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RSP 1 Barbara Moreira Barbosa de Brito e Antonio Henrique Pinheiro Silveira Revista do Serviço Público Brasília 56 (1): 7-21 Jan/Mar 2005

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Barbara Moreira Barbosa de Brito e Antonio Henrique Pinheiro Silveira

Revista do Serviço Público Brasília 56 (1): 7-21 Jan/Mar 2005

RSP

ENAP Escola Nacional de Administração Pública

Brasília - 2005

Missão da Revista do Serviço Público

Disseminar conhecimento sobre a gestão depolíticas públicas , estimular a ref lexão e odebate e promover o desenvolvimento deservidores e sua interação com a cidadania.

Conselho EditorialBarbara Freitag-Rouanet, Fernando Luiz Abrucio,Helena Kerr do Amaral, Hélio Zylberstajn, LúciaMelo, Luiz Henrique Proença Soares , MarcelBursztyn, Marco Aurelio Garcia, Marcus AndréMelo, Maria Isabel Valadão de Carvalho, MariaPaula Dallari Bucci, Maria Rita G. LoureiroDurand, Nelson Machado, Paulo Motta, ReynaldoFernandes, Silvio Lemos Meira, Sônia MiriamDraibe, Tarso Fernando Herz Genro, VicenteCarlos Y Plá Trevas, Zairo B. Cheibub

Peridiocidade

A Revista do Serviço Público é uma publicaçãotrimestral da Escola Nacional de AdministraçãoPública.

Comissão Editorial

Helena Kerr do Amaral, Celio Y. Fujiwara, MariaRita Garcia de Andrade, Claudia Yukari Asazu,Elaine Cristina Lício, Mônica Rique Fernandes,Livino Silva Neto

ExpedienteDir etor de Comunicação e Pesquisa: Celio Y. Fujiwara– Editora: Claudia Yukari Asazu – Coordenador-geralde Editoração: Livino Silva Neto – Assessor daCoordenação-geral de Editoração: Rodrigo LuizRodrigues Galletti – Revisão: Luiz Antonio Violin– Projeto gráfico: Livino Silva Neto – Editoraçãoeletrônica: Maria Mar ta da Rocha Vasconcelos.

© ENAP, 2005Tiragem: 1.000 exemplaresAssinatura anual: R$ 40,00 (quatro números)Exemplar avulso: R$ 13,00Os números da RSP Revista do Serviço Público anterioresestão disponíveis na íntegra no sítio da ENAP:www. enap.gov.br

As opiniões expressas nos artigos aqui publicados sãode inteira responsabilidade de seus autores e nãoexpressam, necessariamente , as da RSP.

A reprodução total ou parcial é permitida desde quecitada a fonte.

Revista do Serviço Público. 1937 - . Brasília: ENAP, 1937 - .

v. : il.

ISSN:0034/9240

Editada pelo DASP em nov. de 1937 e publicada no Rio de Janeiro até 1959. A periodicidade varia desde o primeiro ano de circulação, sendo que a partir dos últimosanos teve predominância trimestral (1998/2004). Interrompida no período de 1975/1980 e 1990/1993.

1. Administração Pública – Periódicos. I. Escola Nacional de Administração Pública.

CDD: 350.005

Fundação Escola Nacional de Administração PúblicaSAIS – Área 2-A70610-900 – Brasília - DFTelefone: (61) 445 7096 / 445 7102 – Fax: (61) 445 7178Sítio: www.enap.gov.brEndereço Eletrônico: editor [email protected]

ENAP

SumárioContents

Parceria público-privada: compreendendo o modelo brasileiro 07Public-private partnership: understanding the Brazilian framework

Barbara Moreira Barbosa de Brito e Antonio Henrique Pinheiro Silveira

Exclusión social y políticas de inclusión. Algunos elementos sobre larealidad europea y española 23Social exclusion and inclusion policies. Some elements of theEuropean and Spanish reality

Joan Subirats, Maria Giménez e Anna Obradors

As novas formas de exploração do trabalho no capitalismocontemporâneo e as políticas públicas de combate à desigualdade 37New forms of labour exploitation in contemporary captalismand public policies to combat inequality

Rogério Nagamine Costanzi

A imagem dos tribunais de contas subnacionais 57The image of the Brazilian subnational Courts of Audit

Rogério Bastos Arantes, Fernando Luiz Abrucio eMarco Antonio Carvalho Teixeira

Ética na administração pública 85

Barbara Freitag

Ponto de Vista: Vicente Trevas – Os desafios federativos 95

9o Concurso Inovação na Gestão Pública Federal:idéias que fazem diferença 101

RSP Revisitada 109

Para saber mais 117

Acontece na ENAP 118

Editorial

Este é um momento especial para a Revista do Serviço Público – RSP , que se renova a

partir deste número com algumas mudanças.

A revista terá nova capa e novo lay-out interno. Há também novidades na linha

editorial. Uma delas diz respeito às seções que chamamos, internamente, de “livres”, ou

seja, as que fogem do formato tradicional de artigo. Aqui, o leitor encontrará reportagens,

entrevistas e textos resultantes de seminários, debates ou simpósios realizados na ENAP.

Artigos e ensaios continuam sendo nosso carro-chefe. Assumimos, a partir de agora,

com mais rigor, o compromisso de seguir as normas determinadas pelo Qualis/CAPES.

A médio e longo prazo, além disso, temos em vista a indexação da revista em bases

nacionais e estrangeiras. Por fim, não exatamente uma novidade, mas um resgate histórico:

a republicação de artigos clássicos da RSP .

Trata-se de um reinício, mas o espírito de contribuir para promover o

desenvolvimento dos servidores e participar ativamente na evolução do conhecimento

em administração pública é o mesmo de 1937, quando surgiu a revista. Em seu primeiro

editorial, dizia-se que “o serviço público [...] tornou-se uma profissão análoga às carreiras

em que é imprescindível o estudo constante para não perder contato com o progresso

teórico e prático nos métodos de atividade profissional” e, nesse sentido, a Revista do

Serviço Público “consagrará uma parte considerável das suas páginas [...] à questão primacial

do incessante aperfeiçoamento da máquina administrativa do Estado” (RSP, ano 1,

no 1, nov. 1937).

Uma das metas que consideramos mais importantes para a revista é a de constituir-

se em ponte entre as discussões da academia e a realidade da administração pública.

Nesse sentido é que nos esforçaremos para trazer textos de qualidade sobre temas

atuais. E este número – modéstia à parte – traduz bem esse esforço.

Abrimos este número com um artigo sobre as parcerias-público privadas (PPP), de

autoria de Barbara Brito e Antonio Silveira, da Unidade PPP do Ministério do

Planejamento, no qual se analisa o modelo brasileiro de parcerias contemplado na Lei

no 11.079, aprovada em dezembro de 2004. A equipe do professor Joan Subirats, da

Universidad Autónoma de Barcelona, trata da questão da exclusão social, tema central

na agenda política brasileira, trazendo dados da realidade espanhola e européia. Rogério

Costanzi, do IPEA, traz-nos texto, fundado em ampla revisão da literatura, sobre as

novas formas de exploração do trabalho no capitalismo contemporâneo e seus impactos

sobre as políticas de redução da desigualdade. Como elites e atores estratégicos vêem

os Tribunais de Contas subnacionais é tema do artigo dos professores Rogério Arantes,

Fernando Abrucio e Marco Teixeira, que propõem alguns caminhos para a modernização

dessas instituições. Fechamos essa parte com um ensaio da professora Barbara Freitag

sobre a ética no serviço público, baseado no filme O terminal , de Steven Spielberg.

Na seção “livre”, trazemos uma conversa com Vicente Trevas, Subchefe de Assuntos

Federativos da Presidência da República, na qual se sublinham as várias dimensões dos

desafios federativos do País. A reportagem desta edição é sobre as experiências

vencedoras do 9º Concurso Inovação na Gestão Pública Federal. Finalizamos este

número com a republicação de um artigo de Celso Furtado, de 1946, aos 26 anos,

quando ainda era técnico do Departamento do Serviço Público (DSP) do Rio de

Janeiro. Boa leitura!

Helena Kerr do Amaral

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Parceria público-privada:compreendendo o modelo

brasileiro1

Barbara Moreira Barbosa de Brito e

Antonio Henrique Pinheiro Silveira

Introdução

Os anos 80 marcaram o início de profundas modificações na ação econô-

mica estatal pelos governos dos países membros da Organização para a

Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Tendo na vanguarda

as administrações Reagan e Thatcher, respectivamente nos EUA e no Reino

Unido, esse processo traduziu-se numa ampla tendência de desregulamentação

setorial, particularmente no âmbito financeiro, acompanhada de reversão da

progressividade da ordem tributária e indução seletiva à competição interna-

cional. Com variada intensidade, esses movimentos estenderam-se a praticamente

todos os países do globo, refletindo-se no padrão das relações entre os setores

público e privado.

Um dos reflexos mais nítidos desta tendência foi a reorganização patrimonial

do setor público, por meio dos grandes processos de desestatização, que interferiu

de maneira decisiva na forma de provimento de bens e serviços públicos. Em

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RSP Parceria público-privada: compreendendo o modelo brasileiro

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boa parte do mundo, isso se traduziu natransferência, por venda ou concessão, deempresas estatais à iniciativa privada; mas,mesmo aqueles países que mantiveram partede seus sistemas produtivos na esfera esta-tal como alternativa estratégica, acabarampor introduzir importantes mudanças nosrespectivos sistemas de gestão2.

Em relação às políticas fiscais nacionais,diferentes fatores provocaram movimentosconvergentes. Entre os países emergentes daÁsia e da América Latina, as crises cambiaisda segunda metade dos anos 90 acabarampor forçar regimes fiscais contracionistas, emmaior ou menor grau. Na realidade euro-péia, a crescente importância estratégica dobloco regional de comércio e investimento,como resposta ao recrudescimento daconcorrência internacional, impôs aos paísesseveros critérios de ajustamento ecoordenação macroeconômica3.

A provisão de serviços de infra-estru-tura foi diretamente afetada por essastendências. Traduzida geralmente emprojetos de grande porte e de longo períodode maturação, de um lado, e com impor-tância estratégica pelas externalidades eganhos de eficiência associados, de outro,as reestruturações patrimoniais e as restriçõesfiscais impactaram fortemente nas formasde financiamento das ações nesse campo.Na medida em que algumas experiênciasobjetivas mostraram que o modelo purode privatização era problemático em setoresde utilidade pública com forte predomi-nância de monopólios naturais, inovaçõesno âmbito da estruturação dos empreen-dimentos foram introduzidas, ao lado deaprimoramentos no aparato regulatório.Incapacitados de dar continuidade a umatradição histórica de financiamento fiscal dosgrandes investimentos públicos, governosde diversos países identificaram, na parceriacom o setor privado, uma alternativa paraviabilizar projetos de infra-estrutura e deprovisão de serviços públicos.

Foi no Reino Unido que tal movi-mento se deu com maior intensidade. Em1992, ainda sob a administração do conser-vador John Major, foi lançado o embriãodo programa de parcerias inglês, a PrivateFinance Iniciative (PFI). Como a própriaterminologia denota, o objetivo principalera viabilizar projetos por meio do finan-ciamento privado, uma vez que a capaci-dade de implementá-los da forma tradi-cional, se não estava esgotada, estava aomenos reduzida pelos limites impostospelo Tratado de Maastricht4.

Mas foi somente em 1997, já nogoverno do trabalhista Tony Blair, que oprograma foi aprofundado. Ampliado erebatizado de Public-Private Partnerships(PPP)5, o programa tinha por objetivomudar a forma de contratação de obras eserviços públicos, saindo da maneiratradicional de aquisição de ativos para umalógica de compra de serviços. A busca poralternativas de financiamento permaneciano centro da questão, mas o objetivomaior passou a ser a eficiência na contra-tação de serviços públicos.

Além do Reino Unido, diversos paísesvêm desenvolvendo programas deparcerias. Com diferentes graus de intensi-dade e sucesso, projetos de PPP estão emandamento em Portugal, Espanha,Finlândia, Grécia, Itália, Irlanda, Holanda,Canadá, Austrália, África do Sul, entre outros.Na América Latina, Chile e México foramos pioneiros no uso da PPP para a provi-são de infra-estruturas e serviços públicos.

O modelo brasileiro emprega aterminologia PPP em seu sentido estrito: éuma forma de provisão de infra-estruturas e serviçospúblicos em que o parceiro privado é responsável pelaelaboração do projeto, financiamento, construção eoperação de ativos, que posteriormente são transfe-ridos ao estado. O setor público torna-se parceiro namedida em que ele é comprador, no todo ou em parte,do serviço disponibilizado. O controle do contratopassa a ser por meio de indicadores relacionados ao

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desempenho na prestação do serviço, e não mais aocontrole físico-financeiro de obra.

Nesse contexto, as parcerias não devemser confundidas com as privatizações. Em-bora resultantes de um mesmo processode reforma e modernização do Estado, asprivatizações implicam a alienação de ativospúblicos ao setor privado, enquanto nas PPPocorre o inverso: ao término do contrato,a infra-estrutura implementada é transferidaao setor público.

Ainda que a lei brasileira enquadre asPPP como uma forma de concessão, elasse diferenciam das tradicionais no que serefere às fontes de remuneração doparceiro privado. Nas concessões tradi-cionais, a cobrança de tarifas é suficientepara remunerar o investimento. Já nas PPP,abre-se espaço para uma complementaçãode receitas por parte do setor público, demodo a tornar o empreendimento viável.Nos casos em que não há cobrança detarifa do beneficiário – ou quando aadministração é a usuária, direta ou indireta,cabe ao poder público efetuar o paga-mento integral pelo provimento do serviço.

Mesmo apresentando possibilidades deaplicação bastante amplas, tendo sidoutilizada em setores como transportes,educação, saúde, habitação e até mesmoem projetos de tecnologia da informação,a contratação por meio de PPP nãosubstitui a obra pública tradicional. Hádeterminados empreendimentos que resul-tariam em um elevado prêmio por trans-ferência de riscos ao setor privado, nãosendo, portanto, adequados a PPP. Alémdisso, questões estratégicas e políticas emsetores como defesa e segurança pública,e mesmo nas áreas de educação e saúde,demandam cautela no uso das parcerias.

A discussão sobre a adoção de umprograma de parcerias no Brasil começouem 2002, mas foi somente em dezembrode 2004 que a Lei de PPP – Lei no 11.079/2004 – foi aprovada. Tendo em vista o

debate público que se seguirá por ocasiãoda aplicação da lei e da definição dosprojetos prioritários, esse artigo tem porobjetivo expor as principais questões rela-tivas ao tema. Apresenta-se, na segundaparte, uma discussão teórica acerca dajustificativa de se adotar um programa deparcerias. Em seguida, é feita uma descriçãodas características de uma PPP, comdestaque para a estrutura contratual e riscosmais usuais. Na quarta parte, é delineado o

programa de PPP brasileiro, com base nalegislação que disciplina a contratação deparcerias pela administração pública. Segue,por fim, a conclusão do artigo.

Fundamento econômico

Duas questões permeiam o debateeconômico em torno da justificativa dese adotar um programa de parceriaspúblico-privadas: a obtenção de espaço

“O uso da PPPdeve ser motivado por

razões de eficiência na

prestação do serviço e

no uso dos recursos

públicos, e não pela

aparente solução doproblema do

financiamento”

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orçamentário para viabilizar investimentosem um quadro de restrição fiscal e a efici-ência na prestação de serviços públicos.

A partir dos anos 80, os governos dediversos países passaram a enfrentar, emmaior ou menor grau, restrição na suacapacidade de investimento. Seja porconseqüência do aumento dos gastossociais e de previdência, seja por umanecessidade premente de estabelecer umadisciplina fiscal para atender a limites dedéficit e de dívida, o fato é que se iniciouum processo de contenção do gasto, queresultou em limitação da capacidade definanciamento público do investimento.

Nesse contexto, a PPP foi vista comoalternativa para viabilizar investimentos, par-ticularmente em infra-estrutura, sem que issocausasse impactos imediatos sobre o quadrode endividamento público. Muitos paísesadotaram programas de PPP atraídos pelapossibilidade de se diluir no tempo o mon-tante de recursos necessários para viabilizarinvestimentos, permitindo a realização simul-tânea de um maior número de projetos. Emalguns casos, a conta não demorou a chegar.Portugal, por exemplo, enfrenta atualmentesérios problemas para honrar os compro-missos de PPP resultantes dos contratos derodovias em pedágio-sombra6.

A crença de que a PPP representa asuperação definitiva da restrição fiscal aofinanciamento de investimentos públicosé, portanto, errônea. Quando mal conce-bida e, sobretudo, quando mal adminis-trada, a PPP pode vir a acentuar crisesfiscais. É verdade que uma das vantagensde se instituir uma parceria que inclua oaporte de capital privado é a possibilidadede antecipar um benefício econômico esocial que só seria possível no longo prazo(MERNA; SMITH, 1994). Isso, no entanto, estáinvariavelmente associado a um compro-metimento de receitas futuras.

É por essa razão que o uso da PPPdeve ser motivado por razões de eficiência

na prestação do serviço e no uso dosrecursos públicos, e não pela aparentesolução do problema do financiamento.Há um extenso arcabouço teórico queorienta a discussão acerca das razões pelasquais a prestação de serviços públicos pormeio de contratos de parceria com o setorprivado pode ser, em alguns casos, maiseficiente que a contratação tradicional deobra e serviços públicos.

Uma linha de argumentação defendea idéia de que empresas privadas são maiseficientes que entidades estatais no que tangeà inovação e à gestão de recursos. Isso seriaatribuído à estrutura de incentivos, limi-tação de pessoal e à própria restriçãoorçamentária a que estaria sujeita a adminis-tração pública7. São argumentos que, noentanto, concentram-se na eficiência produ-tiva, desconsiderando o fato de que,quando se trata da prestação de serviçospúblicos, a presença de importantesexternalidades positivas e a recorrência desituações de monopólio natural tornammais importante o conceito da alocaçãosocialmente eficiente8.

Nos contratos de PPP, a eficiênciaadvém da possibilidade de integrar elabo-ração de projeto, construção e operaçãode infra-estruturas em um único agente, oque gera incentivos não só para a otimizaçãode custos em uma lógica de ciclo de vidado projeto, mas, sobretudo, para umamelhor qualidade na prestação do serviço,sem prejuízo da dimensão estratégica doplanejamento da política pública. Destaforma, o governo delega ao setor privadoaspectos tipicamente mercantis doempreendimento, mantendo suas prerro-gativas de planejamento, monitoramentoe regulamentação. O aspecto fundamentalna obtenção dos ganhos de eficiência é aadequada alocação de riscos entre ossetores público e privado.

Por outro lado, contratos de PPPenvolvem custos elevados em sua

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estruturação, licitação e posterior moni-toramento, que devem ser considerados naavaliação do projeto. Analisando não sóos custos de implementação do investi-mento, mas também os custos de transa-ção resultantes, a opção pela contrataçãopor meio de PPP, em oposição àcontratação convencional de obra eserviços públicos, deve ser feita quandoresultar em ganhos de eficiência e melhorrelação custo-benefício9.

A evidência empírica dos ganhos deeficiência em contratos de parceria concen-tra-se sobretudo no Reino Unido, dados ovolume de projetos realizados e a diversi-dade de setores em que a PPP vem sendoempregada10. Estudo encomendado peloTesouro britânico aponta economias daordem de 17% nos contratos de PPP, quan-do comparados à alternativa de obra pú-blica convencional (ENTERPRISE LSE, 2000).O documento destaca que os ganhos advêmprincipalmente da transferência de risco aoparceiro privado, da existência de compe-tição no processo licitatório, dos incentivosgerados por mecanismos de pagamento as-sociados a desempenho e da naturezacontratual de longo prazo, que permite aotimização de custos ao longo do ciclo devida do empreendimento. Outro trabalho(CONSTRUCTION INDUSTRY COUNCIL, 2002)aponta redução de custos de cerca de 10%nos projetos de PPP, sendo que as maioreseconomias foram obtidas em projetos comum componente significativo de obras deengenharia, mas por meio de contratos queincluíam a prestação do serviço final. Alémdisso, maior eficiência foi observada noscasos em que a autoridade contratante eraum órgão público central com umprograma de projetos semelhantes11.

Análises conduzidas pelo NationalAudit Office (órgão central de controle,que corresponde ao Tribunal de Contasda União) e pelo Tesouro britânico

chegaram a resultados expressivos no quese refere à eficiência da gestão privada dosprojetos de PPP, quando comparadas àgestão de obra pública. De acordo comesses estudos, de 75% a 88% dos projetosde PPP foram concluídos dentro do prazoe orçamento previstos, contra apenas 30%dos projetos realizados como obra públicaconvencional (HM TREASUR Y, 2003.NATIONAL AUDIT OFFICE, 2003).

Características dos contratosde PPP

A parceria público-privada é ummodelo de contratação de serviços públicosem que a remuneração do particular é feita,parcial ou integralmente, pelo Estado. Éuma mudança da lógica de aquisição deativos para uma de compra de serviços, oque acarreta alteração fundamental naestrutura de incentivos do contrato. Sendoresponsável pelo projeto, construção, finan-ciamento e operação dos ativos necessáriosà disponibilização do serviço, o particular éincentivado a adotar uma visão integradado ciclo de vida do empreendimento, o queestimula, além de eficiência, melhorqualidade na prestação do serviço.

A estruturação de um projeto de parceriasegue normalmente o formato de um Project

Finance, que é uma forma de financiamentode um investimento de capital economica-mente separável, que tem no fluxo de caixado projeto a fonte de pagamento dosempréstimos e do retorno do capital inves-tido (FINNERTY, 1996). Para o desenvolvi-mento do empreendimento, os investidorese patrocinadores constituem uma sociedadede propósito específico (SPE), cujos ativos eobrigações estão fora do balanço dosacionistas, limitando sua responsabilidade aoscapitais aportados no projeto12.

A alocação de riscos em um ProjectFinance é feita por meio de uma complexa

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estrutura contratual, que, para o caso deuma concessão13 de serviço público, podeenvolver: autoridade contratante,investidores, bancos, seguradoras,fornecedores de insumos, empresaconstrutora, operador e, quando é o caso,comprador da produção14 (Figura 1).

Essa intrincada teia de contratos seg-menta e compartilha o risco entre asdiversas partes, possibilitando que cadaagente fique responsável pela parcela derisco que mais lhe convém e que podemelhor gerenciar.

Uma das questões mais importantes nosprojetos de parceria é a alocação dos riscos

entre as partes. Conforme se discutirá naseção seguinte, a lei brasileira de PPP inovaao permitir que o poder público transfirapara o particular riscos que tradicionalmen-te são de responsabilidade da administraçãopública. A alocação de riscos nos projetosde PPP será feita contratualmente, depen-dendo do setor e do escopo do serviço.No entanto, pela experiência internacional,tipicamente o parceiro privado assume osriscos associados a projeto, construção doempreendimento (principalmente no que serefere a custos e prazos), manutenção,operação e prestação do serviço, riscosfinanceiros (cambial e de taxa de juros) e

Contrato deConcessão

Contrato definanciamento

Acordo deacionistas

Contrato deseguros/garantias

Contrato deconstrução

Contrato deoperação

Contrato decompra

Seguradoras/

Multilaterais

Investidores

Bancos

SPE

Usuários

Construtor

Operador

Autoridade

Pública

Contratante

Figura 1: Relação contratual entre os diversos agentes envolvidos em uma conces-são de serviço público (adaptado de MERNA; SMITH, 1994).

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demais riscos comerciais. O poder públicofica com os riscos de planejamento, desa-propriação15, licenciamento ambiental pré-vio16, mudança geral de legislação, poden-do compartilhar com o parceiro privadoriscos de força maior e caso fortuito. Já exis-tem, no entanto, em diversos países, proje-tos em que o ente privado assume, integralou parcialmente, tais riscos.

Um dos riscos chave em um projetode PPP, que é objeto de rigorosa análisedos financiadores, é o risco de demanda.Ao contrário dos contratos de concessãocomum, em que o risco de demanda é cla-ramente do concessionário, nos contratosde PPP ele é normalmente compartilhado.Isso significa que, para tornar o empreen-dimento viável, o ente público mitiga orisco de demanda, seja por meio de umacomplementação de receita fixa, seja pormeio de remuneração variável. Emqualquer caso, o mecanismo de pagamentoé condicionado à disponibilização doserviço e pode variar segundo padrões dedesempenho.

A duração do contrato deve serestabelecida com base no tipo de ativo ena natureza do serviço, de modo que oinvestimento inicial feito pelo particular sejarecuperado em um prazo adequado. Ocontrato deve ser suficientemente longopara que o setor privado tenha o incentivode investir em material, equipamentos etecnologia, além de adotar uma gestão deserviços que otimize os custos ao longoda vida útil do projeto. Por outro lado,contratos muito longos podem serbastante inflexíveis, caso não sejamprevistos mecanismos de revisão periódica.

Tendo sido analisadas algumas carac-terísticas dos contratos de PPP, cabe agoraexplicitar o modelo brasileiro de parceriase verificar de que forma a Lei no 11.079/2004 disciplina a matéria. Serão discutidos,na próxima seção, os aspectos centrais da

lei, com destaque para alguns pontos queforam objeto de intenso debate durante oprocesso de aprovação legislativa.

O modelo brasileiro de PPP:Lei no 11.079/2004

A Lei no 11.079/2004, aprovada em30 de dezembro de 2004, institui asnormas gerais para licitação e contrataçãode parceria público-privada no âmbito daadministração pública17.

A lei define parceria público-privadacomo um contrato de prestação deserviços, sendo vedada a celebração decontratos que tenham por objetivo único ofornecimento de mão-de-obra, equipa-mentos ou execução de obra pública18.Estabelece ainda um valor mínimo de con-trato de R$ 20 milhões. A fixação desse limiteteve como objetivo afastar a possibilidadede que serviços de baixo valor contratual,

“A lei define ainda

‘a repartição de riscos

entre as partes,

inclusive os referentes

a caso fortuito, forçamaior, fato do príncipe

e álea econômica

extraordinária’, o que

representa alteração

significativa do regimetradicional de

repartição de riscos

entre a administração

e os entes privados”

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contratados normalmente pela Lei no

8.666/1993, viessem a ser licitados comoPPP. Como explicitado anteriormente,contratos de PPP têm uma estruturacontratual complexa e envolvem elevadoscustos de transação. Não são, portanto,adequados a projetos e ser viços depequena escala, em que um potencial ganhode eficiência não comportaria os custos detransação associados.

Para não deixar dúvidas quanto aoregime aplicável às PPP e, sobretudo, paradiferenciá-las das concessões comunsregidas pela Lei no 8.987/1995, a leiadota uma estrutura conceitual que definecomo parceria público-privada o“contrato administrativo de concessão, namodalidade patrocinada ou adminis-trativa”, em que:

• concessão patrocinada é a concessãode serviços ou obras públicas de que trataa Lei no 8.987/1995 quando envolver,adicionalmente à tarifa cobrada dosusuários, complementação de receita pelaautoridade pública em forma de contra-prestação pecuniária;19

• concessão administrativa é o contratode prestação de serviços de que a adminis-tração pública seja usuária direta ouindireta, cabendo a ela o pagamentointegral ao parceiro privado.

A vantagem dessa terminologia é apossibilidade de remeter alguns aspectosda lei de PPP à legislação existente deconcessão e licitação. Dessa forma, para aconcessão patrocinada, por se tratar deprestação de serviço público ao usuário,aplica-se subsidiariamente o disposto na leide concessões. Esse é o caso, por exemplo,da concessão de uma rodovia em que acobrança de tarifa módica não seriasuficiente para recuperar o investimento eremunerar o capital, sendo necessária umacomplementação de receita pelaautoridade pública para tornar oempreendimento viável.

Já para as concessões administrativas,em que o usuário da prestação de serviçoé a própria administração pública, aindaque de maneira indireta, o regime predo-minante é o da lei de PPP, aplicando-seadicionalmente alguns dispositivos da leide concessões. Seria o caso, por exemplo,de contratos para construção, manutençãoe gestão de hospitais e escolas públicas, emque, embora exista um beneficiário (ocidadão), é a própria administração ausuária indireta do sistema, por ser ela acompradora do serviço prestado peloparceiro privado. A administração adquireo serviço com o objetivo de disponibi-lizá-lo gratuitamente ao cidadão. Não há,portanto, cobrança de tarifa do beneficiário.

A lei define o prazo mínimo de cincoe máximo de 35 anos para os contratosde parceria, já incluindo eventual pror-rogação. Define ainda “a repartição deriscos entre as partes, inclusive os referentesa caso fortuito, força maior, fato dopríncipe e álea econômica extraordinária”.Esse dispositivo representa uma alteraçãosignificativa do regime tradicional derepartição de riscos entre a administraçãoe os entes privados. Nos contratos adminis-trativos em geral, regidos pela Lei no 8.666/1993, o poder público arca com o ônusintegral desses riscos, cabendo ao enteprivado assumir apenas os riscos referentesà álea econômica ordinária. A lei de PPPpermite, portanto, que a alocação de riscosseja feita contratualmente, o que é umaimportante inovação no direito adminis-trativo brasileiro.

Os particulares têm tradicionalmenterecorrido à garantia constitucional aoequilíbrio econômico financeiro nos con-tratos administrativos para impedir aefetiva transferência de riscos para ainiciativa privada. A Constituição Federal,no entanto, deixa claro que os termos doequilíbrio econômico-financeiro são defi-

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nidos em lei. Será possível, portanto, pelaLei no 11.079/2004, alterar o regimeconvencional de repartição de riscos entrea administração pública e os entes privadosnos contratos de parceria.

Outra importante inovação trazida pelalei de PPP é a possibilidade de prever, nocontrato, os chamados step-in-rights. Trata-se do direito do financiador de intervir nocontrole da sociedade de propósitoespecífico, em caso de inadimplência doscontratos de financiamento ou de quedanos níveis de retorno a patamares quecomprometam o cumprimento dasobrigações futuras. O contrato definirá “osrequisitos e condições em que o parceiropúblico autorizará a transferência docontrole da sociedade de propósito espe-cífico para os seus financiadores, com oobjetivo de promover a sua reestruturaçãofinanceira e assegurar a continuidade daprestação dos serviços”. Tal dispositivo nãoaltera a prerrogativa da administração deintervir na concessionária para garantir asegurança e a continuidade da prestaçãodos serviços.

A lei de PPP institui um mecanismofundamental de incentivo à eficiência nagestão dos contratos de parceria: aobrigatoriedade de vinculação do paga-mento da contraprestação pública à disponi-bilização do serviço. A lei prevê ainda apossibilidade de se estabelecer contra-tualmente remuneração variável de acordocom metas e padrões de desempenho.

De modo a mitigar o risco de nãocumprimento das obrigações pecuniáriascontraídas pela administração pública noscontratos de PPP, são permitidas vinculaçãode receitas, instituição de fundos especiais,contratação de seguro-garantia comcompanhias seguradoras e garantias comorganismos multilaterais, além daquelaprestada por fundo garantidor ou empresaestatal criada para essa finalidade. Na esfera

federal, a lei autoriza a União, suas autarquiase fundações públicas a participar, no limitede R$ 6 bilhões, do Fundo Garantidor dasParcerias Público-Privadas (FGP).

O FGP terá natureza privada epatrimônio próprio separado do patri-mônio dos cotistas, o que afasta a possi-bilidade de contingenciamento e execuçãoem regime de precatórios. A integra-lização de suas cotas poderá ser feita emdinheiro, títulos da dívida pública, bensimóveis dominicais, bens móveis, inclu-sive ações de sociedade de economia mistafederal excedentes ao montante necessárioà manutenção de seu controle pela União.A criação, administração e gestão do FGPserão feitas por instituição financeira con-trolada, direta ou indiretamente, pelaUnião.

Uma das questões mais debatidasdurante o processo legislativo foi a formade contabilização das obrigações contraí-das pelo poder público nos contratos dePPP, se como despesa corrente ou decapital. No momento ainda não foidesenvolvido um padrão internacional-mente aceito de contabilização deoperações de PPP e a prática varia enorme-mente entre os países (FUNDO MONETÁRIO

INTERN ACIONAL, 2004). Há, no entanto,algumas diretrizes que orientam umaforma de contabilização cujo critériodeterminante é o do interesse econômicono ativo, o que está diretamente rela-cionado ao grau de transferência de riscoao parceiro privado. Em fevereiro de 2004,o órgão de estatística da União Européia– Statistical Office of the EuropeanCommunities (Eurostat) – publicou umadecisão sobre o tratamento contábil dasPPP20. O Eurostat recomenda que o ativoobjeto do contrato não seja contabilizadono balanço patrimonial público se duascondições forem atendidas: a) o parceiroprivado assume o risco de construção do

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empreendimento; e b) o parceiro privadoassume pelo menos um dos seguintesriscos: disponibilidade21 ou demanda.Assim, nos casos em que o privado arcacom parcela significativa do risco, consi-dera-se que é ele quem tem interesse eco-nômico no ativo, e a compra do serviçopelo poder público é contabilizada comodespesa corrente. Contrariamente, se orisco de construção é do governo, ou oparticular assume apenas o risco de cons-trução e nenhum outro, os ativos devemconstar do balanço patrimonial público eser contabilizados como dívida. No casobrasileiro, a lei de PPP atribui à Secretariado Tesouro Nacional a competência paraeditar as “normais gerais relativas àconsolidação das contas públicas aplicáveisaos contratos de parceria público-privada”.

Com o objetivo de evitar que asobrigações com os pagamentos da contra-prestação pública representassem risco deindisciplina fiscal e viessem a comprometerparcela substancial do orçamento público,a lei estabeleceu ainda um limite de 1% dareceita corrente líquida22 para a soma dasdespesas anuais derivadas do conjunto doscontratos de parceria celebrados pelaUnião. A concessão de garantias e trans-ferências voluntárias da União para osestados, Distrito Federal e municípios estarácondicionada ao cumprimento, pelos entessubnacionais, do limite de 1% da receitacorrente líquida com suas obrigações anuaisde contratos de PPP.

Um dos pontos mais destacados naexperiência internacional como fundamentalpara a boa condução de programas deparceria público-privada é a existência deum órgão público central, responsável porcoordenar a implementação dos projetos,desenvolver expertise em PPP e dissemi-ná-la pelos órgãos da administraçãopública. A Lei no 11.079/2004 define ascompetências do órgão gestor de parceriaspúblico-privadas, a ser instituído por

decreto. Composto por representantes doMinistério do Planejamento, Orçamento eGestão (MP), do Ministério da Fazenda(MF) e da Casa Civil da Presidência daRepública, sob a coordenação do MP, oórgão gestor tem a competência de definiros serviços a serem contratados por meiode parcerias, disciplinar os procedimentospara a celebração dos contratos, autorizarabertura de licitação, aprovar seu edital eapreciar os relatórios de execução doscontratos. Participará das reuniões do órgãogestor um representante do ministériosetorial cuja área de competência seja relaci-onada ao projeto em análise. A deliberaçãodo órgão gestor sobre um projeto de par-ceria público-privada deverá estar baseadaem pronunciamento do Ministério do Pla-nejamento sobre o mérito do projeto e doMinistério da Fazenda sobre a viabilidade eforma de concessão de garantias, relativa-mente aos riscos fiscais e ao cumprimentodo limite de despesa com contratos de PPP.

Concluída a regulamentação da Lei no

11.079/2004, o governo federal dará inícioà implementação do programa deparcerias. Com foco na área de infra-estrutura, dado seu papel fundamental nasustentabilidade do desenvolvimentoeconômico, os primeiros projetos de PPPno âmbito federal estão sendo selecio-nados de modo a estruturar sistemaslogísticos, com uma visão integrada deplanejamento e objetivando eliminargargalos nos principais corredores deexportação23. A PPP representará, assim,um importante instrumento para viabilizarum programa de investimentos urgentes enecessários ao país.

Conclusão

A adoção de programas de PPP emdiversos países do mundo vem sendoimpulsionada, por um lado, pela necessi-dade de dar continuidade ao investimento

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estatal em um contexto de restrição fiscale, por outro, pela busca de maior eficiênciana prestação dos serviços públicos.

A experiência internacional demonstraque, quando bem implementados,programas de parceria podem represen-tar uma alternativa interessante paraviabilizar empreendimentos de maneiraeficiente e eficaz.

Na elaboração da lei brasileira, foramincorporados elementos considerados emoutros países como fatores críticos desucesso. Dentre eles, destacam-se oenquadramento ao sistema legal existente,a preocupação com a disciplina fiscal, aadequada repartição de riscos entre osparceiros, as garantias ao parceiro privado

e a necessidade de se instituir um órgãocentral para coordenar o processo deimplementação das parcerias.

Ainda que a lei discipline as questõesmais importantes relativas aos projetos dePPP, serão definidos, em cada contrato, aalocação de riscos, os mecanismos deincentivo, as metas e os padrões de desem-penho. A aprovação da lei representou,assim, o primeiro passo de um processode consolidação das parcerias público-privadas como mais um instrumento paraviabilizar os investimentos de que o paístanto necessita.

(Artigo recebido em março de 2005. Versão definitva

em março de 2005)

Notas

1 O presente artigo expressa exclusivamente a opinião dos autores, não representando qualquermanifestação ou posição do Governo Federal.

2 A experiência do sistema produtivo estatal francês ilustra esse tipo de resposta.3 Os EUA foram a notável exceção, uma vez que a melhoria do seu quadro fiscal na segunda

metade dos anos 90 decorreu primordialmente da espetacular performance em termos de crescimentoeconômico – o tão citado pacote fiscal do primeiro governo Clinton não passou de um tímido ajustemarginal, quando comparado, guardadas as devidas proporções, aos ajustamentos europeus e latino-americanos (ver BLINDER; YELLEN, 2001). Mesmo assim, desde 2001 observou-se uma deterioraçãodo déficit público americano, fruto de uma combinação de ativismo fiscal e recessão.

4 Os critérios de convergência estabelecidos no Tratado de Maastricht tinham por objetivodisciplinar a política fiscal dos países da Zona Euro para a introdução da moeda única. Entre outrasmedidas, impunha um teto de 3% do PIB ao déficit público.

5 O conceito de PPP adotado no Reino Unido abrange desde o PFI até as concessões, terceirizaçõese privatizações (HM TREASURY, 2000).

6 O pedágio-sombra (tradução livre do termo inglês shadow-toll) é um mecanismo de pagamentoem que o poder público remunera integralmente o concessionário com base no tráfego real. Concebidonos primeiros contratos de rodovias no Reino Unido, foi adotado em Portugal no programa deconcessões SCUT (Sem Cobrança ao Utilizador). O governo português estima, para 2005, um com-promisso de pagamento com tais contratos da ordem de 500 milhões de euros, o que representa atotalidade do orçamento do Instituto das Estradas de Portugal (IEP). Está em curso um processo derenegociação desses contratos para que se institua a cobrança de pedágio real (CARDOSO, 2004).

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7 Para uma discussão sobre tais argumentos, ver Stiglitz (2000) e Mumford (1998).8 A eficiência produtiva baseia-se na minimização de custos para uma dada produção ou no

ganho de produtividade resultante de processos inovadores. Já a eficiência alocativa volta-se para aobtenção de produtos que a sociedade considera socialmente aceitáveis e cujos benefícios igualam ousuperam o custo marginal de produzi-los (MARTIN; PARKER, 1999).

9 Para uma discussão sobre a economia dos custos de transação no contexto da PPP, verMumford (1998).

10 Desde o início dos anos 90, mais de 600 contatos de PPP/PFI foram assinados no ReinoUnido, com um valor total de mais de 60 bilhões de euros. Os setores com maior volume deinvestimentos de PPP são os de transportes, saúde, educação e defesa. (Fonte: PFI Statistics. Dispo-nível em www.hm-treasury.gov.uk).

11 Esse é o caso das estradas e prisões inglesas, em que a autoridade contratante é uma agênciacentral (Highways Agency e HM Prison Service), que lançaram programas de PPP, e não projetosisolados. No caso dos hospitais ingleses, a licitação dos projetos é feita de modo descentralizado.

12 A Lei de PPP estabelece a obrigatoriedade de constituição de uma SPE para a implantação egestão do objeto da parceria.

13 O termo concessão aqui empregado abarca tanto as concessões comuns quanto as PPP. Comoserá visto posteriormente, a lei brasileira define parceria público-privada como um contrato adminis-trativo de concessão.

14 É o caso dos contratos de concessão para geração de energia, em que há possibilidade deestruturar o projeto com base em contratos de compra e venda (take-or-pay), reduzindo, portanto,o risco de demanda. É diferente , por exemplo, de uma concessão de rodovia pedagiada em que areceita do concessionário advém de tarifas cobradas dos usuários.

15 Já existem casos em alguns países, inclusive no Brasil, em que a desapropriação fica a cargo doparticular, tendo por base um valor estabelecido previamente no edital.

16 A Lei de PPP permite que a licitação esteja condicionada à expedição de diretrizes para olicenciamento ambiental, cabendo ao parceiro privado a obtenção de licença ambiental prévia.

17 A lei se aplica aos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.Alguns estados já aprovaram leis de PPP. Como compete à União legislar em matéria de licitações econtratos, as leis subnacionais devem estar submetidas à lei 11.079/2004. Em caso de conf lito,prevalece a legislação federal.

18 Quando o contrato envolver execução de obra, esta deve ser necessária à prestação do serviço.19 A lei define um limite para a contraprestação pública de 70% da remuneração do parceiro

privado. As concessões patrocinadas em que a contraprestação exceder esse limite requerem autori-zação legislativa específica.

20 É interessante notar que a diretriz do Eurostat se aplica a projetos de PPP em que o setorpúblico é o principal comprador do serviço disponibilizado pelo concessionário. No modelobrasileiro, esse seria o caso das concessões administrativas. Poderia também ser entendida comoaplicável às concessões patrocinadas em que a contrapartida pública representasse a maior parte daremuneração do parceiro privado. No entanto, para as concessões patrocinadas em que o compo-nente de receita proveniente da contraprestação pública é pequeno em relação à parcela de tarifacobrada do usuário, pode-se entender que a forma de contabilização seguiria o modelo das con-cessões comuns.

21 Considera-se que há transferência de risco de disponibilidade quando o pagamento ao parceiroprivado está condicionado à disponibilização do serviço, de acordo com padrões de desempenhopreviamente especificados. Atraso no prazo de construção ou interrupção do serviço por razões

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outras que não aquelas explicitamente consideradas extraordinárias pelo contrato acarretam nasuspensão da contraprestação pública. Além disso, o não-cumprimento dos padrões de desem-penho estabelecidos contratualmente implica deduções do pagamento. A lei de PPP define claramenteque “a contraprestação da Administração Pública será obrigatoriamente precedida da disponibilizaçãodo serviço objeto do contrato”.

22 A Lei Complementar no 101/2000 define receita corrente líquida como o somatório das receitastributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências corren-tes e outras receitas também correntes, deduzidos, no caso da União, os valores transferidos aosestados e municípios por determinação constitucional ou legal e as contribuições trabalhistas e deseguridade social. No ano de 2004 a receita corrente líquida da União foi de cerca de R$ 260 bilhões.

23 Nessa primeira etapa, serão privilegiados projetos que tenham alguma capacidade de geraçãode receitas, ou seja, contratos de concessão patrocinada.

Referências bibliográficas

BLINDER, A. S.; YELLEN, J. L. The Fabulous Decade: macroeconomic lessons from the 1990s. NovaYork: Century Foundation Press, 2001.CARDOSO, F. IEP colapsa com SCUTS. O Independente. Lisboa, p. 3, 10 set. 2004.CONSTRUCTION INDUSTRY COUNCIL. The Role of Cost Saving and Innovation in PFI Projects.Londres: Thomas Telford, 2002.ENTERPRISE LSE. Value for Money Drivers in the PFI - a report by Arthur Andersen andEnterprise LSE, Commissioned by The Treasury Taskforce. Londres, 2000.EUROSTAT. Eurostat News Release 18/2004: treatment of public-private partnerships.11 fev. 2004.FINNERTY, J. D. Project Financing: Asset-based Financial Engineering. Nova Jersey: Wiley,1996.FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL. Public Investment and Fiscal Policy. Washington, 2004.HM TREASURY. Public Private Partnerships: the government’s approach. Londres: HMSO,2000.___________. PFI: meeting the investment challenge. Londres: HMSO, 2003.MERNA, T.; SMITH, N. J. Projects procured by privately financed concession contracts. Manchester:UMIST, 1994.MUMFORD, M. Public projects, private finance: understanding the principles of the privatefinance initiative. Welwyn Garden City: Griffin Multimedia, 1998.NATION AL AUDIT OFFICE. PFI: construction performance. Londres: HMSO, 2003.STIGLITZ, J. E. Economics of the Public Sector, 3a ed. Nova York: W. W. Norton & Co, 2000.

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Resumo - Resumen - Abstract

Parceria público-privada: compreendendo o modelo brasileiro

Barbara Moreira Barbosa de Brito e Antonio Henrique Pinheiro Silveira

A necessidade de viabilizar investimentos públicos em um contexto de restrição fiscal impul-sionou governos de diversos países a buscar na parceria com o setor privado a alternativa para arealização de obras e serviços públicos. A experiência paradigmática do Reino Unido em programasde parceria público-privada (PPP) norteou a implantação de iniciativas semelhantes mundo afora.No Brasil, a aprovação, em dezembro de 2004, da lei que disciplina as normas para contratação dePPP deu início a um processo que passará pela definição dos projetos prioritários e que culminará naconsolidação das parcerias como mais um instrumento para a viabilização de obras e serviços públicosde que o país necessita. Esse artigo tem por objetivo elucidar o modelo brasileiro de parceriaspúblico-privadas. Após uma contextualização inicial, são discutidos os fundamentos que balizam aimplantação de um programa de PPP e apresentadas algumas características gerais dos contratos. Porfim, são expostos os pontos centrais da lei brasileira.

Palavras-chave: parceria público-privada (PPP); infra-estrutura; concessão

Asociación público-privada: comprensión del modelo brasileño

Barbara Moreira Barbosa de Brito y Antonio Henrique Pinheiro Silveira

El desafío de realizar inversiones publicas en una situación donde los Estados no cuentan conlos recursos necesarios llevó a los gobiernos a convocar al sector privado a participar en los procesosde inversión, manutención y explotación de obras y servicios públicos. El modelo británico fue unareferencia a muchos países que adoptaran un programa de asociación público-privada. En Brasil, laaprobación del marco legal en Diciembre de 2004 representa el principio de un proceso que implicaráen la selección de proyectos prioritarios y en la aplicación de la ley a las inversiones que el país necesita.Este artículo examina las bases del programa brasileño. Describe los antecedentes relacionados conlos programas de asociación, presenta algunas características generales de los contratos y al fin discutela ley federal brasileña en asociaciones público-privadas.

Palabras clave: asociación público-privada; infraestructura; concesión

Public-private partnership: understanding the Brazilian framework

Barbara Moreira Barbosa de Brito and Antonio Henrique Pinheiro Silveira

The need to provide public infrastructure under budgetary constraints fostered manygovernments to seek partnership with the private sector. The experience of the United Kingdom inprocuring public services under a public-private partnership (PPP) framework became a paradigm tomany governments seeking to implement a PPP program. In Brazil, the approval in December 2004of the new PPP Law was the starting point of a process that will involve selecting priority projectsand applying the new legal instrument to contracting infrastructure projects and providing publicservices. This artic le examines the foundations of the Brazilian PPP program. It sets the contextunder which partnership programs are conceived, presents some general features of PPP contractsand finally discusses the Brazilian federal law on public-private partnerships.

Keywords:public-private partnership (PPP); infrastructure; concession

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Barbara Moreira Barbosa de BritoEngenheira civil e mestre em Economia e Gerenciamento da Construção pela University CollegeLondon. É Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e atua na Unidade PPP doMinistério do Planejamento. Contato: [email protected]

Antonio Henrique Pinheiro SilveiraDoutor em Economia pelo IE/UFRJ, Chefe Adjunto da Assessoria Econômica e Coordenador daUnidade PPP do Ministério do Planejamento. É professor adjunto licenciado da Faculdade deCiências Econômicas da UFBA. Contato: [email protected].

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Joan Subirats, Maria Giménez e Anna Obradors

Exclusión social y políticas deinclusión. Algunos elementos

sobre la realidad europeay española

Joan Subirats, Maria Giménez eAnna Obradors

Introducción

En Europa, bajo el paraguas de un nuevo mundo globalizado, se están

dejando atrás los principales parámetros socioeconómicos y culturales que

rigieron la sociedad y su desarrollo durante años. Somos ahora testigos de un

conjunto de profundas transformaciones que, velozmente, se suceden en todos

los campos de la vida social.

En el campo de la producción, las viejas coordenadas del industrialismo se

han visto transformadas por los impactos que han ocasionado los grandes cambios

tecnológicos. Así, la llamada globalización económica, construida sobre la base

de la revolución en los sistemas de información, ha permitido avanzar hacia un

mercado mundial, en el que las distancias cuentan cada vez menos, y dónde el

aprovechamiento de los costes diferenciales a escala planetaria ha desarticulado

empresas y plantas de producción. En el mercado de trabajo, la temporalidad, el

empleo a tiempo parcial o la flexibilidad han reemplazado a la especialización y

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Exclusión social y políticas de inclusión. Algunos elementos sobre la realidad europea y española

la estabilidad, afectando principalmente ala calidad del empleo. En otras palabras:mientras el capital se ha hecho global ypermanentemente movilizable, el trabajocontinúa siendo local, cada vez menospermanente y más sujeto a la condiciónvolátil de los espacios productivos. Por otraparte, los patronos de la sociedad deconsumo se han instituido plenamente,contribuyendo a un ensanchamiento de lacomplejidad en el campo de las desigual-dades y la exclusión social.

Desde el punto de vista social, lasestructuras relativamente estables yprevisibles del industrialismo han sufridouna acelerada transición hacia una realidadmucho más compleja caracterizada por unamultiplicidad de ejes cambiantes dedesigualdad. Aunque es cierto que endeterminados segmentos entre los queanteriormente sólo existía continuidad decarencia han aparecido nuevas posibi-lidades de ascenso y movilidad social,también hallamos, por otro lado, nuevos einéditos espacios de pobreza y de dificultaden el sobrevivir diario. Los riesgos depobreza y vulnerabilidad social se hanmultiplicado y democratizado, castigandocada vez más personas y grupos sociales(BECK, 1998). Así, frente a la anteriorestructura social de grandes agregados yde importantes continuidades, tenemoshoy un mosaico cada vez más fragmen-tado de situaciones de fracaso y de éxitogeneradas por una proliferación de riesgosy de interrogantes que, a su vez, provocanel surgimiento de fenómenos de búsquedade certezas.

Desde el punto de vista de lasrelaciones de género y la familia, loscambios no son menores. El ámbito deconvivencia primaria no presenta ya elmismo aspecto que tenía en la época in-dustrial. El escenario es hoy muy distinto.La equiparación formativa entre hombres

y mujeres es muy alta aunque ello no setraduzca en una mejora en la posición socialy de mercado de estas últimas. Laincorporación de las mujeres al mercadode trabajo formal aumenta sin cesar, apesar de las múltiples dificultades ydiscriminaciones que se mantienen. Juntoa estos cambios, hay que tener en cuentaque los roles de género, tanto para hombrescomo para mujeres, apenas se han modi-ficado. Así, crecen las tensiones por la doblejornada laboral de las mujeres y lasdificultades de la conciliación doméstico-laboral. En el caso de los hombres, lasdificultades principales radican en lapérdida de su estatus como cabeza defamilia y sustentador de la misma. Todoello actúa en combinación con los cambiosque se están produciendo en la forma ycomposición de los núcleos familiares queintegran las sociedades europea y españoladónde, en los últimos años, han aumentadosin cesar la cantidad de hogares uniperso-nales integrados por personas de más de65 años – sobretodo entre las mujeres –así como el número de hogaresencabezados por una mujer sola con hijos(SAINSB URY, 1999).

Todo lo anterior además, se produceen un contexto general de crisis y desvane-cimiento del Estado de Bienestar enEuropa. Así, el conjunto de cambios y deprofundas transformaciones en las esferasproductiva, social y familiar, no hanencontrado una respuesta política clara ydecidida. Con la irrupción del neoli-beralismo, la fragmentación y la retiradainstitucional aumenta: surgen nuevasinstituciones supraestatales y, en el campode la política social se realizan importantesprocesos de descentralización y focalizaciónde las intervenciones. Los procesos detoma de decisiones se basan cada vez másen lógicas de interdependencia, de capa-cidad de influencia y de poder relacional,

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Joan Subirats, Maria Giménez e Anna Obradors

que en un estatuto orgánico o en el ejerciciode jerarquías formales (KICKERT, 1997). Entoda Europa además, la introducciónprogresiva de procesos de casi-mercado yde gerencias privadas en los serviciospúblicos locales son prácticas en claraascendencia.

El concepto de exclusión social

Durante los años 70s, en muchos paísesde la Unión Europea se había asumido queen estos países la pobreza material habíasido reducida a un “estado residual deacontecimientos que desaparecería con elprogreso y el crecimiento” (COMISIÓN

EUROPEA, 1992, p.7). Sin embargo, actual-mente, más allá del plano puramenteeconómico, asistimos a una ampliaciónprogresiva de las desigualdades sociales, yla emergencia de nuevas fracturas que cadavez desplazan a más individuos y gruposhacia la precariedad económica y social. Espor ello que el concepto más clásico depobreza, relativo a la escasez o ausencia derecursos materiales, debe ser reconsideradoante la noción de exclusión social, quebrinda la posibilidad de desarrollar análisismás complejos, capaces de dar cuenta tantode las viejas y persistentes desigualdadessociales, como de las nuevas fracturas.

En España igual que en Europa, lainvestigación alrededor de la exclusiónsocial se inició y se mantiene por laposibilidad que ofrece este concepto deabordar globalmente nuevas y viejasdesigualdades enraizadas en lo másprofundo de las estructuras social yeconómica de unos países que, comohemos señalado, se hallan inmersos en unintenso proceso de cambios en distintosniveles. Más allá de la pobreza, en estecontexto generalizado de cambios,emergen otros ejes, más trasversales, queoperan como espesos filtros a la inclusión

social. Así, las viejas formas de desigualdadde renta, sumadas a las brechas deciudadanía, a la pérdida de vínculos y redessociales, u otros, otorgan pleno sentido aluso cada vez más extendido al rico ycomplejo concepto de exclusión social.

En el plano empírico, la exclusiónsocial puede entenderse como una situaciónconcreta fruto de un proceso dinámico deacumulación, superposición y/o combi-nación de diversos factores de desventajao vulnerabilidad social, y que genera entrelas personas o grupos sociales, una situaciónde imposibilidad o dificultad intensa deacceder a los mecanismos de desarrollopersonal, de inserción socio-comunitaria ya los sistemas preestablecidos de protecciónsocial. Por otra parte, y en relación con loanterior, el concepto de vulnerabilidadsocial delimita toda una serie de situacionesque se hallan presididas por un equilibriosocial precario que puede verse transfor-mado en exclusión social mediante unproceso de intensificación de uno o másfactores de exclusión, o con la apariciónde otros nuevos, que pueden o no estarrelacionados con el resto.

Así pues, la exclusión social implica laacumulación de factores que además,pueden presentarse con intensidades ycombinaciones variables. Es decir, laprecariedad laboral, por ejemplo, puedecomprender desde el trabajo no cualificadoa tiempo parcial hasta el trabajo sin derechosni garantías sociales en el espacio de laeconomía sumergida. A su vez, existencombinaciones de factores que puedenacelerar procesos o sostener situaciones delas cuales resulta muy difícil salir. Así, unasituación de violencia familiar que supongauna pérdida de lazos o redes sociales, unidaal desempleo, a la adicción, o la pobrezaeconómica etc. puede abrir procesos de noretorno hacia la soledad, la enfermedad yen definitiva, la exclusión social.

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Exclusión social y políticas de inclusión. Algunos elementos sobre la realidad europea y española

Desde este punto de vista, la exclusiónsocial es un fenómeno altamente complejoen la medida en que hace referencia a unamultidimensionalidad y una multifacto-rialidad que operan de forma dinámicasegún los contextos y que poseen susefectos, más súbitos o dilatados, en unespacio de tiempo determinado. Lasdimensiones y factores de exclusión sepresentan en todas las esferas del desarrollopersonal y social. Por tanto, podemosobservar factores tan dispares como lairregularidad administrativa a la que se hallansometidos muchos inmigrados, la violenciaintrafamiliar, el trabajo precario, el analfa-betismo, etc. Así pues, a lo largo de la vidade una persona pueden irse acumulandouna serie de factores que, en su combi-nación y mutua influencia, puedenconducirle hacia un escenario particular dedificultades y exclusión social. De la mismamanera, tal y como postula Castel (1995),la clase media, la gran protegida por elsistema social del bienestar, se tornaespecialmente vulnerable a las dinámicas delcambio social. Ya no son sólo unos pocos,sino que el riesgo y vulnerabilidad social seexpande pudiendo afectar a las posicionescentrales – y no sólo a las marginales – dela estructura social. Así, aparecen posibili-dades de entrada y salida del sistema deuna proporción cada vez mayor de lasociedad.

La exclusión social es susceptible deser abordada desde los valores, desde laacción colectiva, desde la práctica institu-cional y desde las políticas públicas. Elterritorio, geográf icamente delimitado,(Estado Español, comunidades autó-nomas, municipios, barrios...) es el marcodonde se entreteje la realidad social con lapolítica pública. Esta es la unidad básicade análisis para poder describir y com-prender cuáles son y cómo operan losfactores generadores de la exclusión social

y, por otro lado, cómo se articulan las opor-tunidades para la inclusión. Los elementosmás territoriales de la exclusión social (laconfiguración socio-espacial del territorio,la articulación político-administrativa, lasformas existentes en lo relacional y, endefinitiva, el régimen local de bienestar) noinciden tanto en la definición de los ejes deintegración social y de los factores deexclusión, como en la dinámica que seestablezca entre ellos.

La exclusión social en laagenda de la Unión Europea

La Unión Europea, en la cumbre deLisboa del año 2000, destacó que laexclusión social no podía considerarsesimplemente como inevitable o como unefecto indeseable del desarrolloeconómico. Desde las instancias europeas,con el objetivo de mantener el modelo decrecimiento europeo basado, teóricamente,en el desarrollo económico, la equidad y lainclusión social, se decidió impulsar unaserie de Planes Nacionales de InclusiónSocial. De esta manera, se trasladaba a lospaíses miembros la responsabilidad de que,de forma complementaria a sus propiaspolíticas, diseñasen y aprobasen unosPlanes Nacionales que mostrasen de formaintegrada sus respuestas a los retos de lacohesión social. Desde la cumbre deLisboa se llevan aprobados dos planes encada país de los 15 de la Unión Europea,y se ha ido siguiendo un proceso deconvergencia entre los mismos y lasiniciativas de la Comisión, en aplicación delllamado “método abierto de coordinación”.

Los objetivos que marcó la estructurade los Planes Nacionales impulsadosdesde la Unión Europea fueron los deacceso al empleo y recursos, derechos,bienes y servicios de todos los ciudadanos;la prevención de los riesgos de exclusión;

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Joan Subirats, Maria Giménez e Anna Obradors

la actuación a favor de los más vulnerablesy la movilización de todos los agentessociales en todos los ámbitos y propuestasde cada Plan.

Las recomendaciones de la UEapuntaban a que la problemática de lapobreza y la exclusión social debía estarinscrita en el conjunto de ámbitos políticos.Al mismo tiempo se recomendaba que sereconociera la importancia de la dimensiónlocal y regional, y que se avanzara en unenfoque integrado y estratégico, queincluyera una perspectiva transversal que seconsideraba esencial para afrontar lassituaciones de exclusión. Se insistía en quese tenían que definir y desarrollar respuestaspolíticas para ayudar a las personas másmarginalizadas y excluidas, integrandomejor los ámbitos de la salud o la culturaen los restantes ámbitos de actuación. LaUE insistió también en que los PlanesNacionales incorporaran la dimensión deigualdad entre las mujeres y los hombresen cada etapa de los planes, en la definiciónde los retos, en la elaboración, aplicación yevaluación de las políticas, en la selecciónde indicadores y objetivos y en laparticipación de los interesados.

En estos momentos estamos en plenoproceso de implementación y seguimientode los quince planes aprobados por otrostantos países de la Unión Europea en elaño 2003, con vigencia hasta el 2005, querepresentan la segunda oleada de planesdesde la cumbre de Lisboa.

El análisis del conjunto de planesnacionales, refleja, desde nuestro punto devista, que tanto los conceptos que se utilizanpara definir la exclusión social, como laslíneas de respuesta que se apuntan son muydistintas de país a país. Por ello, no nospuede extrañar que el resultado final seaun conjunto de planes que si bien se nospresentan con formatos semejantes ydentro de una misma perspectiva europea,

en realidad son sustancialmente diferentestanto a nivel cuantitativo como cualitativo.

Si los analizamos desde un puntocualitativo, lo cierto es que no hay muchasdiferencias sobre los colectivos o sobre losámbitos en los que se pretende actuar. Lasdiferencias surgen cuando examinamos sunivel de concreción y el grado de transver-salidad de las medidas que proponen. Y,en este sentido, es significativo reseñar quelas tradiciones de políticas de bienestar de

cada país, sus distintos y bien conocidospuntos de partida y sus niveles de gastosocial, poco nos indican en relación a la“calidad” intrínseca de los Planespresentados. Lo cual apunta a que estamostratando de temas relativamente nuevos,sobre los que los estados, al margen de sutrayectoria histórica, no disponen de muchaexperiencia acumulada, lo que permite quepaíses de incorporación tardía a las polí-ticas de bienestar, presenten planes de

“La exclusión

social puede

entenderse como una

situación concretafruto de un proceso

dinámico de

acumulación,

superposición y/o

combinación de

diversos factores dedesventaja o

vulnerabilidad social”

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Exclusión social y políticas de inclusión. Algunos elementos sobre la realidad europea y española

relativo calado, mientras que países conpolíticas de bienestar bien enraizadas,aparezcan con deficiencias significativas ensus planteamientos.

No hemos de olvidar que hastaprincipios de los años ochenta, los paísesavanzados presentaban estructuras socialesrelativamente homogéneas cruzadas poruna lógica de estratificación muy clásica.Ello había comportado la consolidaciónhistórica de un patrón de necesidadessociales uniformes, concentradas en deter-minados estratos, derivadas de la incapa-cidad del acceso a algunos bienes básicos,debido a rentas salariales insuficientes o faltacoyuntural de trabajo. A esta configuraciónde necesidades, el modelo clásico debienestar respondía con una oferta centra-lizada y estandarizada de servicios ytransferencias, articulada básicamente entorno a sistemas nacionales de salud y amecanismos de seguro social. Ahora,cuando los factores antes analizados hangenerado la nueva polarización inclusión/exclusión, que se superpone al eje clásicode desigualdad vertical, el problema es queninguno de los regímenes de bienestareuropeos se encuentra bien equipado paraenfrentar el problema de la exclusiónsocial. En estos años se han tratado de hacercosas en toda Europa frente a estos retos.Y los Planes Nacionales son un ejemplode las potencialidades pero también de lascomplejidades y límites de lo que hastaahora se ha hecho y se sigue haciendo.

La situación en España

Actualmente, en España, a pesar de loscambios, el sistema productivo parececontinuar siendo el principal mecanismode integración y, por lo tanto, también deexclusión social. Ello significa que en lamayor parte de procesos y situaciones deexclusión, la participación en el sistema de

producción de mercado impone su lógicasobre el resto de ámbitos y espacios enque pueden desarrollarse factores deexclusión. Este mecanismo, en la medidaen que determina la “utilidad” de laspersonas, socava uno de los principiosbásicos sobre los que se asienta la inclusiónsocial: la igualdad.

A diferencia de lo que ocurre en otrospaíses europeos, en España la intervenciónestatal no está haciendo lo suficiente paranivelar estos desequilibrios. Las personas quequedan excluidas del mercado productivotambién quedan fuera o al margen delsistema de redistribución y/o de las polí-ticas de reconocimiento de la diferencia. Esdecir, de políticas inclusivas de ciudadanía.

El análisis que hemos realizado de lasituación en España nos señala y confirmaalgunos de los elementos conceptuales oanalíticos que hemos venido utilizando eneste artículo. Si nos fijamos en las caracte-rísticas personales de los sujetos másvulnerables, hemos comprobado que laspersonas que aparecen en mayor medidaen situaciones de desvinculación o exclu-sión social, serían las mujeres, los ancianosy los hogares de adultos sin hijos. Y, encambio, las personas que relativamentepresentan una menor concentración defactores de vulnerabilidad serían loshombres, las personas comprendidas entrelos 16 y 44 años, y los hogares compuestospor adultos con uno o más niños.

Si tratamos de ver de manera diferen-ciada cada uno de los factores de exclusióny sus relaciones con las distintas personas dela muestra que hemos utilizado para nuestroanálisis, veremos que las mujeres cuando sonjóvenes se ven muy afectadas por situacionesde desempleo sin protección alguna. Encambio, más adelante, al trabajar como“amas de casa”, o realizar trabajos domés-ticos irregulares e informales su visibilidadcomo colectivo “desconectado” es menor,

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Joan Subirats, Maria Giménez e Anna Obradors

tanto en lo referente al tema del desempleocomo en aspectos como enfermedad odiscapacidad. Pero, diríamos que la pobre-za severa esta muy feminizada, y son espe-cialmente complicadas las situaciones de loshogares monomarentales.

Los hombres ven claramente agravadasu situación cuando alcanzan edadesavanzadas, y van perdiendo relaciones,aumentando su condición de dependientes.Diríamos que el hecho de vivir solos y/ode ser extranjeros agrava especialmente susituación.

Si nos referimos a la situación general,confirmaríamos que la exclusión social, ensus distintos componentes y factoresdesencadenantes, debería analizarse siempreviendo cómo afecta el género, la edad y laprocedencia. Tres elementos que, desdenuestro punto de vista, operan comofactores de intensificación de las diversassituaciones de vulnerabilidad y exclusiónsocial generadas por otros ámbitos(económico, laboral, formativo, etc.)

Si vamos más allá de los factorespersonales, y queremos trazar algunosperfiles de los colectivos de la poblaciónespañola más vulnerables, veremos que elcampo laboral sigue resultando muydeterminante. Sea porqué no se logra entraren el mismo, sea porque no se lograestabilidad alguna, sea porque sin trabajono hay prestaciones sociales seguras. Y másallá de ello la ancianidad y la pobreza sonrasgos colectivos muy claros. Y una vezmás, género, edad o procedencia siguensiendo determinantes a la hora de explicarsituaciones y carencias. No podemos dejarde reseñar el enorme peso que la tradiciónindustrial otorgó al hecho de trabajar comopasaporte a las prestaciones derivadas delas políticas sociales. Si no dispones de buenaformación, si tus condiciones de salud estándeterioradas o no tienes experiencia laboralacreditada (y en ella no sirve el trabajar ho-

ras y horas en labores cuidadoras odomésticas), tus riesgos de exclusiónaumentan exponencialmente. Y si nohablamos de trabajo, entonces la soledado el analfabetismo son muy relevantes enel desencadenamiento de riesgos ysituaciones de exclusión.

De lo que hemos mencionado, surgeuna fotografía aún borrosa, pero significativade la exclusión social en España. Fotografíaen la que encontramos mujeres cuyo trabajono es reconocido, ancianos con problemasde soledad y pobreza, y emigrados queviven aislados y en condiciones deprecariedad significativa. Pero más allá deesos perfiles y de los demás ya mencionados,sabemos de combinaciones múltiples y defactores que se superponen y que exigen unamayor complejidad y finura en las políticasde respuesta.

Políticas públicas e inclusiónsocial

En términos generales, las políticas yacciones para la inclusión social se estructuran,y por tanto, pueden entenderse vinculadasal entorno de tres ejes fundamentales:igualdad, diferencia y autonomía. Estas tresdimensiones dan lugar a tres tipos básicosde políticas para la inclusión social:

• Políticas de redistribución de recursosque avanzan hacia la igualdad, recortandolas desigualdades generadas por el sistemacapitalista de mercado.

• Políticas de reconocimiento quepermiten prestar atención a las diferenciasen una sociedad cada vez más compleja ydiversificada.

• Políticas de fortalecimiento relacionaly de participación que facilitan el desarrollode la vida cotidiana con autonomía.

En España nos hallamos ante unmodelo de respuesta altamente familiaristay contributivo. Así, si hablábamos de los

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Exclusión social y políticas de inclusión. Algunos elementos sobre la realidad europea y española

cambios que se producen en el marco de lafamilia y las relaciones de género, lainexistencia de redes sociales y familiares deapoyo se convierte en un factor clave del

análisis de la exclusión social. Ello es asíporqué, por una parte, el peso del cuidadoy atención a las personas sigue recayendoprincipalmente sobre las unidades familiares

Población Total de la muestra vulnerable

Sexo

Hombre 33,9% 3.477 47,3% 17.107

Mujer 66,1% 6.785 52,7% 19.041

Grupos de edad

16-29 18,7% 1.922 24,4% 8.837

30-44 años 20,5% 2.101 25,4% 9.175

45-64 años 32,7% 3.357 26,9% 9.726

65-99 años 28,1% 2.882 23,3% 8.410

Tipo de hogar

Unipersonal menor de 65 años 2,1% 215 2,4% 857

Unipersonal mayor o iguala 65 años 4,2% 430 4,2% 1.528

2 o más adultos sin niños1 53,7% 5.507 45,8% 16.548

1 adulto con niños 1,2% 123 1,1% 392

Varios adultos y 1-2 niños 36% 3.694 43% 15.557

2 adultos con 3 o más niños 2,8% 292 3,5% 1.262

Lugar de nacimiento

España o CE 98,3% 10.063 98,8% 35.561

Países anglosajones2 4 13

Resto del mundo 1,7% 172 1,2% 432

Total 100% 10.262 100% 36.148

Porcentajes por encima de la muestra total

Porcentajes por debajo de la muestra total

Fuente: Subirats, J (Dir.) (2004); Pobreza y exclusión social. Un análisis de la realidad española y europea,Colección Estudios Sociales nº 16, Fundación “La Caixa”, Barcelona, p. 90

1 Se ha considerado bajo la categoría “niño” ser menor de 16 años, o ser un joven con una edad comprendidaentre los 16 y los 25 años, que se declare económicamente inactivo, o desempleado desanimado, o que trabajemenos de 15 horas semanales, y viva en el mismo hogar que el padre, la madre o ambos.

2 Se incluyen en esta categoría nacidos en América del Norte, Australia y Oceanía.

Población vulnerable en España a partir del panel de hogares de la UE (2000)

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Joan Subirats, Maria Giménez e Anna Obradors

que se convierten en un soporte fundamentalpara la inclusión y el desarrollo personal. Porotra parte, la mayor parte de beneficiossociales se hallan estrechamente ligados a unacotización laboral previa. En este contexto,las políticas para la inclusión que sedesarrollan, son más asistenciales quecapacitadoras, y van más encaminadas a laatención a colectivos definidos a priori, quea la debilitación de los factores que se hallanen la base de les desigualdades.

Además, y a pesar de los esfuerzos y lavoluntad de las familias y las redes sociales ycomunitarias, estos agentes no siemprepueden llegar a articular los mecanismos dereciprocidad necesarios para dotar deautonomía los grupos sociales o personasmás vulnerables o excluidas. En otraspalabras, la familia y la red social – cuandoexisten – llegan a ser soportes de granimportancia, pero nunca llegan a corregirpor sí solas las profundas fracturas impuestaspor el mercado e insuficientemente paliadaspor la acción pública y las instituciones.

Para combatir la exclusión social desdelas políticas públicas, los planteamientosestratégicos y lo más integrales posible, sonfundamentales. En la medida en que laexclusión social tiene un carácter estructural,las políticas públicas deben ser lo másestratégicas posible. Es decir, deben atacarlas causas de la exclusión, y no solamentepaliar superficialmente sus síntomas másevidentes. Desde nuestro punto de vista,las políticas de inclusión que se emprendandeberían priorizar la debilitación de losfactores que generan la exclusión, laprecariedad y la marginación social.Deberían por tanto, orientarse haciaprocesos de promoción, prevención einserción universalistas, fortaleciendo yreestableciendo los vínculos y las redeslaborales, sociales, comunitarias y familiaresde las personas. La orientación estratégicade la política social comporta emprender

procesos de capacitación y mejora de laautonomía personal, huyendo de las lógicasmeramente asistenciales y focalizadas.

Además, como hemos comentado enun inicio, las políticas públicas deben serdiseñadas desde planteamientos integrales,abarcando el conjunto de situaciones dedesventaja que conducen a la exclusiónsocial. Este requisito no es de fácilconsecución si tenemos en cuenta latendencia a sectorializar las políticas sociales

que se mantiene en un Estado de Bienestaren claro retroceso.

Por otra parte, la fórmula operativapara alcanzar políticas estratégicas deinclusión pasa también por la articulaciónde redes de trabajo transversal y multinivel.Es decir, por poner en relación diferentesáreas y niveles administrativos de actuaciónque establezcan mecanismos de colabo-ración y trabajo conjunto aprovechandola experiencia y el conocimiento del tercer

“En una fotografía

de la exclusión socialen España,

encontramos mujeres

cuyo trabajo no es

reconocido, ancianos

con problemas de

soledad y pobreza, yemigrados que viven

aislados y en

condiciones de

precariedad

significativa”

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Exclusión social y políticas de inclusión. Algunos elementos sobre la realidad europea y española

sector, y no delegando en él y/o en laempresa privada la gestión e implemen-tación de las acciones e intervenciones.

El actual escenario de fragmentacióninstitucional generada a partir de losprocesos de descentralización ascendente(UE), descendente (ComunidadesAutónomas y municipios) y lateral(partenariados públicos-privados, externa-lización de servicios y presencia de ONGs)exige hoy mayores esfuerzos de coordi-nación y clarificación de competencias entrelos diferentes niveles administrativos.Además, la lógica jerárquica del ejerciciode poder ya no es válida en el actual con-texto de interdependencia y poderrelacional. En nuestra opinión, sólo desdela transversalidad será posible diseñar yplanificar intervenciones estratégicas,integrales y verdaderamente efectivas delucha contra la exclusión social.

Otro de los elementos fundamentalesde la intervención social es, desde nuestropunto de vista, la consideración delconflicto y la diversidad como elementosconsustanciales de los procesos sociales. Elconflicto no debe ser entendido de formanegativa sino como una importante fuentede creatividad y enriquecimiento social. Eneste sentido, las políticas públicas no debenpretender evitar y ocultar los conflictossociales sino aprender a gestionarlos ypositivizar los.

A su vez, partiendo de la idea que laexclusión es un fenómeno multifactorial,es necesario que las acciones contra laexclusión aborden simultáneamentefactores diversos que aparecen interrela-cionados, y que en muchas ocasiones seretroalimentan. Así pues, las políticas quetraten de dar respuesta a la exclusión socialhan de ser lo más integrales posible, lo quehace necesaria su transversalidad entendidacomo forma de coordinación flexible delos diferentes actores que intervienen en elterritorio, gubernamentales o no, y arti-culada desde la mayor proximidad posible.Es decir, desde el propio territorio, y desdeel ámbito local.

Todos estos retos no son fáciles deafrontar, y menos todavía en un contextode fragmentación social y cultural, derecorte del Estado del Bienestar, deintensificación y creciente complejidad delos procesos de exclusión social. Un con-texto en el que, además, la administracióny los agentes locales son los que más amenudo se ven obligados a intervenir sobreproblemas enraizados en otros espaciosmás globales. Sin embargo, y como hemosapuntado ya, el nivel local sigue mante-niendo una fuerte capacidad de incidenciasobre estos procesos.

(Artigo recebido em fevereiro de 2005. Versão

definitva em março de 2005)

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Joan Subirats, Maria Giménez e Anna Obradors

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Exclusión social y políticas de inclusión. Algunos elementos sobre la realidad europea y española

Resumo - Resumen - Abstract

Exclusão social e políticas de inclusão. Alguns elementos sobre a realidade européia e

espanhola

Joan Subirats, Maria Giménez e Anna Obradors

A globalização impactou fortemente o mercado de trabalho europeu, abrindo caminho para aprecarização do trabalho. Enquanto o capital se internacionaliza, o trabalho permanece local e sujeito,em escala crescente, aos fluxos econômicos mundiais. Consolidaram-se, além disso, os padrões dasociedade de consumo, promovendo novas desigualdades sociais e aumentando o risco de exclusãoe vulnerabilidade social. O declínio progressivo do industrialismo também afeta as principais basesda estrutura social, tais como os papéis de gênero e as relações familiares. Diferentes redes surgemcomo chave para a inclusão, especialmente no contexto de crise do Estado de Bem-Estar Social emque se encontra a Europa. A análise da exclusão social deve, assim, levar em conta a evolução daspolíticas sociais em toda a Europa e sua atual tendência à descentralização e focalização. O objetivodeste ar tigo é, neste sentido, não somente descrever o fenômeno da exclusão social, mas tambémlançar idéias para a elaboração de novos critérios para a redefinição das políticas sociais.

Palavras-chave: exclusão social; pobreza; políticas de inclusão

Exclusión social y políticas de inclusión. Algunos elementos sobre la realidad europea

y española

Joan Subirats, Maria Giménez y Anna Obradors

La globalización económica ha impactado fuertemente en el mercado laboral europeo, abriendopuertas para el trabajo precario. Mientras el capital se torna global, el trabajo permanece local y mássumiso a los flujos económicos mundiales. Además, los patrones de la sociedad de consumo se hanconsolidado, promoviendo nuevas desigualdades sociales y aumentando los riesgos de exclusión yvulnerabilidad social. La caída progresiva del industrialismo también afecta las principales bases de laestructura social como los roles de género o las relaciones familiares. Diferentes redes aparecen comoclave para la inclusión, especialmente en el actual contexto de crisis del Estado de Bienestar Social en quese encuentra Europa. Es decir, el análisis de la exclusión social debe tener en cuenta la evolución de laspolíticas sociales en toda Europa y la tendencia actual de descentralización y focalización de los serviciossociales. El objetivo de este artículo es, por lo tanto, no sólo describir el fenómeno de la exclusión social,sino también lanzar ideas para construir nuevos criterios de redefinición de las políticas sociales.

Palabras clave: exclusión social; pobreza; políticas de inclusión

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Joan Subirats, Maria Giménez e Anna Obradors

Social exclusion and inclusion policies. Some elements of the European and Spanish

reality

Joan Subirats, Maria Giménez and Anna Obradors

Economic globalisation has had a strong impact over the European labour market, paving theway to the precarious work. While the capital becomes global, work still remains local and moresubmitted to world economic flows. Moreover, the patterns of consumer society have beenconsolidated, promoting new social inequalities and increasing the risks of social exclusion. Theprogressive decline of industrialism also affects the main bases of social structure like gender rolesor family’s rela tionships. Different networks appear as a key to inclusion, especially in the context ofWelfare State crisis, in which Europe is involved. It is to say, the analysis of how the social exclusionscene is set must take into account the critical situation of the social policy all around Europe, andits tendency to decentralization and focalization. It is our purpose not only to describe the socialexclusion phenomena but also to provide some ideas to build new criteria for the social policy.

Key words: social exclusion; poverty; inclusion policy

Joan Subirats i HumetCatedrático de Ciência Política e diretor do Instituto de Governo e Políticas Públicas da UniversidadeAutônoma de Barcelona (UAB). Cátedra Príncipe de Astúrias na Universidade Georgetown (EUA)no curso 2003-2004. Contato: [email protected].

Maria Giménez CencilloLicenciada em Ciência Política e Ciência da Administração pela UAB. Mestre em Gestão Pública pelaUniversidade Pompeu Fabra, UAB e ESADE. É atualmente coordenadora de pesquisa do Institutode Governo e Políticas Públicas da UAB. Contato: [email protected].

Anna Obradors i PinedaLicenciada em Sociologia pela UAB e doutoranda em Sociologia pela mesma universidade. É atual-mente pesquisadora do Instituto de Governo e Políticas Públicas da UAB. Contato:[email protected].

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Rogério Nagamine Costanzi

As novas formas deexploração do trabalho no

capitalismo contemporâneoe as políticas públicas decombate à desigualdade

Rogério Nagamine Costanzi

“Há certos tipos de relações sociais e de contradições sociais, determinadotipo de desigualdade que outrora se perpetuava no imobilismo, que agora sereproduzem em e através do crescimento. Tal constatação exige outra perspec-tiva acerca do crescimento. Não diremos como os mais eufóricos: ‘O cresci-mento produz abundância e, portanto, igualdade’; também não aceitamos avisão inversa extrema: ‘O crescimento é causa da desigualdade’. Invertendo ofalso problema – diremos que o crescimento em si é função da desigualdade. A neces-sidade que a ordem social ‘desigualitária’ e a estrutura social de privilégio têmde se manter é que produz e reproduz o crescimento como seu elementoestratégico. Por outras palavras, a autonomia interna do crescimento(tecnológico, econômico) é fraca e posterior em relação à determinada pelaestrutura social.”

(BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 52.)

Introdução

O capitalismo passou por profundas alterações desde o seu prelúdio, quando

Karl Marx (1818-1883) analisou-o em sua obra O capital. Atualmente, não existe

mais dualidade tão clara entre capitalistas, de um lado, e a massa homogênea

de operários, de outro, como havia em seu início. Os trabalhadores formam,

presentemente, um grupo heterogêneo. Houve, ademais, separação entre

propriedade e controle do capital, pelo menos nas grandes corporações.

Revista do Serviço Público Brasília 56 (1): 37-55 Jan/Mar 2005

RSP As novas formas de exploração do trabalho no capitalismo contemporâneo e as políticas públicas de combate à desigualdade

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Em vista de tais mudanças, podemoscomparar o mercado de trabalho, emespecial o qualificado, a uma verdadeiraloteria, em que os trabalhadores competementre si por ascensão profissional. Aqui, osinvestimentos em capital humano torna-ram-se os bilhetes desta loteria. E, de formasemelhante ao que acontece em uma loteria,há sempre vencedores e perdedores.

O capital humano também tornou-seinstrumento para a exploração do trabalho,à semelhança do capital físico. Os vencedo-res exploram os perdedores, com osprimeiros apropriando-se do produto dotrabalho dos últimos. Tanto o capitalhumano quanto o tradicional, descrito porMarx, em O capital, passaram a constituirinstrumentos de legitimação da apropriaçãodo trabalho alheio e da exploração. Os traba-lhadores, com baixo ou sem investimentoem capital humano, assim, já estão, a priori,

excluídos da loteria em que se transfor-maram os mercados de trabalho capitalistas;nesse sentido, já são perdedores.

As formas de exploração introduzidaspelo capital humano, ao se somarem à tradi-cional exploração do trabalho pelo capital,reforçaram ainda mais a tendência inerenteà geração de desigualdades pelo capita-lismo1. Os diferenciais de salários justificadospelo capital humano tornaram-se elementosadicionais à dicotomia capital-trabalho paraexplicar a crescente desigualdade engendradapelo modo de produção capitalista.

Dentro desse conceito teórico,também surgem importantes implicaçõespara as políticas públicas de combate àdesigualdade. Diferentemente da tradi-cional visão econômica, na qual adesigualdade é fruto das diferençasprodutivas entre os trabalhadores, surgeum quadro em que ela é resultadoinerente ao capitalismo.

Com o intuito de analisar, de modomais detalhado, essa nova forma de

exploração do trabalho do capitalismo eseu impacto sobre a desigualdade, esteartigo buscará fazer uma revisão crítica daliteratura sobre a desigualdade, seguindo-se as considerações finais.

Revisão crítica da literaturasobre a desigualdade

No arcabouço da literatura econômicatradicional2 , as causas para explicar osdiferenciais de salários e a desigualdadepodem ser divididas em três grandesgrupos:

a) diferenças nas preferências e carac-terísticas produtivas dos trabalhadores,sejam aquelas natas ou adquiridas por meiode investimentos em capital humano;

b) segmentação, normalmente credi-tada a alguma imperfeição de mercado;

c) discriminação (BARROS; MENDONÇA,1995. BID, 1998. FERNANDES, 2002.FERREIRA, 2000. RAMOS; VIEIRA, 2000.RAMOS; VIEIRA, 2001).

No caso de diferenças dos atributosprodutivos dos trabalhadores, o mercadode trabalho funcionaria como revelador dedesigualdades. Nos casos de segmentaçãoe de discriminação, o mercado de trabalhofuncionaria como gerador delas. Remune-rações distintas como forma de compensardiferenças não pecuniárias entre postos detrabalho ou como decorrência de dotaçõesdesiguais de qualificações serviriam pararevelar diferenças de qualidade entre postosde trabalho e trabalhadores. Contudo, aoremunerar, de maneira distinta, indivíduosque possuem, em princípio, o mesmopotencial produtivo e trabalham em postosde trabalho similares, tanto via segmentaçãoquanto sob a forma de discriminação, omercado de trabalho estaria funcionandocomo gerador de desigualdades.

A diferenciação entre os dois casosseria importante, pois, além de implicarem

Revista do Serviço Público Brasília 56 (1): 37-55 Jan/Mar 2005

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Rogério Nagamine Costanzi

graus de indesejabilidade diferentes,também demandam políticas de naturezadistinta para combatê-las. Se as principaiscausas da desigualdade fossem os diferen-ciais compensatórios e aqueles decorrentesda heterogeneidade dos trabalhadores,então elas não residiriam no funcionamentodo mercado de trabalho, sendo fruto dedesigualdades preexistentes (BARROS;MENDONÇA, 1995. RAMOS; VIEIRA, 2000.RAMOS; VIEIRA, 2001).

A tradicional teoria econômica estáfocada, principalmente, nas diferençasprodutivas dos trabalhadores ou nosdistintos graus de acumulação de capitalhumano para explicar os diferenciais desalários (BECKER, 1964). Em um mundosem diferenças de produtividade entre ostrabalhadores e de mercados em concor-rência perfeita, não existiriam diferenciaisde salários. Nesse cenário, as decisões dostrabalhadores seriam independentes entresi e estáticas.

Existem, todavia, profundas limitaçõesnessa teoria. Esse modelo (neoclássico) écondizente com os primórdios do capita-lismo, quando o mercado de trabalho eramais homogêneo, com dualidade bem claraentre os capitalistas e a massa de operários,homogênea, que realizavam tarefasrepetitivas no processo de produção emsérie. Hoje, contudo, o mercado de traba-lho é marcado por grande heterogenei-dade, com agressiva competição entre ostrabalhadores por ascensão profissional.Essa transformação está ligada, entreoutros fatores, à mudança de empresasfamiliares, de estrutura simples, a empre-sas com administração profissional, geren-ciadas por organizações complexas e dehierarquia piramidal.

A atual heterogeneidade do mercadode trabalho torna as decisões dos traba-lhadores sobre a oferta de trabalhointerdependentes e dinâmicas (COSTANZI ,

1995). As decisões são dinâmicas, por-que a variável relevante não é mais apenaso salário corrente dado pelo mercado, mastambém, ou mesmo principalmente, aexpectativa de renda futura. Os traba-lhadores esforçam-se de maneira intensa,no início de suas carreiras, por saláriosapenas razoáveis, ou até mesmopequenos, não pela irracionalidade, mas,sim, pela busca patológica3 de ascensãoprofissional, típica das atuais sociedadescapitalistas. As decisões individuais dostrabalhadores sobre a oferta de trabalhotambém se tornaram interdependentes,tendo em vista que a estrutura piramidaldas organizações implica, necessariamente,concorrência dos trabalhadores entre sipor sucesso profissional. Por sinal, essadisputa é uma das características maismarcantes do mercado de trabalho atual,mas é negligenciada na teoria econômicatradicional.

Desse diagnóstico surgem importantesimplicações. Diante de uma situação deinformação imperfeita a respeito do futuro,os trabalhadores que não tiveram suaexpectativa de ascensão profissional efeti-vada, até como conseqüência natural dabusca patológica de sucesso e da estruturapiramidal das organizações, acabam tendoofertado mais trabalho do que efetivamenteteria ocorrido na situação de conhecimentoperfeito do futuro. Nesse caso, o excessode oferta de trabalho, obviamente, deve serabsorvido pelos trabalhadores que tiveramascensão profissional de acordo com oesperado ou acima dele. A exploração dotrabalho não mais ocorre, exclusivamente,pelo capital físico, mas, também, pelaexploração dos vencedores pelos perde-dores. Além do tradicional instrumento delegitimação da exploração do capital físico,o capital humano também se tornou umaforma adicional de apropriação do trabalhoalheio.

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Nessa situação, a oferta de trabalhoseria, em algum grau, meramente umaloteria. Os trabalhadores ofertam trabalho,não porque possuem certeza absoluta darenda, mas porque esperam aumentar aprobabilidade de ganhar os prêmiosdestinados aos vencedores. Os prêmios emquestão são a ascensão profissional e asrecompensas financeiras correspondentes.Contudo, como as organizações possuemestruturas piramidais, necessariamentehaverá vencedores e perdedores nessejogo, em que os primeiros apropriam-sede parte do trabalho dos últimos. Osbilhetes dessa loteria são os investimentosem capital humano.

Como citado anteriormente e deforma mais geral, a teoria econômicatradicional pode ser resumida como aquelaque defende que o salário é determinadopela produtividade. Em um cenário emque os trabalhadores têm a mesmaprodutividade, os salários seriam iguais enão existiria desigualdade entre ostrabalhadores.

Caso os trabalhadores tenham dife-renças na produtividade, o eficiente e justomercado de trabalho capitalista apenastraduziria tal fato para os salários. Nessecontexto, é possível justificar os diferen-ciais de salários e a desigualdade resultante,principalmente por conta das diferençasentre os trabalhadores, no tocante às suascaracterísticas produtivas, sejam estas natasou adquiridas por meio de investimentosem capital humano, em especial pelaeducação. Um trabalhador pode ganharum milhão de vezes a mais que outro,porque é um milhão de vezes maisprodutivo.

Entretanto, é fato que alguns “trabalha-dores” recebem remunerações, em curtosperíodos de tempo, que trabalhadoresmédios jamais conseguirão ganhar em todaa sua vida profissional. Mesmo com essas

evidências empíricas contrárias, a literaturaeconômica tradicional continua a justificara desigualdade principalmente com baseno capital humano. Tanto é assim que umavisão predominante a respeito das causasda desigualdade crescente observada nasúltimas décadas é a de que ela seria resul-tado de alterações ou mudanças tecno-lógicas viesadas para trabalhadoresqualificados, em detrimento dos não-quali-ficados, o que teria incrementado ademanda dos primeiros em prejuízo dosúltimos. Uma das causas para esse compor-tamento da demanda seria a disseminaçãoda tecnologia da informação, em especiala revolução trazida pelos computadores.Essa teoria é conhecida como skill-biasedtechnical changes (BOUND; JOHNSON, 1992.JUHN; MURPHY; PIERCE, 1993. KATZ;MURPHY, 1992. LEVY; MURN ANE, 1992).

Além disso, no caso dos países emdesenvolvimento, o processo de aberturacomercial teria levado a importação detecnologia complementar ao trabalhoqualificado e/ou substituta do trabalho debaixa qualif icação, na chamadaskill-enhancing trade hypothesis (ARBACHE;CORSEUIL, 2001. ROBBINS, 1996. SOARES;SERVO; ARBACHE, 2001).

Alguns estudos empíricos tambémapontam para as diferenças nas caracte-rísticas entre trabalhadores como o prin-cipal fator explicativo individual para adesigualdade, em especial a educacional(BARROS; MENDONÇA, 1995. BID, 1998.FERREIRA, 2000; RAMOS; VIEIRA, 2000.RAMOS; VIEIRA, 2001). Contudo, como nãohá dados sobre a produtividade efetiva,esses trabalhos utilizam-se de característicasobserváveis, como ocorre em educação,na forma de proxies da real produtividade,impondo sérias limitações às conclusõesdesses trabalhos.

De qualquer forma, o diagnóstico dadesigualdade como fruto de distintos

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investimentos em capital humano temimportantes implicações para o direcio-namento das políticas públicas de combateà desigualdade. Se o principal fator indi-vidual para os diferenciais de rendimentosé a desigualdade educacional, é fundamentalque a busca por mais igualdade seja feitaprimordialmente pela redução dos dife-renciais educacionais. De certa forma, aredução da desigualdade seria, assim, grossomodo, um problema do Ministério daEducação, e não um resultado inerente aofuncionamento do mercado de trabalhocapitalista, ou ao capitalismo.

Mesmo admitindo que a teoria docapital humano pode ser considerada umavanço em relação à a teoria neoclássicaestática em concorrência perfeita, poisincorporou questões dinâmicas e a hetero-geneidade dos mercados e explica, parcial-mente, os diferenciais de salários, elatambém apresenta limitações e vem sendocontestada por vários autores, inclusivecom evidências empíricas (CARD; DINARDO,2002. FRANK; COOK 1996. GALBRAITH,2000. SNOWER, 1999).

Cabe aqui destacar as seguintes críticas.Em primeiro lugar, a visão tradicional, aocolocar como a principal causa para adesigualdade os diferenciais de produti-vidade, acaba por legitimá-la. A desigual-dade, como fruto de diferenciais deprodutividade, não pode, de acordo comesse ponto de vista, ser considerada injus-tiça inerente ao capitalismo; ao contrário,os mercados de trabalho capitalistas sãojustos ao recompensarem cada trabalhadorcom a remuneração merecida pelo seupotencial produtivo.

Mesmo que alguns autores tradicionaisreconheçam a questão da desigualdade deoportunidades e os diferentes graus deacesso à educação e ao investimento emcapital humano4, o problema é que, narealidade, a desigualdade de acumulação

de capital humano é inerente ao sistemaeconômico capitalista. O capitalismo geradesigualdade que, por sua vez, geradistintas oportunidades que reproduzema concentração de renda de uma geraçãoa outra, criando uma inércia intergeracionalda desigualdade. Nesse sentido, a desigual-dade derivada de diferenciais educacionaisnão pode ser considerada justa, mas umresultado inerente ao próprio funciona-mento do capitalismo.

Além disso, mesmo reconhecendo quediferenças nos atributos produtivos dostrabalhadores influenciam, em algum grau,os rendimentos e a produtividade, ossalários dos trabalhadores variam, deforma significativa, em relação ao que seriaesperado por suas características produ-tivas. Existem várias razões para tal fato.

Voltamos a utilizar a metáfora daloteria. Conforme mencionado anterior-mente, o mercado de trabalho capitalista

“Os trabalhadores

esforçam-se de maneira

intensa, no início de

suas carreiras, por

salários apenasrazoáveis, ou até

mesmo pequenos, não

pela irracionalidade,

mas, sim, pela busca

patológica de ascensãoprofissional, típica das

atuais sociedades

capitalistas”

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atual pode ser comparado a uma loteria,na qual os bilhetes são os investimentosem capital humano. O mesmo investi-mento em capital humano dá igualdadede acesso aos bilhetes da loteria, mas nãogera igualdade de resultados. Pelo contrá-rio, já que há, necessariamente, vencedorese perdedores. E nesse mercado, os traba-lhadores que não têm investimento emcapital humano nem participam do jogojá são, a priori, perdedores. Portanto, existeconfusão entre igualdade de acesso aosbilhetes de loteria e igualdade de resul-tados, o que explica, por exemplo, que,mesmo que todos os gerentes de umaempresa tenham uma mesma produti-vidade potencial, apenas um deles serápromovido a diretor.

Essa situação é absolutamente inconce-bível para a teoria econômica tradicional5,pois o comportamento maximizador delucros das empresas não permitiria essedesvio entre produtividade e remuneração.De forma semelhante, os perdedores seriamirracionais se aceitassem remuneraçõesabaixo do que seria justificável pela própriaprodutividade. Assim, os mercados tende-riam a eliminar desvios entre remuneraçõese produtividade.

Há, porém, várias razões para osmercados não eliminarem esses desvios.Em primeiro lugar, existe um conheci-mento imperfeito em relação à real produ-tividade de cada um dos trabalhadores, atémesmo dentro das firmas, problema aindamais grave entre elas. Além disso, na reali-dade, a produtividade individual éinterdependente numa organização, assimcomo existe divisão de trabalho que fazcom que os trabalhadores dediquem-se atarefas distintas, o que dificulta ou atémesmo deixa sem sentido falar emcomparações de produtividade entretrabalhadores. Além disso, a própria lógicade funcionamento dos chamados mercados

internos de trabalho dificulta o ajuste entreremunerações e produtividade6.

Também é questionável a hipótese deque o comportamento das firmas, emespecial das grandes corporações, é voltado,única e exclusivamente, para a maximizaçãode seus lucros, tendo em vista que elaspassaram a ser dirigidas por tecnoestruturasque possuem outros incentivos que nãonecessariamente, ou apenas, a maximizaçãode lucros (GALBRAITH, 1982 e 1988).

Como explicar que os trabalhadoresaceitariam remunerações inferiores a suaprodutividade ou ofertariam trabalhoacima do que seria justificável pela remu-neração efetiva, num comportamentoaparentemente irracional?

È necessário, inicialmente, notar queessa situação é dinâmica. Em um primeiromomento, os trabalhadores investem emcapital humano com a expectativa de queesses investimentos resultarão em ascensãoprofissional e em expressivas recompensasfinanceiras. Para um trabalhador individual,essas expectativas podem ou não seconcretizar, mas, para os trabalhadorescomo um todo necessariamente haveráaqueles que terão suas expectativasfrustradas, em função da estruturapiramidal. São os perdedores.

Não há por que supor que os traba-lhadores possam, a priori, ter expectativacorreta e certa a respeito da sua ascensãoprofissional, não apenas porque se trata desituação de conhecimento imperfeito, mastambém porque eles costumam mover-sepor uma busca patológica por sucesso.Além disso, esse comportamento não podeser tomado como irracional, dado que,por serem elevados os custos de serperdedor e grandes os benefícios de servencedor, a competição vira um jogotípico do dilema do prisioneiro.

Como explicar que os perdedores nãoajustam a sua oferta de trabalho ao longo

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do tempo? Claramente, os trabalhadorespoderiam tentar ajustar sua oferta detrabalho e seus investimentos em capitalhumano ao longo do tempo, de forma aadequá-los à ascensão profissionalefetivamente conseguida e à respectivaremuneração, caso sua ascensão tivesse sidomenor que sua expectativa. Contudo, épreciso notar que a produtividade não éapenas instrumento de ascensão profissional,mas também de manutenção do status quo.Por exemplo, suponha-se que determinadotrabalhador tenha a expectativa de se tornarpresidente de uma corporação e sua dedi-cação em investimento em capital humanoe esforço tenha sido nesse sentido, mas, apósvários anos de carreira, ele venha a perceberque deve chegar, no máximo, a gerente oudiretor. Apesar disso, o trabalhador nãopoderá reduzir seus esforços de maneirasignificativa, pois tem de manter sua posi-ção de gerente ou diretor, que sempre estaráameaçada pelos demais concorrentes. Alémdisso, o fato de que a ascensão profissionaldemanda longo tempo na carreira, emvários torneios sucessivos, diminui o espaçopara o ajuste temporal. Nesse caso, haveriaum problema de inconsistência temporal oudinâmica.

Explicada as razões pelas quais osmercados não ajustam as remunerações àprodutividade, é importante notar que avisão de loteria está presente em outrasteorias, como as dos mercados do tipowinner-takes-all (o vencedor leva tudo), paraa qual utilizaremos a sigla MWTA (FRANK;COOK, 1996), e dos torneios (LAZEAR;ROSEN)7.

Segundo a primeira teoria(FRANK;COOK, 1996), o incremento da desigualdadeé resultado da crescente importância, naeconomia como um todo, dos “mercadosonde os vencedores levam tudo”. As duasprincipais características dos MWTA sãoque: a) a recompensa ou o rendimento dos

trabalhadores depende não da performanceindividual em termos absolutos, mas, sim,da performance relativa de cada competidorem relação aos demais; b) a recompensafinanceira fica concentrada nas mãos dospoucos indivíduos que tiveram a melhorperformance, com pequenas diferenças notalento e na produtividade, dando origema enormes diferenciais de rendimentos.Como exemplo de MWTA, poderiam sercitados os esportes profissionais, oentretenimento, o mercado de altosexecutivos. Contudo, os MWTA estão-sedisseminando e ganhando importância emtoda economia.

Os MWTA seriam resultado decondições especiais pelo lado da oferta e/ou da demanda. Pelo lado da oferta, existeo fato de que os serviços dos melhorespodem ser reproduzidos a um baixo custoadicional. Por exemplo, o custo marginalde um DVD do filme vencedor do Oscaré tão baixo quanto o de qualquer filme.Portanto, existem economias de escala naprodução ou na distribuição que, por suavez, criam tendência para que um produto,um distribuidor ou um serviço domine omercado. Pelo lado da demanda, umproduto torna-se mais valioso a partir domomento em que um grande número deconsumidores passa a utilizá-lo, como asfitas de vídeo VHS vis-à-vis as fitas BHS oucomo ocorreu com os sistemas operacio-nais de computadores. São as chamadaseconomias de rede.

A tendência de incremento dos MTWAseria a combinação de expressiva reduçãodos custos de transporte, de tendência dedeclínio de barreiras tarifárias, de desenvol-vimentos na área de comunicações e deprocessamento de informações que tiverem,como impacto conjunto, a ampliação dosmercados acessíveis aos melhores produtosou produtores em nível internacional.Enfim, o incremento dos MTWA seria

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reflexo do processo de globalização e/outendência de concentração.

A teoria dos superstars (ROSEN, 1981)8

também aponta fatores semelhantes paraexplicar o surgimento da concentração darenda em alguns poucos trabalhadores. Ofenômeno dos superstars seria aquele em queum relativamente pequeno número deagentes recebem enormes remuneraçõese dominam as atividades em que estãoengajados, que estão-se tornando cada vezmais importante no mundo moderno.

Na economia dos superstars (ROSEN,1981), haveria uma imperfeita substituiçãoentre os diferentes vendedores. Vendedoresde menor talento seriam fracos substitutosem relação àqueles de maior talento. Ademanda pelos mais talentosos cresceriade forma mais que proporcional ao incre-mento do talento. Assim, ouvir umasucessão de cantores medíocres não seriaigual a ouvir um cantor excepcional, ou, seum cirurgião for 10% mais bem sucedidoem salvar vidas que seus demais concor-rentes, a maioria das pessoas estarádisposta a pagar mais que 10% de prêmiopelos seus serviços.

Além disso, haveria, pelo lado da oferta,uma forma de consumo conjunto, nãomuito diferente dos chamados benspúblicos. Dessa forma, um artista deve fazero mesmo esforço tanto para dez quantopara mil pessoas que estejam assistindo aoseu show. Assim também deve proceder umautor com os compradores de seu livro. Deforma mais geral, os custos de produçãonão crescem na proporção do tamanho domercado do vendedor ou mesmo nãocrescem, havendo, portanto, economias deescala na produção.

Também a teoria de torneios, outournaments (LAZEAR; ROSEN, 1981), admitea possibilidade, em determinadas circuns-tâncias, de que a remuneração não seja feitacom base na medida absoluta da produ-

tividade dos trabalhadores, mas, sim, combase no desempenho do trabalhador emrelação ao dos demais trabalhadores, o quese aproxima, novamente, de uma loteria.Segundo essa visão, apesar da tradicionalvisão econômica de que os trabalhadoresdevem ser pagos de acordo com o valordo seu produto marginal, as loteriascompetitivas também podem levar a umaestrutura de incentivos eficiente.

Nesse sistema de premiação, a remu-neração da classificação seria baseada noranking, e não na diferença absoluta deprodutividade. Sob determinadas circuns-tâncias, seria ótimo fixar as remuneraçõesdessa forma. Mais especificamente, quandoos custos de monitoramento são elevadosou o monitoramento é difícil, incentivandoo shirking ou problemas de moral hazard,pagar os trabalhadores com base no rankingtem-se mostrado uma eficiente estrutura deincentivos. Além disso, esse tipo de esquemade compensação altera a natureza de riscoenfrentado pelos trabalhadores.

O salário do vice-presidente de umaparticular corporação é bem inferior aodo presidente e, geralmente, os presidentessão escolhidos pelo ranking dos vice-presi-dentes. Assim, num dia, um determinadovice-presidente pode ser promovido apresidente e seu salário ser triplicado. Édifícil argumentar que sua habilidade ouprodutividade tenha triplicado de um diapara outro, tornando complicada a tarefade compatibilizar tal fato com a teoriatradicional, que diz que os salários nas duasocupações, presidência e vice-presidência,deveriam ser aproximadamente iguais. Narealidade, a presidência é o prêmio de umtorneio, de forma que o salário do presi-dente não é fixado de forma a refletir acorrente produtividade dele, mas, sim, ainduzir a todos os competidores a seesforçarem para obter a promoção. Essainterpretação sugere que presidentes de

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grandes corporações ganham grandessalários, não necessariamente porque sãomais produtivos como presidentes, mas,sim, porque essa particular estrutura desalários torna-os mais produtivos ao longodas carreiras profissionais. Então, a presi-dência é como um torneio que fornece oincentivo apropriado à aquisição do capitalhumano prévio para se atingir tal posição.

Do ponto de vista dos objetivos desteartigo, cabe notar que tanto a teoria dosMWTA quanto a dos torneios descrevemo mercado de trabalho, em algum grau,como uma loteria, em que a remuneraçãonão é dada pela produtividade absoluta,mas pelo ranking. Em especial, a teoria dosMWTA denota que pequenos diferenciaisde produtividade geram enormes dife-renças de rendimentos.

Também é necessário notar que asforças que dão origem à concentração derenda, tanto no MWTA quanto nofenômeno dos superstars, não podem serconsideradas exceções às regras demercado, mas, pelo contrário, são muitasvezes tendências naturais do capitalismo.Pelo lado da demanda, por exemplo, adiferenciação de produtos no capitalismo,longe de ser uma exceção, é uma tendêncianatural. Os vendedores buscam diferenciarseus produtos dos demais, pois sabem que,dessa forma, poderão cobrar preçosmaiores. Portanto, a hipótese da teoriaeconômica tradicional, de que produtoshomogêneos são perfeitos substitutos entresi, não é apenas irrealista, como é, acimade tudo, contra uma tendência natural ouesperada do próprio capitalismo.

Além disso, a imperfeita substituiçãoentre os vendedores pode prescindir dediferenças de talento ou produtividade. Porexemplo, a lista de best-sellers sempre contarácom número limitado de livros, os quais,mesmo existindo outros com a mesmaqualidade, terão a preferência do público.

Nesse sentido, a desigualdade deixa deser resultado de imperfeições de mercadoe passa a ser uma tendência inerente aocapitalismo, pois as forças que favorecema concentração não são exceções, mastendências naturais do funcionamento dosistema econômico capitalista atual.

A teoria econômica também costumarelacionar o comportamento da desigual-dade ao grau de desenvolvimento e/ouao processo de crescimento econômico.

Existem teorias que defendem que adesigualdade tende, naturalmente, a sereduzir, à medida que vai ocorrendo odesenvolvimento ou crescimento econô-mico (BID, 1998).

Tal tendência decorreria de váriosfatores. Em primeiro lugar , nas etapasiniciais de desenvolvimento ou acumulaçãocapitalista, a escassez de capital implicaretornos muito elevados para esse fator deprodução relativo ao trabalho, fator que é

“O objetivo microeco-

nômico que gera o

crescimento macroeco-

nômico é a busca pela

desigualdade. Como

esperar a igualdade do

processo de crescimento

macroeconômico, se o

objetivo microeconô-

mico que o gera é a

desigualdade?

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abundante. Mas, à medida que vai ocor-rendo o desenvolvimento econômico, oestoque de capital tende a se elevar, e atendência é de redução do retorno do fatorprodutivo do capital.

Um mecanismo semelhante ocorre nocaso da educação. Com níveis muitobaixos de escolaridade, os poucos que têmmaior grau de escolaridade tendem a terrendimentos muito elevados. À medidaque o nível educacional de toda a popu-lação economicamente ativa vai crescendo,a tendência é, ceteris paribus, que o retornodos trabalhadores com escolaridade maiselevada reduza-se em relação ao dostrabalhadores com escolaridade menoselevada e, assim, poder-se-ia esperarmenor desigualdade educacional entre ostrabalhadores. Então, o progresso educa-cional tenderia a contribuir com a reduçãoda desigualdade ao longo do tempo.

Os padrões demográficos tambémcriam uma tendência de redução dadesigualdade, à medida que o desenvolvi-mento vai evoluindo. Taxas de crescimentoda população mais elevadas implicammaior heterogeneidade no tamanho dasfamílias. Nas famílias mais numerosas,origina-se uma pior distribuição da rendaper capita, além de a mulher participar menosdo mercado de trabalho e de os filhostenderem a receber menos educação. Àmedida que a taxa de fecundidade cai, emespecial para as famílias mais pobres, tendea haver melhora da renda per capita, maiorparticipação da mulher no mercado detrabalho e maiores avanços educacionaisdos filhos.

Outra razão pela qual tenderia a sereduzir a desigualdade à medida que vaievoluindo o desenvolvimento seria a tran-sição do campo para o meio urbano. Nocampo, as oportunidades seriam menores,devido à pequena integração dos mer-cados, às maiores dificuldades de acesso à

educação, às possibilidades de empregomais limitadas e ao menor acesso aofinanciamento. Ainda, de forma estereo-tipada, a renda e o nível educacional seriammenores no campo que na cidade e asfamílias tenderiam a ser mais numerosasno campo que na cidade. Nas etapas iniciaisdo processo de urbanização, as diferençasde renda entre o campo e a cidade contri-buiriam para elevar a desigualdade derendimentos. Entretanto, à medida que vaiavançando o processo de urbanização, odiferencial de rendimentos entre o campoe a cidade afetará apenas pequena fraçãoda população e sua contribuição para adesigualdade seria reduzida. O mesmo tipode raciocínio aplica-se ao processo deformalização das atividades produtivas.Em um primeiro momento da formali-zação das relações trabalhistas, os privi-légios de poucos assalariados formaisseriam fonte de desigualdade, mas, àmedida que a formalização avança, esseprocesso converte-se em fator de eqüidade.

De modo geral, pode-se dizer que aformulação teórica que predomina naliteratura sobre desenvolvimentoeconômico defende que, nos estágiosiniciais e intermediários do desenvolvi-mento – medidos pela renda per capita –,o mecanismo que promove o crescimentoacarreta também piora na distribuição derenda. O fator que explica tal fato é atransferência da população do meio ruralpara o urbano, o que induz ao surgimentode atividades produtivas cuja complexi-dade exige mão-de-obra mais especia-lizada e remuneração mais elevada, emfunção de sua melhor e/ou maiorqualificação. Somente nos estágios maisavançados do desenvolvimento econô-mico é que a distribuição de renda tornar-se-ia mais igualitária. Tal teoria é conhecidacomo a curva de Kuznets, sugerindopadrão de desigualdade que acompanha

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o desenvolvimento dos países, que podeser caracterizado como U invertido. Con-tudo, essa teoria vem sendo rejeitada porum número crescente de autores(LOCATELLI, 1988).

No Brasil, também o trade-off entrecrescimento e igualdade ficou marcado, napolítica econômica, pela política do “cres-cer o bolo primeiro, para depois distribuir”ou, na sua versão de nouvelle cousine, “crescer,crescer e crescer” (HENRIQUES, 2000). Decerta forma, a piora na desigualdade, nasfases iniciais e intermediárias do desenvol-vimento econômico, seria uma necessidade,pois permitiria a geração de poupança, tãofundamental para o processo de acumu-lação de capital e crescimento econômico.

Vários autores contestam a visão deque, necessariamente, para países emdesenvolvimento, o crescimento e a igual-dade são objetivos conflitantes entre si.Seria bastante questionável a interpretaçãoque assegura que a distribuição de rendadeve piorar antes de se tornar mais igua-litária. De forma semelhante, contudo, nãose poderia postular a existência de relaçãodireta entre crescimento e melhora na con-centração de renda, pois, entre os paísesem desenvolvimento que apresentaramaltas taxas de crescimento, alguns apresen-taram piora e outros, melhora na distri-buição de renda. Na realidade, haveriaespaço para as políticas públicas influíremna relação entre crescimento e desigualdade(LOCATELLI , 1988).

Vários outros autores também ques-tionam o suposto trade-off entre eficiênciae igualdade. Na realidade, alguns autoresargumentam que, ao contrário da visãotradicional, a desigualdade pode trazerefeitos negativos para a eficiência econô-mica, pois prejudica, por exemplo, osinvestimentos em capital humano(FERREIRA, 2000).

Do ponto de vista deste trabalho, cabedestacar que, mesmo que as políticas

públicas tenham algum “espaço” parainfluenciar a relação entre crescimento edesigualdade, existem razões para que hajalimitações nessa inf luência. Com isso, nãose quer negar que a desigualdade possainfluenciar negativamente o crescimentoeconômico ao trazer prejuízos ao investi-mento em capital humano, contudo éimportante salientar que, em algum grau,o tradicional trade-off entre eficiência eigualdade é inerente às motivaçõeseconômicas dos agentes individuais em umsistema econômico capitalista ou, pelomenos, exacerbadas pelo capitalismo.

Primeiramente, ressalta-se que aprincipal motivação dos agentes econô-micos individuais para ações ou tomadade decisões que geram crescimento econô-mico, como acumulação de capital físico ehumano, é, em geral, a busca pela desigual-dade de renda, mais especificamente, é terpadrão de renda igual ou melhor à médiada sociedade. Nesse sentido, o objetivomicroeconômico que gera o crescimentomacroeconômico é a busca pela desigual-dade. Como esperar a igualdade doprocesso de crescimento macroeconômico,se o objetivo microeconômico que o geraé a desigualdade?

Nesse sentido, a desigualdade reproduz-se não mais no imobilismo, mas nocrescimento e por meio dele. O crescimentopassa a ser função dela ou forma de repro-duzi-la. Mostra que a necessidade de a ordemsocial “desigualitária” e a estrutura social deprivilégio manterem-se é que produz ereproduz o crescimento como seu elementoestratégico (BAUDRILARD, 1995).

A desigualdade é fruto inerente aofuncionamento dos sistemas econômicoscapitalistas e a busca por desigualdade derenda dos agentes econômicos individu-ais está por detrás do fenômeno do cres-cimento macroeconômico. Os mecanis-mos de mercado e a sua “mão invisível”9

não são capazes de atenuar, de forma

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significativa, a tendência natural à desigual-dade. Na realidade, a desigualdade podeser considerada externalidade negativa10

inerente a um sistema econômico capita-lista em que os indivíduos agem porinteresse próprio.

Além disso, cumpre lembrar tambémque a velha máxima de Adam Smith (1723-1790), em sua clássica obra A riqueza dasnações – segundo a qual os indivíduos,agindo por conta do seu próprio interesse,geram como resultado, pelas forças demercado ou da “mão invisível”, o máximobem-estar social –, descarta importantesexternalidades negativas do comporta-mento individualista, que comprometem,de forma significativa, esse bem-estar social.

Nesse contexto, é dissimulada a análiseliberal que reforça a eficácia do auto-inte-resse no crescimento econômico, masdespreza justamente a busca pela desigual-dade movida pelo auto-interesse que geraexternalidades negativas inerentes, como acorrupção e a falta de coesão social.Análises preconceituosas e estereotipadasem relação à intervenção do Estado naeconomia tendem a vê-las como nocivase procuram enfatizar o caráter corruptodo governo. Entretanto, o Estado não éum ente estranho à sociedade, mas, pelocontrário, faz parte dessa mesma socie-dade. A corrupção do Estado não decorrede ele ser Estado, mas de ser instituição desociedade movida pelo auto-interesse.

A teoria econômica tradicionaltambém exalta a competição de formapositiva, como instrumento essencial paraa eficiência, desprezando seus efeitoscolaterais negativos inerentes, como areferida falta de coesão social e a violênciaa ela associada.

Considerações finais

O capitalismo passou por profundastransformações desde seu prelúdio, com

o fim do dualismo caracterizado, por umlado, pelos capitalistas e, de outro, por umamassa homogênea de trabalhadores.Presentemente, os trabalhadores formamuma massa heterogênea e competem entresi por ascensão profissional em organi-zações complexas e de estrutura piramidal,em uma busca patológica por sucesso. Ocontrole do capital está associado cada vezmenos à sua propriedade e cada vez maisao capital humano.

Essas transformações tornaram o mer-cado de trabalho uma loteria, em que osbilhetes são os investimentos em capitalhumano. Nessa loteria, os vencedores apro-priam-se do trabalho dos perdedores. Ostrabalhadores com baixo ou nenhum investi-mento em capital humano estão excluídosdela e, por essa razão, são, a priori, perde-dores. Como a estrutura das organizaçõese dos mercados de trabalho é piramidal,necessariamente, haverá vencedores eperdedores. O caráter de loteria do mercadode trabalho também é encontrado nasteorias dos MWTA e dos torneios.

Conseqüentemente surge, ao lado datradicional apropriação do trabalho pelocapital, descrita por Karl Marx, em Ocapital, nova forma de exploração dotrabalho, que reforça a tendência inerenteà desigualdade do capitalismo. Essa novaforma de exploração tem comoinstrumento o capital humano e ocorre deforma semelhante à exploração feita pelocapital físico. Assim, o capital físico e ocapital humano são instrumentos delegitimação da exploração do trabalho.

Essa nova forma de exploração dotrabalho reforça a tendência inerente aocapitalismo de geração de desigualdade peladicotomia capital–trabalho e impõe impor-tantes limitações nas tradicionais políticaspúblicas de combate à desigualdade,baseadas na democratização dosinvestimentos em capital humano. Mesmoque todos tenham o mesmo capital humano

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ou a mesma produtividade, dada a atual es-trutura piramidal do mercado de trabalho,sempre haverá vencedores e perdedores.Todos os gerentes de uma firma podemter a mesma produtividade potencial, masapenas um será promovido a diretor.

De outra parte, a lógica de intensaespecialização e divisão do trabalho, doponto de vista tanto social quanto de intra-firma, tornam complexas ou mesmo semsentido comparações de produtividade,tendo em vista que os trabalhadoresexecutam tarefas distintas. Existe, ademais,interdependência entre as produtividadesindividuais. Mesmo que todos na sociedadetivessem curso superior completo, pela lógicada divisão do trabalho alguém qualificadoteria de executar as tarefas de baixa quali-ficação. É uma divisão que não decorre dosdiferenciais de produtividade, e, sim, dediversos fatores que transcendem a lógicaeconômica, como aspectos sociais, culturaise mesmo questões operacionais.

A desigualdade deixa de ser resultadodas diferenças nos atributos produtivos dostrabalhadores e passa a ser resultadoinerente aos mercados de trabalho capita-listas e ao capitalismo. Em primeiro lugar,porque a própria desigualdade nos inves-timentos em capital humano, em especialem educação, é fruto inerente ao capita-lismo. O capitalismo gera desigualdade, queorigina diferentes investimentos em capitalhumano, os quais, por sua vez, ajudam areproduzir a desigualdade.

O crescimento macroeconômicotambém tem importantes limitações nocombate à desigualdade, na medida em queessa desigualdade é a finalidade microeco-nômica, que gera o crescimento macroeco-nômico. O crescimento em si é função dadesigualdade, ou a desigualdade é afinalidade do crescimento.

Na realidade, os indivíduos esforçam-se para ser extremamente produtivos,investem em capital humano, porque

querem ficar ricos, querem ser desiguais.A busca individual microeconômica e auto-interessada da desigualdade é que gera ocrescimento macroeconômico. Portanto, ocomportamento individual que produz ocrescimento macroeconômico é, narealidade, uma busca pela desigualdade. Sea busca individual e auto-interessada peladesigualdade é que gera o crescimento,como conciliar crescimento e igualdade?Como conseguir igualdade a partir do

crescimento, se o crescimento resulta dabusca pela desigualdade?

O sistema econômico capitalistamovido pelo auto-interesse gera, comoexternalidade negativa inerente à desigual-dade, o tradicional trade-off entre cresci-mento econômico e igualdade em nívelmicroeconômico, que nunca foi resolvido,em nível macroeconômico, pelo funcio-namento dos mercados. Os economistastradicionais, contudo, jamais procuram

“Políticas públicas

de combate à

desigualdade baseadas

na democratização

do capital humanoapresentam impor-

tantes limitações, pois

o mercado de trabalho

capitalista está

organizado deforma que existam

vencedores e

perdedores”

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RSP As novas formas de exploração do trabalho no capitalismo contemporâneo e as políticas públicas de combate à desigualdade

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explicitar que esse trade-off decorre de análiseque toma como implícita uma naturezahumana egoísta e auto-interessada.

A máxima de Adam Smith, em suaobra A riqueza das nações, segundo a qual osistema econômico capitalista, caracte-rizado por indivíduos movidos pelo auto-interesse, geraria o máximo bem-estarsocial, despreza importantes externalidadesnegativas inerentes a esse tipo de com-portamento.

Em primeiro lugar, a própria questãojá colocada da desigualdade. Mais estranhoque esse lapso, porém, é a análise liberalque reforça a eficácia do auto-interesse nocrescimento econômico, mas desprezajustamente a busca pela desigualdademovida pelo auto-interesse, que gera outrasexpressivas externalidades negativas, comoa corrupção e a falta de coesão social. Ateoria econômica tradicional também exaltaa competição, de forma positiva, comoinstrumento essencial para a eficiência,desprezando suas externalidades negativas.

Políticas públicas de combate à desi-gualdade baseadas na democratização docapital humano, mesmo sendo desejáveise positivas, apresentam importantes limi-tações, pois o mercado de trabalhocapitalista está organizado de forma queexistam vencedores e perdedores, havendoou não diferenciais de produtividade.

As novas formas de exploração dotrabalho explicitam uma relação decausalidade em que o crescimento macro-econômico é gerado pela busca da desi-gualdade microeconômica. Como o cresci-mento pode reduzir a desigualdade, se égerado pela busca da desigualdade? Asforças de mercado, em nível macroeco-nômico, mostram-se incapazes de reverteresse trade-off. Mais do que isso, o compor-tamento microeconômico auto-interes-sado, que gera o crescimento econômico,torna inerente ao funcionamento docapitalismo externalidades negativas

expressivas, como a corrupção, a falta decoesão social e a violência a elas associada.

O combate à desigualdade demanda,então, teoricamente, mudanças nocomportamento humano, de forma queo motor do crescimento macroeconômiconão seja a busca microeconômica peladesigualdade de renda entre os indivíduos,assim como a alteração dos valores sociais,culturais e demais fatores que tornaram omercado de trabalho capitalista uma insti-tuição em que, necessariamente, há vence-dores e perdedores. Enquanto a motivaçãopara produzir for o auto-interesse, a buscapela desigualdade, pelo sucesso profissionale pela riqueza, de forma inerente, haverácontradição entre eficiência e desigualdade.O trabalho não será a satisfação de neces-sidade, mas, sim, um meio de satisfazeroutras necessidades11. Será possível conciliareficiência e eqüidade apenas se a motivaçãopara a produção for o bem-estar coletivo.

Dado o “receituário” recomendadopara o combate à desigualdade, fica implí-cito que este trabalho aceita que ocomportamento humano e os valorespodem ser objeto de transformação, pois,caso se adotasse a posição determinista deque a natureza humana é imutável, nãohaveria motivos para intervenções sociais.

Contudo, é necessário reconhecer queesse diagnóstico levanta importantesindagações: Como são determinados ocomportamento humano e os valores ecomo eles podem ser alterados? Até queponto o comportamento humano éinfluenciado pelo sistema econômicocapitalista e é independente da conjunturasócio-histórica? Embora essas questõessejam relevantes, este artigo não as discutirá,pois são tão complexas que fogem aoescopo deste trabalho, merecendo discussãoespecífica, impossível de ser feita neste paper.

(Recebido em janeiro de 2005. Versão definiti va em

março de 2005)

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Notas

1 Por tradicional exploração do trabalho pelo capital, entenda-se aquela descrita por Marx em O capital.2 Por literatura econômica tradicional, deve ser entendida a chamada teoria econômica neoclássica

e a teoria do capital humano, que, grosso modo, defendem que os salários são determinados pelaprodutividade (marginal). Para uma visão da teoria tradicional, ver Borjas (2000) e Bosworth, Dawkinse Stromback (1996).

3 Por busca patológica por sucesso, este artigo refere-se a uma busca obsessiva por sucessoprofissional e financeiro, que coloca o mencionado objetivo como o principal sentido da vida e a faltadele como o resultado inaceitável e psicologicamente insuportável.

4 Ver Ferreira (2000), Barros e Mendonça (1995), Barros, Henriques e Mendonça (2000, 2000a) eRamos e Vieira (2000).

5 Entende-se a teoria econômica tradicional como a teoria microeconômica neoclássica, quedefende não apenas que o salário seja determinado pela produtividade marginal, mas também quea maximização dos lucros seja o único e exclusivo objetivo das firmas.

6 Sobre mercados internos de trabalho, ver Doeringer e Piore (1971).7 Os criadores da teoria dos MWTA foram Frank e Cook (1996). Para ter uma idéia da teoria dos

torneios, ver Lazear e Rosen (1981).8 Para conhecer a teoria dos superstars, ver o trabalho de Rosen (1981).9 A “mão invisível” do mercado é a referência feita à expressão criada por Adam Smith, em A

riqueza das nações.10 A expressão “externalidade negativa”, na literatura econômica, pode ser entendida como

efeito colateral negativo.11 Ver MARX, Kar l, 1963, p. 162.

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Resumo - Resumen - Abstract

As novas formas de exploração do trabalho no capitalismo contemporâneo e as políticas

públicas de combate à desigualdade

Rogério Nagamine Costanzi

O mercado de trabalho sofreu profundas transformações desde o começo do capitalismo até omomento atual, sendo possível compará-lo a uma loteria, na qual os trabalhadores passaram acompetir entre si por ascensão profissional. Os bilhetes dessa loteria são os investimentos em capitalhumano. Nela haverá, necessariamente, vencedores e perdedores, com os primeiros apropriando-sedo trabalho dos últimos. Dessa realidade, surge uma nova forma de exploração do trabalho, cujoinstrumento de legitimação é o capital humano, que reforça a tendência inerente do capitalismo àgeração de desigualdade e coloca limitações à visão tradicional de combate à desigualdade baseada nademocratização do capital humano. O crescimento também tem limitações na redução da desigual-dade, tendo em vista que a motivação microeconômica que gera o crescimento macroeconômico éjustamente a busca pela desigualdade.

Las nuevas formas de explotación del trabajo en el capitalismo comtemporáneo y las

políticas públicas de combate a la desigualdad

Rogério Nagamine Costanzi

El mercado de trabajo pasó por profundas transformaciones desde el inicio del capitalismohasta el momento actual, convirtiéndose en una lotería, en que los trabajadores pasaron a competirentre sí por ascenso profesional. Los billetes de esta lotería son las inversiones en capital humano. Enesta lotería, habrá, necesariamente, ganadores y perdedores, con los primeros apropiándose deltrabajo de los últimos. De esta realidad, surge una nueva forma de explotación del trabajo, cuyoinstrumento de legitimación es el capital humano, que refuerza la tendencia inherente del capitalismode generación de desigualdad e impone limitaciones a la visión tradicional de combate a la desigualdadbasada en la democratización del capital humano. El crecimiento también tiene limitaciones en elcombate a la desigualdad, puesto que la motivación microeconómica que genera el crecimientomacroeconómico es justamente la búsqueda por la desigualdad.

New forms of labour exploitation in contemporary captalism and public policies to

combat inequality

Rogério Nagamine Costanzi

The labour market has undergone deep transformations from the start of the capitalism to thecurrent moment, becoming a lottery, in which workers started to compete among themselves forprofessional development. The tickets of this lottery are the investments in human capital. Here,there exists, necessarily, winners and losers: the firsts appropriates the work of the latters. A newform of exploration of the work appears, in which the instrument of legitimation is the humancapital. It strengthens the inherent trend of the capitalism towards inequality generation and imposeslimitations to the traditional vision of inequality reduction based on the democratization of thehuman capital. Growth has also limitations to combat inequality, considering that the microeconomicmotivation that generates the macroeconomic growth is exactly the search for inequality.

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Rogério Nagamine Costanzi

Rogério Nagamine CostanziMestre em Economia pelo Instituto de Pesquisa Econômica da Universidade de São Paulo (IPE/USP), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Governo Federal, em exercíciona Diretoria de Estudos Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (DISOC/IPEA), ex-chefe de Divisão da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1995), ex-coordenador-geral de Empreg o do Ministério do Trabalho e Emprego (2000 a 2003).Contato:[email protected]

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Rogério Bastos Arantes, Fernando Luiz Abrucio e Marco Antonio Carvalho Teixeira

A imagem dos Tribunais deContas subnacionais1

Rogério Bastos Arantes, Fernando Luiz Abrucio e

Marco Antonio Carvalho Teixeira

Introdução

A investigação sobre a imagem das instituições políticas junto ao eleitorado e

às elites sociais é uma ferramenta fundamental para aprimorar a democracia e

melhorar o desempenho do Estado. Com pesquisas dessa natureza, é possível

descobrir a percepção externa de lacunas e erros de tais instituições, alguns deles

imperceptíveis para os seus componentes, bem como coletar sugestões para o seu

aperfeiçoamento. A importância dessas sondagens torna-se maior quando a insti-

tuição em questão é pouco conhecida pela sociedade e existe, ademais, uma visão

difusa que a qualifica de forma negativa. Este artigo retrata um caso que se encaixa

nessa situação: os Tribunais de Contas (TCs) subnacionais.

Esta pesquisa originou-se de projeto desenvolvido pelo Ministério do

Planejamento, intitulado Programa de Modernização do Sistema de Controle

Externo dos Estados e do Distrito Federal (Promoex)2. Sua elaboração ocorreu

em parceria com os dirigentes e técnicos dos 33 TCs subnacionais e conta com

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A imagem dos Tribunais de Contas subnacionais

o apoio financeiro do Banco Interame-ricano de Desenvolvimento (BID).O objetivo do Promoex é modernizar ocontrole externo dos governos estaduais emunicipais, reformulando a gestão dosTCs, em prol de sua maior eficiência,efetividade, transparência e accountability.

Numa primeira etapa, a FundaçãoInstituto de Administração (FIA) daUniversidade de São Paulo (USP) realizouampla radiografia dos Tribunais de Contassubnacionais (2002), cujos dados deramimportantes subsídios para a formulaçãode projetos de mudança dos TCs; nãocaptaram, porém, uma dimensão essencialem qualquer processo de reforma institu-cional: a percepção dos atores estratégicos,em particular os externos à instituição emquestão.

Foi essa constatação que levou à elabo-ração de um survey de elites sociais einstitucionais, que, de um modo ou deoutro, são afetadas pelos TCs e podem,ao mesmo tempo, exercer uma correntede opinião decisiva contra eles ou a favordeles, influenciando, assim, sua capacidadee legitimidade de exercer a autoridade decontrolador de contas públicas.

Cabe esclarecer, inicialmente, o uso dostermos “elites sociais e institucionais”, bemcomo do conceito de “atores estratégicos”.Utilizamos o termo “elites” com o signifi-cado de “lideranças” que desempenhampapel relevante na sociedade e/ou no Estadoe cuja identificação pode se dar por critéri-os de posição formal numa dada hierar-quia ou por reputação e influência peranteo cenário público. Metodologicamente, essaacepção é defendida por dois dos maioresespecialistas em pesquisas de opinião noBrasil, os cientistas políticos BolívarLamounier e Amaury de Souza. Dizem eles:

“Que é ‘elite’? O termo presta-se,como é sabido, a um uso polêmico

ou político (...). O conceito é utilizadoapenas no sentido corrente nas ciênci-as sociais – praticamente sinônimo de“lideranças”, como coletivo genérico.Toda sociedade é formada por dis-tintas hierarquias, cada uma delasbaseada em diferentes recursos deinf luência ou poder. ‘Elite’ são aspessoas que ocupam o ápice dessasdiferentes hierarquias e conseqüente-mente exercem, ou podem vir aexercer, importante influência nasdecisões governamentais e nos destinosda sociedade. No sentido acima, fazemparte da elite tanto os grandes empre-sários como os médios ou pequenosreconhecidos por sua liderança; líderessindicais; políticos; altos administra-dores públicos; oficiais superiores dasForças Armadas; intelectuais; profis-sionais liberais; jornalistas e líderesassociativos. A seleção dos entrevis-táveis, como em geral ocorre empesquisas sobre elites, base[ia]-se tantoem critérios de posição (ocupação deimportantes cargos) como de repu-tação (ser considerado uma pessoainfluente por outros membros da eliteou por pesquisadores experientes)”(LAMOUNIER; SOUZA, 1992: 9).

Já o termo “atores estratégicos”vincula-se à forma de selecionar as “elites”a serem entrevistadas, a partir do grau deimportância que tais grupos têm em relaçãoaos Tribunais de Contas subnacionais. Nessesentido, “elites” e “atores estratégicos” nãosão noções sinônimas, mas sim, comple-mentares, tendo em vista os objetivos dapesquisa: combinar os dois critérios –posição/capacidade de liderança e relaçãoestratégica do ator com os TCs –, de modoa produzir diagnóstico e perspectivas dereforma dessas instituições. Assim, se aopção fosse apenas pelo critério de “elites”,

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Revista do Serviço Público - vol. 56, no 1 59

Rogério Bastos Arantes, Fernando Luiz Abrucio e Marco Antonio Carvalho Teixeira

a amostra incluiria possivelmente empre-sários, lideranças sindicais e a Igreja. Dada adimensão “estratégica” da relação de algunsorganismos da sociedade civil com os TCs,entretanto, privilegiamos estes – conselhosregionais de contabilidade, administração eengenharia, entre outros, como veremos nodesenho da amostra – e dispensamos outrosque correspondem ao critério de “elites”,mas que seriam pouco relevantes para osobjetivos deste trabalho. Ressalte-se, aliás, queo adjetivo “social” é utilizado no textoapenas para caracterizar atores não-estataisda amostra (imprensa, acadêmicos, ONGs,a Ordem dos Advogados do Brasil e ostrês conselhos regionais) e não tem apretensão de designar uma representaçãogeral da sociedade brasileira.

Uma última observação metodológica:a seleção dos atores estratégicos foi feitaem diálogo com os técnicos dos Tribunaisde Contas subnacionais que participam doPromoex, dando maior legitimidade paraa amostra. Ao mesmo tempo, tivemos apalavra final sobre o desenho da pesquisa,garantindo com isso a necessária isençãocientífica.

O presente texto pretende resumir asprincipais conclusões desta pesquisa sobrea imagem dos Tribunais de Contassubnacionais, de modo que não se trata deuma avaliação sistemática de suas políticas,mas sim, de um retrato construído pelapercepção de elites sociais e institucionais,enquadradas como atores estratégicos emrelação a esta instituição de controle.

O universo pesquisado e osinstrumentos de investigação

A reforma de qualquer instituiçãopública, em ambiente democrático,depende do apoio de atores sociais estra-tégicos. No momento em que os TCssubnacionais decidiram passar por ampla

reformulação, eles necessariamente preci-sariam saber a opinião que a sociedade eos outros poderes tinham dele. Mais doque isso, duas hipóteses implícitas incomo-davam os principais agentes desse processoreformista: haveria um descontentamentodifuso em relação ao seu desempenho esuas ações e funções seriam poucoconhecidas, inclusive por instituições egrupos com maior contato com os TCs.

Diante disso, foi montado um survey

de elites institucionais e sociais, compostopor cinco grandes setores, subdivididos emcategorias específicas. Essa amostra pro-curou representar a diversidade de atorespúblicos e sociais que, em cada estado,mantêm com os TCs alguma relaçãoinstitucional e política ou guardam algumtipo de expectativa quanto ao bomdesempenho de suas funções, como é casode setores organizados da sociedade civil.

Foram selecionados, então, atores vincu-lados ao Legislativo, ao Executivo, aoJudiciário, ao Ministério Público e à socie-dade civil organizada, levando-se em contaque, em alguns casos, os TCs tinham comofunção fiscalizar os estados e municípios,enquanto noutros, somente os municípios,e em dois deles, os Tribunais de Contas dosMunicípios de São Paulo e do Rio de Janeiro,a fiscalização envolve apenas o poderpúblico de tais capitais. Isso criou algumasvariações na amostra, sem, no entanto,modificar profundamente o conjunto deentrevistados. No total, foram escolhidas 919pessoas, tal como relatado no Quadro 1.

Houve enorme dif iculdade emconseguir entrevistar todos os selecionados,por conta do tempo de trabalho – cerca detrês meses –, da abrangência territorial dapesquisa – todos os estados da Federação– e da reticência de alguns grupos em darentrevistas e, principalmente, emitir opiniõessobre uma instituição pública como osTribunais de Contas. O Judiciário e o

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A imagem dos Tribunais de Contas subnacionais

Quadro 1: Amostra dos atores públicos e sociais

Setores Subsetores Número deentrevistas

Legislativo Presidente da Assembléia Legislativa 1

Dep. Estadual (governista) da Comissão deOrçamento 1

Dep. Estadual (oposicionista) da Comissãode Orçamento 1

Dep. Estadual (governista) da Comissão deOrçamento 1

Dep. Estadual (oposicionista) da Comissãode Orçamento 1

Vereadores da capital 2 (4) *

Vereadores de cidade média 1

Vereadores de cidade pequena 1

Executivo Gestores, técnicos estaduais 4

Gestores, técnicos do município da capital 2 (4) *

Gestores, técnicos de uma cidade média 1

Gestores, técnicos de uma cidade pequena 1

Controle interno – governo estadual 3

Controle interno – município da capital 1 (2) *

Judiciário Desembargadores do Tribunal de Justiça 2

Juiz do TRE 1

Ministério Público Procurador-Geral de Justiça 1

Promotores de Justiça da Cidadania 2

Sociedade civil Imprensa 1

Universidade/acadêmicos 1

OAB – seccional 1

ONG 1

Conselho de Engenharia 1

Conselho de Contabilidade 1

Conselho de Administração 1

Total de entrevistas por

estado (menos DF, SP e RJ) 34

Total de entrevistas, conside-

rando os 26 estados e oDistrito Federal 919 **

* Os números entre parêntesis dizem respeito às quotas adotadas nesse setor, nos Estados de São Pau-lo e Rio de Janeiro.

** O total reflete a soma de entrevistas por estado, descontadas nove entrevistas de âmbito municipal noDistrito Federal (vereadores, gestores e controle interno) e considerado o acréscimo nas quotas munici-pais de São Paulo e Rio de Janeiro, indicadas acima.

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Revista do Serviço Público - vol. 56, no 1 61

Rogério Bastos Arantes, Fernando Luiz Abrucio e Marco Antonio Carvalho Teixeira

Ministério Público foram os mais arredios,ao passo que o Executivo e a sociedadeforam os que mais aderiram à sondagem.

O resultado líquido foi um númeromenor de entrevistas, 644, ou seja, 70,1%do total. Independentemente disso, consi-deramos que o contingente atingido foisuficiente para compor amostra de exten-são nacional e aferir conclusões que, comodito no início, estavam mais preocupadasem construir uma imagem externa dos TCsdo que avaliar estritamente o seu desem-penho. Trata-se de número compatívelcom pesquisas de opinião de mesma escalarealizadas no Brasil e no mundo. Estasúltimas, aliás, trabalham com algo em tornode 2000 entrevistas para representar umuniverso de dezenas de milhões de pessoas,enquanto este survey recorr eu a 644entrevistas para representar alguns poucosmilhares de lideranças e atores estratégicos.

É importante frisar, de outra parte, quea amostra da pesquisa não teve a intenção defazer uma representação estatística de cadasetor e, por isso, o número de entrevistadosnão pode ser visto isoladamente. Quanto aonúmero de entrevistas por estado, lembra-mos que o universo selecionado tinha comometa produzir um retrato em escala nacional– não cabe, assim, uma interpretação de cadaestado individualmente. De qualquer forma,vale mais uma vez citar Bolívar Lamounier eAmaury de Souza para referendar metodolo-gicamente nossa posição:

“Qual deveria ser o número deentrevistados em diferentes setores?Por exemplo, quantos empresários,quantos políticos, quantos intelectuais?Não existe possibilidade de uma res-posta exata a esta questão, visto quenão existem parâmetros precisos paraa seleção estatisticamente rigorosa deuma amostra. O importante, numtrabalho [de survey de elites nacional], é

que o conjunto finalmente entrevista-do seja plausível como representaçãodas lideranças destacadas do País”(LAMOUNIER; SOUZA, 1992:10).

Ressalte-se que o texto dos autorescitados se referia a uma pesquisa quecontinha oito setores e na qual foramentrevistadas 450 lideranças, números que,cotejados aos utilizados pelo presentetrabalho, nos dão-nos mais segurança paraas inferências e conclusões aqui expostas.

Os questionários aplicados aos atoresestratégicos dos Tribunais de Contassubnacionais continham questões geraispara todos os grupos e algumas específicas.Em sua grande maioria, as perguntas eramfechadas e pediam algum tipo de avaliaçãocom gradação de intensidade. Em poucasdelas e, sobretudo no final do questionário,admitiu-se abordagem mais aberta, com apossibilidade de respostas mais longas ediversificadas. Pretendia-se, com esseinstrumento, espelhar , de forma maisqualitativa, a imagem dos TCs.

Cinco grandes linhas nortearam oquestionário: aspectos referentes ao relacio-namento dos TCs com o campo ao qualestava vinculado o entrevistado, à gestão eeficiência dos tribunais, à sua transparência/accountability, uma avaliação mais geral deseu desempenho e sugestões de reformu-lação institucional. Analisaremos, a seguir,na forma breve que permite este artigo,alguns dos resultados e conclusões obtidos.

O Tribunal de Contas e seurelacionamento com as instituiçõese a sociedade: nível de conheci-mento e avaliação da importânciainstitucional

Os resultados do survey evidenciaramque a amostra geral de entrevistados tinhaum grau de conhecimento bastante

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A imagem dos Tribunais de Contas subnacionais

significativo das atividades do TC. Namédia dos setores, mais de 1/3 da amostra(38%) afirmou ter nível elevado deconhecimento das atividades do TC(somando “muito alto” e “alto”) e quase ametade (46%) tem, pelo menos, graumédio de conhecimento. Esses dados quali-ficam a amostra como apta a tecer consi-derações sobre as atividades desempe-nhadas pelos TCs subnacionais. Na média,apenas 13,8 % afirmaram ter reduzidoconhecimento da instituição e irrisório1,5% afirmou desconhecer completamenteo trabalho dela.

Como era de se esperar, o maiorpercentual de desconhecimento (4,2%)ocorreu na sociedade civil, assim mesmonum valor muito baixo, que não chega acomprometer a representatividade dessesetor na amostra e, mais do que isso, vaicontra uma das hipóteses iniciais: a de queos setores sociais majoritariamente ignoramas funções dos TCs subnacionais. Sesomarmos as respostas “muito alto” e“alto”, os maiores percentuais de elevadoconhecimento encontram-se entre oControle Interno (49%) e o MinistérioPúblico (46%), vindo a seguir o Judiciário(32,5%), depois a sociedade civil (28,9%)e finalmente os gestores e técnicos do Exe-cutivo (26,8%).

Com relação à freqüência com a qualos entrevistados utilizam determinadasinformações produzidas pelos Tribunais deContas subnacionais, constatou-se que ainformação mais freqüentemente utilizada é a“apreciação das contas do chefe do PoderExecutivo” (26,12%), seguida de pertopelo “julgamento das contas dos ordena-dores de despesa” (21,68%). Certamente,por sua maior especificidade, as infor-mações menos utilizadas dizem respeitoaos itens 9 e 10 da referida questão (acom-panhamento das contas do Judiciário e doMinistério Público, com respectivamente

55,1% e 54,% de respostas “nunca”, namédia dos setores).

Observando-se os setores específicos,o Legislativo é aquele que mais se destacapor usar fr eqüentemente as informaçõesproduzidas pelo TC (29%, na média dositens), seguido pelo Ministério Público(17%, na média dos itens). Gestores etécnicos do Executivo, membros do Judi-ciário e da sociedade civil recorrem menosàs informações produzidas pelos TCs eequiparam-se em torno de 11%, na médiados itens.

No caso dos setores públicos, o itemmais importante da lista diz respeito à apre-ciação e ao acompanhamento de suaspróprias contas. Em segundo lugar, nocaso do Legislativo, vem o interesse pela“apreciação das contas do chefe do PoderExecutivo”. No caso dos gestores etécnicos do Executivo, dois itens apare-cem empatados em segundo lugar:“Julgamento das contas dos ordenadoresde despesa” e “Relatórios de auditorias”.Entre os juízes, o segundo maior interesse,depois de suas próprias contas, recai sobrea “apreciação de aposentadorias, reformase pensões”. No caso do Ministério Público,é interessante notar que os entrevistadosfazem uso mais abrangente das infor-mações produzidas pelos TCs. Cerca de¼ dos membros do MP af irmou fazeruso freqüente de, pelo menos, 5 dos 11itens listados na tabela. Quanto à sociedadecivil, a “apreciação das contas do chefe doPoder Executivo” empata em primeirolugar com o uso freqüente de informaçõesrelativas à “apreciação de denúncias erepresentações”.

Os entrevistados que fazem uso dasinformações produzidas pelo TC foraminstados a avaliar também a qualidade e autilidade delas. A avaliação positiva (somade “ótimo” e “bom”) daqueles quechegaram a utilizar alguma das 11

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informações listadas chegou a 79%, namédia dos setores. Embora sejam os quemenos utilizam informações produzidaspelos TCs, os juízes são os que melhor asavaliam (87%), um pouco acima daavaliação dos parlamentares – com 85% dasalternativas “ótima” ou “boa” somadas –,seguidos, mais abaixo, pelo MinistérioPúblico (78%) e pela sociedade civil (74%).Os gestores e técnicos do Executivo foramos que fizeram a avaliação menos positiva,com 70% de aprovação e 30% de avaliaçãonegativa (quando somadas as alternativas“inadequada” e “péssima”).

Com resultados similares à questãoanterior, 78% dos entrevistados que utili-zam informações produzidas pelo TCconsideraram-nas “úteis” ou “muito úteis”.A seqüência da avaliação dos setores quantoà utilidade mudou pouco em relação àseqüência da qualidade: em primeiro, 86%dos juízes que usam as informações consi-deram-nas “muito úteis” ou “úteis”,seguidos de perto pelos parlamentares com83%, vindo, a seguir, a sociedade civil (77%)e o Ministério Público (75%). Mais umavez, foram os gestores e técnicos doExecutivo que deram menor grau deaprovação à utilidade das informações(68% de “muito útil” ou “útil”), se compa-rados aos demais atores.

A pesquisa procurou analisar tambéma relação mais específica de alguns setoresestabelecidos na amostra com os TCssubnacionais. Desses dados, o que maischamou atenção foram os resultadosreferentes aos atores do Executivo –gestores e integrantes do controle interno –,Ministério Público e Judiciário.

É preocupante notar que uma partesignificativa dos gestores e técnicos doExecutivo nunca ou raramente utiliza osserviços dos TCs subnacionais (44,1%) e33% só o fazem eventualmente, diante de22,1% que alegam utilizar sempre ou

freqüentemente o apoio da instituiçãocontroladora. Ademais, esses mesmosatores, objetos por excelência da fiscali-zação dos tribunais, alegam terem sido poucofiscalizados pelos TCs, afirmação em si muitopreocupante para a accountability democrá-tica do sistema político brasileiro. No quediz respeito à legalidade, 36,9% afirmaramque nunca sofreram qualquer tipo defiscalização e 23,8% teriam sido fiscali-zados, no máximo, duas vezes. No que serefere ao controle por resultados (em ver-dade, uma atividade ainda pouco desen-volvida pelos TCs), 51,2% deles afirmaramnão ter passado por esse tipo de fiscali-zação, diante de um total de 28% que jápassaram por ela duas vezes ou mais.Note-se que 22,8% dos entrevistados nemsequer responderam à pergunta.

Apesar de pouco enfatizar o papelfiscalizador dos Tribunais de Contas, amaior parte dos gestores e técnicos do Exe-cutivo que se prontificaram a avaliar arelação que tiveram com os auditores doTCs considerou-a ótima ou boa (47%), aopasso que 10,7% consideraram tal rela-cionamento ruim ou péssimo. Portanto,não se trata, nesse caso, de problema dequalidade técnica da ação desses tribunais,mas de maior efetividade desses órgãosno controle do Executivo. Nessa mesmalinha de raciocínio, um número muitoexpressivo de gestores estaduais e muni-cipais (62,5%) disse que não se criaramformas de cooperação entre o Executivoe Tribunal de Contas, enquanto 26,8%afirmaram que sim e 10,7% nãoresponderam.

Uma pista para pensar essa proble-mática foi dada pela resposta referente aopapel dos tribunais como agentes da Leide Responsabilidade Fiscal (LRF): 48,8%dos gestores e técnicos do Executivodisseram que a ação dos TCs teve impactono cumprimento da LRF, 42,9% disseram

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que não e 8,3% não responderam.Trocando em miúdos, quando existe umaação mais forte e programada dos TCs,ancorada em lei com grande legitimidadesocial, suas atividades tornam-se impor-tantes para o Executivo. Esse mesmoambiente institucional tem de ser consti-tuído em outras frentes de atuação dos TCssubnacionais, para que se reforcem sualegitimidade e autoridade junto aosgovernos estaduais e municipais, a fim detornar mais compreensível e efetivo o seupapel institucional.

Com relação aos integrantes doControle Interno, 66,2% dos entrevistadosconsideram que a relação com o Tribunalde Contas é ótima ou boa, enquanto 26,5%consideram-na ruim. Tais dados demons-tram que, nesse setor, também do Exe-cutivo, a receptividade em relação ao papeldesempenhado pelo TC é maior do que overificado junto aos gestores e técnicos e,mesmo quando tais atores avaliamnegativamente o relacionamento, a principalrazão aventada é a má estruturação admi-nistrativa do próprio Controle Interno.

O tema da parceria institucional, comvistas a favorecer o controle externo daadministração pública foi abordado pelosentrevistados do Judiciário e do MinistérioPúblico. No caso dos magistrados, 55,8%deles mostraram-se favoráveis a essahipótese e 41,9% parecem resistir à idéia.O dado que mais chama a atenção vemdo Ministério Público. Entre seus mem-bros, a receptividade em relação à parceriainstitucional foi impressionante: nada menosdo que 90,7% colocaram-se a favor dealgum tipo de ação conjunta entre oMinistério Público e o TC e apenas 7,4%não apóiam a idéia. Ao mencionarsugestões concretas nesse sentido, umgrande número de promotores e procura-dores de justiça demonstrou forte interesseno corpo técnico e no aparato material dos

TCs e propuseram várias formas decooperação entre as duas instituições. Comoafirmou um dos entrevistados,

“O Tribunal de Contas é um órgãotécnico e o MP tem o poder coercitivo,através da ação civil pública deimprobidade. Os órgãos, agindo deforma independente (sem interação),não chegam a lugar nenhum. Se uniremseus pontos fortes, certamente haveriadiminuição da corrupção”.

A maior receptividade do MinistérioPúblico em relação à idéia de aproximaçãocom os TCs pode ser confirmada tambémpela opinião dos membros da instituiçãosobre os relatórios produzidos pelos TCs eencaminhados à ela, para que esta possainstruir as ações penais: 59,3% dos membrosdo MP consideram que esses relatórios têma fundamentação técnica adequada, enquanto18,5% afirmam que não e 22,2% nãoresponderam a pergunta. Entre os juízes, opercentual de aprovação dos relatórios doTC aplicados a ações penais foi de apenas39,5%. Quatorze por cento afirmaram queos relatórios possuíam fundamentaçãotécnica adequada e uma maioria de 44,2%não respondeu a pergunta.

Num primeiro balanço, os dadosrevelam, em primeiro lugar, que os setorestécnicos ligados ao Executivo estão na faixados que usam com menor freqüência asinformações dos TCs subnacionais e,ademais, avaliam mal a utilidade dos dadose tarefas vinculados a esses tribunais. Poder-se-ia argumentar, intuitivamente, que, comose trata do Poder mais investigado pelostribunais, haveria maior probabilidade deavaliação negativa. Só que a visão negativasobre o grau de utilidade das informaçõespode revelar algo pior: uma dificuldade enormede comunicação, o que, ao fim e ao cabo, tendea prejudicar o processo de controle. Outra

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constatação importante refere-se ao papelde legislações, como a Lei de Responsabili-dade Fiscal, para ativar e legitimar a sua ati-vidade fiscalizadora. Mecanismos similaresa esses relacionados à LRF poderiam ativaroutras de suas atribuições, como a de con-trole e avaliação dos resultados das polí-ticas públicas, a partir de legislação que obri-gasse a criação de contratualização entre oExecutivo e os Tribunais de Contas emtorno de metas e formas de aferição dedesempenho do governo.

Por fim, a extrema importância que osmembros do Ministério Público deram àpossibilidade de se firmarem parcerias comos TCs pode ser um novo caminho deatuação institucional e construção deaccountability, numa linha pouco exploradano sistema político brasileiro. Contudo,cabe ressaltar que o MP tem ampliado suasatribuições desde a Constituição de 1988e, muitas vezes, atropela ou toma para sias funções de outras instituições, em vezde simplesmente dividir tarefas com elas,como revelam alguns estudos recentes(ARANTES, 2002; STRAUSS, 2005). Numasituação em que os TCs precisam forta-lecer sua legitimidade e autoridade, acooperação institucional pode ser positiva,contanto que fiquem bem definidas asfunções de cada qual.

Qualidade, capacidades institu-cionais e mérito das decisões dosTribunais de Conta

A qualidade da gestão dos Tribunaisde Contas subnacionais e a legitimidade desuas decisões constituíram dois temasfundamentais para a pesquisa. No primeirobloco, destaca-se inicialmente a avaliaçãodos TCs, no que diz respeito à facilidadede acesso, à qualidade e ao tempo deresposta de serviços solicitados, tal qualindica a Tabela 1.

A maior parte dos entrevistados consi-dera ótima ou boa a facilidade de acesso aosserviços prestados pelos TCs subnacionais(51,2%), bem como a qualidade da resposta(50,5%). Em viés mais negativo, apenas 1/3dos entrevistados considera “ótimo” ou“bom” o tempo de resposta . Isso coloca aquestão da celeridade e eficiência comotópico essencial para a reformulação emodernização desses tribunais.

A Tabela 2 revela, a seguir, outra impor-tante informação, referente à avaliação dasatividades realizadas pelos Tribunais deContas subnacionais.

Constata-se que os julgados do Tribunalde Contas não são considerados ótimos, massão bem avaliados pelos entrevistados detodos os setores. Na média, 48% dosentrevistados consideram-nos “bons”,enquanto 24,8% os avaliam como “inade-quados” ou “péssimos”. No que tange aosrelatórios ou pareceres técnicos, a percepção éainda mais positiva, com uma médiaexpressiva de 56,5% de respostas assina-ladas como “bom”, com apenas 16,5%de “inadequado” ou “péssimo”, somados.No caso do Ministério Público, chama aatenção que a instituição é a que pioravaliação faz dos julgados do TC e a quemelhor avaliação faz dos relatórios e parecerestécnicos. Judiciário e sociedade civil tambémapresentam essa tendência, mas de maneiramenos expressiva do que a revelada pelosmembros do MP. No caso do Legislativo,os percentuais relativos a avaliaçõespositivas e negativas praticamente serepetem nos dois casos.

Grande destaque deve ser dado aoassessoramento dos técnicos do Tribunal de Contasàs CPIs. Embora 1/3 não tenha se mani-festado sobre esse ponto, pois ele seconcentra na função legislativa, a maioria(47,4%) julgou “ótimo” ou “bom” essaatividade e 19,5% do total a avaliou comoinadequada ou péssima. Esse aspecto

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soma-se a outros em que as qualidadestécnicas dos TCs subnacionais foram muitobem avaliadas. A avaliação dos servidoresdo órgão, exposta na Tabela 3, é outroitem sobre o qual se percebe que os entre-vistados têm visão positiva.

Os membros do Legislativo são osque melhor avaliam a qualificação dos servidoresdo Tribunal de Contas: 53,4% consideram-na boa e 14,3%, excelente. Os integrantesdo Controle Interno do Executivo vêmem seguida: para 51,8%, a qualificação dosservidores do TC é boa e para 7,2%, exce-lente. Já os membros do Judiciário e doMinistério Público não avaliam tão bem a

qualif icação dos servidores do TC.Nenhum membro do Judiciário considera-a excelente e menos da metade (41,9%)classifica-a como boa. No caso dos inte-grantes do Ministério Público, o resultadonão é muito diferente. Apenas 7,4%avaliam-na como excelente e 40,7%julgam-na boa. A avaliação dos gestores etécnicos do Executivo é semelhante à rea-lizada pelos membros do MinistérioPúblico. Cabe destacar, no entanto, que ébastante pequena a porcentagem média dosentrevistados que avaliam negativamente aqualificação dos servidores do TC. Apenas5,3% consideram-na inadequada para as

Gestores ee técnicos do Ministério Sociedade

Legislativo Executivo Judiciário Público civil

1. Facilidade de acesso ótimo 32,5 8,9 14 11,1 9,9

bom 34,4 46,4 23,3 42,6 34,5

inadequado 9,7 11,9 7 16,7 11,3

péssimo 4,5 4,8 2,3 9,3 2,1

sem opinião/

não se aplica 18,8 28 53,5 20,4 42,3

2. Qualidade da

resposta ótimo 19,5 5,4 9,3 3,7 5,6

bom 44,8 43,5 32,6 53,7 34,5

inadequado 11 14,9 4,7 11,1 12

péssimo 5,2 2,4 0 7,4 4,9

sem opinião/

não se aplica 19,5 33,9 53,5 24,1 43

3. Tempo de

resposta ótimo 12,3 2,4 7 1,9 5,6

bom 36,4 33,9 23,3 22,2 23,9

inadequado 16,9 18,5 14 33,3 16,2

péssimo 14,3 12,5 2,3 16,7 11,3

sem opinião/

não se aplica 20,1 32,8 53,5 26 43

Observação: Esta questão não foi dirigida ao Controle Interno do Executivo.

Tabela 1: Avaliação dos serviços solicitados ao Tribunais de Contas (em %)

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suas funções e menos de 1%, na médiados setores, apontou essa qualificaçãocomo péssima. Se cotejarmos essa análisecom outras sobre o perfil técnico dosoutros poderes, o percentual atingido pelosTCs subnacionais ainda é bastante alto.

Pelo exposto nesta seção, afere-se queos Tribunais de Contas recebem, no geral,boa avaliação de suas capacidades admi-nistrativas. É bem verdade que há algunsflancos que precisam ser mais bemtratados, porém as elites institucionais e

Legislativo Judiciário Ministério Sociedade

Público civil

1. Julgados do TC ótimo 9,7 9,3 5,6 0,7

bom 50,6 51,2 44,4 45,8

inadequado 14,3 14 22,2 19

péssimo 7,1 7 11,1 4,2

sem opinião 18,2 18,6 16,7 30,3

2. Relatórios e/ou pareceres técnicos do TC ótimo 13,6 2,3 18,5 2,8

bom 53,2 58,1 61,1 53,5

inadequado 17,5 9,3 9,3 15,5

péssimo 3,2 7 1,9 2,1

sem opinião 12,3 23,3 9,3 26,1

3. Assessoramento técnico do TC às Comissões Parlamentares de Inquérito ótimo 12,3 - - -

bom 35,1 - - -

inadequado 11,7 - - -

péssimo 7,8 - - -

sem opinião 33,1 - - -

4. Publicações e estudos ótimo - 4,7 7,4 5,6

bom - 41,9 31,5 34,5

inadequado - 7 9,3 11,3

péssimo - 7 1,9 3,5

sem opinião - 39,5 50 45,1

5. Treinamentos e cursos(atividades de capacitação) ótimo - 0 11,1 -

bom - 39,5 24,1 -

inadequado - 2,3 5,6 -

péssimo - 7 0 -

sem opinião - 51,2 59,3 -

Observações: Esta questão não foi dirigida aos gestores e técnicos nem ao Controle Interno do Executivo.O item 3 não foi submetido ao Judiciário, ao Ministério Público e à sociedade civil. O item 4 não foisubmetido ao Legislativo e o item 5 não foi submetido ao Legislativo e à sociedade civil.

Tabela 2: Avaliação das atividades realizadas pelos TCs (em %)

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sociais emitiram opiniões que podem serinterpretadas como aprovação das capaci-dades administrativas dos TCs. Por essavariável, conforme os entrevistados, essestribunais teriam as condições básicas paraexercer bem suas funções de controle.

Aqui, porém, está o calcanhar deAquiles dos Tribunais de Contas. Se acapacidade institucional básica existe, ascríticas dirigem-se fortemente ao mérito desuas decisões. Essa questão pode ser aferidapela contraposição entre a independência dainstituição e a politização de sua estruturadecisória. Procuramos traduzir esse dilemano questionário em termos de decisões“políticas” versus decisões “técnicas” e soli-citamos aos entrevistados que identificassema direção predominante das ações dos TCssubnacionais, tal qual revela a Tabela 4.

A boa leitura dos números revela umquadro que pode ser assim sintetizado: en-quanto 2/3 dos entrevistados disseram quehá predominância de critérios políticos oude injunções políticas nas decisões dos TCssubnacionais, apenas 1/3 apontou opredomínio da variável técnica. Obser-vando-se as afirmações mais contundentes,nota-se que 21,9% (na média dos setores)afirmaram que as decisões são norteadaspor critérios políticos e a metade disso

(10,3%) acreditou que as decisões sãonorteadas por critérios técnicos. É interes-sante notar a variação significativa entre ossetores que compõem o conjunto estudado:no Judiciário, a diferença entre os queafirmaram o predomínio da política sobrea técnica é de 6,9 pontos percentuais (48,8%e 41,9%, respectivamente); no Legislativo, éde 12,3 pontos percentuais (53,9% e 41,6%,respectivamente); na sociedade civil, essadiferença avança para 39,4 pontos percen-tuais (67,6% e 28,2%, respectivamente); eno Ministério Público, o avaliador mais duro,a distância de posições atinge nada menosque 57,3 pontos percentuais (77,7% e 20,4%,respectivamente).

Essa avaliação feita pelas elites institu-cionais e sociais é preocupante. Ela colocao tema da legitimidade externa dos TCssubnacionais como ponto chave para suareformulação. Uma resposta maisperemptória, todavia, precisa ser formu-lada a partir da análise da accountability dosTCs, como se verá a seguir.

A accountability dos Tribunaisde Contas subnacionais

Uma dimensão essencial a qualquerinstituição pública democrática é sua

Gestores e Controle técnicos do Interno do Ministério

Legislativo Executivo Executivo Judiciário Público

Excelente 14,3 4,8 7,2 0 7,4

Boa 53,9 43,5 51,8 41,9 40,7

Razoável 23,4 25 33,7 20,9 20,4

Inadequada para suas funções 3,2 6,5 1,2 4,7 5,6

Péssima 1,3 2,4 0 0

Não sei 3,8 17,9 6 32,6 25,9

Observação: Esta questão não foi dirigida à sociedade civil.

Tabela 3: Avaliação sobre a qualificação dos servidores do TC (em %)

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capacidade de responder aos cidadãos eaos seus órgãos representativos. Trata-seda temática da accountability, que pode serdefinida como o controle ininterrupto dosgovernantes, por instrumentos verticais –eleições, fundamentalmente – e horizontais– os checks and balances entre os Poderes eas instituições fiscalizadoras (ABRUCIO;LOUREIRO, 2005). Analisar os Tribunais deContas pela ótica da accountability passa,primeiramente, pela avaliação do impactode suas ações no público em geral. Nessesentido, todos os atores entrevistadosforam instados a responder como os TCssubnacionais relacionam-se com oscidadãos comuns nos aspectos tratados naTabela 5.

Em todos os aspectos que envolvem orelacionamento do TC com o cidadãocomum, listados na Tabela 5, a avaliaçãonegativa (soma de “inadequado” com“péssimo”) predomina sobre a avaliaçãopositiva (soma de “ótimo” e “bom”). Oitem que recebe a pior avaliação é justamenteo da comunicação de suas atribuições institucionaispara os cidadãos, com 61,3% de inadequado/péssimo e 18,5% de ótimo/bom, na médiados setores. Não por coincidência, a socie-dade civil é o setor que mais se queixa de

deficiência nessa área, com 67,6% dasrespostas considerando inadequado oupéssimo. Em seguida, vem a avaliaçãonegativa sobre a clareza da linguagem utilizadapelos TCs para o cidadão comum, com 52,5%de inadequado/péssimo e 24,6% de ótimo/bom, somados. Da mesma forma, a socie-dade civil destaca-se com 60% de avaliaçãonegativa sobre esse ponto.

As avaliações negativas sobre a trans-parência dada à fiscalização dos recursos públicos

realizada pelo Tribunal de Contas e a facilidadede acesso aos trabalhos elaborados dessa instituiçãoestão no mesmo patamar (algo em tornode 2 para 1), mas, nesses casos, a socie-dade civil divide com o Ministério Públicoa responsabilidade pelos percentuais maiselevados de crítica aos TCs subnacionais.Os resultados obtidos pela fiscalização do uso dosrecursos públicosreceberam a avaliação menosnegativa de todas (44,3% de inadequado/péssimo e 33,4% de ótimo/bom), talvezpor ser a mais publicizada de todas asatividades do TC.

Cabe destacar que, apesar da avaliaçãomajoritariamente negativa da sociedade civilacerca dos aspectos da comunicação, da clarezada linguagem, da transparência da fiscalização,

da facilidade de acesso e dos resultados obtidos pela

Ministério SociedadeLegislativo Judiciário Público civil

Critérios políticos 16,2 18,6 29,6 23,2

Critérios técnicos 18,2 7,0 5,6 10,6

Uma mescla de critérios políticos etécnicos, mas com predomínio dasinjunções políticas 37,7 30,2 48,1 44,4

Uma mescla de critérios políticos etécnicos, mas com predomínio davariável técnica 23,4 34,9 14,8 17,6

Não sei 4,5 9,3 1,9 4,2

Observação: Esta questão não foi dirigida aos gestores e técnicos nem ao Controle Interno do Executivo.

Tabela 4: As decisões do Tribunal de Contas são norteadas por (em %)

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fiscalização, em questão específica aplicadanesse setor, uma ampla maioria de seusrepresentantes (62%) avaliou como posi-tivo o impacto das decisões dos TCs juntoà sociedade (metade af irmou que oimpacto era forte e positivo e a outrametade que era fraco e positivo, segundoa Tabela 6). O distanciamento institucionale a fragilidade comunicativa provavelmentesejam fatores mais determinantes para aimagem dos Tribunais de Contas do que afalta de qualidade e capacitação técnica.

Os entrevistados responderam a umoutro importante questionamento paraavaliar a efetividade da accountability dosTCs subnacionais. Trata-se da relevância dealgumas ações de controle externo para oaprimoramento da democracia no país. Agrande maioria dos entrevistados avalioucomo “muito importante” ou“importante” todas as ações fiscalizadorasrealizadas pelos TCs como mecanismos deconsolidação democrática. O item querecebeu maior destaque foi auditorias, com

Ministério SociedadeLegislativo Judiciário Público civil

1. Transparência dada à ótimo 9,1 4,7 3,7 1,4

fiscalização dos recursos bom 30,5 23,3 13 25,4

públicos realizada pelo TC inadequado 26,6 30,2 33,3 35,2

péssimo 16,2 18,6 20,4 20,4

não sei 17,5 23,3 29,6 17,6

2. Resultados obtidos pela ótimo 10,4 2,3 5,6 1,4

fiscalização do uso dos bom 31,8 37,2 22,2 26,8

recursos públicos inadequado 24 20,9 29,6 31,7

péssimo 14,3 20,9 14,8 21,1

não sei 19,5 18,6 27,8 19

3. Facilidade de acesso aos ótimo 9,1 2,3 3,7 2,1

trabalhos elaborados pelo TC bom 33,1 23,3 7,4 23,9

inadequado 24 20,9 42,6 32,4

péssimo 20,1 20,9 20,4 19

não sei 13,6 32,6 25,9 22,5

4. Comunicação de suas ótimo 7,1 2,3 1,9 0,7

atribuições institucionais bom 20,1 14 11,1 16,9

para os cidadãos inadequado 31,2 27,9 35,2 31,7

péssimo 27,9 27,9 27,8 35,9

não sei 13,6 27,9 24,1 14,8

5. Clareza da linguagem ótimo 5,8 0 3,7 1,4

utilizada pelo TC para o bom 24,7 25,6 14,8 22,5

cidadão comum inadequado 33,8 20,9 35,2 28,2

péssimo 19,5 18,6 22,2 31,7

não sei 16,2 34,9 24,1 16,2

Observação: Esta questão não foi dirigida aos gestores e técnicos do Executivo nem ao Controle Interno.

Tabela 5: Avaliação do relacionamento do TC com o cidadão comum, nos

seguintes aspectos (em%)

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87,5% de respostas “muito importante”ou “importante”, na média dos setores. Oque recebeu menor destaque, ainda assimcom percentual elevado, foi análiseconcomitante de edital de licitação, com 77,8%de respostas “muito importante” ou“importante”. Apesar de os tópicoscontarem com maiorias folgadas a favor,uma análise detalhada por setor revela queo Legislativo, o Controle Interno do Exe-cutivo e a sociedade civil entram nocômputo da média com os valores maisaltos (entre 85% e 90%), ao passo que oJudiciário e o Ministério Público dão umpouco menos de importância às ações dosTCs para o aperfeiçoamento da demo-cracia, contribuindo com algo em tornode 70% a 75% para a composição dasmédias gerais de aprovação, valores que,no entanto, ainda são bastante altos.

Um aspecto essencial à boaaccountability diz respeito à clareza dasfunções de determinada instituição e aoexercício correto das tarefas esperadas pelasociedade e pelos poderes públicos. A crí-tica a funções desnecessárias e a demandapor novas parecem vir mais fortementedos gestores e técnicos do Executivo,seguidos de perto pelo Ministério Público.Parte significativa dos representantes dasociedade civil também requer novas

atribuições para os TCs subnacionais,embora não tenham sido questionadossobre funções eventualmente supérfluas. OJudiciário é aquele que apresenta a menordemanda de novas tarefas para os TCs eque menos constata neles a existência defunções desnecessárias.

No caso de respostas afirmativas aessas questões, abrimos no questionárioespaço para que os entrevistados dessemexemplos concretos. Entre os gestores e técnicos

do Executivo, foi possível identificar quatrograndes temas, ou linhas de atuação, que essesetor gostaria de ver sendo introduzidos ouampliados, no rol de atribuições do TC:

Tema I: Orientação, educação eprevenção;

Tema II: Atuação pari passu, conco-mitante, in loco (agilidade);

Tema III: Avaliação dos resultados eda efetividade das políticas governamentais;

Tema IV: Mais transparência e maiorcontato com a sociedade civil.

Segundo os gestores e técnicos do Executivo,os TCs deveriam desenvolver mais açõesno sentido de prevenção e de orientaçãoaos administradores públicos, como formade reduzir as irregularidades no planeja-mento e na execução dos gastos públicos.A função de assessoria é destacada comouma das possíveis inovações que contri-buiriam para esse papel preventivo eorientador, apoiada na competência técnicados quadros dos TCs, amplamente reco-nhecida não só pelos gestores e técnicosdo Executivo, como pelos demais setoresda amostra.

Os integrantes da burocracia do Exe-cutivo manifestaram, ainda, preocupaçãocom a eficácia da fiscalização dos gastospúblicos, mais precisamente com o timing

de sua realização pelo TC. Segundo váriosgestores e técnicos do Executivo, em vezde se limitarem a realizar essa fiscalizaçãoa posteriori, os TCs deveriam buscar formas

Impacto %forte e positivo 31

forte e negativo 5,6fraco e positivo 31fraco e negativo 14,8

não têm impacto 15,5não respondeu 2,1

Observação: Esta questão foi aplicada apenas entreos representantes da sociedade civil.

Tabela 6: Impacto das decisões dos

TCs na sociedade

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A imagem dos Tribunais de Contas subnacionais

de implementá-la pari passu, simultanea-mente, à execução dos gastos públicos.

Dessas críticas, um conjunto significativode respostas de gestores e técnicos do Executivolevantou a idéia de que o TC deve-seconverter exclusivamente em órgão defiscalização dos resultados das políticasgovernamentais. O argumento geral é de queo acompanhamento contábil, realizado aposteriori, e, muitas vezes, meramente formaldos gastos públicos não contribui para oaperfeiçoamento da administração públicae, nesse sentido, o TC deveria ir além desseponto e colocar-se como agente fiscalizadorda efeti vidade das ações de governo. A intro-dução dessa função de avaliação e controledos resultados de políticas públicas e atémesmo de acompanhamento dos proces-sos judiciais desencadeados a partir deinformações produzidas pelo próprioTribunal levaria a instituição a assumir novoe muito mais significativo papel perante ogoverno e a sociedade.

Se juntarmos a preocupação com aação mais preventiva e de auditoria simul-tânea à realização dos gastos e atos admi-nistrativos do Executivo, por um lado, e opleito para que se priorize a avaliação aposteriori da efetividade das políticas, poroutro, poderíamos ter aí uma contradição,mas, numa outra e plausível interpretação,o que os gestores públicos estão pedindoao Tribunal de Contas é que ele seja menosformalista e atue no conteúdo, de formaágil e em parceria com a administraçãopública. Do ponto de vista da accountability,trata-se de focar mais na responsabilizaçãopor controle de resultados, um dos aspectosmais inovadores do Estado contemporâneo,que consegue combinar as preocupaçõesdemocráticas com as relacionadas àmelhoria de seu desempenho (CLAD, 2000).

Um quarto tema ocupou a atenção dosgestores e técnicos do Executivo: a neces-sidade de maior transparência e contato

dos TCs com a sociedade civil. Segundoos entrevistados, os tribunais deveriamconstruir e aprimorar formas de divul-gação e publicidade de seus atos, gerando,inclusive, ganhos de legitimidade para simesmos.

Esse tema também foi destacado pelosrepresentantes da sociedade civil ouvidos pelapesquisa. Na opinião de um deles, os TCssubnacionais deveriam aproximar-se maisda sociedade, pois hoje um TC “pareceum bloco monolítico, frio, distante einsensível”. Sugestões concretas foramdadas nesse sentido, abrangendo desde arealização de eventos e debates em espaçospúblicos, com ampla participação desetores organizados da sociedade civil, atéa criação de programa de rádio ou TVpara informar os cidadãos sobre os atosda instituição.

O segundo tema destacado pelosrepresentantes da sociedade civil, tambémbastante instigante, tem a ver com aefetividade das ações do próprio TC. Deacordo com os entrevistados, a instituiçãodeveria buscar novas formas de garantirque suas decisões tivessem maior eficácia.Agir de ofício diante de denúncias decorrupção e executar seus própriosjulgados foram algumas das sugestõesfeitas. Cabe registrar também que, ao sepreocuparem com a questão da efetividadedas ações dos TCs, representantes da socie-dade civil levantam dúvida sobre a capaci-dade de esses tribunais fiscalizarem ejulgarem, tecnicamente, com isenção eindependência, os políticos.

Da mesma forma que os gestores etécnicos do Executivo, também os repre-sentantes da sociedade civil enxergam, nasfunções de orientação, educação e preven-ção, um caminho importante que poderiaser trilhado pelo TC.

A questão sobre atividades que o Tribunalde Contas realiza e não deveria realizar abriu

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espaço para que os entrevistados regis-trassem suas suspeitas e críticas e asconcentrassem em um ponto fulcral, jánotado anteriormente: a politizaçãoindevida dos TCs subnacionais e a falta deisenção, de neutralidade e de imparcialidadede suas ações. Ou seja, mais do que citarfunções supérfluas ou desnecessárias, umagrande parcela dos atores fez aqui fortecrítica ao desvio político que afirmamocorrer nesses tribunais . O Quadro 2retrata essa situação, segundo a visãopredominante em alguns dos grupospesquisados.

Para que os Tribunais de Contassubnacionais possam exercer adequa-damente a accountability, além de saber quaissão as funções que deveriam exercer e hojenão fazem, bem como quais são as ativi-dades ou ações realizadas tachadas deindevidas, buscou-se saber o que os entre-vistados acreditavam ser os maioresproblemas e as maiores qualidades dosTCs. Por meio de questões abertas, nadamenos do que 90% dos entrevistados (namédia dos seis setores) elaboraram frases

e pequenos parágrafos sobre o primeiroaspecto e 83% deles fizeram o mesmosobre o segundo.

Três problemas dos TCs foram maisrealçados pelos entrevistados, a saber:

politização do Tribunal e falta deindependência;

falta de transparência e de relaçãocom a sociedade;

burocratização das atividades elentidão das respostas.

Desses, a politização e a falta de indepen-dência do Tribunal – é, sem dúvida, o quemais se destacou. A maior parte dasrespostas apontou esse problema como omais grave na caracterização dos TCssubnacionais. A politização indesejável dainstituição acometeria suas diversasdimensões, conformando-lhe imagemexterna bastante negativa: o processo deescolha dos conselheiros, decisões políticascontrariando aspectos técnicos, ingerênciaexterna no funcionamento do TC, açõespolíticas de perseguição a adversários eomissões graves diante de correligionários,da corrupção e do nepotismo. Não foram

Politização indevida do Tribunal de Contas

Legislativo Apreciar contas do poder público sobre o prisma político.

Envolve-se muito em política.

Interferir politicamente nos bastidores das decisões políticas.

Gestores e técnicos Age politicamente na apreciação de contas.

do Executivo Ignorar a legalidade, imparcialidade.

Deixar de agir politiqueiramente.

Ministério Público Julgamento político de contas governamentais.

Ingerência nos órgãos para atender um reclamo político.

Perseguir os inimigos políticos e deixar seus amigos sem punição.

Quadro 2: Frases de parlamentares, gestores e técnicos do Executivo e de

membros do Ministério Público sobre a questão “atividades que o TC realiza e

não deveria realizar”

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poucos os que utilizaram a expressão“politicagem” para definir, em uma sópalavra, o que seria o maior problema dosTCs. Houve quem afirmasse que a insti-tuição não é um “tribunal de verdade”, poissua composição seria “altamente política”.Outro entrevistado resumiu o dilema dapolitização do tribunal versus cumprimentoefetivo de suas obrigações institucionais daseguinte forma: “Falta de independência.Precisa explicar?”.

No que diz respeito à maior qualidadedo TC, um número significativo de entre-vistados respondeu simplesmente que nãohavia nenhuma ou que desconhecia quali-dades dignas de nota. Em uma dasrespostas mais contundentes da pesquisa,um parlamentar afirmou: “Não vejo nenhuma,apenas o abrigo de casos de nepotismo, de má gestãoe de apadrinhamento político, sem ajudar a cortargastos, sem serventia para a sociedade, gerando

apenas despesa para o Estado”.Entretanto, cabe registrar que encon-

tramos também várias frases elogiosas emrelação à transparência de alguns TCssubnacionais e outras destacando a agili-dade com que determinadas Cor tesrespondem a consultas e processos. Emtermos mais específicos, houve comen-tários destacando a “contínua busca deprocessos de modernização e aperfeiçoa-mento” de muitos TCs – frase queapareceu com grande freqüência. Umparlamentar chegou a afirmar: “Acho queé honesta a intenção de se auto-reformarem, ainda que as mudançasocorram lentamente”. Representantes dasociedade civil ressaltaram “o interesse demudar seu estado de inércia atual, aproxi-mando-se da sociedade” e “a busca demelhoria operacional, agilidade e transpa-rência” como características de alguns TCs.Entre os membros do Ministério Públicoigualmente encontramos quem destacasse“a busca, ainda que tímida e limitada, da

melhoria da qualidade de seus serviços defiscalização das gestões públicas” e“o desenvolvimento de um projeto demodernização”.

Entre as qualidades mencionadas, duasocorreram em número bastante significa-tivo e merecem ser agrupadas por temas,a saber:

a competência técnica e a qualidadedo corpo de funcionários;

a importância do papel institucionalconferido aos TCs.

Não seria exagero afirmar que é na qualidadedo corpo de funcionários dos tribunais e na compe-tência técnica da instituição que reside o maior “capitalde legitimidade” que os TCs detêm hoje.

Associados à dimensão técnica, algunscomentários destacaram igualmente, comopontos positivos, o grau de informatizaçãodos TCs, a estrutura física e material demuitos deles, a remuneração de seusservidores e as condições de trabalho dainstituição. De maneira evidente, porexemplo, promotores e procuradores doMinistério Público demonstraram especialinteresse em estabelecer parcerias com osTCs subnacionais justamente por essasqualidades, não encontradas na maior partedos MPs estaduais, que se ressentem dafalta de corpo técnico especializado e deinstalações físicas adequadas.

Outro conjunto significativo derespostas à pergunta sobre a maior qualidadedo Tribunal de Contas destacou aimportância do seu papel institucional nosistema político brasileiro, revelando que, para

boa parte dos entrevistados, as críticas eventuais aofuncionamento dos TCs não devem colocar em dúvidasua imprescindibilidade para a democracia. Afinal,como afirmaram alguns entrevistados, amaior qualidade da instituição é, no mínimo,“o fato de impor uma certa dor de cabeçaaos gestores mal-intencionados” e “a suaexistência mesma, bem ou mal, coíbepráticas abusivas do Executivo”.

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Sob o prisma da accountability, é possíveldizer que os TCs subnacionais, na opiniãodas elites sociais e institucionais entrevistadas,ainda necessitam tornar mais transparentessuas ações, mais claras suas funções, melhorarseu desempenho em prol da agilidade e dotratamento mais adequado a seus usuáriose, sobretudo, despolitizar suas decisões.Cumprir essa agenda reformista levará aoreforço da legitimidade dos TCs.

Propostas para reformulaçãodos Tribunais de Contas

Os entrevistados também foraminstados a propor e/ou analisar aspectosque poderiam melhorar a qualidade e odesempenho dos TCs subnacionais. Numprimeiro momento, defrontaram-se comuma lista de sugestões de mudança e atri-buíram peso a cada aspecto, conforme aTabela 7 demonstra.

Na média dos setores selecionados,algo entre 80% e 87% dos entrevistadosconsidera as 14 sugestões de melhoria dosresultados da atuação do TC como “muitoimportantes” ou “importantes”.

No que diz respeito ao item “abreviaro tempo de resposta”, a maior taxa deaprovação da idéia ficou com os mem-bros do Legislativo (91,5%), que depen-dem diretamente dos trabalhos dos TCspara exercer o papel de fiscais do Execu-tivo, e a menor foi dada pelos membrosdo Judiciário (74,5%).

A sugestão de manter um canal maisdireto com o Poder Executivo recebe asmaiores taxas de aprovação (importanteou muito importante) entre os própriosgestores e técnicos do Executivo e osmembros do Controle Interno, com 91%e 91,5%, respectivamente. Isso reforça oque foi mostrado no início do artigo: oPoder Executivo considera fundamentala melhoria de suas relações com o TC.

Os atores que se relacionam diretamentecom esses tribunais também consideramimportante ou muito importante a exis-tência de um canal mais direto com oórgão. Tal intenção aparece no Legislativo,com 93,5%; no Judiciário, com 79,1%; eno Ministério Público, com 92,6%.Finalizando, 92,3% dos representantes dasociedade civil entrevistados também con-sideram importante a existência de umcanal de comunicação direto com o TC.Verifica-se, portanto, que tanto os atorespúblicos quanto os sociais gostariam deestabelecer maior aproximação com oTribunal de Contas, por meio de canaisdiretos efetivos.

A padronização de decisões (julgar demaneira uniforme independente de quemseja o gestor) surge como preocupaçãocomum a todos os atores entrevistados. Amaior ênfase é dada pelos membros doMinistério Público (com 88,9% de “im-portante” e “muito importante”) e a menortaxa verif ica-se nos entrevistados do PoderLegislativo (84,4%).

Também importante – e já colocadaem outro momento desta pesquisa comoum dos desaf ios para os Tribunais deContas – é a avaliação de resultados dosprogramas de governo. Tal questão é vistacomo importante ou muito importante por97,6% dos entrevistados do ControleInterno do Executivo e a menor ênfase éatribuída pelos membros do Judiciário(81,4%), mesmo assim num patamar altode indicação. Um total de 89,3% dosgestores e técnicos do Poder Executivoigualmente desejam que os TCs assumamtal atribuição. Isso demonstra que, para alémdos requisitos da legalidade, legitimidade eeconomicidade, os membros do Poder Executivo

participantes da pesquisa querem que os TCs con-centrem-se, cada vez mais, na avaliação do alcancede suas políticas governamentais no momento dojulgamento de suas contas.

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Tabela 7: Importância de propostas para melhorar os resultados da

atuação do Tribunal de Contas (em %)

(... continua)

muito pouco sem1. Abreviar o tempo de resposta importante importante importante importância sem opinião

Legislativo 61 30,5 3,9 0,6 3,9

Gestores e técnicos do Executivo 45,8 41,1 3,6 1,2 8,3

Controle Interno do Executivo 62,7 27,7 4,8 1,2 3,6

Judiciário 51,2 23,3 4,7 2,3 18,6

Ministério Público 53,7 33,3 3,7 1,9 7,4

Sociedade civil 57,7 32,4 0,7 0,7 8,5

2. Manter um canal direto mais muito pouco semefetivo com o Poder Legislativo importante importante importância importância sem opinião

Legislativo 68,2 25,3 3,2 0 3,2

Gestores e técnicos do Executivo 34,5 43,5 7,1 2,4 12,5

Controle Interno do Executivo 32,5 49,4 9,6 1,2 7,2

Judiciário 34,9 44,2 2,3 4,7 14

Ministério Público 35,2 27,8 20,4 1,9 14,8

Sociedade civil 43,7 42,3 7 1,4 5,6

3. Manter um canal direto mais muito pouco semefetivo com o Poder Executivo importante importante importância importância sem opinião

Legislativo 46,8 31,2 13 3,9 5,2

Gestores e técnicos do Executivo 56,5 34,5 3 1,2 4,8

Controle Interno do Executivo 60,2 31,3 6 0 2,4

Judiciário 34,9 44,2 2,3 4,7 14

Ministério Público 24,1 37 22,2 1,9 14,8

Sociedade civil 44,4 38,7 10,6 1,4 4,9

4. Identificar as necessidades dos muito pouco sem semagentes que utilizam os serviços do TC importante importante importância opinião importante

Legislativo 36,4 52,6 2,6 1,3 7,1

Gestores e técnicos doExecutivo 51,8 30,4 8,9 0,6 8,3

Controle Interno do Executivo 55,4 36,1 7,2 0 1,2

Judiciário 34,9 30,2 4,7 2,3 27,9

Ministério Público 55,6 31,5 5,6 0 7,4

Sociedade civil 55,6 32,4 7 0,7 4,2

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Revista do Serviço Público - vol. 56, no 1 77

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5. Reduzir a formalidade no muito pouco sem semtrâmite dos processos importante importante importante importância opinião

Legislativo 44,8 36,4 13 1,9 3,9

Gestores e técnicos doExecutivo 60,7 27,4 4,8 0 7,1

Controle Interno do Executivo 57,8 28,9 9,6 1,2 2,4

Judiciário 48,8 27,9 0 2,3 20,9

Ministério Público 53,7 38,9 3,7 0 3,7

Sociedade civil 50 33,8 9,2 1,4 5,6

6. Decidir de modo uniforme muito pouco sem semos casos ou matérias similares importante importante importante importância opinião

Legislativo 43,5 40,9 6,5 1,9 7,1

Gestores e técnicos doExecutivo 50,6 32,7 10,1 0 6,5

Controle Interno do Executivo 62,7 33,7 1,2 0 2,4

Judiciário 58,1 23,3 0 2,3 16,3

Ministério Público 68,5 20,4 3,7 0 7,4

Sociedade civil 44,4 42,3 6,3 1,4 5,6

7. Divulgar os relatóriostécnicos juntamente com as muito pouco sem semdecisões do Colegiado importante importante importante importância opinião

Legislativo 52,6 38,3 6,5 1,3 1,3

Gestores e técnicos doExecutivo 41,1 41,7 10,1 0 7,1

Controle Interno do Executivo 49,4 42,2 3,6 1,2 3,6

Judiciário 39,5 39,5 2,3 4,7 14

Ministério Público 63 27,8 1,9 1,9 5,6

Sociedade civil 51,4 36,6 5,6 0 6,3

8. Priorizar o controle muito pouco sem semde legalidade importante importante importante importância opinião

Legislativo 55,2 37 3,2 0,6 3,9

Gestores e técnicos doExecutivo 43,5 42,3 10,7 0 3,6

Controle Interno do Executivo 26,5 53 15,7 2,4 2,4

Judiciário 53,5 30,2 0 2,3 14

Ministério Público 68,5 24,1 3,7 0 3,7

Sociedade civil 58,5 31 3,5 2,1 4,9

(... continua)

(... continuação da Tabela 7)

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A imagem dos Tribunais de Contas subnacionais

(... continua)

9. Priorizar o controle muito pouco sem semda economicidade importante importante importante importância opinião

Legislativo 46,1 44,2 5,2 0 4,5

Gestores e técnicos doExecutivo 55,2 40,5 6,5 0,6 7,1

Controle Interno do Executivo 43,4 49,4 4,8 0 2,4

Judiciário 44,2 37,2 0 2,3 16,3

Ministério Público 51,9 40,7 3,7 0 3,7

Sociedade civil 45,8 41,5 7 0,7 4,9

10. Priorizar a avaliação de

resultados dos programas muito pouco sem semgoverno importante importante importante importância opinião

Legislativo 50,6 35,7 7,1 1,9 4,5

Gestores e técnicos doExecutivo 65,5 23,8 6 0 4,8

Controle Interno do Executivo 78,3 19,3 1,2 0 1,2

Judiciário 41,9 39,5 2,3 2,3 14

Ministério Público 50 33,3 11,1 0 5,6

Sociedade civil 43,7 42,3 7,7 2,1 4,2

11. Ampliar a disseminação

de conhecimentos para os muito pouco sem semjurisdicionados importante importante importante importância opinião

Legislativo 37,7 50 5,8 0,6 5,8

Gestores e técnicos doExecutivo 44,6 39,3 7,7 1,2 7,1

Controle Interno do Executivo 65,1 30,1 1,2 0 3,6

Judiciário 37,2 41,9 4,7 2,3 14

Ministério Público 40,7 46,3 7,4 0 5,6

Sociedade civil 44,4 45,1 5,6 0,7 4,2

12. Debater mais suas ações muito pouco sem semcom a sociedade importante importante importante importância opinião

Legislativo 59,1 29,9 7,1 1,3 2,6

Gestores e técnicos doExecutivo 55,4 31,5 7,7 0 5,4

Controle Interno do Executivo 56,6 33,7 6 1,2 2,4

Judiciário 46,5 32,6 2,3 4,7 14

Ministério Público 48,1 38,9 5,6 1,9 5,6

Sociedade civil 64,1 28,2 2,1 1,4 4,2

(... continuação da Tabela 7)

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Para detectar um aspecto mais quali-tativo, foi pedido aos entrevistados quedestacassem quais pontos principaisseriam necessários para que os TCssubnacionais efetivamente melhorassem.O Quadro 3 destaca, de forma sintética,em ordem de citação pelas elites sociais einstitucionais, os aspectos essenciais parase moldar uma reforma que reconstrua aidentidade dos TCs.

Observação: os ítens 13 e 14 só foram submetidos ao Judiciário e Ministério Público

13. Manter canal direto mais muito pouco sem semefetivo com o poder judiciário importante importante importante importância opinião

Legislativo - - - - -

Gestores e técnicos doExecutivo - - - - -

Controle Interno do Executivo - - - - -

Judiciário 41,9 37,2 4,7 2,3 14

Ministério Público 37 29,6 18,5 3,7 11,1

Sociedade civil - - - - -

14. Manter canal direto mais muito pouco sem semefetivo com o Minitério Público importante importante importante importância opinião

Legislativo - - - - -

Gestores e técnicos doExecutivo - - - - -

Controle Interno do Executivo - - - - -

Judiciário 51,2 34,9 0 2,3 11,6

Ministério Público 77,8 14,8 3,7 0 3,7

Sociedade civil - - - - -

1o lugar – Independência institucional, composição e desempenho apolíticos

2o lugar – Transparência, principalmente com relação à sociedade

3o lugar – Agilidade

4o lugar – Orientação, auxílio, educação e prevenção

5o lugar – Perseguir seu papel institucional, melhorando a efetividade de suas ações administrativas

Quadro 3: Como deveria ser o Tribunal de Contas: cinco principais aspectos

Conclusão

Ao final, destacamos brevemente osprincipais aspectos constatados pelapesquisa e relatados neste artigo.

Em primeiro lugar, os Tribunais deContas subnacionais são relativamenteconhecidos por todos os atores e poucosforam os que deslegitimaram, a princípio,sua existência. No entanto, a forma de

(... continuação da Tabela 7)

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A imagem dos Tribunais de Contas subnacionais

O campo da gestão foi bastanteapurado pela pesquisa. Entre os maioresproblemas, foram citados, com grandefreqüência, a falta de agilidade, o burocra-tismo, o uso de linguagem muito hermé-tica e, principalmente, a necessidade deexercer, com maior ênfase, a função deavaliação e controle de resultados. Esteúltimo aspecto é o que mais merecereflexão. Em estudo recente, MichaelBarzelay (2002) mostrou como os órgãosincumbidos de controlar e auditar osgovernos passam por reformas profundasem várias partes do mundo. Sua funçãobásica tem-se focado cada vez mais noacompanhamento dos gastos públicos paraavaliar a qualidade e os resultados dosprogramas (BARZELAY, 2002).

É preciso fazer essa mesma mudançanos TCs brasileiros e, tal como a LRF, que,segundo os entrevistados, reforçou o papeldesses tribunais na fiscalização das finançaspúblicas, seria necessário criar algum tipode incentivo legal para que eles concentremsuas preocupações no tema do desem-penho da gestão pública, em vez deatuarem basicamente pela lógica doformalismo. Nesse sentido, alterar as leisorçamentárias e mesmo obrigar osgovernos a definir metas e meios quepossam ser acompanhados são passosfundamentais para adequar os Tribunaisde Contas à nova visão de controle que seespalha pelo mundo.

Os pontos mais positivos dos TCsestão em sua qualidade técnica e estruturaadministrativa. Essa vantagem deve serutilizada como principal impulso aoprocesso de modernização, angariandoapoio para as mudanças aqui citadas e ofortalecimento de sua legitimidade. É porsua capacitação técnica, também, que osTCs podem atrair o interesse de outrasinstituições por parcerias, como propu-seram os membros do Ministério Público,e responder à demanda por abertura de

exercer suas atividades é criticada pelosentrevistados em vários aspectos, tanto noque se refere à sua forma de gestão, como,e de maneira incisiva, no que tange aomérito de suas decisões. Em poucaspalavras, o survey com as elites sociais einstitucionais apontou os dois principaisrumos de reforma dos TCs: o aprimora-mento dos instrumentos administrativos ea relegitimação institucional.

Destaca-se, ainda, que há sériosproblemas de comunicação com os atoresdo Executivo e da sociedade civil. Todosos entrevistados, e não apenas osvinculados às organizações sociais, queixa-ram-se da maneira como os TCs apresen-tam-se e lidam com os cidadãos. Quantomais próximos da população e transpa-rentes forem os TCs subnacionais, maisapoio social terão para suas ações. Issopode se chocar com a percepção depolitização de sua estrutura, conforme avisão dos entrevistados, mas, talvez, essatensão seja um primeiro passo para umareformulação mais profunda de seu fun-cionamento, em prol das atribuições que amaioria dos entrevistados ainda acreditaque devam ser realizadas pelos TCs.

Chama muito a atenção o relaciona-mento mal resolvido com as burocraciasestaduais e municipais, as quais, aliás, mani-festaram forte desejo de reordenamentodos TCs e de aproximação maior com elesno processo de controle, ao mesmo tempoem que um grande número dos expoentesdessas burocracias ouvidos disse não sofrermuita fiscalização dos TCs. Aparentemente,há um estranho paradoxo nessa percep-ção: poder-se-ia supor que os problemasde comunicação derivariam da necessáriaindependência desses tribunais; todavia, osfiscalizados afirmaram que não são muitocobrados. O fato é que maior interligaçãoe entrosamento com o Executivo podemser feitos com a manutenção e o reforçode sua autoridade.

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Rogério Bastos Arantes, Fernando Luiz Abrucio e Marco Antonio Carvalho Teixeira

mais espaços de relacionamento, comopediram principalmente os entrevistadosligados à sociedade civil e ao Executivo.

Como esperado pelas hipóteses iniciais,o grande problema dos Tribunais de Contassubnacionais é a imagem de instituiçãoextremamente politizada. Sua reformulaçãopassa necessariamente por esse ponto, até

porque se constatou que a funçãofiscalizadora é muito valorizada pela socie-dade e pelos poderes públicos, fato que jus-tifica a existência dos TCs, mas, sozinho, nãoos sustenta. Os TCs precisam fazer das crí-ticas efetuadas pelas elites sociais einstitucionais um mapa que seja o guia desua transformação e de seu revigoramento.

Notas

1 Este artigo resume a pesquisa realizada para o Ministério do Planejamento, no bojo doPrograma de Modernização do Sistema de Controle Externo dos Estados e do Distrito Federal(Promoex). O relatório geral contém um número maior de informações e pode ser encontrado nosítio www.planejamento.gov.br, no link vinculado ao Promoex.

2 Além dos autores citados, Vítor Marchetti e Karen Fernandez também participaram comopesquisadores desse projeto.

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A imagem dos Tribunais de Contas subnacionais

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Rogério Bastos Arantes, Fernando Luiz Abrucio e Marco Antonio Carvalho Teixeira

Resumo - Resumen - Abstract

A imagem dos tribunais de contas subnacionais

Rogério Bastos Arantes, Fernando Luiz Abrucio e Marco Antonio Carvalho Teixeira

O presente artigo expõe a visão que as elites sociais e institucionais têm sobre os Tribunais deContas (TCs) subnacionais brasileiros. Realizada no bojo do processo de diagnóstico e reforma dosTCs, o Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo dos Estados e do DistritoFederal (Promoex), esta pesquisa revela quais são os problemas que afetam o desempenho adminis-trativo e a legitimidade institucional desses órgãos fiscalizadores, bem como as suas qualidades, asquais podem ser utilizadas como motor de sua reformulação. A partir da interpretação das opiniõesdos atores entrevistados, a análise final procura revelar quais caminhos podem ser trilhados para semodernizarem os Tribunais de Contas subnacionais.

La imagen de los Tribunales de Cuentas subnacionales brasileños

Rogério Bastos Arantes, Fernando Luiz Abrucio y Marco Antonio Carvalho Teixeira

Este artículo expone la visión de las elites sociales e institucionales sobre los Tribunales de Cuentas(TCs) subnacionales brasileños. Realizada en el contexto del diagnóstico y proceso de reforma de losTCS, el Programa de Modernización del Sistema de Control Externo de Estados y Municipios (Promoex),esta investigación revela los problemas que afectan el desempeño administrativo y la legitimidadinstitucional de esas entidades fiscalizadoras, además de sus cualidades. A partir de la interpretación delas opiniones emitidas por los actores entrevistados y encuestados, el análisis final busca mostrar cuálesson los caminos a seguir para modernizar los Tribunales de Cuentas subnacionales.

The image of the Brazilian subnational Courts of Audit

Rogério Bastos Arantes, Fernando Luiz Abrucio and Marco Antonio Carvalho Teixeira

This artic le presents f indings of a survey among social and institutional elites showing howthey view the Brazilian subnational Courts of Audits (Tribunais de Contas – TCs). The survey wasconducted in the context of diagnosis and reform process of the TCs, in the light of the Program ofModernization of External Control of States and Municipalities (Promoex), and points out theissues that affect their administrative performance and institutional legitimacy, as well as their qualities.By interpreting the opinion of the strategic actors interviewed, the final analysis of this paper seeksto reveal ways to modernize the Courts of Audit at the subnational level.

Rogério Bastos ArantesDoutor em Ciência Política pela USP e professor da PUC (SP). Contato: [email protected].

Fernando Luiz AbrucioDoutor em Ciência Política pela USP, professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Admi-nistração Pública e Governo da FGV (SP) e professor da PUC (SP). Contato: [email protected].

Marco Antonio Carvalho TeixeiraDoutor em Ciência Política pela PUC (SP), pesquisador do Programa Gestão Pública e Cidadania daFGV (SP) e professor da Fundação Santo André. Contato: [email protected].

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Barbara Freitag

Ética na administraçãopública*

Barbara Freitag

Introdução

No filme O terminal, de Steven Spielberg, que esteve por várias semanas em

cartaz nos cinemas brasileiros, há vários personagens cujas representações dão

excelente introdução ao tema “Ética na Administração Pública”. Quem assistiu

ao filme recentemente lembrará do personagem principal, Viktor Navorski,

estrelado por Tom Hanks, que representa um passageiro vindo de uma das ex-

repúblicas soviéticas, querendo desembarcar no novo aeroporto de Nova York.

Pequeno detalhe: seu país de origem acaba de mergulhar numa guerra civil. O

governo, reconhecido pelos EUA, foi derrubado. A situação está confusa, e o

novo grupo no poder ainda não foi “oficializado” pelo governo americano.

Resultado: o passaporte do personagem perdeu sua validade legal.

Segundo a legislação americana, um passageiro sem passaporte e visto válidos

não pode entrar no país. A autoridade legal, representada pelo diretor em exercício

da administração do aeroporto, que aqui corresponderia ao diretor da Infraero,

dá instruções a um funcionário para que impeça Viktor de passar pelo controle

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Ética na administração pública

de passaportes e o encaminhe ao escritórioda diretoria. O passageiro não domina oidioma inglês. Conhece apenas algumaspalavras esparsas, mas insuficientes para queo diretor tenha idéia da língua falada e com-preendida por ele. A tentativa de lheexplicar a decisão das autoridades ame-ricanas de reterem-no no terminal fracassa.O passaporte de Viktor é retido. Em troca,recebe um crachá de visitor, que o autorizaa se movimentar no terminal, inclusive naslojas e free shops. Em outras palavras, eletem a possibilidade de gastar seus dólares,fazendo compras. Além do crachá, recebevouchers para refeições e um bipe, quedeverá carregar consigo para ser localizadopela administração do aeroporto, caso asituação de seu país se reverta e, com isso,fique resolvida a sua condição de passa-geiro irregular.

O diretor do aeroporto encontra-seem situação delicada. Por um lado, comoestá preste a ser promovido, não podeerrar em nenhuma decisão e , por isso,atém-se ao pé da letra da lei; por outro,reconhece a excepcionalidade da situaçãode Viktor, que – a princípio – estava coma documentação em ordem, tinha apassagem de volta marcada e endereço emNova York aonde ir (um bar onde se tocajazz). Dificilmente poderia ser culpado pelogolpe ocorrido em sua terra natal, razãopela qual se encontrava “fora da legali-dade”, do ponto de vista americano. Écomo diz o diretor: “Ele caiu em umafresta do sistema”.

O diretor encarrega seu assessorsubalterno para ficar de olho no “visitante”,que tenta aceitar seu infortúnio como pode.Tenta telefonar para casa, mas não dominaa técnica do telefone a cartão de crédito –que ele não tem. O vento e o empregadoda limpeza levam os seus vouchers derefeição e ninguém tem tempo ou dispo-sição para ajudá-lo ou explicar-lhe alguma

coisa. Ele procura adaptar-se à situaçãocomo pode, sem infringir a lei local.Alimenta-se de restos de comida deixadospor passageiros em trânsito, de ketchup emostarda. Depois, descobre que, reco-lhendo carrinhos de mão, consegue adevolução de moedas inseridas no orifíciopara se soltar o carro. Finalmente, acomo-da-se num terminal de embarque (no 67),ainda em obras, para dormir. Faz o asseiocorporal nos banheiros do terminal eestuda formulários que vai preenchendopara ver se consegue ser “liberado”.

Passam-se dias, semanas, meses e nadade sua situação alterar-se. Enquanto isso vaiaprendendo inglês, consegue comunicar-secom os empregados das lojas e lanchonetesdo terminal e vai ganhando a simpatia dopessoal do controle de passaportes, que,apesar disso, não lhe facilita o carimbo certo.

O diretor do aeroporto angustia-secom sua situação e procura encontrar umasolução. Manda chamá-lo e lhe diz que,durante cinco minutos, uma certa porta desaída estaria sem guardas de controle. Viktordeveria usar essa “brecha” e atravessar aporta da saída, mas ele não entende a situa-ção. O controle do monitor o intimida; elededuz que a saída é uma cilada, um pretextopara prendê-lo – que seria o caso, em seupaís de origem, na era comunista – e nãoaproveita a oportunidade, apesar da torcidacontrária do diretor e de seu assessor.

Novas semanas e meses se passam.Por ser prestativo e trabalhador, é contra-tado pela firma de obras responsável pelaampliação do aeroporto e passa a receberUS$19,00 por hora de bons serviços pres-tados. Agora dinheiro já não lhe falta. Podecomprar comida, livros e um ternoelegante para impressionar uma aeromoçaque acha atraente. Arranja-se na situaçãoesdrúxula em que se encontra, faz amizadese revela a razão de sua vinda: obter umautógrafo de um saxofonista que toca jazz

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de um conjunto musical admirado por seupai. Nada mais inocente. Mas o diretor,seus auxiliares e mesmo o faxineirocomeçam a desconfiar que ele tem umamissão política ou mafiosa. Aumenta-se ocontrole sobre ele.

Em certa ocasião, o diretor mandachamá-lo para ajudar na solução de umimpasse: um passageiro russo é detido porestar carregando remédio. Mesmo estandoem trânsito, ele não poderia embarcar comremédios, pois uma lei não o autorizava. Opassageiro fica histérico. O remédio é paraseu pai que está à morte. Viktor traduz odrama do passageiro, e aparentemente nadaconsegue com o diretor, inflexível intérpreteda lei. Mas se lembra de uma cláusula doformulário: declarando que o remédio édestinado a um animal, pode ser liberado.Instrui, então, o passageiro russo a fazer essadeclaração, que, assim, embarca levando osremédios. O chefe do diretor, em fase deaposentadoria, critica seu sucessor: “Épreciso respeitar a lei, quando for estrita-mente necessário; é preciso ter flexibilidade,quando a dimensão humana prevalece”.

Nova tentativa do diretor em exer-cício de oferecer oportunidade a Viktorde sair do terminal: declarar-se ameaçadode prisão, receber tratamento de refugiadoe ser repatriado. Era só aceitar, mas Viktoré honesto, ama seu país e nada teme emsua terra natal. Como percebe que não tinhadado a resposta esperada, admite ter medode fantasmas, mas essa declaração nãoserve para cair na brecha de refugiado.

A partir desse momento, o diretorlhe declara guerra! Põe a aeromoça comquem Viktor acaba jantando uma noite noaeroporto para espioná-lo. Nada de irre-gular consegue extrair, a não ser o pedidodo pai de obter um autógrafo de umsaxofonista num bar no centro de NovaYork. É preciso aceitar a situação e terpaciência.

Finalmente, a solução para seu casovem de fora. No país de Viktor, resta-belecem-se a paz e também as relaçõesdiplomáticas com os EUA. Da noite parao dia, o passageiro cai na legalidade e querfazer uso de seu direito de visitar NovaYork e cumprir seu propósito de conseguiro autógrafo.

Por sua vez, o diretor em exercício doaeroporto, com a paciência esgotada, querver-se livre do visitor, que tanto o incomoda.Entrega-lhe a passagem e o passaporte,mas quer barrar sua saída para Nova York.Faz chantagem com a informação quedetém sobre a situação irregular de seus“amigos”, os empregados subalternos doaeroporto, todos clandestinos, mas aceitospor prestarem serviços e ganharem suavida no comércio local, mesmo semdocumentação legal. Finalmente Viktor,sabendo que a partida do seu avião estavaadiada, força a saída para Nova York. Odiretor dá ordens aos policiais de fronteirapara o barrarem, algo agora incorreto, doponto de vista legal. Apesar das ameaçasdo diretor e dos policiais, os amigos deViktor enfrentam a polícia e ajudam-no asair para Nova York com o carimbo certoe o casacão de inverno que lhe empresta oassessor do diretor. Paralisado, o diretorobserva, diante dos monitores, que perderao controle da situação. Viktor segue de táxipara o bar onde se toca jazz, consegue oautógrafo que queria e volta ao aeroportopara embarque.

Interpretações

Serão passados em revista três modelosde interpretação, que darão subsídios parase interpretar a trama do filme em termoséticos: o primeiro baseia-se na teoria éticade Kant e Hegel; o segundo, na teoriapsicogenética da moralidade de Piaget eKohlberg; e o terceiro, na teoria discursiva

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da moral e do direito de Habermas. À luzde cada um desses modelos, tentar-se-áuma interpretação do comportamento éticodo diretor em exercício do aeroporto, dopassageiro retido, Viktor, e de alguns dospersonagens coadjuvantes.

O primeiro modelo: Kant eHegel

Em sua essência, a teoria moral deKant baseia-se no “imperativo categórico”,um princípio interior pelo qual orientamosa nossa ação. Nesse sentido, uma de suasformulações mais precisas diz: “Age de talmodo que a máxima de tua vontade possasempre valer como um princípio para umalegislação geral”1. Em outra formulação,ainda mais simplificada, Kant ordena: “Agesegundo a máxima que possa simultanea-mente transformar-se na lei geral”2.

Para aqueles menos familiarizadoscom a filosofia kantiana, vale antecipar, pelomenos, duas críticas que lhe seriam feitaspor Piaget, de um lado, e por Habermas,de outro. Essa teoria ética parte de umamoralidade dada a priori, sem o concursoda experiência. O imperativo categóriconão é adquirido ou apreendido, ele preexistena condição humana como se fosse “inato”– expressão que Kant não utiliza, por seinteressar somente pelo “ser cognoscente,dotado de razão”. Piaget e Kohlberg, aocontrário, partem da tese da gênese damoralidade, pela qual o indivíduo passa porvários estágios, assimilando experiências domundo externo, que serão sintetizadas pelasestruturas cognitivas internas em amadu-recimento, transformando ações (externas)em operações (internas). A crítica deHabermas ao imperativo categórico deKant volta-se contra o “caráter mono-lógico” desse imperativo. Para Habermas,a ação orientada por um princípio oumáxima tem caráter social e decorre de

processos dialógicos. A razão comunicativaque orienta as ações é, por isso mesmo,interação de dois ou mais atores e nãodecorre de um estado de espírito de foroíntimo de um ator isolado.

A rigor, o diretor em exercício doaeroporto não segue uma máxima dada quepudesse ser transformada em lei para todos.Ele age segundo os ditames da lei oficialdo Estado. Quando busca uma “saída”,abrindo brechas da lei para Viktor, ele nãoo faz por necessidade interior em favor da“dignidade humana” e em respeito a Viktor,mas, sim, por conveniência e comodismo,para se ver livre do passageiro incômodo.Trata-se de ação vacilante e oportunista, quebusca um meio termo entre a lei of icial, queele não quer ferir para não prejudicar suanomeação ao cargo superior, e o mal-estarinterior provocado pela (in)decisão desubmeter um passageiro honesto, atingidopor arbitrariedade política – a revolução emseu país –, um desconforto e constran-gimento sem par.

Vejamos, segundo o modelo kantiano,como a situação de Viktor pode ser inter-pretada. Esse personagem age de modocriativo, procurando não ferir a lei do paísque não lhe dá abrigo e recupera parte desua liberdade – tolhida pela falta de dinheiro– pelo trabalho c landestino, aspecto a queHegel daria valor fundamental. Viktor nãofere ninguém, não passa ninguém para trás,procura manter sua dignidade (e higiene),sobrevive conforme as condições pecu-liares encontradas, adaptando-se, de formaflexível, às mais variadas situações. Atémesmo segue o imperativo categórico deKant que não admite a mentira sobnenhuma circunstância, o que ocorrequando Viktor diz não ter medo de voltarpara seu país, ainda que a resposta afirma-tiva lhe assegurasse o estatuto especial derefugiado. Como, ao contrário, afirmahonestamente que “ama” seu país, perde

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assim a oportunidade de ter tratamentocondigno nos EUA. Mas Viktor foge aoimperativo kantiano, quando se adapta àsituação para ajudar o compatriota a levarfrascos de remédio para o pai doente,ferindo a legislação americana. Ele sugereque o amigo minta para conseguir levar osremédios de que o pai necessita, afirmandoque são destinados a animais (cabras). Esseepisódio lembra muito um dos testes deKohlberg, conhecido na literaturaespecializada como “o dilema de Heinz”,ao qual se voltará no tópico seguinte.

Viktor conhece, nesse meio tempo, oscaprichos da burocracia americana. Porrazões éticas – para proteger seus amigosem condição de permanência irregular nopaís –, desiste de entrar em Nova York,quando o diretor em exercício do aeroportoameaça denunciar os amigos em situaçãoirregular às autoridades competentes, o queacarretaria a sua expatriação. A atitude dodiretor não é nada ética, quando fecha osolhos diante da legislação vigente, em ati-tude oportunista: enquanto o mercado detrabalho puder tirar proveito dos imigradosirregulares, deixa-os trabalharem, mas, emmomentos de crise, denuncia-os.

Kant elogiaria a desistência de Viktorpara salvar os amigos e condenaria achantagem imposta pelo diretor emexercício do aeroporto, que usa a fragili-dade legal dos amigos, fazendo delesinstrumento de seu interesse para já se livrardo passageiro irregular.

O segundo modelo: Piaget eKohlberg

A abordagem dos psicólogos Piaget eKohlberg segue por outro caminho. Elesformularam a teoria psicogenética pela qualnem a razão teórica nem a razão prática(moralidade) podem ser consideradasinatas ao ser humano. Para eles, a criança

vai “construindo”, num intensivo inter-câmbio com a natureza e seu meio social,as categorias necessárias para processar omundo das coisas e dos homens. Trata-se,no primeiro caso, das categorias lógicas,hipotético-dedutivas; no segundo, dascategorias morais do certo e do errado,do justo e do injusto. Sob a pressão daautoridade paterna e da pressão social dogrupo, o jovem vai assimilando normas eleis sociais, que acaba reconhecendo comonecessárias, produzidas pelo coletivo emprocessos de negociação e diálogo. Os doisautores introduziram, desse modo, a teoriados estágios morais, amplamente subsi-diada por estudos empíricos realizadoscom representantes de todas as classessociais, grupos étnicos e sociedadesestudadas.

Segundo essa teoria, todos nós passa-mos por três estágios bem distintos no queconcerne ao desenvolvimento moral. Noprimeiro estágio – o da amoralidade, paraPiaget, e o pré-convencional, paraKohlberg –, a criança ainda não tem noçãodos conceitos do bem e do mal, do justoe do injusto, nem tampouco sabe daexistência da norma social e da validadede regras do jogo; ela comporta-se “forada lei”, agindo e pensando somente emseu próprio benefício ou no dos amigos,respeitando unicamente a autoridade domais forte – heteronomia. No segundoestágio, que Piaget chamou de semi-auto-nomia e Kohlberg, de estágio convencio-nal, a regra e a norma são conscientizadas,respeitadas e seguidas à risca, como sefossem as representantes da ordem paternaou do mandamento divino. O desviosignifica punição imediata e severa, nãohavendo circunstâncias que pudessem ame-nizar o castigo. A infração da norma e dalei é condenada e necessita de correção epunição para a restituição da ordem(law and order ). No terceiro estágio – o da

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moralidade plena ou autonomia moral,para Piaget, e pós-convencional, paraKohlberg –, o adolescente sabe daexistência das re gr as e normas, temconsciência de sua necessidade e de seuimpacto, mas, conforme a situação, correo risco de transgredi-las, agindo com baseem um princípio superior, independentedos ditames do grupo ou da sociedade,segundo a frase célebre de Lutero: hier steheich und kann nicht anders (cá estou agindo,segundo um princípio que se me impõe,sem que possa evitá-lo). É o caso do oficialnazista que aparece no filme O pianista , dePolanski. Em nome de um humanismototalmente desrespeitado pelo regimenazista, o oficial alemão intervém parasalvar o pianista, correndo o risco de serfuzilado. Seu diário, hoje, nos diz que eleagiu dessa forma em benefício de váriosoutros judeus, empenhando-se em salvá-los, pois discordava profundamente da“ética nazista”, que se tornara inaceitávelpara ele, quando percebeu as barbaridadescometidas nos campos de concentração.Isso não fez com que fosse salvo. Morreuprisioneiro na Sibéria, quando o exércitovermelho entrou na Polônia e o capturou.

Vejamos como seriam avaliados ospersonagens de O terminal. Sem dúvida, odiretor em exercício do aeroporto seriaclassificado como representante típico doestágio convencional (law and order ), pro-curando evitar qualquer represália contrasi próprio que pusesse em risco suapromoção pessoal – dimensão pessoal, deinteresse egoístico. A aceitação inques-tionada das normas, das leis e dos valoresda sociedade americana reflete suaaceitação acrítica do sistema social em quevive, independentemente de suas incon-gruências, lacunas e contradições explícitas.Ele ainda demonstra total falta de empatiaem relação à difícil situação do passageiro,caído na fresta entre dois sistemas

societários: um excessivamente burocrati-zado (o americano), o outro, em estadode anomia (o da ex-república soviética,sacudida por uma guerra civil).

Buscando compreender as ações deViktor por esse modelo teórico, surgecerto impasse. Por ignorar completamentea legislação americana e também a línguado país, ele se movimenta no espaço doterminal como uma criança em estágio pré-convencional. Sua conduta é heterônoma,pois aceita, no início, sem questionar, aautoridade do diretor em exercício doaeroporto e as leis que ele faz valer.Subordina-se, não se rebela e se vira. Doponto de vista do país de origem, tambémse comporta de maneira heterônoma: nãoousa atravessar o portão de controle paraingressar em Nova York, quando as auto-ridades americanas oferecem-lhe umabrecha. E não mente, possivelmente pormedo de represálias dos dois sistemassociais, que ele percebe indistintamentecomo autoridades, para não dizer auto-ritários. Se mandam, é preciso agir deacordo. Mas o passageiro visitor mostra-secapaz de aprendizagem e vai mudando deestágios. De ignorante da lei, passa aconhecedor e observador cético, noepisódio do remédio de seu compatriota.Como no caso de Heinz, que roubaremédio da farmácia para salvar a vida desua mulher, Viktor sugere ao compatriotaem trânsito que burle a burocracia dalegislação americana e declare, falsamente,que o remédio será usado para cabras.Depois, Viktor acaba rebelando-se contraa proibição do diretor de entrar em NovaYork, no momento em que recupera opassaporte e seu amigo indiano, o faxineirodo aeroporto, decide enfrentar as autori-dades americanas e indianas, anunciandosua volta para a Índia, onde seria presopor tentativa de assassinato. A atitude éticade Viktor com relação ao companheiro

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perde sua razão de ser, invalidando-se,assim, a ameaça do diretor de expatriá-lo.Viktor encara e enfrenta o diretor e seusagentes de polícia e atravessa o portão deimigração para Nova York, fazendo valero princípio da caridade e a promessa quefizera a seu pai de obter o autógrafo dosaxofonista. Nesse momento, Viktor atingeo estágio da moralidade pós-convencional.

Nesse contexto, ainda é interessante areação do assessor do diretor em exercíciodo aeroporto. Até aquele momento, elecomportara-se de maneira perfeitamenteleal ao seu superior, o diretor. Mas, nomomento em que este tenta barrar a saídade Viktor para Nova York, que agoraestava com toda a documentação emordem, ele toma o partido de Viktor eentrega-lhe o seu casacão de inverno comas palavras: “Lá fora, você vai precisardisso.” Aqui o assessor liberta-se do estágioconvencional, ignora a autoridade hierár-quica e deixa valer um princípio moralinterior: respeitar a dignidade humana dessepassageiro infeliz, retido pelas malhas delegislação injusta e absurda.

O terceiro modelo: Habermas

A teoria discursiva da moral e dodireito de Habermas introduz a dimensãosocietária da ética e do direito na discussão.Antes de Habermas, Hegel havia feitoesforço louvável de separar, analiticamente,moralidade e direito. A moralidade ref le-tiria os estados de consciência dos atoressubjetivos; a lei, a forma pura da autori-dade objetivada na lei escrita. Por isso, osujeito necessitava de um campo – o social,a sociedade civil – para praticar ações éticas.Segundo Hegel, moral e direito realizam-se em contextos de “eticidade” (Sittlichkeit),como síntese dos dois outros momentos.Mas Habermas vai um passo além deHegel, introduzindo a idéia – nova para a

“Fenomenologia do Espírito” e a“Filosofia do Direito” – segundo a qual arazão não tem estatuto absoluto comoponto de chegada, mas é sempre razãodialógica, que está sempre em processo devalidação e reformulação, disposta a sedeixar questionar, submetendo normas eleis a discursos teóricos e práticos, em quepretensões de validade são temporaria-mente suspensas para que possam serreassentadas em sua validade (Gültigkeit).

A ética e o direito discursivo sugerem“que somente podem aspirar à validadeaquelas normas e leis que tiverem o consen-timento e a aceitação de todos os integrantesde um discurso prático. Para que umanorma ou lei tenha condições de transfor-mar-se em lei geral, aspirando à validadeuniversal como máxima de conduta detodos os participantes do discurso prático,os resultados e efeitos colaterais decorrentesde tal observância precisam ser antecipados,pesados, em suas conseqüências, e aceitospor todos. Isso ocorrerá por meio deprocessos argumentativos em que prevaleceo melhor argumento, à luz de sua maiorcoerência, justeza e adequação, respeitadostodos os demais. O caráter universal de umanorma ou lei qualquer somente evidencia-se quando elas não exprimirem meramentea intuição moral ou legal de uma cultura ouépoca específica, mas, sim, tiverem con-teúdo que possa ter validade geral, fugindoa toda e qualquer forma de etnocentrismo”3.

Procurando aplicar esse modelo éticoaos personagens do filme em discussão,torna-se claro que eles não tiveram nemcriaram uma “situação dialógica” em quea meta pudesse ser o entendimento mútuoe a solução adequada do impasse se calcasseem consenso temporário. Não houvesuspensão temporária das “pretensões devalidade” da lei e dos princípios éticos queorientavam a ação/reação de cada ator. Astentativas de diálogo entre os “envolvidos”

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eram, de início, abortadas pela incom-petência lingüística dos personagens. Osidiomas que cada um dominava eramincompreensíveis para o interlocutor ime-diato. Pergunta-se, pois, do ponto de vistahabermasiano, por que o diretor nãomandou chamar um intérprete compe-tente, que pudesse transmitir a razão davisita de Viktor aos EUA e, em particular,a Nova York.

O diretor valeu-se mais tarde dadisponibilidade de Viktor em ser intérpreteem outra situação de impasse – do compa-triota em trânsito que carregava remédio.Mas, com o passar do tempo, Viktormostrou-se aprendiz rápido e competentetanto da língua americana como das leisde imigração e dos trâmites burocráticosdo aeroporto, como demonstra a soluçãoprática que procura dar ao drama de seucompatriota. Graças a essas qualidades e àsua crescente competência dialógica, Viktorestabelece amizades, consegue ser reconhe-cido pelos seus pares, que estão, comodescobre, também em situação ilegal e/ouclandestina. E mais, ajuda a desobstruir oscanais comunicativos entre o “boy da cantina”e a funcionária da imigração, cujo casamentoconsegue promover graças à sua intervençãointeligente. De certo modo, até mesmoconvence o indiano, triste e solitário, distantede seu país e de sua família (por mais de 20anos), a voltar para casa, mesmo quetivessede enfrentar alguns anos de cadeia, por terferido um policial – sete anos de reclusãosegundo a lei do país.

Contudo, todas essas “soluções” seriamcasuísticas e não formas de universalizaçãode uma lei geral da qual todos os passageirospudessem se beneficiar, caso caíssem emuma “fresta” da lei, como Viktor. Caberiaao diretor em exercício do aeroporto levaro caso aos seus superiores e exigir regula-mentação adequada que modificasse as leisinsuficientes ou incompetentes de seu país.

Passar-se-ia, assim, da ética discursivasituacional para a revalidação discursiva dalei ou Constituição existente. Pelo menos,depois de 9/11, tais procedimentos deve-riam ter sido encaminhados pelas auto-ridades jurídicas e políticas, ou seja, peloCongresso e governo americano, para se“resolver” a questão da comunicação“patologicamente distorcida” – como diriaHabermas, em recente entrevista dada auma colega americana, Giovana Borradori,20034 –, durante décadas, senão séculos, nosEUA como país de imigração.

Enquanto esses imigrantes eramingleses de diferentes convicções religiosas,europeus, até mesmo refugiados judeus,poloneses, russos do holocausto, o modeloconstitucional americano parecia dar contado recado. Mas, atualmente, comomostrou o 9/11, esse modelo é precárioem relação aos imigrantes que os ameri-canos não vêem com bons olhos e dosquais não necessitam. A xenofobia e a hosti-lidade aberta contra imigrantes vindos daÁfrica, Ásia, e América do Sul ficamevidentes no filme comentado.

Conclusão

Os três modelos discutidos lançamuma luz diferenciada sobre a questão morale ética dos atores em dificuldades, mas nãofornece uma “regra de ouro” para o fun-cionário público que busca orientaçãode cunho ético em situações de impasseou conflito. A rigor, não saímos daquelastrês clássicas perguntas que Kant já se fazia:Was kann ich wissen? Was soll ich tun? Was darfich hoffen? (O que posso saber? Como devoagir? O que posso esperar?)

Sempre podemos aprofundar-nos emuma literatura competente que indiquepistas ou sugira optar por um modelo éticoou outro, fazendo nos valer da autoridadedo filósofo privilegiado. É um bom

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Barbara Freitag

caminho, que daria resposta à primeirapergunta: O que posso saber? Sempre devoestar a par dos modelos mais sofisticadosda discussão ética, devendo orientar-mepelo mais justo, para tomar as decisões.Contudo, estarei reduzido à dimensão“monológica” de foro íntimo, que, comose viu, tem suas limitações.

Em termos práticos (Was kann ichtun? O que posso fazer?), poder-se-iasugerir aos cursos de formação defuncionários públicos uma prática intro-duzida por Kohlberg e seus colaboradoresno contexto de uma high school americana,capaz de desenvolver a competência moraldos atores naquilo que Kohlberg chamoude “Just Community Experiment”5. Essemodelo prático baseia-se na decisãovoluntária de os atores aderirem a uma“comunidade justa” no interior da escola,reunindo alunos e professores do nível pré-universitário, para se darem suas própriasmáximas morais, regras éticas e conce-berem, no coletivo, as formas de sanção,em caso de desrespeito, desvio ou confrontototal quanto às normas estabelecidas. Nocaso, elas se voltavam para a regulamen-tação do uso de drogas, do roubo e daagressão (física) dentro do grupo, da cola,da mentira, da aquisição do saber. A maiorsanção era a expulsão do membro infratordo grupo, depois de várias tentativasdialógicas de resolver o caso “por viasdiscursivas”. Posto em prática, o modelopromovia aprendizados mútuos, capazesde desenvolver os estágios de moralidadede um patamar a outro ou, pelo menos,dentro de um patamar, de um nível

inferior a um nível mais maduro, em cadaum dos atores.

Se essa “prática discursiva” forensaiada desde já nas escolas, inclusive nasuniversidades, o funcionário públicoadquirirá a competência dialógica e moralpara enfrentar situações de conflito – comono caso do dilema de Heinz – e deimpasse, encenados no filme O terminal. Umdos problemas do modelo habermasianoé que ele é posto em questão pela incompe-tência dialógica ou de oposição ao diálogodos atores em cenários de conflito: seja nocaso do ataque às torres gêmeas em 9/11pelos adeptos de Osama bin Laden, sejano caso da escola russa de Beslan, tomadapelos terroristas chechenos, para dar doisexemplos mais recentes.

(Was darf ich hoffen?) Nossa civilizaçãoocidental aprimorou-se no uso dalinguagem das armas e da ação estratégica,abandonando pelo caminho o potencialtransformador da ação comunicativa,baseada no diálogo e entendimento.Precisamos resgatar essa vertente damodernidade, que se está atrofiando cadavez mais e que – nas palavras de Jabor,em recente comentário no Jornal Nacional– está acabando com a delicada estruturaem filigrana da democracia ocidental,cedendo espaço ao fascismo terrorista doEstado (americano) e ao fascismo terro-rista dos revolucionários do mundooprimido (árabe). Quem sai perdendo é omundo civilizado que o século XIX ousousonhar, mas que o século XX já começoua demolir. Empenhemo-nos a impedir essacatástrofe.

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Ética na administração pública

Notas

*Este texto é fruto do seminário “Ética na Administração Pública”, realizado na ENAP em 28de setembro de 2004

1KANT, Emanuel. Kritik der praktischen Vernunft. Frankfurt/M. Suhrkamp Verlag, 1977a. p.1402 KANT, Emanuel. Metaphysik der Sitten. Frankfurt/M., Suhrkamp Verlag, 1977b. p. 813 FREITAG, Bárbara. A questão da moralidade: da razão prática de Kant à ética discursiva de Habermas.

Brasília: SOS-Imprensa, 2003, p. 51.4 BORRADORI, Giovana. Filosofia em tempo de terror: diálogos com Habermas e Derrida. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar, 20045 FREITAG, Barbara. Itinerários de Antígona: a questão da moralidade. Campinas: Papirus, 2002,

p. 220 e 221.

Barbara FreitagSocióloga e ensaísta, doutora em Ciências Humanas pela Technische Universitat Berlin (Alemanha),é professora titular e pesquisadora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília.Contato: [email protected].

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Ponto de Vista: Vicente Trevas – Os desafios federativos

A federação é recurso estratégico pararepactuar o Brasil em torno de um novoprojeto nacional de desenvolvimento e, nessesentido, torna-se fundamental enfrentar seuscontenciosos e suas debilidades, afirma osociólogo Vicente Carlos Y Plá Trevas,Subchefe de Assuntos Federativos daSecretaria de Coordenação Política e Assun-tos Institucionais da Presidência da Repúbli-ca. À frente da subchefia desde o início dogoverno Lula, ele vê avanços nas relaçõesintergovernamentais e no trato de assuntosfederativos nesses dois anos de governo. “Hámuita animação federativa”, diz. Historica-mente, ressalta Trevas, a federação consti-tuiu um mecanismo compensatório paraconservar a unidade do País, reproduzindoas desigualdades. Reverter tal equação é ogrande desafio. Publicamos, a seguir, algu-mas de suas impressões, deixadas emconversa na ENAP1.

Novo ciclo histórico

O que constitui e, o mais grave do meuponto de vista, o que pode desconstituir ogoverno Lula é o desafio de abrir um novociclo histórico, capaz de enfrentar o quepoderíamos chamar de “agenda estruturalda sociedade brasileira”. É a agenda dasuperação da desigualdade social, dasdesigualdades regionais, da pobreza e damiséria do País, que se expressam em taxasinaceitáveis de exclusão social. É a agendada cidadania e da democracia que, ao longo

Ponto de Vista: Vicente TrevasOs desafios federativos

Editado por Claudia Asazu e Clarice Oliveira

do século XX, foi desconstituída porperíodos autoritários e ditatoriais. Por fim,é a agenda do crescimento econômico, emum país que já teve um grande desempenhona matéria, registrando crescimento, durantedécadas, a taxas de 7%. Esse crescimento,todavia, foi concentrado territorial esocialmente. Portanto, falar de um novociclo histórico é tentar superar os padrõesque o País viveu, de maneira particular, nasegunda metade do século XX.

Projeto complexo

Outro grande desafio é pactuar o Paísem torno de um projeto nacional dedesenvolvimento. É um projeto de grandecomplexidade, que deverá ser operadosimultaneamente em várias escalas, comintegração regional e nacional. Não há comotorná-lo sustentável se não nos integrarmosem uma economia globalizada, de umaforma que não seja subalterna, nem subor-dinada. Para isso, é crucial expressar nossosinteresses nacionais em torno de um blocoregional. É a lógica que preside a consoli-dação da União Européia. Estamostentando consolidar hoje o eixo Brasília-Buenos Aires, lembrando o quanto foiimportante o eixo Bonn-Paris para viabilizara consolidação da União Européia.

Outra dimensão importante é quesomos um país continental. Parece umabanalidade e nos esquecemos disso nocotidiano, mas o fato é que somos um país

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Ponto de Vista: Vicente Trevas – Os desafios federativos

que se expressa através de uma significativadiversidade, infelizmente, aliada de signi-ficativa desigualdade. O País se expressaatravés da questão amazônica, da questãonordestina, da questão do Centro-Oeste,sem falar do Sul e Sudeste. Um projetonacional deve, assim, ser capaz de dar formae conteúdo às diferentes expressõesmacrorregionais. Nesse sentido, fizemosvárias operações importantes: a constituiçãodo Plano Amazônia Sustentável é umexemplo. Estamos também operando umdesenho para o Nordeste.

É preciso, além disso, ter em mente adimensão regional que se expressa nosestados federados, sob risco, caso con-trário, de criar-se aí um contraponto aoprojeto. Fazendo um balanço do final dadécada de 1990, vemos que a tensãofederativa motivada pela guerra fiscal, quehoje se reatualiza, colocava a Federação emum perverso jogo de soma negativa, noqual o ganho do Estado A representa aperda do Estado B, dada à ausência deum projeto nacional que articulasse adimensão regional.

Concertação e repactuação

Para alcançar esses fins, são necessáriasduas operações fundamentais: uma é tentarcompartilhar, constituir uma agenda comos atores sociais e econômicos do País, ouseja, viabilizar políticas de concertaçãosocial. A expressão mais visível disso foi acriação do Conselho de DesenvolvimentoEconômico e Social e do Conselho dasCidades. Outra operação fundamental éatualizar o pacto federativo, repactuar aFederação brasileira em torno desse projetonacional de desenvolvimento. Repactuarapenas em torno de competências e derecursos leva ao jogo da soma negativa.Vejo, por exemplo, que desigualdadesregionais e sociais se expressam fortementenas grandes concentrações metropolitanas,onde o pacto federativo está fragilizado.

Federação singularA nossa Federação tem singularidades.

Qual foi o grande tema que a constituiu?Está associado à mudança do regimepolítico do País, à transição da Monarquiapara a República. Apenas para lembrar, oprocesso de independência da Américacolonial no século XIX foi de fragmen-tação das agregações coloniais. Somos umcontraponto, porque não assumimos aforma republicana ou oligárquica, assumi-mos uma forma imperial. O Império foium argumento forte para manter-nosunidos. Esse período foi de muita tensãoentre centralização e descentralização. AConfederação do Equador2 e outrosmovimentos foram momentos deafirmação das singularidades e especifi-cidades desse país. A nossa Federaçãofunda-se – é a minha convicção pessoal –no grande desafio de permanecermosunidos sendo um país imenso, diferente e,sobretudo, desigual. Estou convencido deque a nossa elite dirigente, ao longo do finaldo século XIX e, principalmente, no séculoXX, teve inteligência e ardil político parapactuar no sentido de conservar a nossaunidade, reproduzindo a nossa desigual-dade. A federação foi sempre um meca-nismo compensatório para que a corda nãoesticasse a ponto de romper, ou seja, umaequação para compensar desigualdades ereproduzir os interesses do grupo domi-nante e dos grupos subalternos oligár-quicos. Os historiadores têm outra interpre-tação, mas minha sensibilidade diz que foium engenho importante para nosconservar unidos. O desafio é mudar aequação, mobilizar a Federação para superaras desigualdades sociais e regionais.

Federação trina

Devemos fazer um esforço ementender os diversos conteúdos do pactofederativo brasileiro ao longo do séculoXX e começo do século XXI. Fazendo

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Ponto de Vista: Vicente Trevas – Os desafios federativos

uma rápida retrospectiva, o primeiroconteúdo do pacto federativo foi oligár-quico; houve interrupção da Constituiçãodurante o Estado Novo; houve orepactuamento federativo do períodopopulista e desenvolvimentista e houve ummomento de tutela federativa do regimemilitar. Não se mobilizou a Federação. Ojogo que se expressava nas cenas políticasregionais permaneceu de forma tutelada esubordinada, sem autonomia alguma. E,finalmente, é importante ter consciência darepactuação federativa de 1988, quase umséculo depois do pacto federativo de 1889.

O pacto federativo de 1988 fez umaousadia conceitual: constituiu-nos comouma federação trina. Não é assim nosmelhores atores da família federativacontemporânea. Isso é uma novidade, umdesafio e também uma agenda de dificul-dades. Esse pacto se deu em momento emque a União Federal estava na berlinda. Creio,e podemos chamar historiadores e cientis-tas políticos, que na Constituinte não haviaos pensadores da União Federal. Ela era,naquele momento, a expressão do regimeautoritário. Na verdade, uma preocupaçãodo constituinte foi criar contrapontos paraevitarmos recaídas autoritárias e centrali-zadoras. Grande parte das competências doEstado brasileiro, no seu conjunto, são com-partilhadas e comuns, o famoso art. 23 daConstituição. O desenho federativo do pactode 1988 teve o grande sentido dadescentralização. É um desenho que não estáainda concluído e que deixou ambigüida-des. Por exemplo: prefeitos alegam que acompetência “x” é do governo municipal,do estadual e do federal, mas apenas elessão cobrados. O governo estadual desapa-rece, a União está longe e apenas o prefeitoé cobrado por uma competência que é doEstado brasileiro, de forma compartilha-da. Valeria um dia revisitarmos o que foi orepactuamento de 1988.

Contenciosos dos anos 1990

Sobre a década de 1990, período deimplantação do pacto federativo de 1988,chamo a atenção para os contenciososfederativos. Logo após e principalmenteno final da primeira metade e início dasegunda metade dos anos 90, a Uniãocomeçou a fazer operações no sentido deviabilizar uma centralização fiscal, ou seja,tentar configurar uma parte da receitapública através de um mecanismo que não

fosse objeto da partilha federativa, asimportantes contribuições. Isso reaparecehoje. Os prefeitos dizem que começaramo pacto federativo de 1988 tendo parti-cipação, como municipalidades, em tornode 19% da receita pública e, hoje, têm emtorno de 14%. Nessa situação tambémestão os governadores.

Um segundo elemento do contenciosofederativo foi o processo de ajuste fiscal. Éum tema que teremos que revisitar. Uma

“O que constitui e,

o mais grave do meu

ponto de vista, o que

pode desconstituir o

governo Lula é o

desafio de abrir um

novo ciclo histórico,

capaz de enfrentar a

agenda estrutural da

sociedade brasileira”

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parcela importante da receita dos estadosfederados está comprometida com aquiloque se expressou na renegociação dasdívidas e nesse processo de ajuste.

O terceiro contencioso foi a guerrafiscal. É um tema que se recoloca. Temoshoje uma guerra fiscal interessante, porqueé ao contrário, uma guerra fiscal visandoefetivar o tributo. Antes, era deixar decobrar. Agora é o seguinte: você não cobrana origem, mas, quando chegar à minhacidade ou estado, vou cobrar.

Insuficiências federativas

Chamo a atenção também, nos anos1990, para as insuficiências e debilidadesfederativas. Uma primeira insuficiênciarefere-se à gestão pública nas regiõesmetropolitanas. Este país concentrou nosterritórios metropolitanos uma grandeagenda de problemas: desemprego, violên-cia, exclusão social. No entanto, o que acon-teceu com a gestão pública metropolitana?Está fragmentada, insuficiente e poucopotente. E aqui há um problema: a Consti-tuição de 1988 delegou aos estados acompetência de legislar em termos de regiãometropolitana, microrregião e aglomeraçõesurbanas, as três modalidades que compõemas políticas regionais. A minha leitura, queprecisa de um estudo, é, no mínimo, umbalanço de insuficiências. Estou convencidode que a estadualização da gestão públicametropolitana foi um equívoco dos nossosconstituintes. Deveríamos repactuar aFederação na gestão pública metropolitana.Acho isso tão verdadeiro que, em termosinformais, estamos começando a operarnessa direção. Na segurança pública, porexemplo, um tema que dá especif icidade aosestados federados, hoje já há repactuaçãovoluntária entre a federação.

O segundo aspecto frágil refere-se aosmunicípios e nasce de uma ironia: o quenos singulariza, que é uma federação trina,

é, ao mesmo tempo, um grande desafio einsuficiência. Por quê? Porque uma grandeparte dos municípios não são efetivamenteentes federados. São constitucionalmentefederados, mas não o são plenamente,porque não realizam as suas condições eespecificidades de entes federativos.Grande parte dos nossos municípios vivebasicamente de transferências constitu-cionais e transferências voluntárias .Portanto, desconstituem-se como entesfederados, entre outros, pela dimensão daincapacidade tributária.

Por último, outra debilidade da Fede-ração é a questão do financiamento. É umtema mais complicado porque diz respeitoa como o Estado brasileiro se projeta nadinâmica federativa. O elo complexo dacadeia, do meu ponto de vista, são osestados: há um contencioso surdo epotente em marcha.

O governo Lula e a federação

Temos consciência de que a federaçãoé um recurso estratégico. O governo Lulacomeçou praticando o diálogo federativo.Apenas para lembrar: com menos de 70dias de governo, o presidente e uma grandeparte de seu governo estiveram presentesem um momento federativo sensível: amarcha dos prefeitos a Brasília. Era a sextaedição de um movimento, cujo objetivo eramais explicitar o contencioso federativo dopassado do que para praticar o diálogofederativo. A presença do presidente teve osentido de transformá-la em um momentolegítimo para explicitar os contenciosos efirmar o diálogo federativo. Ao final damarcha, foi assinado um protocolo decooperação federativa entre o GovernoFederal e as entidades nacionais dos pre-feitos, que definia duas questões: uma agendade diálogo federativo com os municípiose, em seguida, um instrumento para essediálogo.

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Ponto de Vista: Vicente Trevas – Os desafios federativos

Agenda compartilhada

Constituímos com os municípios umaagenda compartilhada, organizada emtorno de três questões. A primeira era doGoverno Federal, o tema das reformastributária e previdenciária. A segundaquestão, o tema dos recursos e dos finan-ciamentos. Colocamos ainda um terceiro,o tema do desenho federativo. Emseguida, constituímos uma forma deoperar essa agenda, por meio da criaçãodo Comitê de Articulação Federativa3. ASubchefia de Assuntos Federativos coor-dena e tem presença permanente. Todosos ministérios com incidência mais perma-nente nas relações municipais participam etodos os outros são convidados, quandoo tema incide sobre suas competênciasespecíficas. O balanço hoje é positivo. Foifundamental o conceito de agendacompartilhada, uma agenda que não erados municípios para a União e nem daUnião para os municípios. Os interesses secruzavam e embasavam essa agenda. Foifundamental também trabalhar por con-senso, forma que não omitia, nemdesqualif icava o contencioso. De todamaneira, foi uma política de ganhos, efeti-vada ao longo do ano 2003. Cito um: anova lei do ISS, um tributo fundamentalpara os municípios.

Contradições e avanços

O próprio Comitê Federativo, poroutro lado, foi revelando as contradições, aassimetria da Federação brasileira. Todos osganhos que obtivemos em 2003 e quefortaleciam a capacidade tributária própriados municípios são ganhos que não seuniversalizam. Por quê? Porque a maior partedos municípios não executa sua condiçãode tributação. Quem ganhou com o ISSforam todos, menos aqueles municípios –a maioria – que não cobram o ISS. Perce-bemos também que ganhos, como o salá-

rio-educação, também revelavamdistorções federativas. Como era antes danova lei? Um fundo nacional para financiaro ensino básico fundamental, a ser transfe-rido aos estados e municípios. Era, porém,transferido aos estados, muitos dos quaisnão tinham legislação para ordenar a trans-ferência aos municípios, o que resultava emmunicípio “amigo”, município “inimigo”,crise e problemas de fluxo de caixa. Agoraé: você tem “x” alunos, “x” para você, tem

“z”, então “z” para você, e assim por diante.Outro elemento importante foi a mobi-lização federativa, conduzida pessoal-mente pelo presidente. Ele conduziupessoalmente quatro reuniões nacionaiscom todos os governadores, as quaisforam estruturadas em torno de umaagenda, a das reformas. Isso foi umelemento importante, porque criou simul-taneamente um diálogo federativo intenso.Fizemos, em várias políticas públicas,

“A expressão mais

visível da política de

concertação social foi

a criação do Conselho

de Desenvolvimento

Econômico e Social e

do Conselho das

Cidades”

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avanços federativos. Tivemos uma agendafederativa no encaminhamento do PPA,no encaminhamento do Programa FomeZero e, agora, no Bolsa Família. Temos umaagenda federativa no desenho dos pro-gramas de desenvolvimento macrorregionale nos diversos programas dos ministérios.Existe uma animação federativa grande.

Futuro

Em muitas áreas, vivemos dificuldadesque não são só operacionais e de gestão,

mas dificuldades de cultura política. Preci-samos de sensibilidade federativa. Em cadaMinistério já existem, de forma conso-lidada, assessores parlamentares. Todoministro sabe que é preciso ter uma“antena” no Congresso. E por que nãotermos um sensor federativo em cadaministério? Estamos propondo que um diaisso aconteça.

Notas

1 O texto é produto do “Café com Debate”, realizado em 20 de setembro de 2004.2 A Confederação do Equador foi um movimento revolucionário ocorrido em 1824 no

Nordeste do Brasil. O termo alude a uma união de províncias que pretendeu se separar do Brasil,principalmente por discordar do Império, e criar uma república (nota da editora).

3 O Comitê de Articulação Federativa foi formalizado por meio do Protocolo de CooperaçãoFederativa, assinado pelo Governo Federal e pelas entidades de municípios que organizaram a VIMarcha a Brasília em Defesa dos Municípios, ocorrida entre os dias 11 e 13 de março de 2003. Écomposto por representantes da União, indicados pela Casa Civil da Presidência da República, epor representantes dos municípios, indicados pela Confederação Nacional de Municípios, pelaFrente Nacional de Prefeitos e pela Associação Brasileira de Municípios (nota da editora).

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9o Concurso Inovação na Gestão Pública Federal: idéias que fazem diferença

Para premiar e incentivar a geração eincorporação de novas práticas e conhe-cimentos na gestão pública, a ENAP e oMinistério do Planejamento, Orçamento eGestão promovem, desde 1996, o Con-curso Inovação na Gestão Pública Federal.Em 2004, os três primeiros colocadosforam o Sistema Radar Comercial, do Minis-tério do Desenvolvimento, Indústria eComércio Exterior (MDIC), o Sistema de

Custos e Informações Gerenciais, do BancoCentral (Bacen), e o Centro de Pesquisas doHCPA: Inovando a gestão da pesquisa, por meiode laboratórios compartilhados, do Hospital deClínicas de Porto Alegre (HCPA). A RSP

conversou com as equipes vencedoras do9º Concurso Inovação na Gestão PúblicaFederal para relatar um pouco de suasexperiências.

1o colocado – Sistema RadarComercial (MDIC)

Radar de oportunidades

Em fevereiro deste ano, asexportações brasileiras atingiram US$ 7,7bilhões, volume suficiente para que, noacumulado de 12 meses (março de 2004a fevereiro 2005), as exportações ultra-passassem a barreira dos US$ 100 bilhões,resultado recorde na história do comér-cio exterior brasileiro.

Dados divulgados pelo Ministério doDesenvolvimento, Indústria e Comércio

9o Concurso Inovaçãona Gestão Pública Federal:idéias que fazem diferença

Por Christiane Telles, especial para a RSP

Exterior (MDIC) mostram que, de janeiroa dezembro de 2004, o País exportou US$96,475 bilhões, 32% a mais que em 2003.A expansão das exportações foi inédita esignificou geração adicional de divisas daordem de US$ 23,391 bilhões, além de umsaldo na balança comercial de US$ 33,696bilhões. No mesmo período, o Brasilampliou horizontes e passou também avender para mercados “não-tradicionais”como Libéria, Sudão, Chipre, Estônia,Mauritânia e Tunísia.

Para atingir esse desempenhocomercial histórico, uma parcela da contri-buição vem de serviços que o MDICdisponibiliza pela internet como o “Apren-dendo a exportar”, o Portal do Expor-tador” e a “Vitrine do Exportador”. Alémdeles, o Ministério dispõe de outra ferra-menta: o Radar Comercial , que desde 2001vem sendo implementado por uma equipe

da Secretaria de Comércio Exterior(SECEX). O projeto, lançado oficialmenteem abril de 2004, é um sistema quepermite a identificação de oportunidadescomerciais em 54 países, que representamaproximadamente 90% do comérciomundial.

Antonio José Gadelha Alves, Aristóteles SoaresBenício, Giuseppe Gutemberg Gomes Dias, LucianaFonseca Damasceno Vieira, Miguel Marques da Silva,Rogério Alencar Pereira de Sousa e Rosa de LourdesCosta da Rocha

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O mapa da mina

O Radar Comercial existia desde 2002em versão impressa e suas informaçõesdavam suporte a diversas áreas do Minis-tério, especialmente àquelas responsáveispela organização de missões comerciais noexterior. Agora, em versão eletrônicadisponibilizada na internet (no endereçowww.radarcomercial.desenvolvimento.gov.br),o acesso foi democratizado para uso dequalquer cidadão. Para acessar, o usuárioprecisa fazer um breve cadastro utilizandoo CPF ou o CNPJ.

“Poderíamos dizer , sim, que é umaespécie de mapa da mina. Afinal, o RadarComercial fornece informações fundamen-tais para quem quer saber para ondeexportar e qual a melhor estratégia a ser uti-lizada. Vale a pena exportar roupas de camapara o Peru? Se pesquisarmos no RadarComercial, vamos encontrar a resposta”, afir-ma Aristóteles Soares Benício, Analista deComércio Exterior que faz parte da equipeque desenvolveu e mantém o sistema.

O coordenador do projeto, AntônioJosé Gadelha Alves, ressalta ainda opioneirismo do projeto: “Além de ser umaferramenta muito poderosa e eficaz, nãoconhecemos nada semelhante. Foi total-mente desenvolvida pela equipe do minis-tério, para suprir um vácuo de informaçõese análises mercadológicas indispensáveis paraotimizar os esforços para a exportação”.

Muito além das estatísticas

“É importante frisar que o RadarComercial não é apenas um fornecedor deestatísticas, mas, sim, um sistema que apre-senta muito mais do que números, funcio-nando como instrumento de consulta eanálise de dados relativos ao comércioexterior. O principal objetivo do Radar éauxiliar na seleção de mercados e produtosque apresentam maior potencialidade parao incremento das exportações brasileiras,seja a curto, médio e longo prazo”, explicao coordenador do projeto.

O sistema é de fácil navegação epermite analisar cada mercado isolada-mente, revelando em quais países o Brasiltem baixo market-share e, portanto, estáexplorando mal o potencial daquelemercado. A pauta importadora do país emfoco é comparada com a pauta exporta-dora brasileira. Para análise mais aprofun-dada, são escolhidos os produtos queapresentam maior possibilidade de incre-mento das vendas brasileiras. “Paradetectar, por exemplo, uma oportunidadede venda de calçados para a Ucrânia, épreciso saber o tipo: se é de couro ou deplástico, se é sapato, sandália, botina, etc.Enfim, saber em qual nicho de mercadoestá a oportunidade comercial, para quese possa incluir os produtores daquele nichonos esforços de vendas (como missões

Uma parte da equipe do Radar Comercial

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9o Concurso Inovação na Gestão Pública Federal: idéias que fazem diferença

comerciais e feiras) que possam serrealizadas naquele mercado”, diz.

O Radar Comercial também informapara cada produto, em cada mercado, ospaíses concorrentes e respectivas participa-ções. Além disso, relaciona as medidastarifárias e não-tarifárias de cada mercado,classifica cada produto quanto ao dina-mismo das importações do país em estudoe quanto à performance das exportaçõesbrasileiras. “As pesquisas podem ter comofoco o Brasil ou um estado brasileiro emrelação a um determinado país ou emrelação ao mundo. As análises relativas aosestados são de grande importância parasubsidiar o planejamento do desenvolvi-mento regional”, enfatiza Luciana Damas-ceno, que também compõe a equipe deanalistas e é responsável pela elaboração deanálises para os estados.

“Nós estamos preocupados em iden-tificar os produtos para que essas análisespossam contribuir não somente para aorientação dos programas de promoçãocomercial, mas também para o direcio-namento dos investimentos voltados paraa exportação. As análises do sistema sãoutilizadas para construção de estratégias deabordagens dos mercados internacionais”,ressalta Gadelha.

Potencial exportador

As informações do Radar Comercial sãoutilizadas por empresas de pequeno, médioe grande porte. Mas as pequenas e médias,em especial, acabam sendo as maisbeneficiadas. Os altos custos de umapesquisa de mercado desencorajam boaparte dos empresários a buscar infor-mações mais apuradas. Desse ponto devista, o MDIC aposta nessa parcela queainda não exporta para aumentar as cifrascomerciais do país. Em 2003, essasempresas contribuíram com apenas 2,4%das exportações brasileiras.

Descobrindo o radar comercial

Era a primeira vez que empresários doEstado do Acre participavam de umevento internacional de grande porte, maseles estavam preparados para negociar.Antes de viajarem rumo à China, onde foirealizada a Expo Brasil-China em setem-bro de 2004, a comitiva acreana, compostapor sete empresários, encontrou no RadarComercial as informações que precisava paraabrir espaço para seus produtos no imenso

mercado chinês, que em 2003,movimentou US$ 800 bilhões na área decomércio exterior.

“As informações do Radar Comercialforam fundamentais para que nossosempresários pudessem ter uma visão maisreal dos negócios que poderiam serfechados com os chineses. Na palestraOportunidades de Negócios Brasil –China, que precedeu a viagem, os dadosdo Radar mostraram de forma precisaquais produtos deveriam ser negociados”,af irma Leonardo Ferreira, Gerente deRelações Internacionais, da Secretaria dePlanejamento e Desenvolvimento Econô-mico Sustentável do Estado do Acre.

Leonardo conta que o primeirocontato com o sistema aconteceu quandoo Estado recebeu uma análise realizadapela equipe do Ministério sobre aspossibilidades de negócios do Acre comos países andinos, em especial a Bolívia e

“Vale a pena exportar

roupas de cama para o

Peru? Se pesquisarmos

no Radar Comercial,vamos encontrar a

resposta”

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o Peru, países fronteiriços. “Como era ummaterial muito completo e continha umaquantidade muito grande de informações,fizemos disso um CD-ROM e disponi-bilizamos essas informações para osempresários locais. Esse foi o primeiroCD-ROM de inteligência comercial dopaís”, enfatiza Ferreira. Além desse CD,mais de 60 empresários foram capaci-tados para utilizarem o Radar Comercial nainternet, por meio de uma ampla divul-gação do sistema em todo o Estado.

“Atualmente, o Radar Comercial é umaferramenta utilizada com freqüência pelosempresários acreanos. Pela importância queesse sistema representa para o incrementodas nossas exportações, é nosso objetivorepassá-lo e instruir o empresário a usá-lo”, finaliza Ferreira.

Em 2004, o Acre exportou US$ 7,6milhões e seus principais produtos são amadeira cerrada, a Castanha do Brasil e amadeira compensada. Para 2005, osesforços estão voltados para a oferta denovos produtos, como móveis, docesregionais e artesanato.

2o colocado – Sistema de custos

e informações gerenciais (Bacen)

Custo por atividade

Qual é o custo de fazer a fiscalizaçãodo sistema financeiro? Quanto é gasto parafazer política monetária? Ou ainda, quantoé necessário para fazer o dinheiro chegar àsociedade? Essas são algumas dasperguntas respondidas pelo Sistema de Cus-tos e Informações Gerenciais do Banco Central,do Banco Central, que fornece aos gestoresda instituição as informações sobre oscustos administrativos de toda a sua estru-tura organizacional. O diferencial dessesistema está justamente em identificar ocusto de cada atividade executada, deforma profundamente detalhada.

Implementá-lo foi o desafio propos-to por uma equipe do Departamento de

Planejamento e Orçamento (DEPLA) doBanco Central, a partir da necessidade dese aprimorar a gestão do banco e aumen-tar a transparência diante da sociedade.Assim, desde junho de 2003, o Sistema de

Custos e Informações Gerenciais oferece umamplo banco de dados, que disponibilizaas informações necessárias à gestão dainstituição.

A necessidade de se implementar umsistema de custos foi discutida dentro doBanco Central por mais de dez anos esomente a partir de 2000 o projetocomeçou a se concretizar. Nesse período, aequipe encarregada da experiência viu, napromulgação da Lei Complementar no 101,de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal,uma base legal que reforçou sua importância.

Incluído no Programa de Aperfeiçoa-mento dos Instrumentos de Atuação doBanco Central (PROAT), o projeto foifinanciado pelo Banco Mundial e desenvol-vido por servidores do Banco Central econsultores externos. A partir de então, váriasetapas foram superadas: planejamento,divulgação e acompanhamento, definição decritérios, desenvolvimento de interfaces,desenvolvimento do sistema e, finalmente,a implementação da ferramenta.

Funcionalidade, otimização e

conhecimento

“O Sistema de Custos e InformaçõesGerenciais foi concebido para ser um

José Clóvis Batista Dattoli, Jefferson Moreira,Teofanes Araujo Acioli, Cleber Pinto dos Santos,Marisa Minzoni, Roridam Penido Duarte, DimasLuis Rodrigues da Costa, Adalberto Felinto daCruz Júnior, Carlos Alberto Correa, Edina SouzaCosta Pinto, Victor Luiz Benites F. Alves,Wilson Emílio da Silva, Osmar Lourenço Peres,Renato de Mendonça Lopes, Theofanes SilvaRocha de Oliveira.

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instrumento de apoio à gestão. Ele permitemaior apuração e análise ampla dos custosdos serviços, atividades e processos distri-buídos pela estrutura do Banco Central.Assim, temos como gerenciar todas asunidades, subunidades, diretorias e gerênciasregionais”, explica o coordenador doprojeto e chefe do DEPLA, José ClóvisDattoli.

Por meio desse sistema, é possívelmapear toda a instituição e ter uma visãodo conjunto e, simultaneamente, de cadaunidade do Banco, facilitando a mensu-ração e o controle de cada atividadeexecutada ou de algum projeto a ser ini-ciado. Seja na criação ou extinção de umdepartamento, no remanejamento oucontratação de funcionários ou na racio-nalização do uso de água, luz e telefone, o

Sistema de Custos subsidia as atividadesde planejamento e a elaboração do orça-mento do Banco.

Essa metodologia, escolhida apóspesquisa realizada pela equipe do projeto,é denominada “Custo por Atividade ABC(Activity Based Costing )”, que, segundo ocoordenador do projeto, é pioneiro naAdministração Pública Federal. “O métodoABC é pioneiro até mesmo entre os bancoscentrais. Claro que todo Banco Central temseus mecanismos, mas nenhum está usandouma ferramenta tão poderosa como essaque adotamos”, orgulha-se Dattoli.

De acordo com ele, em missões doBanco Mundial, que financiou o projeto,representantes de diversos bancos centraisvieram ao Brasil conhecer o Sistema deCusto. Figuram na lista o Banco Centralda Espanha, o Federal Reserve, o BancoCentral dos Estados Unidos, e, maisrecentemente, o Banco Central de Angola.

Comprovando os benefícios

O chefe-adjunto do Departamento deSupervisão Indireta do Banco Central,Gilson Baliana, é um dos servidores quecomprovou os benefícios da implemen-tação do sistema e utiliza esse instrumentopara gerenciar sua equipe. “Essa ferramentapermite um gerenciamento melhor dotempo dos funcionários. Agora, eu possoverificar quanto tempo é gasto paraexecutar cada tarefa, o que me permiteplanejar melhor a distribuição de pessoal ede atividades em todo o departamento.Além disso, eu posso mensurar, com maisprecisão, quanto custa executar cada tarefa,o que podemos racionalizar, em funçãodo custo maior ou menor que elasapresentem”, explica Baliana. Ele ressaltaainda que o sistema também permite maiorsegurança na hora de tomar decisões.“Com o Sistema de Custos, nós temosuma visão estratégica que nos permitetomar decisões mais aprofundadas”.

Gilson Baliana: sistema oferece visão estratégica

“Temos comogerenciar todas as

unidades,

subunidades,

diretorias e gerências

regionais”

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De olho no futuro

O Sistema de Custo e Informações Gerenciaisdo Banco Central tem pouco mais de umano e é considerado pela equipe doDEPLA um sistema bem mais amplo ecom mais funcionalidades. “Com odecorrer do tempo, será gerada uma basehistórica e, a partir daí, vamos poder com-parar esses dados e chegar a outrasconclusões, como, por exemplo, maiorotimização de recursos, estabelecimento demetas de redução de custos e o desenvol-vimento de indicadores de eficiência”,explica Dattoli.

Agora, a equipe do projeto deseja que ainiciativa sirva de exemplo para outrosórgãos da Administração Pública Federal:“Uma inovação traz enriquecimentoinstitucional. Esperamos que o nosso case sejaexemplo para outras organizações”, conclui.

3o colocado – Centro de Pesqui-sas do HCPA: Inovando a gestão dapesquisa, por meio de laboratórioscompartilhados

Compartilhando esforços

Por ser vinculado à UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, a pesquisatambém faz parte da rotina do Hospitalde Clínicas de Porto Alegre (HCPA), quedesde de 2001, optou por unir esforçosdentro da instituição para ampliar odesenvolvimento de estudos e experiências.Até então, o HCPA passou muitos anosaquém do seu potencial para realizarpesquisas devido à falta de estrutura queviabilizasse o uso racional das áreas eequipamentos do hospital.

“Os projetos de pesquisa desenvol-viam-se nas áreas de atendimento apacientes integrando-se à rotina do hos-pital, fato que dificultava os procedimentosde assistência a pesquisas e a adequadaalocação de recursos. A dificuldade de

realizar experimentos com animais é umexemplo claro. Sem estrutura, era neces-sário realizá-los fora da instituição”,relembra o presidente do HCPA, SérgioPinto Machado.

Em busca de soluções

A partir da identificação das principaisnecessidades, uma equipe do HCPA

elaborou o projeto Inovando a Gestão daPesquisa Por Meio de Laboratórios Compar-

tilhados, que deu novo impulso às atividadesde pesquisa da instituição. Com aimplementação da iniciativa, o HCPAcomeçou a racionalizar o uso dos equipa-mentos e do espaço físico, otimizandorecursos, conseqüentemente. A principalcaracterística desse tipo de gestão é o usocompartilhado. Qualquer projeto queingresse no HCPA e necessite de condiçõesbásicas para seu desenvolvimento poderáutilizar a estrutura ali disponibilizada paraprojetos de pesquisa já existentes.

Para atender esse modelo, foi criadoo Centro de Pesquisas, que hoje abriga,numa área de quatro mil metros quadra-dos, cinco laboratórios compartilhados:Unidade de Experimentação Animal,

Sérgio Carlos Eduardo Pinto Machado, ThemisReverbel da Silveira, Luiz Lavinsky, JoséRoberto Goldim, Rosane Paixão Schlatter

Laboratório de reprodução (Foto: arquivo HCPA)

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Laboratório de Patologia, Laboratório dePatologia Clínica, Centro de Terapia Gênicae Engenharia Biomédica. Há também oslaboratórios temáticos, que possuemcaráter temporário e auto-sustentável.

“Ao mesmo tempo, obtivemos maiorintegração e intercâmbio entre pesqui-sadores. Isso resultou em acréscimo deprojetos multidisciplinares. Assim, em umúnico prédio, estamos desenvolvendo umagrande quantidade de linhas de investigação,dentro de variadas especialidades, comresultados reconhecidos nacional einternacionalmente”, explica Machado.

Os resultados dessa iniciativa sãocomprovados pelas estatísticas do hospital.Em 2004, a média de pesquisas no labo-ratório de patologia, por exemplo,aumentou para 9, enquanto em 2002 erade apenas 3,7 pesquisas. Só no ano pas-sado, foram estudados 1.367 animais,realizados 7.758 cirurgias ou procedi-mentos em animais de pequeno porte eestavam em atividade 271 pesquisadores.De 2003 a 2004, houve um aumento de34,3% no número de exames realizados.

Para que o Centro de Pesquisas fosseviabilizado, foram investidos R$ 2,7 milhõespara a construção da obra física, recursoproveniente do próprio HCPA e da Coor-denação de Aperfeiçoamento de Pessoal deNível Superior (CAPES), com a participa-ção da Fundação de Amparo a Pesquisado Rio Grande do Sul (FAPERGS).

Portas abertas para a pesquisa

A pesquisa sobre cirrose hepática emratos da bióloga do HCPA, Úrsula Matte,talvez não existisse, se não fosse ocompartilhamento dos laboratórios. Apesquisadora é uma das beneficiadas peloprojeto. “Antes da implementação doCentro de Pesquisa, eu não tinha nenhumapesquisa com animais e agora são seisexperiências nessa área. Pensávamos duas

vezes antes de fazer experiências comanimais, pois tínhamos que ver tudo, ondedeixá-los, onde procurá-los”, relata.

A bióloga lembra que a boa vontadede outras pessoas era a solução improvi-sada. “Tentávamos usar a estrutura dohospital, ou da Universidade Federal, numacondição pior, pois dependíamos da boavontade das pessoas. Para fazer a análisebioquímica ou histológica era a mesmacoisa: eu tinha que montar um laboratório

dentro de um algum setor da universidadeou do hospital, por exemplo”.

Ela comenta também sobre outrosbenefícios do projeto e as portas que seabriram para a realização de estudos epesquisas. “Essa experiência abre muitaspossibilidades, porque nós temos condi-ções de trabalhar com diferentes técnicas.Em um único laboratório, temos acesso adiferentes equipamentos em que podemosfazer análise histológica, análise bioquímica,o que propicia uma redução significativade custos, pois eu já tenho essa estruturamontada”, afirma Úrsula.

Outro aspecto positivo do compar-tilhamento dos laboratórios é o apoioqualificado de outros colegas. “Quando euvou fazer uma experiência animal, porexemplo, técnicos me auxiliam, indicandoa melhor maneira de utilizar os animais oua melhor técnica a ser empregada naquelapesquisa”, diz.

“Antes da

implementação desse

projeto, eu não tinha

nenhuma pesquisa

com animais e agorasão seis experiências

nessa área”

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De acordo com o presidente doHCPA, Sérgio Pinto Machado, os estudosdesenvolvidos nos laboratórios do Centrode Pesquisas trazem, de forma crescente,importantes contribuições para a evoluçãodos conhecimentos em saúde, impulsio-nando avanços na prevenção, diagnósticoe tratamento de muitas doenças. “Ficamos

contentes com a classificação do projetono Concurso da ENAP, pois, para nós,isto significa o reconhecimento de sua im-portância social e nos estimula ainda maisa continuarmos neste caminho que faz doHospital de Clínicas, também na área depesquisa, um referencial público de altaconfiabilidade”, conclui Machado.

Outros finalistas do concurso

4o – O novo olhar sobre a gestão de pessoas do setor público, na nova

idade da democracia no Brasil (Diretoria de Gestão de Pessoas e Adminis-tração, Radiobrás)5o – Programa GESAC - Governo Eletrônico - Serviço de Atendimento

ao Cidadão (Secretaria de Telecomunicações - Departamento de Inclusão Digital,Ministério das Comunicações)6o – Gestão estratégica de compras: otimização do pregão presencial

(Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grandedo Sul)7o – Modelo de gestão de capacitação da Presidência da República –

pool de capacitação (Diretoria de Recursos Humanos, Casa Civil da Presidênciada República)8o – Sistema de controle da arrecadação do Adicional ao Frete para

Renovação da Marinha Mercante (Departamento do Fundo de MarinhaMercante, Ministério dos Transportes)

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Para saber mais

Para saber mais

Sobre PPP(Sítios sugeridos por Barbara Brito e

Antonio Silveira, autores do artigo “Parceriapúblico-privada: compreendendo o modelobrasileiro”)

• No Brasil:www.planejamento.gov.brwww.ppp.mg.gov.brwww.planejamento.sp.gov.brwww.spg.sc.gov.br

• Reino Unido:www.hm-treasury.gov.ukwww.nao.gov.ukwww.partnershipsuk.org.ukwww.scotland.gov.uk/pfi

• África do Sul:www.pppcentre.com

• Canadá:www.pppcouncil.ca

• Chile:www.concesioneschile .cl

• Irlanda:www.ppp.gov.ie

Sobre o Concurso Inovação naGestão Pública

• http://inovacao.enap.gov.br.• Ações premiadas no 9o Concurso Inovação naGestão Pública Federal (ENAP, 2005). O livrotraz os relatos das experiências finalistas,elaborados pelas equipes vencedoras.

Sobre exclusão social naEuropa e na Espanha

• SUBIRATS, J. Pobreza y exclusión social.

Un análisis de la realidad española y europea.Barcelona: Fundación “La Caixa”, 2004(Colección Estudios Sociales, no 16. Emwww.estudios.lacaixa. comunicacions. com/webes/estudis.nsf/wurl/pfeshomecos_esp.Acesso em 08/03/05).

Sobre o PROMOEX

• www.planejamento.gov.br/pnage/index.htm

Sobre Ética

• www.presidencia.gov.br/etica

Biblioteca Graciliano Ramos/ENAP

• Especializada em administração públicae gestão governamental, conta em seuacervo com aproximadamente 8 mil títulosde livros e 155 títulos de periódicosnacionais e estrangeiros. A biblioteca temcomo público-alvo servidores públicos,professores universitários e pesquisadores.Oferece também atendimento a distânciapor e-mail, envio de material bibliográficopor correio e e-mail (serviço pago), em-préstimo entre bibliotecas, entre outros.Mais informações no sítio da ENAP(www.enap.gov.br).

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Acontece na ENAP

Acontece na ENAP

Café com Debate

O Café com Debate reúne executivos, gerentes e assessores doGoverno Federal para a discussão de temas em destaque na adminis-tração pública. O evento é aberto ao público e divide-se em doismomentos: a apresentação do palestrante, seguida do debate, acom-panhado de café-da-manhã. Em 2004, o Café com Debate contou com a presença de MarioSalerno (Diretor de Estudos Setoriais do IPEA), Fernando Haddad (Secretário-Executivodo MEC), Nelson Machado (Secretário-Executivo do Ministério do Planejamento), VicenteTrevas (Subchefe de Assuntos Federativos), Marco Aurélio Nogueira (professor da UNESP),Alencar Rodrigues Ferreira Jr. (Secretário-Executivo do Ministério do Trabalho) e SérgioAmadeu (diretor-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação). Infor-mações sobre o Café com Debate encontram-se no sítio da ENAP.

Mesa-Redonda de Pesquisa-Ação em Gestão por Competências

A ENAP iniciou, em novembro de 2004, a Mesa-redonda de Pesquisa-Ação em Gestão por Competências, que se destina à discussão desse modelode gestão nas atividades de planejamento, seleção, treinamento e avaliaçãode servidores. A mesa-redonda viabilizará a publicação de um documentocom propostas para disseminação dessa abordagem, que deverá serlançado até junho de 2005. A metodologia que fornece suporte aosencontros foi desenvolvida pela Canada School of Public Service (CSPS).Sua aplicação pioneira no País foi possível graças à parceria estabelecida com a ENAP em2003. Informações sobre a mesa-redonda e arquivos para download encontram-se na páginaeletrônica do evento (http://zeus.enap.gov.br/mesa_redonda/index.htm).

10o Concurso

Estarão abertas, entre 3 de julho e 3 de outubro de 2005, as ins-crições para o 10oConcurso Inovação na Gestão Pública Federal. Serão pre-miadas até 20 práticas inovadoras. Podem ser inscritas experiênciasdesenvolvidas em órgãos do Poder Executivo Federal, bem comoem instituições qualificadas como organizações sociais que estejamtrabalhando, em parceria com o Governo Federal, na prestação deserviços de interesse público. As iniciativas podem envolver equipes de servidores, atuandoem pequenas unidades administrativas, setores, coordenações ou instituições inteiras.Informações sobre o 10o Concurso podem ser obtidas no endereço http://inovacao.enap.gov.br.

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A Revista do Serviço Público é uma publicação da ENAP Escola Nacional de Adminis-tração Pública, voltada para a divulgação e debate de temas relacionados ao Estado,à administração pública e à gestão governamental. Procurando o aprimoramentopermanente da revista, tanto no seu conteúdo quanto na apresentação gráfica, pedi-mos aos nossos colaboradores a observação das normas abaixo descritas.

Normas para os colaboradores

1.Artigos: sempre inéditos no Brasil, deverão ter até 25 laudas com 20 linhas de 70 caracteres, acompanhadosde um resumo analítico do artigo em português, espanhol e inglês, de cerca de 150 palavras, que permitauma visão global e antecipada do assunto tratado, e de 3 palavras-chaves (descritores) em português,espanhol e inglês que identifiquem o seu conteúdo. Tabelas, quadros e gráficos, bem como notas, devemlimitar-se a ilustrar conteúdo substantivo do texto. Notas devem ser devidamente numeradas e constar nofinal do trabalho e não no pé da página. Referências de autores no corpo do texto deverão seguir a forma(AUTOR, data). Referências bibliográficas devem ser listadas ao final do trabalho, em ordem alfabética, eobservar as normas da ABNT. Exemplos:

Referências no corpo do texto

(ABRUCIO, 1998)

Referências bibliográficas

Livro

CASTRO, José. Direito municipal positivo. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

Artigo em coletânea

GONDIM, Linda. Os ‘Governos das Mudanças’ (1987-1994). In: SOUZA, Simone (org.), Uma novahistória do Ceará. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000.

Artigo em periódico

BOVO, José. Gastos sociais dos municípios e desequilíbrio financeiro. Revista de AdministraçãoPúb lica, Rio de Janeiro, 35(1), p. 93-117, jan/fev, 2001.

Monografia, dissertação ou tese acadêmica

COMASSETTO, Vilmar. Conselhos municipais e democracia par ticipa tiva sob o contexto dodesenvolvimento sustentável na percepção dos pref eitos municipais. Dissertação de Mestrado. Programade Pós-Graduação em Engenharia de Produção. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Ca tarina,2000.

2. Ensaios: sempre inéditos no Brasil, deverão ter até 10 laudas com 20 linhas de 70 caracteres.3. Vinculação institucional: Artigos e ensaios devem vir acompanhados de uma breve informação sobre a

formação, vinculação institucional do autor (em até duas linhas) e e-mail para contato.

4. Avaliação: a publicação dos textos está sujeita à avaliação, por sistema de “blind review” de 2 a 3 pareceristas,os quais se reservam o direito de sugerir ao autor modificações que atendam aos objetivos da revista.

5. Encaminhamento: Os originais de todos os trabalhos devem ser encaminhados em arquivo digital, emformato de uso universal (.doc, .r tf ou .txt) e enviados para [email protected]. Os originais enviados àENAP não serão devolvidos. A ENAP compromete-se a informar os autores sobre a publicação ou não deseus trabalhos.

Para maiores informações acesse www.enap.gov.br

ENAP Escola Nacional de Administração PúblicaDiretoria de Comunicação e PesquisaSAIS Área 2-A Brasília, DF — CEP 70610-900Tel: (61) 445 7102 — Fax: (61) 445 7178E-mail: [email protected]

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Conheça a série

Cadernos ENAPCadernos ENAPCadernos ENAPCadernos ENAPCadernos ENAP

Nos Cadernos ENAP são publicados relatóriosatuais de pesquisa e documentos de governos sobretemas relacionados ao Estado, à administração

pública e à gestão governamental.

28 A renovação das organizações:gerenciando transições na forçade trabalho.

James R. Nininger e Marilyn J.Arditti. 2004. 92 p.

Este relatório aborda a gestão eficazde transições na força de trabalho.Este trabalho oferece soluções práti-cas e elementos cruciais para a gestãodessas transições extraídos de experi-ências de organizações públicas cana-denses.

27 O desafio horizontal: ministérios setoriais,órgãos centrais e lider ença.Herman Bakvis e Luc Juillet – 2004

26 A jornada da aprendizagem – um guiapara alcançar a excelência.Peter Stoyko

Um modelo canadense de administraçãopública?Iain Gow – 2004

Lançamentos

Publicações ENAPPublicações ENAPPublicações ENAPPublicações ENAPPublicações ENAP

Como colocar o comércioglobal a serviço da populaçãoKamal Malhotra e outros; co-edição Ipea/

ENAP/PNUD, 2004

Coletânea que trata da globalizaçãodeforma contemporânea e progressistaabordando a política externa arrojada einovadora que o governo brasileiro vemprocurando desenvolver nos fórunsinternacionais de comércio.

Ações premiadas no 9o ConcursoInovação na Gestão Pública Federal 2004Juliana Girão de Morais (org.) 2005

O nono volume da série do Concurso trazo relato completo das experiênciaspremiadas em 2004.

Para conhecer ou adquirir as publicações ENAP visite o sítio www.enap.gov.br

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Cadernos ENAP

8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 20 21 22 23 24 25 26 27 28

Preço unitário: R$ 12,00

Texto para discussão

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11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

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31 32 33 34 35 36 37 38 39 40

41 42 43 44 45 46 47

Preço unitário: R$ 5,00

Forma de pagamento ver orientação no verso

GRU

Nota de empenho

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Forma de pagamento

Os interessados em adquirir qualquer um dos títulos poderão dirigir-se diretamente à ENAPou solicitar a publicação por fax ou pelos Correios, informando os títulos das publicaçõessolicitadas e endereço completo para entrega. Para o pagamento, poderão ser utilizadas umadas formas a seguir:

1. Enviar por fax ou pelos Correios, a Guia de Recolhimento da União (GRU Simples) paga noBanco do Brasil com o valor das publicações. Acesse o link Publicações na página da ENAPpara maiores informações.

2. Enviar nota de empenho (com original anexado) em nome de: ENAP Escola Nacional de Administração Pública

CNPJ: 00.627.612/0001-09, UG: 114702, Gestão: 11401

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