na prá­tica, não é o método que garante (embora possibilite) o resultado de

95

1

I11

,III!,I

1'1'

II!I',II

1'1I'

III'I!I:III, I

II,i:1

'"i,l::1:

"

I""

'""I"I,"'Ii

II':

II

III

I

I

uma pesquisa, haja vista os exemplos dos trabalhos de Nery da Fon­seca e Nocetti.

S.:ja como for, é a formulação do método que vem caracteri­zando as diferentes disciplinas.

De tal maneira assim é . como discutiremos mais adiante -, quealguns autores se perguntam se não seria mais correto chamar "Méto­do comparado de biblioteconomia" em vez de biblioteconomia com­parada" como se pretende.

A Biblioteconomia Comparada, no tocante aos métodos depesquisa, tem muito a dever às demais disciplinas comparadas, masprincipalmente à Educação Comparada, razão por que discutiremosesta última mais detalhadamente, a seguir.

EDUCAÇÃO COMPARADA E AS ORIGENS E RAZÕES DA BI­BLlOTECONOMIA COMPARADA

Desde os pioneiros Matheus Arnold (Inglaterra) e Horace Mann(EUA), no final da primeira metade do século passado, até os maisrecentes especialistas, subsistem duas aobrdagens básicas na Educa­ção Comparada, que podem ser aplicadas à Biblioteconomia Compa­rada.

A primeira, seria uma "abordagem filosófica", na tentativa deentender a Educação (leia.se, alternativamente, Biblioteca) como umprocesso dirigido, em qualquer lugar, em todos os tempos, pelos mes­mos princípios universais.

A segunda, seria a "abordagem empírica ou científica", na ten­tativa de observar como o processo da Educação funciona na prática.

As duas abordagens são, em verdade, válidas conforme os pro­pósitos do estudo em questão e podem funcionar até de forma com·plementar, embora os adeptos da primeira nem sempre se ajustem àdisciplina da segunda, e vice-versa.

Conseqüentemente, os estudos comparados parecem não es·capar ao conflito maniqueísta entre a corrente de pensamento "ra­cionalista/universalista" e a do "particularismo" de sistemas ou fe­nômenos isolados no tempo e no espaço.

Da mesma forma que a explosão da educação nos estados na­cionais provocou o desenvolvimento lógico de estudos comparadosdos diferentes sistemas educacionais, a explosão da informação, com

96

a mesma variedade de soluções técnicas e teóricas das unidades decontrole e disseminação da informação, deu lugar à necessidade dosestudos comparados na área de biblioteconomia.

Modernamente, administradores, legisladores e profissionaisem geral, estudam não somente a sua própria experiência mas tam­bém (possíveis) fatores comuns e gerais de outros países que possamfacilitar o entendimento de sua própria realidade.

No caso específico dos países subdesenvolvidos (em geral ex­-colônias e ainda dependentes de centros gravitacionais-cuIturais forade suas fronteiras), os estudos comparados (na Educação em parti­cular e, mais recentemente, na BiblioteconOmia) são promovidospara favorecer o ecletismo e evitar o excessivo apego ao "sistemaherdado" ou "importado", não apenas pelo eufemismo maior dodesejo de "independência cultural" (pela falta de uma autên ticatradição local), mas sobretudo pelo desejo de superar as implica­ções econômicas que tal dependência suscita.

As razões do desenvolvimento da Educação Comparada pri­meiro, e da Biblioteconomia-Comparada na atualidade, além daidéia do ecletismo e da definição de um produto nacionalista e an­ti·imperialista, perseguem outros objetivos. Entre eles, o de desen­volver uma "compreensão internacional" em vista das pressões ten­dentes à internacionalização, provocadas pelo extraordinário avançodas comunicações, aproximando os povos e as nações, conforme osideiais da "aldeia global" preconizados por McLuhan. Pretende-seevitar o "unilateralismo", o nacionalismo xenófobo, o paroquialis­mo cultural exacerbado. Parte-se da premissa de que o internacio­nalismo facilita o conhecimento e a compreensão de outros povos esistemas, para evitar preconceitos e simpatias extremadas e para ga­rantir ao processo decisório de importação de tecnologia uma basemais científica e menos subjetiva ou alienadora das realidades emestudo.

A margem da liberdade para a realização de tais estudos éestreita. Os estudos comparados requerem uma COoperação inter­Dacional considerável na seleção dos temas em estudo, na coletados dados e na interpretação dos mesmos, assim como na avaliaçãodos resultados. Não podemos esquecer a fatalidade da concorrén­cia no plano internacional, o que torna difícil a interdependênciadas partes, apesar dos apelos dos internacionalistas ferrenhos.

97

, mndo dos melhores estudos comparados, realizados na área,(;ão, não está apenas a preocupação acadêmica e epis-

< a, mas sobretudo, a necessidade de estabelecer compara­c'"~ resultados dos sistemas de educação e de como lograram

'e wrminados resultados. No caso da Biblioteconomia Com­t:i seria a causa fundamental, qual seja a de determinar as.ks e diferenças dos sistemas com os quais interagimos,

'"" de decidir sabiamente nas ações da importação de tec­J" 'u'''' Li implantação de novos serviços, etc., como para evitar

!"speidício, a dependência, a repetição de erros já superados13titudes.

. .; ,;studos comparados possibilitam ao pesq~isador - e daí o,,;Uéf "teleológico -'a ."antevisão" de sistemas em planejamento,nálise de similàres bem sucedidos ou fracassados. Não sendo

.I, tldcio estéril de "futurologia", um estudo comparado pode>,' ao planejador uma visão de como deve funcionar o seu sistemagraças à interpretação de um ou mais similares, quando for o caso.

Tais estudos começam a ser uma exigência dos governos nasjustificativas na hora da implantação de um novo serviço ou de im­portação de experiência estrangeira, o que bem atesta o prestígioque a pesquisa científica vem ganhando na área do planejamentoe da administração de recursos.

Uma última razão do desenvolvimento da Educação Compa­rada. baseia-se no conceito fIlosófico e sociológico da origem român­tica.. na linha de Herden ou de Humboldt, que apregoa que cadacultura e cada nação, independentemente de seu estágio de desen­volvimento, é digna de estudo. Estudar a biblioteconomia do Pa­raguai pode resultar tão válido e útil quanto pesquisar e interpre­tar sistemas sofisticados e desenvolvidos, pois pode levar-nos a desco­bertas surpreendentes, Esse ideal da democratização e igualitarismono pensamento contribui para os estudos comparados, como veremos

mais adiante.A conseqüência de todo esse processo de levantamento/aná­

lise no planejamento/administração de sistemas educacionais pareceser a aceitação de uma sistematização uniforme e uma centralizaçãoda administração da educação a nível nacional, No caso dos siste­mas de informação - que estão menos estruturados, no Brasil, doque os de educação - a sistematização é ainda precária e a centrali­zação inexistente, mesmo a nível de coordenação.

98

Como, entro, atingir o objetivo supremo, qual seja o de aper.feiçoar a pmtica da biblioteconomia atrav's do aperfeiçoamento do.studo aiobal da própria biblioteconomia brasileira?

Sem dl1vida aIauma, as reforma na Educaçro em vários paísesse devem às análises internas, mas tamMm pelos estudos das conquis­tas de outras nações. O desenvolvimento da biblioteconomia brasilei­ra ou do Brasil • conforme o Ansulo -, vai depender mais de estudosinterculturais do que pura e simplesmente da emulação cega de mo­delos estrangeiros ou de análises situacionais fechadas e intranscen.dentes.

Os resultados desses estudos podem ser quantificados, e ascomparações interculturais podem facilitar a tarefa de distJnauir oque " universal e de permanente import4ncia daquilo que , ocasio­nal e circunstancial. Tal comparaçro nlo pode ser meramente quan­titativa, mas, sobretudo, qualitativa, o que implica em uma escala devalores complexa, compreendida no enfoque intercultural, comoserá discutido oportunamente.

Uma abordagem comparada, conforme a experi6ncia da Edu·caçlo Comparada, compreende quatro elementos básicos: a descri·910 do fenômeno em estudo, a sua explicaçlo, a previslo de um~3tema pelo conhecimento de seu(s) similar(es) e a apUcaçlo dosresultados da pesquisa no aperfeiçoamento do sistema em estudo.Aqui, chegamos às bases pragmáticas e utilitárias do método no pIa­nejamento e na administração.

Estudos comparados, no entanto, exigem requisitos de quempesquisa e certas características mínimas no fenômeno a ser pesqui­sado, sob pena de se chegar a resultados insatisfatórios. Os problemasde método ainda nfo estão plenamente equacionados,.nem na Edu­cação Comparada, muito menos na Biblioteconomia Comparada, quesegue os seus passos.

Seja como for, uma aproximação é melhor do que a não-reali.Z&Çlo, se queremos evitar o atualmente longo e tortuoso caminho doprogresso por "tentativa e erro"...

Conforme assinalam Sadler & Kandel com meridiana sapiência,"se compreendermos o esforço de interpretação do funcionamentode sistemas de educação (leia-se, igualmente, "de informação") es­trangeiros, tomar-nos-emos mais capazes para penetrar no espíritoe tradição do nosso próprio sistema nacional, tomar-nos-emos mais

99

sensíveis e conseqüentemente mais críticos de nouos objetlvos eideais." Em outras palavras, poderemos aquilatar e precisar a pOli­çlo de "biblioteconomia braslleira no contexto mundial", comopreconiza Edson Nery da Fonseca.

DAS DEFINIÇOES E DAS QUESTOESDO INTERNACIONALISMO

Um exaustivo estudo comparativo das diferentes definições deBiblioteconomia Comparada foi empreendido por J. Periam Danton(8), na obra "The Oirnension of Comparative ubrarlanahip".

Em língua portuguesa, a primeira síntese de definiçl5es foi feitapor André de Figueiredo (11), com anteced!ncia ao trabalho de J.Periam Oanton.

O especialista norte-americano coletou, em ordem cronol6­gica, todas as defmições publicadas desde 1954, quando o termo"biblioteconomia comparada" foi cunhado por Chase Oane, até1972 (ano em que concluía a revislo de literatura), passando porLouis Shores, Anthony Thompson, Oorothy Anderson, SylviaSirnsova, O.J. Foskett, William Vernon Jakson e Lester Asheim,entre outros.

Em verdade, J. Periam Oanton compilou e classificou as de­finições no afII de determinar a sua terminologia e a amplitude daprópria Biblioteconomia Comparada. Tal estudo o levou a duasaparentes distorções: primeiro, ao dar um enfoque enfaticamenteacadêmico à disciplina e, em segund~ lugar, ao ressaltar o aspectonecessariamente internacional da Biblioteconomia Comparada.

Segundo a compilação de Oanton, a Biblioteconomia Com-parada seria:

a "análise de bibliotecas, sistemas de biblioteCtls, algunsaspectos da biblioteconomia, ou problemas bibliot«d­rios em dois ou mais ambientes nacionais, cu1tumis esociais, nOs termos de seus contextos a6cio-polfticos,econ6micos, cultumis, ideológicos e históricos, cujaanálise visa entender as simi1luidades e as diferenças,com o propósito principal de propor generalizllçõese princípios válidos':

100

<C"lInfere·se, da defmição proposta por Danton (defmição que re.

sultou na síntese das defmições de outros autores por ele escruti.nados), que a Biblioteconornia Comparada é basicamente inter. i

nacional, e que ela, deixando de ser provinciana e tímida, poderiachegar a generalizações mais válidas que possibilitassem o surgi>­mento de leis e princípios necessários ao desenvolvimento de umàverdadeira "mosofia de Biblioteconornia".

Danton arrematou a sua defmição colocando em evidéncià "l-

a necessidade de a nova stlbdisciplina basear-se em dados e do.cumentos, mediante o uso de métodos comparativos e sempre numabase "cross-societal", vale dizer, entre duas sociedades diferentes.D.J. Foskett - que fora muito criticado por Danton - aparece em li­vro posterior defendendo-se com fma ironia, aclarando que tais di­ferenciações "não devem ser tão diametralmente opostas como pa­ra tornar a comparação impossível e nem tão semelhante como pa­ra que a comparação seja inútil"...

O livro de Danton, embora seja até agora o mais extraordiná­rio intento de síntese, foi considerado por muitos como devastadore, infelizmente, chegou a algumas conclusões contraditórias e de di­fícil sustentação. Uma delas parece ter sido a incapacidade de Dan.ton de isolar plenamente a "Biblioteconomia Comparada" do quese convenciona identificar como "Biblioteconomia Internacional"pois o autor insiste na tecla de que a comparação só será válida quan.do exercitada sobre duas sociedades diferentes (embora admitindopudesse ela ser feita, por exemplo, entre as comunicades de línguafrancesa e inglesa do Canadá). Praticamente, ele não reconhece apossibilidade de uma comparação de técnicas em diferentes institui.ções dentro de um mesmo país como parte da Biblioteconornia Com­parada, embora esse tipo de comparação seja prática normal em ou­tras disciplinas comparadas da área das demais ciéncias.

O livro de Danton continua sendo fundamentaI para quem pre­tende iniciar-se nesse novo campo. Porém, uma reação aos seuspontos de vista não poderia deixar de surgir do outro lado do Atlân.tico. Os "criticados" por Oanton reúnem-se agora em antologia pre.faciada por D.J. Foskett, que teve a lisura de incluir o próprio Dan­ton entre os autores escolhidos, aliás, com justiça. Trata-se do Rea­der in Comparative Librarianship, organizado e prefaciado por Fos.kett (13).

101

Um dos propósitos do livro é "identificar os aspectos objetivose as características da Biblioteconomia Comparada justamente paradistinguir esta da variedade internacional de estudo", precisamentepara mostrar que "estudos comparados não são necessariamente· emverdade freqüentemente eles não são . comparativos". Pretendetambém demonstrar que, sendo o propósito de formular compara­ções chegar-se a conclusões sobre a natureza e o curso de eventos,os estudos comparativos são básicos para a prática da Bibliotecono­mia nos seus aspectos técnicos assim como também nos seus aspec­tos sociais e administrativos.

Em síntese, segundo Foskett, a Biblioteconomia Comparadaé "aquele ramo da Biblioteconomia e da Ciência da Informação e doqual um número de sistemas - sua estrutura, funções e técnicas ­é examinado com o propósito de colocar tais aspectos dentro deum marco de referência aplicável para todos eles; o estudo do pa­pel que cada um desses aspectos desempenha no desenvolvimentodo sistema, para julgar sua significação em relação tanto com os ou­tros aspectos do mesmo sistema como com outros sistemas; tendocomo objetivo avaliar as causas e os efeitos e, a partir daí, formularhipóteses - quando apropriadas - como o melhor dos meios parao desenvolvimento posterior de um ou mais sistemas.

A novidade da defmição proposta por Foskett é não colocaro aspecto. internacional como conditio sine qua non, advogandopor um objetivo prático sem o qual torna-se um estéril exercícioacadêmico, como o praticado por alguns cultores da bibliometria.Foskett não faz referência à interdisciplinaridade da Bibliotecono­mia Comparada, mas ele mesmo reconhece que uma disciplina cien­tífica, baseada na metodologia sistemática, dificilmente pode seraprisionada numa defrnição global.

Uma terceira obra surge mais recentemente (1977), onde ostermos "comparado" e "internacional" são analogados: "Compa­rative & International Library Science", compilada por John l<.Harvey (14). A Babel restaurada. Não existe ainda - apesar do es­forço coordenador do editor do livro - um denominador comumentre os especialistas na questão das defmições.

O fato de o pesquisador ser um consultor internacional daUNESCO credita-o para que seu relatório seja enquadrado na cate­goria de internacional se o tema é um determinado país (por exem-

102

pIo, O relatório de Mr. Bell sobre a Venezuela)? Em caso positivo,é então a nacionalidade ou a sua condição de consultor que deter­mina o caráter "internacional" de seu relatório? Um estudo doshábitos de leitura da classe média comparados com os da classeoperária pode ser feito no âmbito da Biblioteconomia Comparada?Há quem afirme que sim (Simsova), enquanto outros afirmam quenão (Danton). Uma contribuição à confusão geral?

Danton afirma que a análise das bibliotecas públicas dos dife­rentes cantões da Suíça, devido às influências "externas" em seu uni­verso ideológico e cultural, é um bom exemplo de estudo comparado"intercultural". Outros afIrmam que a comparação deve ser necessa.riamente entre nações e que o que defme é a explicação do porquedas diferenças e similaridades, e não o seu como. Onde começa aBiblioteconomia Comparada e onde termina a Biblioteconomia In.ternacional? Se aceitamos a assertiva de que a Biblioteconomia Com.parada só é possível na base da comparação internacional, então aBiblioteconomia Comparada é uma parte menor da BiblioteconomiaInternacional, justamente aquela parte onde o método comparado éempregado.

O livro organizado por Harvev não traz qualquer alusão a esteaspecto. As dúvidas persistem, mas, felizmente, a utilidade da Biblio­teconomia Comparada parece despontar além destas questiúnculassemânticas e acadêmicas. Trata-se de um instrumento válido paracomparar diferentes sistemas de bibliotecas ou de seus componentes,com vistas a determinar as causas e efeitos de suas diferenças e seme­lhanças, de modo a orientar planejadores e administradores na toma­da de decisões pertinentes ao processo de desenvolvimento de seuspróprios sistemas. Utilidade crucial num mundo como o nosso, on.de as técnicas e os nomes, assim como os serviços bibliotecários,ex­travasam fronteiras e são aceitos sem um julgamento consciente desuas conseqüências.

O leitor encontrará defmições do que é ou pretende ser a Bi.blioteconomia Comparada nos livros de Foskett e Danton. Cabe­ria aqui o exercício lúdico de oferecer a mais atualizada, concisae "pura" defmiçlIo do que seja "Biblioteconomia Internacional".

"Biblioteconomia Internacional consiste em atividades leva­das a cabo entre ou por instituições, organizações governamentaisou não, ou por grupos de indivíduos de duas ou mais nações, parapromover, estabelecer, desenvolver. manter e avaliar serviços biblio-

103

tecários e documentários comuns, assim como a Biblioteconomiae a profissão do bibliotecário em geral, em qualquer lugar do mun­do". Danton considera esta defmição de J. Stephen Parker a mais"thoughtful and analytical", a "melhor até aqui proposta e a melhorcitada até agora". Sem dúvida. Dizemos que caberia o "exercício lú­dico", porque destrinchar as fronteiras entre a "comparada" e a "in­ternacional" é ainda um quebra-cabeças. Se não, vejamos. Se aceita­mos a defmião de Parker do que se entende hodiernamente como"Biblioteconomia Comparada", tal como a louva e propala entusias­ticamente o cervantesco J. Periam Danton, caberia uma pequenadúvida. Ora, se a Biblioteconomia Internacional, segundo a citada de­fmição de Parker, pretende "avaliar", em bases internacionais, osserviços bibliotecários de duas ou mais nações, em que base se efe­tuaria a tal "avaliação"? Com métodos comparados? Se não, entãoa Biblioteconomia Internacional conforma-se com estudos "descri­tivos", sem "base científica", na sua tarefa comparativa? Seja comofor, tudo indica que, de fato, cresceu bastante a literatura sobre Bi­blioteconomia Comparada mas, em contrapartida, os estudos com­parados continuam escassos, raros e insignificantes. Construir umadefmição - como pretendeu Danton ~ a partir de artigos teóricosque expressam mais intenções do que realizações, é um terreno mo­vediço e sediço. Em contraposição, uma defmição a partir da análisee avaliação dos próprios estudos comparados já realizados nos leva­ria a uma defmição operacional e metodológica de maior consistên­cia, tarefa ainda não empreendida. Tanto uma defmição teórica (co­mo a de Danton) quanto outra operacional seriam válidas e até com­plementares conforme os objetivos, sejam acadêmicos, sejam práti­

cos.

ABORDAGENS À PESQUISA

Vários autores já observaram que a Biblioteconomia é excessi­vamente dependente de normas e de regras práticas, razão porquese a considera mais como uma arte do que uma verdadeira ciência.

As tentativas de elevar a biblioteconomia ao nível científicovêm enfrentando difictPdades sobretudo por causa da falta de tra­dição de pesquisa entre profissionais e, também, pelos problemasinerentes às ciências sociais em geral. Estas, ao contrário das ciên-

104

cias puras e exatas, ainda não desenvolveram metodologias plena­mente confiáveis. Existe ainda uma proporção muito considerávelde subjetividade na pesquisa social, ao contrário da margem de ob­servação, experimentação e demonstração que é mais sólida nasciências puras e aplicadas.

A formulação de hipóteses, o processo de experimentação e oestabelecimento de leis e princípios só agora começam a ser tenta­dos e testados na biblioteconomia desde os pioneirismos de Ran­ganathan, Zipf-Bradford, etc. Apesar desse esforço de cientificizaçãoda biblioteconomia e da ciência da informação, com o apelo às ma­temáticas e à cibernética, à teoria de conjunto, de fIla, de sistemas,ainda a nossa profissão se modela e se desenvolve pela camisa deforça dos dogmas e das normas, deixando pouca margem para acriatividade e para uma metodologia "de laboratório". A observân­cia de códigos e processos, de "técnicas" consuetudinárias e de nor­mas ritualísticas é a regra enquanto que a aceitação de leis e princí­pios é ainda excessão.

As chamadas leis e princípios e os métodos estatísticos sãomais apelações de ordem acadêmica do que uma constante na prá­tica bibliotecária. Raramente um bibliotecário apelaria para umateoria da fIla para ordenar a demanda de seus usuários ou valer-se-iada lei de Zipf·Bradford para racionalizar o processo de avaliação dematerial bibliográfico. Mas esse esforço de elevar o nível científiconão é apenas uma perseguição a status mas fundamentalmente deelevação de nível geral da profissão para torná-la mais útil e confiá­vel e - por que não admití-Io? . mais rentável para os seus pratican­tes.

Estudos mais científicos (o que não significa que sejam neces­sariamente sofisticados) podem conduzir-nos à sistematização denossas observações, levando-nos a decisões menos arbitrárias por­quanto baseadas em hipóteses testadas em vez de em opiniões extem­porâneas e preconceituosas. Em outras palavras, devemos sair do clu­be do achismo ("eu acho isso e aquilo") e dar um cunho mais cientí­fico aos nossos métodos de estudo e trabalho, se queremos elevara biblioteconomia ao nível técnico e científico.

Os autores consultados são unânimes em afirmar que a Biblio­teconomia Comparada pode ampliar nossos conhecimentos da pro­

'flSsão, desde que sejamos capazes de desenvolver uma metodologia

105

de comparação eficaz e de reunir e interpretar dados realmenteconfiáveis. Aqui começa o maior dilema da Biblioteconomia Compa­rada.

Em primeiro lugar pela dificuldade para a obtenção de dadosconforme já foi referido anteriormente, devido que as nossas esta­tísticas (não raras vezes) fictícias e ilusórias, inacessíveis para a maio­ria enquanto que uma observação direta nem sempre é possível.

Em segundo lugar, um método próprio a BiblioteconomiaComparada ainda não possui. Ao contfario, várias metodologias vêmsendo propostas, tomadas emprestadas de outras ciências, mais no­tadamente da Educação Comparada.

Conforme salienta André de Figueiredo (11), as comparaçõespodem ser realizadas de diferentes maneiras, de conformidade com oassunto em questão e com os propósitos da pesquisa:

a. pesquisa retrospectiva de um problema específico para de­terminar as causas de um resultado fmal;

b. estudo e avaliação da teoria e prática de outros países;

c. observar e estudar problemas sob o aspecto das influênciassociais-l].istóricas a fun de determinar como surgiram dife­rentes métodos;

d. podemos comparar entre si métodos diferentes sob o pontode vista de sua eficiência em função de uma fmalidade espe­cífica;

e. estudar e comparar todos os tipos de trabalhos publicados;

f. avaliar e interpretar sob o ponto de vista da experiência edo conhecimento individual, histórico, de casos relativos aproblemas nacionais e internacionais.

Pode-se deduzir das observações de Figueiredo, que da defmi­ção do problema em estudo depende a eleição do método mais ade­quado. A escolha de um método errado pode conduzir a resultadosparciais ou insatisfatórios.

ETAPAS DE PESQUISA

Em primeiro lugar, conforme observam Simsova & Mackee(25), está a estapa da percepção, formação e formulação do proble-

106

ma a ser investigado, conforme o ritual clássico da metodologia dapesquisa.

Bm segundo lugar, já tendo isolado do conjunto o fenômenodo problema em estudo, procederá o pesquisador à tarefa da defIni­çio de conceitos e formulação de uma hip6tese de trabalho. Nessaetapa, o problema é dissecado e interpretado e são aventadas as pos­síveis causações e eventuais hipóteses, quando necessárias.

Em terceiro lugar, procede-se à observação, registro e inter­pretação de dados, mediante o que a hipótese é testada e verificadã.Esta seria a fase crucial, pois o pesquisador deverá valer-se de técni­cas auxiliares, entre elas as da justaposição, conforme será explici­tada mais adíante. A propósito, observa Foskett, neste exame in­dividual de duas ou mais situações determinadas no espaço e notempo, deve-se analisar as relações entre as várias partes, suas in­ter-relações. Deve-se, ainda, observar o resultado das diversas aná­lises de cada caso, colocando-as lado a lado, em justaposição, nummodelo conceitual, para facilitar a comparação dos dados e a inter.pretaçlo dos fenômenos.

'Bereday (2) defme a justaposição como uma "combina­ção prellminar de dados de diterentes países, a f"un de prepará.lospara comparação. Tal combinação deve incluir a sistematização dedados de tal forma que possam ser agrupados sob categorias idênti.cas ou comparáveis para cada país estudado".

A justaposição tem' por objetivo arrolar os dados sobre deter­minados países QU situações individualizadas para permitir a sua vi.sualização e facultar a busca de um padrão de comparação.

Em quarto e último lugar, procede-se à generalização basea­.da nos resultados alcançados (formulação de teorias) e ao relacio.namento destes resultados com uma realidade determinada. A cul.minaçlo do processo seria. a explicação dos fenômenos pela deter­minação de suas causas e efeitos. Por este método, pode-se chegar• predição de resultados e planejar a ação no futuro, constituindo­-se em instrumento auxiliar da administração das bibliotecas e sisotemas de informação. Conforme salientam vários autores, a pes~quisa conduz ao conhecimento não só do que as coisas são, maspor que são de tal maneira, e o que determinou que elas fossemassim e para que.

107

Sumariando todo o processo, Burnett (4) enfIleira as etapasda seguinte maneira:

a. escolha e deftnição do tópico a ser comparado;

b. estabelecimento e mostra da evidência;

c. interpretação da evidência;

d. justaposição para revelar elementos semelhantes e diferen­ciais, e

e. avaliação e conclusão.

Fica evidente, pelo exposto, que a metodologia geral nãodifere das pesquisas em outras ciências sociais e, mais precisamente,da Educação Comparada.

PROPOSIÇOES METODOLÓGICAS

Como ftcou explicitado nas seções anteriores, a Biblioteco­nomia Comparada ainda não desenvolveu um conjunto de técnicaspróprias, valendo-se de procedimentos metodológicos de outrasdisciplinas no campo das ciências sociais.

PROPOSIÇÃO DE BURNETI

A proposta de Bumett (4) é eclética e tem origem em meto­dologias diversas, dando muita ênfase aos fatores positivos e nega­tivos no processo da pesquisa.

Em primeiro lugar, destaca as características de personalidadedo pesquisador, analisando os problemas da motivação, da proprie­dade e conveniência do lugar da pesquisa e do momento em que es­ta se realiza.

No caso brasileiro, ftca evidente que as condições ambien­tais para a pesquisa não são muito favoráveis e que um estudoenvolvendo viagens ao Exterior exigirá um suporte económicodifícil de ser assegurado, por falta não apenas de recursos mas doreconhecimento da necessidade de pesquisa dessa natureza. Ou­tros fatores inibidores seriam a literatura escassa; a necessária vi­vência do pesquisador no Exterior, anterior à pesquisa; as barreiraspolíticas e culturais que diftcultam não só os contatos mas o enten-

108

dimento; as crises internas dos países; o desinteresse pelos proble­mas de países menos desenvolvidos e a falta de criatividade do bi.bliotecário.

Temos que considerar também os fatores distorcidos, como osda omisslo de dados ou de juízos, seja por cortesia seja por insuft­ciência da evidência. Afmal, quando o pesquisador escreve o seu re­latório conclusivo, tende a suavizar as críticas, em consideração àatenção recebida do País visitado. Por outro lado, Burnett eviden­cia o problema (Provável) da incompetência do observador, seja porfalta de conhecimentos técnicos e proftssionais, seja pela falta deexperiência de vida proftssional compatível com a pesquisa seja pelafalta de objetividade no estudo ou pelo exercício de preconceitos ge­neralizados (tanto quanto ao seu próprio ambiente o que distorce asevidências envolvidas).

Na descriçfo de seu método, Burnett se estende sobre osproblemas da evidência, chamando a atençfo para uma provávelinadeqUaçfo de dados devido à existência de estatísticas parciais dosserviços, nfo raras vezes falsas, com excesso de detalhes, com ele­mentos imprecisos e confusos, com enfoques interpretativos muitolocais, portanto difíceis de serem entendidos e generalizados. Taisproblemas nos levam ao conflito maior dos estudos comparados:como mensurar e avaliar dados que não são, por sua natureza, men­suráveis e como comparar e confrontar dados que envolvem valores eatitudes diferenciados?

Problemas do ~todo

Os fatores e diftculdades na seleçfo e abordagem do tópicoa ser estudado é analisado por Burnett e as considerações que elefaz slo comuns à pesquisa em geral. Enfatiza a necessidade de queo tópico seja isolado e defmido com precisão, para evitar ambi­güidades, o que envolve também a necessidade de decidir sobre aimplitude da comparação, pois quanto maior for o número devariáveis, mais complexa e difusa a interpretação do fenômeno.Chama também a atençã'o para a importância relativa dos elemen­tos considerados e seus relacionamentos e da necessária qualiftca­çio do pesquisador na escolha do tópico para garantir conclusõesabalisadas e imparciais. Os problemas da escolha do tópico envolvemtambém o processo de estabelecimento e mostra da evidência. Bur­nett acredita que tais problemas, muitas vezes, sã'o mecânicos e iD-

109

dependell1 do pesquisador, e cita o exemplo de que os astrônomos.,recisam de telescópio mas a sua compra e instalação não faz parte,1a astnhlornía. Da mesma maneira, pode-se deduzir que o manejodas variáveis e de dados eventualmente implicariam no uso de com­putadores cuja existéncia independe de qualquer método.

A construção do modelo

A realização da pesquisa implica, necessariamente, a constru­ção de um modelo metodológico. Tal modelo consiste na determi­nação das classes genéricas envolvidas e na separação das classesespecíficas, para facilitar, na fase da justaposição e interpretaçãodas evidénciais, o estabelecimento das inter-relações e dependén­cias. Não desce a maiores detalhes que explicitem, com absolutasegurança o processo de defmições das categorias genéricas e espe­cíficas. No entanto, chama a atenção para determinados perigos naelaboração do modelo, ,como sejam o de querer ajustar a realidadeà nossa visão, o de correlacionar teorias com fatos ou o de corrigiros fatos através das teorias.

Na elaboração de um modelo, Burnett se refere à possibilidadede modelos simples ou unitários e aos modelos múltiplos, ainda nãoplenamente desenvolvidos, que permitem a implicação e interpreta­ção de um número maior de dados e de variáveis, ao mesmo tempo,de um mesmo fenômeno.

A etapa da justaposição é considerada como um processomecânico no qual são colocados, lado a lado, para facilitar a com­paração, as identidades envolvidas no fenÔmeno em duas ou maisrealidades. A concepção do modelo de justaposição surge da pró­pria interpretação da evidéncia, sendo que os elementos a seremisolados e colocados lado a lado dependerão da própria hipóteseem discussão.

A etapa mais difícil é a da avaliação, ou da interpretaçãocrítica. Existe sempre o perigo de se tentar explicar em vez de enatender. Não basta apenas defmir o campo de estudo, selecionara evidência relevante, dissecá-la e compará-la. O mais importanteé estimar o seu valor. Para Burnett, avaliar é medir a eficiência,que é entendida como "a função de sucesso dos meios usadospara alcançar um determinado fim ou objetivo". De fato, se se­guirmos a orientação de Foskett de que a pesquisa visa a inter-

110

pretaçlo e a eventual emulação de processos e métodos para im.pulsionar o desenvolvimento da administração de recursos, é aavalíaçlo dos resultados o objetivo fundamental. Trata-se de bus­car os elementos suscetíveis de quantificação, mediante a eleiçãode critérios de avaliaçllo que garantem um máximo de objetividadee um mínimo de julgamentos culturais e subjetivos. Essa avaliaçãoinclui nllo apenas o julgamento da eficiéncia dos meios mas tam­bém da efetividade do sistema para medir o sucesso dos fins alcan.çados. Considera-se, no entanto, a otimização tática do' objetivo,isto é, o atingimento das metas como apenas um meio e não umfun em si mesmo, para evitar uma possível supervalorização. Tor­na·se evidente que, no processo de avaliação

to pesquisador deverá

observar e isolar os objetivos do(s) sistema(s) estudado(s), sua ava­liação e determinar e julgar os meios empregados para atingí-Ios.

Caberá ainda separar os chamados "propósitos estabeleci­dos" - que se constituem mais em intenções do que em objetivosmensuráveis - dos intitulados "propósitos reais" que consubstan­ciam as metas estabelecidas pelas necessidades concretas e tangí.veis, em cuja análise as causas atuais e reais são detectadas e diag­nosticadas de acordo com cada situação em particular.

Problematicamente, a abordagem de valores requer indepen­dência ideológica do pesquisador, um espírito de objetividade acura­do e uma perspectiva ftlosófica e conceitual para inferir e extrairleis, princípios ou simples generalizações com a isenção e a ampliotude requeridas.

Burnett conclui chamando a atencão para possíveis dificul­dades na apreciação de valores que determinam objetivos que diver­gem de país para país; quando se deve levantá·los conforme a suaimportância e debaté-Ios, plena e claramente, livre de preconceitosculturais, sociais, políticos ou religiosos. Por outro lado, quandoos objetivos entrarem, eventualmente, em conflito com as necessi­dades, ou quando os objetivos se tomarem inviáveis com os recur­sos disponíveis, ou ainda quando os objetivos forem incoerentescom a prática profissional internacional, então faz·se necessário re­ver atitudes e objetivos como um todo.

Pelo exposto, o método proposto por Burnett tem mais umafeição conceitual do que operacional, mas é válido na abordagemgeral da problemática e na elucidação ou superação de dificuldades

111

Nfo bastará, para os efeitos da análise, a identificaçlio desses"isolados" pois se faz neceSSário na etapa seguinte, estabelecer osieladonament08 existemes entre os isolados identificados no fenô­meno em estudo. equando Simsova apela para as teorias de Farra­dane, na área de classificaçã'o, no uso de operadores.

PAfS2- URSS

113

_ ... ESTADO

Os operadores de Farradane

Originalmente propostos para facilitar a compreendo das inte­caçl'és entre unidades no sistema de classificação, na mesma linhada concepçã'o "facetada", da classificação, os "operadores" de Far­radane (9) do propostos por Simsova para sirnl'lificar o estudo dasrelações entre "isolados".

Os principais ooeradores de Farradane do os seguintes:

I: Depend&1cia funcional1- ReaçãoI; AssociaçãoI ( PertinênciaI" Cooperaç!o ou ConcordânciaI.. Equivalência

Aplicando os supracitados operadores ao "problema do controledo dano do catálogo pelos cupins" descobrem.se as seguintes inter­-relações:

CATÁLOGO I - DANO I. CUPIM I - DESTRUIÇÃO I:PESTICIDA I; CATALOGADOR

Indo mais longe na aplicaçã'o do método exposto de análise,ela disseca o problema das inter-relações "autor-editor-livreiro-biblio.teca-governo local e Estado" na Grã-Bretanha e na União Soviética.

ESTADO -.. GOVERNo

-'"""",""-AUTOR mBU~A~ 'WcAL

'In>n~'/" :R~\-TAJ>IRO oe .. EDITOR EDITOR LNREIRO

!Ptoblema: O relacionamento entre o autor e a biblioteca pública na" Grã-Bretanha e na Uniã'o Soviética.

PROPOSIÇÕES DE SIMSOVA

A tecnologia proposta por Sylvia Simsova (4) é mais com·plexa e sofisticada, com apelações à teoria de sistemas, à ecologia,à antropologia e a educação comparada. Ao contrário de Burnett,que enfoca o método de forma clássica dentro dos procedimentoslógicos da investigação científica tradicional, ela pretende desen·volver um instrumental mais preciso. Primeiramente, explicando ométodo da macro.sociologia baseada na generalização, por um pro­cesso indutivo. Salienta, no entanto, que uma generalização nãopoderá limitar·se a um único dado mas à manipulação de dadosadicionais. Completa essa panorâmica citando a teoria de Foskettdos níveis integrados, que reza que tudo parte do mais simpleschegando ao mais complexo pela acumulação de propriedades. in­versamente, todo fenômeno complexo pode ser decomposto em seuselementos mínimos para facilitar a identificação dos diferentes ele·mentos em jogo e suas inter-relações, tal como se entende na mo·4erna engenharia de sistemas. Esse processo de análise de dados com­plexos através da sua decomposiçlio em unidades simples nada maisé do que a ...gunda lei do método de Descartes, revivida por Berta·lanffy (3) e adaptada por Foskett (13).

O ambiente da pesquisa

Nas suas considerações metodológicas, Simsova ressalta queos fatos sociais são de natureza complexa e múltipla, conseqüente­mente de difícil mensuraçlio, o que obriga o pesquisador a uma aná·lise do ambiente em que o fenômeno se desenvolveu. O ambientecompreende não tão somente o próprio contexto imediato (porexemplo: a biblioteca), como o marco maior, seja o institucional, oucomo o social·geográfico quando intluenciador de suas característi­cas.

Simsova cita um exemplo muito interessante mas nlio de todoelucidativo: "O PROBLEMA DO CONTROLE DO DANO DO CA·TÁLOGO POR CUPINS". A análise do fenômeno implica a identifi­cação do que ela, apelando para uma teoria de Farradane (9), cha­ma de isolados (6): CUPINS, CATALOGADOR, CATÁLOGO, PES­TICIDA (ENTIDADES) e DANO e DESTRUIÇÃO (ATNIDADES).

112

inerentes às diversas etapas da pesquisa graças aos diversos chama­"lentos que faz ao bom senso, à lisura, à isenção e à objetividade.

Graças ao uso dos operadores, ficou visualizada e simplificada;; identificação de todas as variáveis envolvidas. Fica para o leitor atarefa lucida de verificar as semelhanças e diferenças entre os doissistemas em estudo (o britânico e o soviético) e de extrair as expli­cações das variáveis identificadas, por exemplo, porque existe ummais estreito relacionamento "autor - estado" na URSS do que naInglaterra, etc., etc.).

Sem dúvida, pelo exposto, verifica-se que resulta mais claro,para os efeitos da análise, o uso dos operadores que possibilitammostrar as relações entre as variáveis, assim como para ordenara complexidade das relações entre as unidades. O método tanto fa·cilita a análise per se dos fenômenos quanto o processo de justapo·sição e de interpretação. No entanto, a criação do esquema (préviaseleção dos "isolados") quanto à determinação dos "operadores" éuma tarefa onde o subjetivismo nem sempre é superado, podendolevar a distorções ou a conclusões ambíguas, o que não invalida ométodo.

CONCLUSOE~

Só recentemente intensificam-se os estudos e o ensino daBiblioteconornia Comparada, a nível internacional. Tais estudosse fazem necessários na medida em que uns. países aspiram a de­senvolver os seus sistemas bibliotecários a partir da emulação deprogramas coroados de êxito em outras latitudes, possibilitandoque esta transferência de experiência se faça em bases mais cien·tíficas e menos predatórias para os interesses nacionais. Ao con·trário, estudos comparados facilitarão o processo de planejamen­to, facultando uma "antevisão" do novo sistema proposto peloestudo do modelo já implantado, evitando o processo de "tenta·tiva e erro"

No caso do Brasil, onde a organização de sistemas de infor­mação por áreas de conhecimento começam a cristalizar-se comtecnologia própria, mas também com a ajuda internacional ou bila·teral, faz-se necessário e até urgente desenvolver tecnicas "compa.radas", para facilitar o diálogo com os consultores internacionais epara tomar-se deCIsões mais compatíveis com a dignidade e os inte·resses nacionais.

114

As constantes viagens de brasileiros para cursos de especia­lizaçlo, mestrado e pesquisas de doutorado ou estágios orientados,principalmente nos EUA e na Europa, mas também na própriaAmérica Latina, impõem uma perspectiva sistêmica e comparadapara que os conhecimentos acaso adquiridos lá fora sejam trans­plantados com as diretrizes adequadas, ou para que o profissio­nal se situe nas duas realidades (a do Brasil e a do país que o aco­lheu) e, ao voltar, nlo se aliene e se transforme num "ovni" (ob­jeto voador nlo identificado) lamentando as desgraças tupiniquinse vangloriando as maravilhas de lá...

O ensino da Biblioteconomia Comparada desenvolveu-se prin­cipalmente nas universidades americanas e européias, por seu pró­prio cosmopolitismo, na tentativa de desenvolver um mecanismoque facilitasse a convivência e a troca de experiência com alunosde diferentes países. Por outro lado, nos EUA e na Europa são fre­qüentes os organismos internacionais e a demanda de consultorespara viagens a países subdesenvolvidos ou missões a países de,sen­volvidos, requerendo uma técnica de abordagem a realidades com­plexas que supere o "eu.,acho" e o "eu penso" isso e aquilo. Aindaassim, erros escandaloS6$ são praticados às expensas dessas organi­zações internacionais, onde a "ajuda" resulta pior que sua ausência,em alguns casos.

Se bem seja verdade que muitos viajam (e alguns carregam con­sigo seus preconceitos, o que impossibilita "ver" com. isenção),outros· a maioria - não poderão fazê-lo, nem mesmo quando o dese.jem. O ideal, na realIzação dos estudos comparados, é a ida às fon­tes. Mas, não sendo isto possível, um estudo comparado, à distânciadas duas realidades ampliará o conhecimento dos fenômenos e, senã'o chegar a substituir a experiência direta, será uma aproximação aela.

As metodologias propostas são ainda incipientes, mas podem,com o uso, vir a fazer parte· de forma automática e su.bliminar _daótica do pesquisador. Mais do que ser um instrumento de algibeirapara pesquisadores na hora de expediente, o que pretende a Bibliote­

. conornia Comparilda parece ser, exatamente, uma ampliação de hoti­,; zontes, de mentalidade, de diálogo, de tolerância e de compreensão.

115

7.

BIBLIOGRAFIA

,'vi, L Librarianship in the developing countries, Urbana Univ. ofilllDois pr., 1966.

l>l'!( tOA 't, G.Z.F. Método comparado em educação. Trad. José de SáPorto, São Paulo, Companhia Cultura Nacional, 1972. 345p.

.l BERTALANFFY, L. Teoria geral dos sistemas. Trad. de Francisco M.Guimarães. 2.ed. Petrópolis, Vozes, 1975. 351p.

4. BURNETT, A.D.; GUPTA, R.K. & SIMSOVA, S. Studies in comparativeIibrarianship: three essays presented for de sevensna prize 1971.London. The Library Assoeiation, 1973.

5. COLLINGS, D.G. "Comparative Iibrarianship". ln: ENCICLOP~DIALIBRARY AND INFORMATION SCIENCE, 5:492-502.

ó. DANE, C. The benefits oí comparative librarianship. The AustralianLibrary Journal, 3:89-91, July, 1954.

Comparative librarianship. The Librarian and Book World,43-4, Aug. 1954.

8. DANTON, J.P. The dimensions of comparative librarianship. Chicago,American Library Association, 1973.

9. FARRADANE, J.E.L. A seientific theory oí c1assification and indexingand its practical applications. J. Doe. 6:83-99, 1950.

10. FERNANDES, M.C.D. Library school programmes offered at Master'slevei in the United States, Canada and Brazil; a comparative. study.DalhOllsie (University Can.,) 1978. Dissertação de mestrado.

11. FIGUEIREDO, A. de. Uma introdução à Biblioteconomia Comparada.Revista de Bibliotecários de Brasllia, 1(2):133-40, jul/dez. 1973.

12. FONSECA, E.N. da. A Biblioteconomia brasileira no contexto mundial.Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro. Bra5I1ia, INL, 1979.

13. FOSKETT, D.J., ed. Reader in Comparative Librarianship. London,Microcard Books, 1976.

14. HARVEY, J.F., Ed. Comparative & International Library Science.Metu~hen, N.J., Scarecrow Press, 1977.

15. KOTTEY, S.LA. Some variables of comparison between developed anddeveloping library systems. International Library Review, 9(3): 249,1977.

16. LEMOS, A.A.B. de. The portrait of Iibrarianship in developing countriesas sketched by the foreign observer. Loughborough University ofTechnology (UK), 1977. Dissertação de mestrado.

116

17. MIRANDA, A. Bibliotecas dos cursos de pós-graduação em educação noBrasil: estudo comparado. ln: CONGRESSO BRASILEIRO DEBIBLIOTECONOMIA E DOCUMENTAÇÃO, 9. Porto Alegre, 3-8julho 1977. Anais, p.268-333.

18. . Análise conjuntural das bibliotecas das universidades fede-rais do Nordeste do Brasil. Ciência (UFRN), Natal, 1(I): 25-30 jul/dez. 1978.

19. . "Recensão": /Danton x Foskett I. Rev. Bibliotecono.mia de Brasllia, 6(1):86-9,jan.ljun. 1978.

20. . Recensão: / Biblioteconomia comparada &/ou /X Interna-cional/Rev. Biblioteconomia de Brasl1ia, 6(1): 89-91, jan.jun. 1978.

21. NOCETTI, M.A. Estudo analítico da informação agrícola no Brasil Riode Janeiro, IBICT, 1978. Dissertação de mestrado.

22. RAYWARD, W.B. A Biblioteconomia no velho e novo mundo: algunspontos comuns. Library Trends; artigos selecionados II, 1976/1977,p.5·22.

23. SHORES, L. Comparative Iibrarianship: "a theoretical aproach". lncomparative and international Iibnrianship, ed. by Milles M. Jaclc­sono Westport, Conn., Greewood, 1970. p.3-24.

24. . Why comparative Iibrarianship? Wilson Libnry BuBetin,41 :200-6, oct., 1966.

25. SIMSOVA, S. & MACKEE, M.C. A handbook or comparative Iibrarian.ship. 2.ed., London, Bingley, 1977.

26. ZANDONADE, T. Library and informatiori science education in theUnited KiDadom and BraziL London University, 1977. Dissertaçãode mestrado.

. 117