becker, howard s - metodos de pesquisa em ciencias sociais - corrigido

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  • CINCIAS SOCIAIS Tf'rUI.OS EM CATI,OGO

    Sobre o Modo Capitalista de Pensar, Jos de Souza Martins (4.8 ed.) Colono!! do Vinho, Jos Vicente Tavares dos Sanl.os (2.8 ed.) O Estado e a Burocratizao do Sindicato no Brasil, Helosa Helena Teixeira de

    Souza Martins (2.8 ed.) Expropriao e Violncia, .Jos de Souza Martins (3.8 ed., aumentada) Participao Social dos Excludo., Marialice Mencarini Foracchi A Morte e os Mortos na Sociedade Brasileira, Jos de Souza Martins (org.) Samba Negro, Espoliao Branca, Ana Maria Rodrigues Formao Industrial do Brasil e Outros Estudos, Jos Carlos Pereira Mo-de-Obra e Condies de Trabalho na Indstria Automobilstica Brasileira,

    Jos Srgio R. C. Gonalves O Cativeiro da Terra, Jos de Souza Martins (5.8 cd.) Os 45 Cavaleiros Hngaros, Oliveiros S. Ferreira Antropologia Cultural e Anlise oo. Cultura Subalterna, Luigi I.ombardi Satriani As Lendas da Criao e LJestru;o do Mundo como Fundomentos da Religio

    dos ApapoctlaGuarant, Curt Nimuendaju UDk.el Educao e Fecundidade, Maria lrene Szmrecsnyi As Metamorfose., elo Escravo, Octavio lanr.i (2.a ed.) Com a Palavra o Senhor Presidente Jos Sarney (ou como Entender os Moondros

    oo. /,ir~guagem oo Poder), Celi Regina Jardim Pinto O Antigo Regime e a Reuoluo, Alexis de Tocqueville (3.8 ed.) Caminhada no Cho ela Noite, .Jos de Souza Martins A OrganizaiW Social dos 1'upinomb, Fkrcstan Fernandes (2.8 ed.) Classes e Movimento. Sociais na Amrica Latina, Snia Larangeira (org.) A Refeio das Almas (uma Interpretao Etnolgica do Funeral dos lndios Bororo

    - Mato Grosso), Renate Hrigitte Viertlcr Refazemln a Fbrica /

  • MTODOS DE PESQUISA EM CINCIAS SOCIAIS

  • HOWARD S. BECKER

    MTODOS DE PESQUISA EM CINCIAS SOCIAIS

    TKADUO MARCO ESTEVO RENATO AGUIAR

    REVISO TCNICA MRCIA ARIEIRA

    EDITORA HUCITEC So Paulo, 1993

  • Copyright 1992, by Howard S. Becker. Direitos de publicao em lngua portuguesa, e da presente traduo, reservados pela Editora de Humanismo, Cincia e Tecnologia HUCITEC Ltda., Rua Gil Eanes, 713- 04601-042 So Paulo, Brasil. Telefones: (011)530-9208 e 543-0653. Fac-smile: (011)535-4187.

    ISBN 85.271.0222.6 Foi feito o depsito legal.

  • Apresentao

    A obra de Howard S. Becker j parcialmente conhecida do pblico brasileiro atravs de publicao de alguns artigos e do livro Uma Teoria de Ao Co1etiva (Zahar, 1977). Por outro lado, visitou o Brasil por trs ocasies nos ltimos quinze anos, dando cursos, proferindo conferncias e estabelecendo contatos com a comunidade cientfica nacional. Recentemente, depois de lecionar por muito tempo no Departamento de Sociologia da Northwestern Uniuersity, em Euanston, lllinois, transferiu-se para a Universidade de Washington em Seattle, onde prossegue suas atividade.'l docentes e de pesquisa.

    Sua produo intelectual vasta e variada versando sobre te-mas como educao, desvio, ocupaes, metodologia e sociologia da arte etc. Em todas essas reas contribuiu com originalidade, inovando com dados e reflexes que destacam o seu esprito critico e iconoclasta, embora sempre ucool" como um bom msico de jazz que sempre foi.

    Apesar de manter uma reserva em relao ao que considera excessos teorizantes, preocupao que costuma manifestar por e.'l-crito e em outras manifestaes pblicas, tem sido uma referncia permanente para boa parte dos socilogos e cientistas sociais nor-te-americanos em geral.

    Becker acredita que sua influncia se deve mais ao fato de ter produzido trabalhos que serviram de modelo de pesquisa e de apresentao, do que propriamente a um discurso terico que no valoriza particularmente.

    De qualquer forma, temos aqui graas iniciativa da Hucitec, s

  • 6 APRESENTAO

    a oportunidade de conhecer melhor uma das rrwi.~ importante.

  • Sumrio

    Apresentao, Gilberto Velho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Introduo: Captulo 1: Captulo 2:

    Captulo 3: Captulo 4: Captulo 5: Captulo 6: Captulo 7:

    Mtodos de Pesquisa ................... . Sobre Metodologia ..................... . Problemas de Inferncia e Prova na Observao Participante ................ . Evidncias de Trabalho de Campo ........ . A Histria de Vida e o Mosaico Cientfico .. . Observao Social e Estudos de Caso Sociais Falando Sobre a Sociedade .............. . Estudo de Praticantes de Crimes e Delitos ..

    9 17

    47 65

    101 117 135 153

    Obs: Os captulos 1 a 5 foram extrados do livro Sociological Work: Metlwd and Substance; os captulos 6 e 7 do livro Doing Things Together.

  • I\ I . i~

  • INTRODUO

    Mtodos de Pesquisa

    Este volume contm ensaios que escrevi sobre o tema dos mtodos de pesquisa em sociologia. Cada um deles se desen-volveu a partir da reflexo sobre as tcnicas que eu havia utilizado em trabalhos de pesquisa e, deste modo, refletem minha viso geral de que a metodologia assunto de todos os cientistas sociais, em vez de ser uma rea especial de conhecimento esotrico do-minada somente por poucos especialistas.

    O Brasil dispe de uma comunidade de cientistas sociais plena-mente atualizada terica e metodologicamente, e plenamente inte-grada no dilogo mundial sobre os problemas destas reas. Porm, h o outro lado da moeda, pois, no meu entender, a prtica mundial tem algumas falhas graves. Talvez a publicao destes ensaios con-tribua modestamente para que cientistas sociais, pesquisadores e tambm estudantes brasileiros evitem as armadilhas mais comuns.

    Houve um tempo em que a teoria da sociedade e os mtodos para estudar a sociedade eram atribuio de qualquer cientista social. As pessoas que elaboravam as idias sobre como funcionam as sociedades - inclusive tericos sociais tais como Karl Marx, Max Weber e mile Durkheim - tambm realizavam pesquisas que utilizavam estas idias como fonte de questes a serem in-vestigadas e de hipteses a serem testadas. Marx e seu colega Engels investigaram as condies de vida da classe trabalhadora. Weber fez investigaes histricas monumentais sobre as orga-nizaes e os sistemas religiosos, mas tambm realizou estudos empricos sobre as organizaes sociais contemporneas. Nenhum destes cientistas sociais se considerava um "terico.

    9

  • 10 MTODOS In~ PESQUISA

    Durkheim, mais do que os outros, tambm inventou maneiras de estudar as questes que suas teorias levantavam. Seu estudo sobre o suicdio foi pioneiro na utilizao de dados estatsticos oficialmente coletados para o estudo de questes sociolgicas. Ele responsvel por um certo nmero de mtodos de teste de hip-teses de base terica, atravs da comparao das taxas de inci-dncia de um fenmeno em diferentes grupos com atributos so-ciais diferentes. A idia de um "metodolgico" ainda no tinha sido inventada na poca de Durkheim; se tivesse sido, Durkheim teria sido um.

    H pouco tempo atrs, ainda era comum para socilogos -Marx, Durkheim, Weber e milhares de prestadores de servio que alimentaram com artigos o nmero crescente de publicaes de cincias sociais - desenvolverem sua teorizao prpria e seu pensamento prprio sobre mtodos de pesquisa. Mas, a partir da dcada de trinta, tornou-se cada vez mais comum para os soci-logos especializarem-se exclusivamente no desenvolvimento de teorias ou de mtodos, serem "tericos" ou "metodlogos" que no trabalhavam em pesquisas, mas que, em vez disso, despendiam seu tempo desenvolvendo idias e instrumentos que seriam uti-lizados por outros. Eles tinham recursos intelectuais que faltavam a outros socilogos menos especializados; por exemplo, os meto-dlogos provavelmente conheciam mais matemtica do que o so-cilogo tpico e, deste modo, estavam mais bem capacitados para desenvolver novas medies em base matemtica. Os pesquisa-dores que usavam estas novas teorias e mtodos faziam, por sua vez, estudos sobre tpicos especficos, mas deixavam o desenvol-vimento das teorias de grande escala e de mtodos novos de coleta de dados para estes novos "experts".

    Uma das pessoas que foi responsvel por esta mudana foi Talcott Parsons, que, a partir da dcada de trinta, produziu um corpo de trabalhos tericos extremamente abstrato - que pode-mos chamar de "metateoria", teoria sobre a teoria -, sobre os pressupostos bsicos do trabalho e do pensamento dos socilogos. Ele tambm formou uma gerao de estudantes para utilizar esta metateoria em seu trabalho emprico (tanto quanto pode uma teo-ria to genrica ser utilizada empiricamente, o que no muito bom). O prprio Parsons nunca realizou nenhum trabalho emp-rico, embora tenha feito vrias tentativa& abortadas de colaborar

  • MRTODOR DE PESQUISA 11

    com pesquisadores. Em vez disso, ele se tornou o modelo para os "tericos". Um terico era algum que lia muitos livros, alguns dos quais em lnguas "estrangeiras", e dizia s outras pessoas sobre o que deveriam pensar. Seguindo seu exemplo, geraes sucessivas produziram socilogos que se especializaram no de-senvolvimento de tais idias gerais.

    Depois da Segunda Guerra Mundial, Samuel Stouffer juntou-se a Parsons E'rn Harvard. Embora tenha realizado pesquisas em-pricas, ele era mais conhecido por suas invenes metodolgicas, das quais inclusive se orgulhava mais, especialmente as relacio-nadas anlise dos dados de "surveys"*. Stouffer se tornou o modelo do rnetodlogo. Um rnetodlogo era algum que sabia mui-ta matemtica, enchia pginas com frmulas que outros socilo-gos no conseguiam interpretar e legislava sobre os mtodos apro-priados de coletar dados, process-los e analis-los, e sobre os mtodos apropriados de apresentao dos resultados. A relao sirnbitica entre Parsons, o terico, e Stouffer, o metodlogo, se equiparou quela existente entre Robert Merton, o terico, e Paul Lazarsfeld, o rnetodlogo, na Universidade de Colurnbia. Estas duas duplas foram tremendamente influentes em escala mundial. Formaram estudantes que se deslocaram para todos os pases para levar adiante o trabalho. Suas obTas foram traduzidas em muitas lnguas.

    Eles reescreveram a histria da sociologia de tal modo que, por exemplo, o trabalho emprico de Max Weber desapareceu no bojo de urna nfase crescente sobre seus escritos mais abstrata-mente tericos, e os interesses empricos de Marx foram deixados de lado medida que estudantes elaboraram uma exegese sem fim dos alicerces tericos de seu trabalho.

    Tudo isto fazia parte da crescente industrializao das cincias sociais, no seio da qual um aumento na escala do esforo cientfico coletivo foi acompanhado por uma diviso cada vez maior do tra-balho. Acreditava-se que dividir o trabalho cientfico entre espe-cialistas que dispusessem de enormes quantidades de conheci-mentos crescentemente esotricos pudesse levar a uma maior efi-cincia no desenvolvimento da cincia da sociedade. Pensava-se

    Foi mantida a palavra em ingls por ser de 'JSO corrente no jargo em Sociolobria c Estatstica no Brasil (nota da revisora).

  • 12 MTODOS UE PESQUISA

    que poderamos alcanar melhores resultados com o mesmo in-vestimento de tempo e de energia, acabando assim por obter "su-cessos" na previso de fenmenos sociais semelhantes queles en-to atribudos s cincias fisicas em ascenso (nas quais a diviso entre tericos e pesquisadores havia sido institucionalizada).

    Isso foi bom? Acho que no. Posso ser antiquado, mas prefiro um modelo artesanal de cincia, no qual cada trabalhador produz as teorias e mtodos necessrios para o trabalho que est sendo feito. Esta maneira de trabalhar sacrifica, claro, as supostas vantagens da especializao. Mas tem suas prprias vantagens alternativas. Em vez de tentar colocar suas observaes sobre o mundo numa camisa-de-fora de idias desenvolvidas em outro lugar, h muitos anos atrs, para explicar fenmenos peculiares a este tempo e a este lugar, os socilogos podem desenvolver as idias mais relevantes para os fenmenos que eles prprios re-velaram. Isto no significa que os socilogos possam ignorar o pensamento e as idias gerais que seus predecessores e seus co-legas contemporneos tenham criado. Porm, eles no precisam interpretar o que interpretam somente em termos do que lhes foi deixado por outros. Eles no precisam ficar sentados tentando decidir, como fazem muitos estudantes, se devem "usar" Marx ou Weber na anlise de seus resultados. Qualquer socilogo to livre e to competente para inventar novas idias e teorias quanto foram Marx, Weber e Durkheim.

    Alm disso - o que mais relevante para os leitores deste volume - os socilogos deveriam se sentir livres para inventar os mtodos capazes de resolver os problemas das pesquisas que esto fazendo. como mandar construir uma casa para si. Em-bora existam princpios gerais de construo, no h dois lugares iguais, no h dois arquitetos que trabalhem da mesma maneira e no h dois proprietrios com as mesmas necessidades. Assim, as solues para os problemas de construo tm sempre que ser improvisadas. Estas decises no podem ignorar princpios gerais importantes, mas os princpios gerais em si no podem resolver os problemas desta construo. Para faz-lo, temos que adaptar os princpios gerais situao especfica que temos em mos.

    Da mesma maneira, toda pesquisa tem o propsito de resolver um problema especfico que, em aspectos importantes, no pa-

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  • MTODOS DE PESQUISA 13

    recido com nenhum outro problema, e deve faz-lo dentro de um ambiente especfico diferente de todos os que existiram antes. Os princpios gerais encontrados em livros e artigos sobre metodo-logia so uma ajuda, mas, sendo genricos, no levam em consi-derao as variaes locais e peculiaridades que tornam este am-biente e este problema aquilo que so de modo nico. Assim, o socilogo ativo no somente pode como deve improvisar as solu-es que funcionam onde ele est e resolve os problemas que ele quer resolver.

    Para citar um exemplo extrado do ensaio sobre o estudo de comportamentos desviantes neste livro: tratados de estatstica ex-plicam corno raciocinar de maneira logicamente justificvel a par-tir de uma amostra cuidadosamente delineada sobre o universo de onde ela vem. Porm, muitos universos no se prestam a estas descries idealizadas da prtica. Quando pessoas se dedicam a atividades que preferem manter em sigilo, elas no pem seus nomes em ci:ltlogos ou em listas de associados de modo a tornar nossa tarefa mais fcil. Ao contrrio, se empenham para esconder o que fazem do conhecimento pblico, e isto oculta o que fazem tambm de ns. Quando estudamos as pessoas e organizaes envolvidas em tais atividades "desviantes", temos que conceber mtodos novos apropriados para o segredo que nos confronta.

    Eu sempre trabalhei desta maneira, desenvolvendo minhas prprias teorias e mtodos medida que as circunstncias da pesquisa o exigiram. As idias sobre mtodos de pesquisa que desenvolvi para meu prprio uso algumas vezes deram provas de seu valor como guias ou indicaes teis para pessoas que lidavam com problemas semelhantes ou correlatos. Assim, escrevi sobre estas idias, e o processo de escrever, de tornar meus pensamen-tos pblicos, me liwou a torn-las mais claras e mais sistemticas do que foram quando eram simplesmente minha soluo ad hoc para um problema imediato. O carter quase sistemtico destes ensaios no deve induzir artificialmente o leitor a pensar que as idias neles contidas foram desenvolvidas de alguma maneira l-gica antes de serem postas em uso. Foi exatamente o contrrio que aconteceu. Eu desenvolvi a lgica depois do fato de sua uti-lizao, de modo a tornar meus mtodos mais inteligveis e teis para os outros.

    Em sua maioria, estes ensaios lidam com problemas na pes-

  • 14 MTODOS DE PI
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    Assim, espero que estes ensaios sejam considerados relevantes para os problemas metodolgicos de todos os tipos de pesquisa sociolgica. Espero que venham a incentivar pesquisadores a for-mular seus prprios mtodos de maneiras que se adqem a seus prprios problemas e ambientes. Espero que venham a contribuir para o desenvolvimento contnuo da cincia social no Brasil.

  • CAPTULO 1

    Sobre Metodologia

    A metodologia importante demais para ser deixada aos metodlogos. Por meio desta parfrase trivial, quero expressar uma distino que ficar mais clara quando eu definir os termos. A metodologia o estudo do mtodo. Para os socilogos, presu-me-se que seja estudar os mtodos de fazer pesquisa sociolgica, de analisar o que pode ser descoberto atravs delas e o grau de confiabilidade do conhecimento assim adquirido, e de tentar aper-feioar estes mtodos atravs da investigao fundamentada e da crtica de suas propriedades.

    Pode-se dizer que a metodologia assim definida assunto de todos os socilogos, uma vez que eles participam na realizao de pesquisas ou na leitura, crtica e ensino de seus resultados. Isso certamente verdade. Porm, temos cursos de metodologia que alguns socilogos ensinam, mas nem todos. Temos uma Seo de Metodologia da Associao Sociolgica Americana qual al-guns socilogos pertencem, mas nem todos. Em suma, alguns so-cilogos so metodlogos, mas outros no so, o que significa dizer que em algum sentido institucional a metodologia no assunto de todo socilogo, a despeito de que devesse s-lo ou no, ou de na realidade s-lo ou no. Surge ento a questo de determinar se os metodlogos - os guardies institucionalmente aceitos da metodologia - lidam com o espectro pleno de questes metodo-lgicas relevantes para a sociologia ou se lidam com um subcon-junto no aleatoriamente selecionado (como eles poderiam dizer) destas questes.

    Obviamente eu levanto essa questo porque acredito que eles 17

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  • 18 SOBRE METODOLOGIA

    no lidem com o espectro pleno de questes com que deveriam lidar. Em vez disso, eles tentam influenciar outros socilogos para que adotem certos tipos de mtodo; ao faz-lo, deixam os prati-cantes de outros mtodos sem o necessrio aconselhamento me-todolgico e no conseguem fazer uma anlise adequadamente plena dos mtodos que eles de fato consideram. No estou fazendo este julgamento severo com o objetivo de confronto. Estou rneno~ preocupado em provar que os metodlogos causaram danos do que em aperfeioar a prtica metodolgica por meio da remoo de algumas das barreiras atualmente no investigadas entre a metodologia e a pesquisa.

    Primeiro abordo a questo dos limites da metodologia conven-cional, demonstrando (o que pode ser bvio) seu carter predo-minantemente proselitizante. Ento considero modalidades alter-nativas de discurso metodolgico, inclusive algumas que, se fos-sem mais comumente usadas, poderiam aperfeioar nossa mestria metodolgica. Finalmente, discuto algumas questes importantes de mtodo que padecem, neste momento, de falta de investigao metodolgica sustentada.

    METODOLOGIA COMO UMA ESPECIALIDADE PROSELITI7..ANTE

    Embora alguns renomados metodlogos e filsofos da cincia acreditem que a metodologia deve se dedicar a explicar e aper-feioar a prtica sociolgica contempornea, a metodologia con-vencional em geral no faz isso. Ao contrrio, ela se dedica a dizer aos socilogos o que deveriam estar fazendo e que tipos de mtodo deveriam estar usando, e sugere que eles ou estudem o que pode ser estudado por estes mtodos ou se ocupem em ima-ginar como o que querem estudar pode ser transformado no que pode ser estudado por estes mtodos. Chamo a metodologia de especialidade proselitizante por causa desta propenso muito for-te dos metodlogos a apregoar uma "maneira certa" de fazer as coisas, por causa de seu desejo de converter os outros a estilos de trabalho apropriados, por causa de sua relativa intolerncia com o "erro" -todas estas caractersticas exibindo a mesma con-vico autoconfiante de que "Deus est do nosso lado" que est associada s religies proselitizantes.

    Que forma de salvao a metodologia vende? O que eles pro-

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  • SOBRE METODOLOGIA 19

    pem como caminho apropriado para uma cincia melhor? Os de-talhes variam e de fato demonstram uma tremenda quantidade de culto da novidade. Em certo momento, pode nos ser assegurado que somente atravs do uso de concepes experimentais estritas em condies controladas de laboratrio podemos obter proposi-es cientficas rigorosamente testadas. Um ano depois, urna ou-tra pessoa nos urge a prestar uma ateno mais cuidadosa aos nossos procedimentos de amostragem, do contrrio nossas con-cluses acabaro por ser inaplicveis em qualquer universo maior. Alguns lamentam a incapacidade dos socilogos de repro-duzir estudos anteriores, e outros recomendam um uso mais ex-tensivo de modelos estatsticos de inferncia causal, "path ana-lysis"*, modelos matemticos, tcnicas computacionais - cada uma dessas opes tem seus campees.

    Por baixo desta aparente diversidade, pode-se discernir facil-mente um padro comum: uma preocupao com mtodos quanti-tativos, com a concepo a priori da pesquisa, com tcnicas que minimizem a chance de obter concluses no confiveis devido variabilidade incontrolada de nossos procedimentos. Seria exces-sivamente extremo dizer que os metodlogos gostariam de trans-formar a pesquisa sociolgica em algo que uma mquina pudesse fazer? Acho que no, pois os procedimentos que eles recomendam tm todos em comum a reduo da rea em que o julgamento humano pode operar, substituindo este julgamento pela aplicao inflexvel de alguma regra de procedimento.

    Esta substituio certamente recomendvel, pois no se pode ter uma cincia quando se permite que proposies sejam feitas sem outra garantia que no a de que "parece ser assim para mim". Tais afinnaes esto notoriamente sujeitas a todo tipo de in-fluncias estranhas, sobretudo racionalizao do desejo. E as proposies geradas por procedimentos mais cientficos podem, ainda assim, estar sujeitas a estas influncias em qualquer ponto onde o que deve ser feito no for especificado. Portanto, um pro-cedimento de amostragem plenamente especificado, semelhana de uma mquina, melhor do que a amostragem por cotas, que deixa escolha do entrevistador quais homens brancos de meia-

    *Optou-se aqui pela manuteno do termo em ingll!s por ser de uso cor-rente na produo brasileira em Sociologia c Estatstica (nota da revisora).

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  • 20 SOBRE METODOLOGIA

    idade ele entrevistar, e portanto merc de quaisquer biases* no aleatrios que possam afetar o que o entrevistador faz, com o perigo de que estes hiases tenham uma correlao com atitudes em estudo. Se um entrevistador, temendo a rejeio, escolhe pes-soas "legais", e se este "ser legal" estiver correlacionado a atitudes polticas liberais, por exemplo, o procedimento de amostragem no especificado pode produzir resultados distorcidos, o que no ocorreria quando se utiliza a amostragem probabilstica.

    Portanto, a atividade da cincia como mquina tem muito a recomend-la, eliminando todo tipo de tendncias incontroladas. Mas, como se sabe muito bem, difcil reduzir a cincia a tais procedimentos estritos e a algoritmos plenamente detalhados. Diante desta dificuldade, podemos optar entre dois caminhos pelo menos. Ao invs de insistir em procedimentos mecnicos que mi-nimizam o julgamento humano, podemos tentar tornar as bases destes julgamentos to explicitas quanto possvel, de modo que outros possam chegar a suas prprias concluses. Ou podemos transformar nossos problemas em problemas que possam ser re-solvidos por procedimentos tpicos de uma mquina. Ou podemos decidir no estudar os problemas que no possam ser transfor-mados da maneira acima, sob a alegao de que melhor aplicar nossos limitados recursos em problemas que possam ser manipu-lados cientificamente. De maneira geral, os metodlogos contempo-rneos escolheram o ltimo caminho.1

    Poderamos considerar a opo deles como razovel, no fosse pelo fato de que a maioria dos socilogas ativos em pesquisa no a aceitam. As pessoas que fazem pesquisa sociolgica muitas ve-zes aceitam e at mesmo defendem a tendncia geral dos meto-

    So vrias as tradu~es com alguma aceitao do termo bias: tendncia, preferncia, inclinao, vis ... etc. Entretanto, optamos por deixar o conceito no original em ingllls, j que essa tambm uma soluo oorrente no voca-bulrio dos socilogos (nota dos tradutores).

    1 Ver a descrio talvez indevidamente pessimista da cena atual em Her-bcrt Blumer, "The Methodological Position of Symbolic Interactionism", em seu Symbolic lntera.ction.i.

  • SOBRE METODOLOGIA 21

    dlogos de demandarem mtodos mais "rigorosos". Porm, elas no aceitam a recomendao implcita de no fazer o que no pode ser feito desse modo rigoroso. Embora respeitem as reali-zaes dos metodlogos, respeitam outras realizaes tambm. E estas outras realizaes so concretizadas com mtodos pelos quais a metodologia convencional, por no chegar a aprov-los especificamente, fez pouco no sentido de formular, criticar ou aperfeioar.

    Permitam que eu proponha um teste simples para aquilo que Richard Hill denominou de "relevncia da metodologia".2 Pode-mos pegar o presidente da Seo de Metodologia da ASA para representar os socilogos cujo trabalho metodolgico particu-larmente respeitado, os verdadeiros portadores da tradio me-todolgica. E podemos pegar os livros que receberam um dos trs mais importantes prmios de sociologia conferidos regularmente -os Prmios Maclver, Sorokin e Mills- para representar tipos de anlise sociolgica geralmente considerados como dignos de ateno. Quantos dos mtodos usados para produzir livros ven-cedores de prmios poderiam ter sido aprendidos com o estudo dos mtodos associados aos presidentes da Seo?

    As Tabelas 1.1 e 1.2 do a lista dos presidentes da seo desde sua fundao em 1961 e dos ganhadores dos prmios principais desde as suas diferentes datas de instituio. Sem caracterizar o trabalho do presidente da seo em detalhes especficos, pode-mos dizer com segurana que todos eles foram associados a tra-balho metodolgico do tipo restrito que descrevi; mtodos de "sur-vey", anlise estatstica, amostragem e o uso de modelos mate-mticos. claro que, ao estudar tais mtodos, algum poderia ter aprendido a produzir algum dos livros vencedores de prmios: American Occupational Structure, de Blau e Duncan, Delinquency Research, de Hirschi e Selvin, o estudo feito por Hollingshead e Redlich chamado Social Class and Mentallllness, demonstrando que os metodlogos no so totalmente privados de reconheci-mento em seu prprio pas. Porm, muitos outros vencedores de prmios usaram mtodos aos quais nossos mais venerados me-todlogos haviam dedicado pouco tempo. O ponto central aqui

    2 Richard J. Hill, "On the Re!evance of Mcthodology", Et Al. 2 (vero de 1969), 26-9.

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  • 22 SOBRE METODOLOGIA

    no que os mtodos recomendados pelos metodlogos so ruins porque produzem relativamente poucos livros vencedores de pr-mios. (Um boato persistente sugere que o preconceito colaborou para manter este nmero baixo.) Quero dizer apenas que alguns mtodos que eles geralmente no discutem ou recomendam tam-bm produzem trabalhos de alta qualidade.

    Os metodlogos desprezam particularmente trs mtodos usa-dos pelos vencedores de prmios. Eles raramente escrevem sobre a observao participante, o mtodo que produziu Justice Without Trial, de Skolnick, e Asylums, de Goffman. Eles raramente es-crevem sobre anlise histrica, o mtodo que produziu Wayward Puritans, de Erikson, e Work and Authority in Industry, de Ben-dix. E eles raramente escrevem sobre o que poucos de ns per-cebemos como sendo um mtodo - a costura de diversos tipos de pesquisa e materiais disponveis e pblicos que produziu Black Bourgeoisie, de Frazier. Todos os trs mtodos permitem que o julgamento humano opere sem ser cerceado por procedimentos algortmicos, embora todos eles permitam a apresentao integral das bases deste julgamento necessrio para satisfazer as exign-cias cientficas.

    Tabela 1.1 Ganhad{)res dos Prmios Sociolgicos Principais Prmio Maclver

    1968 Barrington Moore, Jr., The Social Origins of Dicta-torship and Democrrzcy

    1967 K.ai T. Erikson, Wayward Puritans 1966 John Porter, The Vertical Mosaic 1965 W:lliam J. Goode, World Revolution and Family Pat-

    terns 1964 Samuel N. Eisenstadt, The Political System.c:: of Em-

    pires 1963 Wilbert E. Moore, The Conduct of the orporation 1962 Seymour Martin Lipset, Political Man 1961 Erving Goffman, Asylums 1960 A B. Hollingshead e F. C. Redlich, Social Cla._c:; and

    Mental lllne.c:;s 1959 Reinhard Bendix, Work .and Authority in lndustry 1958 E. Franklin Frazier, Black Borlrgeoisie

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  • SOBRE METOOOLOGIA 23

    Prmio Sorokin 1968 Peter Blau e Otis Dudley Duncan, Jr., com Andrea

    Tyree, The American Occupational Structllre Prmio Mills 1968

    1967 1966

    Elliot Lebow, Tally's Corner Travis Hirschi e Hanan C. Selvin, Delinquency Re.rrearch. Jerome H. Skolnick, Justice Without Trial David Matza, Delinq~tency and Drift Robert Boguslaw, The New Utopians

    Defendo, ento, que os metodlogos nos deixaram em falta, porque, em seu esforo para reduzir as fontes humanas de erro, ignoraram o que muitos socilogos fazem e acham que vale a pena fazer. Eles, portanto, ignoraram problemas metodolgicos extremamente importantes, que afetam at mesmo os mtodos que eles recomendam. Quando os metodlogos aplicarem seu ta-lento ao espectro pleno dos problemas que nos afligem, fazendo uso de um espectro pleno de tcnicas analticas, a metodologia atingir, para os socilogos que fazem pesquisa, aquela utilidade que deveria sempre ter tido.

    Tabela 1.2

    1968-69 1967-68 1966-67 1965-66

    Presidentes da Seo de Metodologia, A'isociao Sociolgica Americana Hanan C. Selvin 196465 Peter H. Rossi H. M. Blalock, Jr. 1963-64 Sanford Dornbusch Richard J. Hill 1962-63 Robert McGinnis 1961-62

    Herbert Hyman l..eslie Kish

    MODALillADES DE DISCURSO METODOLGICO A pura descrio tcnica constitui-se na primeira e mais pri-

    mitiva forma de texto metodolgico em sociologia. Tais textos na verdade no so mais do que tratados sobre "como fazer", des-crevendo o que homens prticos da nossa disciplina consideraram formas teis de fazer pesquisa. Tais formas podem ser descritas de modo mais ou menos lgico, mas no surgem a partir de quais-quer anlises particularmente profundas do problema em ques-

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  • 24 SOBRE METODOLOGIA

    to. O problema, ao contrrio, tem sido visto como de ordem pr-tica, algo em relao ao qual alguma coisa precisa ser feita para que a pesquisa possa ir adiante. O autor descreve algo que ele tentou e descobriu que "funciona", qualquer que seja o significado que a isto se atribua.

    O que eu incluo nesta categoria ficar suficientemente claro em breve, quando descrevo os outros diferentes tipos de texto metodolgico. Porm, alguns exemplos podem ser teis. Eles po-dem ser encontrados em textos sobre todas as variedades de m-todos usados pelos socilogos. Por exemplo, as inovaes tcnicas na manipulao de notas de campo qualitativas propostas por Geer e por mim mesmo representam urna tentativa de soluo para um problema que vinha perturbando os pesquisadores de campo h algum tempo, e para o qual a maioria deles j havia criado esquemas prprios.3 Do mesmo modo, muitas tcnicas de anlise de "surveys" ou de sua realizao no campo so descritas em trabalhos deste tipo.

    Talvez o fato de que a descrio tcnica no aparea freqen-temente na literatura publicada, mas seja passada de boca em boca, como uma espcie de tradio oral, signifique alguma coisa. Urna vez que este tipo de material tcnico freqentemente tem pouca ou nenhuma base lgica ou terica, parece ser de algum modo excessivamente cru para ser publicado. Os professores di-zem a seus alunos de ps-graduao como lidar com o problema, considerando a coisa toda corno parte da "arte da sociologia". Ou colegas que trabalham na mesma rea podem passar dicas sobre formas teis de procedimento. Quando estes materiais chegam a encontrar o caminho do prelo, so muitas vezes denegridos como coisas de "livros de receitas".

    Menciono a descrio tcnica porque esta forma ch de conhe-cimento provavelmente a precursora de um enfoque mais sis-temtico da metodologia que chamamos de analftica. Os textos analticos procuram descobrir a lgica inerente prtica conven-cional, a fim de reduzir aquela prtica a um conjunto defensvel

    3 Howard S. Becker e Blanche Geer, "Participant Observation: The Anal-ysis of Qualitativc Ficld Data", in R. N. Adams c J. J. Prciss, Human Or-ga.nization. Resea~h: Fielcl Relaticms anel Techniques (Homewood, Til.: Dorsey Press, 1960), 267-89.

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    de regras de procedimento. O metodlogo analtico pressupe, com efeito, que se um nmero significativo de socilogos faz uma certa coisa de urna certa maneira, eles provavelmente chegaram, depois de cometerem erros, a um mtodo essencialmente correto, o qual precisa ter a sua estrutura lgica desvendada agora. Ao desven-dar esta estrutura, poderemos selecionar o que logicamente ine-rente ao mtodo e o que est vinculado a ele apenas por circuns-tncias ou costume, e pode ser ignorado sem riscos ou, melhor ainda, ser feito de modo mais sensato e til.

    A metodologia analtica surge a partir da insatisfao. O so-cilogo pode achar indigno para seu status de cientista trabalhar segundo regras convencionais de bom senso. Seus mtodos talvez no funcionem to bem quanto ele gostaria que funcionassem. Ele pode comear a explorar a lgica subjacente ao que est fa-zendo em funo de simples curiosidade intelectual ou porque algum atacou esta lgica.

    De todo modo, a metodologia analtica caracteristicamente as-sume a forma de perguntar o que os socilogos reais fazem quando pesquisam e depois tenta ver que conexo lgica pode ser esta-belecida entre as vrias etapas do processo de pesquisa. Ao per-guntar por que as coisas so feitas de uma certa maneira, ela desenvolve uma descrio logicamente defensvel do que antes tal-vez houvesse sido apenas urna coletnea de prticas costumeiras. Podemos ento aperfeioar a prtica cotidiana, concebendo ativida-des de pesquisa segundo o que deveriam ser, a fim de que desem-penhem o papel adequado no mtodo, conforme a anlise dele feita.

    Por exemplo, a insatisfao da "escola de Colmbia" com o uso convencional de testes de significncia estatstica provocou uma reavaliao profunda dos objetivos que estes testes supostamente deveriam estar atingindo e de como estes mesmos objetivos po-deriam ser mais bem atingidos. Em seguida a estas discusses, os socilogos desenvolveram vrios testes novos e potencialmente mais teis, especificamente concebidos para lidar com os dados disponveis para pesquisa sociolgica. Ao invs de usar testes de-senvolvidos para dados com caractersticas bastante diferentes - porque no havia nada melhor disponvel e supunha-se que algum teste deveria ser usado -, os socilogos possuem agora uma ampla variedade de testes e medidas logicamente defens-veis. Este avano se concretizou porque os analistas penetraram

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  • 26 SOBRE ME'TODOLOGIA

    muito profundamente na questo central - qual seja, o que um teste supostamente deve fazer - para, a sim, desenh-los de modo a que tivessem maior probabilidade de atingir estes obje-tivos.4

    Do mesmo modo, Lazarsfeld, Hyman e outros sistematizaram e racionalizaram a arte da anlise de surveys, ao desenvolverem, a partir do que era prtica comum, as diversas maneiras pelas quais uma terceira varivel influencia a relao entre duas va-riveis, e explicarem as concluses que se pode plausivelmente tirar nos diversos casos assim explicitados. Esta autoconscincia aumentada permite o desenvolvimento de outros mtodos como uma extenso da lgica criada para dar conta do que foi feito no passado.5

    A ltima expresso soa um pouco desconjuntada, mas quero que fique claro que a lgica que acabar por ser "revelada" em tal busca analtica pode no ter estado presente de fato, mas pode ter sido lida dentro do que j foi feito no pa.

  • SOBRE METODOLOGIA 27

    saber se o seu resultado de maior utilidade para os socilogos em atividade do que o que existia at ento.

    H alguma virtude, porm, em fazer com que um relato analtico de um mtodo seja fiel. Pode ser que, no curso da anlise, o analista, a fim de simplificar e obter um fechamento lgico, elimine alguns traos do mtodo mais antigo que ele no consegue encaixar em sua lgica, mas que so, no obstante, de grande importncia pr-tica Na realidade, muitos dos problemas que os socilogos enfren-tam em suas pesquisas podem surgir em conseqncia das espi-nhosas dificuldades que foram postas de lado em nome da elegncia e do fechamento analticos. certamente verdade, como veremos, que muitos problemas importantes realmente no so abordados nos textos atuais de metodologia. Esta situao pode ter-se mate-rializado porque os metodlogos analticos esto ansiosos demais para obter elegncia lgica e dispostos demais a sacrificar em funo disso detalhes do que os socilogos habitualmente fazem.

  • 28 SOBRE METODOLOGIA

    social no qual qualquer operao de pesquisa tem lugar. Estes problemas so igualmente permeveis anlise, mas a anlise no deve confiar apenas na lgica da anlise de variveis ou na teoria da probabilidade e abordagens similares. Deve, ao invs disso, incorporar as descobertas da prpria sociologia, tornando os aspectos sociolgicos e interacionais do mtodo parte do ma-terial submetido reviso analtica e lgica. Podemos chamar tal enfoque para a metodologia de sociolgico. Alguns exemplos podem tornar este ponto mais claro.

    As fraudes cometidas por entrevistadores sempre foram um problema srio para diretores de organizaes de pesquisa que produzem "surveys". A anlise lgica que se segue a um "survey" simplesmente pressupe como verdadeiro que as entrevistas es-pecificadas no desenho amostrai sero realizadas, e que seus re-sultados sero enviados de volta organizao. Sabe-se, todavia, que um certo nmero de entrevistadores falsificar suas entre-vistas, preenchendo horrios e guias de entrevista com respostas imaginrias para entrevistas que nunca foram realizadas. Como prticos homens de negcio, os responsveis por "surveys" cria-ram regras de bom senso para definir o problema e mtodos pr-ticos de lidar com ele. Por exemplo, uma certa proporo da amos-tra pode ser reentrevistada, ou, pelo menos, pode-se verificar com cada um dos respondentes se uma entrevista de fato foi realizada. Peridicos e organizaes neste campo ocasionalmente publicam trabalhos ou realizam simpsios sobre como lidar com o problema, e as respostas dadas so prticas e no tericas. Eles no obtm justificao a partir de nenhuma anlise lgica do problema.6

    Uma anlise lgica provavelmente no adiantar muito. Uma abordagem mais direta do problema, incorporando uma metodo-logia sociolgica, foi proposta por Julius Roth.7 Ele sugere que

    6 Ver a mesa-redonda "Survey on Problcms [)f lnterviewer Cheating",ln ternational Joumal o{ Opinion. and Attit11.dt! Re-;earch 1 (194 7 .1, 93-106; Her-bert H. Hyman ct al., ]nterviewing in Socirzl Rcst'arch ~Chicago: Univcrsity of Chicago Press, 1954), 241-2; c Franklin B. Evans, "On Interviewer Cheat-ing", Publi

  • SOHRE METODOLOGIA 29

    encaremos o problema da fraude cometida pelo entrevistador como um exemplo de um fenmeno sociolgico muito conhecido, normalmente chamado de "restrio da produo". Quando tc-nicos ou profissionais especializados usam trabalhadores relati-vamente sem especializao para fazer o trabalho comum de uma organizao, os trabalhadores ficam muitas vezes mais preocu-pados com gerar a aparncia de terem feito aquilo que se espera que eles faam do que em de fato atingir quaisquer metas que os profissionais possam ter estabelecido para eles. Portanto, os trabalhadores de fbrica ficam menos preocupados com as metas globais de lucro e eficincia da organizao do que com a maxi-mizao de sua prpria autonomia. Conseqentemente, eles ma-nipulam seu trabalho para fazer com que parea, aos olhos de inspetores e supervisores, que eles esto trabalhando o mximo que podem o tempo todo, mesmo que estejam acumulando quan-tidades significativas de ''tempo livre" para seu prprio uso. Nada na sua situao de trabalho faz com que seja importante para eles que a organizao seja lucrativa e eficiente; tudo conspira para fazer com que seja do interesse deles maximizar sua prpria rea de atividade discricionria. 8

    Roth argumenta que estes entrevistadores que fazem a parte do trabalho "braal"* caracterstico de "surveys" se comportam exatamente desta maneira. Eles no perdem nem ganham se o "survey" for menos preciso ou menos cientfico do que deveria ser; mas ganham se obtiverem o mximo de renda com o mnimo de trabalho. Eles ganham, alm disso, quando evitam tarefas que lhes parecem, a despeito de qualquer fundamentao que tenha sido desenvolvida por seus superiores, tolas ou sem sentido. Deste modo, eles evitaro realizar entrevistas quando for difcil conseguir res-pondentes que concordem em ser entrevistados, quando as pergun-tas que eles fazem parecem no ter sentido, e assim por diante.

    Em suma, Roth sugere que o problema da m-f do entrevis-

    s O e!oitudo clssico deste fenmeno na indstria(! de Donald F. Roy, ''QGota Rcstriction and Goldbricking in a Machinc Shop, Arnerican Journal of So-

    ~iolngy 57 (abril de 1952), 427-42. * No original, egwork, "trabalho de pernasw, para representar um aspecto

    penoso presente no trabalho dos entrevistadores de "survey" que a neces-sidade de faz:er a p o percurso entTl! a!l unidadeR da amostra e, freqUente-mentl, faZl!r as entrevistai'! de p (nota da revi1:10ral.

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  • 30 SOBRE METODOLOGIA

    tador essencialmente um problema comum maioria das or-ganizafes hierrquicas, qual seja a tentativa dos escales infe-riores da organizao de maximizar sua autonomia e poder de deciso. A soluo para o problema, dentro desta viso, no uma superviso mais severa, mas sim vincular a motivao dos trabalhadores s metas da organizao, na medida em que isso seja possvel. Roth sugere diversas inovaes na organizao de pesquisa que poderiam atingir esta meta, e, portanto, suposta-mente diminuir a taxa de m-f ou fraude.

    Este exemplo demonstra os traos essenciais de uma anlise metodolgica sociolgica. Analisamos o sistema de interao no qual o problema surge, exatamente do mesmo modo que anali-saramos qualquer outro sistema de interao. Perguntamos que categorias de participantes esto envolvidas na interao, quais so as expectativas de umas em relao s outras, que sanes existem para cada categoria de participantes utilizar em suas tentativas de controlar o comportamento das outras categorias envolvidas. Localizamos o problema metodolgico no comporta-mento das pessoas que participam deste sistema, perguntando o que, nos padres recorrentes de interao, faz com que as pessoas faam as coisas que nos trazem dificuldades como cientistas.

    Roth na realidade lida com apenas uma parcela do sistema de interao total no qual se insere a m-f ou fraude do entrevis-tador. Podemos prosseguir perguntando, por exemplo, quais ca-ractersticas organizacionais especficas de "surveys" so espec-ficas a tal ponto que os entrevistadores podem cometer fraudes sem que seus resultados sejam visveis no documento que pro-duzem. Porque os supervisores no reconhecem uma entrevista forjada simplesmente ao olhar para ela? Porque eles precisam, em vez disso, confiar numa verificao posterior com os respon-dentes? Tal investigao nos conduziria a questes que dizem res-peito natureza hierrquica das organizaes que desenvolvem pesquisas do tipo "survey", e nos levaria a perguntar, por exemplo, como faz Roth em outro trabalho, porque o trabalho cientfico bsico encarado como algo que pode ser feito por pessoas que no tm treinamento. !i Uma srie de perguntas interessantes so-

    9 Julius A. Roth, "The Status of' Interviewingw, Midwellt Soci.ologist 19 (dezembro de 1956), 8-11.

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  • SORHB METODOLOGIA 31

    bre a organizao da pesquisa surge aqui, e, realmente, podemos ver que uma explorao plena do problema da m-f do entre-vistador nos levaria a uma investigao profunda da sociologia de pesquisas de tipo "survey", uma tarefa que no empreenderei aqui.

    Este exemplo mostra tambm que podemos, pelo menos s ve-zes, nos basear em resultados relacionados organizao social j existentes na literatura sociolgica. Temos apenas que usar nossas imaginaes sociolgicas para ver que o problema que est nos interessando, por mais que isso possa parecer tcnico num sentido estreito, de fato pertence a uma classe de problemas bas-tante conhecida na pesquisa sociolgica, neste caso a classe de aes empreendidas por subordinados para preservar sua auto-nomia.

    s vezes a anlise de um problema metodolgico nos ajuda a ver traos gerais de organizaes que ainda no esto registrados na literatura sociolgica. Por exemplo, ao considerar o eterno pro-blema do bias na pesquisa, achei til introduzir um trao de es-truturas de estratificao que, tanto quanto sei, no foi apontado anteriormente na literatura. lll

    Os cientistas sociais geralmente vem o problema do bias como uma dificuldade tcnica, a ser superada atravs de mtodos mais estritos e rigorosos de pesquisa. Parece, porm, evidente que, mes-mo que sejamos cada vez mais cuidadosos em relao aos proce-dimentos de amostragem, construo dos questionrios e aos mtodos de observao e registro dos dados de campo, o problema do hias continuar a existir. Vamos, ento, abord-lo como um problema da organizao social de pesquisadores e daqueles que eles estudam, ao invs de v-lo como uma questo a ser resolvida atravs de uma tcnica cada vez mais rigorosa e disciplinada.

    Quando surge a acusao de hias? Se tomarmos como um exem-plo do problema os estudos organizacionais que provocaram tais acusaes, acabaremos por descobrir que a acusao feita pelas pessoas que administram a organizao estudada, refletindo a sua insatisfao com um relatrio de pesquisa que d um crdito substancial viso da organizao a partir do ponto de vista de

    ioJ Discuto o problema mais amplamente em "Whose Sides Are We On?", em Sxiologhal Work: Mdhod and Suh:>tance.

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  • 32 SOBRE M.b"TODOLOGIA

    seus subordinados. As pessoas que administram a organizao normalmente expressam sua queixa da seguinte maneira: "Voc tem andado escutando as reclamaes destas pessoas que esto hierarquicamente posicionadas mais abaixo na organizao e pa-rece lev-las a srio. Parece que voc no compreende que eles no sabem a histria toda, e que h boas razes pelas quais fa-zemos as coisas das quais eles se queixam. Voc passa a imagem de que eles esto certos e ns errados".

    As queixas das pessoas que administram organizaes, devi-damente compreendidas, revelam a sociologia essencial do bias e, particularmente, deixam claro que o bias jamais ser eliminado com o aumento do rigor metodolgico, pois a queixa essencial no tem nada a ver com o rigor com o qual ns reunimos nossos fatos, mas sim com o ponto de vista que parecemos estar assumindo. Simplificando o enunciado acima, uma caracterstica da estrutura de qualquer organizao estratificada que os representantes co-muns da sociedade rotineiramente atribuem maior credibilidade histria contada por aqueles que a administram do que s his-trias daqueles que esto nos nveis inferiores na hierarquia. Esta hierarquia de credibilidade parece-me ser um trao caracterstico de todas as organizaes hierrquicas. O socilogo provoca a acu-sao de tendencioso sempre que diz alguma coisa que nega a legitimidade da hierarquia de credibilidade. Ele s pode evitar este tipo de acusao assumindo o ponto de vista dos membros de nvel superior de uma organizao da fonna como apresen-tado, o que representa claramente uma forma de bias to sria quanto a outra, alm de ser vista como tal pelos subordinados. Ele tambm no pode evitar esta acusao sendo neutro e apre-sentando ambos os lados da histria, pois, quando ele toma a iniciativa de contar a histria do ponto de vista dos subordinados, viola a hierarquia de credibilidade e portanto ser necessaria-mente acusado de bias.

    Esta anlise nos diz como evitar ficar de um lado ou de outro inconscientemente. Na medida em que sabemos o que estamos fazendo em vez de faz-lo ao acaso, podemos dizer que temos como evitar o problema. Porm, na medida em que o problema surge a partir da nossa preocupao com as acusaes feitas pelas pessoas estudadas, jamais conseguiremos evit-lo.

    O ponto a enfatizar neste exemplo que, ao empreender uma

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  • SOBRE Ml
  • 34 SOBRE METODOLOGIA

    problemas podem ser abordados de maneira "cientfica", enquanto outros problemas - no importa o quanto sejam importantes ou interessantes- devem ser ignorados por enquanto, at que criemos mtodos suficientemente rigorosos, ou enfrentados de maneiras que se baseiam na intuio e outros dons que no podem ser transmi-tidos. Se no existe um conjunto estrito de regras e procedimentos aprovados, ou no faa o trabalho ou ento qualquer coisa serve.

    No temos necessidade de ficar empacados nestas alternativas pouco palatveis. A seguir, sugiro alguns problemas com os quais os metodlogos deveriam lidar, dou uns poucos exemplos de como estes problemas foram examinados ocasionalmente e, em parti-cular, sugiro que a aplicao da metodologia sociolgica pode ser vantajosa na abordagem de muitos deles. A lista no exaustiva nem sistemtica; ela lida com problemas em relao aos quais minha responsabilidade apenas parcialmente verdadeira, pois no teria tomado conscincia deles se j no tivessem sido objeto de alguma ateno. Ofereo-os como sugestes do tipo de coisa que deveramos estar examinando. 11

    Insero. Um problema que aflige quase todos os pesquisadores - pelo menos todos aqueles que tentam estudar, por qualquer mtodo, organizaes, grupos e comunidades do mundo real - se inserir: conseguir permisso para estudar aquilo que se quer estudar, ter acesso s pessoas que se quer observar, entrevistar ou entregar questionrios. O problema perene para os prati-cantes de observao participante, que habitualmente tm que negociar a questo novamente a cada vez que entram numa or-ganizao, pois ser a primeira vez que algum socilogo o ter feito. 12 At recentemente, i ;;to no havia sido to prioritrio para

    11 Gideon Sjobcrg c Roger Nctt publicaram recentemente A Methoclol

  • SOBRE METODOLOGIA 35

    os que usam mtodos de "survey'', em grande parte porque eles vinham lidando com agregados e no com grupos e, portanto, en-frentavam problemas de recusa individual ao invs de recusa de grupo, ou porque eles habitualmente usavam os mesmos ambien-tes para administrar seus questionrios (normalmente escolas, e muitas vezes escolas em que ensinavam), de modo que tinham acesso direto e privilegiado aos respondentes.

    O problema foi recentemente trazido baila outra vez por pes-quisadores que utilizam "surveys", devido a um interesse reno-vado de vrios grupos nos possveis efeitos de se permitir que os questionrios fossem administrados indiscriminadamente a estu-dantes e outros grupos de informantes "cativos". Alguns conser-vadores (inclusive alguns que esto no Congresso) se sentiram ofendidos com a prtica de se fazer perguntas pessoais a estu-dantes sobre seus sentimentos em relao a seus pais, suas pr-prias atitudes e experincias sexuais e religiosas e outros tpicos que os leigos geralmente encaram como pessoais. Ocasionalmen-te, sistemas escolares se recusaram a permitir a entrada de um pesquisador, em conseqncia da presso conservadora sobre o Conselho Diretor da escola. Do mesmo modo, agremiaes de es-tudantes como a Students for a Democratic Society e a National Student Association fizeram eco s preocupaes de uns poucos cientistas sociais de que talvez os dados no sejam sempre to confidenciais quanto prometemos, ou sejam usados para fins que os estudantes que os forneceram no aprovariam; e o uso de tc-nicas experimentais enganadoras criou o problema do responden-te "esperto" que age deliberadamente de forma a no confirmar o que ele supe que seja a hiptese em teste. Talvez sejam tambm vivenciadas dificuldades para o financiamento da pesquisa. O que j temos uma conscincia crescente da parte de indivduos e grupos de que, afinal, ningum precisa cooperar com as pesquisas de cincias sociais. l:l O problema da insero, portanto, tem uma nova e crescente importncia.

    1:1 Quant..o recusa de permisso para a entrada por parte de sistemas de escolas, ver Harwin L. Vot~s, "Pitfalls in Social Research: A Case Study", The American So ... iulogist 1 (maio de 1966), 136-40. Problemas de confidcn-cialidade em pesquisas com estudantes so descritos em John Walsh, "ACE Study on Campus Unrest: Questions for Bcha1ioral Scientists, Sdenr:e 165 (11 de julho de 1969). 1fi7-60 c Judith Coburn, "Confidentiality is not the

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  • 36 SOBRE METODOLOGIA

    De qualquer modo, a questo de se conseguir permisso para conduzir um estudo tem recebido pouca ateno na discusso me-todolgica sria. O que existe na literatura trata, na maior parte, da questo da tica, de que promessas lcito fazer para as pes-soas que voc se prope a estudar, a fim de ter acesso a elas, e em que medida voc est comprometido com estas promessas. 14 Hughes 15, por exemplo, contribuiu com algumas discusses es-clarecedoras sobre a negociao da pesquisa, e diversas pessoas nos fizeram narrativas bastante detalhadas de como eles agiram para ;

  • SOBRE METODOI.,OGIA 37

    terfgios para nelas penetrar. Este erro - que muito adequada-mente pode ser chamado de erro de amostragem - pode ter dis-torcido muitas de nossas teorias; por exemplo, pode ter contri-budo para a predileo substancial dos cientistas sociais por teo-rias de consenso e no de conflito.

    Uma vez que tenhamos alguma compreenso sociolgica da relao entre pesquisadores e sujeitos potenciais de estudo, talvez possamos elaborar mtodos analiticamente apropriados de ga-nhar acesso aos grupos em estudo. Enquanto isso, a primeira atividade na ordem do dia provavelmente continuar a acumular narrativas de sucesso e fracasso, examinando-as em busca de in-dicaes para uma compreenso terica abrangente.

    Preveno de Erros. Os socilogos vm h muito tempo procu-rando dedicadamente fontes de erro em seu trabalho. Seguindo a direo fornecida pelo trabalho clssico de Mergenstern, On the Accuracy of Econom.ic Ohservations 11 , David Gold e eu compila-mos uma longa lista de salvaguardas conhecidas contra os tipos conhecidos de erro. Os socilogos descobriram muitas fontes de erro tanto em seus dados quanto em suas anlises, e assim cria-ram maneiras de evit-los ou advertiram outros praticantes para que levassem em considerao estes erros ao apresentar suas con-cluses. instrutivo examinar os peridicos correntes com uma lista de tais erros diante de si e ver em quantos casos a salva-guarda conhecida no foi usada, e o erro conhecido cometido quan-do poderia ter sido evitado.

    Como exemplo, me parece ter sido agora indubitavelmente de-monstrado que os padres de resposta - tendncias a dar res-postas num certo estilo (aquiescente, socialmente desejvel, e as-sim por diante l sem realmente considerar o contedo do item de atitude sob investigao - explicam parte da variao nos re-sultados obtidos em escalas de atitudes que no usam mecanis-mos especialmente desenhados para evitar estas tendncias. Ain-da assim, os socilogos continuam a usar escalas de atitude que no tomam precaues relativamente to simples, embora sua ausncia signifique que todos os resultados de tais estudos so duvidosos, porque parte da variao pode ser atribuda a variveis

    17 Oskar Morgl'nstern, On ti!!' Anuroey o{ Emnomi

  • 38 SOBRE METOOOLOGlA

    de "padres de resposta" e no a variveis postulados pelo estudo em si. 18

    A questo interessante, evidentemente, porque os socilogos no usam as salvaguardas metodolgicas disponveis. Esta ques-to claramente um tpico na sociologia da cincia, pois para respond-la teramos que saber, tambm, porque aqueles que uti-lizam as precaues que os metodlogos inventaram o fazem; por-tanto o que estamos realmente buscando o sistema de controle social na cincia, na medida em que ele afeta diretamente o tra-balho cientfico cotidiano em si. Que tipos de sanes operam para fazer com que aqueles que usam tais tcnicas o faam, e como estas sanes no so utilizadas quando as tcnicas no so usa-das? Como a cincia, supostamente uma operao autocorretiva, se organiza institucionalmente de tal forma que sistematicamente as correes no so feitas?19

    Estudos institucionais de organizaes cientficas so eviden-temente necessrios aqui. Porm, alm disso, alguns traos b-sicos das organizaes sociais tornam problemtica a operao da cincia corno um mecanismo autocorretivo. Garfinke120 sugeriu que as incontveis decises que um cientista precisa tomar ao criar e organizar seus dados so em princpio sujeitas a um tipo de incerteza. As regras que supostamente governam a tomada destas decises- e me refiro aqui a decises simples, tais como em que categoria codificar certo dado - no podem ser extradas de maneira to precisa que faa com que no exista sempre um caso que no pode ser resolvido a partir delas, e que, conseqen-temente, ter que ser decidido em bases ad hoc. Algumas das

    18 Ver B. M. Bass, "Authoritarianism or Acquiesoence?", Journ,al o{ Ab-rwrm.al rJnd Socio.l Psychoiogy 51 (1955), 616-23; c A. Couch c K. Keniston, ''Y easayers and N aysaycrs: Agrcci ng Rcsponsc Sct as a Pcrsonality Variable", ibid. 60 (1960), 151-74.

    19 Cf. Thomas S. Kuhn, Thc Structure of Srienti,fic Retolutions {Chicago: University of Chicago Prcss, 1962); Warrcn Hagstrom, The Scientifir: Com-m.unity (No\a York: Basic Books, 196!1); e Charles S. Fisher, "The Death of a Mathematical Thcory: a Study in the Sociology ofKnowledge, Archive for History o{ Exact Scien~.-ex .'1 (1966), 137-59, e ''The Last Invariant Theorists: a Sociological Study of the Collective Biographics of Mathcmatical Spccial-ists, Europea" Journal o{ Soo!ogy 8 (19671, 216-44.

    ZO Harold Garfinkel, Studies in Ethrwmethodology {Englcwood Cliffs. N.J.: Prentice Hall, 1967).

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  • SOBRf~ METODOLOGIA 39

    variaes nos nossos dados no sero assim conseqncia do ca-rter da coisa que supostamente deveriam medir, mas sim um reflexo da nossa incapacidade de aplicar nossas regras e defini-es da forma to precisa e automtica como dizemos ser capazes de fazer. O cientista em atividade, que sabe todo o tempo que pratica tal tomada de decises ad hoc, pode generalizar esta ati-tude para muitos outros problemas que enfrenta. Se perguntar-mos aos socilogos porque eles no fazem um uso maior das sal-vaguardas metodolgicas disponveis na literatura, podemos ou-vir a resposta de que "d muito trabalho" faz-lo, e que, de qual-quer forma, a longo prazo no faz muita diferena, porque os erros ou so pequenos demais para terem alguma importncia, ou contrabalanam um ao outro.

    Morgenstern demonstrou que estas ltimas asseres no so verdadeiras para dados econmicos, 21 e no h razo para acre-ditar que os dados sociolgicos sejam em algum sentido diferentes neste aspecto. Porm, a noo de que "d muito trabalho" utilizar todas estas salvaguardas merece maior investigao. Claramente, todos concordam que existe um certo montante de ''trabalho" que vale a pena fazer em relao aos dados, mas que, do mesmo modo, existe algum ponto alm do qual a pesquisa nunca ser realizada por causa das salvaguardas utilizadas. Como homens prticos, os socilogos sabem que precisam conseguir fazer seu trabalho, e o fazem. Quais so os fundamentos sociais de tal crena?

    Uma possibilidade que a sociologia, em comparao a algu-mas outras disciplinas, bastante corts. Compare as controvr-sias to gentis encontradas nas cartas para o editor da American Sociological Reuiew com as altercaes de punhos cerrados que ocasionalmente tm lugar nas pginas de The American Anthro-pologist. (Pode ser tambm que os cientistas sociais americanos sejam excessivamente polidos, se comparados, por exemplo, com os britnicos, e portanto a sociologia polida porque dominada pelos americanos.) No sei porque somos to polidos, mas o fato que somos, e em conseqncia detestamos dizer que algum ignorou uma salvaguarda importante. (Como exemplo, acho que verdade que, embora muitos tenham ficado chocados com a re-cusa, por parte da "escola de Colmbia", de usar testes de signi-

    21 Morgcnstern, op. t.

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  • 40 SOHRE METODOLOGIA

    ficncia, este senso de ultraje s encontrou o caminho do prelo depois de muitos anos de reclamaes entre drinques nas con-venes.)

    Uma outra fonte da relutncia por parte dos socilogos em se preocupar com salvaguardas metodolgicas pode ser a dificuldade de se reproduzir a pesquisa sociolgica. Ningum poder jamais estudar exatamente o mesmo grupo que uma outra pessoa estu-dou pois, no mnimo, ele ter mudado no espao de tempo entre os dois estudos, e quaisquer diferenas podem ser atribudas a isso. Da mesma forma, quando as pessoas estudam duas organi-zaes do mesmo tipo (como, por exemplo, duas Escolas de Me-dicina:t,22 as diferenas nas caracterizaes resultantes podem ad-vir de qualquer diferena dentre uma grande variedade de fato-res, dentre os quais a questo das salvaguardas tcnicas apenas um. De qualquer modo, toma-se bastante difcil demonstrar em estudos substantivos que o fato de no terem sido tomadas as precaues aconselhadas fez alguma diferena. (Portanto, o que devemos concluir da diferena entre as caracterizaes de Tepoz-tln feitas por Oscar Lewis e Robert Redfield?23 uma diferena entre as pessoas? Entre suas teorias? Entre detalhes de sua tc-nica?)

    De qualquer forma, a relutncia dos socilogos em usar as sal-vaguardas metodolgicas uma outra questo bsica para um metodlogo sociologicamente orientado.

    Escolha de estruturaes. Um problema srio que se coloca para qualquer investigador sociolgico que desejar estudar um grupo ou comunidade a escolha de uma estruturao terica que orien-te a sua abordagem. Uma organizao ou grupo pode ser visto de muitas maneiras diferentes; nenhuma delas a certa, mas nenhuma errada, elas so simplesmente alternativas e talvez complementares. Como se age para realizar esta escolha? Atual-mente, confiamos no gosto pessoal; escolhemos a estruturao que

    22 Ver a discus~:~o em Samuel W. Bloom, "Thc Sociology ofMedical Edu-cation: Some Comments on the Statc of a Field", Milbanlc Memorial Fun.d Quarterly 43 (abril de 1965), 143-84.

    23 Robcrt Redfield, Tepoztln. (Chicago: Univcrsity of Chicago Pre~:~s, 1930) e Oscar Lcwis, Li{e in. a Maic:a.n. Villagc: Tepoztln. Restudied (Urbana: Uni-versity of Illinois Prcss, 1951).

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  • SOBRE METODOLOGIA 41

    nos parece ter mais afinidade conosco, e quem vai contestar? Oca-:;ionalmente algum sugerir que a escolha deve ser feita com ateno para o acmulo de resultados de pesquisa em uma rea ou um tpico, mas tais sugestes geralmente passam desperce-bidas. Ningum escolhe sua estruturao apenas porque contri-lmir para um corpo de conhecimentos crescente, por mais que isso seja desejvel.

    A referncia clssica sobre este problema, e a nica que conheo que o examina seriamente como um problema metodolgico, The Little Community24 Neste livro, Redfield nos mostra muitos pontos de vista a partir dos quais podemos estudar a pequena comunidade camponesa: o ecolgico, o biogrfico, e assim por dian-te. Ele descreve com grande percepo e sabedoria o que ganha-mos com cada escolha e o que perdemos ao fazer cada uma das ~scolhas. Provavelmente este tipo de trabalho analtico o que ma1s necessrio neste momento. Seria interessante tambm,

    ~aber o que realmente influencia as escolhas feitas, mas parece-me ser mais importante para ns, como socilogos ativos, saber o que estamos escolhendo quando de fato escolhemos.

    Pressupostos ocultos. Sob este subttulo, neste momento, tenho apenas um exemplo, o qual, todavia, parece ser importante. H alguns anos atrs, Sterling25 demonstrou que os peridicos expe-rimentais de psicologia nunca publicavam resultados negativos (isto , resultados em que no havia nenhuma diferena entre um grupo experimental e um grupo de controle) e quase nunca publicavam reprodues de estudos anteriores. Ele usou estes dois fatos para fazer a seguinte demonstrao. Suponhamos que um cientista tenha uma idia de hiptese a ser testada. Concebe um experimento para test-la, e os resultados encontrados so nega-tivos. Ele no publica o artigo. Os cientistas subseqentes tm a mesma idia e passam pelos mesmos procedimentos com o mes-mo resultado. Contudo, uma vez em cada vinte tentativas, ocor-rero resultados positivos com um nvel de significncia de .05

    24 Robcrt Redfield, 7'he Little Community (Chicago: University of Chicago Prcss, 1955).

    25 Theodorc D. Stcrling, "Publication Dccisions and thcir Possible Effects on lnfcrcnccs Drawn from Tet'llH of Significancc - or Vice Versa", JourNJl o{ th( Amencan Statistiml Ao;soation 54 f maro de 1959), 30-4.

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  • 42 SOBRF: Mb'TODOLOGIA

    apenas por acaso. O vigsimo cientista, o qual obteve estes re-sultados positivos casuais, publica seu trabalho. Uma vez que quase ningum reproduz resultados publicados, o que ele relata continua sem ser questionado. Desse modo, toda a literatura da psicologia experimental pode estar cheia de resultados que ocor-reram exclusivamente por acaso, ou, pelo menos, que tais resul-tados esto presentes na literatura em alguma proporo agora desconhecida.

    Vrios psiclogos argumentaram comigo que outros fatores, que evitem este desfecho inconveniente, podem muito bem estar em ao. No obstante, a anlise de Sterling torna claro um pres-suposto importante por parte daqueles que usam testes-padro de significncia, um pressuposto que exige para sua justificao um enfoque sociolgico do problema metodolgico. O pressuposto, claro, que todo e:studo que testa uma hiptese tem uma pro-babilidade igual de ser publicado e figurar na literatura. No se encontra este pressuposto entre os listados nos textos estatsticos que explicam o que pressupomos quando computamos um qua-drado qui, mas um pressuposto que fazemos, e que importante.

    O pressuposto da probabilidade igual de publicao impor-tante precisamente porque, como demonstram os nmeros de Sterling, sistematicamente violado. Quaisquer que sejam os de-mais fatores que possam facilitar ou dificultar a publicao de um artigo, o fato de seus resultados serem positivos ou negativos claramente uma caracterstica crucial que afeta o destino das publicaes. As probabilidades de publicao nestas duas categorias, longe de serem iguais, so zero para uma categoria e algum nmero encontrvel nos registros 'editoriais para a outra26 De qualquer modo, o clculo estatstico da probabilidade de conseguir um dado resultado depende, para sua utilidade no desenvolvimento de infe-rncias sobre a validade de uma hiptese, da estrutura social que circunda o envio e escolha de artigos para publicao.

    No consigo ver imediatamente qual o anlogo desta pres-

    26 Erwin Smigel c H. Laurence Ross apresentam alguns dados sobre esta questo num artigo ainda no publicado, ana:isando dados sobre as prticas editoriais da So

  • SOlUU: METODOLOGIA 43

    suposio oculta dos usurios de testes de significncia em outros tipos de estratgias metodolgicas, mas parece claro que aqui te-mos uma rea onde muito trabalho til pode ser feito.

    Desenvolvimento de hipteses. A maioria dos livros sobre m-todos de pesquisa comea sugerindo que ns j temos uma hip-tese. A questo diante de ns como esta hiptese pode ser tes-tada da melhor e mais eficiente maneira. Tal apresentao dos problemas de mtodo deixa de lado uma fase crucial no desen-volvimento de qualquer trabalho de pesquisa: o processo atravs do qual adquirimos a hiptese a ser testada. Esta infeliz omisso faz com que esta fase parea ser bastante fcil de realizar -dispensando, portanto, preocupaes - ou parea ser feita atra-vs de algum procedimento mstico no sujeito a anlise.

    Nenhuma das duas possibilidades verdadeira. O desenvolvi-mento de hipteses um procedimento complexo, mas que pode ser explicado de tal fonna que outros possam realiz-lo tambm. Geraes de socilogos tm conseguido, de alguma maneira, de-senvolver as hipteses que acabam por testar. Como eles o fazem?

    A mitologia cientfica diz que as hipteses devem ser obtidas dedutivamente, a partir de um corpo de axiomas, teoremas e co-rolrios. Dizer isso no muda muito o problema, pois podemos sempre deduzir um grande nmero de hipteses a partir de qualquer conjunto de axiomas e teoremas. Ainda temos que escolher dentre as possveis dedues aquelas especificas a se-rem testadas.

    O procedimento atravs do qual os socilogos desenvolvem hi-pteses encontra-se agora consideravelmente no reino do saber tcnico infonnal, aprendido atravs de conversas casuais e outros meios simHares. Tem sido discutido mais abertamente no que diz respeito aos estudos de observao participante, pois na obser-vao participante tem-se tanto a oportunidade quanto a neces-sidade de desenvolver hipteses depois que j se comeou a coletar dados. A maioria das outras tcnicas exige que o pesquisador pelo menos finja ter algumas hipteses razoavelmente bem for-muladas antes de comear (embora seja do conhecimento comum que a maioria dos hipteses nos trabalhos de pesquisa foram de-senvolvidas durante a anlise, e no antes dela). Na medida em que os agentes de campo transformaram num princpio de seu mtodo que as hipteses tm que ser formuladas no curso do tra-

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  • 44 SOBRE METODOLOGIA

    baJho em si, passaram a ter autoconscincia em relao ao pro-blema e tentaram dizer alguma coisa sobre ele. a partir deste contexto que Glaser e Strauss desenvolveram seu relato da des-coberta terica.27

    O desenvolvimento de hipteses um problema metodolgico que claramente exige um enfoque analtico. Temos que examinar o folclore, os macetes e os truques que as pessoas usaram com xito, as narrativas pessoais disponveis, e ver que estrutura l-gica podemos elaborar que nos permita desenvolver procedimen-tos mais sistemticos. Um exemplo deste tipo de anlise que tenho em mente pode ser encontrado nos trabalhos de George Polya, que desenvolveu diversos mtodos para conseguir boas idias e descobrir maneiras de prov-las a partir de sua prpria experin-cia de pesquisa matemtica. 23 Talvez alguns deles tambm sejam teis para a sociologia, mas espero que o objeto de pesquisa da sociologia seja suficientemente diferente para que outros mtodos possam ser encontrados tambm.

    Particularmente, me parece que, urna vez que o objeto de pes-quisa da sociologia a vida social na qual estamos todos envol-vidos, a capacidade de fazer uso imaginativo da experincia pes soai e a prpria qualidade da experincia pessoal de algum sero contribuies importantes para a capacitao tcnica dessa pes-soa. Corno agir para traduzir experincia pessoal em hipteses ou, em outras palavras, como usamos esta experincia para dar forma s hipteses desenvolvidas de outras maneiras? Muitos so-cilogos aconselham seus alunos a lerem romances, nem tanto pelo seu valor literrio quanto pelo relato "etnogrfico" sobre v-rios aspectos da sociedade que eles muitas vezes contm. Alguns socilogos (muitas vezes os mesmos) aconselham seus alunos a "circular" na sociedade a que pertencem, a penetrar em muitas

    27 Barney G. Glascr c Anselm L. Strauss, The Disrovery o{Grounded Theory: Sti-ategi.es {fJr Qualitatit>e Re11e0rch (Chicago: Aldine Publishing Co., 196i). Para uma abordagem mais formal do mesmo problema, ver Robert Dubin, Theory Building (Nova York: Free Press, 1969) e Arthur L. Stinchcombe, Construcbng SocUJ Theory (Nova York: Harcourt, Brace and World, 1968).

    28 George Polya, Mathematit.'R and Plausible Rea.~oning (Princeton: Prin ceton University Press, 1954). Blumer, op. cit., tambm sugere a necessidade de considerar esta11 fases iniciais do proces,;o de pesquisa como parte de nossa metodologia.

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  • SOBRE Mll.vi'ODOWGIA 45

    partes dela e a conhecer muitos tipos de pessoas diferentes em muitos ambientes sociais diferentes. Provavelmente um destes dois conselhos suficiente para os fins pretendidos. E qual o fim pretendido? Em parte, ajudar-nos a evitar que estruturemos hipteses tolas; Galtung argumenta que os socilogos latino-ame-ricanos freqentemente alimentam hipteses patentemente fal-sas sobre outros grupos sociais, em grande parte porque a estru-tura social da sociedade latino-americana de tal ordem, que eles nunca tiveram nenhum contato pessoal com os membros des-tes grupos, e, portanto, so capazes de alimentar noes esdr-xulas acerca deles. 29 Uma outra virtude da experincia pessoal ampla (seja ela reunida atravs de leituras ou da participao direta) que torna disponvel para ns um vasto estoque de pos-sveis analogias. O papel do raciocnio por analogia como meio de sugerir hipteses exige explicao, a qual poderia trazer cons-cincia vrios procedimentos que podem ser reproduzidos, os quais so usados por muitos hoje em dia sem que eles saibam muito bem o que esto fazendo.

    Outro problema que podemos examinar so os critrios pelos quais distinguimos hipteses "boas" de "ruins". A maioria dos so-cilogos tem um senso intuitivo de que algumas hipteses so melhores do que outras em sentidos vagamente definidos, e eles certamente agem de acordo com esta intuio ao escolher hip-teses a serem exploradas. Eles acreditam que algumas hipteses "funcionaro", e que outras no, qualquer que seja o sentido que dem a este termo. Entre os critrios de uma boa hiptese que vm mente imediatamente: uma boa hiptese aquela cujas variveis esto presentes na situao em estudo, ou, se for isto o que se busca, variam o suficiente para que a influncia dos valores diferentes que elas podem assumir seja suficiente para demonstrar um efeito. Uma boa hiptese, mais uma vez, aquela que parece organizar muitos dados, aquela qual podemos vin-cular outras sub-hipteses que fazem uso de outras parcelas dos nossos dados, deste modo aglutinando as vrias hipteses que alimentamos em um todo mais amplo. Uma boa hiptese aquela

    2Y Johan Galtung, "'Los Factores Socioculturales y cl Desarollo de la So-ciologfa cn Amrica Latina", RetiRta Latinoanreri

  • 46 SOBRE METODOLOGIA

    que no entra em choque com quaisquer dos fatos que temos nossa disposio.

    CONCLUSO No tentei compilar uma lista completa de problemas metodo-

    lgicos ignorados. Poderamos tentar realizar isso atravs de uma anlise lgica das fases envolvidas na pesquisa sociolgica, uma anlise que seria, contudo, baseada nas fases que os socilogos na realidade atravessam, na medida em que possam ser derivadas da experincia de pesquisadores na prtica.30 Poderamos simul-taneamente abordar aquelas dificuldades vivenciadas pelos pes-quisadores como problemas prticos, tentando encontrar seu ca-rter genrico e seu lugar em algum esquema lgico.

    Precisamos, de qualquer modo, continuar a acrescentar a este inventrio de problemas, no mais ignorando aqueles que no podem ser convenientemente enfrentados de maneiras conven-cionalmente "rigoro;;as". No resolvemos ou nos livramos de um problema ignorando-o; fazendo-o, apenas deixamos que seus efei-tos operem sem serem observados e criem dificuldades desconhe-cidas para o nosso empreendimento cientfico comum. Se fizermos frente aos nossos problemas de mtodo e de tcnica com uma combinao de anlise logicamente rigorosa e de compreenso sociolgica da pesquisa como um empreendimento coletivo, talvez possamos finalmente criar uma cincia \oivel.

    30 Ver Blumer, op. ,.;t.

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  • CAPTULO 2 Problemas de Inferncia e Prova

    na Observao Participante

    O observador participante coleta dados atravs de sua participao na vida cotidiana do grupo ou organizao que es-tuda.1 Ele observa as pessoas que est est1.1:dando para ver as situaes com que se deparam normalmente e corno se comportam diante delas. Entabula conversao com alguns ou com todos os participantes desta situao e descobre as interpretaes que eles tm sobre os acontecimentos que observou.

    Permitam-me descrever, como um exemplo especfico de tc-nica de observao, o que meus colegas e eu fizemos ao estudar uma Escola de Medicina. Assistimos seminrios com estudantes que cursavam seus primeiros dois anos de cincia bsica e fre-qentamos os laboratrios nos quais passavam a maior parte de seu tempo, estimulando-os e iniciando conversaes casuais en-

    * Reimpresso graas permisso da American Sociologicol Review, 23 (dezembro de 1958), 652-60. Copyright e 1958 American Sociological Re-Ul.eur.

    I Este ensaio nasceu de minha experincia na pe11quisa reportada em How-ard S. Becker, Blanche Geer, Everett C. Hughes e Anselm L. Strauss, Bays in White: Student Culture in Medicai Sclwol (Chicago: Univcrsity ofChicago Press, 1961). Elaborei o enfoque bsico em parceria com Blanche Geer. Depois o aplicamos ao escrevermos nosso estudo sobre educao mdica e na pesquisa reportada em Becker, Geer e Hughes, Making the Grade: The Academic Side o{ College Life (Nova York: John Wiley and Sons, 1968). Nossa prpria ex-perincia se deu, em grande parte, com o papel que Gold denomina de "par-ticipante como observador", mas os mtodos discutidos aqui devem ser rele-vantes para outras situaes de campo. Cf. Raymond L. Gold, "Roles in So-ciological Field Observations," Socwl Forces .'l6 (maro de 1958), 217-23.

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  • 48 PROfiLEMAS OE INFERNCIA E PROVA

    quanto dissecavam cadveres ou examinavam casos em patologia. Acompanhvamos estes estudantes em suas residncias univer-sitrias e estvamos com eles quando discutiam suas experincias na universidade. Acompanhamos estudantes em seus anos de cl-nica em plantes com mdicos que os assistiam, observando-os quando examinavam pacientes em enfermarias e nas clnicas e quando participavam de grupos de estudo ou prestavam exames orais. Comemos e dormimos segundo sua rotina. Andamos no en-calo de internos e residentes em seus apertados horrios de aula ou de atendimento clinico. Permanecemos em companhia de um pequeno grupo de estudantes em cada servio por perodos que iam de uma semana a dois meses, despendendo com eles muitas jornadas de tempo integral. Nas situaes de observao, havia tempo para conversas, e ns aproveitamos isso para entrevistar estudantes sobre coisas que tinham acontecido e que estavam em vias de acontecer, e tambm sobre suas prprias experincias an-teriores e suas aspiraes.

    Normalmente, os socilogos usam este mtodo quando esto especialmente interessados em compreender uma organizao es-pecfica ou um problema substantivo, em vez de demonstrar re-laes entre variveis abstratamente definidas. Eles se esforam para dar um sentido terico a suas pesquisas, mas presumem que a priori no conhecem o bastante sobre a organizao para identificar problemas e hipteses relevantes, e que precisam des-cobri-los no decorrer de sua pesquisa. Embora a observao par-ticipante possa ser utilizada para testar hipteses a pri.ori e, por conseguinte, no precise ser to pouco estruturada quanto no exemplo que dei acima, no isto que em geral ocorre. Minha discusso se refere ao tipo de estudo de observao participante que busca tanto descobrir hipteses quanto test-las.

    A pesquisa baseada em observao produz um montante imen-so de descries detalhadas; nossos arquivos contm aproxima-damente cinco mil pginas em espao um deste tipo de material. Em face desta quantidade de dados "ricos" e variados, o pesqui-sador enfrenta o problema de como analis-los sistematicamente e, ento, apresentar suas concluses de modo tal que convena outros cientistas de sua validade. A observao participante (na verdade, a anlise qualitativa de modo geral) no se saiu bem com este problema e, geralmente, as evidncias completas para

  • NA OBSERVAO PARTICIPANTE 49

    ns concluses e os processos atravs dos quais elas foram alcan-adas no so apresentados, de modo que os leitores se vem em dificuldades para fazer sua prpria avaliao sobre elas e tm que confiar em sua f no pesquisador.

    A seguir, tento descortinar e descrever as operaes anaUticas IJsicas realizadas na observao participante, por trs razes: tornar estas operaes mais claras para aqueles que no esto familiarizados com o mtodo; ao tentar uma descrio mais ex-plcita e sistemtica, ajudar aqueles que trabalham com o mtodo a organizar suas prprias pesquisas; e, o que mais importante, propor algumas mudanas nos procedimentos analticos e, parti-cularmente, no relato dos resultados, mudanas as quais tornaro mais acessveis ao leitor os processos atravs dos quais as con-cluses so alcanadas e fundamentadas.

    A primeira coisa que observamos nas pesquisas baseadas em observao participante que a anlise conduzida seqen-r:ialmente, 2 partes importantes dela sendo realizadas enquan-to o pesquisador est coletando seus dados. Isto tem duas con-seqncias bvias: a coleta ulterior de dados toma sua direo a partir de anlises condicionais; e o montante e o tipo de anlise condicional realizado so limitados pelas exigncias da situao do trabalho de campo, de modo que a anlise abrangente final pode no ser possvel at que o trabalho de campo esteja termi-nado.

    Podemos distinguir trs estgios distintos de anlise conduzi-dos no prprio campo, e um quarto estgio, conduzido depois do trmino do trabalho de campo. Estes estgios so diferenciados, primeiro, por sua seqncia lgica: cada um dos estgios suces-sivos depende de alguma anlise do estgio precedente. Eles so diferenciados, alm disso, pelo fato de que concluses de tipos diferentes so alcanadas em cada estgio, e de que estas con-cluses so destinadas a usos diferentes na continuao da pes-quisa. Finalmente, eles so diferenciados pelos diferentes crit-

    2 A este respeito, os mtodos analfticos que discuto tm uma semelhana familiar com a tcnica de induo analtica. Cf. Alfred Linde~~mith, Optate Acldiction (Bloomington: Principia Press, 1947), especialmente pp. 5-20, e a literatura suhscqUente citada in Ralph H. Turncr, ''Thc Qucst for Universais in Sodological Research", American Soeiolo;:ical Reti~w 18 (dezembro de 19.')3) 604-11.

  • 50 PROBLEMAS DF. IN~'ERNCIA F. PROVA

    rios que so utilizados para avaliar as evidncias e para chegar a concluses em cada estgio. Os trs estgios da anlise de campo so: a seleo e definio de problemas, conceitos e ndices; o con-trole sobre a freqncia e a distribuio de fenmenos; e a incor-porao de descobertas individuais num modelo da organizao em estudo.3 O quarto estgio de anlise final envolve problemas de apresentao de evidncias e provas.

    SELEO E DEFINIO DE PROBLEMAS, CONCEITOS E NDICES Neste estgio, o observador procura por problemas e conceitos

    que ofeream a perspectiva de produzir a maior compreenso da organizao que ele est estudando, e por itens que possam servir como indicadores teis de fatos que sejam mais dificeis de obser-var. A concluso tpica que seus dados produzem , simplesmente, a de que um certo fenmeno existe, que um determinado acon-tecimento ocorreu em dada ocasio, ou de que dais fenmenos foram observados para serem relacionados em uma instncia; a concluso nada diz sobre a freqncia ou distribuio do fenmeno observado.

    Ao colocar uma observao tal no contexto de uma teoria so-ciolgica, o observador seleciona conceitos e define problemas para maior investigao. Ele constri um modelo terico para dar conta deste caso especfico, com a inteno de refin-lo luz de descobertas subseqentes. Por exemplo, ele poderia deparar-se com o seguinte: ''O estudante de medicina X se referiu hoje a um de seus pacientes como "pititico".4 O observador pode ento re-lacionar esta descoberta com uma teoria sociolgica que sugira que os ocupantes de uma categoria social numa instituio dada classificam membros de outras categorias atravs de critrios de-rivados do tipo de problema que esta outra categoria coloca no relacionamento. Esta combinao de fato observado e teoria o con-

    3 Minha discusso sobre estes estgios abstrata e simplificada, c no tenta lidar com os problemas prticos c tcnicos do estudo baseado em ob-servao participante. O leitor deve ter em mente que a pr~ica da pesquisa envolver todas estas operaes simultaneamente, com referncia a proble-

    ma~> especifico,; difcrcnb?~>. 4 !i exemplos que nosso observador hipottico utiliza foram retirados de

    Boys in. White.

  • NA OBSERVAO PARTICIPANTE 51

    1l11'. a procurar por problemas na interao estudante-paciente, 111dicndos pelo termo "pititico". Ao descobrir especificamente o

    111~~' os estudantes tm em mente ao empregar o termo, atravs 1lo questionamento e da observao contnua, ele pode desenvol-vr hipteses especficas sobre a natureza destes problemas in-l..rucionais.

    ( ~oncluses sobre um acontecimento nico tambm conduzem 11 observador a decidir sobre itens especficos que possam ser uti-ll:t.udos como indicadores5 de fenmenos menos facilmente obser-vndos. Um dado item , pelo menos numa instncia, relacionado IHt.reitamente a algo menos facilmente observvel; assim, o pes-11uisador descobre possveis atalhos que facilmente o qualificam pura observar variveis abstratamente definidas. Por exemplo, 1lc pode decidir investigar a hiptese de que os calouros de Me-llirina sentem que tm mais trabalho do que seria possvel rea-lizar no prazo que lhes concedido. Um estudante, ao discutir 1ste problema, diz enfrentar tanto trabalho que, em contraste tom seus dias de estudante de graduao, forado a estudar muitas horas durante os fins de semana e, mesmo assim, no 11cha que suficiente. O observador decide, com base neste exem-plo, que poderia utilizar as queixas sobre o trabalho de fim de semana como um indicador das perspectivas do estudante sobre t> montante de trabalho que tem a realizar. A seleo de indica-dores para variveis mais abstratas ocorrem de duas maneiras: o observador pode, inicialmente, adquirir conscincia de algum fenmeno muito especfico e, depois, perceber que ele pode ser utilizado como indicador de alguma classe mais ampla de fen-menos; ou ele pode ter em mente o problema mais amplo, e buscar indicadores especficos para utilizar em seu estudo.

    5 O problema de indicadores discutido por Paul F. Lazarsfeld e AJlen Barton, "Qualitativc Mcasurement in thc Social Sciences: Classification, Ty-pologics, and Indiccs", in Daniel Lerner e Harold D. Lasswell, organizadores, The Pol:y Science.: &cent Developnwn.t.s in Soope and Method (Stanford: Stanford University Press, 1951), 155-92; ''Some Functiom; of Qualitative Analysis in Sociological Rcf!earch", Sociologica I (1955), 324-61 (este impor-tante ensaio se equipara, em muitos aspectos, discusso atual); e Patricia L. Kendall e Paul F. Lazarsfeld, "Problems of Survey Analysis", in R. K Merton e P. K. Lazarsfeld, organizadores, Continuities in. Social Research (Gicncoc: Frec Prcss, 1950), 183-186.

  • 52 PROBLEMAS DE INFERNCIA E PROVA

    Esteja ele definindo problemas ou selecionando conceitos e in-dicadores, o pesquisador est, neste estgio, utilizando seus dados somente para especular sobre possibilidades. Operaes posterio-res nos estgios seguintes podem for-lo a abandonar a maioria de suas hipteses provisrias. Todavia, problemas de evidncia se colocam mesmo neste ponto, pois o pesquisador precisa avaliar os itens individuais nos quais suas especulaes esto baseadas, de modo a no desperdiar tempo seguindo pistas falsas. Neces-sitaremos, finalmente, de uma definio sistemtica de leis para ser aplicada aos itens individuais de evidncia. Mas, na falta de tal definio, consideremos alguns testes comumente emprega-dos. (Tipicamente, o observador aplica estes testes medida que parecem razoveis durante este estgio no campo e o sub-seqente. No estgio final, eles so utilizados, de forma mais sistemtica, na avaliao global das evidncias para uma dada concluso. l

    A credibilidade de informantes Muitas evidncias consistem em declaraes feitas por mem-

    bros do grupo em estudo sobre algum acontecimento que tenha ocorrido ou esteja em processo. A