barbara cartland a fugitiva (coleção barbara cartland 384)

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A Fugitiva (She wanted love) Barbara Cartland Coleção Barbara Cartland Nº 384 Título original: She wanted love Copyright © 1995 by Barbara Cartland Tradução: Nancy de Pieri Mielli EDITORA NOVA CULTURAL uma divisão do Círculo do Livro Ltda. Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 - 2Q andar CEP 01410-901 - São Paulo - SP - Brasil Copyright para língua portuguesa: 1996 CIRCULO DO LIVRO LTDA. Fotocomposição: Círculo de Livro Impressão e acabamento: Gráfica Círculo Digitalização: Rosana Gomes Revisão: Ana Terra

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Page 1: Barbara cartland    a  fugitiva (coleção barbara cartland 384)

A Fugitiva(She wanted love)

Barbara Cartland

Coleção Barbara Cartland Nº 384

Título original: She wanted loveCopyright © 1995 by Barbara Cartland

Tradução: Nancy de Pieri Mielli

EDITORA NOVA CULTURALuma divisão do Círculo do Livro Ltda.

Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 - 2Q andarCEP 01410-901 - São Paulo - SP - BrasilCopyright para língua portuguesa: 1996

CIRCULO DO LIVRO LTDA.Fotocomposição: Círculo de Livro

Impressão e acabamento: Gráfica Círculo

Digitalização: Rosana GomesRevisão: Ana Terra

Page 2: Barbara cartland    a  fugitiva (coleção barbara cartland 384)

Sozinha no mundo, lady Helena buscou abrigo às margens da sociedade.

1866, Londres.Faltavam ainda nove meses para a emancipação de lady Helena Renton. Neste tempo, seu padrasto poderia dispor de sua vida a

seu bel-prazer. E ele o fez. Ela teria de casar com um homem velho e interesseiro que nem conhecia! O que poderia fazer para escapar

de uma sina tão cruel? Fugir! Desafiando a sorte, o destino e os deuses! Para isso, teve de mentir para as pessoas que mais

confiaram nela...

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Querida leitora.O ano já começou, com muito calor e muita agitação. Bem, se sua vida já está em um ritmo intenso, que tal dar uma pausa e saborear alguns romances magníficos. Nós temos lançamentos na medida exata de seu desejo. Procure nas bancas!

Janice Florido Editora-chefe

NOTA DA AUTORA

Bandeiras totalmente brancas são utilizadas universalmente como sinal de rendição ou de proposta de entendimento e seu portador fica imune de qualquer ataque segundo os costumes também universais." Dicionário de Brewer

Bandeira é uma palavra de origem alemã, datada dos séculos XV e XVI. É feita com um pedaço de pano com a estampa da insígnia de uma comunidade, de uma força armada, de um grupo ou de um indivíduo.

As bandeiras eram usadas principalmente nas guerras. Eram e continuam sendo as insígnias de uma liderança e servem para a identificação de amigos e inimigos em pontos de disputa.

A bandeira da Grã-Bretanha surgiu após a ascensão do rei James I, em 1603, na forma de uma cruz vermelha, que é o símbolo da Inglaterra, sobre uma cruz branca, que representa a Escócia, mais o campo azul da última.

Ela assim permaneceu até o dia 1 de janeiro de 1801, data da união legislativa com a Irlanda, quando foi incorporado a cruz vermelha diagonal de São Patrick sobre a cruz branca diagonal de São Andrew sob a cruz vermelho de São Jorge.

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CAPÍTULO I

1866Quanto mais o trem se aproximava da cidade de Londres, maior era a

apreensão de lady Helena Kenton. Nunca se entendera muito bem com o pa-drasto e seu regresso a Inglaterra, após concluir os estudos, certamente não seria motivo de alegria.

Os estudos deveriam ter terminado há dois anos, quando completara a idade de dezoito, mas a perspectiva de deixar a França que tão bem a recebera, a fizera adiar o momento.

Conhecera muitas garotas de uma grande variedade de países e se tornara tão amiga de algumas, que seus pais a convidavam para passar longas temporadas em suas residências.

Como nada a atraía em seu país, desde a morte de sua mãe, quando contava com dezessete anos, entregou-se por completo a vida de estudante no Colégio de Santa Maria Madalena, nos arredores de Paris, que era considerado o mais importante e atualizado de toda a Europa.

O ingresso era permitido a partir dos quinze anos de idade, quando as jovens passavam a ser instruídas não só pelas freiras que dirigiam o estabelecimento, como pelos melhores professores contratados na França.

Um colégio de tal categoria era, sem dúvida, bastante caro e destacado, o que explicava a razão de tantos aristocratas fazerem questão de enviarem suas próprias filhas para lá.

Helena aproveitara cada minuto ali vivido, não só no sentido social, como também cultural. Ao se tornar amiga de garotas estrangeiras, tivera a oportunidade de aprender uma série de idiomas.

Era tão esforçada que se obrigava a conversar com cada uma delas em sua própria língua, sempre que se encontravam sozinhas. E acabou adquirindo tanta fluência que lhe conferiram o prêmio de honra ao mérito.

Na ocasião do falecimento de sua mãe, Helena estava passando as férias na África, e foi impossível voltar a tempo para o funeral.

A condessa de Stanrenton nunca gozara de boa saúde, sendo atendida com freqüência por médicos de várias especialidades. Desta forma, não foi motivo de choque para ninguém, seu passamento tranqüilo durante o sono.

Helena sofreu muito ao receber a notícia por parte do padrasto e se culpou por não ter estado ao lado da mãe nos últimos dias de sua vida. Mas como não havia nada o que pudesse fazer, escreveu uma carta ao padrasto, contando sobre sua intenção de voltar ao colégio assim que as férias terminassem.

Mas o tempo passou e Helena não teve alternativa exceto encarar a necessidade de voltar para Londres e para junto do padrasto, que deveria ter se tornado ainda mais desagradável do que se mostrara na época em que sua mãe ainda era viva.

A verdade era que nunca teria deixado o colégio não fosse a madre superiora chamá-la.

— Você já completou vinte anos, minha querida. E a aluna mais velha da escola. Sinto muito ter de lhe dizer que não há mais nada que possamos lhe ensinar. E chegado o momento de você nos deixar.

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— Oh, por favor, não diga isso, Reverenda Madre — Helena implorara. — Eu aprendo mais a cada dia e nunca fui tão feliz em minha vida.

A madre superiora conhecia a história de Helena e o motivo pelo qual ela relutava em voltar para casa.

— Eu sei, querida, e nós adoraríamos conservá-la entre nós, mas, infelizmente, não podemos infringir as regras e abrir uma exceção.

— Nesse caso, nada mais me resta a fazer senão me conformar — Helena respondera num fio de voz.

— Em breve fará novas amizades e voltará a se divertir. Não entre as debutantes, é claro, pois você se sentirá deslocada nesse grupo, estando "tão velha"!

Helena e a madre superiora acabaram rindo da brincadeira.— Rezarei por você e tenho certeza de que a situação não lhe parecerá

tão horrível quando estiver lá. De longe, a impressão que se tem é de que tudo é mais difícil do que se apresenta a realidade.

Helena percebeu que a madre estava sendo otimista para encorajá-la, mas não conseguiu se deixar contagiar pela mesma fé.

Estavam no mês de maio e o sol brilhava no céu. Pudesse viver em Northamptonshire, onde ficava a casa do seu pai, e onde a natureza parecia mais bonita do que em qualquer outra parte do mundo, e ela não estaria se sentindo tão deprimida. Quem sabe isso ainda seria possível?

Em primeiro lugar, contudo, teria de se dirigir a Londres, para a casa onde sua mãe vivera após se casar pela segunda vez, e que ficava em Berkeley Square.

Seu coração ficava apertado a cada vez que se imaginava chegando e não encontrando a mãe a sua espera, na sala de estar, que estava sempre decorada com flores e com os quadros de seus ancestrais.

O lugar preferido da condessa era o sofá, onde se sentava com os pés apoiados sobre uma banqueta almofadada, conforme ordens médicas.

Agora, só haveria o padrasto a esperá-la, com aquele seu modo de olhar que a irritava e incomodava.

Seu pai, o conde de Stanrenton, havia morrido em um acidente, quando seu cavalo saltou sobre um obstáculo e se assustou com o vôo de um pássaro. O conde foi lançado a distância e não foi possível socorrê-lo. Devido a queda, ele sofreu traumatismo craniano e faleceu durante a madrugada.

Esposa e filha ficaram inconsoláveis. Helena sempre o adorara e o conde, apesar de lamentar não ter tido um filho, também adorava e mimava a linda filha.

Dois anos depois, entretanto, por se sentir demasiadamente só e deprimida, a condessa tornou a se casar.

Mas a razão principal que a levou a dar esse passo foi a insistência do Sr. Cyril Warner, um homem rico e bem-educado, embora não pertencesse a nobreza como seu primeiro marido.

Por ser extremamente rico, talvez, dono de uma construtora naval, o Sr. Warner era o que se poderia chamar de um tipo esnobe. Não haveria oportunidade melhor, portanto, para ele ingressar na alta sociedade, do que um casamento com uma condessa viúva.

Helena duvidava que ele houvesse amado sua mãe. Para ela, a razão que o levara a pedi-la em casamento fora a ânsia de subir na escala social.

Em suas férias em casa, Helena observara o quanto o Sr. Warner se esforçava para organizar grandes festas de forma a poder receber em seu convívio as pessoas mais ilustres de Londres.

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Mas ela tinha certeza que os amigos e parentes de sua mãe compareciam por amizade a ela e não por qualquer outro motivo ligado a seu novo marido.

Outro detalhe, Helena sabia, embora o padrasto nunca houvesse dito uma palavra a respeito, que ele queria muito um herdeiro, e a esposa não pudera engravidar devido a sua frágil condição de saúde.

Como poderia se contentar com uma enteada que não o recebera bem desde o primeiro momento? Que outra solução melhor poderia ser arranjada exceto permitir que ela continuasse estudando o maior tempo possível na França?

Porém, quando sua mãe a deixou, Helena sentiu remorso por não a ter visitado com maior freqüência durante as férias. Deveria ter desconsiderado o fato de não gostar do padrasto.

Agora, além de ser obrigada a vê-lo constantemente, pois estariam morando sob o mesmo teto, não teria o conforto da presença de sua mãe, como no passado.

Para amenizar seu sofrimento, Helena avisou todas as suas amigas sobre sua chegada. Talvez, com o apoio e o carinho delas, sua vida não se tornasse tão triste a amarga.

Esperava que elas a recebessem de braços abertos. Afinal, seria monótono e terrível se tivesse de passar todos os seus dias na companhia do padrasto, quer tivesse de morar em Berkeley Square ou em Renton Park.

— Se mamãe estivesse lá, tudo seria diferente — Helena falou consigo mesma, as lágrimas deslizando dos olhos.

Sentia imensa saudade da mulher inteligentíssima que ela havia sido, apesar de ter sido instruída, pelos moldes tradicionais, por simples tutoras.

Fora idéia da condessa que Helena recebesse uma educação superior ao que era comum a todas as jovens de boa família.

— Eu precisei estudar por mim mesma — a mãe vivia dizendo. — Seu pai adorava ler e viajar e eu aprendi muito com ele, também. Não quero que minha única filha enfrente as mesmas dificuldades que eu enfrentei.

— Mas não quero ficar longe de você — Helena se queixou ao saber que seria enviada para um colégio na França.

— Sentirei sua falta, minha querida, mais do que pode imaginar. Mas estou convicta de que estou fazendo o melhor. Você é tão inteligente quanto foi seu pai e merece uma instrução melhor, num bom colégio, do que qualquer professora particular poderia lhe dar.

No início, portanto, Helena relutara em partir, para depois relutar em voltar.

Era fascinante ter aulas com os melhores professores da França e também poder aprender através do convívio com colegas vindas de diversas partes do mundo, principalmente aqueles sobre os quais ela pouco ouvira falar.

Também por meio das colegas, Helena tivera a oportunidade de conhecer vários países. Mas ainda restava muito a ser visto, e seu maior desejo era poder continuar viajando.

Seria lamentável, apesar de esperado, que seu padrasto insistisse em planos sobre sua vida social. A idéia de ter de freqüentar festas e ouvir mexericos não a atraía. Mas seu padrasto deveria estar ansioso por escoltá-la nos bailes, como uma forma de acesso ao mundo com que tanto sonhava e ao qual nunca pertenceria realmente.

— Estou velha demais para bailes de debutantes — Helena pensou. Por outro lado, não eram apenas as jovens de quinze ou dezesseis anos que

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compareciam às festas. Sua presença, em qualquer uma delas, jamais seria estranha.

Na França, as pessoas não se importavam com a idade dos outros. Uma garota poderia ter mais ou menos de dezoito anos para participar de uma conversa. Bastava que ela soubesse sobre o que estavam tratando. Ou bastava ser bonita, ou espirituosa o suficiente para fazer os homens rirem.

Os franceses costumavam tecer elogios à sua pessoa. Mas, no fundo, Helena sempre preferira os homens ingleses. Os franceses falavam demais para seu gosto e seus cumprimentos efusivos não lhe soavam sinceros.

Os ingleses eram diferentes.Lembrava-se das conversas que ouvira entre seu pai e sua mãe, onde as

palavras não importavam tanto quanto o tom em que eram ditas.Quando papai fazia um elogio, Helena pensou, eu sabia que era

verdadeiro, uma expressão do que ele realmente sentia.O trem estava chegando cada vez mais perto de Londres e a imagem do

padrasto a sua espera, sozinho, sem sua mãe, lhe apertou o coração."Como ela pôde partir e me deixar quando ainda preciso tanto de seu

amparo?", Helena se lamentou.Em seguida, se ordenou a mudar de pensamento. Deveria ser simpática e

agradável e tratar o padrasto com respeito pois sua mãe gostara dele e ele a ajudara no sentido de salvá-la da solidão.

Assim mesmo, Helena não pôde evitar um suspiro de alívio ao espiar pela janela e ver o secretário, e não seu padrasto, sobre a plataforma.

O Sr. Melroy havia cuidado das contas do seu pai quando ele era vivo e administrado não apenas a casa de Londres, mas também a do campo.

— É um prazer revê-lo, Sr. Melroy — Helena o cumprimentou, ao descer do trem e lhe estender a mão. — Foi muita bondade sua vir me receber.

— O prazer é todo meu, lady Helena — respondeu o secretário. — A casa tem estado muito triste e vazia sem a senhorita e todos os empregados estão, ansiosos por lhe dar as boas-vindas.

Helena imediatamente notou que o Sr. Melroy não havia incluído seu padrasto, mas não fez nenhum comentário.

Seguiram para a cidade numa carruagem puxada por dois cavalos que haviam sido os preferidos de sua mãe. O cocheiro e seu ajudante continuavam usando a libré dos Stanrenton, um lembrete marcante de que seu padrasto não possuía sangue azul nas veias.

Tornou a se lembrar de que precisava tratá-lo bem em consideração a sua mãe e decidiu que a única solução seria evitá-lo o máximo possível para não dar margem às desavenças.

A carruagem se deteve na frente da casa que havia pertencido à família de seu pai por diversas gerações, e que era muito grande, bonita e confortável.

Um minuto depois, dois criados, também de libré, estenderam um tapete vermelho desde a porta da carruagem até a porta da casa.

Apesar da formalidade do gesto, Helena não pôde se controlar e saltou da carruagem com um sorriso no rosto.

— Olá, Harry, como vai? — disse ao criado cujo nome não havia esquecido, e em seguida sorriu para o outro.

— E bom tê-la de volta, milady.Helena entrou na casa pela porta principal e viu que o mordomo, um

senhor que já lhe parecia idoso quando era criança, a esperava.

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— Bem vinda, milady. Faz muito tempo que não nos visita. Sentimos muito a sua falta.

— Também senti a de vocês — Helena afirmou e quase deixou escapar a pergunta que tantas vezes fizera sobre sua mãe, apesar de saber que ela invariavelmente estaria na sala de estar ou em seu quarto.

Como hesitasse, o mordomo continuou.— O Sr. Warner a espera em seu escritório, milady. Helena não se moveu

de imediato. Depois decidiu que seria indelicado de sua parte subir para o quarto antes de procurá-lo e avisá-lo de sua chegada.

Começou a andar em direção ao escritório e o mordomo a alcançou para lhe abrir a porta e anunciar:

— Lady Helena, senhor.Cyril Warner estava sentado à escrivaninha que, antes, pertencera a seu

pai, e que era um magnífico exemplar do estilo regencial.Apesar de todas as precauções, Helena sentiu uma grande raiva ao ver

Cyril Warner naquele lugar, mas se conteve e aceitou a mão que ele lhe oferecia.

— Finalmente você chegou. O navio deve ter se atrasado.— O canal estava mais agitado do que de costume, apesar de que o trem

me pareceu rápido o suficiente, em compensação.— Milady gostaria de tomar seu chá aqui — indagou o mordomo que

ainda não havia se retirado do escritório -—, ou prefere que ele seja servido na sala?

Helena olhou para o padrasto e ele, sem consultá-la, informou que continuariam onde estavam e que queriam conversar sem serem interrompidos.

— Muito bem, senhor.O mordomo deixou a sala e Cyril Warner começou a caminhar em direção

a lareira.— Há muito tempo não vinha para casa. Não foram as palavras, mas o

tom de voz que alertouHelena sobre ele estar aborrecido com o fato.— Desculpe, padrasto, mas minhas amigas insistiram para que eu

passasse as férias com elas na Grécia e, antes disso, eu também estive no Cairo. Não pude resistir a fazer viagens tão divertidas e instrutivas.

— Não creio que elas tenham lhe ensinado nada além do que você poderia ter aprendido aqui, na Inglaterra.

Helena não concordava com aquele ponto de vista mas teve o bom senso de não discutir.

Cyril Warner sempre fora contra seus estudos na França. Sua mãe lhe contara, uma vez, que ele insistira em trazê-la de volta e contratar uma tutora.

— Agora estou aqui — Helena se apressou a responder. — Estou ansiosa por saber quais são as novidades. Temos algum cavalo novo na casa de campo? As flores continuam tão lindas quanto as deixei?

— A resposta para sua primeira pergunta é não; para a segunda sim — o padrasto replicou abruptamente.

Helena se lembrou de que os cavalos já estavam ficando velhos quando os deixou, mas se lembrou a tempo de que o padrasto não era um bom cavaleiro e que, portanto, não apreciava muito o assunto.

— Espero que os antigos empregados continuem conosco e que não tenhamos muitos novatos em nossa casa.

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— Eu reduzi o quadro porque quase não costumo ir para o campo — Cyril Warner se justificou. — Tenho estado muito ocupado por aqui. Mais ocupado do que jamais estive.

— Que interessante! Está construindo algum outro tipo de navio?Ela mal havia terminado de formular a pergunta quando a porta se abriu

e o mordomo, que se chamava Hewlett, entrou na companhia de dois outros criados que empurravam um carrinho com o chá.

Helena reconheceu imediatamente o bule e os demais acessórios, datadas da época de George III, sobre a bandeja de prata do mesmo período.

Além do chá e do leite havia uma variedade de bolos e biscoitos que haviam sido os seus prediletos quando criança e que a certificaram, sem que fosse necessária qualquer consulta, de que a Sra.. Hewlett continuava entre eles.'

— Diga a Sra. Hewlett que eu estou muito contente por ela não ter me esquecido — Helena murmurou, conforme se sentava no sofá, diante do carrinho. — Nunca comi um pão de gengibre como o que ela faz.

— Minha esposa fez questão de prepará-los e de servi-los assim que milady chegasse — explicou Hewlett.

— Diga-lhe que irei a cozinha para vê-la assim que terminar aqui e engordar um quilo ao menos.

— Bom apetite e não se preocupe com seu peso — Hewlett recomendou. — Não sabe o quanto estamos felizes por tê-la novamente entre nós.

O mordomo se retirou sem esperar pela resposta de Helena que logo notou o cenho franzido do padrasto. Isso a irritou. Afinal de contas, aquela casa era dela e tudo o que continha ou havia sido escolhido por sua mãe ou herdado da família do seu pai.

Mais uma vez estava pensando em seu padrasto como a um intruso e se reprovou.

— Prefere seu chá com leite ou com limão, padrasto?— De nenhum jeito — ele respondeu, agressivo. —Apenas quero

conversar com você.O homem puxou uma cadeira de espaldar alto e se sentou de frente para

ela, dando-lhe uma sensação de que o que estava por ouvir era algo assustador, embora não pudesse imaginar de que se tratava.

Com as mãos trêmulas, Helena se serviu do chá e de um pedaço de bolo.Quando ergueu os olhos, percebeu que o padrasto a estava observando

de uma maneira insistente, o que lhe provocou, novamente, a sensação de que havia algo de errado. Talvez fosse a expressão de seus olhos que a assustava, ou talvez seu silêncio.

— O que foi, padrasto? O que aconteceu?— Não aconteceu nada... Até agora — ele respondeu. — Mas espero que

aconteça em breve.— O quê? — ela indagou, curiosa, ao mesmo tempo em que pensava que

as mãos e o talento da Sra. Hewlett continuavam os mesmos. Nunca, nem sequer na França, havia provado doces tão deliciosos.

— Agora me ouça — o padrasto suspirou.— Estou ouvindo. Estou tão contente que os criados tenham permanecido

os mesmos e que eu possa comer as mesmas coisas que tanto apreciava em criança.

— Fico contente, também — Cyril concordou, a voz tensa.— E engraçado — Helena continuou. — Nos divertimos quando viajamos e

quando estamos longe, mas é maravilhoso voltar para casa.

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O padrasto resmungou algo e ela adivinhou que o assunto era mais sério do que supunha.

— O que houve? O que está tentando me dizer?— Eu lhe disse que queria conversar e agora lhe peço total atenção.— Estou atenta, embora comendo. Espero que compreenda que a Sra.

Hewlett ficaria muito desapontada caso eu não tocasse nos pratos.— Não estou interessado nos sentimentos da Sra. Hewlett. O que tenho a

dizer se refere a seu futuro e é muito mais importante.— O que está querendo dizer? — Helena indagou, alerta.— Estou querendo dizer que tenho planos para seu casamento e que

estou certo de que aprovará minha escolha.— Meu casamento! — Helena repetiu, incrédula. — Como pode ter

decidido meu futuro por mim?— Com muito mais facilidade do que imaginei que seria — o padrasto

respondeu, sorrindo. — A menos que a temporada na França a tenha tornado menos inteligente, você ficará deslumbrada com o que tenho a lhe dizer.

Foi com tremendo esforço que Helena se forçou a falar em tom normal de voz.

— O que foi que decidiu por mim? Cyril Warner se empertigou na cadeira.— Acertei com o duque de Hazelware para que vocês se casem o mais

breve possível.— Como pôde fazer isso comigo? — ela questionou. — Como pôde pensar

em decidir meu futuro com um homem que não conheço? Para ser franca, nunca ouvi esse nome em minha vida. Tenho certeza de que meus pais não o tinham como amigo.

— Mas ele é amigo meu e uma pessoa extremamente importante. E o homem que pretendo apontar como presidente de minha nova empresa. E como ele também se beneficiará ao tê-la como esposa, não há razão para que você pense que ele está apenas sendo condescendente.

— Não consigo imaginar que o que você acabou de me dizer seja verdade — Helena murmurou. — Por que eu deveria me casar com o duque de Hazelware, quando sequer o conheço? Além disso, tanto faz para mim quem possa ser o presidente de sua nova empresa.

Cyril Warner riu com escárnio.— Se você me permitir explicar as circunstâncias através das quais

arrumei um marido tão importante para você, entenderá que se trata de um acordo favorável a ambas as partes.

— O que isso significa?— Bem, como já disse, quero uma personalidade importante, como o

duque de Hazelware, para ser o presidente de minha empresa, e ele, por sua vez, quer um herdeiro, além dos recursos necessários para sustentá-lo.

Helena o encarou, os olhos muito abertos.— Está me dizendo que o duque quer se casar comigo por dinheiro?— Esta é a primeira observação inteligente que você fez desde que

chegou — o padrasto deu de ombros. — Como eu disse, é uma questão de "toma lá, dá cá". Enquanto eu quero o duque para presidente do meu novo negócio, ele a quer por ser uma jovem de muita sorte em matéria de dinheiro.

— O dinheiro a que está se referindo pertenceu a meu pai e a minha mãe. Como sua única herdeira, pretendo gastá-lo conforme eles gostariam que eu o fizesse, em obras de caridade e na manutenção das propriedades as quais meu pai sempre dedicou sua atenção e amor.

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— Você está certa — Cyril Warner concordou. — Com relação à propriedade, o duque terá prazer em apoiá-la. É um homem experiente e tem muitas idéias práticas.

Helena se manteve calada por alguns instantes.— Qual é a idade do duque?Imediatamente ficou óbvio de que a pergunta era incômoda a seu

padrasto. Mas ela insistiu.— Se não me contar a verdade, poderei facilmente descobrir o que quero

através do registro de Debrett. Tenho certeza de que temos um na biblioteca.— Ele não é muito jovem, é claro, mas sua aparência é ótima. Além disso,

poderá lhe ensinar muito com sua experiência de vida, algo que você ainda não tem.

— Não respondeu minha pergunta — Helena falou baixinho. — Quantos anos tem o duque sobre quem estamos falando?

— Bem, acho que ele não deve ter muito mais do que cinqüenta.Helena deu uma gargalhada.— Realmente acredita que eu aceitaria me casar com um homem com

idade suficiente para ser meu avô? Minha resposta é não.— É realmente tão tola em pensar que está me dando sua última palavra?

— Cyril Warner protestou, vermelho de raiva.— E claro que esta é minha última palavra. Contrate-o para sua empresa,

já que o considera uma peça tão valiosa, mas não espere que eu me case com um velho, principalmente quando ele só está de olho no meu dinheiro!

Fez-se um minuto de silêncio até Cyril Warner voltar ao ataque.— Você se esqueceu de um detalhe.— Qual?— Sou seu tutor perante a lei e me deve obediência até completar os

vinte e um anos. Faltam nove meses ainda para chegar essa data, pelo que averigüei esta manhã. Até lá, você já estará casada com o duque de Hazelware.

Helena o fitou com ar de desafio.— Está realmente disposto a me forçar a subir ao altar para me unir com

um homem com quem não desejo me casar? Um velho que me quer pelos bens que possuo e não por mim mesma?

— Todas as jovens sonham com um título de nobreza.— Eu já tenho um e estou contente com ele. Não tenho o menor desejo de

me tornar uma duquesa.11A Fugitiva— Infelizmente, ou talvez felizmente — replicou o padrasto —, o duque é

essencial para os meus planos e eu não tenho outro meio de atraí-lo a não ser lhe oferecendo sua mão em matrimônio.

— Acho que você deve estar louco para acreditar que eu vá concordar com algo tão ridículo. Se minha mãe estivesse viva, jamais teria permitido que sequer me sugerisse um plano tão absurdo e ultrajante.

— Mas sua mãe não está viva e é melhor que você entenda, de uma vez, que eu tomei todas as precauções com o maior cuidado. Não lhe resta nada a fazer exceto me obedecer até o dia do seu vigésimo - primeiro aniversário.

— Não quero... — Helena tentou protestar, mas o padrasto não lhe deu chance.

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— Só então exercerá controle total sobre sua fortuna e sobre si mesma. Neste momento, porém, e durante os próximos nove meses, lembre-se de que sou seu tutor legal.

O discurso de Cyril Warner parecia ter sido ensaiado diante do espelho. Seu tom era o mesmo que teria usado para falar diante de uma multidão de pessoas ignorantes. E a expressão dos seus olhos era uma prova de que ele estava disposto a tudo para alcançar a vitória.

Helena não teve outra saída senão admitir que, naquele momento, estava em completa desvantagem. Não adiantaria tentar desafiar a lei. No fim, ela acabaria obrigada a concordar com a vontade e a ordem do seu padrasto.

Sua vontade era de gritar e agredir até recuperar sua liberdade, mas sabia que estava de mãos e lábios atados. E como era inteligente, resolveu procurar se acalmar.

Serviu-se de outra fatia de bolo e olhou para seu inimigo.— Devo dizer, padrasto, que foi um grande choque para mim, ouvir essa

notícia, mal cheguei em casa. Talvez pudéssemos conversar melhor. Eu gostaria de saber, com mais detalhes, como foi que o duque entrou em nossas vidas, ou melhor, em minha vida, sem nunca termos nos visto.

— Você o verá em breve — Cyril Warner afirmou. —Neste instante ele se encontra em seu castelo, na área central do país,

mas deve estar de volta amanhã ou depois.— Acha que ele virá aqui, quando chegar, para me fazer a proposta? —

Helena balbuciou.— Sem dúvida. Ele já me garantiu que está encantado com a idéia de se

casar com uma jovem linda e rica, seja ela quem for. — Ele fez uma pausa, mas como Helena não fizesse nenhum comentário, continuou: — O duque já foi casado uma vez, mas a esposa morreu sem lhe dar nenhum filho. E, depois disso, ele não teve condições de vir a Londres com muita freqüência.

— Por que necessita tanto dele para seu novo projeto?— Porque, apesar de não ter conhecimento algum sobre navios ou sobre

os materiais com que são construídos, ele tem um nome que significará muito para mim e para aqueles que trabalham comigo. Como você sabe, todos os duques são altamente respeitados não só neste país, como também no exterior, e na América em especial.

Havia uma nota em sua voz que traduzia melhor do que as palavras, que era o mercado americano que tanto o interessava. Se o duque viesse a representar os navios que ele construía, o sucesso entre os americanos estaria praticamente garantido.

Helena ergueu os olhos e declarou com firmeza.— E você acha que o duque não concordará em negociar com você, sem

que eu esteja envolvida.— A verdade, infelizmente, é que o duque está sem um centavo no bolso.

Não estive em seu castelo ancestral, que está localizado em Nottinghamshire, mas sei que a propriedade se encontra em estado deplorável e que necessita de reparos urgentes. — O padrasto a encarou. — O dinheiro necessário para a restauração significará pouco para você. Por outro lado, o gasto lhe dará uma grande satisfação, uma vez que ali será seu futuro lar, como a próxima duquesa de Hazelware...

— Digamos que eu aceite — Helena declarou. —.Caso eu me mude para Nottinghamshire, quem passará a cuidar da minha propriedade no campo?

Cyril Warner sorriu com malícia.

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— Tenho certeza de que, com a educação que recebeu, duas propriedades não serão um desafio para você, e que poderá cuidar delas com a mesma competência com que sua mãe administrou esta casa.

— Talvez esteja sendo otimista demais, padrasto — Helena respondeu. — Em todo o caso, concordo em conhecer a casa de Vossa Alteza, antes de me comprometer.

O padrasto ficou tão zangado que gritou com ela.— Seria perda de tempo. Você se casará com o duque tão logo fique

pronta a documentação. Começaremos a cuidar imediatamente dos preparativos. E, para marcar um acontecimento tão importante, quero que a cerimônia se realize no início do próximo mês, nas vésperas da corrida de Ascot.

— Vejo que pensou em tudo — Helena resmungou —, menos nos meus sentimentos.

Ela queria dizer muitas outras coisas, mas o padrasto não permitiu.— O casamento é necessário e eu não tenho tempo para ficar ouvindo

lamúrias. Assim que Vossa Alteza chegar do campo, pedir que marque a data. Quanto a você, a única providência que lhe peço é comprar o vestido mais lindo e caro que encontrar e se preparar para receber no mínimo quinhentas pessoas durante a recepção que será realizada no jardim.

Qualquer discussão seria perda de tempo. Dessa forma, Helena se levantou e se desculpou:

— Como estive viajando desde cedo, espero que compreenda minha necessidade de descanso. Vou subir para meu quarto e acho que aproveitarei para dormir até a hora do jantar.

— Ainda tenho muito a lhe dizer — o padrasto a lembrou. — Trate de fazer um esforço e realmente descer para a refeição. Precisamos fazer a lista de convidados. Eu já a adiantei, incluindo os nomes dos amigos de sua mãe em Londres e no campo, mas não conheço os nomes de suas amigas da escola, as quais também deverão receber um convite.

— Sim, é claro, mas como estou realmente exausta, por favor, dê-me sua licença agora.

Helena se encaminhou para a porta assim que terminou de falar. O padrasto, contudo, não fez o menor gesto de cortesia. Ele nem se levantou, nem foi lhe abrir a porta. Limitou-se a encará-la com desconfiança.

Helena fechou a porta com tanto cuidado que não fez nenhum ruído. Depois, percorreu o corredor e subiu os degraus que levavam ao segundo andar da casa.

Havia dois criados a postos, os quais ela não tivera a oportunidade de ver ao chegar, e que cumprimentou com alegria.

No seu quarto, também teve a felicidade de encontrar e beijar a velha dama de companhia de sua mãe, que também havia sido sua babá.

— Você era a pessoa de quem eu sentia mais saudade. Que bom que continua nesta casa, Betty, graças a Deus você está aqui! Sabe o que meu padrasto quer fazer comigo?

— Todos estão cientes de que ele planeja casá-la com o duque — respondeu a mulher.

— Como ele pôde pensar que eu estaria disposta a acatar sua ordem?— Fiz essa pergunta a mim mesma uma centena de vezes — Betty

respondeu. — Mas você conhece seu padrasto. Ele nunca escuta aquilo que não quer escutar.

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— Eu sei disso, e foi por essa razão que não insisti em uma discussão. Mas eu juro a você, Betty, que não me casarei com o duque e que não há lei no mundo que me obrigue.

Helena falou com uma determinação que não havia em sua voz quando estava no escritório do padrasto. Betty, com os olhos assustados, se levantou e correu até a porta para se certificar de que não havia ninguém por perto.

— Entendo como está se sentindo, querida, mas o que poderá fazer?— Fugir, Betty. Eu pretendo fugir!

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CAPÍTULO II

— Fugir? — Betty repetiu, perplexa. — Sim — Helena confirmou. — O que mais poderei fazer? Você sabe, tanto quanto eu, que não estou disposta a me casar com um homem que nunca vi, e que além de tudo é velho e interesseiro.

— Não fique assim, querida — a babá tentou acalmá-la. — Sei que é terrível, mas você precisa encontrar outra solução.

— Não existe outra solução. Já me decidi. Pretendo fugir desta casa o mais rápido possível, para nunca mais voltar, a não ser que meu padrasto mude de idéia.

Betty levou ambas as mãos ao rosto.— Não pode tomar esse tipo de atitude, querida. E jovem e bonita demais

para andar sozinha pelo mundo.Helena se calou por um instante. Betty tinha razão. Ela não tinha para

onde ir. Caso procurasse qualquer uma de suas amigas, o padrasto a encontraria num piscar de olhos.

— Deve haver algum lugar seguro... Deve haver uma saída para mim...— Se eu tivesse uma casa, ela estaria a sua disposição o tempo que fosse

preciso — Betty ofereceu.— Eu sei, babá. E eu confiaria em você. Tenho certeza de que não

revelaria meu segredo a meu padrasto, mesmo que ele lhe oferecesse uma fortuna.

Foi com amargura que Helena murmurou aquelas palavras, pois era triste pensar que para seu padrasto o dinheiro era tudo o que importava. E também para o duque que concordara em se casar com uma desconhecida, simples-mente porque ela era rica.

Incapaz de permanecer parada, Helena se dirigiu a janela.— O que farei? O que farei?Betty não respondeu e, de repente, Helena teve uma idéia.— E se eu arrumasse um emprego de tutora? Aposto que meu padrasto

nunca adivinharia que eu pudesse chegar a esse ponto.O silêncio persistiu por alguns instantes.— Temo, querida, que ninguém contrataria uma tutora tão jovem e tão

bonita.— E se eu me candidatasse a dar aulas em uma escola em vez de numa

casa, onde passaria a morar?— Creio que o problema continuaria o mesmo. Lembra-se da aparência

que tinham suas antigas tutoras?Helena se lembrava e a verdade era que não guardara boas recordações

de nenhuma.— Você tem razão. Não me pareço com elas e nem quero parecer.— Talvez pudesse arrumar algum emprego através de uma agência —

Betty aconselhou.— Não havia pensado nessa possibilidade. Eles devem ter uma variedade

de empregos para oferecer e eu sei falar vários idiomas.

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— E apenas uma idéia — Betty falou como quem pedia desculpas. — Talvez seu conhecimento não baste. Talvez ninguém queira contratar uma lady.

— Seria uma injustiça. Quer dizer que só os pobres e feios podem ter o direito de arranjar um emprego?

— Não fale assim com tanta revolta — Betty a repreendeu. — Deveria agradecer ao Altíssimo por ter herdado a beleza de sua mãe.

— Eu sempre agradeço, mas reconheça que minha condição agora está me atrapalhando.

— Tenho certeza de que acabaremos encontrando uma solução. Eu não ficarei tranqüila enquanto não souber que encontrou uma casa decente para morar e uma cama confortável onde dormir. Não posso sequer imaginar que passe a viver escondida pelos cantos.

Helena sabia a que a babá estava se referindo.Se os homens a vissem sozinha, procurando hospedarias para descansar,

a considerariam uma presa fácil.Na França, quando as colegas a levavam para passar alguns dias em suas

casas, ela descobrira o quanto os homens se sentiam atraídos pelas garotas bonitas. Eles começavam a se mover em direção a elas, como as ondas do mar.

O medo a dominou, de repente.Mesmo que arrumasse um emprego de professora numa escola, ou de

vendedora em uma loja, restaria o problema da acomodação. E era aí que residia o perigo.

— Vamos comigo até a agência e descobrir o que eles tem a oferecer, antes de mais nada? — Helena propôs. — Suponho que exista alguma nas proximidades.

— Claro que sim. Sua mãe sempre a procurava quando precisava contratar uma nova camareira ou alguma ajudante de cozinha.

— Então me leve até lá, Betty, para vermos o que acontecerá.— Teremos de ir a pé — Betty informou.— Sem sombra de dúvida — Helena concordou. — Não quero que meu

padrasto desconfie de nada. Não pediria a carruagem por nada no mundo. Aliás, acho melhor esperar até aquele maldito sair para o trabalho.

Betty se aproximou e colocou a mão no ombro de Helena.— Não fale assim. Tenho certeza de que encontraremos uma solução. Sua

mãe ficaria triste se a ouvisse falando palavras tão pesadas.— Tem razão, Betty. Minha mãe ficaria triste se me visse tão amarga.

Estou numa enrascada, mas vou rezar para encontrar uma saída.— Assim é que se fala — Betty aprovou. — Agora, fique aqui enquanto vou

dar uma espiada lá embaixo. E trate de vestir uma roupa mais simples.— Não tinha pensado nisso. Obrigada por me lembrar.Enquanto Betty sondava o movimento da casa, Helena foi examinar o

armário. Escolheu um casaco, e uma saia azul-marinho, que costumava usar no colégio, com uma blusa branca de musselina de gola alta.

A madre superiora não gostava que as alunas usassem vestidos sofisticados a não ser em ocasiões especiais.

Para completar, Helena calçou sapatos de salto baixo.Quando se olhou no espelho, entretanto, lembrou-se de que faltava

colocar um chapéu, e de que todos os seus eram adornados com flores ou fitas. A não ser um, que usava para cavalgar.

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Levou alguns minutos para encontrá-lo. Em seguida escovou os cabelos ondulados e prendeu-os para que não ficassem à vista.

Riu do resultado, mas ao mesmo tempo franziu a testa ao considerar que ainda continuava com a aparência jovem e bonita.

Betty demorou a voltar.— O patrão acabou de sair e eu o ouvi dizer a Hewlett que deveria

acordá-la, quando chegasse a hora do jantar, caso você tivesse adormecido.— O que importa é que ele saiu e que estamos prontas para lhe seguir o

exemplo.Betty a examinou da cabeça aos pés.— Se quer minha opinião, o pessoal irá estranhar quando a vir vestida

desse jeito.— O que mais poderei fazer? — Helena desabafou. — Devo pular pela

janela?— E melhor sairmos pelos fundos. A Sra. Hewlett costuma dar um cochilo

quando termina de arrumar a cozinha, e sua ajudante aproveita para sair e fazer compras.

— Deixo tudo em suas mãos, Betty. Você me diz como faremos para sair desta casa sem que ninguém perceba. A última coisa que desejo é que eles contem ao meu padrasto que eu saí e que não estava vestida como de costume.

— Vou apanhar meu chapéu e não demoro — a babá avisou. Enquanto isso, Helena aproveitou para ir até o quarto que pertencera a sua mãe.

Encontrou-o como o deixara. Apenas as flores estavam faltando e o perfume que sempre impregnava aquele ambiente, tornando-o ainda mais adorável.

De repente, entretanto, pensou sentir uma fragrância de violetas, que sempre haviam sido as flores preferidas de sua mãe e de seu pai. No mesmo instante, fechou os olhos e viu em sua mente a mãe deitada sobre a cama.

— Ajude-me, mamãe, ajude-me. Não posso me casar com aquele homem horrível que meu padrasto conheceu. Ajude-me a encontrar um lugar seguro para me esconder até que ele tire essa idéia da cabeça.

Um alívio imenso a invadiu. Era como se estivesse ouvindo sua mãe lhe responder para que não se preocupasse. E ela parecia estar sorrindo como sempre fazia quando era viva.

Helena se ajoelhou na certeza de que sua mãe continuava amando-a e protegendo-a, onde quer que estivesse.

Deveria ter sido ela, também, que lhe avisou que não adiantaria se apresentar em uma agência sem referências.

Sentou-se, então, à escrivaninha, que ficava junto à janela, e abriu a primeira gaveta, de onde retirou um bloco de papel com o brasão de sua família.

Por um momento, reprovou-se pelo que estava pensando em fazer, mas logo obedeceu ao impulso. Não havia razão para pensar que sua mãe não a recomendaria para qualquer tipo de trabalho.

"A condessa de Stanrenton tem a satisfação de recomendar, como tutora, a Srta. Irene Lawson, a quem conhece há muito tempo e a quem empregou durante os últimos três anos. A jovem provou ser muito competente. Domina vários idiomas, é gentil e demonstrou responsabilidade e prazer em seu trabalho. E por isso que está pronta para lhe dar uma referência a qualquer momento que for preciso."

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Helena leu o texto e pensou que aquelas deveriam ser as palavras que sua mãe usaria caso fosse dar referências sobre alguém de quem gostava. Lembrou-se, em seguida, de colocar uma data anterior ao seu falecimento.

Terminada a primeira carta, Helena examinou a gaveta em busca de uma outra folha de papel onde constasse, talvez, um outro endereço. No fundo, teve a sorte de encontrar o papel com o emblema de um hotel onde seus pais haviam se hospedado, um verão, na esperança de que os ares marítimos fizessem bem a sua mãe.

Havia poucas folhas, mas todas continham o endereço do hotel que era famoso.

Helena se lembrava bem dele. Os pais a levaram, também, para que conhecesse o mar e se divertisse em suas praias.

Era exatamente de uma referência como aquela que Helena estava precisando no momento. Dessa forma, mudou propositadamente sua letra e escreveu uma referência honrosa por parte de uma pessoa fictícia. A mesma se encontrava no hotel e havia empregado a Srta. Lawson pelo período em que deveria permanecer na Inglaterra. A jovem se provara excelente em todos os sentidos. Seu francês era tão bom que ninguém imaginaria não se tratar de uma garota que não havia nascido em Paris.

Satisfeita, Helena assinou a carta com um nome francês antecedido pelo título de comtesse.

Por fim, dobrou ambas as cartas e agradeceu a inspiração dada por sua mãe. Tinha quase certeza de que ela estava ao seu lado, sorrindo e dizendo para que não tivesse medo.

De volta ao seu quarto, Helena ainda teve de esperar dez minutos pela chegada de Betty que se apresentou, quase sem fôlego de tanta pressa, e com a capa e chapéu pretos que sempre usava para sair.

— Aproveite querida, que a costa está limpa. A Sra. Hewlett foi descansar e a cozinha está vazia.

— Estava cogitando se você não havia me esquecido — Helena brincou.— Sabe que eu nunca a esqueceria — Betty respondeu, séria. — Você

significa muito para mim. E como se fosse minha própria filha e eu a ajudaria mesmo que isso me custasse a vida.

— Eu sei disso, Betty — Helena respondeu, comovida, dando um beijo na babá. — Mas agora vamos! Pensaremos nesta fuga como uma espécie de aventura, mas que precisa ser cautelosa. Se eu cometer algum erro, acabarei me vendo de volta e casada contra a minha vontade.

— Deus a livre e proteja dessa desgraça! — Betty exclamou. Desceram a escadaria que levava à saída dos fundos, no porão. Caminharam sem dizer uma palavra, em direção a Rua Davis, onde ficariam longe das vistas de qualquer criado que porventura resolvesse entrar ou sair da casa naqueles minutos.

Foi somente ao se distanciarem o suficiente para não enxergarem mais a casa, que Betty e Helena respiraram.

— Não creio que alguém nos tenha visto — Betty comentou.— Tenho certeza que não — Helena confirmou. — Graças a você, Betty,

que se lembrou do melhor meio de se deixar aquela casa sem sermos vistas. Agora, quero chegar o mais rápido possível à agência.

— Não fica longe. Para ser mais exata, ela funciona bem atrás do conjunto de lojas. Um local conveniente pois cobre não só a área como também a Praça Grosvenor e Park Lane, que estão sempre precisando de funcionários para atender o público.

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Depois de alguns minutos, Betty indicou uma porta que dava acesso a um corredor estreito e depois a uma escada.

— Fica no primeiro andar — avisou. — Eu estarei esperando-a.— Não vai subir comigo?Betty negou com um movimento de cabeça.— Eles me conhecem pois já estive aí duas vezes para requisitar

ajudantes para sua mãe. Temo que a Sra. Hill possa me reconhecer, o que seria um erro.

— Está bem — Helena concordou, diante do bom senso da resposta —, mas não se distancie muito.

— Ficarei aguardando no fim da rua. Lembre-se de não ter pressa e de tomar cuidado antes de aceitar trabalhar em qualquer lugar.

— Serei cautelosa, Betty, prometo — Helena respondeu com um sorriso. — Mas não se esqueça de rezar para que eu encontre um lugar seguro para me esconder do meu padrasto.

— Claro que rezarei.Em seguida, como se de repente ficasse com medo de ser vista, Helena

desapareceu pela porta e subiu a escadaria estreita e escura que dava para o que deveria ter sido, originalmente, a sala de estar de um apartamento.

Entrou e viu uma série de pessoas sentadas em bancos encostados às paredes. Três eram garotas com aparência de camareiras ou talvez ajudantes de cozinha. Os demais eram homens e lhe pareceram estar à procura de empregos onde pudessem lidar com cavalos.

Conforme todos olhavam para ela, Helena notou uma escrivaninha no fundo da sala, onde estava sentada uma senhora de cabelos grisalhos e óculos, ocupada em escrever em um caderno grosso e a fazer perguntas a uma mulher.

Helena hesitou. Não sabia se deveria se sentar no primeiro lugar vago ou se dirigir à mesa. Naquele instante, a candidata se levantou e saiu da sala.

Helena se decidiu. Falaria com a responsável ao menos para marcar sua presença.

A mulher não ergueu os olhos do caderno no qual escrevia até que ela chegou junto a escrivaninha. Depois indagou com voz um tanto afetada.

— Como se chama?— Meu nome é Irene Lawson e gostaria de trabalhar como tutora, caso a

senhora tenha alguma vaga.— A senhorita me parece jovem demais para lecionar — a mulher

observou.— Sou mais velha do que aparento — Helena respondeu —, e falo

fluentemente o francês, o alemão, o espanhol e o grego, além de outros idiomas.

A Sra. Hill a encarou, por um momento, como se acreditasse ter ouvido uma piada. Em seguida se pôs a rir.

— Não imagino que existam muitas crianças, em Mayfair, ansiosas por aprender idiomas.

— Talvez eu pudesse trabalhar como secretária em alguma embaixada, então — Helena sugeriu, perguntando a si mesma como não tivera aquela idéia antes.

— Eles geralmente preferem contratar pessoas nativas dos próprios países. E raro me procurarem neste sentido.

Helena percebeu que não teria muitas chances naquela agência, mas insistiu:

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— Eu agradeceria muito se encontrasse uma colocação para mim. Como disse, de preferência com crianças, mas também poderia ser como secretária de pessoas que tenham de fazer contato com estrangeiros.

— Se está se referindo a homens de negócios, eu não costumo lidar com eles. Exigem demais e pagam de menos.

Helena se calou ao notar a hostilidade na voz da mulher e disse a si mesma que teria de pensar em uma outra forma de fugir de seu padrasto.

Estava se preparando para se despedir quando uma mulher, que deveria estar ouvindo a conversa, e que estava sentada à uma mesa atrás da Sra. Hill, anunciou:

— E quanto ao marquês?— Não havia me lembrado dele — replicou a Sra. Hill. — Parece que ele

está precisando substituir alguém outra vez.— Acho que pela milésima vez — complementou a outra funcionária. — E

pode ter certeza de que não será a última.Ao ver a Sra. Hill vacilar, Helena abriu sua bolsa.— Tenho muita experiência. Aliás, deveria ter lhe entregue isto assim que

cheguei.A mulher apanhou as cartas de referência e leu a primeira.— A condessa precisou de nós algumas poucas vezes. Era uma pessoa

bondosa demais.— Fui muito feliz em poder servi-la até sua morte — Helena murmurou.— Eu acredito. Uma pena que os bons morram cedo e que os ruins vivam

tanto tempo.Helena abaixou a cabeça e a mulher se pôs a ler a segunda carta.— Por que não está mais trabalhando para a outra condessa?— Porque eu estava com muita saudade da Inglaterra depois de ter sido

levada por ela para a França, onde vivi os últimos dois anos.— Posso entender. Por melhor que sejam os outros países e as viagens,

não existe nada como a nossa terra.— E por isso que espero que a senhora possa encontrar uma colocação

para mim em algum lugar por aqui.— Apenas o marquês pode decidir essa questão — declarou a ruiva na

outra mesa. — Ela precisaria se apresentar a ele enquanto nós ficaríamos torcendo para que a nova candidata permanecesse no emprego mais do que as últimas duas.

— Quem é esse marquês? — Helena quis saber. — E por que ele precisa trocar de tutora com tanta freqüência?

— Talvez tenha ouvido falar a seu respeito — continuou a Sra. Hill. — Ele é o marquês de Teringford. A razão de não parar ninguém em sua casa é uma criança.

— O filho dele? — Helena estranhou.— Filha. Não existe uma única mulher no mundo capaz de ter paciência

com suas diabruras. As candidatas, que lhe enviamos, se demitiram dizendo que não trabalhariam para ele por dinheiro algum.

— Não assuste a Srta. Lawson antes de ela sequer se apresentar ao marquês — ralhou a Sra. Hill. — Não temos mais ninguém para enviar ao homem, Gertie, portanto pare de tornar a situação ainda mais difícil.

Ferida em seu orgulho, a ruiva desapareceu através de uma porta e a Sra. Hill prosseguiu:

— Temos atendido o marquês há vários anos, com sucesso. Ele é uma ótima pessoa. O problema é a filha.

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— Ela ainda é pequena?— Tem nove anos e é por isso que precisamos tanto lhe encontrar uma

professora.— Eu estou disposta a tentar apesar de a senhora me achar muito jovem.— Bem, isso é verdade — resmungou a mulher como para se justificar. —

Mas a vaga está aberta e você pode tentar consegui-la. Entretanto, tenho de ser honesta. Com tantas recomendações, é uma pena ir parar nas mãos da-quela garota.

— O que há de tão errado com ela?— Deve estar pensando que será fácil lidar com uma menina de nove

anos, mas muitas professoras já tentaram e não conseguiram sequer lhe ensinar o alfabeto.

Helena mal conseguiu acreditar em seus ouvidos.— Ela é doente?— Não há nada de errado com sua saúde. O problema é seu

temperamento. Ninguém consegue dominá-la. Nem o pai.— Que estranho! — exclamou Helena. — Assim mesmo, estou disposta a

tentar e conseguir sucesso, apesar de tantas já terem falhado.— Eu lhe darei uma medalha se conseguir. Não acha que ela mereceria,

Gertie? — a Sra. Hill perguntou à raiva que acabava de voltar para a sala.— Eu duvido que alguém alcance sucesso no que diz respeito àquela

criança. Mas concordo em enviarmos a Srta. Lawson. Aliás, não temos mais ninguém em vista para este emprego.

A Sra. Hill ainda hesitou.— Apesar de estar nos fazendo um favor, estou com pena do que terá de

enfrentar. Espero que realmente obtenha sucesso.— Prometo que farei o melhor possível. Antes, porém, gostaria que me

contasse um pouco mais sobre o marquês e sua filha.— Ele é um cavalheiro — afirmou a raiva, inesperadamente. — Tenho

muita pena dele. A esposa morreu ao dar à luz a filha. Pelo que soube, ele jurou nunca mais se casar.

21A Fugitiva— Não faltam candidatas — continuou a Sra. Hill. — Também tenho pena

dele. E uma lástima que um homem tão jovem e amável seja viúvo e tenha uma filha tão horrível.

— Onde ele mora? — Helena torceu para que não fosse em Londres.— Ele tem uma casa em Hertfordshire, que pertenceu à sua família por

diversas gerações, e que, segundo eu soube, é uma das mais lindas e imponentes da Inglaterra.

— Ele também possui uma casa em Park Lane — disse Gertie. — As festas que dá são tão concorridas que são anunciadas no jornal. Os convidados são sempre os pertencentes à mais alta sociedade londrina.

— Quer dizer que a filha mora no campo? — Helena perguntou, esperançosa. Park Lane ficava perto demais de sua casa.

— Sim, a criança mora no interior e qualquer um pensaria que é feliz com tantos cavalos e pôneis para montar e tantos jardins onde brincar.

— Acho justo que saiba, antes que outros lhe contem, que já enviamos cinco candidatas para o marquês e que todas declararam ser preferível morrer de fome a viver cuidando daquela menina.

— Eu já lhe disse para não assustar a Srta. Lawson antes de ela ao menos tentar conseguir o emprego — a Srta. Hill quase gritou, desta vez.

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— Ela não está me assustando — Helena respondeu, firme. — Estou pronta para ir até o marquês. Fiquem certas de que rezarei no caminho para que tanto eu quanto as senhoras tenhamos sucesso.

— Será um milagre. De qualquer forma, não diga depois que não foi alertada.

— Está bem, mas prometam que não rirão de mim se eu voltar derrotada.— Claro que não faríamos uma coisa dessa! — exclamou a Sra. Hill. —

Tem minha promessa de que não riremos e de que tentaremos lhe encontrar um outro emprego.

— Fico muito agradecida.— Quando poderá se apresentar?— Seria conveniente se eu pudesse partir esta mesma noite. Por motivos

particulares que não desejo comentar, devo me retirar de minha casa o quanto antes.

— Infelizmente será difícil atendê-la. O melhor que posso fazer é mandá-la para lá amanhã bem cedo. Antes tenho a obrigação de comunicar sua apresentação à secretária de Vossa Senhoria, que o atende aqui em Londres. E sua chegada coincidiria com a hora do almoço, que me parece bastante conveniente.

— Muito bem — Helena concordou e agradeceu. — Estarei aqui amanhã às seis horas.

De repente, a Sra. Hill mudou o tom de voz e o modo de olhar para Helena.

— Está fugindo de casa?— A senhora é muito esperta — Helena admitiu —, mas não se trata

especificamente disso. As pessoas com quem estou no momento não querem me perder, mas eu preciso deixá-las por razões acima da minha vontade. É por isso que pretendo partir em silêncio, evitando problemas maiores. Ou esta noite, ou amanhã bem cedo, seria ótimo para mim.

— Eu lhe direi o que estou pensando em fazer. A verdade é que nem eu nem Gertie costumamos abrir o escritório tão cedo. Mas se a senhorita precisa estar aqui às seis horas, eu lhe darei uma cópia da minha chave, que abre a porta da frente. Desta forma, não precisará esperar na rua, e sim na escadaria do prédio, até a carruagem vir buscá-la.

— E muita bondade sua. Sou-lhe grata, mais uma vez, e prometo tentar não lhe dar mais trabalho. Assim que a carruagem chegar, tornarei a trancar a porta, e deixarei a chave na caixa de correspondência.

— Eu acho que a chave estará segura lá. E você, Gertie?— Eu acho que a Srta. Lawson caiu do céu e que Ele deve ajudá-la a

conseguir o emprego, ou ao menos tentar!A Sra. Hill pigarreou.— Falta discutirmos um detalhe. Eu me esqueci de perguntar qual o

salário que a Srta. Lawson pretende receber.— Ainda não pensei a respeito — Helena respondeu com franqueza.— Não irá muito longe na vida se não exigir seus direitos — a Sra. Hill a

repreendeu. — Mas, desta vez, não terá com que se preocupar. O marquês é muito generoso. Afinal, tem de ser, com a filha que possui.

— Qualquer salário é pouco quando se pensa na menina— retrucou Gertie. — Eu não pisaria naquela casa por menos de mil libras

diárias.— Você está confundindo a Srta. Lawson, Gertie. Daqui a pouco, ela irá

embora daqui e pedirá que esqueçamos que algum dia a vimos.

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Helena não disfarçou o riso.— Não se preocupe. Ela não está me amedrontando. Gosto de desafios e

este, sem dúvida, é um dos maiores. Será um prazer tentar alcançar sucesso onde outras pessoas falharam.

— Parece muito confiante. De minha parte, tenho certeza de que é diferente das outras jovens que conheço.

Enquanto falava, a Sra. Hill estava escrevendo algumas palavras sobre um cartão. Ao recebê-lo, Helena notou um nome e um endereço. Depois, quando fez menção de colocá-lo em sua bolsa, a mulher lhe estendeu outro cartão, onde constava o salário que iria ganhar, e os benefícios que teria como quatro semanas de férias por ano, e um dia de folga por semana, desde que conseguisse encontrar uma substituta, entre os servidores da casa, que se dispusesse a cuidar de Priscila.

O salário seria muito maior do que os pagos por sua mãe. Era óbvio, realmente, que o marquês estava aflito por encontrar uma tutora para a filha.

— Mais uma vez, muito obrigada — Helena se despediu.— Prometo que farei o possível para que recebam uma boa notícia em

breve.Helena estendeu a mão e notou que a Sra. Hill se surpreendeu com o

gesto. Depois aconteceu o mesmo com Gertie.— Nós é que lhe agradecemos por tentar — respondeu a ruiva.— A senhora não irá se esquecer de pedir a carruagem, não é?— Claro que não — respondeu a Sra. Hill. — E aqui está a chave. Também

não se esquecerá de deixá-la na caixa de correspondência, não é?— Prometo que não.Conforme saía do escritório, Helena pensava que não seria fácil escapar.

Suas chances eram mínimas. Por outro lado, caso conseguisse, seu padrasto teria sérias dificuldades em encontrá-la. Ele nunca imaginaria que ela pudesse estar trabalhando como tutora. Mas e se resolvesse procurá-la nas casas de todas as pessoas que contavam com um título de nobreza? Afinal, ele sentia um grande fascínio por elas e teria uma desculpa concreta para se intrometer em suas residências. Apesar de que era orgulhoso e não se sentiria à vontade para contar que sua enteada havia fugido.

Por um momento, Helena sentiu medo. Depois se lembrou de que estaria usando um nome falso.

— Estou segura. Nada de mal me acontecerá.Betty não estava longe da porta externa da agência e Helena se pôs a

correr ao vê-la.— Eu consegui! Eu consegui! Vou trabalhar como tutora. Isto é, se tudo

der certo. Reze por mim, Betty.— Nem precisava me pedir. Estou tão feliz por você!— Venha se sentar comigo no parque. Quero lhe contar como foi.— Estou ansiosa por saber e o parque é um bom lugar pois ninguém nos

ouvirá.Encaminharam-se para o Hyde Park, mas não puderam falar durante o

trajeto. O movimento nas ruas era imenso e o barulho as impedia de se entenderem.

Por fim, encontraram um banco vazio ao abrigo de um par de árvores frondosas.

— Agora me conte exatamente o que aconteceu. Rezei o tempo todo para que encontrasse um trabalho a sua altura.

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— Parece que terei de enfrentar uma tarefa árdua, mas como preciso muito do emprego, aceitei o encargo e me comprometi a estar na agência amanhã bem cedo.

— Para quem irá trabalhar? — Betty franziu o cenho.— Espero que seja alguém de respeito, que não lhe criará mais

problemas.— Não temo o patrão, mas a filha dele — Helena explicou.— Aparentemente ela é responsável pelo fracasso de uma série de

professoras.— Quem é essa menina e por que faz isso?— E a filha do marquês de Teringford — Helena respondeu. Betty se

limitou a encará-la por um minuto. Em seguida prosseguiu:— Oh, não! Você não pode trabalhar para ele, minha querida! Este

emprego é impossível!

CAPÍTULO III

— O que está querendo dizer? — Helena indagou, surpresa. — Por que não devo me apresentar na casa do marquês? Betty hesitou.

— Sei de muitas histórias a respeito daquele homem porque uma amiga minha trabalhou em sua casa durante um tempo. O que ela me contou, acho importante lhe transmitir.

— Então me diga. Se devo cuidar da filha dele, quanto mais informações tiver, melhor será. — Helena deu um sorriso. — Nunca imaginei que você pudesse me falar sobre um homem que nunca soube que existia.

— Seus pais deveriam conhecê-lo e se nunca o convidaram para suas festas em Berkeley Square foi porque não o viam com bons olhos.

— Não? E você pode me dizer por quê?Betty se deteve como se estivesse escolhendo as melhores palavras.— Vamos começar do princípio. Minha amiga me contou que ele tinha

apenas dezenove anos quando se casou com uma linda garota por quem estava apaixonado.

— Ela tinha a mesma idade que ele?— Não, era um pouco mais nova. Para ser exata, a moça tinha dezessete

anos. Imagine como os jornais comentaram sobre o que deveria ser o casamento do ano. Noivos tão jovens e o rapaz um marquês.

— A noiva também pertencia a uma família importante? — Helena indagou, curiosa.

— O pai dela era conde.— E então eles se casaram — Helena concluiu, ansiosa para que Betty

resumisse os fatos de forma mais objetiva.— Sim, e foram muito felizes, pelo que ouvi dizer. Mas, infelizmente, ela

morreu quando teve a filha.— A Sra. Hill, da agência, comentou comigo. Uma história triste, não? O

marquês deve ter ficado arrasado.

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— Nos primeiros tempos, sim, mas depois, porque queria esquecer sua infelicidade, começou a procurar diversões.

— Por que você usou esse tom diferente, Betty?— Bem, ele se pôs a perseguir todas as mulheres mais formosas de

Londres e a atrair rumores por toda a parte, tanto de dia quanto de noite.— Mas nunca tornou a se casar?— Não. Ele sempre tomou precauções para não se comprometer com

ninguém. Minha amiga me disse que ele sofreu tanto com a morte da esposa, que jurou nunca mais se casar ou se envolver amorosamente com uma jovem solteira.

— Está me dizendo, Betty, que as mulheres, com quem o marquês mantém seus romances, são todas casadas?

— Todas elas — Betty respondeu — e é por isso que ele adquiriu uma reputação tão negativa. Fala-se por aí que um dos maridos ameaçou desafiá-lo para um duelo, mas como os duelos estão terminantemente proibidos por Vossa Majestade, eles acabaram lutando corpo-a-corpo.

Helena sentiu vontade de rir, mas Betty a censurou.— Entre as grandes anfitriãs de Mayfair, o comentário se espalhou de que

nenhuma mulher está segura quando o marquês de Teringford está por perto.Helena deu de ombros.— Acho natural, se é verdade que ele é tão bonito e rico quanto dizem.— Disso eu tenho certeza. Além de ser dono de uma mansão em

Hertfordshire, ele possui cavalos de raça que ganham, com freqüência, as corridas mais importantes do país.

— Amanhã mesmo conhecerei sua famosa mansão — Helena afirmou, sem se abalar.

— Nem que eu morresse para impedi-la! — Betty esbravejou. — Não posso permitir que corra atrás de um homem de quem todas as mulheres respeitáveis precisam fugir. Volte agora mesmo para a agência da Sra. Hill e peça para ela lhe arrumar outro trabalho. Você é bonita demais para viver sob o mesmo teto que aquele homem.

Betty estava falando muito sério e Helena se enterneceu. Tanto preocupação se devia ao amor que a babá lhe dedicava. Estendeu a mão e apertou a da outra.

— Ouça-me, Betty. Eu lhe agradeço por tanto carinho e preocupação. Você me trata como se fosse minha mãe.

— Sua mãe não permitiria que fosse trabalhar para um homem de péssima reputação como é o caso do marquês de Teringford.

— Se mamãe estivesse aqui, ela não permitiria que meu padrasto tentasse me casar com um duque velho e decrépito que só me quer por causa do meu dinheiro. E por isso que tenho de fugir e rápido. Você sabe o quanto meu padrasto é obstinado quando deseja algo. Não posso correr o risco de me casar com aquele duque horrível enquanto escolho onde trabalhar e me esconder.

Betty tentou interrompê-la, mas Helena não permitiu.— Eu adoro você por cuidar tão bem de mim, mas tente encarar a

situação por outro lado! Como acabou de dizer, o marquês não pretende se casar novamente, nem está interessado em garotas.

— Principalmente numa garota que ele acredita ser uma simples professora.

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— Pois então, Betty. Fique tranqüila. O homem tem tanto medo do casamento que nem sequer olha para as jovens solteiras. Ele prefere as mais velhas que já são casadas, para não correr nenhum risco.

Alguns segundos se passaram até Betty relaxar um pouco.— Isso é verdade. Minha amiga disse que ele nunca levou nenhuma

garota para sua casa rio campo nem na cidade.— Viu como tenho razão?— Ao mesmo tempo, por você ser tão bonita e competente, deve haver

dezenas de outras casas onde poderia se empregar.— Talvez, Betty mas, no momento, a única que consta no livro da Sra. Hill

é a do marquês. E elas não acreditam que eu consiga permanecer lá por mais do que alguns dias.

— Eu também já ouvi comentários a esse respeito — Betty concordou. — A menina é insuportável. Minha amiga é testemunha de que nunca houve uma criança que tivesse tido tantas tutoras quanto aquela.

— Ela lhe disse o que havia de errado?— Ela achava que não havia nada de errado a não ser seu mau

comportamento.— Nada?— Bem, ela grita e chora todas as vezes que alguém lhe ordena para fazer

uma lição. A última tutora declarou que ela é incapaz de aprender.— A menina parece realmente incomum. Quantos anos tem esse pequeno

monstro?Em seguida, Helena se lembrou de que a Sra. Hill havia dito que a

criança contava com nove anos de idade. Não esperou que Betty respondesse, e continuou:

— E ridículo afirmar que uma criança de nove anos, sem problemas mentais, não tenha condições de ser instruída. Em minha opinião, suas ex-tutoras deveriam ser impacientes e estúpidas.

— Cuidado com as palavras. Daqui a pouco poderá se ver numa situação desagradável e ter de engolir o que falou. Algumas das tutoras pediram demissão antes mesmo de conhecerem o marquês.

Helena riu outra vez.— Parece uma comédia. O máximo que poderá me acontecer será passar

dois dias naquela casa e experimentar algo novo e diferente. Vou encarar a prova como uma aventura.

Helena se lembrou, em seguida, do colégio onde havia estudado e onde as garotas obedeciam as freiras automaticamente e sentiam uma profunda admiração e respeito pela madre superiora.

— Como é possível que uma pequena criança derrote mulheres experientes e, sem dúvida, bem mais velhas do que eu?

— O que quer que diga ou pense — Betty declarou —, não estou sossegada com sua ida àquela casa.

— Também não estou contente com minha situação — Helena murmurou. — Mas o que mais poderia fazer para me salvar?

— Já pensou se seu padrasto for à polícia quando descobrir que você desapareceu?

Helena ficou pensativa.— Duvido que faça isso. O que ele mais teme é um escândalo. A cidade

inteira ficaria sabendo que eu fugi de casa no dia imediato ao meu regresso do colégio.

— Isso é verdade.

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— E o que meu padrasto poderia responder quando as pessoas lhe perguntassem sobre o motivo do meu desaparecimento?

Fez-se um momento de silêncio. Como Betty não fizesse nenhum comentário, Helena prosseguiu:

— Não. O que eu acho é que ele contratará um detetive particular para tentar me localizar, e fará perguntas às minhas amigas. De qualquer modo, terá de se conduzir com extrema cautela para que minhas amigas não comecem a cogitar onde eu poderia ter me hospedado.

— Continuo não gostando da idéia de você procurar aquele homem, por mais que tente justificar suas razões.

— Eu sei, Betty, mas preciso ir embora de casa imediatamente, e não consigo pensar em uma maneira melhor de desaparecer, do que me instalando em uma mansão no campo, onde meu padrasto nunca foi convidado a visitar.

Betty deu um grande suspiro. Por mais que tentasse dissuadir Helena, sabia que fora vencida.

— Preciso de você agora mais do que nunca — Helena confessou. — Deixarei minha casa amanhã bem cedo. Devo estar na agência às seis horas.

— E quanto a sua bagagem?— Nesse ponto, terá de me ajudar. Esta noite.— Oh, sim. Irei a seu quarto e a ajudarei a colocar todas as suas roupas

nas malas.— Você não entendeu, Betty. Vou fazer as malas assim que chegar em

casa. A noite, elas terão de ser levadas à agência e deixadas na escadaria.— Vejo que já pensou em tudo. E muito esperta — Betty admitiu.— Estou tentando. Aliás, acho que levarei o máximo possível de roupas.

Talvez meu padrasto demore a recuperar o juízo.— Assim que isso acontecer, eu darei um jeito de avisá-la.— E o que espero — Helena respondeu. — Caso meu emprego não dê

certo, precisarei contar com sua ajuda no sentido de me conseguir outra colocação.

— É claro.— Mas vou rezar para que não precise sair por aí em busca de um teto.

Acho que devemos aceitar as coisas como elas são, e não como gostaríamos que fossem. — Assim que terminou de falar, Helena se levantou do banco. — Agora vamos para casa fazer as malas. Precisamos nos vigiar para não falar nada comprometedor, diante das outras criadas. — Helena fez uma pausa. — Eu só tenho mais um pedido para lhe fazer.

— Qual?— Quero que vá ao banco na Rua Dover para mim.— Que cabeça a minha! E claro que você precisa levar algum dinheiro. De

outra forma, como poderá voltar para Londres quando decidir que não quer mais o emprego?

— Não quero me arriscar a passar necessidade. Levarei uma boa quantia. Justifique o saque com o gerente, dizendo que estou saindo para uma longa viagem ao exterior.

— E se eles consultarem seu padrasto antes de me entregarem o dinheiro?

— Não farão isso porque o dinheiro é meu, e está em meu nome. Só não quero ir ao banco pessoalmente porque meu padrasto estranharia, se me visse. Todas as nossas contas sempre foram pagas pelo Sr. Melroy.

Depois de deixarem o parque e caminharem por uma série de ruas, elas chegaram a Grosvenor Square.

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Finalmente em casa, Helena subiu para seu quarto e apanhou seu talão de cheques. Preencheu um no valor de quinhentas libras, colocou-o num envelope e entregou-o a Betty.

— Levarei o talão comigo, caso precise de mais dinheiro. Porém, para me certificar de que o banco não tenha condições de me localizar, mandarei o cheque para você.

— Espero que não seja necessário. Você estará levando uma importância considerável, querida. Cuide-se para não desperdiçá-la e para não ser roubada.

— Eu prometo e você sabe que não costumo faltar a nenhuma promessa.— Acredito em você, mas meu medo é que sua vida será completamente

diferente do que foi até agora.— E por isso que preciso tanto de você. Será um grande conforto para

mim, saber que poderei contar com sua ajuda, caso alguma coisa aconteça.— Sabe que poderá contar comigo sempre. Principalmente por causa do

perigo que estará correndo ao procurar emprego na casa daquele homem.— Do jeito que fala, o desafio me parece ainda mais excitante — Helena

riu.— Eu não direi mais nada, mas antes tem de me prometer que voltará

imediatamente para casa, se ele tentar algum avanço. E você sabe a que estou me referindo. Na minha opinião, estaria mais segura com o duque do que estará com o marquês.

— Tenho minhas dúvidas. Enquanto o duque quer se casar, o marquês tem pavor à idéia.

Betty não respondeu. Acreditava que Helena, sendo tão jovem e inexperiente, não se dava conta do perigo que estaria correndo, sendo dona de tanta beleza.

Helena esperou até que Betty saísse para o banco para começar a fazer os preparativos.

Em primeiro lugar, foi até o quarto que pertencera a seu pai e que ficava do lado oposto ao quarto que sua mãe destinara a Cyril Warner. O quarto possuía uma porta de comunicação com o da esposa.

Lembrava-se de que o pai só passara a dormir no quarto ao lado depois que sua mãe adoecera mas, mesmo nesse período, quando ela se apresentava mais forte, ela o via na cama de sua mãe, quando os procurava, pela manhã, para dizer bom dia.

Quando se casara pela segunda vez, sua mãe apresentava a saúde ainda mais abalada. Deveria fazer amor ocasionalmente com o novo marido, mas nunca permitira que ele dormisse com ela durante a noite.

O quarto amplo e confortável do conde, portanto, permanecera inalterado e desocupado até o momento.

Helena gostava de ir até lá para conversar o pai, especialmente quando ele estava se arrumando para jantar ou para cavalgar.

Naquele instante, a razão de sua visita era buscar um objeto que ele costumava guardar no fundo da cômoda para usar apenas quando viajava ao exterior. Um pequeno revólver.

— E perigoso o lugar para onde vai? — ela sempre perguntava.— Às vezes. Por isso é sempre melhor estar preparado, caso apareça um

inimigo à minha frente, eu terei como me proteger.As balas estavam no fundo da segunda gaveta e ela as pegou, também,

com a arma.

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No seu quarto, guardou-as cuidadosamente sob as roupas que estava dobrando. Não queria que Betty as visse e se pusesse a lhe fazer perguntas.

Separou todas as roupas que usara no colégio e que eram mais ou menos simples. Mas não pôde evitar o ímpeto de levar consigo alguns vestidos bonitos e luxuosos que comprara em Paris, para as ocasiões em que fora passar férias com as amigas.

Guardou-os em uma mala separada e trancou-a para que ninguém os visse e estranhasse que uma tutora pudesse tê-los.

O pior foi guardar os chapéus. Seria uma pena deixá-los e ela resolveu colocar os mais bonitos por baixo dos lisos e simples.

— Preciso ser prática — disse consigo. — Caso eu não fique muito tempo na casa do marquês por causa da menina, é bem provável que precisarei me vestir melhor quando procurar outro tipo de emprego.

De tanto pensar em roupas, Helena se lembrou de que a mãe deixara uma porção de vestidos de todos os tipos e para todas as ocasiões. E eles, certamente, continuavam guardados no armário do seu quarto.

Foi até lá, com cuidado para não ser vista, e descobriu que não se enganara.

O guarda-roupa estava abarrotado e recendia à fragrância de violetas brancas. E como a condessa sempre preferira a moda clássica, seus vestidos permaneciam atuais.

Convencida de que a mãe adoraria vê-la com suas próprias roupas, Helena escolheu dois dos mais lindos modelos de noite, um vestido para o dia, e também uma capa para viagem.

Abraçou as peças de encontro ao peito e fechou os olhos. Sentia-se protegida com as roupas de sua mãe.

Estava quase terminando de arrumar as malas quando Betty retornou do banco.

— Aqui está o dinheiro, querida. Guarde-o bem.— Eu o trancarei num estojo junto com minhas jóias. Não que pretenda

carregar muitas na viagem, pois não se espera que uma tutora se apresente coberta de esmeraldas e brilhantes.

— Realmente — concordou Betty, rindo.— Se quiser deixar as outras comigo, eu as trancarei no cofre de sua mãe

e você poderá ficar tranqüila, pois seu padrasto nunca teve uma chave.Helena aprovou a idéia.Separou o colar de pérolas que seus pais haviam lhe dado de presente em

seu décimo aniversário e um par de brincos de ouro que recebera de seus padrinhos. Resolveu levar, também, uma pulseira, que havia sido o último pre-sente de Natal que sua mãe lhe dera antes de morrer. O restante entregou a Betty.

— Parece que você pretende ficar longe de casa por muito tempo — Betty comentou ao verificar a quantidade de malas. — Espero que tenha sorte e que não precise carregar tudo isso só para ter de voltar daqui a uma semana.

— Não voltarei — Helena declarou com firmeza. — A menos, é claro, que meu padrasto se convença de que não quero me casar com o duque. Ou até que eu complete vinte e um anos e ele não possa mais mandar em mim, conforme diz a lei.

Betty suspirou.— Creio que a segunda hipótese é a mais provável e ela significa uma

longa ausência.

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— Bem, mas mantenha os olhos abertos para o caso de surgir alguma novidade. Ficarei aguardando suas notícias.

Betty não tinha mais nada a dizer. Apesar de seus receios, Betty que Helena estava certa e que não havia mais condições de permanecer em sua casa sob o domínio do padrasto.

Um criado levou uma bandeja com chá e bolos até seu quarto, e Helena teve o cuidado de apanhá-la e de agradecer, sem dar chance para o homem perceber o que estava acontecendo. Aliás, para o caso de ele olhar de relance para dentro, ela havia pendurado um vestido na porta do armário, exatamente para dar a impressão de que estava desfazendo as malas que trouxera do colégio.

— A Sra. Hewlett espera que goste do chá, milady. Ela pediu que eu lhe perguntasse, também, se deseja jantar na sala ou em seu próprio quarto.

— Como estou muito cansada da viagem, prefiro jantar aqui — Helena respondeu. — Sabe se meu padrasto irá jantar em casa ou fora?

O criado hesitou.— Acho que o patrão está lá embaixo esperando para saber sua

preferência.O modo com que o padrasto desejava ser chamado pelos criados sempre a

irritara. Detestava a idéia daquele homem se julgar patrão na casa do seu pai e da sua mãe.

A pergunta do criado, porém, a animou. Significava que não teriam convidados aquela noite e que se ela resolvesse jantar em seu quarto, o padrasto provavelmente iria se encontrar com os amigos no clube.

— Por favor, peça que a Sra. Hewlett me prepare apenas uma sopa e uma omelete. Diga ao patrão que estou com dor de cabeça.

— Darei seu recado a ambos, milady — o criado respondeu e se dirigiu à escada.

Helena dobrou o último vestido, que deixara pendurado na porta do armário, e guardou-o na mala. Em seguida, se despiu e se deitou. Mas não conseguia parar de pensar. Não podia esquecer de nada, uma vez que deveria ficar afastada dali por um longo período.

De repente, descobriu o que tanto a estava perturbando. Não era a possibilidade de esquecer uma roupa ou um par de sapatos. Era a idéia de se afastar da casa que sempre associara aos pais, e principalmente à mãe. Por outro lado, aquele nunca mais fora um lar verdadeiro depois que sua mãe tornara a se casar.

Pensou na sua casa no campo, com que tanto sonhara enquanto estava no colégio. Pensou no lago em que costumava se banhar quando criança, nas flores e nas árvores, e também no seu primeiro pônei, e no seu primeiro cavalo.

Parecia incrível que, agora que estava de volta a Inglaterra, não pudesse ir até lá e reviver o passado.

Nenhuma casa, e ela tivera a oportunidade de conhecer muitas, em muitos lugares, poderia se comparar à sua casa no campo, que considerava seu verdadeiro lar.

Gostaria tanto de poder visitá-la nos fins de semana, mesmo que na companhia do padrasto.

Seu último pensamento antes de adormecer foi que a fuga seria sua única salvação.

Betty acordou-a quando ainda estava escuro, apesar de que as estrelas já haviam perdido grande parte do seu brilho.

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— São quatro e quinze, querida. Tem vinte minutos para se aprontar e sair, antes que alguém possa acordar e surpreendê-la.

Na época de sua mãe, a criadagem costumava iniciar o dia de trabalho às cinco horas. Talvez alguns continuassem com a mesma rotina. Seria melhor não facilitar, portanto.

Vestiu a mesma saia e o mesmo casaco simples que usara para procurar emprego.

Betty, que havia levado a bagagem na noite anterior, conforme Helena pedira, avisou que deixara a chave da agência sobre a penteadeira.

— Não se esqueça de colocá-la na bolsa.Helena fez um movimento afirmativo com a cabeça conforme terminava

de se arrumar e jogava a capa de sua mãe sobre os ombros.O perfume de violeta a fez pensar que a mãe a protegeria durante toda a

viagem e que ela não encontraria dificuldade em sair de Londres.Tudo o que faltava levar era sua bolsa e o pequeno estojo que continha o

dinheiro e as jóias e que estava bastante leve.— Você é um anjo, Betty. Vou sentir saudade. Em vez de responder, Betty

colocou seu chapéu.— Eu vou acompanhá-la.— Claro que não!— Não espera que a deixe perambular sozinha pelas ruas escuras de

Londres, espera?— Não pensei nisso — Helena admitiu. — Mas e se meu padrasto

descobrir que fugi de casa e que você me acobertou?— Ele não saberá nada que você não queira que ele saiba — Betty

retrucou. — Se eu disser aos outros empregados que fui à igreja e fingir espanto quando encontrar seu quarto vazio, eles acreditarão.

— Você é um gênio, Betty! Sempre pensa em tudo. Não pode imaginar o quanto lhe sou grata. Não fosse a sua ajuda, eu nunca conseguiria escapar.

— Estarei contando os dias para que volte para nós. Tenha certeza de que a avisarei imediatamente caso o patrão desista da idéia de casá-la com o duque. Trate de se cuidar. Se o marquês lhe criar problemas, volte e nós encontraremos um outro esconderijo.

— Está bem. Obrigada outra vez, querida Betty.As duas caminharam em silêncio para a escada dos fundos, como haviam

feito antes, e saíram para a rua deserta.Os primeiros clarões estavam surgindo sobre os tetos das casas, mas

mesmo assim não havia ninguém nas ruas até chegarem à agência.— Fique bem quieta enquanto espera a carruagem e tranque a porta por

dentro para garantir que ninguém a incomodará depois que eu me for.— Sim, é claro. Eu já havia pensado nisso. Abraçaram-se e beijaram-se

em ambas as faces.— Você tem sido maravilhosa para mim — Helena murmurou. —

Escreverei para você. Não estranhe minha letra. Terei de mudá-la para que ninguém desconfie da verdade e conte ao meu padrasto. Pode estar certa de que ele ficará desconfiado de todos, especialmente de você, porque sempre nos demos muito bem.

— Estarei preparada.No minuto seguinte, Betty abriu sua velha bolsa e retirou um pedaço de

papel.— Este é o endereço da minha cunhada. Se quiser enviar sua carta para

lá, ela a fará chegar em minhas mãos.

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— Você é mesmo esperta! Ninguém desconfiará de nada se virem o envelope de sua cunhada.

— Exatamente. Eu pedirei a ela para colocar sua carta dentro de um envelope, fechá-lo, e endereçá-lo a mim como se tivesse sido escrito por ela própria. Seu padrasto poderia suspeitar caso visse o registro do correio de Hertfordshire.

Helena tornou a beijar a babá antes de acompanhá-la e trancar a porta. Depois se sentou no segundo degrau. Não era um lugar muito confortável, mas ao menos ela estava segura e podia descansar as pernas.

O silêncio e o vazio a levou a dirigir uma prece a Deus e a sua mãe para que a abençoassem e para que o lugar onde pretendia trabalhar não fosse tão difícil e assustador quanto lhe haviam falado.

O sol começou a se infiltrar através da vidraça no topo da escada e iluminou os degraus. Helena consultou seu relógio de pulso e verificou que já eram seis horas.

Levantou-se e foi abrir a porta. Uma carruagem puxada por dois cavalos estava despontando no fim da rua. Havia um cocheiro e um cavalariço na boléia.

— A senhorita é a nova tutora? — perguntou o mais jovem, com um sorriso.

— Sou. Obrigada por serem tão pontuais.— Saímos cedo para não corrermos o risco de nos atrasarmos, pois é a

primeira vez que viemos a este lugar.— Minha bagagem está lá dentro — Helena apontou para o corredor.O rapaz foi buscá-la e ela agradeceu antes de tornar a trancar a porta e

colocar a chave na caixa de correspondência conforme havia sido o combinado.

Assim que colocou a bagagem na parte de trás da carruagem, o cavalariço ajudou Helena a subir e se acomodar.

Helena admirou o conforto dos bancos almofadados.— Importa-se de levar isto consigo? — O rapaz trouxe a caixa de chapéus.

— Temo que possa arruiná-la com meus pés por algum descuido.— Há bastante espaço aqui dentro. Por favor, coloque-a sobre o outro

banco.— Sim, senhorita. Deseja uma manta para cobrir as pernas? — Antes que

Helena pudesse responder, ele desdobrou a peça e apresentou-a.— Será impossível eu não adormecer nesta viagem — Helena brincou.O cavalariço sorriu, fechou a porta e subiu para a boléia para que

pudessem finalmente partir.Durante o trajeto, Helena cogitou que o rapaz era um tanto abusado em

seus modos. Lembrou-se, então, de que ele não a vira como lady Helena Renton, mas como uma professora.

Já comecei a viver uma nova experiência, pensou. Tenho certeza de que aprenderei muito com ela. Sabia que sua posição seria difícil na casa do marquês. O importante era manter sua dignidade a cada instante. E também ser cordial e gentil com todos os empregados. Quando tivesse qualquer dúvida ou se sentisse arrependida, bastaria se lembrar de que o padrasto jamais imaginaria encontrá-la trabalhando para alguém.

Em primeiro lugar, ele tentaria encontrá-la entre suas amigas. A tarefa seria longa e mais árdua do que ele supunha, pois suas amigas dos últimos três anos moravam no exterior.

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Desta forma, as primeiras a serem interrogadas seriam suas amigas francesas. Depois, provavelmente, as gregas. Em caso extremo, ele consultaria as cartas que ela escrevera à mãe. As últimas haviam sido enviadas da África. As penúltimas da Espanha, e as antepenúltimas de Portugal.

Sua mãe adorava receber cartas e Helena procurava torná-las não só afetuosas, mas também interessantes, contando sobre as pessoas que a hospedavam, sobre suas casas e costumes. E também sua opinião sobre cada país.

As igrejas dos países católicos lhe chamaram particularmente a atenção, e as estátuas magníficas dos deuses e deusas gregos, e também seus templos, obras que se mantinham através dos séculos.

— Se meu padrasto for escrever a cada uma dessas pessoas, levará meses. E o que poderá dizer a elas? — Helena perguntou a si mesma, rindo.

Havia trancado seu quarto antes de sair e empurrado a chave por baixo da porta. Para abri-la, ou teriam de derrubá-la ou encontrar uma outra chave que servisse na fechadura.

Podia até imaginar a raiva que o dominaria quando descobrisse que o quarto estava vazio e que ela deixara apenas algumas roupas no armário.

Seria a prova definitiva de sua fuga. E não haveria ninguém na casa que pudesse informá-lo sobre seu paradeiro.

Betty era pessoa de sua total confiança. Demonstraria surpresa, perplexidade e séria preocupação por seu desaparecimento. Mas nada disso ajudaria seu padrasto.

Nunca passará pela cabeça dele que eu tenha procurado uma agência e arrumado um emprego com todo o dinheiro que possuo. Aliás, se tivesse parado e refletido sobre o que ela poderia fazer em seu desespero, certamente a teria trancado no quarto e colocado um guarda em sua porta para vigiá-la.

— Sinto que estou segura — Helena falou consigo mesma. — Mas não facilitarei em momento algum. E essencial que os amigos do marquês não me vejam, caso ele ofereça alguma festa ou jantar.

Por outro lado, mesmo que alguém estranho a visse, não teria como reconhecê-la, pois não visitava a Inglaterra desde antes de sua mãe falecer e não freqüentara os altos círculos.

Quando poderia ter imaginado que o padrasto fosse resolver casá-la com um homem que ela nunca encontrara em sua vida? E que além de tudo era velho e disposto a vender seu título pela melhor oferta?

A mera lembrança a fez estremecer conforme a carruagem ganhava velocidade ao deixar a cidade de Londres. Porém, a medida que prosseguia pelas estradas vazias, os pensamentos do passado e do presente foram sendo substituídos pelo futuro.

Por que seria que a filha do marquês sentia tanta aversão pelas tutoras? Por que todas elas afirmavam que a criança era impossível e que não tinha condições de aprender? Por que se recusavam a permanecer mais do que alguns dias na casa?

O método de raciocínio que aprendera com as freiras a fizera ter sucesso em todas as matérias do curso. Aprendera a usar o cérebro, mas também a imaginação e a percepção, e principalmente o que Helena chamava de "terceira visão".

E era através desse mesmo método que pretendia tratar com a menina.A viagem foi longa, mas os planos de trabalho a ajudaram a passar o

tempo.

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Era meio-dia em ponto quando a carruagem passou pelos portões altos e se dirigiu à imponente mansão pelos caminhos ladeados por velhos carvalhos.

O cenário a fez lembrar sua casa em Northamptonshire. Era muito semelhante.

Quanto mais se aproximava, mais Helena tinha certeza de que aquela era, sem dúvida, a casa mais linda que já vira. Mais tarde viria a saber que havia sido o ponto alto da carreira dos irmãos Adam.

Os cavalos cruzaram uma ponte e chegaram a um imenso pátio.Ela espiou mais uma vez pela janela e prendeu o fôlego ao notar que o sol

se refletia em pelo menos cem janelas.Admitia que existiam muitas casas esplêndidas. Os castelos da França,

por exemplo, eram inesquecíveis para quem quer que os visse. Mas nenhum, contudo, se igualava a Teringford Court, que era o nome daquela propriedade.

Uma súbita idéia lhe passou pela mente naquele momento. Por menor que fosse sua estadia naquela mansão, tentaria conhecê-la por completo antes de ir embora.

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CAPITULO

O mordomo, um senhor de cabelos grisalhos, se curvou para Helena.— Bom dia — ela cumprimentou. — Sou a Srta. Lawson, a nova tutora.O homem a fitou com expressão tão surpresa que ela sentiu um certo

receio, pela primeira vez, de que o marquês não fosse aceitá-la devido a idade.— Se quiser me acompanhar, senhorita, eu a levarei até o secretário de

Vossa Senhoria, Sr. Clark, que está a sua espera.No vestíbulo, encontravam-se dois criados de elegante libre a quem

Helena também cumprimentou com um gesto de cabeça.O mordomo passou por baixo de uma escada de madeira entalhada e

conduziu-a através de um longo corredor que deveria terminar na cozinha.Na metade do caminho, entretanto, ele se deteve diante de uma porta,

abriu-a e anunciou:— A Srta. Lawson, a nova tutora, senhor.O Sr. Clark, um homem também idoso e de aparência cansada, se

levantou da escrivaninha e lhe apertou a mão.— Fui informado sobre sua chegada no dia de hoje, Srta. Lawson, mas

não a esperava tão cedo.— Eu tive permissão para sair ao amanhecer do lugar onde estava.— Gostaria de se sentar? — O homem indicou uma cadeira em frente a

escrivaninha e continuou, sério: — Devem ter lhe contado sobre o nosso problema.

— Sim, a Sra. Hill teve a bondade de me explicar e eu espero ter mais sucesso do que as tutoras anteriores.

— E o que também espero — respondeu o Sr. Clark. — Não é bom para uma criança viver mudando de tutoras. Por outro lado, permita-me dizer que me parece jovem demais para ocupar essa posição.

Helena abriu a bolsa e entregou as duas cartas de referência. O Sr. Clark as leu com atenção e depois tornou a fitá-la.

— Elas certamente a elogiam. Espero, senhorita, que com sua capacidade não desista facilmente. Em minha opinião, suas anteriores colegas não deram muitas chances à menina.

— Eu também espero. A propósito, a garotinha tem uma babá?— Infelizmente não. A babá a deixou quando ainda era bem pequena.

Talvez seja por isso que ela não queira se apegar a mais nenhuma.— Não estou surpresa — Helena afirmou.— Desejo-lhe sorte — o Sr. Clark murmurou evidentemente decidido a lhe

dar um voto de confiança. — E agradeço por querer ao menos tentar.Helena sorriu.— Se meus problemas me parecerem pesados demais, virei pedir que me

ajude a resolvê-los. Sempre acreditei que os homens são melhores nisso do que as mulheres.

Se ela queria se mostrar simpática aos moradores daquela casa, já havia conseguido com o primeiro.

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— Espero que tenha razão — ele respondeu, rindo. — Afinal, problemas não me faltam, principalmente porque Vossa Senhoria quase nunca está presente.

Na curta entrevista, Helena ficou ciente de que o marquês não apenas negligenciava a filha, mas também a propriedade. Mas tinha perspicácia o bastante para não fazer nenhum comentário. Em vez disso, se levantou.

— Poderia me levar, agora, até minha nova aluna? O Sr. Clark também se levantou.

— Nossa governanta, a Sra. Shepherd, fará isso. Ela também lhe mostrará a casa e seu quarto e estará a sua disposição para o que for necessário.

O homem tocou uma sineta e em segundos a porta foi aberta por uma mulher que trajava o tradicional vestido preto de seda das governantas.

A mulher deveria estar junto à porta, ouvindo a conversa, para se apresentar tão rápido.

— Bom dia, Sra. Shepherd — disse o Sr. Clark. — Permita-me lhe apresentar a Srta. Lawson, que se ofereceu para ser a nova tutora de lady Priscila.

— O nome me parece extenso demais para uma menina tão pequena — Helena observou.

— O pai costumava chamá-la de Pepe mas, quando ela cresceu, abandonou o apelido.

Depois da apresentação e aperto de mãos, Helena pediu que a Sra. Shepherd a levasse até o quarto para poder tirar o chapéu e a capa.

— Imediatamente, senhorita — respondeu a governanta.— Seu quarto fica contíguo ao berçário. Helena ergueu uma sobrancelha.— A senhora está dizendo que lady Priscila ainda ocupa o berçário

embora tenha idade suficiente para precisar de uma tutora?A governanta a fitou com espanto.— Nunca passou pela nossa cabeça mudá-la de quarto. Mas caso ela

prefira um quarto maior, não há razão para não ter seu desejo satisfeito.— Ninguém comentou isso comigo — o Sr. Clark se apressou a se

justificar.— Não, mas acho bom começarmos a pensar no assunto— retrucou a Sra. Shepherd com um olhar significativo ao secretário,

como quem quisesse dizer que Helena também não ficaria entre eles por muito tempo.

Helena achou por bem encerrar a entrevista.— Obrigada por sua gentileza.— Estou às suas ordens.Em seguida, a Sra. Shepherd se dirigiu à porta e Helena a seguiu.— O berçário fica no segundo andar.— Não tem importância. Assim aproveitarei para admirar esta linda casa.— Todos ficam impressionados quando a vêem pela primeira vez. Só

espero, Srta. Lawson, que permaneça por aqui ao menos o tempo suficiente para conhecer todos os tesouros que ela encerra.

Chegaram ao primeiro andar e depois ao segundo, quando a governanta se deteve diante de uma porta pintada de branco.

Certa de que estava diante do berçário, Helena pediu licença para entrar sozinha.

— Não quer que eu a apresente? — a Sra. Shepherd indagou, espantada.Helena negou com um movimento de cabeça.

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— Se a senhora não considerar uma grosseria de minha parte, gostaria de eu mesma me apresentar.

— Bem, não posso dizer que não se trata de uma abordagem diferente. A senhorita deve ter seu próprio modo de trabalhar e não me cabe fazer nada a não ser respeitá-la.

— Obrigada, muito obrigada. Quanto a minha bagagem, poderia pedir que a tragam, por favor?

— E claro que sim. Se precisar de alguma coisa, qualquer um poderá lhe mostrar meu quarto.

— Certamente.Antes de abrir a porta do berçário, Helena esperou que a Sra. Shepherd

se afastasse pelo mesmo caminho e chegasse até o primeiro andar. Neste instante, sem bater, abriu a porta e viu a pequena ocupante sentada no chão com uma boneca no colo. Havia uma porção de soldadinhos de chumbo e outros brinquedos espalhados ao seu redor.

A menina olhou para cima quando Helena entrou. Levantou-se de um salto, foi até a janela e se colocou de costas.

Helena fechou a porta lentamente atrás de si e já estava no meio do quarto quando Priscila se manifestou.

— Vá embora! Não vou assistir nenhuma aula! Odeio...Antes que ela dissesse mais uma palavra, Helena levou um dedo aos

lábios.— Shh!A criança arregalou os olhos e ela continuou andando pelo quarto até

chegar a uma porta ao lado da janela. Espiou para dentro e descobriu que estava certa. Aquele era o quarto da garotinha. Um quarto muito bonito e bem decorado, mas com todos os móveis em tamanho reduzido.

Voltou-se novamente para Priscila e tornou a pedir silêncio. Depois fez um sinal para que a menina a seguisse.

— Acho que ninguém nos ouvirá aqui dentro. Tenho algo para lhe pedir.A criança não poderia se mostrar mais espantada.— Venha! — Helena insistiu. — Podem estar nos escutando do outro lado

da porta.Priscila não se moveu até Helena entrar no quarto. Depois a seguiu, como

se não pudesse acreditar no que estava acontecendo.— Feche a porta — Helena sussurrou e se sentou na beirada da cama.

Tirou o chapéu e a capa e falou baixinho. — Preciso da sua ajuda.— Minha ajuda? — a menina repetiu, em voz alta. Helena levou outra vez

o dedo aos lábios.— Shh! E um segredo.Como se estivesse hipnotizada, Priscila caminhou até a cama.— Você quer minha ajuda? Mas por quê?— Vou lhe contar, mas antes preciso que me prometa que tudo o que eu

disser será mantido em segredo.A menina a fitou em silêncio.— Por favor me ajude — Helena repetiu.— Não estou entendendo. Como poderia ajudá-la? Helena olhou ao redor

como se temesse que alguém entrasse inesperadamente.— Sente-se e eu lhe contarei por que o assunto é tão secreto. Lady

Priscila obedeceu, mas se sentou do lado oposto da cama.— Se me ajudar, eu lhe serei muito grata, mas não pode se esquecer de

que se trata de um segredo.

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— Que segredo?— Eu vou lhe contar e você entenderá. Mas primeiro quero que me dê sua

palavra de honra que não dirá a ninguém.— Eu dou.— Então beije seus dedos em cruz, assim como eu estou fazendo.A menina observou o gesto com atenção e imitou-o.— Agora já posso lhe contar a verdade — Helena desabafou e continuou

num sussurro. — Eu fugi de casa.— Você fugiu? Mas por quê?— Porque não tenho pai nem mãe e meu padrasto, que é um homem

detestável, quer que eu me case com um velho, simplesmente porque ele é importante e poderá ajudá-lo nos negócios.

— Quer dizer que fugiu de casa e que ninguém sabe para onde foi?— Sim — Helena confirmou. — Você é muito esperta. Mas se ele

descobrir onde estou, serei obrigada a voltar e me casar contra minha vontade.

— Então você quer ficar aqui?— Quero muito, mas não sou realmente uma tutora. Nunca fui. Temo que

seu pai me mande embora, se descobrir. — Helena fez uma pausa e respirou fundo. — Por favor me ajude. Só você pode me salvar, fingindo que sou sua tutora.

— E como eu poderia fingir?— Eu estava pensando nisso durante a viagem. Como não poderei lhe

ensinar nada, você terá de fingir que está aprendendo comigo.— De que jeito?— A primeira coisa que pensei foi que todas as pessoas que visitam esta

casa não se cansam de exclamar o quanto ela é bonita.Lady Priscila assentiu.— Você lhes dirá, então, que os irmãos Adam sempre projetaram apenas

casas maravilhosas.A menina pareceu surpresa e Helena se apressou a explicar.— Quando fizer esse comentário, as pessoas ficarão sabendo o quanto

você é inteligente.— O que mais eu deverei fazer? — a menina quis saber.— Teremos de fingir que estamos em aulas. E para que ninguém

desconfie, pensaremos numa saída. Quando seu pai estiver em casa, por exemplo, você poderá lhe dizer três palavras pela manhã, bonjour, mon pere. Ele imediatamente pensará que você está aprendendo francês.

— Vai ser muito divertido. — A menina riu.— Pensaremos em muitas outras coisas que impressionem os outros. E

como somos espertas, todos acreditarão que eu sou uma boa tutora.— Você disse que precisaríamos fingir ter aulas.— Será fácil. Basta escrevermos algumas palavras nos cadernos. Então,

quando as pessoas os lerem, pensarão que você está aprendendo lições sobre os diversos países. Na verdade, eu tenho uma porção de histórias para lhe contar sobre os lugares em que estive, como Paris, Egito e Grécia, onde vi estátuas de deuses e deusas.

— Você me contará sobre elas?— Lógico que sim. Será a melhor forma de fingirmos que estamos tendo

aulas.— As outras tutoras eram completamente diferentes de você.

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— Já lhe disse que não sou uma tutora. Você terá de me dizer o que deverei fazer.

A menina tornou a rir.— Será muito engraçado. Em vez de você me ensinar, eu é quem

ensinarei.— Se quiser me ajudar, é isso que terá de fazer. Não quero ir embora. Se

seu pai me despedir, não terei para onde ir. Não posso voltar para casa. Meu padrasto me obrigaria a casar com aquele homem horrível.

— Não vou deixar que a mandem embora — a menina garantiu.— Parece que teremos muito com que nos divertir. Se houver cavalos no

estábulo, poderemos passear bem longe para que ninguém ouça nossas conversas.

— Você sabe cavalgar? — a menina perguntou, contente.— Nenhuma das outras tutoras sabia.— Eu sei e adoro. Prefiro mil vezes a vida no campo do que na cidade. Só

espero que ninguém me mande embora.— Eu não deixarei — Priscila respondeu.— Eu lhe agradeço do fundo do coração. Estava com medo que você não

me quisesse.— Ninguém a mandará embora daqui.— Para que isso não aconteça, teremos de representar bem os nossos

papéis. Eu tenho de fingir que sou uma tutora e você tem de fingir que é minha aluna. Você me ensinará como me comportar e eu lhe ensinarei apenas algumas coisas para que ninguém fique desconfiado.

— Está bem.— Oh, muito obrigada.— Não tenha mais medo. Eu direi a todos que estou aprendendo muitas

lições novas que não conhecia.— E estará dizendo a verdade, apesar de tudo. Detesto mentiras. E por

isso que lhe contarei histórias sobre os lugares onde estive. Também acho que há histórias escondidas nesta casa, que ninguém descobriu até hoje.

Os olhos de Priscila brilharam.— Que histórias?— Se me mostrar a galeria, poderei começar a contar uma agora mesmo.

Vi muitos quadros em Paris, em Roma e também na Espanha e entendo um pouco de pintura.

— Helena fez uma pausa. — Aposto que você tem uma grande biblioteca aqui.

— Sim, e ela está cheia de livros que detesto.— Um bom livro sempre nos conta uma boa história. Se você não gosta de

ler, eu poderei ler primeiro, e depois lhe contar o enredo com minhas próprias palavras.

— Eu prefiro assim.De repente, houve uma batida à porta.— O que foi isso? — Helena perguntou.— Devem estar nos chamando para o almoço — Priscila informou. — Você

deve estar com fome depois de viajar desde Londres, não?— Estou, sim, agora que você mencionou o assunto. Antes, com medo de

ter de voltar para casa, até me esqueci da fome.— Não precisa mais ter medo.

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— Lembre-se de ter cuidado com o que fala na frente dos outros — Helena sussurrou. — As paredes tem ouvidos e sempre escutam o que você não quer que ninguém saiba.

A menina riu e foi até a porta. Um lacaio estava arrumando a mesa.— O almoço está sendo servido.— Então vamos comer e depois, talvez, dar um passeio até os estábulos —

Helena propôs. — Você poderia me mostrar seu cavalo, se tiver um. Como já lhe disse, adoro cavalos.

— Poderemos cavalgar, também?Helena percebeu que a menina parecia ela mesma, quando era pequena.— Acha que nos darão permissão? — Helena respondeu com outra

pergunta.— Claro que sim.— Neste caso, você poderá dizer que quer me mostrar o bosque. Ainda

bem que eu trouxe uma roupa de montaria em minha bagagem.— Está decidido. Avisarei Harry a respeito, pois é ele quem está

arrumando a mesa hoje.Helena se levantou e já estava quase chegando ao berçário quando ouviu

o criado responder:— Sim, milady. Eu pedirei que preparem seu pônei e um cavalo para sua

tutora.Assim que o homem saiu do quarto, Helena foi até a mesa e franziu o

cenho ao notar que se tratava praticamente de uma comida especial para bebês. Não fez nenhum comentário, mas pensou que a menina já tinha idade para comer outro tipo de refeição e também para se juntar aos adultos.

Durante o almoço, Helena contou sobre os cavalos que tivera e o quanto gostara deles.

— Quando fui para a escola, chorei muito, mas não por estar deixando a Inglaterra, e sim meus cavalos.

Como notasse o interesse da criança, Helena disse os nomes dos cavalos e também o modo com que aprendera a saltar obstáculos.

— Eu gostaria de aprender a saltar, também!— E claro que aprenderá, mas não com seu pônei. Ele deve estar ficando

pequeno para você.— Eu já disse isso, mas acham que ainda não estou grande o suficiente

para ter um cavalo.— Sabe montar bem? — Helena perguntou.— Muito bem, embora não me deixem cavalgar sozinha.— Não contaremos a ninguém, mas eu não a puxarei pela rédea quando

sairmos.Os olhos da menina mostraram a excitação que sentia. Era óbvio que

aquilo contribuíra para irritá-la e torná-la difícil.Meia hora depois, Priscila e Helena saíram em direção aos estábulos.O cavalariço ajudou Helena a montar e depois lhe entregou a rédea do

pônei de Priscila.Tão logo elas se afastaram, Helena soltou a rédea do pônei.— Agora poderemos correr — disse a menina.— Antes quero verificar seu modo de cavalgar. Depois, se achar que você

tem condições, pedirei que lhe dêem um cavalo.A menina era, sem sombra de dúvida, uma excelente amazona e galopou

a seu lado até o bosque.

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— Adoro bosques — Helena declarou. — Acredito que eles escondem gnomos entre as raízes das árvores e fadas entre as folhas.

— As tutoras que tive antes de você me disseram que fadas e gnomos não existiam.

— Eu acredito que existem, mas que somente pessoas como você e eu podem vê-los. Tenho certeza de que vi alguns gnomos no bosque da minha casa, quando era criança.

Priscila estava boquiaberta.— Quanto às fadas, teremos certeza de sua existência, se encontrarmos

um círculo de cogumelos. É nesse lugar que elas costumam dançar à noite.— Fale mais! — Priscila pediu.— Não seria melhor deixarmos as histórias para mais tarde, quando não

tivermos mais nada para fazer? Neste instante, estou com vontade de galopar mais* e mais depressa até aquela colina lá adiante.

— Existe uma caverna no topo daquela colina — Priscila informou. — Não me deixam chegar perto dela.

— Por que não?— Porque é perigoso. Parece que há uma porção de caminhos dentro da

caverna, e eu poderia me perder.— Deve ser um lugar incrível. Estou sentindo vontade de explorá-lo.A idéia, obviamente, deliciou a menina, mas Helena achou melhor deixar

o passeio para outro dia.— Não posso mais continuar chamando-a de lady Priscila, não acha? Além

de ficar muito comprido, nós já somos amigas. Que acha de eu chamá-la de Pepe, como seu pai costumava chamá-la quando era pequena?

— Às vezes, ele ainda me chama. Mas, em geral, está tão zangado comigo que não quer nem me olhar.

— Se você não me mandar embora, ele não terá mais motivo de ficar zangado.

— Não vou mandá-la. Você me conta histórias interessantes e divertidas.— Ainda nem comecei — Helena sorriu. — Espere só para ver.No caminho de volta, conforme se aproximavam da casa, Helena admirou

mais uma vez a mansão.— Sua casa deve ter muitas histórias para contar, também. Espero que

seja você a me levar para explorá-la, em vez da Sra. Shepherd. Tenho certeza de que encontraremos ao menos uma história em cada cômodo. Talvez duas ou três.

— Como as encontrará? Helena refletiu por um momento.— Se aconteceu algo digno de ser lembrado dentro de um cômodo, nossa

mente poderá captar a cena.— E se eu não captar, você me conta?— Conto, desde que você faça o mesmo comigo. Priscila riu.— Acho que ficaremos contando histórias o tempo todo.— E por que não? — Helena indagou. — Algumas histórias são

maravilhosas e excitantes, além de uma lição muito especial.— As outras tutoras queriam me dar outros tipos de lições.— Mas eu sou uma tutora moderna — Helena brincou. — Tornei-me uma

heroína, a partir do momento em que você concordou em me ajudar. Agora, a cada vez que pensar em mim, estará escrevendo um livro em sua mente.

A idéia entusiasmou a menina.

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— Talvez fosse bom você anotar as histórias à medida que as formos encontrando. Desta forma, poderá publicá-las, no futuro, e se tornar uma autora famosa.

— Mas eu detesto livros — a menina afirmou de maneira automática.— Há livros e livros — Helena explicou —, assim como há pessoas e

pessoas. Algumas nós amamos, pois são maravilhosas. Portanto, seria ótimo escrevermos sobre elas. Quanto as outras, que são más e horríveis, o melhor que temos a fazer é esquecê-las.

A menina ficou refletindo por alguns instantes.— Se são más, são as vilãs.— Enquanto nós duas somos as heroínas como todas as pessoas boas, que

merecem a ajuda das fadas e dos anjos.A observação iniciou outra conversa e as duas ainda estavam discutindo

sobre a existência de um anjo da guarda individual, quando chegaram ao estábulo.

— Notei que lady Priscila voltou sem ser guiada. Não sei o que o marquês dirá sobre isso.

— Lady Priscila tem idade suficiente e é bastante competente para cavalgar sozinha — Helena declarou. — Ela deveria trocar o pônei por um cavalo.

— Só Vossa Senhoria poderá decidir — retrucou o cavalariço. — Sempre tivemos muito cuidado para ela não sofrer nenhum acidente.

— Digo a você que não acontecerá nenhum acidente e como percebo que é um homem inteligente, espero que consiga lhe arranjar um bom cavalo para amanhã.

O cavalariço vacilou, mas o elogio falou mais forte.— Farei o melhor que puder.Helena sorriu e agradeceu. Depois, conforme se encaminhavam para a

casa, disse a Priscila.— Seria agradável se tomássemos o chá em alguma sala. Tenho certeza

de que a mansão conta com várias e que todas encerram alguma história.— Eu gostaria muito, mas sou obrigada a fazer minhas refeições na

escola, que, como você sabe, é o berçário.— Eu percebi e como seu pai não está, pedirei ao mordomo para nos

servir na sala que você desejar.Priscila pensou por um momento.— Gostaria de ir para a sala de tapeçaria.— Muito bem. Hoje tomaremos nosso chá lá. Amanhã encontraremos

outra sala até percorrermos todas.Entraram pela porta da frente e não viram o mordomo. Dessa forma,

Helena deu a ordem aos dois criados que montavam guarda no vestíbulo.— Lady Priscila e eu gostaríamos que o chá fosse servido na sala de

tapeçaria. Iremos trocar de roupa, mas não nos demoraremos.Os homens a fitaram com perplexidade.— Na sala de tapeçaria? — retrucou um deles. — Mas milady sempre

toma o chá lá em cima!— Ela não tem mais idade para usar o berçário. Espero encontrar uma

sala de aula mais adequada e confortável. Portanto, assim que terminarmos o chá, gostaria de falar com a Sra. Shepherd.

Helena falou de modo gentil, mas com uma autoridade que o criado não demorou a reconhecer.

— Certamente, senhorita.

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Assim que ficaram a sós, Helena olhou para Priscila e desafiou-a.— Aposto que chego mais rápido do que você lá em cima. A menina deu

um pequeno grito e se pôs a correr um pouco atrás de Helena que, propositadamente, deixou-a ganhar, mas apenas por um degrau.

Ao fim da corrida, ambas estavam rindo, de mãos dadas.— Agora se troque depressa — Helena pediu.Uma camareira surgiu imediatamente. Obviamente tinha como tarefa

ajudar Priscila a se vestir e se despir. E como a ajuda de Helena não era necessária, naquele instante, ela se dirigiu também a seu quarto para trocar o traje de montaria por um vestido bonito, mas simples.

O quarto que lhe destinaram era comum e um tanto sombrio. Notou que as malas haviam sido trazidas e que apenas uma fora aberta e as roupas guardadas.

A sala de tapeçaria era uma das mais lindas que Helena já vira. Embora as peças variassem em tamanho, formato e cor, todas apresentavam um motivo.

Inventou uma história sobre a primeira figura e Priscila se encarregou da segunda história. Seu modo de falar demonstrava não apenas inteligência mas também força de imaginação. Uma pena que ninguém tivesse conseguido despertá-la mais cedo para o aproveitamento de ambos os dons, por se aterem rigorosamente aos métodos tradicionais de ensino.

Ao terminarem o chá, Helena comentou que achava melhor deixarem a galeria para outra ocasião porque já haviam feito o bastante por um dia, mas que gostaria se Priscila a levasse para conhecer a sala de música, se houvesse uma.

— Sim, nós temos uma sala de música bonita e grande, mas nunca a visito. As outras tutoras não sabiam tocar piano e a professora, que trouxeram da cidade para me ensinar, desistiu na minha terceira aula.

— Por que fez isso?— Porque eu não tocava do jeito que ela queria.— Bem, se você quiser, posso lhe mostrar como gostaria que tocasse.A menina lhe pegou a mão e a levou até a última porta de um longo

corredor.Ao abri-la, Helena não pôde reprimir uma exclamação. Ela não era apenas

linda, mas fascinante. Havia quadros nas paredes e muitos vasos de plantas que começavam a florescer. Ficou tão impressionada que se esqueceu, por um instante, que não estava sozinha.

Sentou-se ao piano e tocou uma música de um dos grandes compositores, mestre não apenas das notas, mas também do romance.

A menina a ouviu, extasiada.— Este piano é perfeito. Tenho certeza de que você poderá aprender

músicas adoráveis nele. Por que não se senta comigo e tenta tocar alguma coisa por si mesma?

Priscila se sentou sem hesitar e começou a dedilhar as teclas segundo seu instinto. Helena a ouviu em silêncio até que terminasse.

— Descobri algo sobre você.— O quê? — a menina se voltou, curiosa.— Um dia será uma grande pianista, pois toca por inspiração. Será capaz

de escrever as notas em sua mente antes que elas sejam publicadas.— Isso acontece de vez em quando. Eu ouço a música em minha cabeça

quando vou dormir, mas depois não consigo transportá-la para o piano.— Você conseguirá com o tempo. Antes terá de praticar.

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— Por favor, toque outra vez aquela música.Helena não demorou a atendê-la e, além daquela, tocou várias outras

músicas, movida pela paixão que a música sempre lhe inspirara.As horas passaram tão depressa que quando Helena se deu conta, o

jantar já deveria estar prestes a ser servido.— Espere aqui — Helena murmurou. — Vou procurar a Sra. Shepherd e

verificar se poderemos mudar nossos aposentos.Priscila ficou entusiasmada.— Seria ótimo. Faz tempo que quero ter um quarto no andar inferior.

Detesto ter de dormir e passar o dia quase inteiro naquele velho quartinho de bebê, mas me disseram que ali é também a minha escola.

— Tenho certeza de que há uma porção de quartos vazios nesta casa imensa e que ao menos um deles será mais adequado a você. Aliás, talvez fosse melhor eu falar diretamente com o Sr. Clark.

— Gosto dele — Priscila comentou inesperadamente. — É um homem simpático. Quando lhe contei, uma vez, que tinha atirado um livro pela janela, ele riu e respondeu que se o tema era chato, teria sentido vontade de fazer o mesmo quando era pequeno.

Helena riu.— Acho que ele é a pessoa certa, então, para atender nosso pedido.

Venha comigo. Talvez possamos lhe falar ainda antes do jantar.As duas se dirigiram ao escritório onde Helena fora levada ao chegar. O

homem se levantou ao vê-las e sua expressão se tornou preocupada. Contudo, assim que Helena começou a falar, a expressão se tornou aliviada e atenta.

— Priscila e eu chegamos a conclusão de que ela não tem mais idade para ocupar o berçário. Após conversarmos muito, decidimos que o ideal seria uma mudança para o primeiro andar, num quarto com terraço. Neste caso, seria conveniente que eu ocupasse o quarto ao lado, com alguma comunicação entre eles. Talvez pelo próprio terraço. Acha que será possível?

— Sim, é claro que sim. Numa casa grande como esta, temos várias opções — respondeu o Sr. Clark. — Não entendo como nem eu nem a Sra. Shepherd pensamos nisso antes.

— Como imagino que os quartos estejam sempre limpos e prontos para receber hóspedes, espero que possamos nos mudar imediatamente. Seria um desperdício de tempo se eu tivesse de desfazer as malas e depois tornar a fazê-las.

— Espero que esse pedido signifique que não pretende nos deixar. Posso pensar assim, senhorita?

Helena olhou de modo cúmplice para a aluna.— Depende de lady Priscila. Se ela quiser, eu ficarei.— Eu quero que ela fique, Sr. Clark. E também quero mudar de quarto,

porque berçários foram feitos para nenês. Ah, e quero ter um piano em meu novo quarto.

— Uma boa idéia — Helena afirmou. — Não havia pensando nisso. Se possuir um piano em seu próprio quarto, poderá praticar a hora que sentir vontade. Então, quando a música estiver bem ensaiada, poderá tocá-la naquele maravilhoso piano de cauda, sem ter a sensação de que ele está rindo de nós.

A menina achou graça.— Tenho certeza de que ele não riria de você.

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— Não tenho tanta certeza. Estou fora de forma. Assim, não só você, mas eu também me exercitarei no piano do seu quarto, para que o piano de cauda nos aplauda, depois.

Helena notou que o Sr. Clark não cabia em si de alegria ao observar o comportamento de Priscila.

— Estou pensando — o secretário refletiu — e acho que ambas ficariam satisfeitas, o que é o mais importante, se ficassem com o quarto onde o rei George IV dormiu, uma vez, logo após sua coroação.

Helena deu um gritinho de prazer.— Adoro ler sobre George IV e sei que Priscila ficará encantada com as

histórias a seu respeito.— E verdade. Ele era muito ativo quando príncipe de Gales e depois ainda

mais como príncipe regente.Helena sabia que o homem estava se referindo aos muitos casos

amorosos em que o monarca se envolvera e também sobre suas extravagâncias em Carlton House.

— Muito bem — continuou o secretário. — Pedirei para a Sra. Shepherd providenciar a mudança enquanto a senhorita e lady Priscila estiverem jantando.

— Acha que ela conseguirá transportar tudo a tempo para que nossa jovem possa descansar?

— Temos muitas camareiras nesta casa — o Sr. Clark a tranqüilizou ao mesmo tempo em que tocava a sineta.

— Peça para a Sra. Shepherd vir até aqui imediatamente — ordenou ao criado que o atendeu. — Também irei precisar de quatro homens.

A Fugitiva— Sim, senhor. Helena se levantou.— Enquanto as providências são tomadas, estou pensando em voltar à

sala de música e tocar mais uma peça para lady Priscila, para que ela tenha bons sonhos esta noite em sua nova cama.

— Tenho certeza de que eu terei — murmurou o Sr. Clark. — Não imaginei que alguém como a senhorita realmente existisse.

De mãos dadas, Helena e Priscila voltaram através do longo corredor até a sala de música.

— Feche os olhos e tente sentir a história que a música lhe contará.— Está bem — respondeu a menina, sentando-se no sofá mais próximo.A música escolhida por Helena foi leve e romântica. Aprendera-a em Paris

e dançara muitas vezes ao seu som. Sempre que a ouvia se sentia transportar no espaço e esperava que Priscila fosse sentir o mesmo.

Ao término, Priscila deu um salto e correu para a plataforma onde o piano estava colocado.

— Foi maravilhoso. Imaginei uma linda história. Posso contar?— Claro que pode. E quando terminar, eu também lhe contarei uma. —

Em seguida, Helena se inclinou para a menina e sussurrou em seu ouvido. — Obrigada por me ajudar. Você me salvou. Acho que não irão mais me mandar embora daqui.

— Mandá-la embora? Se fizerem isso, eu gritarei e irei com você.— Não creio que será necessário. Acho que poderemos ficar juntas e nos

divertir.Helena beijou a menina quando acabou de falar e ela imediatamente

colocou os bracinhos ao redor de seu pescoço e abraçou-a.— Agora vou lhe contar minha história.

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CAPÍTULO V

Helena dormiu em paz pela primeira vez desde que retornara de Paris, e lady Priscila também deveria ter passado uma boa noite, a julgar pela sua aparência quando se encontraram no terraço para tomarem o desjejum. Um desjejum, aliás, que parecia adequado a uma criança de dois ou três anos de idade.

Assim que terminaram de comer, a menina que já estava vestida com sua roupa de montaria, perguntou se poderiam ir aos estábulos.

— Primeiro quero fazer outra coisa. Espero que venha comigo e me apóie. Pretendo falar com a cozinheira.

— Não tenho permissão para entrar na cozinha.— Ninguém dirá nada se estiver comigo — Helena respondeu. — Acho

que você concorda comigo sobre necessitarmos de outro tipo de alimentação.Antes que a menina respondesse, Helena saiu do quarto e perguntou ao

criado mais próximo.— Poderia verificar se a cozinheira pode me receber? O jovem a fitou,

intrigado.— Ela é ele!— Um homem? — Helena estranhou.— Sim. Chama-se monsieur Téyson.Helena gostou da informação, mas não disse nada. Em seguida, tomou

Priscila pela mão e se pôs a seguir o empregado.Passaram pela sala do Sr. Clark, pela despensa, e finalmente chegaram a

cozinha.— Obrigada — Helena agradeceu.Ao abrir a porta, viu um homem de meia-idade trabalhando sobre uma

mesa larga, no centro da cozinha. Bastava um olhar para se saber que ele era realmente francês.

— Bonjour, monsieur.O chef a fitou, surpreso.— Bonjour, mademoiselle. Bom dia, milady.Helena se apresentou no seu melhor francês e comentou que estava

ansiosa para que lady Priscila logo soubesse algumas palavras naquele idioma. O que poderia ser melhor do que ela aprender os nomes dos famosos pratos franceses, em primeiro lugar?

— Os franceses são os melhores cozinheiros do mundo — Helena afirmou. — Já viajei muito, mas nunca experimentei nada melhor do que a cozinha francesa.

A expressão de surpresa se seguiu uma de satisfação e orgulho.— E claro, mademoiselle. O melhor modo de se ensinar o francês é

através do estômago.— Sabia que o senhor entenderia e lhe sou grata por isso. Vossa Senhoria

certamente gostaria muito de ver a filha aprendendo línguas e eu considero o francês a mais importante de todas.

O chef sorriu e foi buscar um pequeno pacote.

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— São petits fours, bolachinhas, para a jovem senhorita. No mesmo instante, Helena cochichou para Priscila.

— Diga-lhe merci, monsieur, que quer dizer, obrigada, senhor. Quando a menina repetiu corretamente as palavras, o homem ficou encantado.

— Vous parlez Français! Isso é muito bom! Seu pai não acreditará quando a vir!

— Agora, monsieur Téyson, peço que comece a preparar apenas pratos franceses para que lady Priscila possa aprender seus nomes.

Priscila, que já havia experimentado um petit four, disse que estava delicioso e que gostaria de poder comer alguns todos os dias.

— Acho que se você agradecer novamente, em francês, ele não esquecerá.

— Merci, monsieur.O cozinheiro sorriu e as acompanhou até a porta. Do lado de fora, o

mordomo, que estivera ouvindo a conversa, foi o próximo a receber uma ordem com muita sutileza.

— O senhor deve concordar comigo que os magníficos pratos que monsieur Téyson irá nos preparar, não deverão ser servidos frios, o que iria acontecer fatalmente se tivessem de ser levados até nosso quarto. No futuro, portanto, lady Priscila e eu deveremos usar a sala de jantar para todas as refeições.

O mordomo a encarou como se quisesse discutir o pedido, mas sua resposta foi que providenciaria para que fossem atendidas.

Helena se sentiu vitoriosa. Porém, com receio de que alguém mudasse subitamente de idéia, levou Priscila para os estábulos.

O cavalariço, para alegria de ambas, havia conseguido um cavalo de uma altura adequada para a menina. Não muito alto, mas também não muito baixo.

— Agora poderei cavalgar tão rápido quanto você — Priscila sorriu.— Claro que sim, mas antes deve conversar com ele para fazerem

amizade.— Eu? Conversar com um cavalo? E ele entenderá o que digo?— Claro que entenderá. Meu pai me ensinou a falar sempre com meus

cavalos antes de montá-los. Eles começaram a reconhecer a minha voz e aprenderam a adivinhar, instintivamente, o que eu queria que fizessem. Já pensou num nome para lhe dar?

— Ele se chama Estrela de Prata — informou o cavalariço.— E um bonito nome! — lady Priscila exclamou. — Obrigada por tê-lo

encontrado para mim.— Foi um prazer — o homem respondeu. — Algum dia, lhe arrumarei um

outro ainda maior e que saiba saltar como o do seu pai.Priscila se aproximou do animal e começou a falar baixinho. Helena

percebeu que ela estava constrangida e afastou convenientemente o cavalariço, fingindo precisar de um conselho.

Depois de alguns minutos, ambas saíram para o campo.Não foi preciso muito tempo para Helena, que se forçara a andar

devagar, perceber que a menina estava conduzindo o cavalo de modo perfeito.— Vamos até a colina? — Priscila sugeriu.— Ainda não — Helena respondeu. — Tenho de averiguar antes se ela é

realmente perigosa ou se lhe disseram isso apenas como uma desculpa para evitar que subisse lá sozinha.

— Pode ser — admitiu a menina, rindo. — As minhas outras tutoras eram tão velhas que não deviam apreciar escaladas.

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— O que acha de voltarmos, já que é quase hora do almoço, através do bosque? Talvez possamos encontrar alguns gnomos. E à tarde, como o dia está quente, pensei em irmos nadar no lago.

— Nadar? Poderemos entrar na água?— Não me diga que nunca esteve lá! — Helena exclamou.— Nadei no mar, uma vez, há dois anos, mas as ondas me derrubavam.

Nunca nadei no lago porque as outras tutoras não deixavam.— Pois eu adoro nadar e vou levá-la comigo.Ao término da segunda semana, Priscila já estava sabendo nadar bastante

bem.Havia uma cabana perto do lago e Helena pediu que a limpassem para

que Priscila e ela pudessem se trocar ali em vez de terem de voltar para casa, molhadas.

O cavalariço também contribuiu para que aquelas duas semanas fossem muito divertidas. Depois de se certificar de que Priscila realmente sabia cavalgar, permitiu que ela experimentasse todos os cavalos que desejava.

E a vida em Teringford Court se tornou tão agradável quanto a vida que Helena costumara levar em sua própria casa no campo.

No décimo dia, quando tinha acabado de se deitar, houve um estrondo no céu.

Levantou-se e foi fechar a janela para impedir que a chuva entrasse. Seguiram-se outros estrondos. No meio deles, ela conseguiu ouvir uma voz frágil;

— Estou com medo.— Eu também — respondeu ao ver Priscila. — Suba na minha cama.

Dormiremos juntas esta noite.No relâmpago seguinte, Priscila escondeu o rosto em seu ombro.

Abraçou-a no mesmo instante.— Não tenha medo. São as nuvens travessas que estão brigando umas

com as outras. Mas elas não são más. Quando o sol tornar a sair, tudo será esquecido.

— Eu tenho medo porque elas fazem muito barulho. Mas agora que estou com você, me sinto segura.

— Completamente.— Sabe, o jeito com que falou sobre as nuvens parecia uma história.— Em outras palavras — Helena riu —, está me pedindo que conte uma,

não é?— Sim, por favor.A menina se aconchegou mais e Helena disse:— Você sabe que deveria estar dormindo. Teremos um dia cheio amanhã.

Por isso vou lhe contar apenas uma história curta sobre os anjos que nos protegem. O seu, por exemplo, acho que é feminino e que tem o seu apelido.

— E o seu, como se chama? Helena hesitou.— Meu nome verdadeiro é segredo. Se eu lhe contar, você tem de

redobrar seu cuidado para não me chamar por ele na presença de outras pessoas. Tenho medo que meu padrasto me encontre se as pessoas falarem sobre mim.

— Terei cuidado.— Eu me chamo Helena.— E um nome bonito. Muito mais bonito do que Srta. Lawson.— Esse é um nome falso, mas que deve ser usado na presença dos criados

e de todas as pessoas que vierem a esta casa.

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Agora que estava pensando no assunto, Helena estranhou que não viesse ninguém a Teringford Court. Nem sequer seu dono.

— Tomarei cuidado porque não quero que ninguém a tire de mim.— Você sabe que eu adoro estar aqui. Aliás, eu adoro você, Pepe.— Eu também te adoro, Helena, e não quero que me deixe nunca.Helena a beijou com carinho e sentiu que a menina, pouco a pouco, foi

relaxando, até adormecer.Na manhã seguinte, quando desceram para o desjejum, foram envolvidas

por um delicioso aroma.— Vossa Senhoria deve chegar hoje — avisou o mordomo.— Ele mandou um mensageiro nos avisar que estará vindo sozinho e que

não receberemos hóspedes neste fim de semana.Pepe se mostrou contente, mas também preocupada.— Espero que papai não nos mande de volta para o berçário.— Tenho certeza de que ele não fará isso.Embora falasse com convicção, Helena, na verdade, estava ansiosa. Se o

marquês contrariasse a filha, ela poderia voltar a se comportar como uma criança rebelde.

— Saiu uma notícia sobre o marquês no jornal de ontem — continuou o mordomo. Não sei se a senhorita o leu, mas falavam sobre esta casa e sobre seus valiosos tesouros.

— Não, eu não li o jornal, ontem. Lady Priscila e eu estávamos ocupadas demais. Espero, entretanto, que a notícia não atraia os ladrões.

— Não há perigo, senhorita. Temos dois homens vigiando a casa todas as noites e um dos cavalariços sabe usar armas de fogo.

— Ainda bem — Helena murmurou. — Sinto-me mais segura assim.— O marquês mandou que colocassem, também, fechaduras extras por

toda a casa.— A que horas seu pai chegará? — Helena perguntou a Priscila assim que

ficaram a sós.— Ele costuma chegar no final da tarde. As tutoras o procuram e, antes

de eu dormir, ele me passa um sermão.— Desta vez ele terá uma surpresa. Precisamos pensar num jeito de

deixá-lo boquiaberto com tudo o que você fizer e disser.— Faremos uma surpresa tão grande — concordou Pepe —, que ele irá

pedir que você fique aqui para sempre.— Em primeiro lugar — Helena disse —, você terá de lhe mostrar o

quanto está feliz em vê-lo. Correrá para ele e lhe dará um grande abraço e um grande beijo.

A menina se mostrou um tanto constrangida.— Eu não costumo chamá-lo de papai, mas somente de pai.— Eu acho que papai é mais carinhoso — Helena respondeu. — Mas você

deve fazer como achar melhor. O importante é que ele perceba que você está diferente.

— Mas eu estou?— Muito. Sinto-a mais feliz agora do que quando a conheci.— E claro que estou feliz. Você me conta histórias, cavalga e nada comigo

e está me ensinando a tocar piano.— Tenho certeza de que seu pai ficará com orgulho de você quando a vir

montando aquele cavalo grande.— Talvez ele fique zangado e eu tenha de voltar para o pônei.— Tenho certeza de que não será preciso.

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A menos que o marquês fosse cego, surdo e mudo, não teria como não perceber a mudança espantosa que se operara em sua filha.

Acima de tudo, Pepe havia nascido com o dom musical. Em pouco tempo ela saberia tocar piano muito melhor do que a maioria das meninas de sua idade. Também não havia dúvida de que herdara a habilidade do pai com os cavalos. Quando ficasse mais velha, seria uma amazona excelente.

Mas o que realmente importava em relação a sua mudança era o fato de ter encontrado a felicidade.

Entusiasmava-se com tudo que fazia. Usava o cérebro como nunca havia usado antes. E, agora, todos a amavam.

— A partir de hoje — Helena voltou a falar —, teremos de ter mais cuidado do que antes. Se acha que seu pai irá chegar por volta da hora do chá, não seria melhor cavalgarmos pela manhã e darmos um mergulho no lago antes do almoço?

— Quero muito surpreendê-lo. Ele não imagina que já sei nadar tão bem.— Isso ficará para amanhã. Para esta tarde, planejei uma pequena

audição na sala de música e depois um passeio no jardim.Helena estava ansiosa para que Pepe se apresentasse bem bonita para o

pai e também bem disposta. Desta forma, procurou não cansá-la durante a cavalgada. Depois, como a manhã estivesse muito quente, levou-a para o lago mais cedo do que o costume.

Vestiram os maios na cabana que era mantida sempre limpa e com disponibilidade de toalhas. Enquanto Pepe colocava a touca de borracha, Helena prendeu seus cabelos loiros e encaracolados no alto da cabeça. Quando soltos, eram tão longos que chegavam a esconder os seios.

Pepe correu para a margem e mergulhou antes que Helena pudesse alcançá-la. Parecia uma pequena sereia.

Sorrindo, Helena se encaminhou para a água com o maio elegante que comprara na França como parte de seu enxoval de férias na casa de uma amiga.

Era azul como seus olhos e fazia conjunto com uma saia curta da mesma cor. Era a última moda na França em traje de banho e a tornava extremamente atraente.

Causara sensação quando o estreara, com seu corpo perfeito, no lago da propriedade de sua amiga. Os homens a chamaram de deusa do mar.

Naquele instante, porém, ninguém poderia vê-la a não ser Pepe e ela aproveitou para brincar com a criança onde a água estava mais fresca, sob a sombra das árvores.

Helena estava cogitando que já deveria estar na hora de voltarem para casa quando viu um homem se encaminhando para o lago.

Então, antes que pudesse perguntar a Pepe, esta se pôs a correr.— Papai, papai, você voltou! Eu estava com tanta saudade!O marquês estendeu os braços e ergueu a filha no colo. Ela o abraçou e

beijou, surpreendendo-o visivelmente.Acontecera que o marquês decidira vir mais cedo para casa. Londres, de

repente, lhe parecera enfadonha. Além de estar fazendo calor demais, ele se cansara de tantas festas e principalmente da bela condessa de Westbridge. Não que ela fosse difícil ou exigente. Apenas descobrira, como acontecia inevi-tavelmente com todos os seus casos amorosos, que a condessa não tinha nada de novo para lhe oferecer.

O que o atraía numa mulher era a inteligência e a sagacidade. Aborrecia-o a falta de assunto e a rotina.

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As mais bonitas o atraíam apenas fisicamente, razão pela qual logo se cansava delas. E o que era pior, elas começavam a irritá-lo. Até os pequenos gestos de repetir o que ele acabara de dizer, ou girar os anéis nos dedos.

Nos últimos anos, o marquês adquirira o hábito de viajar para Paris, sempre que se sentia entediado. Ou às vezes para Escócia ou outros lugares que lhe ofereciam esportes como a caça e a pesca.

Como estavam no verão, contudo, o que mais apreciava era nadar em seu próprio lago e cavalgar em suas terras em seus próprios cavalos.

Tomada a decisão, enviou um mensageiro a cavalo e deixou Londres assim que tomou o café da manhã e verificou a correspondência que, normalmente, era considerável. '

Estava ansioso por partir. Havia comprado uma parelha com quatro cavalos e queria tentar bater o recorde entre sua casa de Londres e sua casa no campo.

Concentrou-se tanto no trajeto que só após atravessar os altos portões de ferro, lembrou-se das dificuldades que deveriam estar a sua espera com relação a sua filha.

Ela se comportara de péssima forma com as duas últimas tutoras e isso o aborrecera demais.

Estava tão cansado que chegou a rezar para que tudo estivesse bem em Teringford Court e que ele não tivesse de demitir mais nenhuma tutora, nem ouvir comentários ruins sobre sua filha.

Assim que os cavalos pararam diante da porta principal, consultou seu relógio e sorriu. Havia conseguido bater não apenas seu próprio recorde mas o de muita gente.

O cavalariço chefe foi o primeiro a recepcioná-lo.— Acabei de fazer uma aquisição valiosa. Esta é a melhor parelha que já

tivemos.— Os cavalos realmente são bonitos, milorde — Abbey respondeu.— São bonitos e velozes, mas também me custaram uma pequena fortuna.— Se o ajudaram a quebrar o recorde, milorde, valeram cada centavo.— Sabe que você tem razão? — O marquês riu. O próximo a cumprimentá-

lo foi o mordomo.— E bom tê-lo de volta, milorde. Estava começando a pensar que nos

havia esquecido.— Como poderia? Estou aqui e fiquei contente em ver como o jardim está

repleto de flores. Greenhill merece os parabéns.— Ele ficará contente em saber que Vossa Senhoria o elogiou.— Ainda não vi sinal de minha filha, Hewlett. Onde ela está?— No lago, milorde, com a nova tutora.O mordomo, que trabalhava naquela casa desde que o marquês era

pequeno, pensou em dizer sobre o sucesso que fora a contratação da nova tutora, mas achou melhor deixar que o patrão descobrisse isso por si mesmo.

A mudança de lady Priscila fora notada por todos os criados.No início, as alterações feitas pela Srta. Lawson os intrigara, mas agora

eles admitiam que tudo o que acontecera, depois de sua chegada, fora para melhor.

— Lady Priscila o esperava por volta da hora do chá. Será uma grande surpresa para ela quando souber que já está aqui.

— Espero que sim — o marquês murmurou, inseguro. Da última vez que estivera em casa, a filha se recusara a sair do quarto para vê-lo. Ele tivera de

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subir até ela. No quarto, em vez de palavras carinhosas, ouvira seus gritos de que detestava ter aulas e que não faria nenhuma tarefa.

Aquele comportamento o deixara tão zangado, principalmente depois que ela bateu a porta e disse que odiava as tutoras tanto quanto as aulas, que resolveu ir embora sem se despedir.

Durante todo o percurso até Londres, tentou encontrar uma solução para o futuro de sua filha.

Pensou em chamar algum membro de sua família para ajudá-lo na criação da menina, mas decidiu que não adiantaria. De sua parte, seria muito desagradável ter de admitir que falhara como pai.

Devia amar sua filha e ser amado por ela, mas não era isso que estava acontecendo. A cada vez que se encontravam ambos perdiam o controle e acabavam irremediavelmente em brigas.

— Minha maior esperança é que a situação esteja diferente daquela que encontrei da última vez que estive aqui — o marquês falou consigo conforme se encaminhava para o lago. — Se não houver paz, eu terei de partir, embora esta seja a época do ano em que mais gosto de ficar em minha propriedade.

Com a filha no colo, o marquês pensou que aquela não poderia ser a mesma criança que batera a porta do quarto em sua cara.

— Você molhou toda minha roupa, sabia?— Eu estive nadando, papai — Pepe contou, excitada.— Aprendi a nadar como um peixe.— Um peixão — o marquês riu. — Precisa tomar cuidado para não ser

pescada.— Não há pescadores por aqui — a menina respondeu, divertida. — Mas

se tivesse, eu mergulharia bem fundo para eles não me encontrarem.Aquela estava sendo, sem dúvida, uma conversa completamente diferente

das que tiveram no passado.Foi só naquele instante que o marquês percebeu que Pepe não estava

sozinha.O sol fazia os cabelos de Helena parecerem ouro. Com metade do corpo

dentro do lago, a jovem parecia uma miragem. A verdade era que ele nunca vira uma mulher mais linda. Talvez fosse uma sereia.

Mas quando Helena começou a nadar em direção a cabana, ele soube que ela não havia sido fruto de sua imaginação, mas que era real e humana.

— Como conseguiu chegar tão cedo, papai? — Priscila lhe perguntou e ele precisou mudar o pensamento.

— Comprei quatro cavalos novos. Eles são muito rápidos.— E eu estou cavalgando o Estrela de Prata, agora. Ele também é muito

rápido.O pai não conseguiu responder. Helena estava saindo do lago e

caminhando lentamente para a cabana. Não apenas seu rosto, mas também seu corpo era lindo e perfeito.

— Quem é aquela moça? — ele perguntou.— E a minha nova tutora — Pepe contou. — Ela é boazinha, esperta e

inteligente. Eu a amo muito. Nós duas temos uma grande surpresa para você.O marquês pensou que a própria tutora já era uma surpresa.— Então vista-se e vamos para casa para que você me conte tudo o que

tem feito. — Ele fez uma pausa. — Esta não é a mesma tutora que deixei com você quando voltei para Londres, é?

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— Oh, não — a menina respondeu como se o pai tivesse dito um absurdo. — Aquela tutora era horrível e todas as outras que insistiam em me ensinar o que eu não queria aprender.

— E quando foi que a nova tutora chegou?— Não faz muito tempo, mas você não vai acreditar. Eu aprendi a fazer

uma porção de coisas.O marquês colocou a filha no chão.— Agora vá se vestir. Estou ansioso por ouvir todas as novidades que

parecem ser esplêndidas.— Elas são, papai.Enquanto se vestia, Pepe pensou que fora uma pena o pai chegar tão

cedo. Se demorasse mais uma ou duas semanas, ela teria praticado mais o piano.

Na cabana, Helena estava terminando de se trocar.— Nós pensamos que seu pai não chegaria antes do final da tarde.— Eu sei, mas não me esqueci de fazer tudo como você me ensinou.— Meus parabéns. Lembre-se de que ele só tem você como filha e todos

os homens gostam de ter uma mulher que os ouça e que lhes faça companhia.— Companhia para quê?— Para cavalgarem juntos, por exemplo. Eles também apreciam que uma

mulher lhes peça conselhos e que lhes sorria.— Serei boazinha para ele.— Eu também — Helena declarou. — Não quero que seu pai me mande

embora e coloque em meu lugar uma tutora mais velha e mais rígida.— Ele não pode fazer isso conosco. Eu amo você, Helena, e não quero

perdê-la.— Para que isso não aconteça, precisamos fazer com que ele se sinta feliz

conosco.— Eu tentarei. Prometo que tentarei. Sei que está com medo que ele lhe

mande embora. Mas se meu pai fizer isso, irei embora com você.— Não diga nada a ele. Apenas o faça se sentir importante e cuide para

que se divirta.Helena deu um laço no vestido de Priscila e ela se apressou a sair da

cabana.O pai continuava no mesmo lugar em que o deixara, olhando para o lago.

Pegou-lhe a mão.— Estou tão contente que tenha voltado, papai.— Você antes me chamava apenas de pai, pelo que me lembro.— Eu sei, mas a Srta. Lawson disse que papai era uma palavra mais

carinhosa.— Acho que a Srta. Lawson está certa, embora eu nunca tivesse pensado

nisso antes.— Ela é maravilhosa. E está com medo que você a mande embora. Não

fará isso, não é, papai?— Não, é claro que não — respondeu o marquês. — Se você se sente feliz

com ela, isso é tudo o que importa.— Obrigada, papai. Não irá se arrepender. Eu aprendi muito com ela

nestes dias e ainda tenho muito a aprender.Helena saiu da cabana naquele momento. Conforme caminhava na

direção do marquês e da filha, ele tornou a pensar que nunca vira uma mulher mais adorável.

Ao se aproximar, Helena estendeu a mão.

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— Espero que Pepe já o tenha informado sobre minha identidade, milorde. Sou a nova tutora e espero ter sua aprovação para as providências que tomei.

— Tenho certeza que terá. Minha filha está feliz e isso é o mais importante.

— Estou sim, papai.O marquês olhou para Helena.— A senhorita emprega algum método novo que desconheço?— Não, milorde. Sou natural, apenas, e tenho um modo diferente de lidar

com pessoas diferentes.Não era a resposta que o marquês esperava.— Está querendo dizer que as lições tradicionais estão fora de moda?— Não exatamente. Acontece que nem todas as pessoas são iguais. O que

para uns pode ser o paraíso, para outros é o inferno.O marquês riu da comparação.— Confesso que nunca ouvi ama explicação como esta, antes. Espero que

me explique.— O senhor verá a diferença por si mesmo — Helena respondeu.Conforme caminhavam para a casa, o marquês pensou que a nova tutora

era jovem e bonita demais. Suas feições eram clássicas. Não parecia real. Era tão perfeita que poderia ter descido do Olimpo.

— Eu gostaria que fosse verdade — Helena murmurou.— A primeira vez que estive na Grécia, senti a presença de todos os

deuses e deusas.O marquês ficou perplexo.— Você leu meu pensamento!— E mesmo! Estou tão surpresa quanto Vossa Senhoria. E muito raro isso

me acontecer. — Helena fez uma pausa.— Pretendo contar a Pepe sobre a Grécia e também sobre os deuses e

deusas que mudaram os pensamentos de quase toda a humanidade.— Considera uma parte importante da educação de minha filha?— Acho que todos anseiam por conhecer a história da Grécia e que

poucos têm a sorte de visitá-la.O marquês acreditou estar sonhando. Seria realmente uma deusa do

Olimpo que estava caminhando a seu lado e ensinando sua filha?

CAPÍTULO VI

Helena se vigiara, desde o primeiro dia, para não se referir demasiadamente a assuntos de religião.

Por ter sido educada num colégio de freiras, descobrira que muitas crianças detestavam ir à igreja e fazer suas orações.

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Falara sobre os anjos a Priscila, mas somente em forma de histórias e nunca se atrevera a lhe perguntar se rezava antes de dormir.

Depois da noite de tempestade, contudo, quando comentara sobre o anjo da guarda de Priscila ter o mesmo apelido que ela, começara a cogitar em convidar a menina a assistir a missa no domingo ou ao menos a rezar na encantadora capela que ficava ao lado da casa.

Em sua propriedade, também existia uma, mas não tão linda.Descobrira, depois de algumas indagações, que fora construída na mesma

época que a casa. Além de bonita, a atmosfera sagrada envolvia as pessoas desde a entrada.

No dia em que Helena pedira ao mordomo e ao jardineiro para que arrumassem a cabana do lago, aproveitara para pedir que também enfeitassem a casa com flores, principalmente a sala que era usada como escola, e a capela.

Não queria fazer nada que desagradasse Priscila. O que pretendia era levá-la a sentir o quanto as preces podiam ser úteis, o quanto a ajudariam em sua vida futura.

Na casa, Helena se desculpou e subiu ao quarto para se preparar para o almoço.

— Eu subirei num minuto — Pepe avisou. — Só quero mostrar ao papai aquele quadro que acabou de chegar da restauração e que foi colocado no escritório.

Helena sorriu. A menina estava dando mais um passo rumo ao bom entendimento com o pai.

Assim que os dois se afastaram, ela também desapareceu. Em vez de subir ao quarto, porém, correu para a capela e se ajoelhou diante do altar. Rezou com muito fervor para que o marquês a aceitasse e não a mandasse embora, não só porque tinha medo do padrasto, como também porque se afeiçoara a Priscila e não queria deixá-la.

— Por favor, Deus, permita que eu fique aqui. Tenho certeza de que jamais encontraria um emprego tão bom quanto este. E se tivesse de voltar para casa, meu padrasto me obrigaria a desposar o duque.

A prece foi tão fervorosa que Helena sentiu se elevar ao céu. Abriu os olhos e a cruz, sobre o altar, pareceu abençoá-la.

Levantou-se, então, e correu para seu quarto, pois não poderia se atrasar para o almoço.

Olhou-se no espelho, assim que abriu a porta. Os cabelos estavam feios e desarrumados. Escovou-os várias vezes e tornou a prendê-los num coque mais severo, na tentativa de parecer mais velha e mais tutora.

Talvez devesse colocar um vestido bem simples, mas como o dia estava tão bonito, escolheu um modelo azul-claro com flores cor-de-rosa.

Por fim, receosa de se atrasar, se apressou em direção à sala de jantar. No caminho, porém, viu que Pepe e o marquês ainda estavam no escritório, admirando o quadro de cavalos que havia sido colocado sobre o console da lareira.

— Um dia terei um cavalo tão grande quanto este, papai, e poderemos apostar uma corrida.

— Acho que você ganhará de mim. Logo estarei tão velho que não conseguirei mais correr.

Pepe riu.— Você é muito jovem ainda.

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— Se pensarmos na rapidez com que você pulou de um pônei para um cavalo, imagino que daqui a dois anos estará me desafiando numa pista de corrida.

Pepe tornou a rir.— Espero que sim. A Srta. Lawson acha que sei montar muito bem.— E ela também sabe cavalgar? — o marquês indagou, sem saber que

Helena estava ouvindo, sem querer, atrás da porta. — E estranho que ela goste de cavalos, quando nenhuma das outras tutoras queria sequer se aproximar deles.

— Eram todas muito velhas para montar, papai. A Srta. Lawson é jovem e ágil. Todos os cavalariços se admiraram ao ver o quanto ela é boa. Sabe lidar com todos os tipos de cavalos.

— Está querendo me dizer que ela montou todos? — o marquês indagou, incrédulo.

— Sim, mas só porque eles estavam precisando se exercitar. Por favor, papai, não fique zangado com ela nem comigo. Ela só quis ajudar. Os empregados mais antigos não estavam dando conta de todos os animais, e os mais novos tinham medo dos cavalos mais ariscos.

Em vez de se zangar, contudo, o marquês sorriu para a filha e para Helena, quando a viu.

— A senhorita é surpreendente em todos os sentidos.— Sinto muito se fiz algo de errado, mas quando seu cavalariço-chefe me

viu cavalgar, percebeu que eu estava acostumada com cavalos como o seu, e permitiu que eu exercitasse um diferente a cada dia.

Antes que o pai tivesse chance de falar, Pepe lhe apertou a mão.— Não fique bravo com a Srta. Lawson. Ela se esforçou muito para tornar

a vida melhor e mais feliz aqui, na sua ausência, e eu não posso perdê-la.— Não, é claro que não — o marquês respondeu após um breve silêncio.

— Eu agradeço a ela por ter demonstrado tanta consideração não apenas com minha filha, mas também com meus cavalos.

— Por favor — Helena os interrompeu, sem pensar no que fazia —, posso continuar montando-os quando Vossa Senhoria estiver ausente?

O marquês a fitou e achou que nunca havia conhecido uma mulher tão linda. Naquele instante, os raios do sol estavam atravessando a janela, fazendo os cabelos de Helena brilharem como ouro.

Por um momento, os dois se limitaram a se olhar. Estava acontecendo algo entre eles que Helena não soube como interpretar.

O silêncio foi quebrado pela chegada do mordomo.— O almoço está servido, milorde.— Oba! Estou com tanta fome! — exclamou Pepe alegremente. — Espero

que monsieur Téyson tenha preparado algo delicioso para nós.O marquês teve outra surpresa quando a filha mencionou o cozinheiro

pelo nome, mas não questionou o fato.Pai e filha se encaminharam para a sala de jantar e Helena, que não sabia

o que fazer, esperou até que chegassem à porta, para perguntar:— Devo pedir o almoço em meu quarto, milorde, para que possa

conversar a sós com Pepe?— De forma alguma — o marquês se apressou a responder. — Quero que

almoce comigo e me conte como foi que conseguiu ensinar tantas coisas à minha filha em tão pouco tempo, inclusive a nadar.

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— Estou nadando muito bem — Pepe aproveitou o momento para aprofundar a novidade. — Já consigo atravessar o lago duas vezes, quase tão depressa quanto a Srta. Lawson.

— Surpreende-me, também, encontrar uma tutora que nade — declarou o marquês. — Cheguei a pensar que todas as professoras tivessem aversão ao esporte.

O pai estava brincando, mas Pepe o levou a sério.— Todas aquelas mulheres eram horríveis e não me ensinavam nada.— Acreditava que fosse você quem se recusava a aprender.— Porque elas só queriam me ensinar lições bobas e chatas.— Mas não a Srta. Lawson.— Oh, não. Ela é muito diferente. Gostei de tudo o que ela me ensinou até

agora. Amanhã, quando você estiver tomando o café, eu vou lhe dizer bonjour, mon père.

— Está aprendendo francês, também? — o pai indagou ainda mais surpreso.

— Já sei uma porção de palavras.Enquanto a menina começava a enumerar algumas, Helena rezou para

que o marquês ficasse satisfeito.Quando chegaram junto à mesa, ele se sentou à cabeceira, numa cadeira

entalhada, de espaldar alto, que se sobressaía entre as demais. Pepe ocupou o lugar à sua direita, e Helena à esquerda.

Monsieur Téyson, sem dúvida, havia caprichado em matéria de apresentação dos pratos. E depois, foi possível saber que o sabor também estava excelente.

A refeição se iniciou com salmão defumado. Como prato principal, foi servida uma carne assada com legumes. E a cada um, Pepe disse o nome em francês.

— Ela está realmente falando algumas palavras! — o marquês exclamou.— Iniciamos o curso no lugar mais propício — Helena respondeu com um

sorriso. — Na sala de jantar. E o chef está cooperando de um modo espetacular.

Para a sobremesa, tiveram um pudim chamado les flot-tantes e o café foram acompanhados por petits fours.

A conversa continuou com o tema de cavalos, mais uma vez, pois Pepe ainda não contara que uma das éguas havia tido um potrinho e que ela e a Srta. Lawson estavam estudando qual o nome que lhe dariam.

— Acho que poderei ajudá-las quanto a isso, pois terei de consultar seu pedigree.

— Papai, se os cavalos têm pedigree, por que eu não tenho uma árvore genealógica?

— Mas você tem uma.— Não com o meu nome. A que temos, termina com o seu.— Foi um lamentável esquecimento de minha parte e eu peço que me

desculpe. Seu nome será acrescentado imediatamente e eu lhe entregarei uma cópia para que a coloque em sua sala de aula.

— Obrigada. Eu quero muito pertencer à árvore, também. E a Srta. Lawson disse que quando você me der um irmão, ele também terá seu nome inscrito e se tornará o próximo marquês da família.

Helena ficou constrangida por Pepe ter mencionado aquele assunto. Foi um alívio ver o marquês rir.

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— Juro que nunca imaginei que minha filha fosse me colocar numa situação tão embaraçosa por causa de uma árvore genealógica.

— Nós a vimos na biblioteca e ficamos tão interessadas que começamos a examiná-la desde o topo, que significa o início da linhagem. Foi somente quando chegamos ao fim que descobrimos que o seu era o último nome.

— Eu errei em meu esquecimento, mas estou disposto a me corrigir imediatamente. Por falar nisso, Srta. Lawson, o que mais encontrou nesta casa que precisava de alteração?

Helena corou e não respondeu por um minuto.— Talvez seja melhor o senhor saber por mim do que por outra pessoa e

espero que concorde comigo. Achei que Pepe já estava crescida demais para continuar ocupando seu quarto de bebê, no segundo andar. Pedi que a mudassem para o primeiro andar e ela foi instalada na suíte real.

O marquês se surpreendeu visivelmente.— A suíte real? A senhorita não se contenta com pouco, não?— Que outro lugar poderia ser mais apropriado para sua filha, milorde?Helena se arrependeu pela ousadia e receou que o marquês fosse ficar

aborrecido, mas ele tornou a rir.— Está me deixando sem fôlego, mas já que começamos, o que mais a

senhorita tem feito por aqui?— Pepe lhe mostrará. Ela está aprendendo algo muito especial. A

surpresa teria sido melhor, talvez, se o senhor ainda demorasse umas duas semanas para retornar.

— A esta altura, estou preparado para qualquer notícia. Diga-me, Pepe, que segredo é esse?

Antes que a menina respondesse, Helena murmurou:— Acho que seria melhor, querida, se você mostrasse a seu pai em vez de

tentar explicar.— Sim, sim — a menina aprovou. — Iremos para lá assim que ele terminar

de tomar o café e eu de comer mais um petit four.— Pode comer tantos quanto quiser — o marquês respondeu. Após

saborear mais dois, Pepe se levantou.— Agora, papai, nós vamos lhe fazer uma surpresa. Tenho me esforçado

muito para isso.Helena percebeu que o marquês não fazia a menor idéia do que se

tratava. Ele, aliás, mal se recuperava de uma surpresa, e recebia outra. Passara a olhar para a filha e para ela, inclusive, como se ambas não fossem reais.

Seguiram para a sala de música que havia sido adornada com uma profusão de flores para receber o marquês. O perfume que impregnava o ar era tão suave que tornou o ambiente ainda mais adorável.

Junto ao piano, Helena tentou ajudar Pepe a se acomodar na banqueta, mas ela não quis.

— Não, Srta. Lawson. Deve tocar primeiro, como sempre faz. Depois será minha vez e eu tocarei a música que compus para meu pai.

Helena obedeceu sem discutir, assim que o marquês, ainda mais perplexo, se acomodou numa poltrona.

Escolheu uma valsa romântica que a fascinara quando assistira sua primeira ópera em Paris. Ao terminar, tanto o marquês quanto Pepe a aplaudiram. Ela se levantou, agradeceu e ofereceu o lugar para a aluna.

— Não tenha pressa, querida. Sua composição é lindíssima e eu quero que seu pai ouça nota por nota.

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Pepe se sentou e Helena ajustou a banqueta. Como sabia que o gesto significava muito para a criança, rezou para que ela não se esquecesse de nenhuma nota.

Sua prece foi certamente ouvida, pois a menina tocou a música, que compusera ao se deitar uma noite, sem cometer um único erro.

O marquês e Helena aplaudiram com emoção.— Maravilhoso, minha filha. Um dia, quando a música estiver totalmente

terminada, mandarei publicá-la para que outras pessoas também possam ter o prazer de tocá-la e de ouvi-la. Desta forma, você estará tornando-as felizes, assim como fez comigo.

— Gostou mesmo, papai?— Muito — o marquês respondeu. — Não imaginei que tivesse uma filha

com o dom raro e belo da música.— Quero ser uma pianista quando crescer. A Srta. Lawson disse que eu

tenho condições para isso.O marquês se levantou, foi até o piano e carregou a filha nos braços.— Estou orgulhoso de você.— Acha que a música é realmente bonita?— E linda. Prometo que mandarei publicá-la junto a um retrato seu.— Ouviu isso, Srta. Lawson? — a menina indagou, mal cabendo em si de

alegria.— Estou tão contente que o senhor tenha gostado, milorde — Helena

declarou.— Gostar é pouco. Eu adorei. Estou atônito, feliz e muito, muito grato

pelo que fez.Havia sinceridade na voz do marquês e lágrimas nos olhos de Helena.Ele estava pensando, naquele instante, que parecia um milagre uma

jovem tão atraente e capaz querer se dedicar a súa filha e amá-la quando a conhecia há tão pouco tempo. Mais difícil ainda era crer que se tratava de uma simples tutora.

— O que acha, Pepe, de pedirmos para a Srta. Lawson tocar mais alguma música para nós?

A menina desceu da plataforma e seguiu com o marquês para a poltrona.— Gostou muito da minha música, papai? — a filha o abraçou. — Eu a

estudei todos os dias porque a Srta. Lawson disse que seria uma bonita surpresa para você.

— Foi o melhor presente que você poderia me dar — o marquês murmurou.

— Obrigada, papai -— a menina agradeceu com um beijo. O marquês abraçou-a e depois fez sinal para que ela se calasse para que Helena pudesse começar a tocar.

Helena se sentiu transportar pela música para um mundo mágico onde não havia tristeza nem medo. Fechou os olhos e formou-se a imagem do marquês em sua mente. O homem mais lindo que vira em sua vida.

Então, como temesse exagerar, encerrou a apresentação.O marquês a fitou e agradeceu.— Meus parabéns. Reconheci algumas músicas e digo-lhe, com toda a

minha sinceridade, que as tocou melhor do que os artistas mais famosos da Europa.

— Eu é quem agradeço, milorde. Não posso acreditar em suas palavras, mas não escondo que seu elogio me deu uma grande satisfação.

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— O que eu disse é a pura verdade — o marquês insistiu. — Agora, antes que o sol nos abandone, gostaria que fôssemos até o jardim ver as flores.

— Elas estão magníficas, papai.— Então por que não as mostra para mim?No mesmo instante, a menina puxou o marquês pela mão.— Quero que venha conosco, Srta. Lawson — o marquês chamou. —

Tenho a impressão, embora possa estar enganado, de que a senhorita sabe mais a respeito das flores do que eu, e olhe que me considero um perito.

Helena riu.— O senhor está esperando demais de mim.— Estou apenas me preparando para receber uma outra surpresa. Depois

de tudo o que vi, hoje, não me admiraria se houvessem anjos a nossa espera, recém-vindos do céu.

— Eu adoraria vê-los, papai. Será que meu anjo, que se chama Pepe, também estará lá?

— Seu anjo? — o pai indagou. — Você tem um?— Quando a Srta. Lawson e eu ficamos com medo da tempestade, ela me

disse que nossos anjos estavam nos protegendo.— Se seu anjo tem o nome de Pepe, qual o nome do anjo da Srta. Lawson?

— o marquês quis saber.Helena prendeu a respiração, mas a menina não se esqueceu de sua

promessa.— Isso é um segredo. Como eu prometi não contar a ninguém, não posso

contar a você.— Você está certa. Nunca se deve quebrar um juramento.— Foi o que a Srta. Lawson me ensinou.No jardim, Helena pensou que as flores estavam ainda mais lindas do que

nos outros dias e reconheceu que o marquês realmente sabia muito mais do que ela a respeito das flores.

Algumas, ele contou, haviam sido trazidas do Nepal e de outros lugares do mundo onde as orquídeas eram especialmente bonitas e raras.

Como sempre, Pepe se encantou com o chafariz.O marquês aproveitou aqueles minutos a sós com Helena para murmurar:— Como pôde ter feito tanto por minha filha? Como conseguiu

transformar aquela criança teimosa e difícil nessa menina linda e charmosa que mal estou reconhecendo?

— Fico contente que milorde esteja satisfeito.— E claro que estou. Diga-me, por favor, como conseguiu? Helena olhou

para Pepe.A menina distraída em olhar para as águas que jorravam parecia um

quadro.— O que Pepe estava precisando era de amor. Fez-se silêncio.— O amor é algo que todos desejam, mas o amor verdadeiro é muito

difícil de ser encontrado.Conforme a sugestão de Helena, o chá foi servido na estufa de plantas,

onde floresciam as plantas que o marquês trouxera de suas viagens.Pela primeira vez, Pepe estava interessada em aprender todos os nomes

das flores e plantas e o marquês ficou comovido.— A cada minuto sinto-me mais perplexo e feliz. Estou pronto a

recomendá-la como a melhor professora do mundo. A senhorita merece que ergam uma estátua em sua homenagem diante de cada escola.

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— Que idéia! — Helena riu. — Depois da experiência que tive em sua casa, estou plenamente convicta de que o único modo de se ensinar alguém é através do coração e não apenas da mente.

— Tem toda a razão — concordou o marquês. — Acho que ninguém pensou dessa forma antes.

— A verdade é que muitos devem ter pensado como eu, mas ninguém teve a oportunidade de contar com um lugar como este. Tudo é tão lindo aqui.

Helena o fitou e por um instante foi como se ambos estivessem expressando o que sentiam, sem que fosse necessário o uso de palavras.

Terminado o chá, Helena propôs que voltassem para o jardim e admirassem o pôr-do-sol antes de subirem para seus quartos.

— Está pensando em me deixar sozinho tão cedo, Srta. Lawson? — o marquês reclamou.

— E preciso, milorde — Helena respondeu com firmeza. — Seria um erro se Pepe não descansasse, pois ela se levanta sempre muito cedo para cavalgar. — Helena se deteve e olhou para o relógio de parede. — Nosso jantar deverá estar pronto às sete horas.

— Vocês jantam juntas?— Sempre.— Mas esta noite, como estou sozinho, quero que você jante comigo.Helena o fitou, espantada.— Acha que é certo?— Entendo que não é comum as tutoras jantarem com os patrões, embora

isso seja permitido durante o almoço. Mas não temos convidados esta noite e ninguém ficará curioso sobre o fato. Desta forma, seria um prazer para mim se aceitasse meu convite para jantar às oito e trinta.

— Também seria um prazer para mim; — Helena agradeceu —, mas o que dirão os criados?

O marquês sorriu.— O que você fez nesta casa até agora é assunto suficiente para falarem

até o Natal. Portanto, uma novidade a mais, uma novidade a menos...Helena não pôde evitar o riso.— Neste caso, milorde, é uma honra para mim, aceitar seu convite.

Quanto a Pepe, gostaria de saber se ela pode lhe dar um beijo de boa-noite antes de se recolher.

— Estarei esperando-a no escritório, pois tenho de resolver alguns negócios pendentes.

Embora Pepe quisesse permanecer acordada até mais tarde, não podia negar que estava cansada. O dia fora dos mais excitantes e o calor também marcara sua presença.

O chef lhe preparou um prato feito com seu peixe favorito e, como sobremesa, uma deliciosa mousse de chocolate.

— Agradecerei a ele amanhã e direi que se esmerou no almoço para papai e nos bolos especiais que serviu na hora do chá.

— Ele ficará contente e caprichará ainda mais nos próximos dias antes que seu pai vá embora novamente.

— Quando será?— Não sei, mas presumo que daqui a um dia ou dois.— Gosto de tê-lo aqui comigo. Desta vez, ele não está bravo e

desagradável como das outras.— Você deve esquecer o que passou. Reconheça que ele tinha uma certa

razão. Como acha que ele se sentia quando aquelas mulheres vinham lhe

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contar sobre seu mau comportamento? Ele não tinha culpa por não entender o quanto você era esperta e inteligente. Acreditava nelas por julgá-las mais experientes em matéria de educação. Em minha opinião, você deveria se esforçar cada vez mais para surpreendê-lo.

Pepe se mostrou imediatamente interessada.— O que devo fazer?Helena começou a contar nos dedos.— Você já provou que sabe montar quase tão bem quanto seu pai.

Aprendeu muitas palavras em francês em poucos dias. Está nadando como um peixe. E o que é mais importante, compôs uma canção para ele, que é muito bonita.

— Puxa, eu realmente sou tão esperta assim?— Mais do que imagina. Mas ainda nos resta descobrir quais os dons

especiais que Deus lhe deu e o que você deve fazer para usá-los de forma a ajudar seus semelhantes.

— Acha que isso é importante?— Claro que é. As pessoas que não se dão aos outros são egoístas e você,

querida, não é esse tipo de pessoa.— Ainda bem.— Mas agora, vá dar um beijo de boa-noite em seu pai. E não demore

muito porque pensei numa história linda para lhe contar quando for para a cama. Depois, ainda terei de tomar banho e me arrumar para o jantar.

— Neste caso, preciso me apressar. Não quero que você se atrase e que ele tenha de esperá-la.

— Você é um doce de menina — Helena murmurou, sorrindo. — Pensa nos outros e não apenas em si mesma.

Pepe deu um abraço em Helena e saiu correndo em direção ao escritório.— Diga a seu pai que o ama — Helena a chamou antes que se afastasse.— Eu direi — Pepe se deteve. — Também amo você. Vocês são as pessoas

que mais amo no mundo.Sem esperar pela resposta de Helena, Pepe continuou correndo.Mais tarde, após ter colocado a menina na cama, Helena tomou um banho

e vestiu o traje de noite mais lindo que comprara em Paris.Por sorte, o incluíra em sua bagagem embora não acreditasse muito que

teria chance de usá-lo, na época.Olhou-se no espelho antes de sair e a imagem que viu não era parecida a

de nenhuma tutora que já havia conhecido. Isso lhe deu certo receio. Talvez o marquês se aborrecesse ao imaginar que ela pretendia se dar mais importância do que realmente tinha. Em seguida, deu de ombros. Se isso acontecesse, a culpa era dele. Não deveria tê-la convidado para jantar, sendo um importante e rico marquês.

Reconhecia, porém, que ele tinha uma boa desculpa: a de querer conversar a sós sobre o futuro da filha.

Eram oito e vinte e cinco quando Helena se apresentou na sala de estar azul onde o marquês a esperava, e que era a menor e a mais aconchegante da mansão. Ela levava esse nome por causa da cor de suas cortinas e estofados e por causa dos enfeites de porcelana de Sèvres que a adornavam.

Quando Helena se apresentou com o vestido de chiffon rosa - claro e aplicações de renda prateada, o marquês pensou que ela deveria ter surgido de um sonho.

Sorriu para ela, conforme se encaminhava em sua direção, e lhe serviu uma taça de champanhe.

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— Esta noite quero comemorar algo muito importante.— O quê?— A transformação de minha filha. Se eu não tivesse visto com meus

próprios olhos, não acreditaria.— Fico feliz que esteja satisfeito, milorde.— Como já disse antes, não tenho palavras para expressar o que sinto.

Apenas sei que minha filha é hoje completamente diferente de quando a deixei.

O marquês elevou sua taça.— Brindo a você por ser um anjo que caiu do céu ou uma deusa que

desceu do Olimpo.— Muito obrigada. Este foi o maior elogio que recebi.— Tenho certeza de que já recebeu muitos. Helena não respondeu por um

instante.— Espero, milorde, que me diga o que espera que sua filha aprenda em

seguida.— Acho que não posso pedir mais nada depois de tudo o que você já fez

por ela. Como é possível que alguém tão jovem saiba exatamente o que fazer com uma criança quando outras pessoas mais velhas e experientes me disseram que ela não tinha condições de aprender nada?

—Poucas crianças são incapazes de aprender. Na maioria das vezes, os mais velhos não as entendem. Por Pepe ser muito inteligente, ela precisava apenas de incentivo e orientação, não de reprimendas e ordens que, pelo que ouvi, foi a única coisa que recebeu das outras tutoras.

— E você teve sucesso quando elas falharam. E por isso que me intriga tanto. Gostaria que me falasse agora sobre si mesma e sobre a razão que a levou a se tornar uma tutora.

Antes que Helena pudesse pensar numa resposta, o jantar foi anunciado.Como era de esperar, o chef tinha preparado um jantar maravilhoso que

nenhum restaurante de Paris poderia exceder.Foi um alívio que os criados permanecessem na sala para servi-los.

Assim, foi impossível o marquês insistir naquela conversa íntima. Em vez disso, falaram sobre os diferentes países que ambos haviam visitado.

O marquês achou extraordinário que Helena conhecesse a maioria dos países da Europa e também o Egito. Não fez nenhum comentário, mas cogitou que os pais de Helena deveriam ter sido ricos em alguma época, antes de falirem, o que explicava a posição atual de sua filha, como tutora.

Assim que os criados os deixaram, o marquês voltou ao assunto.— Agora que estamos a sós, quero que me fale sobre você. Imagino que

tenha um motivo especial para estar trabalhando como tutora.— Por que pensa assim? — Helena tentou ganhar tempo.— Porque viagens, como as que realizou, e o vestido que está usando,

devem ter custado um ano de seu salário.— Eu deveria ter imaginado que Vossa Senhoria estranharia minha

declaração.— Não quer me contar?— Por favor, deixe-me com meus segredos. Tudo o que posso dizer é que

nunca fui tão feliz quanto nestes dias em que estive ao lado de Pepe. Estou com medo que me mande embora agora.

— Não tenho essa intenção. Ao contrário. Seria mais fácil eu ter de derrubar esta casa a dispensá-la.

Helena riu, aliviada.

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— O que fez por minha filha está além; das palavras.— Eu apenas fiz aflorar o que ela guardava dentro de si. Pepe é uma

criança rara, muito viva e inteligente. O que devemos é zelar para que continue assim. Uma pessoa que todos amarão e respeitarão.

— O amor é o que importa — murmurou o marquês. — Sei que está pensando que não dei amor suficiente a minha filha, e que a deixei nas mãos de pessoas que sequer tentaram entendê-la. Não há ninguém a culpar, exceto eu.

— O que interessa é que Vossa Senhoria reconheceu seu erro. Confesso que tive receio de que não fosse me entender e que insistisse que sua filha tivesse uma educação convencional.

— Absolutamente. Se é de amor que ela precisa, ela o terá de mim e também de você.

Mais uma vez, Helena e o marquês se viram estranhamente ligados um ao outro pelo olhar.

CAPÍTULO VII

Levantaram-se cedo na manhã seguinte e, como o marquês comentou que o dia seria muito quente, resolveram cavalgar logo após o desjejum.

Helena estava acabando de se vestir quando Pepe entrou em seu quarto.— Será divertido passear com papai, também.— Tenho certeza que sim e você poderá lhe mostrar como está se dando

bem com Estrela de Prata.— Eu gosto dele, mas acho que logo passarei para um cavalo maior.Helena sorriu.— Mais tarde pensaremos nisso. O importante, hoje, é você montar bem e

antes dizer ao cavalo o quanto o estima.Pepe concordou e saiu correndo à procura do pai.— Bom dia, papai. Não vejo a hora de ir para os estábulos com você.— Eu também. Por que não se adianta e verifica se eles já estão selados?

A Srta. Lawson e eu a alcançaremos daqui a alguns minutos.— Quero lhe fazer uma pergunta — o marquês disse a Helena assim que

esta desceu para o hall. — Estou enviando um portador a Londres com algumas cartas e pensei em comprar um presente para Pepe.

— Acho a idéia excelente.— O que será que ela mais gostaria de ganhar? Uma boneca?— Um cachorrinho.— Isso jamais me passaria pela cabeça — o marquês confessou.— Ela adoraria ter um cachorrinho só dela. Aprenderia a banhá-lo e

alimentá-lo.— Em outras palavras, um animal de estimação seria uma espécie de

lição, também.

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— Mais ou menos. Como Pepe não tem outras crianças de sua idade com quem brincar e se preocupar, um cachorro seria o melhor substituto.

— Talvez você tenha razão.— Sei de um criador que mora em Chelsea e que vende apenas cachorros

treinados.— Conhece o endereço?— Sim. Irei buscá-lo agora mesmo.Helena correu para o quarto, anotou o endereço numa folha de papel e

entregou-o ao marquês.— Estava pensando, que você sempre me dá uma resposta inesperada.

Algo raro nas mulheres e que considero muito interessante.Naquele instante, o cavalariço-chefe entrou na casa aos gritos.— Milorde! Milorde! A menina foi seqüestrada! O marquês empalideceu.— Eu só encontrei este papel no lugar onde a deixei — o homem

continuou, a voz entrecortada."Se quiser sua filha de volta, deixe a quantia de mil libras junto ao lago do

bosque. Se vier a sua procura, ela morrerá."O marquês parecia não acreditar no que acabara de ouvir. Helena estava

tão abalada que precisou se sentar na cadeira mais próxima.— Você viu os homens? Como foi que a levaram? — ela perguntou.— Lady Priscila estava conversando com o cavalo enquanto eu terminava

de selar os outros. De repente ouvi meu ajudante gritar que dois homens a estavam levando e ao cavalo, que puxaram pelas rédeas, e que haviam deixado um bilhete.

— Precisamos ir atrás deles! — o marquês decidiu.— Acho arriscado — Helena respondeu. — Eles poderiam machucar Pepe.— Então, o que faremos?— Eu tenho quase certeza de que eles se esconderam na caverna sobre a

colina.— Na caverna? — o marquês repetiu, sem saber o que pensar.— Sim. Pepe queria explorá-la e eu também, mas disse a ela que antes

teríamos de lhe pedir permissão.— Como pode saber que eles estão lá?— Não há outro esconderijo por aqui, que eu saiba. E que outro lugar

com vista para o bosque, eles poderiam encontrar?— Faz sentido — o marquês admitiu. Seguiu-se um pequeno silêncio.— Tive uma outra idéia — Helena murmurou.— Qual?— Irei até lá sozinha para encontrar Pepe.— Mas eles a manterão prisioneira, também! — espantou-se o marquês.— Ouça-me, por favor. E como se alguém estivesse me dizendo como

proceder.Embora estranho, Helena pensou que era o anjo da guarda de Pepe quem

estava lhe ensinando o único meio de salvar a menina.— Eu irei até lá a cavalo de forma que possam me ver chegar. Quando me

perguntarem o que quero, direi que Vossa Senhoria me enviou enquanto saía em busca do dinheiro exigido.

— Suponha que eles não estejam lá.— Eles estarão. Vi uma sombra se movendo na entrada da caverna,

ontem, embora acreditasse, naquele momento, que tivesse sido apenas minha imaginação.

— E eu, o que devo fazer?

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— Acho que deveria reunir todos os homens em quem confia e que saibam manejar uma arma, e levá-los até o local, com cuidado, para não serem vistos. A aproximação seria por trás. Embora o caminho seja muito mais longo, ninguém os veria. Desta forma, enquanto eles estiverem vigiando o bosque, seus homens os surpreenderão.

O marquês se virou imediatamente para o cavalariço.— Com quantos homens poderemos contar?— Com dois, eu garanto. Mas perguntarei a eles se há possibilidade de

encontrarmos mais alguns.— Os seqüestradores devem ter vindo de Londres — Helena declarou. —

Devem ter lido a matéria que foi publicada no jornal a respeito de sua propriedade e resolveram aproveitar para lhe extorquir dinheiro.

— Talvez fosse mais prudente dá-lo a eles de uma vez — o marquês murmurou.

— Ainda assim, acho que devo ir ao encontro de Pepe. A pobrezinha certamente está aterrorizada.

— Sim, é claro. Agora vou até o estábulo. Quero falar com o rapaz que viu os homens levarem minha filha.

— Eu preciso ir buscar algo em meu quarto. Daqui a pouco o encontro.O marquês saiu com o cavalariço e Helena subiu correndo para o quarto

para apanhar o revólver que havia pertencido a seu pai. Carregou-o e colocou-o por dentro da blusa. Depois, ao sair do quarto, teve uma outra idéia, e se dirigiu ao antigo quarto de brinquedos de Pepe.

Junto das bonecas e soldadinhos de chumbo havia uma bandeira. Aproveitou o pequeno mastro e amarrou um lenço branco em uma das extremidades.

Correu para os estábulos e chegou a tempo de ouvir um dos mais novos cavalariços dizer:

— Soube que três forasteiros fizeram perguntas em uma das lojas do vilarejo, no dia de ontem, sobre a localização de Teringford Court. Disseram que os homens eram bem morenos e que pareciam estrangeiros pelo modo de falar.

— Eu tinha certeza de que algo assim aconteceria quando me falaram sobre a reportagem — Helena balançou a cabeça.

— O que importa, agora — continuou o marquês —, é que sabemos que eles são apenas três. Portanto, teremos como enfrentá-los.

— E eu estarei lá para proteger e acalmar Pepe. Por favor — ela se dirigiu a um dos cavalariços —, dê-me um cavalo.

— E para o marquês. — O que quer que resolva fazer, tenha muito cuidado. Se eles o virem se aproximando, poderão levar Pepe para outro lugar, ou o que é pior, nos matar!

— Você é muito corajosa em querer ir até minha filha, mas tem certeza de que está agindo bem?

Helena fez um movimento afirmativo com a cabeça e indicou a bandeira branca.

O cavalariço trouxe o cavalo e o marquês a ajudou a montar.— E a mulher mais corajosa e maravilhosa que conheci em toda a minha

vida. Juro que daria dez mil libras para evitar que você e minha filha passassem por isso.

— Mas eles o desafiaram e não podemos permitir que vençam.

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Antes que o marquês respondesse, Helena partiu a galope. Parecia muito pequena em comparação com o cavalo. Ao mesmo tempo era valente ao ponto de travar uma batalha contra o inimigo.

O marquês pensou que precisava salvá-la e também a filha.Helena não correu pelo bosque. Não queria dar a impressão que estava

conduzindo uma tropa. Conforme se aprofundava da colina, ia pensando que os homens haviam sido espertos em escolher justamente o lago para a entrega do dinheiro, por causa da proteção fornecida pela grande quantidade de árvores e arbustos.

Chegou a uma clareira e pôde ver, a distância, a entrada da caverna. No mesmo instante ergueu a bandeira e começou a rezar para que estivesse sendo observada e que pudesse encontrar Pepe em segurança.

Apeou junto a colina e começou a subir pelas rochas numa lenta escalada.O sol estava muito quente. Até chegar ao topo, ela estava sem fôlego.— O que quer aqui? — perguntaram dois homens subitamente.Bastou um olhar para Helena descobrir que eram de origem árabe.— Vim dizer que o marquês foi até o banco buscar o dinheiro. Quero ficar

com a criança até que o dinheiro seja trazido para o lago.— Tem certeza de que ele trará o dinheiro? — insistiu um dos homens.Helena repetiu o que dissera em árabe, pois também havia aprendido um

pouco desse idioma quando viajara ao Egito.— Você fala nossa língua! — constatou um deles.— Sim, e acho sua terra muito bonita. Espero voltar lá algum dia.— Nós também. E ricos!— Ficarão ricos assim que o marquês trouxer o dinheiro do banco. Como

podem imaginar, ele não tinha uma quantia tão grande em casa.Os homens pareceram se satisfazer com a informação e Helena

aproveitou para dizer;— Podem me levar agora até a criança? Ela deve estar com muito medo.Os homens se entreolharam e um deles disse ao outro que não via

nenhum mal nisso.— Obrigada, muito obrigada — Helena agradeceu. — Quero apenas

distraí-la enquanto o pai não volta.— E melhor que ele não tente nos desobedecer, ou nunca mais verá a

filha.Helena deu alguns passos a frente e um dos homens a acompanhou.A entrada da caverna era baixa e escura. Parecia um túnel. Mas havia luz

mais para o interior.Quando alcançou aquele ponto, Helena notou que a luz vinha de fora

através de algumas fendas nas rochas. E no fundo, sentada com os pés amarrados, estava Pepe.

— Helena! Helena! — a menina gritou ao vê-la.— Sim, sou eu — Helena correu para se ajoelhar e abraçá-la. No mesmo

instante, Pepe começou a chorar.— Vai ficar tudo bem. Estou aqui e seu pai virá nos salvar.— Estou com medo — Pepe continuou chorando.— E claro que está. Mas logo sairemos daqui porque seu pai vai dar a eles

o dinheiro que pediram. Sabia que você é muito cara, querida?— Eles me disseram que meu pai teria que pagar se me quisesse de volta.

Eu tive medo que meu pai não fosse lhes dar o dinheiro.— Claro que dará — Helena garantiu.

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O homem, que a acompanhara, continuava por perto para ouvir a conversa.

— Agora vou desamarrar essa corda com que a prenderam.— Está muito apertada e dói.— Imagino que sim. — Helena acenou para o vigia. — Por favor,

desamarre a criança. Ela não fugirá agora que estou aqui.O homem hesitou, mas acabou tirando uma faca do bolso e cortando a

corda.Helena sentou Pepe em seu colo.— Como soube que eu estava aqui? — a menina quis saber.— Adivinhei — Helena confessou.Do outro lado da caverna. Helena viu o terceiro homem se aproximar e

falar com o vigia.— Ninguém apareceu ainda com o dinheiro.— O homem foi até o banco.— Espero que não demore. Precisamos ir embora daqui o quanto antes.

Nosso navio parte amanhã a noite.Helena teve certeza de que os homens pretendiam voltar ao norte da

África. Eles tinham a mesma aparência do povo que conhecera quando passara as férias no Egito com suas amigas.

Pepe estava mais calma.— Por que trouxe minha bandeira e amarrou um lenço branco em seu

mastro?— Acho melhor lhe contar uma história sobre bandeiras e a importância

que elas adquiriram na guerra.Conforme falava, Helena percebeu que não apenas Pepe, mas também os

homens estavam, interessados no relato.De repente, o homem, que ficara de guarda do lado de fora, entrou

correndo.— Um homem está se aproximando. Acho que é o marquês. — Ele devia

ter levado o dinheiro para o lago — resmungou um deles.— Está sozinho.— Volte para lá. Qualquer movimento em falso, atire — ordenou o mais

velho.Conforme os dois homens se colocavam à entrada da caverna e sacavam

suas armas, Helena tirou o revólver de dentro da blusa com cuidado para que Pepe não percebesse. Em seguida, começou a contar uma outra história.

A voz do marquês lhe chegou aos ouvidos.— Onde está minha filha?Neste instante, ela empunhou o revólver e atirou. O primeiro tiro acertou

o ombro de um deles. O segundo pegou no braço do outro.Houve um terceiro tiro, vindo de fora. Em seguida o marquês surgiu no

interior da caverna e correu para elas.— Quem atirou nesses homens?Helena mostrou o revólver e antes que pudesse falar, Pepe voltou a

chorar.— Papai! Papai! Estou com medo. Quero ir para casa. O pai ergueu a filha

no colo e beijou-a. Em seguida estendeu uma das mãos para ajudar Helena a se levantar.

— Você é incrível! — ele murmurou e beijou-a nos lábios.Por um momento, Helena ficou imóvel. Estava sentindo o mesmo que

sentira no instante em que o vira pela primeira vez.

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Estavam chegando ao lugar onde os dois bandidos haviam caído quando o cavalariço-chefe apareceu.

— O senhor está bem, milorde?O marquês fez um sinal afirmativo com a cabeça.— Leve esses dois, mais o outro em quem atirei lá fora, para a delegacia

de polícia mais próxima. Avise o delegado que amanhã pela manhã passarei por lá para registrar a queixa.

— Sim, milorde.O grupo de homens esperava do lado de fora. Ao verem o marquês com a

filha e também Helena, assobiaram.— Você irá comigo em meu cavalo, minha filha — o marquês murmurou.A menina fez um sinal afirmativo com a cabeça.— Deve estar faminta — Helena tentou brincar. — Ainda bem que

estaremos em casa a tempo para o almoço.— Eu estava assustada demais para sentir fome — Pepe respondeu.— Naturalmente, minha querida. Mas agora que tudo está bem, teremos

um bom almoço e depois pensaremos em algo tranqüilo para fazermos à tarde.— Se a Srta. Lawson não tivesse atirado naqueles dois homens, nós ainda

estaríamos lá.— E verdade — concordou o marquês que queria ver os bandidos serem

levados antes de voltar para casa.— Acho que eles não estão em condições de montar, milorde.

Precisaríamos arrumar uma carroça.— Há uma fazenda a poucos quilômetros daqui. Se disser ao dono que fui

eu quem pedi, ele emprestará, sem problemas. Confio em você para resolver este assunto. Quero levar minha filha e a Srta. Lawson para casa o mais depressa possível.

— Seguirei as ordens de Vossa Senhoria sem demora.— Procure-me assim que voltar.Os três partiram, em seguida. Desta vez não correram, mas atravessaram

o bosque e pararam por alguns instantes às margens do lago.— Devo lhe agradecer, Srta. Lawson, por ter salvo minha filha e também

por ter evitado que eu gastasse uma enorme quantia.Helena pensou no que ele dissera sobre estar disposto a gastar dez vezes

mais para salvá-la e a filha e também no que sentira ao ser beijada. Para ele, porém, deveria ter sido apenas um beijo de gratidão.

"Eu o amo mas preciso ter cuidado para que ele não perceba" Helena pensou.

Ao chegarem, parecia que todos os criados haviam se reunido no hall para saudá-los.

— Estávamos terrivelmente preocupados, milorde — disse o mordomo. — Não imagina o alívio que estamos sentindo ao ver a menina sã e salva.

— Nós ganhamos uma batalha difícil — respondeu o marquês. — Agora quero uma taça de champanhe e um lauto almoço.

O mordomo riu.— Ele estará na mesa em cinco minutos.— Apenas nos dê licença para nos lavarmos — Helena pediu e segurou

Pepe pela mão.— Estou tão feliz em estar em casa — Pepe murmurou, assim que

chegaram ao quarto. — Eu estava com muito medo antes de você chegar.— Não se lembrou de rezar para que seu anjo a protegesse?

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— Sim, eu rezei e embora soubesse que seria muito difícil, acreditei que você e papai viriam me salvar.

— Agora lave as mãos e o rosto e tente esquecer o que passou.Enquanto a camareira trocava a roupa de Pepe, Helena foi colocar um

vestido de algodão. Depois as duas desceram juntas para a sala.— Se há alguém que merece isto — o marquês entregou a Helena uma

taça de champanhe —, é você.— Também quero — afirmou Pepe.— Pode tomar um gole, mas duvido que vá gostar. A menina levou a taça

aos lábios e franziu o nariz.— Tem razão, papai. Minha limonada com mel é muito mais gostosa.— Talvez eu deva experimentar um copo da sua bebida preferida,

também.Embora falasse com a filha, o marquês estava olhando para Helena.Durante o almoço, ela quase não conseguiu comer de tanto pensar na

descoberta que fizera sobre seus sentimentos. Estavam tomando o café, quando o mordomo surgiu dizendo que havia um cavalheiro no hall pedindo para ver o dono da casa.

— Ele disse o nome?— Sim, milorde. Chama-se Sr. Warner. Helena empalideceu.— Leve-o ao meu escritório e peça que espere. Não faço a menor idéia de

quem seja.Helena esperou até ficarem novamente a sós.— E o meu padrasto. Por favor, não diga que estou aqui. Não consigo

imaginar como ele me encontrou.O marquês a fitou sem entender, mas Pepe deu um grito.— Seu padrasto! O homem mau de quem você fugiu! Oh, papai, nós

precisamos escondê-la. Ele é um homem cruel.O marquês olhou para as duas.— O que está se passando?— Eu fugi de casa — Helena explicou. — Pepe está ciente de tudo. Meu

padrasto quer que eu me case com um homem de cinqüenta anos a quem nunca vi em minha vida.

— Ela não pode se casar com ele! — Pepe se levantou e foi para junto do pai. — Se nós não a escondermos, ela terá de ir embora. Eu não quero.

O marquês apoiou a mão no ombro da filha.— Tenha calma para que a Srta. Lawson possa continuar com a

explicação.— Não sou uma tutora. Nunca fui.O marquês sorriu mas não a interrompeu.— Meus pais morreram e agora meu padrasto quer que eu me case com

um homem que ele considera importante, mas que eu nunca vi. Por isso, procurei uma agência em Londres e eles me ofereceram este emprego. Essa é a razão de minha presença nesta casa onde tenho sido tão feliz.

— Eu gosto dela, papai. Mande aquele homem embora e diga que ela pode ficar. Por favor.

— E claro que ela pode ficar — o marquês respondeu.— Isso será impossível se meu padrasto souber que estou aqui.— Por quê? — o marquês estranhou.— Porque só tenho vinte anos — Helena respondeu. — Ele é meu

guardião segundo a lei até que eu complete vinte e um anos e ainda faltam oito meses para meu aniversário.

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— Tudo o que posso dizer é que você é a garota de vinte anos mais extraordinária que já existiu. E que não podemos perdê-la.

— Poderá salvá-la, papai? Eu quero muito que ela fique.— Nós dois queremos — replicou o marquês. — Portanto, quanto mais

cedo nos livrarmos dele, melhor.— Mas a lei o ampara — Helena murmurou.— Eu encontrarei um meio de vencer a lei.— Será impossível. A menos que eu me esconda na adega e que Vossa

Senhoria diga que a pessoa que ele procura já se foi.— Tenho um plano melhor.— Posso saber qual? — Helena perguntou.— Como tanto você quanto Pepe devem estar curiosas, venham comigo.

Eu as deixarei na sala de estar, escondidas atrás de um painel, e conversarei com o homem num lugar onde ele não as possa ver. Você não pode fazer nenhum barulho, ouviu, Pepe?

— Prometo que ficarei bem quieta.Os três saíram da sala de jantar e se encaminharam para a sala de estar.— Pode trazer o Sr. Warner, Bates.— Sim, milorde.Helena e Pepe ficaram atrás de um painel de madrepérola, colocado entre

a lareira e a janela. Sentaram-se no chão e deram-se as mãos. Mal conseguiam respirar.

"Por favor, Deus, permita que eu fique aqui. Amo o marquês e sua filha. Quero ficar perto dele, mesmo que ele nunca me ame." Naquele instante tornou a sentir o calor daquele beijo em seus lábios. "Isso é amor. O amor que pensei nunca fosse encontrar."

A porta da sala se abriu naquele instante e elas ouviram o mordomo anunciar:

— O Sr. Cyril Warner, milorde. O marquês estendeu a mão.— Não creio que tenhamos nos encontrado antes, Sr. Warner. Estou

estranhando o pedido urgente que fez para me ver.— Chegou ao meu conhecimento que minha enteada se encontra aqui

fingindo ser uma tutora, uma profissão para a qual não foi treinada. Além disso, soube que ela se apresentou com um nome falso e que mentiu sobre a idade.

— Suas acusações são sérias, mas eu lhe digo que considero a Srta. Lawson extremamente competente e que não pretendo perdê-la.

— A Srta. Lawson, como a chama, só tem vinte anos e me deve obediência até os vinte e um. Dessa forma, terá de voltar para casa comigo.

— Temo que seja impossível — retrucou o marquês.— O que quer dizer com impossível? Eu acabei de lhe contar, milorde,

que ela tem de me obedecer.Helena sentiu um arrepio lhe percorrer as costas e apertou a mão de

Pepe.— E impossível, senhor, porque sua enteada é também minha esposa.— Não acredito — declarou o Sr. Warner. — Os jornais não disseram nada

a respeito.— E verdade, mas isso se deveu ao fato de um de meus primos ter

falecido recentemente. Assim que passar o tempo adequado, o anúncio será feito.

— Duvido que um homem de sua posição tenha se casado com uma mulher que acreditava ser uma simples tutora — o Sr. Warner esbravejou.

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— Isso só diz respeito a mim. E como não tenho mais nada para lhe dizer, peço que se retire.

Mal terminou de falar, o marquês puxou uma cordinha e a porta foi aberta pelo mordomo.

— Por favor, acompanhe o Sr. Warner até sua carruagem. Cyril Warner não se moveu de imediato. O marquês, então, lhe deu as costas e se encaminhou para a janela.

Diante do mordomo, o homem não teve alternativa a não ser desistir.Assim que a porta se fechou, Pepe deu um pulo e correu para o pai— Você a salvou! Você a salvou!— Vá atrás deles, Pepe. Não quero que aquele homem faça perguntas a

Bates ou a qualquer outro criado.A menina não esperou para cumprir a ordem. Helena permaneceu em

silêncio por algum tempo.— Foi um modo brilhante que encontrou para me livrar do meu padrasto

e eu agradeço, mas temo que ele logo descobrirá a verdade.O marquês sorriu.— Se isso não acontecer até a meia-noite de hoje, será tarde demais.Helena não entendeu até que ele se aproximou e abraçou-a.— Eu te amei desde o primeiro momento. Estava apenas esperando uma

oportunidade para me declarar.No instante seguinte, o marquês a estava beijando. Um beijo suave e

gentil no início, mas que logo foi se tornando ardente e apaixonado.Helena nunca havia se sentido assim antes.— Não pode ser verdade — murmurou.— E verdade, minha querida. Eu te amo e sei que também me ama um

pouco porque li isso em seus olhos.— Eu te amo e não apenas um pouco, mas muito — Helena confessou. —

Mas como pode querer se casar comigo se nem sequer sabe meu nome?— Isso importa? — Ele sorriu. — O que importa é nos termos encontrado.

Eu a procurei toda a minha vida e você, como já viajou por tantos lugares e não encontrou um marido, era porque também estava a minha procura.

— Pensei que você só existisse em meus sonhos — Helena murmurou.— Mas estou aqui e peço que se case comigo esta noite. Vou mandar que

avisem o vigário agora mesmo, que também é meu capelão. Talvez você não saiba, mas eu não preciso requerer uma licença matrimonial porque minha capela, embora consagrada, é particular.

— Quando eu poderia imaginar que estaria me casando tão depressa com um marquês se tive de fugir de casa para não me casar com um duque?

— Mal consigo acreditar que você tenha um parentesco com aquele homem horrível que acabou de sair.

— Ele se casou com minha mãe depois que meu pai morreu.— Quem era o seu pai?— O conde de Stanrenton.O marquês ficou imóvel. Em seguida se pôs a rir.— Não acredito! Meus parentes vivem insistindo para que eu me case

com alguém do "nosso nível". Sem que eu me desse conta, o destino encaminhou justamente você a mim. Eu me lembro do nome do seu pai porque o meu o conhecia.

— Eu era ainda criança quando meu pai faleceu. Não me lembro muito bem de seus amigos. Minha mãe era uma pessoa maravilhosa, mas não suportou a solidão e tornou a se casar.

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— Eu não gostei da escolha que fez.— Nem eu. Ele queria me forçar a um casamento com o duque de

Hazelware, que tem mais de cinqüenta anos, apenas para colocá-lo na diretoria de sua empresa. Meu padrasto é dono de um estaleiro.

— Por mim — respondeu o marquês —, ele pode levar seus navios para o fim do mundo e ficar por lá. Tudo o que desejo agora é me casar imediatamente com você. Pepe terá a mais adorável das mães.

— Eu amo Pepe e também amarei todos os filhos que espero lhe dar.Emocionado, o marquês a beijou.Antes mesmo que a cerimônia fosse realizada e ela recebesse a aliança de

ouro, Helena sentiu que eles haviam se tornado uma só pessoa.Quando Pepe voltou, alguns minutos mais tarde, encontrou-os sentados

no sofá, de mãos dadas.— Ele já foi! Ele já foi! Tentou falar com Bates perto da porta do hall, mas

quando me viu escutando, desistiu do seu propósito. Antes de entrar na carruagem, fez uma nova tentativa, mas eu estava no topo da escada. Ele não teve alternativa a não ser ir embora.

— Espero que ele não volte — disse o marquês.— Eu fiquei olhando até a carruagem passar pelos portões e desaparecer

de vista, papai. Ele realmente se foi. Agora a Srta. Lawson poderá ficar conosco.

— Ela ficará conosco para sempre, querida. Pepe deu um pulo.— Para sempre mesmo?— Mesmo. Eu a pedi em casamento e ela aceitou. A cerimônia será esta

noite antes que o Sr. Cyril Warner descubra que eu estava mentindo.— Posso assistir o casamento, por favor?— E claro, querida. Você será a pessoa mais importante presente. E como

ficará acordada até tarde, acho que deveria descansar esta tarde.— Mesmo que eu estivesse exausta, não perderia o casamento por nada.

Nunca me senti tão feliz. Sempre quis ter uma mãe.— E eu te amo como se fosse minha filha de verdade. Prometo que

seremos uma família muito feliz.— Agora que descobriu que ama meu pai, continuará me amando,

também?— Você ocupa uma parte especial no meu coração e o seu pai ocupa uma

outra parte. Meu coração é grande o bastante para os dois.— Então eu farei o mesmo com o meu — Pepe riu. — Metade será para

você e metade para o papai.Em seguida a menina abraçou e beijou o marquês.— Obrigada, papai, por ter salvo Helena e encontrado a melhor solução

do mundo para que ela fique conosco para sempre.O marquês sorriu para a filha e para a noiva e estava se inclinando para

beijá-la mais uma vez quando o mordomo entrou.— Há uma pessoa pedindo para ver a Srta. Lawson. Ela diz que está vindo

de Londres.Helena se levantou no mesmo instante.— Oh, eu sei quem é. Traga-a aqui, por favor. O marquês a fitou,

surpreso.— De quem se trata?— De uma pessoa muito importante que quero apresentar a vocês e que

precisa saber a novidade.

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O marquês não entendeu, mas antes que pudesse pedir uma explicação, a porta se abriu.

— A Srta. Betty Ludlow.Helena correu para abraçar a babá e amiga.— Betty! Estou tão feliz em vê-la. Se não tivesse vindo, eu lhe teria

mandado uma notícia hoje mesmo.— Eu vim para avisá-la de que seu padrasto descobriu seu paradeiro.

Quando vi a carruagem dele no sentido contrário à minha, entretanto, soube que havia chegado tarde demais.

— Não, Betty, você chegou no momento ideal. Quero que conheça o marquês. — E para o noivo: — Betty trabalhava para a minha mãe e cuidou de mim desde que nasci. E a melhor pessoa que conheço. Foi dela a idéia de eu procurar uma agência e um emprego onde pudesse me esconder.

— E uma honra conhecê-la. — O marquês apertou a mão de Betty. — Agradeço-lhe do fundo do coração pelo que fez. Sem saber, a senhora mudou nossas vidas e nos trouxe a felicidade.

— Querem dizer que o Sr. Warner foi embora e não virá mais buscá-la?Helena negou com um movimento de cabeça.— O marquês e eu nos casaremos esta noite. Betty sorriu, maravilhada.— Você encontrou o amor! Rezei tanto para que isso acontecesse! Não

imaginam o quanto estou feliz em saber.— Eu sou um homem de sorte — o marquês declarou. — E espero, Betty,

que fique morando conosco a partir de agora.— Claro que sim — Betty respondeu, olhando para Helena cujos olhos

estavam cheios de lágrimas. — Eu poderia cuidar da menina enquanto o casal viaja em lua-de-mel.

— Se nós realmente viajarmos, Pepe — Helena continuou —, Betty lhe contará muitas histórias. Ela conhece mais e melhores do que eu.

— Adoro ouvir histórias — Pepe admitiu.Helena sabia que Pepe havia gostado imediatamente de Betty. Já

conhecia aquela criança o suficiente para identificar suas reações e emoções.— Estou muito grata a você por ter vindo, Betty. Talvez possa ocupar um

quarto perto do nosso, não é, Pepe?O marquês sorriu.— Acho que ela pode ficar com o seu atual, não, querida? A partir desta

noite, você será minha esposa.Helena corou e riu ao mesmo tempo.Naquela noite, após a cerimônia na capela, onde Betty e Pepe foram as

testemunhas, toda a casa comemorou o acontecimento com um jantar especial e champanhe.

Como por milagre, o chef francês providenciou um lindo bolo de noiva.Depois de colocar Pepe na cama, Helena foi para seu novo quarto e

pensou que suas preces haviam sido atendidas.Seu marido a tomou nos braços e disse que nunca fora tão feliz em sua

vida.— Eu te amo — Helena respondeu. — Sinto-me como se estivesse no céu

cercada pelas estrelas.— E assim que me sinto, também. Você é linda. Eu quis que fosse minha

no momento em que a conheci. Não pensei que meu desejo fosse se tornar realidade.

— Mas nosso amor é real — Helena sussurrou.

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No momento seguinte, como não conseguiam mais se expressar através de palavras, beijaram-se com carinho e paixão e alcançaram o paraíso que todas as pessoas procuram, mas que poucas têm a felicidade de encontrar. O paraíso que Deus criou especialmente para aqueles que se amam com o coração e com a alma.

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SOBRE A AUTORABARBARA CARTLAND, a novelista romântica mais famosa do mundo, que

também é historiadora, dramaturga, palestrista, oradora política e per-sonalidade artística, já escreveu mais de 600 livros com vendagem superior a 600 milhões de cópias em todo o mundo.

Entre suas publicações encontramos, também, muitas obras históricas e quatro autobiografias, além de biografias de sua mãe e irmão, Ronald Cartland, que foi o primeiro membro do Parlamento Inglês a perecer durante a última Grande Guerra. O livro conta com um prefácio redigido por Sir Winston Churchill e acaba de ser lançado com uma introdução realizada pelo falecido Sir Arthur Bryant.

Amor ao Leme, um livro escrito com a colaboração e inspiração do conde Mountbatten de Burma, tio-avô de Sua Alteza Real, o príncipe de Gales, está sendo vendido em prol da Mountbatten Memorial Trust.

Barbara Cartland tem quebrado o recorde mundial durante os últimos dezoito anos, pela criação de uma média de vinte e três livros por ano. Consta no Guinness, o livro dos recordes, como a autora de maior vendagem no mundo.

Em 1978, Barbara Cartland gravou um álbum de canções românticas com a Orquestra Filarmônica Real.

Em sua vida particular, Barbara Cartland, que é uma Dama da Ordem de St. John de Jerusalém, presidente do conselho St. John de Hertfordshire, e deputada-presidente da Brigada de Ambulâncias St. John, luta continuamente pela melhoria de condições e salários das enfermeiras e atendentes.

Abraçou a causa dos idosos, em 1956, invocando o governo para a melhoria dos asilos.

Em 1962, conseguiu uma alteração na lei inglesa com respeito à população cigana. Isso significou a permissão de acampamentos em locais apropriados, e acima de tudo a possibilidade de instrução em escolas para milhares de crianças ciganas que, no passado, eram impedidas de estudar, uma vez que as caravanas eram perseguidas pela polícia e obrigadas a se mudarem a cada vinte e quatro horas.

Existem, atualmente, catorze acampamentos na cidade de Hertfordshire, dos quais um, de origem romena, leva o nome de Barbaraville.

Seus projetos incluídos no livro Decorando com Amor estão sendo vendidos por todos os Estados Unidos. A Liga Nacional de Moda Doméstica a elegeu, em 1981, como "Mulher Empreendedora".

Seu livro Envelhecendo e Rejuvenescendo foi publicado na Grã-Bretanha e Estados Unidos, e seu quinto livro de culinária O Romance da Alimentação está sendo usado atualmente pela Casa dos Comuns.

Em 1984, ela recebeu no aeroporto Kennedy, o prêmio concedido pela Indústria da Aeronáutica Americana Bishop Wright, por sua contribuição ao desenvolvimento da aviação. Em 1931, ela e mais dois oficiais da Força Aérea Real empreenderam a primeira postagem aérea.

Durante a guerra, em Bedfordshire, foi nomeada a oficial chefe do bem-estar, cuidando de 20 mil homens e mulheres a serviço da Inglaterra. Foi sua a idéia, nesse período, de se providenciar uma "loja" que alugasse vestidos de noiva para as noivas militares, reunindo cerca de mil vestidos de segunda mão.

Em 1945, Barbara Cartland recebeu o certificado de mérito concedido pelo Comando Oriental.

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Em 1964, fundou a Associação Nacional de Saúde da qual ainda é presidente, e que funciona como uma frente para todos os estoques de remédios, bem como produtos da medicina alternativa. Isso significa um total de seiscentos milhões de libras em movimentação de mercadorias, sendo que um terço se refere à exportação.

Em janeiro de 1988, recebeu a medalha de Vermeil da vila de Paris (uma medalha de ouro), pela venda de 25 milhões de livros apenas na França.

Em março de 1988, foi convidada pelo governo da índia a inaugurar uma das maiores clínicas de saúde do mundo, nos arredores de Delhi.

As fãs a receberam com grande entusiasmo, e a festejaram em uma recepção realizada por toda a cidade, onde consta uma placa gravada com seu próprio nome.

Barbara Cartland foi feita Dama da Ordem do Império Britânico, em 1991, por Sua Majestade a Rainha, pela sua contribuição à literatura e pelo seu trabalho pela comunidade.

Barbara Cartland é a autora do maior número de livros já publicados por um escritor inglês, ultrapassando os 564 livros escritos por John Creasey.