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    HOWARD S. BECKER

    FALANDODA

    SOCIEDADEENSAIOS SOBRE AS DIFERENTES MANEIRA

    DE REPRESENTAR O SOCIA

    TraduMaria Luiza X. de A. Borg

    Consultoria tcniKarina Kusch

    IFCS/UF

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    memria de Michle de la Pradelle, Dwight Conquergood,lain Pessin e Eliot Freidson, amigos e intelectuais.

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    Sumrio

    Prefcio

    PARTE1 | IDEIAS

    1. Falando da sociedade2. Representaes da sociedade como produtos organizacionais3. Quem faz o qu?4. O trabalho dos usurios5. Padronizao e inovao6. O resumo dos detalhes7. A esttica da realidade8. A moralidade da representao

    PARTE2 | EXEMPLOS

    9. Parbolas, tipos ideais e modelos matemticos10. Diagramas: pensar com desenhos11. Sociologia visual, fotografia documental e fotojornalismo12. Drama e multivocalidade: Shaw, Churchill e Shawn13. Goffman, linguagem e a estratgia comparativa14. Jane Austen: o romance como anlise social15. Os experimentos de Georges Perec em descrio social

    16. Italo Calvino, urbanologista

    Eplogo:Finalmente...NotasReferncias bibliogrficasCrdito das ilustraesAgradecimentos

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    ndice remissivo

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    Prefcio

    Este nunca foi um projeto de pesquisa convencional. As ideias nascde minhas leituras habituais, aleatrias e casuais, de anos de ensinosimples fato de viver como uma pessoa de interesses bastante ecltic

    Sempre fui um frequentador de teatros e cinemas, e um incanleitor de fico. Sempre pensei que estava aprendendo cinteressantes sobre a sociedade quando fazia isso, aplicando uma que formulei cedo em minha vida: Se divertido, deve valer a pAssim, j estava de posse de um bom estoque de exemplos sobre os pensar. Tinha visto a pea de Shaw,A profisso da sra. Warren, e gode sua dissecao do problema social da prostituio, por isso tinhna cabea quando comecei a procurar exemplos. Havia lido DickJane Austen, e os considerava casos de como os romancistas apreseuma anlise social.

    Em 1970, como parte de minha preparao para trabalhar na sociodas artes, aprendi a fotografar, tomando aulas no San FranciscoInstitute e envolvendo-me no mundo fotogrfico ali e em ChiFotgrafos documentais partilharam comigo sua preocupao somaneira de apresentar as anlises sociais que queriam fazer, assim os alunos que logo vim a ter, e comecei a ver como seus problempareciam com os enfrentados pelos cientistas sociais (inclusive eu)

    expressar aquilo que tinham a dizer.Nunca fui bom na leitura da bibliografia oficial de discipli

    campos formalmente traados, e jamais pensei que as cincias stinham o monoplio do conhecimento sobre o que se passa na socieEncontrei tantas boas ideias na fico, no teatro, cinema e fotocomo no que se esperava que eu lesse. E as ideias que me aco

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    quando via projetos fotogrficos documentais ou filmes tammigraram para meu pensamento sobre cincias sociais convencionai

    Fiz algumas leituras srias da literatura polmica que todo camposobre problemas de mtodo. Essa literatura contm grande parte dpoderamos coligir se entrevistssemos os participantes desses deAs questes que eles levantam so aquelas enfrentadas

    profissionais nesses campos, e as amplas discusses publicadas fimensamente teis. Claro que, quando tive a chance de conversarpessoas sobre problemas de representao em sua linha especfitrabalho, tratei de aproveit-la, mas no fiz entrevistas nem reuni de maneira sistemtica.

    O trabalho como professor afetou o desenrolar de meu pensamendois casos muito especficos. Quando eu lecionava sociologiUniversidade Northwestern, tive a sorte de conhecer o falecido DConquergood, que lecionava no Departamento de Estudos da Performna Escola de Comunicao e Artes.1Dwight estudava o que chamaaspecto performativo da sociedade, a maneira como a vida socialser vista como uma srie de performances. No que ainda mais relevapresentava muitas vezes os resultados de suas pesquisas acer

    refugiados asiticos, membros de gangues de Chicago sob a formperformances. Isso era algo que eu tentara fazer, sem qualquer prefetivo e sem grande sucesso, com meus colegas Michael McCall eMorris em cerca de duas performances sociolgicas1 que descrenossas pesquisas, realizadas em colaborao, sobre comunidades teem trs cidades. Assim, quando Dwight e eu nos conhecemos, a idedarmos juntos um curso chamado Cincias sociais perform

    (Performing Social Science) no demorou a surgir. Os alunos provindo departamento dele e do Departamento de Teatro da EscoComunicao e Arte, que era maior; os meus provinham em maior da sociologia. Eles incluam estudantes de ps-graduao e de graduDemos o curso em 1990 e 1991, e nas duas vezes a principal ativconsistiu em performances dos alunos (e, na segunda vez, dos profes

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    tambm) de algo que pudesse ser considerado cincias sociais. Ndefinio era abrangente, de modo que as peas encenadas vinhauma variedade de campos histria, sociologia, literatura, teatro criatividade dos prprios alunos. Vou me referir ocasionalmente a eventos, que muitas vezes corporificavam as questes organizaciocientficas e estticas em que eu estava interessado.

    Um seminrio chamado Falando sobre a sociedade, que minduas vezes, uma na Universidade da Califrnia em Santa Barbara e um ano depois, na Universidade de Washington, tambm me deu mem que pensar. Os participantes dessa pequena aventura vinham de vdepartamentos e consistiam quase inteiramente em estudantes degraduao. Isso significava que eram, inevitavelmente, menos ouque os estudantes de graduao com que Conquergood e eu tnhtrabalhado na Northwestern, tendo mais a perder e coisas mais prema exigir seu tempo e ateno. Por outro lado, eram mais reflexivos as ramificaes do tema, mais dispostos a ser crticos e propendiscusses, e por isso tendiam mais a me provocar para reabrir queque eu considerava resolvidas.

    Os seminrios eram dedicados a um meio diferente a cada sem

    cinema, teatro, tabelas estatstica, e assim por diante. Eu indicava leou, com igual frequncia, apresentava turma algo a que devia ralguma provocao s suas ideias estereotipadas sobre o que consuma forma apropriada de descrever a sociedade. Comecei o priencontro da turma, no primeiro curso que dei, descrevendoMad F(1996), pea de Caryl Churchill sobre o casamento entre os filhos defamlias romenas de classes sociais substancialmente diferente

    segundo ato da pea ilustrava exatamente aquilo de que trataramoaulas, pois uma representao artstica do processo que os ciensociais chamaram por vezes de comportamento coletivo elementaformao de multido. O Captulo 12 conta como fiz os alunos leato em voz alta e depois insisti com eles em que haviam no aexperimentado uma emoo, mas tambm lido a melhor anlise q

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    conhecia sobre formao de multido. Muitos deles concordaram,lhes disse que aquilo estabelecia o problema do curso. Que manalm das conhecidas pelos cientistas sociais, podiam transmitinformao? Acho que muitos dos alunos no teriam aceitado a qucom tanta boa vontade se no tivessem tido a experincia teatrahaviam acabado de proporcionar a si mesmos.

    Nas semanas seguintes assistimos ao vdeo de Anna Deavere Sire in Crown Heights (2001), em que ela enuncia as coisas que m

    pessoas de inmeros grupos sociais lhe haviam dito depois daepisdio de violncia no Brooklyn. Vimos Titicutt Follies (1967Frederick Wiseman, documentrio sobre um manicmio judicirMassachusetts. Examinamos e discutimos uma coleo que eu haviade tabelas e diagramas, e dei um minicurso sobre modelos matempara o qual estava mal preparado. Planejei os seminrios com abundde exemplos concretos a serem discutidos, na esperana de evitar pensei ser uma conversa fiada terica estril. Meu plano funcmuito bem, e as discusses foram boas o suficiente para que em gepassasse o dia seguinte datilografando anotaes sobre elas pensamentos que haviam suscitado.

    Na ementa do curso, eu havia declarado aos estudantes:A estratgia bsica do curso comparativa. O que h para ser comparado ampla variedade de gneros de representao: de filmes, romances e peaum lado, a tabelas, diagramas, grficos e modelos matemticos, por outro, em que possamos pensar entre uma coisa e outra. Eles sero comparadtocante ao modo como resolvem os problemas genricos da representao dsocial. E essa lista de problemas ser em parte gerada vendo-se que tip

    problemas so preeminentes em cada gnero. (Isso far mais sentido quafizermos; percebo que talvez parea um pouco enigmtico neste momento.)

    Vocs podem pensar no assunto com que trabalharemos como uma gradeeixo, tipos de meios ou gneros, como na lista acima. Ao longo do outro

    problemas que surgem quando fazemos representaes: a influncoramentos, as obrigaes ticas de quem faz a representao, maneigeneralizar que conhecemos, graus de multivocalidade etc. Em prin

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    poderamos investigar cada problema em cada gnero, preencher cada casa por essa classificao cruzada, mas isso no prtico. Assim, nossa cobeser bastante casual, influenciada sobretudo pelos materiais facildisponveis para ns, a serem discutidos, e por meus prprios inte

    particulares. Mas a lista das coisas sobre as quais poderamos falar poampliada para abarcar outros gneros e problemas, se a vontade das pessoasdeterminar.

    E essa atitude criou o problema organizacional deste livro.Robert Merton gostava de encontrar proposies que exemplific

    aquilo que afirmavam, o que fazia com mais sucesso em suas ideias profecias autorrealizadoras. Reunir este material me ps exatamnessa posio. Como poderia eu representar minha anlisrepresentao?

    Eu tinha dois tipos de material com que trabalhar: ideias comunidades organizadas em torno da feitura e do uso de particulares de representao, como filmes, romances ou taestatsticas; e amplas discusses sobre descries da sociexemplificando o que havia sido feito em alguns desses campos. Gparte de meu pensamento fora estimulada pela reflexo sobre trab

    bem-sucedidos de representao, em particular alm dos lidisciplinares das cincias sociais, e queria que meus resulcorporificassem e enfatizassem isso.

    Fazer tabulaes cruzadas de tipos de meios (filmes, peas, tamodelos e todo o resto) segundo tipos de problemas analticos (qudiviso de trabalho entre produtores e usurios de representaesexemplo) geraria um nmero muito grande de combinaes sob

    quais escrever. Essa espcie de estrutura classificatria est subjacenque fiz, mas eu no queria me sentir obrigado a preencher todas casas descritivas e analticas. No pensava tampouco que uma abordenciclopdica seria til para meu objetivo, que comecei a ver comoabrir meus prprios olhos e os dos outros nos campos em que eu einteressado (que nessa altura iam alm das cincias sociais) para

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    esfera mais ampla de possibilidades representacionais.Adotei uma abordagem diversa, fortemente influenciada por m

    experincia e experimentos com hipertexto, em que muitos fragmentextos podem ser lidos numa variedade de ordens, por vezes em quaordem escolhida pelo usurio. As partes so dependentes umas das omas no a ponto de tornar obrigatria uma dada ordem. Nesse espr

    livro tem duas partes: Ideias consiste em ensaios curtos sobre tgerais que se tornam mais claros quando vistos como aspectos de mrepresentacionais. Exemplos contm vrias apresentaes e anlisobras especficas ou corpos de obra, ou tipos de representaoassumiram novo significado para mim quando os vi luz das gerais. Os textos nas duas sees referem-se uns aos outros, e preque o todo se aproxime mais de uma rede de pensamentos e exemplode uma argumentao linear. Essa abordagem talvez se adapte melhcomputador, que torna to fcil para o leitor passar de tpico a tmas aqui voc a tem num livro impresso. Peo desculpas por isso.

    Portanto voc pode e deve ler o material nessas duas sequalquer ordem que lhe convenha, dentro de cada seo e entre elapartes destinam-se tanto a serem independentes quanto a se ilumin

    umas s outras. O significado completo resulta do modo como vocas partes segundo seus prprios objetivos, sejam eles quais forem. Sfuncionar, e espero que funcione, tanto cientistas sociais quanto arcom interesses documentais encontraro aqui algo que lhes pode ser

    1 School of Speech: segundo esclarecimentos do autor, trata-se de uma univerque rene uma combinao ecltica de disciplinas, como teatro, cinema, ordeclamao etc. (N.T.)

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    PARTE 1 |IDE

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    1. Falando da sociedade

    Moro h muitos anos em So Francisco, na parte mais baixa da endo Russian Hill ou no trecho mais alto de North Beach; o modo descrevo isso depende de quem estou tentando impressionar. Moro do Fishermans Wharf, na rota que muita gente toma para voltar atrao turstica a seu hotel no centro ou fileira de motis da LomStreet. Olhando por uma de minhas janelas, frequentemente vejo gde turistas parados, olhando alternadamente para seus mapas e paaltos morros que se interpem entre eles e seus destinos. O que acon claro. A linha reta no mapa parecia uma agradvel caminhada pobairro residencial, que poderia lhes mostrar como vivem os naAgora esto pensando, como me disse o jovem britnico a quem oajuda: Preciso chegar ao meu hotel e no vou subir aquele mmorro!

    Por que os mapas que essas pessoas consultam no as alertam pamorros? Os cartgrafos sabem como indicar morros, de modo que uma restrio do meio que causa transtornos aos pedestres. Mas os mso feitos para motoristas, originalmente (embora no mais) pagoempresas de combustvel e fabricantes de pneus, e distribudos em pde gasolina1 e os motoristas preocupam-se menos que os pedcom morros.

    Esses mapas, e as redes de pessoas e organizaes que os elaborutilizam, exemplificam um problema mais geral. Um mapa comumruas de So Francisco uma representao convencional dasociedade urbana: uma descrio visual de suas ruas e pontoreferncia e de sua distribuio no espao. Cientistas sociais e cidcomuns usam rotineiramente no somente mapas, mas tambm

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    grande variedade de outras representaes da realidade social aexemplos aleatrios so filmes documentrios, tabelas estatsticashistrias que as pessoas contam umas para as outras, de modo a exquem so e o que esto fazendo. Todos eles, como os mapas, dodescrio apenas parcial, mas apesar disso adequada para algum objTodos emergem em contextos organizacionais, que limitam o que

    ser feito e definem os objetivos a que a obra dever atender.compreenso sugere vrios problemas interessantes: Comnecessidades e prticas de organizaes moldam nossas descrianlises (vamos cham-las de representaes) da realidade social? Cas pessoas que usam essas representaes chegam a defini-las adequadas? Essas questes tm uma relao com questes tradicisobre saber e contar em cincia, mas vo alm delas para inproblemas mais tradicionalmente associados com as artes e cexperincia e a anlise da vida cotidiana.

    Durante muitos anos, estive envolvido com uma variedade de mande falar sobre a sociedade, profissionalmente e por pura curiosnatural. Sou um socilogo, por isso as maneiras de falar que vimediato minha mente so as que os socilogos usam rotineiram

    descrio etnogrfica, discurso terico, tabelas estatsticarepresentaes visuais de nmeros como diagramas de barras), narhistrica, e assim por diante. Muitos anos atrs, porm, entrei paraescola de arte e tornei-me fotgrafo, e nesse processo desenvolvforte e duradouro interesse por representaes fotogrficas da socieque fotgrafos documentais e outros vm fazendo desde a invenmeio. Isso me levou muito naturalmente a pensar sobre o cinema

    uma outra maneira de falar sobre a sociedade. E no apenas fdocumentrios, mas filmes de fico tambm. Eu havia sido um leitor de fico desde menino, e, como a maior parte dos outros lede histrias, sabia que elas no so feitas apenas de fantasiasfrequentemente contm observaes que merecem ser lidas sobre cosociedade construda e funciona. Por que no representaes dram

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    de histrias no palco tambm? Tendo sempre me interessado e envoem todas essas maneiras de falar sobre a sociedade, decidi tirar proda coleo um tanto casual e aleatria de exemplos que elas hadepositado em meu crebro.

    Para fazer o qu? Para ver os problemas que qualquer pessoa quefazer o trabalho de representar a sociedade deve solucionar, que tip

    soluo foram encontrados e tentados, e com que resultado. Para que os problemas de diferentes meios tm em comum e que aspectsolues que funcionam para um tipo de relato quando aplicadas a aoutro tipo. Para ver o que, por exemplo, tabelas estatsticas tmcomum com projetos fotogrficos documentais, o que momatemticos tm em comum com fico de vanguarda. Para vesolues para os problemas de descrio um campo pode importoutro.

    Assim, estou interessado em romances, estatsticas, histetnografias, fotografias, filmes e qualquer outra forma pela qual petenham tentado contar a outras o que sabem sobre sua sociedadalguma outra sociedade que as interesse. Chamarei os produtos deessa atividade em todos esses meios de relatos sobre a sociedade

    por vezes, representaes da sociedade. Que problemas e quesurgem quando se fazem esses relatos, em qualquer meio? Monteilista dessas questes a partir das coisas que as pessoas que fazemtipo de trabalho falam e das queixas que fazem umas para as ousando como princpio bsico de descoberta esta ideia: se algo problema numa maneira de fazer representaes, um problemtodas as outras maneiras. Mas as pessoas que trabalham numa

    podem ter resolvido o problema de modo inteiramente satisfatrioelas, e assim sequer pensam nele como um problema, enquantooutras pessoas ele parece um dilema insolvel. Isso significa que ltimos podem aprender alguma coisa com os primeiros.

    Fui abrangente ao fazer essas comparaes, incluindo (pelo menoprincpio) todos os meios e gneros que as pessoas usam ou j us

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    Claro que no falei sobre tudo. Mas tentei evitar as tendenciosiconvencionais mais bvias e considerei, alm de formatos cientrespeitados e aqueles inventados e usados por profissionaisdisciplinas cientficas reconhecidas, aqueles usados por artistas e ltambm. Uma lista sugere essa variedade de tpicos: das cincias somodos de representao como modelos matemticos, tabelas estat

    e grficos, mapas, prosa etnogrfica e narrativa histrica; das romances, filmes, fotografias imveis e teatro; da grande e vagaentre uma coisa e outra, histrias de vida e outros materiais biogrfiautobiogrficos, reportagens (inclusive os gneros mistos do docudfilme documentrio e fato ficcionalizado) e a narrativa de histrelaborao de mapas e outras atividades representacionais de leigode pessoas atuando na condio de leigas, como at profissionais fna maior parte do tempo).

    Quem fala?

    Somos todos curiosos em relao sociedade em que viv

    Precisamos saber, na base mais rotineira e da maneira mais cocomo nossa sociedade funciona. Que regras governam as organizaque participamos? Em que padres rotineiros de comportamento opessoas se envolvem? Sabendo essas coisas, podemos organizar prprio comportamento, aprender o que queremos, como obt-lo, qcustar, que oportunidades de ao vrias situaes nos oferecem.

    Onde aprendemos essas coisas? Da maneira mais imediata, a partexperincias de nossa vida diria. Interagimos com todas as espcipessoas, grupos e organizaes. Conversamos com pessoas de todtipos em todos os tipos de situao. Evidentemente, no de todosos a experincia social de tipo face a face limitada pelas relaes socsituao na sociedade, os recursos econmicos, a localizao geogrPodemos nos virar com esse conhecimento limitado, mas, em socie

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    modernas (provavelmente em todas as sociedades), precisamos conmais do que aprendemos com a experincia pessoal. Precisamos pelo menos queremos saber sobre outras pessoas e lugares, osituaes, outras pocas, outros estilos de vida, outras possibilidoutras oportunidades.

    Assim, procuramos representaes da sociedade em que o

    pessoas nos falam sobre todas essas situaes, lugares e pocas quconhecemos em primeira mo, mas sobre os quais gostaramos de sCom a informao adicional, podemos fazer planos mais complereagir de uma maneira mais complexa s nossas situaes deimediatas.

    Para simplificar, uma representao da sociedade algo que alnos conta sobre algum aspecto da vida social. Essa definio abarcgrande territrio. Num extremo situam-se as representaes comunfazemos uns para os outros como leigos, no curso da vida diria. por exemplo a elaborao de mapas. Em muitas situaes e para mobjetivos, essa uma atividade altamente profissionalizada, baseadsculos de experincia prtica combinada, raciocnio matemterudio cientfica. Em muitas outras situaes, porm, uma ativ

    comum que todos exercemos de vez em quando. Convido-o a me uma visita em certa ocasio, mas voc no sabe ir de carro at onde Posso lhe dar orientaes verbais: Vindo de Berkeley, voc toprimeira sada direita logo depois da Bay Bridge, vira esquercomeo da ladeira, segue por vrios quarteires e vira esquerSacramento, continua seguindo at chegar a Kearny, vira direita eat Columbus... Posso lhe sugerir que consulte um mapa comum de

    alm de minhas orientaes, ou posso simplesmente lhe dizer que na esquina de Lombard com Jones e deixar que voc use o mapalocalizar esse ponto. Ou posso desenhar meu prprio mapersonalizado para voc. Posso mostrar de onde voc deve partir casa e desenhar as ruas relevantes, indicando-lhe onde virarextenso ter cada trecho, por que pontos de referncia voc pass

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    como saber que chegou minha casa. Hoje, um site na internet ntudo isso, ou podemos deixar que nosso GPS faa o servio para ns

    Estas so todas representaes de uma poro da sociedade, connuma simples ligao geogrfica; uma maneira mais simples e melhdizer isso que estas so todas maneiras de falar sobre a sociedasobre alguma parte dela. Algumas das maneiras o mapa rodov

    comum ou alguma descrio gerada por computador so elabopor profissionais altamente preparados, lanando mo de gquantidade de equipamentos e conhecimento especializado. A descerbal e o mapa caseiro so feitos por pessoas iguais quelas a quem

    dados, pessoas que no tm mais conhecimento ou habilidade geogque qualquer adulto razoavelmente competente. Todas elas so capcada uma a seu modo, de fazer o servio de levar algum de um luoutro.

    Meus prprios colegas de profisso socilogos e outros ciensociais gostam de falar como se tivessem o monoplio da crdessas representaes, como se o conhecimento da sociedadeproduzem fosse o nico conhecimento real sobre esse assunto. Iss verdade. E eles gostam de fazer a afirmao igualmente tola de q

    maneiras que possuem de falar sobre a sociedade so as melhores nicas pelas quais isso pode ser feito de forma apropriada, ou quemaneiras de fazer esse trabalho protegem contra todas as espcierros terrveis que poderamos cometer.

    Esse tipo de conversa apenas uma tomada do poder profissclssica. Levar em conta as maneiras como as pessoas que trabalhaoutros campos artistas visuais, romancistas, dramaturgos, fotgra

    cineastas e os leigos representam a sociedade revelar dimeanalticas e possibilidades que a cincia social muitas vezes igserem teis em outros aspectos. Vou me concentrar no trarepresentacional feito por outros tipos de trabalhadores, bem naquele feito por cientistas sociais. Estes sabem como fazer seu trabe ele adequado para muitos objetivos. Mas suas maneiras no s

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    nicas.Quais so algumas das outras maneiras? Podemos categoriz

    atividades representacionais de diversas formas. Poderamos falmeios cinema versus palavras versus nmeros, por exePoderamos falar sobre a inteno dos produtores das representacincia versus arte versus reportagem. Um levantamento abran

    desse tipo serviria bem a muitos objetivos, mas no ao meu objetiexplorar problemas genricos de representao e a variedade de solque o mundo produziu at agora. Examinar algumas das manprincipais, altamente organizadas, de falar sobre sociedade significaatento s distines entre cincia, arte e reportagem. Mais domaneiras diferentes de fazer alguma coisa, estas so formas de orgao que poderia ser, do ponto de vista de materiais e mtodos, mamenos as mesmas atividades. (Mais adiante, no Captulo 11comparar trs modos de usar fotografias para esses trs tipos de trabendo como as mesmas fotografias poderiam ser arte, jornalism

    cincia social.)Falar sobre a sociedade em geral envolve uma comun

    interpretativa, uma organizao de pessoas que faz rotineiram

    representaes padronizadas de um tipo particular (produtores)outros (usurios) que as utilizam rotineiramente para objepadronizados. Os produtores e os usurios adaptaram o que fazem aoutros fazem, de modo que a organizao de fazer e usar , pelo mpor algum tempo, uma unidade estvel, um mundo (empregadosentido tcnico que desenvolvi em outro momento2 e discutirei completamente abaixo).

    Com bastante frequncia, algumas pessoas no se encaixamnesses mundos organizados de produtores e usurios. experimentadores e inovadores no fazem as coisas como so usualmfeitas, e por isso suas obras podem no ter muitos usurios. Msolues que do para problemas comuns nos dizem muito e anossos olhos para possibilidades que uma prtica mais convenciona

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    . As comunidades interpretativas muitas vezes tomam empresprocedimentos e formas, usando-os para fazer algo em que seus crianaquela outra comunidade nunca tinham pensado, ou que jamais tipretendido, produzindo misturas de mtodo e estilo para se encaixacondies cambiantes das organizaes mais amplas a que pertencem

    Isso tudo muito abstrato. Aqui est uma lista mais especfi

    formatos comuns para falar sobre a sociedade, produtoras de obrrepresentao social que merecem ser cuidadosamente examinadas:

    Fico. Obras de fico romances e contos serviram muitas como veculos de anlise social. As sagas de famlias, classes e gprofissionais produzidas por escritores to diferentes em propstalento como Honor de Balzac, mile Zola, Thomas Mann, C.P. SnAnthony Powell sempre foram compreendidas como corporifidescries complexas de uma vida social e seus processos constituindelas dependendo para extrair seu poder e virtudes estticas. As obrCharles Dickens, tomadas isoladamente ou em conjunto, fcompreendidas (como ele pretendeu que fossem) como uma manedescrever para um amplo pblico as organizaes que produzia

    males que acometiam sua sociedade.Arte dramtica. De maneira semelhante, o teatro foi muitas vezeeculo para o exame da vida social, em especial a descrio e anli

    males sociais. George Bernard Shaw empregou a forma dramticacorporificar sua compreenso de como problemas sociais surgiquo profundamente penetravam o corpo poltico. Sua peaA prof

    da sra. Warren explica o funcionamento do negcio da prostitquando ele assegurava o sustento de pelo menos parte da classbritnica, eMajor Barbara fez o mesmo para a guerra e o fabrimunies. Muitos teatrlogos usaram a arte dramtica para objesemelhantes (Henrik Ibsen, Arthur Miller, David Mamet).

    Dizer que essas obras e autores fazem anlise social no sig

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    que isso tudo que fazem, ou que essas obras so apenas sociosob um disfarce artstico. Em absoluto. Seus autores tm em mobjetivos que vo alm da anlise social. Contudo at o crticoformalista deveria perceber que alguma parte do efeito de muitas de arte depende de seu contedo sociolgico e da crena dos leitoplateias de que o que essas obras lhes dizem sobre a sociedade , em

    sentido, verdadeiro.

    Filmes. No caso mais bvio, o documentrio Harlan County, U(1976), de Barbara Koppel, e Chronique dun t(1961), de Edgar Me Jean Rouch, so exemplos bem conhecidos teve como objprimeiro a descrio da sociedade, muitas vezes, mas necessariamente de maneira declarada, de uma perspectiva reformbuscando mostrar aos espectadores o que est errado nos arranjos satuais. Filmes de fico tambm pretendem muitas vezes analicomentar as sociedades que apresentam, muitas vezes aquelas em qufeitos. Os exemplos vo desde o pseudodocumentrio de PontecorvoA Batalha de Argel (1966) a produes clssicaHollywood comoA luz para todos(1947), de Elia Kazan.

    Fotografias. De maneira semelhante, fotografias imveis ocuparmuitas vezes de anlise social desde os primrdios do gnero. Um gbem definido de fotografia documental teve uma histria longa e ilAlguns trabalhos exemplares desse gnero incluem The Secret Pathe 30s (1976), de Brassa,American Photographs ([1938] 1975Walker Evans, e The Americans([1959] 1969), de Robert Frank.

    At agora, falei sobre modos artsticos de fazer representasociedade. Outras representaes esto mais associadas cincia.

    Mapas. Os mapas, associados com a disciplina da geografia especificamente a cartografia), so uma maneira eficiente de grandes quantidades de informao sobre unidades sociais conside

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    em sua dimenso espacial.

    Tabelas. A inveno da tabela estatstica no sculo XVIII tornou poresumir vastos nmeros de observaes especficas num focompacto e comparvel. Essas descries compactas ajudam goveroutros a organizar a ao social deliberada. O censo governamenta

    forma clssica desse uso. Cientistas empregam tabelas para exibir que outros podem usar para avaliar suas teorias. Os cientistas sociasculo XX tornaram-se cada vez mais dependentes da exibio tabudados quantitativos colhidos especificamente para esse propsito.

    Modelos matemticos. Alguns cientistas sociais descreveram a social reduzindo-a a entidades abstratas exibidas como mo

    matemticos. Esses modelos, intencionalmente distantes da realsocial, podem transmitir relaes bsicas caractersticas da vida sEles foram usados na anlise de fenmenos sociais to variados qsistemas de parentesco e o mundo da msica popular comercial.

    Etnografia. Uma forma clssica de descrio social foi a etnogdescrio verbal detalhada do modo de vida, considerado emtotalidade, de alguma unidade social, de forma arquetpica, manecessariamente, um pequeno grupo tribal. O mtodo passou aplicado, e hoje amplamente usado em organizaes de todos os escolas, fbricas, reas urbanas, hospitais e movimentos sociais.

    Em algum ponto entre os extremos da arte e da cincia situam

    histria e a biografia, geralmente dedicadas a descries detalhaprecisas de eventos passados, mas muitas vezes igualmente propenavaliar amplas generalizaes sobre assuntos com que as outras cisociais lidam. (Lembrem-se de que todos os relatos sociais de hoje matria-prima para historiadores do futuro, assim como obras-primsociologia, como os estudos de Middletown feitos por Ltransformaram-se, de anlise social, em documento histrico.)

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    Finalmente, h os extravagantes, rebeldes e inovadores de queantes. Alguns produtores de representaes da sociedade mistmtodos e gneros, experimentam formas e linguagens e fornanlises de fenmenos sociais em lugares em que no as esperamos formas que no reconhecemos nem como arte nem como cincia, oemos como uma mistura incomum e estranha de gneros. Assim,

    Haacke, que pode ser chamado de artista conceitual, serve-sexpedientes simples para levar usurios a concluses inespeGeorges Perec e Italo Calvino, membros do grupo literrio frOulipo,3 dedicado a experimentos literrios esotricos, fizeramromance, numa forma ou outra, um veculo para pensamento sociolsutil. E nas talk pieces de David Antin, histrias que podem ou nfices e transmitem anlises e ideias sociais complexas. Como esses experimentos, a obra desses artistas nos obriga a reconsprocedimentos que de hbito consideramos bvios, e vamos discuttrabalho em maiores detalhes adiante.

    Fatos

    Devo fazer uma distino importante, mesmo que ela seja falacienganadora, e cada palavra envolvida seja escorregadia e incerta. Nparece que esses defeitos faam muita diferena para meu objetivo a distino entre fato e ideia (ou interpretao). Uma parqualquer relato sobre a sociedade (de qualquer dos tipos que aca

    esboar) uma descrio de como as coisas so: como alguns tipcoisas so, em algum lugar, em algum momento. Este o nmepessoas que h nos Estados Unidos, tal como contadas no ano 2000Departamento de Recenseamento. Este o nmero de pessoas dofeminino e o nmero de pessoas do sexo masculino. Esta a distribetria dessa populao quantas pessoas com menos de cinco quantas entre cinco e dez anos, e assim por diante. Esta a compo

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    racial dessa populao. Esta a distribuio de suas rendas. Estdistribuio das rendas em subgrupos raciais e de gnero da popula

    Estes so fatos sobre a populao dos Estados Unidos (e, claro,semelhantes esto mais ou menos disponveis para todos os outros pdo mundo). Eles so descries do que encontraria uma pessoa que procura desses nmeros, as evidncias que resultam das operae

    demgrafos e estatsticos empreenderam em conformidade coprocedimentos de seu ofcio.

    Da mesma maneira, antroplogos nos dizem, por exemplo, comopessoas, vivendo nessasociedade, avaliam o parentesco: eles reconhtais e tais categorias de relao familiar e pensam que assimpessoas relacionadas de tal e tal maneira devem se comportar umasas outras; estes so, na expresso clssica, seus direitos e obrigmtuos. Os antroplogos sustentam suas anlises com descriefatos sobre como essas pessoas falam e se comportam, contidas nas de campo que relatam suas observaes e entrevistas in loco, assim demgrafos apoiam as descries da populao dos Estados Unidodados produzidos pelo censo. Em ambos os casos, os profissicomeam com evidncias colhidas de maneiras reconhecidas por

    colegas de ofcio e consideradas suficientes para assegurar o factual dos resultados.Agora passemos s ressalvas. Thomas Kuhn persuadiu-me h

    tempo de que fatos nunca so apenas fatos, mas antes, como dissesto carregados de teoria. 4Cada afirmao de um fato pressupeteoria que explica que entidades esto ali para serem descritascaractersticas elas podem ter, quais dessas caractersticas podem

    observadas e quais podem ser apenas inferidas a partir de caracterobservveis, e assim por diante.

    As teorias muitas vezes parecem to bvias como se foautoexplicativas. Algum precisa demonstrar que podemos discernser humano quando vemos um e distinguir tal ser de algum outro tianimal? preciso demonstrar que esses seres humanos podem

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    caracterizados como homens ou mulheres? Ou como negros, braasiticos ou de alguma outra variedade racial?

    De fato, cientistas e leigos discutem sobre coisas como essas o ttodo, como deixam claro as categorias raciais em contnua mudancensos no mundo inteiro. Caractersticas como gnero e raaaparecem na natureza de maneira bvia. Cada sociedade tem form

    diferenar meninos de meninas e distinguir membros de categraciais que seus membros consideram importantes. Mas essas categse baseiam em teorias sobre as caractersticas essenciais dos humanos, e a natureza das categorias e dos mtodos de atribuir pesselas varia entre sociedades. Assim, nunca podemos tomar os fatos bvios. No h fatos puros, apenas fatos que adquirem significpartir de uma teoria subjacente.

    Alm disso, fatos so fatos apenas quando aceitos como tais pessoas para quem so relevantes. Estaria eu me entregando a umpernicioso de relativismo, ou a um jogo de palavras malicioso? Tamas no penso que temos de discutir se h uma realidade ltima cincia acabar por revelar para reconhecer que pessoas seninclusive cientistas sensatos, frequentemente discordam com rela

    que constitui um fato, e a quando um fato realmente um fato. discordncias surgem porque os cientistas em geral discordam relao ao que constitui evidncia adequada da existncia de umBruno Latour demonstrou, bem o suficiente para satisfazer a mimmuitos outros, que, como ele expressa de forma to elegante, o destium achado cientfico reside nas mos dos que passam a se interessaele depois.5Se estes o aceitam como um fato, ele ser tratado com

    Isso significa que qualquer insignificncia pode ser um fato? No, pum dos atuantes, para usar a deselegante expresso de Latour, queconcordar com a interpretao o objeto sobre o qual as declarafato so feitas. Posso dizer que a Lua feita de queijo verde, mas ter de cooperar, exibindo caractersticas que outras pessoas reconhcomo prprias de queijo verde do contrrio meu fato se tornar

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    no fato inaceitvel. Pior ainda, meu fato pode sequer ser contespode ser simplesmente ignorado, de modo que seria lcito dizer quno existe de maneira alguma, pelo menos no no discurso dos cienque estudam a Lua. Pode haver uma realidade ltima, mas somos seres humanos falveis e passveis de erro, de modo que todos os fatmundo real em que vivemos so discutveis. Este fato no mnim

    renitente e difcil de descartar com palavras quanto qualquer outrocientfico.

    Finalmente, fatos no so aceitos em geral pelo mundo todoaceitos ou rejeitados pelos pblicos particulares aos quais proponentes os apresentam. Isso significa que a cincia situacioportanto seus achados no so universalmente verdadeiros? No assumindo uma posio nessas questes fundamentais de epistemoapenas reconhecendo o que bvio: quando fazemos um relato sosociedade, ns o fazemos para algum, e a identidade desse algumo modo como apresentamos o que sabemos e o modo como os usureagem ao que lhes apresentamos. Os pblicos diferem iimportante no que sabem e podem fazer, no que acreditam eaceitar, com base na confiana ou em algum tipo de evidncia. Difer

    tipos de relatos destinam-se rotineiramente a diferentes tipos de pbtabelas estatsticas a pessoas mais ou menos preparadas para lmodelos matemticos a pessoas com formao altamente especialnas disciplinas relevantes, fotografias a uma ampla variedade de pbleigos e profissionais, e assim por diante.

    Assim, em vez de fatos sustentados por evidncias que os toaceitveis como fatos, temos fatos baseados numa teoria, aceito

    algumas pessoas porque foram colhidos de uma maneira aceitvelalguma comunidade de produtores e usurios.

    Interpretaes

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    No fcil distinguir interpretaes de fatos. Cada fato, em seu consocial, implica e convida a interpretaes. As pessoas passam facilme sem muita reflexo de uma coisa a outra. Os mesmos fatos daroa muitas interpretaes. Dizer, para tomar um exemplo provocativogrupos raciais diferem em ndices de QI pode certamente ser um faisto , pode ser demonstrado pelo uso de testes comumente usado

    psiclogos que fazem dessas medies ocupao sua. Mas interpretachado como este como demonstrao de que tais diferenagenticas herdadas, e portanto no facilmente alterveis no fato, mas uma interpretao do significado do fato relatado. interpretao alternativa diz que o fato demonstra que o teste de aplica apenas a uma cultura e no pode ser usado para compopulaes diferentes.

    Os achados sobre raa, gnero e renda que podemos encontrar no dos Estados Unidos tambm no falam por si mesmos. Algum faleles, interpretando seu significado. As interpretaes geram discusso que os fatos. Podemos concordar com relao aos nmerodescrevem as relaes entre gnero, raa e renda, mas os mesmos de um censo poderiam ser interpretados para mostrar a existnc

    discriminao, a reduo da discriminao, o efeito conjunto decondies desvantajosas (ser mulher, ser negro) sobre a renda, ou moutras histrias possveis.

    Um relato sobre a sociedade, portanto, um dispositivo que coem declaraes de fato, baseadas em evidncias aceitveis para apblico, e interpretaes desses fatos, igualmente aceitveis para apblico.

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    2. Representaes da sociedade como produtos

    organizacionais

    As pessoas que coletam fatos sobre a sociedade e os interpretamcomeam do zero a cada relato que fazem. Usam formas, mtoideias que algum grupo social, grande ou pequeno, j tem disposio como uma maneira de fazer esse trabalho.

    Relatos sobre a sociedade (lembre-se de que representao e r

    referem-se mesma coisa) fazem mais sentido quando os vemoscontexto organizacional, como maneiras pelas quais algumas pecontam o que pensam saber para outras pessoas que querem saber, atividades organizadas, moldadas pelos esforos conjuntos de todenvolvidos. um erro que gera confuses enfatizar substantivos emde verbos, objetos em lugar de atividades, como se investigsstabelas, diagramas, etnografias ou filmes. Faz mais sentido ver

    artefatos como os restos congelados da ao coletiva, reanimados seque algum os emprega como pessoas que fazem e leem diagramprosa, fazem e assistem a filmes. Deveramos compreender a exprumfilmecomo uma abreviatura para a atividade de fazer um filmver um filme.

    Essa uma distino relevante. A concentrao no objeto desvia ateno para as capacidades formais e tcnicas de um meio: quantode informao uma tela de televiso com determinado grau de resopode transmitir? Um meio puramente visual pode comunicar nlgicas como causalidade. A concentrao na atividade organizadaoutro lado, mostra que aquilo que um meio pode fazer est semprfuno do modo como as limitaes organizacionais afetam seu uque as fotografias podem transmitir depende em parte do oramen

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    projeto fotogrfico, que limita quantas fotos podem ser tiradas e elas podem ser exibidas, quanto dinheiro ser gasto com elas (em opalavras, quanto tempo de fotgrafo ser pago), e da quantidade e dde ateno que os observadores dedicaro sua interpretao.

    Encarar relatos sobre sociedade do ponto de vista organizacsignifica introduzir na anlise todos os aspectos das organizaes em

    eles so feitos: estruturas burocrticas, oramentos, cprofissionais, caractersticas e aptides do pblico tudo isso temefeito importante no falar sobre a sociedade. Trabalhadores deccomo fazer representaes vendo o que possvel, lgico, exequdesejvel, dadas as condies sob as quais as realizam e as pessoasquem as expem.

    Faz sentido falar, numa analogia grosseira com a ideia de um mda arte,1 de mundos de produtores e usurios de representaemundos do filme documentrio ou dos grficos estatsticosmodelagem matemtica ou das monografias antropolgicas. mundos consistem em todas as pessoas e artefatos cujas atividadproduo e uso centram-se num tipo particular de representao: todcartgrafos, cientistas, coletores de dados, impressores, desenh

    corporaes, departamentos de geografia, pilotos, capites de nmotoristas e pedestres cuja cooperao torna possvel um mundmapas, por exemplo.

    Esses mundos diferem no conhecimento e no poder relativoprodutores e usurios. Em mundos altamente profissionalizadoprofissionais fazem artefatos sobretudo para uso por parte de oprofissionais: pesquisadores cientficos elaboram seus relatr

    registros para colegas que sabem tanto (ou quase tanto) sobre o traquanto eles.2 No caso extremo, produtores e usurios so as mepessoas uma situao praticamente realizada em mundoesotricos quanto o da modelagem matemtica.

    Membros de mundos mais diferenciados em geral partilham de aconhecimento bsico, apesar das diferenas em seu trabalho efeti

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    por isso que estudantes de sociologia que jamais se dedicaro ao traestatstico aprendem as mais modernas verses da anlise estatstimltiplas variveis. Outros profissionais, no entanto, fazem grandede seu trabalho para usurios leigos: cartgrafos traam mapasmotoristas que s sabem de cartografia o bastante para chegar prcidade, e cineastas fazem filmes para pessoas que nunca ouviram fa

    ump cut. (Claro que esses profissionais em geral se preocupam tamcom o que seus pares profissionais pensaro de seu trabalho.) Lcontam histrias, fazem mapas e anotam nmeros uns para os otambm. O que feito, comunicado e compreendido varia entre modalidades tpicas de contextos.

    Isso torna intil falar abstratamente de meios ou formas, emborao tenha feito e v continuar a faz-lo. Termos abstratos comofilmtabela estatsticano apenas demandam verbos de ao comofazerpara ter sentido, como so tambm a abreviatura para formulaesespecficas contextualmente, como tabelas feitas para o censoou lometragens de grande oramento feitos em Hollywood. As limitorganizacionais do censo e de Hollywood so mais bem concebidas partes integrantes dos artefatos produzidos nesses lugares. Assim

    foco difere de outro mais comum e convencional, que trata o arcomo a coisa principal, e as atividades pelas quais ele produzconsumido como secundrias.

    A forma e o contedo das representaes variam porquorganizaes sociais variam. Organizaes sociais moldam no apeque feito, mas tambm o que os usurios querem que as representfaam, que trabalho consideram necessrio (como encontrar o cam

    para a casa do seu amigo ou saber quais so as ltimas descobertaseu campo) e que padres usaro para julg-lo. Como os trabalhos qusurios querem que as representaes faam dependem to fortemde definies organizacionais, no estou preocupado com o que mpensam ser um importante problema metodolgico (de fato, oprobldado um trabalho representacional particular a ser feito, qual a m

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    maneira de faz-lo? Se esta fosse a questo, poderamos estabelecertarefa comunicar uma srie de nmeros, por exemplo e depoqual modo de organizar uma tabela ou um diagrama comunicariainformao de maneira mais fiel, adequada e eficiente (assim comparamos computadores observando com que rapidez conseencontrar nmeros primos).

    Evitei julgamentos sobre a adequao de qualquer modrepresentao, sem tomar qualquer um deles como o padrcomparao em relao ao qual todos os outros mtodos deveriaulgados. Nem adotei a posio ligeiramente mais relativista segu

    qual, embora os trabalhos a fazer possam diferir, h uma maneira mde fazer cada tipo de trabalho. Isso tampouco um ascetismo relativda minha parte. Parece mais til, mais favorvel a uma compreenso das representaes, pensar em todos os modorepresentar a realidade social comoperfeitos... para alguma coiquesto :para que alguma coisa boa? A resposta para iorganizacional: uma vez que a organizao dessa rea da vida stenha feito um (ou mais) trabalhos, a representao deve fazer aquque precisa(m) ser realizado(s), e tanto usurios quanto produ

    ulgaro cada mtodo segundo sua eficincia e confiabilidadproduo do resultado mais satisfatrio ou talvez apenas dresultado menos insatisfatrio que as outras possibilidisponveis.

    Apesar de diferenas superficiais entre gneros e meios, os meproblemas fundamentais ocorrem em todos eles. A influncioramentos, o papel da profissionalizao, que conhecimento os pb

    devem ter para que uma representao seja eficaz, o que eticampermitido ao se fazer uma representao tudo isso comum a todformas de construo de representao. O modo como esses probso enfrentados varia de acordo com recursos organizacionais e obje

    Essas questes so debatidas em todos os campos que represeRomancistas preocupam-se com os mesmos dilemas ticos

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    socilogos e antroplogos, e cineastas partilham a preocupaocientistas sociais com os oramentos. A literatura relativa a esses dee observaes e entrevistas informais nesses campos proporcionarauma grande quantidade de dados. Considerei tambm muito trabalhos na sociologia da cincia voltados para problemarepresentao e retrica.3

    Transformaes

    Os cientistas, como Bruno Latour os descreve, transfocontinuamente seus materiais. Comeam com uma observa

    laboratrio ou no campo e transformam isso em matria escritacaderno; depois transformam essas anotaes em tabela, a tabeldiagrama, o diagrama em concluso, a concluso no ttulo de um aA cada passo, a observao se torna mais abstrata, mais divorciaconcretude de seu contexto original. Latour mostra, numa descriespecialistas em manejo de solo franceses que trabalham no Brasil, essas transformaes ocorrem:4 um torro se torna uma evid

    cientfica quando o pesquisador o coloca numa caixa e o integra asrie de torres similares, comparveis, de outras partes do terrenestudo. este, diz Latour, o trabalho da cincia: transformar objetmodo que possam ser usados para mostrar ou demonstrar aquque o cientista quer convencer os outros.

    Os pesquisadores efetuam essas transformaes de man

    padronizadas, empregando instrumentos tpicos para realizar opertpicas sobre materiais tpicos e relatar os resultados sob fopadronizadas, destinadas a dar aos usurios aquilo de que precisamulgar as ideias apresentadas, sem os sobrecarregar com outros mat

    de que no precisam. O que preciso estabelecido por convePrecisamos de tudo que responda a possveis questes e de relacionado ao que ningum questionar. Podemos procurar oper

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    semelhantes na elaborao de todo tipo de representao da vida sCom que matrias-primas o produtor comear? A que transformele submeter os materiais?

    Latour diz que o destino de um argumento ou achado cientficosempre nas mos de usurios posteriores: eles decidem se ser rejeou acatado e incorporado ao corpo de fatos aceitos por todos

    cincia.5 sempre uma questo relevante quais usurios tomam importantes decises.

    Em alguns mundos a representao logo deixa o mundo internoprodutores, especialistas e conhecedores e penetra mundos leigosquais aquilo que os usurios fazem dos objetos podeconsideravelmente diferente do que os produtores pretendiam. tentam controlar o que os usurios fazem de suas representaintroduzindo nelas restries que limitam os usos e interpretpossveis por parte dos observadores. Mas os autores frequentempassam pela estranha experincia de ouvir os leitores explicarem quobra significa algo que eles se esforaram enormemente para impedsignificasse.

    Aqui est uma lista de perguntas interessantes a fazer sob

    transformaes pelas quais os materiais passam nas mos de produtusurios em qualquer mundo representacional:

    Que rota o objeto segue depois que deixa os produtores originais? Que fazem dele as pessoas em cujas mos ele cai em cada estgio? Para que elas precisam dele ou o querem? Que equipamento elas tm para interpret-lo? Que elementos, incorporados no objeto, restringem a observao

    interpretao? Como os produtores interceptam interpretaes alternativas? Como eles impedem os usurios de fazer isto ou aquilo com ele? Latour diz que um fato cientfico uma afirmao que resistiu a test

    tentaram negar sua existncia.6 Quem aplica quais testes a representasociedade?

    Em que arenas tpicas de testagem as representaes so apresentadas (re

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    teatros etc.), e onde as pessoas interessadas em ver se elas so verdadeitestam?

    feitura de representaes

    Qualquer representao da realidade social um filme documenum estudo demogrfico, um romance realista necessariamparcial, menos do que experimentaramos e teramos nossa dispopara interpretar se estivssemos no contexto real que ela repreAfinal, por isso que se fazem representaes: para relatar apenas ade que os usurios precisam para realizar o que quer que queiram

    Uma representao eficiente nos diz tudo que precisamos sabernossos objetivos, sem perder tempo com aquilo de que no precisComo todos esperam que esses artefatos sejam assim adequprodutores e usurios de representaes devem realizar vrias opersobre a realidade que experimentam para obter a compreenso finaquerem comunicar. A organizao social afeta a feitura e o usrepresentao ao afetar o modo como os produtores levam a cabo

    operaes.

    SELEO: Cada meio, em qualquer de seus empregos convenciexclui grande parte da realidade, de fato a maior parte. Mesmo os mque parecem mais abrangentes que as palavras e os nmeros abstratque os cientistas sociais costumam lanar mo deixam praticamentede fora. Filme (imvel ou mvel) e vdeo excluem a terceira dimens

    cheiros e as sensaes tteis, e so inevitavelmente pequenas amostrintervalo de tempo durante o qual os eventos representados tiveram (embora o filme de Andy Warhol Empire State durasse as oito completas do evento que retratava uma pessoa dormRepresentaes escritas em geral, mas no necessariamente, omtodos os elementos visuais da experincia (os leitores ainda

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    surpresos quando um romancista como W.G. Seybald incofotografias sua histria).7Todo meio exclui tudo que ocorre depoicessamos nossas atividades representacionais. Ele descreve o que oat certo momento, e depois para. Alguns socilogos salientam qrepresentaes numricas deixam de fora o elemento humano, emoes, ou o significado simbolicamente negociado esses estud

    recorrem ao critrio da completude para criticar um trabalho de qugostam. Mas ningum, nem usurios nem produtores, jamais considincompletude em si mesma um crime. Em vez disso, reconhececomo a maneira como esse tipo de coisa feita. Mapas rodoviinterpretaes extremamente abstratas e incompletas da realgeogrfica que representam, satisfazem at ao crtico mais severrepresentaes incompletas. Eles contm apenas aquilo de qumotoristas precisam para ir de um lugar a outro (mesmo que por desorientem os pedestres).

    Como qualquer representao sempre e necessariamente eelementos da realidade, as questes interessantes e passveiinvestigao so estas: quais dos elementos possveis so incluQuem considera essa seleo razovel e aceitvel? Quem se queixa

    Que critrios as pessoas aplicam quando fazem esses julgameAlguns critrios, para sugerir as possibilidades, relacionam-se a g(se no incluir isto [ou se incluir aquilo], no realmente um rom[ou fotografia, ou etnografia, ou tabela, ou ...); ou os verdadprofissionais ( assim que estatsticos [ou cineastas, ou historiador...] sempre fazem isso).

    TRADUO: Penso em traduo como uma funo que transpconjunto de elementos (as partes da realidade que os produtores qurepresentar) para outro conjunto de elementos (aqueles fconvencionais disponveis no meio tal como so correntemente usaAntroplogos transformam suas observaes in loco em anotacampo, a partir das quais constroem uma descrio etnog

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    padronizada; pesquisadores de recenseamento transformam entreviscampo em nmeros, a partir dos quais criam tabelas e diagrahistoriadores combinam suas fichas de arquivo em narrativas, perpersonalidades e anlises; cineastas editam e montam filmagens bem sequncias, cenas e filmes. Usurios de representaes jamais com a prpria realidade, mas com a realidade traduzida para mater

    linguagens convencionais de um gnero particular.Maneiras habituais de representaes do aos produtores um con

    usual de elementos para utilizar na construo de seus disposiinclusive materiais, e suas capacidades: pelculas com uma sensibilparticular luz, muitos gros de material sensvel luz por centquadrado, um grau particular de resoluo, que torna possvrepresentao de elementos de certo tamanho, mas no menelementos conceituais, como a ideia de enredo ou personagem na fie unidades convencionais de significado, como os wipes(transio),e outros truques transicionais de cinema que indicam a passagetempo.

    Os produtores esperam que elementos tpicos tenham efeitos tpde modo que os consumidores de representaes feitas com esses e

    respondam de maneiras tpicas. E os usurios esperam a mesma coisentido inverso: que os produtores se sirvam de elementos tpicosque esto familiarizados e aos quais sabem responder. As representfeitas quando essa condio est presente quando tudo funexatamente como compreendido por todas as partes envolvidas perfeitas. Tudo funciona exatamente como todos esperam. Mascondio jamais existe completamente. Os materiais no se comp

    como dizem os anncios. O pblico no compreende o que o propensou que compreenderia. A linguagem disponvel no pode, aexpressar a ideia do produtor. Que acontece quando essas representinevitavelmente inadequadas so apresentadas a um pblico que noo que deveria saber? Com muita frequncia, a maioria das pessoas,produtores quanto usurios e especialmente aqueles cuja op

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    conta, porque so poderosos e importantes , reage de maneira baprxima ao que os produtores originais pretendiam de modo qresultados sejam aceitveis para todos os envolvidos.

    Os critrios que definem a aceitabilidade variam. Consideremquesto da transparncia da prosa, das tabelas e figuras que as peusam para relatar resultados cientficos. Tanto os produtores quan

    usurios de representaes cientficas gostariam que as linguerbal, numrica e visual que empregam em seus artigos e rela

    fossem os tpicos elementos neutros que nada acrescentam ao quesendo relatado. Como uma vidraa limpa, permitiriam que os resulfossem vistos atravs deles, sem serem afetados. Kuhn, como obsantes, argumentou convincentemente que essa linguagem ciendescritiva transparente no possvel, que todas as descriecarregadas de teoria.8Mais relevante ainda: claro que at a largurbarras num diagrama de barras e o tamanho e o estilo dos tipos tabela, para no falar dos substantivos e adjetivos numa etnografnarrativa histrica, afetam nossa interpretao do que relatado. Blargas num diagrama fazem com que as quantidades nos paream mado que pareceriam se elas fossem estreitas. Quando cham

    convencionalmente usurios de drogas ilegais de dependentesviciados, comunicamos muito mais que um fato cientificamdefinido. Mas todos esses mtodos de retratar a realidade social fconsiderados aceitveis por pblicos cientficos e leigos, integrantes aprenderam a aceitar, ignorar ou no levar em conta os eindesejados dos elementos comunicativos que aceitavam como padr

    Os elementos tpicos tm as caractersticas j encontrada

    investigaes de mundo feitas pela arte. Tornam possvel a comunide ideias e fatos criando uma abreviatura conhecida por todosprecisam do material. Simultaneamente, porm, limitam o quprodutor pode fazer, porque cada conjunto de tradues torna maisdizer certas coisas e mais difcil dizer outras. Para tomar um execontemporneo, cientistas sociais convencionalmente represent

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    discriminao de raa e gnero presente nas promoes no empregouma equao de regresso mltipla, tcnica estatstica usual resultados mostram que proporo da variao em promoes subgrupos numa populao se deve aos efeitos independentes de varisoladas como raa, gnero, educao e tempo de trabalho. Mas Charles Ragin, Susan Meyer e Kriss Drass mostraram, essa mane

    representar a discriminao no responde s perguntas formuladasocilogos interessados em processos sociais gerais, ou tribunaitentam decidir se as leis contra a discriminao racial foram violaOs resultados de uma regresso mltipla no podem nos dizer comchances de promoo para um homem branco e jovem diferem duma mulher negra e de meia-idade; eles s podem nos dizer o peuma varivel como idade ou gnero numa equao, o que no absoluto a mesma coisa. Ragin, Meyer e Drass defendem quconsidere outro elemento estatstico tpico: o algoritmo booleano,1representa a discriminao como as diferenas em chances de prompara uma pessoa com uma combinao particular daqueles atributorelao a taxas mdias relativas a uma populao inteira. issocientistas sociais e tribunais querem saber.11

    Algumas limitaes ao que uma representao pode nos dizer suda maneira como a atividade representacional organizada. Oramlimitados do ponto de vista organizacional tanto dinheiro qtempo e ateno limitam o potencial de meios e formatos. Livfilmes so to longos quanto permitido aos produtores pelas condque eles tm; alm disso, so limitados pela quantidade de ateno qusurios se dispem a lhes dar. Se os produtores tivessem mais dinh

    os usurios se dispusessem a l-las, as etnografias deveriam conter as anotaes de campo feitas pelos antroplogos e todos os passprocesso analtico (o que Clyde Kluckhohn pensava ser a nica made publicar materiais sobre uma histria de vida12). Esses elemainda podem ser oferecidos, mas no por um preo, em termos de te dinheiro que algum queira pagar.

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    ARRANJO:Uma vez escolhidos e traduzidos os elementos da situafatos que uma representao descreve, as interpretaes que faz deve ser arranjada em alguma ordem para que os usurios pocompreender o que est sendo dito. A ordem dada aos elementosmesmo tempo arbitrria sempre sabemos que poderiam terordenados de modo diferente e determinada por maneiras usua

    fazer as coisas, da mesma forma que os elementos. O arranjnarrativas a partir de elementos aleatrios. Comunica noes causalidade, para que os observadores possam ver a ordemfotografias na parede de uma galeria ou num livro como significinterpretando as fotos anteriores no arranjo como as condiesproduziram as consequncias representadas nas posteriores. Quconto uma histria (pessoal, histrica ou sociolgica), os ouvescutaro os primeiros elementos como explicaes daqueles quedepois: as aes de um personagem num episdio tornam-se evidde uma personalidade que se revela mais completamente em episposteriores. Os que estudam tabelas e grficos estatsticosparticularmente sensveis aos efeitos do arranjo sobre interpretaes

    Nenhum produtor de representaes da sociedade pode evitar

    questo, pois, como muitos estudos mostraram, os usuriorepresentaes veem ordem e lgica mesmo em arranjos aleatrielementos. As pessoas encontram lgica no arranjo de fotografias, qfotgrafo tenha pretendido isso ou no, e reagem a tipos como frvosrios ou cientficos, independentemente do contedo de um Cientistas sociais e estudiosos de metodologia ainda devem tratacomo um problema srio; o que fazer uma das coisas qu

    transmitidas como sabedoria profissional (Edward Tufte, no endedicou muita ateno maneira como elementos grficos, tipogrfarranjos afetam a interpretao de exposies estatsticas13).

    INTERPRETAO:Representaes s existem plenamente quando alguusa, l, v ou ouve, completando a comunicao ao interpret

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    resultados e construir para si mesmo uma realidade a partir do qprodutor lhe apresentou. O mapa rodovirio existe quando eu o usochegar prxima cidade, os romances de Dickens, quando os limagino a Inglaterra vitoriana, uma tabela estatstica, quando examavalio as proposies que sugere. Essas coisas alcanam seu potencial na utilizao.

    O que os usurios sabem fazer interpretativamente torna-se assimimportante limitao para o que uma representao pode reaUsurios devem saber e ser capazes de utilizar os elemconvencionais e formatos do meio e do gnero. Produtores no podepor certo esse conhecimento e capacidade. Estudos histricos mostque foi s num momento avanado do sculo XIX que a maiorihabitantes dos Estados Unidos adquiriu conhecimentos bsicoaritmtica, tornando-se capaz de compreender e realizar as qoperaes.14 Estudos antropolgicos mostram que aquilo que crliterrios como Roland Barthes e Susan Sontag insistem ser o universal ao nosso senso de realidade incorporado em fotografias ime filmes , ao contrrio, uma habilidade aprendida. Caprofissionalizados esperam que os usurios se tornem consumi

    instrudos de representaes pela formao em escolas de ps-graduou profissionalizantes, embora o que se espera que seja conhecidode um momento para outro. Departamentos de ps-graduaosociologia esperam que seus alunos adquiram certo grau de sofistiestatstica (o que deve ser entendido, em parte, como capacidade frmulas e tabelas), mas poucos supem que seus alunos saibam sobre modelos matemticos.

    Os usurios interpretam representaes encontrando nelas as resppara dois tipos de perguntas. Por um lado, querem saber os fatos: aconteceu na batalha de Bull Run, onde se situam os bairros miserde Los Angeles, qual a renda mdia dos subrbios habitadocolarinhos-brancos, qual era a correlao entre raa, renda e educaEstados Unidos em 1980, como realmente ser astronauta

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    respostas a perguntas como estas, em todos os nveis de especificiajudam as pessoas a orientar suas aes. Por outro lado, usurios qurespostas para questes morais: no apenas qual a correlao entreeducao e renda, mas por que a relao como , por culpa de queque deveria ser feito acerca disso. Querem saber se a Guerra Ciportanto a batalha de Bull Run, foi necessria ou poderia ter

    evitada, se o astronauta John Glenn era o tipo de homem que merecpresidente, e assim por diante. Ao exame mais superficial, quase quaquesto factual acerca da sociedade exibe uma forte dimenso moraexplica as frequentes batalhas ferozes ocorridas a propsito de maaparentemente pouco importantes de interpretao tcnica. Os estatsticos de Arthur Jensen na anlise dos resultados de testinteligncia perturbaram aqueles que no eram estatsticos.

    Usurios e produtores

    Todos ns agimos como usurios e como produtores de representacontando histrias e ouvindo-as, fazendo anlises causais e lend

    Como em qualquer outra relao de servio, em geral os interessprodutores e usurios diferem consideravelmente, em particular qucomo acontece tantas vezes, os produtores so profissionais que fessas representaes em tempo integral, em troca de um pagamentousurios so amadores que as utilizam ocasionalmente, de uma mahabitual e irrefletida.15Os mundos representacionais diferem de a

    com o conjunto de interesses dominante.Em mundos dominados por produtores, as representaes assumforma de uma argumentao, uma apresentao apenas daquele maque constitui os aspectos que o produtor quer tornar claros, e nada(o trabalho atual sobre a retrica da escrita cientfica, mencionado defende esta ideia). Num mundo profissionalizado de feiturrepresentao, os produtores em geral controlam as circunstncias

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    feitura, por todas as razes que Hughes mostrou: o que fora do copara a maioria dos usurios de seus resultados o que eles fazem inteiro. Mesmo que outros tenham um poder substancial, os profissisabem to mais sobre como manipular o processo que conservam gcontrole. Usurios poderosos que se dedicam feitura de represendurante um longo perodo de tempo aprendem o bastante para su

    essa incapacidade, mas isso raramente acontece com usurios caAssim, representaes feitas profissionalmente incorporam as escolos interesses dos produtores e, de modo indireto, das pessoas qucondies de contrat-los, e desse modo podem no mostrar os morrcuja existncia um pedestre gostaria de saber.

    Os membros de mundos dominados por usurios, por outro empregam representaes comofichrios, arquivos a serem revisem busca de respostas para todas as perguntas que qualquer uscompetente possa ter em mente e de informao que se preste a quautilizao que os usurios queiram lhe dar. Pense na diferena enmapa de ruas que voc compra na loja e o mapa detalhado, anotadodesenhei para lhe mostrar como chegar minhacasa, um mapa queem conta o tempo de que voc dispe para a viagem, seu po

    interesse em ver algumas paisagens interessantes e sua averscongestionamentos. Representaes leigas so tipicamente localizadas e mais atentas aos desejos dos usurios que aquelas feitaprofissionais. De maneira semelhante, instantneos amadores satisfa necessidade que seus produtores de documentos tm para mostrarcrculo de amigos ntimos que conhecem todos nas fotos, ao passo qfotografias feitas por jornalistas, artistas e cientistas sociais, orien

    para os padres de comunidades profissionais, pretendem agradar acolegas profissionais e outros observadores altamente instrudos.16

    Alguns artefatos parecem ser essencialmente arquivos. Um mafinal, parece ser um simples repositrio de fatos geogrficos e oque os usurios podem consultar para seus prprios objetivoserdade, os mapas podem ser feitos de maneiras diversas, e nen

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    delas uma simples traduo da realidade, de modo que eles sosentido importante, argumentos destinados a persuadir seus usurialguma coisa, nem que seja apenas dando tal coisa por certa. Aalgumas pessoas outrora sem voz afirmam que os mapas que dominpensamento mundial so eurocntricos, que as escolhas tcnicas qmoldaram levam a resultados que fazem, arbitrariamente, a Europ

    Amrica do Norte estarem no centro do mundo. Pode-se dizer que mapas corporificam o argumento de que a Europa e a Amrica do Nso mais importantes que aqueles outros lugares deslocados pamargens do mapa.

    Argumentos e arquivos, no entanto, no so tipos de objetos, masde usos, maneiras de fazer coisas, e no coisas. Podemos ver isso qupercebemos que os usurios no so impotentes e, de fato, muitas refazem os produtos que lhes so apresentados para que atendam aprprios desejos e necessidades. Estudiosos em todos os campos ignrotineiramente os argumentos apresentados pelos artigos acadmicocitam e apenas saqueiam a literatura em busca de resultados que poservir aseusobjetivos. Em suma, usam a literatura no como o corargumentos que seus produtores pretenderam construir, mas com

    arquivo de resultados com que responder a perguntas em que os auoriginais nunca pensaram. Esse tipo de utilizao rebelde de proculturais foi estudado em outras reas: a sociologia da tecnologiausos inventivos de jogos digitais e outros fenmenos da interneestudos culturais. Constance Penley descreveu um grupo bastante gde mulheres heterossexuais da classe trabalhadora que tinhaapossado dos personagens deJornada nas estrelas para seu pr

    trabalho criativo: histrias erticas homossexuais envolvendprincipais personagens (o capito Kirk e o dr. Spock eram um favorito) e distribudas pela internet.19 Em todos esses casos, usurefaziam completamente o que os produtores tinham pretendido queuma comunicao de mo nica, transformando-a em matria-primasuas prprias construes, feitas para seus propsitos e aplica

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    Usurios sempre podem se apossar das coisas dessa maneira.

    E ento?

    O que eu disse implica uma viso realista do conhecimento, pelo mneste grau: o modo como fazemos perguntas e o modo como formulrespostas podem ser muito diversificados os vrios exemplos queatestam isso , e no h uma forma garantida de escolher entre elque todos so bons para transmitir alguma coisa. A mesma realidadeser descrita de muitas maneiras, j que as descries podem ser resppara qualquer uma entre as diversas perguntas. Podemos concorda

    princpio que nossos procedimentos devem nos deixar obter a mresposta para a mesma pergunta, mas de fato s fazemos a mpergunta quando as circunstncias de interao social e organizproduziram consenso em relao ao que constitui uma boa perguIsso no acontece com muita frequncia, somente quando as condem que as pessoas vivem levam-nas a ver certos problemas comuns, como se exigissem rotineiramente certos tipos de represent

    da realidade social, levando assim ao desenvolvimento de profissofcios que produzem essas representaes para uso rotineiro.

    Desse modo, algumas questes so formuladas e respondidas, enqoutras, igualmente boas, interessantes, meritrias e at cientificamimportantes, so ignoradas, pelo menos at que a sociedade musuficiente para que as pessoas que precisam delas venham a contro

    recursos que lhes permitiro obter uma resposta. At l, os pedcontinuaro a ser surpreendidos pelos morros de So Francisco.

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    3. Quem faz o qu?

    Representaes so feitas num mundo de produtores e usuriocooperam entre si. O trabalho de elabor-las dividido entre vriosde produtores e entre produtores e usurios. Caso uma represendemande os quatro tipos de trabalho especificados antes, quem faztipo? O que os produtores no fazem deve ser realizado pelos usupara que uma representao seja criada e comunicada de um modsatisfaa mais ou menos a todos os envolvidos. Assim que estabeluma diviso de trabalho, como as vrias partes que cooperam encoordenam as diferentes tarefas que realizam?

    Por vezes o produtor faz a maioria do trabalho, deixando apenasmargem limitada de autonomia ao usurio. Quando vemos um filmcineasta escolheu e ordenou tudo, e nossa atividade se restringe a que podemos compreender daquilo que foi feito, ter uma opinio

    respeito e dos assuntos de que trata. (Evidentemente, mudantecnologia nos permitem assistir aos filmes numa ordem difedaquela pretendida pelo produtor, mas no os assistimos assimcinema.) Mesmo quando nos concedem uma aparente liberdadeinterpretar e julgar o que vemos, os cineastas usam todos os expedde seu ofcio para canalizar nossas reaes na direo pretendidautores de artigos cientficos, na descrio que Latour faz de

    atividades, pretendem manter os leitores sob controle ainda rigoroso.1 Eles antecipam questes e crticas que seu trabalho posuscitar e introduzem respostas e defesas no que escrevem, de modparece impossvel ao leitor contestar os argumentos. Pelo mpretendem alcanar esse tipo de controle, embora muitas vezes nconsigam, e se tornem alvo de crticas e, pior ainda, vejam

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    resultados apropriados para usos que jamais pretenderam e talveaprovassem.

    Em outros mundos de feitura de representao, os produtores deaos usurios grande parcela do trabalho de arranjar e interpretar. Aartistas que produzem representaes da realidade social fazemdeliberadamente. Recusando-se a pr em prtica as generalizae

    parecem saltar do material que apresentam, deixam decididamentetrabalho para os usurios. Tambm aqui a liberdade por vezesaparente que real, porque os produtores empregam as ferramtcnicas e conceituais de seus ofcios para canalizar a atividade e a rdos usurios.

    Suponha que voc fez as difceis escolhas acerca do que inclurelato (a histria, o filme, seja que nome tenha um relato no meio emoc trabalha) que quer produzir sobre os fenmenos sociais

    investigou. Voc obteve os dados, a matria-prima. Engoliu uma pamarga, admitiu que no pode incorporar tudo que colheu e pensa em alcanar algo de til para voc ou para as outras pessoas s pretende destinar seu relato. Aceita que parte talvez grande parte seu conhecimento e material arduamente conquistados vai acabar, co

    pessoal do cinema costumava dizer, no cho da sala de edio. Aoc tem o que sobra depois desse peneiramento, uma pilhfragmentos: tiras de filme, pginas de nmeros, arquivos cheioanotaes de campo.

    Como voc pode arranjar todo esse material, reuni-lo de modcomunique o que voc quer comunicar s pessoas para as quais dcomunic-lo (e, claro, comunicar o que elas querem que voc

    comunique)? Escritores de textos em cincias sociais (e outros tacadmicos) experimentam isso como o problema de construirargumentao, dizendo o que precisa ser dito numa ordem que apresuas ideias de maneira to eficiente e clara que leitores ou observano as tomem por algo que voc no pretendia dizer; e de modo queas crticas e perguntas sejam antecipadas. Orientadores de disserta

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    editores de jornal dizem repetidamente aos autores: Entenda exatamo que voc quer dizer com seu argumento. E esse conselho se aalm do arranjo lgico das proposies, concluses e ideiapresentao de suas evidncias, o material que voc selecionou a dos dados de sua investigao. Como organizar o material, seja qusua forma, de modo que ele fale o que sua argumentao formal

    torne suas concluses manifestas, inconfundveis e inescapveisqualquer leitor ou observador sensato?

    As respostas a perguntas como estas nos levam diretamente quda variedade de maneiras segundo as quais produtores e usurios pdividir o trabalho representacional entre si. Vou me concentrar emexemplos muito diferentes: o problema convencional, nas cisociais, de apresentar dados estatsticos nmeros sob a formtabelas, e o problema de organizar as usualmente chamadas fotogdocumentais em algum tipo de ordem para apresentao na pareuma galeria, numa exibio ou num livro.

    O problema estatstico

    Comecemos com o problema estatstico. Realizei um censolevantamento ou um experimento e contabilizei muitas coisas. censo, contamos pessoas e descobrimos muitas coisas sobre cada pque contamos: idade, sexo, raa, ltimo ano de escola concludo, durante o ano anterior, e assim por diante, dependendo do pr

    especfico do censo. Num experimento, criamos dois ou mais grfazemos coisas (o tratamento experimental) com um grupo e nadao outro (o grupo de controle), e medimos uma variedade de aspque pensamos resultar desse tratamento. Levantamentos imitexperimento, embora o pesquisador no possa controlar quem papelo tratamento experimental, j que o que tomado como vacausal algo como idade ou sexo, ou algum aspecto da experi

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    anterior que o pesquisador no pode manipular, mas vai contrestatisticamente.

    Realizar qualquer desses experimentos produz grande quantidanmeros. Individualmente, eles nada significam nem importam mNo interessa a mim nem a ningum, exceto a famlia dela e seus amque idade esta pessoa particular tem ou quanto dinheiro ela ganh

    ano passado. Se eu somar todas as rendas de pessoas de certo tencontrar a mdia, isso pode parecer interessante primeira vista, mrealidade no . A renda mdia informada por pessoas que vivem quadra particular em Chicago de 19.615 dlares. Vinte e sete por das pessoas que moram numa rea particular dizem ao censo ser negassim que o censo dos Estados Unidos avalia a raa), ou 36% dizemais de 65 anos. E da? Esses nmeros, por si mesmos, ainda ninteressantes.

    Por qu? Porque ainda no fizemos a pergunta complementar crem relao a qu? Os leitores de tabelas do censo interpretam os nmapresentados comparando-os uns aos outros. Eles consideram nmeros e perguntam: so eles iguais ou um maior que o outro?um maior, a diferena grande o bastante para ser levada a srio?

    tornar significativo aquele nmero de 19.615 dlares como a renda mdos habitantes de uma quadra, temos de compar-lo a outro nmequ? Talvez aos 29.500 dlares (ou 50% a mais) que as pessoamoram numa outra quadra ganham. Armados desta comparao, podconcluir que a cidade caracterizada por uma segregao geogrfigrupos de renda. Ou talvez negros ou pessoas com mais de 65ganhem 25% menos que pessoas de outras raas ou idades, de mod

    podemos concluir que h uma discriminao racial ou etria na rAgora pensamos saber alguma coisa. A diferena entre os dois nmrevelada pela comparao, transmite a informao importante.

    No apenas a diferena entre dois grupos coordenados (negros vbrancos, pessoas com mais de 65 anos versus pessoas com menos anos). Poderamos comparar o grupo que estudamos com o agrupam

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    maior que o contm os moradores da quadra comparados com a cinteira ou com algum padro externo, as pessoas desse grupo comparadas com a linha da pobreza.

    O problema de ordenar meus resultados estatsticos, meus nmetornar visveis as comparaes relevantes. por isso que o censEstados Unidos no fornece qualquer concluso. Constitudo

    arquivos, e no argumentaes, ele nada compara explicitamente; foapenas a matria-prima para comparaes, razo por que tantas pepodem ganhar a vida reordenando o que est gratuitamente dispopara todos ns nas publicaes do censo.

    Na verdade, em geral o censo imprime dados sob a forma tabuque torna algumas comparaes fceis, como na tabulao cruzarenda por idade que inventei para ilustrar este exemplo. As linhtabela esto rotuladas com os grupos etrios (0-15, 15-25, 25-35 eas colunas, com os grupos de renda em dlares (10.000-15.000, 1525.000 etc.). As clulas dessa grade de linhas e colunas contm nmo nmero de pessoas caracterizadas por essa combinao entre idrenda. Isso torna fcil comparar clulas adjacentes e observar que hpessoas na faixa etria de 25-35 anos no grupo de renda de 15.000-2

    dlares que pessoas de 35-50 anos (se esse for o caso), mas qdiferena de renda entre os dois grupos etrios diminui medida renda aumenta. Basta passarmos de uma clula para sua vizinha parque, acima de 40.000 dlares, os nmeros so os mesmos nas cadjacentes. Mas poderamos querer comparar clulas no adjacentesdiferenas de renda entre pessoas na faixa de 15-25 anos e aquelasmais de 65 , e nesse caso teramos de copiar os nmeros que quer

    para outro pedao de papel, colocando-os lado a lado para compara

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    Em comparaes estatsticas como esta, o que estamos coteaparece nos cabealhos das linhas e colunas de uma tabela. estejamos interessados na relao entre renda mdia e idade, intitulas colunas com os nomes das categorias de idade, e as linhascategorias de renda. O leitor se encarrega do trabalho analtic

    erificar se pessoas com mais de 65 anos ganham menos se essecaso que pessoas nas outras categorias.Tabelas de censo so feitas por profissionais altamente especiali

    para um grande e variado pblico de potenciais usurios. Esses usuno tm de criar as categorias de comparao. Idade e renda, ou gescolaridade e todas as outras variveis esto facilmente disponvpartir do site do censo dos Estados Unidos ou em suas publicae

    produtores da tabela j fizeram o trabalho analtico criar as categ simplesmente rotulando os cabealhos das linhas e colunas com dimenses (ttulos de muitas tabelas do censo). Tornar tais varivecabealhos das linhas e colunas as dimenses da tabela leusurios a fazer comparaes deste tipo: as pessoas de 35-50 ganham mais que pessoas de 25-35 anos? Ou, com outras var

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    representadas nas linhas e colunas, os negros tm menos escolaridados brancos? As mulheres ganham menos que os homens? Os profissique projetam tabelas tm o cuidado de arranjar as dimenses nmeros de maneira que os leitores possam fazer as comparimportantes com facilidade.2

    O problema fotogrfico

    assim que as coisas funcionam num mundo de produrepresentao em que profissionais fazem uma boa parte do trabalhoum grupo grande e heterogneo de usurios. Agora considere probl

    semelhantes tal como surgem no mundo da fotografia documsuperficialmente, que parece muito diferente. E , mas h semelhque nos permitem especificar as diferenas reais de maneira mais prIsso nos mostra outra forma de dividir o trabalho de ordenamento produtores e usurios.

    Suponha que fiz um grande nmero de fotografias um fotdocumental srio investigando um tpico importante faria m

    milhares de fotos e selecionei as imagens que me parecem tranmelhor as ideias a que cheguei sobre o tema. Tomemos um exempgnero, um dos trabalhos mais discutidos e admirados desse tipo, mezes apresentado como modelo para fotgrafos documentais aspirmerican Photographs([1938] 1975), de Walker Evans.Evans criou esse livro com fotografias que fizera ao longo d

    perodo de vrios anos, por todo o leste, o sul e o norte dos EsUnidos (o ponto mais a oeste que chegou foi Baton Rouge): Nova YPensilvnia, Mississippi, Alabama, e assim por diante. Nem todas ftiradas nos Estados Unidos temos de interpretar o ttulo generosidade, pois fez trs das fotografias em Havana. Ele no absoluta clareza sobre o que estava procurando quando produziu essas imagens. Segundo Alan Trachtenberg, um profundo estudio

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    sua obra, Evans estava tentando responder s perguntas que a GDepresso havia suscitado para um grande nmero de intelectuaiEstados Unidos: O que o povo americano tem de especial? Quasuas crenas caractersticas, sua histria popular, seus heris, padres de trabalho e seu lazer? ... O conceito de Estados UnidEvans no pode ser facilmente definido por sua incluso em qua

    campo particular, mas pode-se dizer que seu trabalho enquadra-padro geral ... da busca de uma cultura americana autntica e de prpria americanidade.3

    Podemos encontrar outras evidncias sobre as intenes de Enuma carta que escreveu a um amigo quando trabalhava na elabodessas fotos, listando o que procurava:

    Pessoas, todas as classes, cercadas por bandos de novos indigentes.Automveis e a paisagem automotiva.Arquitetura, o gosto urbano americano. Comrcio, pequena escala,

    escala, atmosfera das ruas, cheiro das ruas, o cheiro detestvel, clubes femfalsa cultura, m educao, religio em decadncia.

    Os cinemas.Evidncias do que as pessoas da cidade leem, comem, veem como div

    fazem para relaxar e no conseguem.Sexo.Propaganda.Muitas outras coisas, voc entende o que pretendo.4

    Sua intuio, guiada por esses interesses, produziu o arquivimagens que usaria no livro. Finalmente escolheu 100 fotografias arquivo para sua exposio no Museum of Modern Art. Destas, esc80 para serem includas emAmerican Photographs. Tendo feito escolhas, ele teria agora de lidar com um problema aparentemsimples: em que ordem as imagens deveriam aparecer no livro?

    H uma questo preliminar, prtica. No em que ordem pr as impara gerar o efeito que desejamos, mas como conseguir quobservadores ou leitores respeitem a ordem proposta. No pod

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    obrigar as pessoas que vo a uma exposio a ver as fotos numa odeterminada, e observa-se que alguns espectadores passam pela entrimediatamente comeam a dar a volta na sala seguindo para a denquanto outros, com igual convico, viram-se para a esquerda. Edesespero dos fotgrafos, com igual frequncia os leitores muitas folheiam um livro de fotos tanto a partir do fim quanto do inc

    ordem de imagens numa sequncia fotogrfica tem importnciafotgrafos consideram crucial e difcil essa questo aparentemsimples.

    Sejam quais forem os problemas, os fotgrafos, e os programadorexposies e curadores de museus, querem fazer com quobservadores vejam as coisas numa ordenao especfica que, segesperam, os instigar a estabelecer certas comparaes ao longdeterminadas dimenses, gerando disposies de nimo particuCompreendem que uma nica imagem ambgua e no revela de mafcil e inequvoca o que est em questo. Quando fotgrafos ffotos para outras finalidades, como o noticirio ou a propagandageral as compem de modo a excluir todos os detalhes irrelevatudo, exceto o tema da reportagem ou a caracterstica do produto p

    qual querem chamar a ateno. Escolhem os detalhes que envolvemtema cuidadosamente, de modo a enfatizar as principais ideiareportagem, ou realam os atrativos do produto.5Fotografias feitasfins cientficos restringem igualmente seu contedo ao que o pro(em geral o autor do artigo cientfico) quer que os usurios saibexcluem rigorosamente tudo que seja estranho a esse objetivo.

    Fotgrafos documentais, como Evans, no reduzem os conted

    uma foto de maneira to impiedosamente abrangente. Buscando vefotogrfica, eles deixam ali o que est. Por conseguinte, a maior parfotografias documentais contm de propsito grande quantidaddetalhes, coisas de todo tipo presentes na rea quando a imagem foimesmo que elas no respaldem qualquer interpretao simples dest se passando. O trabalho decisivo de interpretao deixado p

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    usurio, e qualquer controle que o produtor tente exercer permimplcito. Embora as fotos sejam compostas com cuidado, de modos detalhes no sejam apenas um rudo aleatrio, os observadores pinterpret-las de muitas maneiras, dependendo dos detalhesenfatizam e de como os compreendem.

    Uma imagem que contenha tantos detalhes semp