banco de horas

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FUNDAÇÃO FACULDADE DE DIREITO - UFBA CIRO TADEU GALVÃO DA SILVA FERNANDA OLIVEIRA DE ALMEIDA GIVALDO NERI LIMA LUCILLE CORREIA CAVALCANTE LUIS CLÁUDIO SEIXAS ANDRADE I SEMINÁRIO – DIREITO DO TRABALHO – 2010.1 TEMA: BANCO DE HORAS Trabalho apresentado como pré-requisito parcial para aprovação no CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO DO TRABALHO 2010.1, sob a orientação do professor Luciano Martinez. SALVADOR 2011

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Page 1: Banco de horas

FUNDAÇÃO FACULDADE DE DIREITO - UFBA

CIRO TADEU GALVÃO DA SILVA FERNANDA OLIVEIRA DE ALMEIDA

GIVALDO NERI LIMA LUCILLE CORREIA CAVALCANTE LUIS CLÁUDIO SEIXAS ANDRADE

I SEMINÁRIO – DIREITO DO TRABALHO – 2010.1

TEMA: BANCO DE HORAS

Trabalho apresentado como pré-requisito parcial para aprovação no CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO DO TRABALHO 2010.1, sob a orientação do professor Luciano Martinez.

SALVADOR 2011

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Banco de Horas

Ciro Tadeu Galvão da Silva Fernanda Oliveira de Almeida

Givaldo Neri Lima Lucille Correia Cavalcante

Luis Cláudio Seixas Andrade Alunos do Curso de Especialização em Direito do Trabalho 2010.1 – Fundação Faculdade de Direito - UFBA

RESUMO: É cediço que a Lei 9.601/98 e a MP No 2.164-41/2001, indubitavelmente, estabeleceram um novo paradigma acerca do regime de compensação de jornada de trabalho (Banco de horas) previsto no texto constitucional. Se por um lado trouxe vantagens para o empregador, pela supressão do pagamento imediato das horas extras prestadas pelo obreiro, para este último não agregou os direitos garantidos pela Constituição de forma plena. Nesse ínterim, o presente ensaio ateve-se inicialmente às noções do instituto jurídico em foco para, posteriormente, provocar o debate sobre a preservação do emprego versus lucratividade do empregador, (in) constitucionalidade do instituto, parâmetro temporal compensatório e a relação com a administração pública, férias e saúde e segurança do trabalho.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Jornada de Trabalho – Uma Abordagem Inicial. 2.1 Histórico. 2.2 Conceituação e Previsão Legal. 2.3 Flexibilização. 3 Banco de Horas. 3.1 Histórico, Previsão Legal e Conceituação. 3.2 Requisitos de Validade. 3.3 Formas de Instituição: Acordo Individual ou Negociação Coletiva? 4 Pontos para Reflexão. 4.1 Banco de Horas e a Saúde e a Segurança do Trabalho. 4.2 Banco de Horas e Período de Férias. 4.3 Limite Temporal para Compensação. 4.4 Banco de Horas: Preservação do Emprego ou Maior Lucratividade do Empregador? 4.5 Inconstitucionalidade do Banco de Horas. 4.5.1 Princípios da Proibição do Retrocesso Social e da Isonomia. 4.5.2 Das Teses sobre a Inconstitucionalidade do Banco de Horas. 4.6 Banco de Horas e a Administração Pública. 5 Conclusão. 6 Referências.

PALAVRAS-CHAVE: Jornada de trabalho. Horas extras. Compensação de jornada. Banco de horas. Negociação coletiva. Flexibilização.

1. INTRODUÇÃO

Como é cediço, a jornada de trabalho é fixada pela Constituição da República de

1988 (art. 7o, XIII) e limitada ao máximo de oito horas diárias e quarenta e quatro horas

semanais. A Carta Magna também facultou a compensação de horários e a redução da

jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Com o advento da Lei No 9.601/98, surge a permissão para a compensação de

horários em períodos maiores que uma semana. Inicialmente, a lei estabeleceu o limite de

quatro meses para compensação. Mais tarde, por meio de Medidas Provisórias, o Poder

Executivo ampliou esse limite para um ano.

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Por força da EC 32, de 2001, a MP No 2.164-41, de 24.08.2001, contrariando a

própria essência dessa forma de legislar, ganhou vigência permanente, e deu nova redação ao

§2o do art. 59, da CLT, possibilitando a dispensa de acréscimo de salário se, por força de

acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela

correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de

um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite de

dez horas diárias.

A esse arranjo laboral deu-se o nome de Banco de Horas e sua concepção tem

como pano de fundo as crises financeiras que assolaram o Brasil na década de 90.

Visando a evitar a redução de postos de trabalho e as demissões em massa, e

também os efeitos das sazonalidades nas demandas, o Banco de Horas surge como a panacéia

para solucionar os problemas das empresas e preservar o emprego dos trabalhadores.

Partindo dessa premissa, o presente estudo se inicia com uma abordagem sobre

jornada de trabalho, um breve resgate histórico, a conceituação e previsão legal do mecanismo

e uma rápida passagem sobre a proposta de flexibilização da jornada de trabalho, que aqui

será abordada como o instituto permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro no qual foi

introduzido o Banco de Horas, cujo objetivo primaz visou atender momentos de crise

econômica e financeira que afetasse as empresas, objetivando evitar despedidas coletivas de

trabalhadores e a conseqüente preservação do emprego.

No capítulo seguinte, descreve o Banco de Horas, traz seu histórico, sua previsão

legal, a conceituação, os requisitos de validade e abre a discussão sobre as formas de

instituição, se por meio de acordo individual ou negociação coletiva.

No quarto capítulo, adentra numa reflexão sobre alguns temas específicos

relacionados com o Banco de Horas, a exemplo do parâmetro a ser utilizado, a relação com o

período de férias e com a saúde e segurança do trabalho, e, ainda, a possibilidade de sua

aplicação aos servidores da administração pública. Debruça-se, também, e principalmente,

sobre as teses de inconstitucionalidade do Banco de Horas, sob o ponto de vista

principiológico. E traz a lume, uma questão: a quem serve o Banco de Horas? Aos

trabalhadores, aos empregadores, ou a ambos?

É com esse propósito que este ensaio propõe uma abordagem crítico-informativa

com posterior reflexão acerca do instituto jurídico da jornada de trabalho, especificamente

sobre o tema Banco de Horas, associada a comentários doutrinários e jurisprudenciais

pertinentes a sua aplicação nas circunstâncias permitidas por lei, o qual permitirá ao leitor

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incipiente uma visão inicial sistematizada, clara e objetiva, porém lastreada de substancial

embasamento jurídico acerca do tema.

2. JORNADA DE TRABALHO – UMA ABORDAGEM INICIAL

2.1 HISTÓRICO

Antigamente, sobretudo nos países do continente europeu, os trabalhadores

laboravam de sol a sol, sem fixação de jornada, cumprindo uma carga horária muito acima das

oito horas diárias estabelecida em grande parte do mundo atual.

Os obreiros, insatisfeitos, cansados do labor por tempo muito superior ao que as

forças do homem poderiam suportar, promoveram inúmeras reivindicações, insistentes

protestos, com grandes movimentos paredistas, visando à redução da jornada de trabalho,

máxime a fixação da jornada em oito horas diárias.

Nesse contexto, segundo Sérgio Pinto Martins1, o Papa Leão XIII, na Encíclica

Rerum Novarum, de 1891, prevê que “o número de horas de trabalho diário não deve

exceder a força dos trabalhadores, e a quantidade do repouso deve ser proporcional à

qualidade do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar, à compleição e saúde dos

operários”.

A partir da orientação do Vaticano, sucederam-se Recomendações, Tratados e

Convenções, todas ratificando a instituição da jornada de trabalho em oito horas diárias.

No Brasil, vários Decretos trataram da jornada de trabalho, estabelecendo limites

de acordo com as várias categorias e áreas profissionais, tendo sido a maioria absorvida pela

Consolidação das Leis do Trabalho, em 01 de maio de 1943.

As Constituições Federais, considerando as posteriores a 1891, tratavam da

jornada de trabalho de uma forma semelhante, observando sempre o limite de oito horas

diárias, preocupando-se com o descanso do obreiro e permitindo a prorrogação da jornada só

em casos excepcionalmente previstos.

Entretanto, a Constituição Federal de 1988, de acordo com os ensinamentos de

Sérgio Pinto Martins2 “modificou a orientação que vinha sendo seguida constitucionalmente,

estabelecendo no seu art. 7º: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias

e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada,

mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho” (XIII); “jornada de seis horas para o

1 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25 ed. 2. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2009, p. 485. 2 Idem, p. 487.

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5

trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva”

(XIV)”.

2.2 CONCEITUAÇÃO E PREVISÃO LEGAL

Maurício Godinho Delgado3 conceitua jornada de trabalho como: “o lapso

temporal diário em que o empregado se coloca à disposição do empregador em virtude do

respectivo contrato. É desse modo, a medida principal do tempo diário de disponibilidade do

obreiro em face de seu empregador como resultado do cumprimento do contrato de trabalho

que os vincula”.

Já Sérgio Pinto Martins4 utiliza uma definição mais simples, onde, segundo ele

“jornada de trabalho é a quantidade de labor diário”.

Trata-se de um tema de elevada relevância no Direito do Trabalho, pois é por

meio da fixação da jornada de trabalho que se pode determinar o salário do obreiro,

considerando o tempo efetivamente laborado e/ou à disposição do empregador. Por outro

lado, a limitação do horário de labor é essencial para a saúde do trabalhador, pois a jornada

excessiva poderá provocar doenças ocupacionais e até mesmo acidentes decorrentes do

trabalho.

Nesse sentido, o controle de jornada diária e semanal positivado na CF/1988

constitui uma medida eficaz para preservar o trabalhador, principalmente com relação aos

riscos inerentes a atividade laborativa.

Com efeito, a Carta Magna fixou a jornada diária em 8 horas, e a semanal, em 44

horas, permitindo a compensação de horários ou a diminuição da jornada, desde que efetivado

mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. No mesmo caminho, trilha o art. 58 da

CLT, estabelecendo também a jornada de 8 horas diárias.

Além da jornada diária e semanal, a Lei Maior disciplinou em seu art. 7º, XIV,

para os obreiros que trabalham em turnos ininterruptos de revezamento, a jornada de 6 horas

diárias, podendo ser alterada com a elaboração de negociação coletiva.

Entende-se que o labor através de turnos ininterruptos de revezamentos é aquele

em que os trabalhadores são escalados para prestarem serviços em diferentes períodos

(manhã, tarde e noite), fazendo constantes rodízios.

3 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6ª. Ed. São Paulo: LTR, 2010, p. 782. 4 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25 ed. 2. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2009, p. 487.

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Ademais, a Consolidação das Leis do Trabalho, malgrado discipline a jornada de

trabalho normal (arts. 58 a 65) estabelece também, observando as respectivas áreas

profissionais, jornada de trabalho especial, a exemplo dos bancários (arts. 224 a 226), dos

empregados nos serviços de telefonia (arts. 227 a 231), dos músicos profissionais (arts. 232 e

233), dos operadores cinematográficos (arts. 234 e 235), dos empregados em serviços

ferroviários (arts. 236 a 247), dos empregados das equipagens das embarcações da marinha

mercante nacional (arts. 248 a 252), dos empregados dos serviços frigoríficos (art. 253), do

trabalho em minas de subsolo (arts. 293 a 301), dos jornalistas profissionais (arts. 302 a 316),

dos professores (arts. 317 a 324) e dos químicos (arts. 325 a 351).

De outro vértice, temos ainda, os empregados excluídos do controle de jornada,

como os que exercem atividade externa incompatível com a fixação do horário de trabalho, e

os gerentes que exercem cargo de confiança, de mando, comando e gestão dentro da empresa

(art. 62 Consolidado). Já quanto às empregadas (os) domésticas (os), infelizmente, o

legislador brasileiro ainda não evoluiu a ponto de fixar a sua jornada laboral.

2.3 FLEXIBILIZAÇÃO

Sérgio Pinto Martins5 ensina que a flexibilização da jornada de trabalho “é usada

principalmente nos países de língua inglesa, em que o funcionário entra mais cedo, saindo

mais cedo do trabalho, ou ingressa mais tarde no serviço, saindo, também, em horário mais

adiantado do que o normal, estabelecendo, assim, seu próprio horário de trabalho,

trabalhando mais horas em determinado dia ou semana para trabalhar um menor número de

horas em outros dias”.

Nacionalmente, qualquer trabalho fixado acima ou abaixo da jornada prevista na

CF/1988 importará em sua flexibilização, prorrogando-a ou reduzindo-a.

A Carta Maior vem prestigiando a flexibilização das regras acerca da jornada de

trabalho, permitindo a sua compensação ou redução, sendo possível somente com a confecção

de acordo ou convenção coletiva de trabalho. Referente ao aumento da jornada de 6 horas

fixada para os trabalhadores que laboram em turnos ininterruptos de revezamento, também é

possível, desde que presente negociação coletiva.

Não é ocioso, porém, mencionar o entendimento do Tribunal Superior do

Trabalho, que em diversos julgamentos, vem aceitando a escalada de revezamento que fixa a

5 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25 ed. 2. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2009, p. 506.

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jornada na modalidade 12 por 36 horas, desde que seja instituída por convenção ou acordo

coletivo de trabalho.

3. BANCO DE HORAS

3.1 HISTÓRICO, PREVISÃO LEGAL E CONCEITUAÇÃO

Sérgio Pinto Martins6 ensina que “o § 2o do art. 59 da CLT mencionava que

poderia ser feita a compensação mediante acordo ou contrato coletivo, desde que não

houvesse excedimento do horário normal da semana, nem fosse ultrapassado o limite máximo

de 10 horas diárias”. Essa era a redação original do Diploma Consolidado de 1943. Por sua

antiga redação, não era possível ultrapassar às 44 horas semanais para efeito de compensação

de horas.

Com o advento da Lei 9.601/1998, seu art. 6o modificou a redação do art. 59, § 2o

da CLT, permitindo a compensação de horas de labor além do parâmetro mês, desde que

existente acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Segundo Maurício Godinho Delgado7 “a Lei 9.601/98 alterou o critério de

compensação de horas de labor tradicional no país, instituindo autorização para pactuação

da chamada compensação anual ou banco de horas”.

Em seu texto primitivo, a referida Lei contemplava a compensação anual limitada,

usando como parâmetro o máximo de 120 dias durante um ano. Entretanto, várias Medidas

Provisórias, dentre elas, a MP 2.164-41 com vigência indeterminada, por força do art. 2º da

EC No 32 de 11/09/2001, foram promulgadas para estabelecer o parâmetro anual pleno,

englobando, portanto, os 12 meses existentes no ano.

Em resumo, o Banco de Horas é um acordo de compensação de jornadas,

disciplinado por convenção ou acordo coletivo de trabalho, no qual pode se prever que o

excesso de horas laborado em um dia será compensado pela correspondente diminuição em

outro, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas

semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de 10 horas diárias,

não havendo que se falar em pagamento do adicional de 50% a título de horas extras.

Porém, ocorrendo a rescisão do contrato de trabalho, sem que tenha havido a

compensação integral da jornada laborada em excesso, o obreiro terá direito ao adimplemento

das horas extras trabalhadas e não compensadas.

6 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25 ed. 2. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2009, p. 509. 7 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6ª. Ed. São Paulo: LTR, 2010, p. 811.

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3.2 REQUISITOS DE VALIDADE

Para validade/reconhecimento da compensação de jornada ou banco de horas, faz-

se necessária a intervenção sindical, por meio da assinatura de convenção ou acordo coletivo

de trabalho, evitando-se, assim, abusos do empregador.

Ressalte-se que o reconhecimento das convenções coletivas e dos acordos

coletivos de trabalho, previsto no art. 7o, XXVI da CF/1988 só é possível com a

intermediação dos sindicatos, requisito obrigatório para sua validade (art. 8o, VI, da Carta

Magna).

Desse modo, percebe-se que a presença do sindicato é essencial nas negociações

coletivas de trabalho para flexibilização da jornada, podendo tanto ser instituídas condições

mais favoráveis, quando da redução, quanto desfavoráveis, devido à possibilidade de aumento

da jornada de trabalho nos turnos ininterruptos de revezamento.

Outro requisito a ser observado é que no período máximo de um ano, as horas

extras laboradas não devam exceder a soma das jornadas semanais de trabalho previstas,

sendo estas normalmente fixadas em 44 horas. Outrossim, o obreiro, quando de seu labor

diário, não poderá ultrapassar o limite máximo de 10 horas.

Ademais, o Tribunal Superior do Trabalho firmou posicionamento no sentindo de

que a prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada,

a teor da Súmula 85, item IV, estabelecendo mais um requisito, já que o trabalho em

sobrelabor constantemente, de forma habitual, é causa extintiva do banco de horas.

3.3 FORMAS DE INSTITUIÇÃO: ACORDO INDIVIDUAL OU NEGOCIA ÇÃO

COLETIVA?

Discute-se na doutrina e na jurisprudência se a lei que permitiu a compensação

autoriza a sua instituição mediante acordo tácito, acordo individual escrito ou, somente, por

meio de negociação coletiva.

Relativamente ao acordo tácito, o seu acolhimento tem se revelado bastante

minoritário. Os que defendem essa tese sustentam que feita a compensação por considerável

período de tempo sem que haja insurreição do obreiro, estaria configurado o ajuste tácito.

Contudo, o acordo tácito não está previsto na legislação, situação imprevisível de

compensação, podendo gerar abusos do empregador, já que este estaria livre para determinar

seus critérios.

Page 9: Banco de horas

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Seguindo essa linha de raciocínio, o TST entende que o ajuste de compensação de

jornada de trabalho não pode ser tácito, admitindo, entretanto, o acordo individual escrito.

Confira-se nesse sentido o entendimento jurisprudencial:

ACORDO TÁCITO PARA COMPENSAÇÃO DE JORNADA - PAGAMENTO APENAS DO ADICIONAL DE HORAS EXTRAS. É inválida a adoção de regime tácito de compensação horária, nos termos do art. 7º, XIII, da Constituição Federal. Nesse caso, não tendo o Regional contestado a alegação do Reclamado de que tais horas foram efetivamente pagas, o Empregado, nos termos da Súmula nº 85 do TST, tem direito apenas ao adicional relativo às horas invalidamente compensadas. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 435652-32.1998.5.09.5555, Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 12/02/2003, 4ª Turma, Data de Publicação: 14/03/2003)

De fato, a Súmula 858 do TST, em seu item I, permite a compensação da jornada

de trabalho quando ajustada por acordo individual escrito, restringindo sua aplicação no item

II, afirmando ser válido caso inexista norma coletiva em sentido contrário. Contudo, há uma

diferenciação clara entre compensação semanal e Banco de Horas, que tem outro parâmetro

temporal.

Cláudia José Abud9 adota o entendimento de que o ajuste pode ser por meio de

acordo escrito individual, pois traz evidentes benefícios ao empregado.

“Sabe-se também, que a convenção e o acordo coletivo de trabalho são instrumentos mais raros de celebração no âmbito de empresas de pequeno porte, assim como são proibidas em entidades de direito público”. “Diante do exposto, conjugados os méritos gramatical, lógico-sintático e teleológico, sustentamos que o termo “acordo” utilizado pelo inciso XIII do art. 7º da nossa Carta Magna diz respeito ao acordo individual”.

Sérgio Pinto Martins10, afirma que o acordo deva ser coletivo:

“Entendo que o adjetivo coletivo, qualificando o substantivo convenção, diz respeito tanto a convenção como ao acordo, até mesmo em razão da conjunção empregada no texto, que mostra a alternatividade tanto na convenção como do acordo serem coletivos. A palavra coletiva deve concordar com a palavra imediatamente anterior, que é feminina, mas aquela se refere também ao acordo. Por esse raciocínio, o acordo deve ser coletivo e não individual”

Luciano Martinez11 afirma que o acordo deve ser coletivo:

“Somente pode ser ajustado por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, sendo imune à aplicabilidade do entendimento constante da súmula 85, I e II, do TST”.

8 Súmula No 85 do TST - COMPENSAÇÃO DE JORNADA I. A compensação de jornada de trabalho deve ser

ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. II - O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário.

9 ABUD, Cláudia José. Jornada de Trabalho e a Compensação de Horários. São Paulo: Atlas, 2008, p. 109-110. 10 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25 ed. 2. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2009, p. 508. 11 MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho.

São Paulo: Saraiva, 2010, p. 294.

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Entende Renato Saraiva12:

“(...) que a compensação de jornada admitida por meio de acordo individual escrito seria apenas a relacionada com a compensação semanal, quando, em regra, o trabalhador labora uma hora a mais de segunda a quinta-feira, não laborando aos sábados, perfazendo assim, a jornada de 44 horas semanais, haja vista que nesse caso a compensação seria benéfica para o empregado, que não prestaria serviços aos sábados”.

Outro exemplo de acordo individual escrito seria a OJ 323 da SDI-I/TST, um

verdadeiro sistema de compensação de jornada de trabalho semanal, mais conhecido como

“semana espanhola”, onde o trabalhador alterna a prestação de 48 horas numa semana e 40

horas noutra.

Na realidade, compreende-se que para instituição do banco de horas, a existência

de negociação coletiva, seja por meio de acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho,

intermediada pela entidade sindical é a regra, máxime a compensação de jornada anual,

conforme estabelece o art. 59, § 2o da Consolidação das Leis do Trabalho.

Registre-se, porque oportuna, a opinião do insigne doutrinador Maurício Godinho

Delgado (2010, p. 814):

“[...] no instante em que o legislador infraconstitucional criou, no país, novo tipo de regime compensatório, distinto daquele até então vigorante e, adicionalmente, prejudicial à saúde e segurança da pessoa humana prestadora de serviços empregatícios, não pode determinar que tal regime prejudicial, redutor de direitos e vantagens trabalhistas, seja pactuado sem o manto protetivo da negociação coletiva.”

Entretanto, para que se ponha fim à controvérsia, mencione-se, ilustrativamente, o

seguinte aresto:

RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 11.496/2007. BANCO DE HORAS. SÚMULA N.º 85 DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. A Lei n.º 9.601/98, que deu nova redação ao art. 59, § 2.º, da CLT, estabeleceu o padrão anual de compensação, implantando, com isso, o banco de horas, desde que por meio de negociação coletiva. Tal preceito é incompatível com a diretriz consagrada na Súmula n.º 85 deste Tribunal Superior. Ressalte-se que referido verbete jurisprudencial tem como parâmetro de compensação o limite da jornada máxima semanal, que corresponde a 44 horas semanais. Diferentemente, o banco de horas admite módulo anual e sua fixação por instrumento coletivo decorre de imperativo legal. A fixação do banco de horas, sem que formalizada mediante norma coletiva, não atrai, portanto, a incidência da Súmula n.º 85 deste Tribunal Superior. Recurso de Embargos conhecido e desprovido. Processo: E-ED-ED-ED-RR - 125100-26.2001.5.03.0032 Data de Julgamento: 04/11/2010, Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 12/11/2010.

12 SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. 2ª. Ed, ver. Atual. Rio de Janeiro: Método, 2009, p. 272

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4. PONTOS PARA REFLEXÃO

4.1 BANCO DE HORAS E A SAÚDE E A SEGURANÇA DO TRABALHO

A estipulação da jornada de trabalho em oito horas diárias tem como fundamento

as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. O alongamento do tempo de atividade

laboral pode trazer, no médio e longo prazos, sérios danos ao trabalhador, comprometendo,

inclusive, a geração de força de trabalho no futuro.

Na medida em que alonga a jornada do trabalhador, de forma contínua, o instituto

do Banco de Horas pode levá-lo à fadiga e à exaustão, trazendo como conseqüências, dentre

outras, a lesão por esforços repetitivos e agravando os riscos de acidente de trabalho.

Ademais, subtrai do trabalhador o tempo que seria dedicado às atividades sociais,

esportivas, culturais, e, principalmente, ao convívio com a família.

Segundo Maurício Godinho Delgado:

“A pactuação de horas complementares à jornada padrão, que extenue a trabalhador ao longo de diversas semanas e meses cria riscos adicionais inevitáveis à saúde e segurança daquele que presta serviços, deteriorando as condições de saúde, higiene e segurança no trabalho.” (DELGADO, 2006, p.864).

Dessa forma, essa agressão à saúde, higiene e segurança laborais destitui o Banco

de Horas do sentido benéfico ao trabalhador de que era ele originalmente dotado.

4.2 BANCO DE HORAS E PERÍODO DE FÉRIAS

Outro ponto de salutar importância é a compensação das horas

extraordinariamente laboradas e sua interferência no período de férias.

É se salientar que as férias têm caráter de proteção da saúde do trabalhador, como

explica Maurício Godinho Delgado13:

“As férias, entretanto, são direito laboral que se constrói em derivação não somente de exclusivo interesse do próprio trabalhador. Elas, como visto, indubitavelmente também têm fundamento em considerações e metas relacionadas à política de saúde pública, bem-estar coletivo e respeito à própria construção da cidadania (...) as férias surgem como mecanismo complementar de grande relevância nesse processo de reinserção da pessoa do empregado, resgatando o da noção estrita de ser produtivo em favor de uma mais larga noção de ser familiar, ser social e ser político. Tais fundamentos - que se somam ao interesse obreiro na estruturação do direito às férias - é que conduzem o legislador a determinar que o empregado não tenha apenas o direito de gozar as férias, mas também, concomitantemente, o dever de as fruir, abstendo-se de “(...) prestar serviços a outro empregador, salvo se estiver obrigado a fazê-lo em virtude de contrato de trabalho regularmente mantido com aquele” (ad. 138, CLT; ad. 13, Convenção 132, OIT) (...) O caráter imperativo das férias, atada que é ao segmento da saúde e segurança laborais, faz com que não possa ser objeto de renúncia ou transação lesiva e, até mesmo, transação prejudicial coletivamente negociada. E, pois, indisponível referido direito.

13 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 928.

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Isso posto, tem-se que as pausas do trabalho, realizadas em razão da concessão de

férias não podem ser utilizadas no cômputo do banco de horas a fim de deduzir-se as horas de

descanso concedidas em razão das férias aquelas extraordinariamente laboradas.

Note-se que o direito ao gozo das férias, constitui-se em matéria de ordem

pública, havendo expressa previsão legal para a perda deste direito, sendo que a compensação

de horas extraordinárias não consta da referida previsão legal.

Isso posto, tem-se expressa a intangibilidade do gozo das férias, não só em face da

compensação de horas eventualmente instituída através de Banco de Horas, em razão de

constituir-se em matéria de ordem pública.

4.3 LIMITE TEMPORAL PARA COMPENSAÇÃO

Ponto de importante destaque para a análise do tema Banco de Horas é o

parâmetro utilizado para a compensação das horas extraordinariamente laboradas, pelo que se

tem que verificar acerca do limite temporal para a compensação destas horas.

A redação original da Lei No 9.601/98 criou uma espécie de compensação anual

limitada, ao estabelecer o parâmetro máximo de 120 dias. O Poder Executivo, entretanto, por

meio da Medida Provisória 1.709, de 1998, reeditada várias vezes, estabeleceu o parâmetro

anual pleno para a compensação.

Note-se que o Banco de Horas tem sua raiz no art. 59, da Consolidação das Leis

Trabalhistas, donde se extrai qual o limite temporal para a compensação das horas

extraordinárias laboradas e não pagas, senão vejamos a sua redação:

(...) § 2o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias. (grifos nossos).

Da análise do dispositivo retro transcrito tem-se que o limite temporal a ser

obedecido para a compensação das horas extraordinariamente laboradas é o limite anual,

posto que dispõe o referido dispositivo legal que a compensação deverá ser efetuada no

período máximo de um ano.

Cabe destacar que o marco final do “período de um ano” do Banco de Horas está

vinculado ao prazo estabelecido no instrumento da negociação coletiva. Ou seja, o limite

temporal máximo é o fim da validade do acordo ou convenção coletiva.

Page 13: Banco de horas

13

Contudo, é de imperiosa importância destacar que o esquema compensatório

estabelecido pelo art. 59, §2o, da CLT, conhecido como Banco de Horas, é uma das espécies

contidas no sistema compensatório, e que, neste caso, o lapso temporal máximo para a

compensação do labor é de 01 (um) ano, devendo ser pactuado sempre mediante acordo

coletivo ou convenção coletiva.

Saliente-se que este é o entendimento jurisprudencial acerca do tema, senão

vejamos;

RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 11.496/2007. BANCO DE HORAS. SÚMULA N.º 85 DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃ O. A Lei n.º 9.601/98, que deu nova redação ao art. 59, § 2.º, da CLT, estabeleceu o padrão anual de compensação, implantando, com isso, o banco de horas, desde que por meio de negociação coletiva. Tal preceito é incompatível com a diretriz consagrada na Súmula n.º 85 deste Tribunal Superior. Ressalte-se que referido verbete jurisprudencial tem como parâmetro de compensação o limite da jornada máxima semanal, que corresponde a 44 horas semanais. Diferentemente, o banco de horas admite módulo anual e sua fixação por instrumento coletivo decorre de imperativo legal. A fixação do banco de horas, sem que formalizada mediante norma coletiva, não atrai, portanto, a incidência da Súmula n.º 85 deste Tribunal Superior. (...) Declaração em Recurso de Revista n.º TST-E-ED-ED-ED-RR-125100-26.2001.5.03.0032, em que é Embargante MAGNETI MARELLI DO BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. e Embargado SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS METALÚRGICAS, MECÂNICAS E DE MATERIAL ELÉTRICO DE BELO HORIZONTE E CONTAGEM.

Ressalta-se que nada impede que o parâmetro compensatório seja semanal ou

mensal, desde que pactuado em acordo ou convenção coletiva, posto que o que o referido

dispositivo legal (art. 59, §2o, da CLT) estabelece é o limite temporal máximo, podendo ser

realizado o pacto coletivo estabelecendo condições menos gravosas para o empregado.

4.4 BANCO DE HORAS: PRESERVAÇÃO DO EMPREGO OU MAIOR

LUCRATIVIDADE DO EMPREGADOR?

A partir da ideia inicial de preservação do emprego do trabalhador e atenuação das

consequências trabalhistas que poderiam se verificar ante a recessão econômica que o Brasil

experimentava em 1998, foi editada a Lei No 9.601/98 que flexibilizou algumas garantias

trabalhistas. No bojo desta lei surgiu o banco de horas com as premissas de que as empresas

estavam autorizadas a barganhar as horas trabalhadas em sobrejornada pelos seus funcionários

em troca da concessão de folga em períodos determinados. Para tanto, alguns requisitos

devem ser obedecidos, quais sejam a real situação de dificuldades por que passa a empresa ou

momentos de crises financeiras temporárias, além da sazonalidade da produção e de serviços,

Page 14: Banco de horas

14

as quais constituem justificativas para evitar as despedidas coletivas e, portanto, a preservação

do emprego dos trabalhadores.

A análise preliminar destes conceitos básicos da instituição do banco de horas

como medida salutar e necessária para o propósito para o qual foi concebido é de certa forma

louvável e compreensível, partindo do entendimento de que, malgrado o trabalhador não

tenha a sua contraprestação recebida logo após a prestação efetiva do serviço, seu emprego

estaria garantido, mesmo a empresa permutando o valor pecuniário da força de trabalho do

seu funcionário pela posterior concessão de folga, desde que verificadas as condições

estabelecidas para tal concessão.

Até aí poder-se-ia compreender tal sacrifício do trabalhador frente a uma situação

de crise financeira da economia ou o momento de dificuldade que a empresa atravessa. Mas,

desde a instituição desta forma de flexibilização de direitos trabalhistas, não foi exatamente

isto que se verificou e se constata atualmente na prática das relações trabalhistas no Brasil.

Praticamente a maioria das empresas brasileiras adota o sistema do banco de horas

independente da constatação dos requisitos para a sua instituição, ou seja, não há que se

verificar a real necessidade de crise na economia ou para evitar uma dispensa coletiva de

funcionários face a redução da demanda de serviços ou produtos. Desta forma, o que se vê

atualmente é a imposição inicial da sobrejornada para, posteriormente, conceder as folgas

como forma de compensação, onde na maioria das vezes o período desta concessão fica a

critério do empregador, sem margem de negociação com o trabalhador.

O entendimento do equilíbrio do binômio desoneração da folha de pagamento do

empregador versus a garantia do emprego do trabalhador, desde que verificados os requisitos

legais para a sua implementação, é de fundamental importância para esta forma de

flexibilização do direito trabalhista, já que o objetivo maior do banco de horas é garantir as

condições mínimas de manutenção de uma empresa com lucratividade associada à garantia de

emprego do trabalhador quando estão submetidos às condições adversas de crise econômica

ou períodos sazonais de demanda de produtos ou serviços.

Quando há um desequilíbrio desta relação, normalmente pendente para o

trabalhador, há que se verificar uma maior lucratividade por parte do empregador, já que este

se beneficiará dos serviços prestados pelo seu obreiro com a simples contrapartida da

concessão de folgas em períodos de baixa demanda de serviços ou produtos, sem onerar a sua

folha de pagamento com horas extraordinárias realizadas pelos empregados, não

comprometendo assim seus lucros. Por outro lado, analisando a situação do trabalhador que

dispensou sua força de trabalho nas situações previstas ou não pela Lei No 9.601/98, não há

Page 15: Banco de horas

15

que se falar em alguma vantagem pelas folgas concedidas pela empresa, já que normalmente

as referidas folgas são dadas em épocas não coincidentes com as eventuais necessidades do

trabalhador, verificando, portanto, duas situações se lhes revelam bastante prejudiciais: a uma,

de caráter familiar, onde o período concedido priva-lhe do convívio com sua família; e a duas,

impossibilitando-o de realizar outras atividades profissionais que porventura possam lhe

remeter a algum ganho adicional com o objetivo de incrementar seu orçamento em

substituição àquele valor que deveria ter recebido pela prestação das horas extraordinárias

prestadas à sua empresa.

Vê-se, portanto, a desigual relação estabelecida pela legislação onde coloca o

trabalhador sem qualquer chance para discutir os termos da concessão de folgas, já que a ele

não é oportunizada a escolha dos períodos de concessão, uma vez que estes obedecem a uma

prerrogativa do empregador que os associa a momentos de baixa demanda de serviços ou

produtos ou a situações de crise financeira da economia.

Desta forma, o que se verifica é a submissão do trabalhador às sobrejornadas

impostas pelo empregador que não obedece, na maioria das vezes, aos requisitos legais da

instituição do banco de horas, tornando uma prática constante esta forma de flexibilização das

relações trabalhistas em nome da “manutenção do emprego”, com o fito de evitar as

despedidas coletivas.

A questão que se discute atualmente é se efetivamente a instituição do banco de

horas tem sido um instrumento capaz de garantir o emprego do trabalhador e a manutenção e

lucratividade das empresas pelas suas premissas propostas a ambos.

Outras questões hão de ser discutidas e debatidas para o bom entendimento e

aplicação desse instituto de flexibilização dos direitos trabalhistas. No que diz respeito à

cessação das condições permissivas à instituição do banco de horas, há empresas em que não

são constatados os objetivos previstos pelo legislador pela edição da Lei No 9.601/98 e

mesmo assim continuam utilizando o banco de horas. Quais os argumentos? A simples ideia

de evitar as despedidas em massa? Qual o poder de mobilização dos trabalhadores para

atenuar esta situação? E as autoridades trabalhistas, o que poderia ser feito? São questões que

permeiam constantemente a seara trabalhista junto com todos os seus atores, cada um com

uma parcela de poder a fim de evoluir para uma situação de equilíbrio entre as partes da

relação de emprego, seja na garantia do emprego do trabalhador, seja na manutenção e

lucratividade das empresas.

Page 16: Banco de horas

16

4.5 INCONSTITUCIONALIDADE DO BANCO DE HORAS

Tema assaz polêmico é trazido ao campo da flexibilização dos direitos trabalhistas

a fim de se discutir os aspectos constitucionais associados a este instituto. Desde a sua

aprovação em 1998, através da Lei No 9.601/98, este tema vem sendo objeto de grandes

discussões acerca da afetação de alguns direitos sociais conquistados pelos trabalhadores.

Nesse sentido, a discussão que aqui será apresentada versará sobre dois princípios

constitucionais supostamente afetados pelo instituto jurídico em questão: o princípio da

proibição do retrocesso social e o princípio da isonomia.

Uma análise preliminar do artigo 59, §2o da CLT é imprescindível para permitir

uma interpretação acerca do que a legislação infraconstitucional dispõe sobre o assunto. Diz o

dispositivo aludido que:

Art. 59 - A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho. [...] § 2o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.

Como se vê, a partir de uma breve análise desse dispositivo percebe-se que a

compensação de horas efetivamente realizadas em um dia de trabalho poderá ser feita em até

um ano, mediante obediência aos requisitos legais presentes no texto do referido dispositivo.

Outro aspecto a ser considerado diz respeito à equiparação da hora extraordinária realizada

com a hora compensada na proporção igualitária, sem qualquer acréscimo de tempo na sua

compensação por ser esta proveniente de uma hora extraordinária, desprezando-se assim os

percentuais sobre as horas trabalhadas.

Os dois aspectos fáticos evidenciados no aludido artigo permitem tecer alguns

comentários acerca do seu alinhamento com o texto constitucional. Quando o artigo 7o, XVI

da Constituição Federal dispõe que a remuneração da hora extraordinária deverá ser paga em

percentual mínimo de 50% sobre o valor da hora normal, assim o faz como forma de

compensação a um esforço adicional que o trabalhador destinou para a execução de um

serviço extraordinário em prol do empregador. Ora, é de se concluir que, independente da

forma que essa compensação se dará, seja em pecúnia ou em concessão folga, o devido

percentual de 50% sobre o valor da hora normal terá de ser aplicado, pois, em caso contrário

não será obedecida a devida contraprestação do empregador pelo serviço prestado pelo seu

obreiro. O outro aspecto evidente desta relação remete ao fato de que o pagamento da hora

Page 17: Banco de horas

17

extraordinária ou a sua concessão em folga poderá ser efetuado em até um ano da sua

realização. Diante disso, ao se pensar a natureza jurídica da hora extraordinária verifica-se que

a doutrina majoritária concorda que ela é parte integrante da remuneração do trabalhador,

sendo, portanto, de natureza salarial14. Considerando a sua natureza jurídica salarial, há que se

verificar um conflito entre o que dispõe os artigos 459, §1o e o próprio artigo 59, §2o, ambos

da CLT, já que o primeiro prevê o pagamento do salário até o quinto dia útil do mês

subseqüente ao da prestação do serviço, enquanto que o segundo ignora este mandamento

estipulando a compensação das horas trabalhadas ou o seu pagamento em até um ano da

prestação do serviço.

A partir dessa preliminar análise, duas questões são trazidas a baila concernentes à

constitucionalidade desta forma de flexibilização das normas trabalhistas. Suscitam-se duas

para referenciar os princípios constitucionais da proibição do retrocesso social e da isonomia

supostamente infringidos. Uma questão refere-se ao primeiro princípio, quando as

circunstâncias do não pagamento imediato de uma verba salarial são verificadas, apesar da

sua efetiva prestação do serviço, esta situação não configura uma alternativa à redução de uma

garantia trabalhista afetada. A outra questão diz respeito à concessão de folgas pelas horas

prestadas em sobrejornada, que não se dá na mesma proporção que seria paga na hipótese de

pagamento em pecúnia, situação esta que afetaria diretamente o segundo princípio, o da

isonomia.

Oportunas e apropriadas são as palavras da Juíza do Trabalho Substituta da 4a

Região, Valdete Souto Severo15, em sua tese monográfica:

“A Lei 9.601-98 é oriunda de uma medida provisória que não atende ao comando constitucional para a sua edição, implica renúncia ao direito constitucional ao pagamento de adicional de horas extras e ignora o fato de que o contrato de trabalho tem caráter comutativo, havendo permissão legal para pagamento da remuneração apenas até o quinto dia útil do mês subseqüente. O fato de tais argumentos não causarem inquietude na maioria dos juristas (a discussão sequer chegou ao STF, embora a alteração tenha ocorrido em 1998 e sua aplicação prática seja incontestável) resulta da circunstância de que há um imaginário jurídico a ser superado, comprometido com a idéia liberal de estado mínimo. Esbarramos na pré-compreensão dos operadores do direito do trabalho. Assimilamos a retórica de que a economia brasileira está inviabilizada em razão dos encargos sociais. ‘Compramos’ a idéia de que o progresso virá quando suprimirmos as ‘regalias’ dos trabalhadores.”

14 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 6a Ed., 2010, p.665. 15 SEVERO, Valdete Souto. Inconstitucionalidade do Banco de Horas. CONAMAT 2006. Disponível em: <

http://www.anamatra.org.br/hotsite/conamat06/trab_cientificos/teses_acolhidas.cfm > Acesso: 05.jan. 2011.

Page 18: Banco de horas

18

4.5.1 Princípios da Proibição do Retrocesso Social e da Isonomia

Pelo princípio da proibição do retrocesso social pode-se entender que este tem

sede implícita na Constituição Federal, cujo conteúdo assenta-se na manutenção e avanço de

um direito social reconhecido e garantido constitucionalmente contra a sua restrição ou, até

mesmo, de sua supressão indiscriminada, sem a criação e implementação de mecanismos

compensatórios, alternativos ou equivalentes que tendam a restabelecer o status quo desse

direito social.

A partir dessa noção, há que necessariamente verificar se uma circunstância de

suspensão do pagamento imediato das horas extras efetivamente prestadas pelo trabalhador

para posteriormente serem compensadas com concessão de folgas ou pagamento em até um

ano possa constituir uma hipótese de retrocesso de um direito social. Imaginamos que sim, na

medida em que o pagamento de horas extras é um direito social constitucionalmente garantido

a todo trabalhador que efetivamente venha a prestar horas suplementares ao seu empregador,

caracterizando o caráter sinalagmático da relação de emprego. A análise das contramedidas ao

não pagamento imediato dessas horas extras não se sustentam juridicamente como medida

compensatória ou alternativa para não afetar o aludido princípio, já que a concessão de folgas

prevista geralmente não se coaduna com os interesses do trabalhador, mas tão somente com as

necessidades do próprio empregador, que se beneficia desta situação com a suspensão do

pagamento do respectivo adicional tendo um prazo de um ano para poder fazê-lo.

Sob outro aspecto, há de se imaginar a situação na qual um trabalhador

efetivamente preste horas extraordinárias num determinado montante e, ao invés de recebê-las

em pecúnia, sejam compensadas com a concessão de folgas em períodos pré-determinados.

Neste caso, a Lei No 9.601/98, que alterou o art. 59 da CLT, não prevê o pagamento do

adicional de 50% sobre o valor da hora normal em concessão de folgas, igualando, portanto, a

hora extraordinária trabalhada à hora concedida em folga.

Esta circunstância remete a uma interpretação do princípio constitucional da

isonomia, onde situações semelhantes são tratadas de formas diversas. Ademais, o próprio

texto constitucional prevê explicitamente em seu art. 7o, XVI, a remuneração de serviço

extraordinário em percentual mínimo de 50%. Logo, entendemos que qualquer forma de

pagamento de hora extraordinária, seja ela em pecúnia ou em concessão de folga, deverá

contemplar este percentual, sob pena de desrespeito a um ditame constitucional e afronta ao

princípio da isonomia garantido constitucionalmente.

Page 19: Banco de horas

19

4.5.2 Das Teses sobre a Inconstitucionalidade do Banco de Horas

A discussão da inconstitucionalidade do referido tema desde a vigência da Lei No

9.601/98 trouxe bastante argumentos na seara doutrinária e jurisprudencial. A

constitucionalidade do banco de horas pode ser defendida a partir da relativização do

princípio da proibição do retrocesso social, pela argumentação de que a instituição da

concessão de folgas ou o pagamento das horas extras ao final de um ano são medidas

compensatórias para a redução desse direito visando um bem maior, qual seja, a manutenção

da empresa e do emprego do trabalhador. Por outro lado, Rodolfo Pamplona Filho e Danilelle

Anne Pamplona16 comentam sobre a tese da constitucionalidade assentando-se em dois

argumentos jurídicos, quais sejam, a autonomia privada da vontade, quando afirma:

“Com efeito, é o próprio texto constitucional que faculta, na parte final do art. 7º, XIII, a "compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho", ou seja, flexibilizando a limitação diária e semanal da jornada através da negociação coletiva.”

E ainda quando comentam sobre os limites temporais da jornada ou da

compensação, dispondo que:

“ [...] o texto constitucional apenas traz os limites temporais da jornada diária e semanal, mas não os limites temporais da compensação, o que poderia ser feito tranquilamente pela legislação infra-constitucional.”

Em contraponto, a vertente defensora da inconstitucionalidade da norma em

discussão assenta-se sobre as teses de que, a despeito de garantir o emprego do trabalhador ou

a própria empresa, ambas as circunstâncias da suspensão do pagamento das horas

extraordinárias prestadas e da sua conseqüente substituição por folgas e na medida igualitária

ofendem sobremaneira os princípios da proibição do retrocesso social17, uma vez que a

concessão de folgas só atende ao interesse unilateral do empregador, em períodos que

somente lhe convêm, suprimindo do trabalhador o direito de escolha, não se concretizando em

medida compensatória a esta supressão de direito garantido, bem como infringe frontalmente

o princípio constitucional da isonomia pela supressão do adicional de serviço extraordinário

previsto na Constituição Federal que não é incorporado às folgas concedidas.

Por outro lado, há que se considerar o caráter agressivo à saúde, segurança e

higiene do trabalhador na medida em que este é submetido a extenuante carga laboral além

das oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, e cuja compensação, definida pela

Lei No 9.601/98 no período de um ano, contribui de forma significativa para a gravar ainda

16 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; PAMPLONA, Danielle Anne. "Nós górdios" da Lei No 9.601/98. Jus

Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. p.5 Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2053>. Acesso em: 27 set. 2010.

17 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª Ed. Coimbra: Almedina, 1993, pág. 468.

Page 20: Banco de horas

20

mais esta situação e questionar a constitucionalidade desse instituto. Nesse sentido, preleciona

Mauricio Godinho Delgado18:

“Ora, a pactuação de horas complementares à jornada padrão, que extenue o trabalhador ao longo de diversas semanas e meses, cria riscos adicionais inevitáveis à saúde e segurança daquele que presta serviços, deteriorando as condições de medicina, higiene e segurança do trabalho (em contraponto, aliás, àquilo que estabelece o art. 7.o, XXII, da Carta Magna).” [...] Para esta linha reflexiva, norma jurídica estatal que tenha vindo ampliar (em vez de reduzir) os riscos inerentes ao trabalho é norma jurídica que desrespeita comando constitucional expresso (art. 7.o, XXII, CF/88).

Desta forma, há de se questionar se o pagamento das horas extras realmente

compensaria o desgaste físico e psicológico que o obreiro se submeterá quando estiver em

regime de sobrejornada.

À luz desses argumentos prós e contra a constitucionalidade do banco de horas é

imperiosa uma posição a respeito do tema, haja vista tamanha importância na vida econômica

dos trabalhadores submetidos a este regime de flexibilização de direito trabalhista. Em que

pese a louvável intenção da norma em garantir o emprego do trabalhador e conseqüentemente

a manutenção da empresa e sua lucratividade, não podemos elidir os fatos que norteiam os

aspectos negativos que este instituto acarreta ao trabalhador. De início, o pagamento da hora

extra efetivamente trabalhada não é efetuado no tempo legal (art. 457, CLT), sendo previsto

em até um ano ou concedido em folgas, ou, na hipótese de concessão, o valor da hora

concedida em folga não contempla o adicional de 50% sobre a hora trabalhada, constituindo

assim uma usurpação no valor da mão-de-obra do obreiro, ferindo frontalmente o dispositivo

constitucional inserto no art. 7o, XVI da CF/88.

Como se vê, o banco de horas vem se tornando um instrumento de aplicação

indiscriminada em qualquer circunstância, e não apenas em situações de dificuldades

financeiras momentâneas da empresa para evitar dispensas coletivas, tornando desigual a

relação empregatícia, já que não traz equivalência de benefícios para as duas partes, na

medida em que o empregador utiliza-o para postergar o pagamento das horas em sobrejornada

em até um ano ou concede-as em folgas com a supressão do respectivo adicional em épocas

que mais lhe convier, ao passo que ao trabalhador, apesar de se manter no emprego, esta

situação lhe acarretará sérias desvantagens, já que suas horas extras não lhes serão pagas

imediatamente ou quando concedidas em folgas estas serão suprimidas do respectivo

adicional garantido constitucionalmente e normalmente em momentos que não são do seu

interesse ou sem qualquer utilidade.

18 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6ª. Ed. São Paulo: LTR, 2010, p. 813.

Page 21: Banco de horas

21

A propósito da inconstitucionalidade formal, oportunas e apropriadas são as

palavras da Juíza do Trabalho Substituta da 4ª. Região, Valdete Souto Severo, em sua tese19

acolhida pela ANAMATRA:

“A Lei 9.601-98 é oriunda de uma medida provisória que não atende ao comando constitucional para a sua edição, implica renúncia ao direito constitucional ao pagamento de adicional de horas extras e ignora o fato de que o contrato de trabalho tem caráter comutativo, havendo permissão legal para pagamento da remuneração apenas até o quinto dia útil do mês subseqüente. O fato de tais argumentos não causarem inquietude na maioria dos juristas (a discussão sequer chegou ao STF, embora a alteração tenha ocorrido em 1998 e sua aplicação prática seja incontestável) resulta da circunstância de que há um imaginário jurídico a ser superado, comprometido com a idéia liberal de estado mínimo. Esbarramos na pré-compreensão dos operadores do direito do trabalho. Assimilamos a retórica de que a economia brasileira está inviabilizada em razão dos encargos sociais. ‘Compramos’ a idéia de que o progresso virá quando suprimirmos as ‘regalias’ dos trabalhadores.”

A douta magistrada inicia seu comentário abordando a imperfeição técnica da

regra, haja vista que a alteração do art. 59 pela Lei 9.601/98 está eivada de vício formal, pois

se origina de uma medida provisória, e o art. 62 da CF 88 dispõe que essa forma anômala de

legislar é aplicável apenas em situações de relevância e urgência, além de determinar prazo

para a sua conversão em lei. Ocorre que a EC 32, de 11.09.01, em seu art. 2º, previu que as

medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação da referida emenda

continuariam em vigor até que medida provisória ulterior as revogasse explicitamente ou até

deliberação definitiva do Congresso Nacional. Dessa forma, passou a viger por tempo

indeterminado.

4.6 BANCO DE HORAS E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Muito embora a Constituição da República tenha dado aos servidores públicos o

direito à sindicalização e o direito de greve, consoante art. 37, VI e VII, entendem a doutrina e

a jurisprudência majoritária que não se aplica aos empregados públicos ou aos servidores

públicos o contido no art. 7.º da Carta Magna.

Tal entendimento decorre da falta de autonomia da administração pública para

dispor do patrimônio público e, conseqüentemente, de negociar livremente, a teor da previsão

constitucional e da OJ 5, da SDC do TST. Existe, portanto, um regramento legal que limita o

orçamento público e as despesas com funcionalismo.

19 SEVERO, Valdete Souto. Inconstitucionalidade do Banco de Horas. CONAMAT 2006. Disponível em: <

http://www.anamatra.org.br/hotsite/conamat06/trab_cientificos/teses_acolhidas.cfm > Acesso: 05.jan. 2011.

Page 22: Banco de horas

22

Ao estender aos servidores ocupantes de cargo de público os direitos contidos no

art. 7.º, a Constituição deixou de fora o direito ao reconhecimento das convenções e acordos

coletivos, previsto no art. 7.º, XXVI, da CF.

A esse respeito, merece ser citada a decisão sobre a ADIn 492-DF:

CONSTITUCIONAL. TRABALHO. JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. AÇÕES DOS SERVIDORES PUBLICOS ESTATUTARIOS. C.F., ARTS. 37, 39, 40, 41, 42 E 114. LEI N. 8.112, DE 1990, ART. 240, ALINEAS "D" E "E". I - SERVIDORES PUBLICOS ESTATUTARIOS: DIREITO A NEGOCIAÇÃO COLETIVA E A AÇÃO COLETIVA FRENTE A JUSTIÇA DO TRABALHO: INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.112/90, ART. 240, ALINEAS "D" E "E". II - SERVIDORES PUBLICOS ESTATUTARIOS: INCOMPETENCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA O JULGAMENTO DOS SEUS DISSIDIOS INDIVIDUAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DA ALINEA "e" DO ART. 240 DA LEI 8.112/90. III - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. (ADI 492, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 12/11/1992, DJ 12-03-1993 PP-03557 EMENT VOL-01695-01 PP-00080 RTJ VOL-00145-01 PP-00068)

Nesse sentido, o TST tem admitido apenas os dissídios coletivos de natureza

jurídica, pois não importam em majoração salarial ou vantagem econômica ao trabalhador.

Contudo, os empregados públicos de economias mistas, empresas públicas e suas

subsidiárias que explorem atividade econômica, estão excluídos desta regra, haja vista o

disposto nos arts. 169, § 1º, II, e 173, § 1º, II, da CF/88 c/c arts.1º e 3º, II, do Decreto 908/93.

Referido decreto determina que é necessária a prévia autorização do Departamento de

Empresas Estatais - DEST nos casos de acordos coletivos ou convenções que impliquem

majoração salarial ou concessão de qualquer benefício.

5. CONCLUSÃO

Como se pode observar, o presente estudo iniciou a sua abordagem a partir de

uma análise da evolução histórica do trabalho, enfatizando a luta dos trabalhadores para a

redução da jornada diária efetivamente laborada e resgatando as orientações do Papa Leão

XIII, na Encíclica Rerum Novarum, em 1891, na qual se definiu uma espécie de padrão-limite

global, com a instituição das oito horas diárias de labor.

Destacou a recepção desse padrão pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,

em 1943, admitindo-se a sua prorrogação apenas em casos excepcionais, e pela Constituição

da República, que não só ratificou esse limite como também reduziu o número de horas

semanais de 48 para 44 horas.

Em seguida, trouxe à baila a questão da flexibilização das condições de trabalho,

movimento que vem sendo capitaneado pelos juslaboralistas visando a compatibilizar as

normas trabalhistas às mudanças existentes na relação capital e trabalho. Exemplo disso é a

Page 23: Banco de horas

23

faculdade constitucional de compensação de horários, ou, ainda, o aumento da jornada de 6

horas fixada para os trabalhadores que laboram em turnos ininterruptos de revezamento, desde

que presente a negociação coletiva.

Como pressuposto para a discussão central, relembrou que o § 2º. do art. 59, da

CLT, em sua redação original, previa a possibilidade da compensação mediante acordo ou

contrato coletivo, desde que não fosse ultrapassado o limite diário de 10 horas e não

excedesse o horário normal da semana. Posteriormente, com a Lei n. 9.601/98, modificou-se a

redação autorizando a pactuação com base no parâmetro anual.

A alteração redacional do § 2º. do art. 59, da CLT, promovida pela Medida

Provisória n. 2.164-4, de 2001, instituiu o chamado “Banco de Horas”, que nada mais é do

que um acordo de compensação de jornadas, disciplinado por convenção ou acordo coletivo

de trabalho, no qual pode se prever que o excesso ou a falta de horas laborado em um dia será

compensado pela correspondente diminuição ou aumento em outro, de maneira que não

exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas,

nem seja ultrapassado o limite máximo de 10 horas diárias, não havendo que se falar em

pagamento do adicional de 50% a título de horas extras.

Adentrando a uma reflexão sobre os pontos mais importantes relacionados ao

Banco de Horas, o estudo discorreu sobre o limite temporal a ser obedecido para a

compensação das horas extraordinariamente laboradas, concluindo, com base na doutrina e

jurisprudência analisadas que a compensação deverá ocorrer no período máximo de um ano.

Debateu igualmente acerca da compensação de horas e a sua interferência no

período de férias, e sobre a aplicabilidade do Banco de Horas aos servidores da Administração

Pública. A respeito do primeiro ponto, inferiu que as pausas relativas às férias não podem ser

utilizadas no cômputo do Banco de Horas, face ao caráter de proteção da saúde do

trabalhador. Com relação ao segundo, a inaplicabilidade do Banco de Horas decorre da

impossibilidade jurídica consubstanciada na OJ No 05 da SDC (TST). Aos servidores públicos

não foi assegurado o direito ao reconhecimento de acordos e convenções coletivas, fato que

decorre da falta de autonomia da administração pública para dispor do patrimônio público.

Logo, não há que se falar em implantação de um Banco de Horas.

Durante as pesquisas, constatou-se que o Banco de Horas fora idealizado como

uma medida flexibilizatória das condições de trabalho nos momentos de crise econômica

vivenciados pelas empresas ou para atenuar os efeitos das sazonalidades, surgindo como a

panacéia para equilíbrio do binômio desoneração da folha de pagamento do empregador

versus garantia dos empregos dos trabalhadores.

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Contudo, o que se verificou e se verifica na prática é, de início, a inobservância

dos requisitos mínimos para a implantação do Banco de Horas, quais sejam a submissão às

condições adversas das crises econômicas ou a existência de períodos sazonais de demanda

reduzida. Como conseqüência, há um desequilíbrio na relação capital versus trabalho, uma

vez que, por um lado, o empregador obtém maior lucratividade com a supressão do

pagamento de horas extraordinárias, e, por outro, o trabalhador não tem o direito de escolher o

período de concessão das folgas, privando-se do convívio familiar e da realização de outras

atividades. Além disso, a conversão das horas extraordinárias em folgas ocorre à base de 1:1,

conflitando com o critério para pagamento em pecúnia, previsto constitucionalmente.

A questão que se discute é se efetivamente a instituição do banco de horas tem

sido um instrumento capaz de garantir o emprego do trabalhador e a manutenção da

lucratividade das empresas pelas suas premissas propostas a ambos. E, por outro lado, se o

Banco de Horas não vem se tornando um instrumento de aplicação indiscriminada, e não

apenas em situações de dificuldades financeiras momentâneas da empresa para evitar

dispensas coletivas, tornando desigual a relação empregatícia, já que não traz equivalência de

benefícios para as duas partes.

A presente reflexão induz a uma simples e preocupante conclusão: o Banco de

Horas ganhou sobrevida e mesmo nos períodos de franco crescimento econômico, a taxas

quase chinesas, o instrumento tem sido objeto da pauta de negociação coletiva e freqüenta

amiúde os acordos e convenções coletivas de trabalho. Tornou-se, assim, mais um

instrumento de gestão à disposição do empregador para auxiliá-lo no ajuste da quantidade de

mão-de-obra à produção. Ao empregado, sempre ameaçado pelo monstro do desemprego,

cabe apenas aceitar a perda em troca por garantias de emprego. Por essa razão, o Banco de

Horas tem sido negociado em épocas de fraca demanda.

Do ponto de vista da inconstitucionalidade, o Banco de Horas mereceu uma

análise a partir do enfrentamento de dois princípios. No que tange ao princípio do retrocesso

social, verificou-se que este é confrontado quando se permite que o pagamento da hora

extraordinária ou a sua concessão em folga seja efetuada em até um no após a realização do

trabalho. Depara-se, portanto, com um conflito entre os artigos 459, §1o e 59, §2o, ambos da

CLT.

Todavia, ainda que admitida a conversão das horas extraordinárias em folgas,

estas não são concedidas na mesma proporção em que aquelas seriam pagas na hipótese de

pagamento em pecúnia, ou seja, com o adicional de 50%, ferindo frontalmente o dispositivo

constitucional inserto no art. 7o, XVI da CF/88 e o princípio da isonomia. Ademais, a

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concessão de folgas só atende aos interesses do empregador, pois são utilizadas em períodos

que lhe convêm, suprimindo o direito de escolha do trabalhador.

Padece ainda de vício formal a regra disposta no § 2o do art. 59, da CLT, pois a

alteração do prazo de “120 dias”, contido na Lei 9.601/98, para “período máximo de um ano”

tem origem em uma Medida Provisória, forma anômala de legislar e aplicável apenas em

situações de relevância e urgência, além de ter prazo para a sua conversão em lei. Ocorre que

a EC 32 em seu art. 2o, previu que as medidas provisórias editadas em data anterior à da

publicação da referida emenda continuariam em vigor até que medida provisória ulterior as

revogasse explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional. Dessa forma,

passou a viger por tempo indeterminado.

Dessa forma, a realização do presente estudo permite concluir que o Banco de

Horas além de encontrar-se eivado de inconstitucionalidades, afrontando princípios

consagrados na Carta de 1988, não se trata de um instrumento utilizado de forma igualitária.

Ao empregador, é dado o direito de valer-se da força de trabalho extra sem os

correspondentes custos, e, ainda, com a faculdade de oferecer a compensação a qualquer

tempo, obedecido o horizonte temporal de até um ano. Ao empregado, cabe o encargo de estar

à disposição do empregador, privando-se de outras atividades, sendo-lhe oferecida a

oportunidade de converter em folgas as horas extraordinariamente trabalhadas, em momento

de escolha daquele que lhe emprega. Ou seja, sobre todos os pontos de vista o Banco de Horas

revela-se muito mais vantajoso para o empregador.

Repise-se, porque sempre oportuno, as memoráveis palavras de Valdete Souto

Severo20, Juíza do Trabalho da 4a Região:

“É tempo de despertar do sono letárgico em que repousamos no último século, antes que a história volte a cobrar a responsabilidade pelo mundo que estamos construindo”.

20 SEVERO, Valdete Souto. Inconstitucionalidade do Banco de Horas. CONAMAT 2006. Disponível em: <

http://www.anamatra.org.br/hotsite/conamat06/trab_cientificos/teses_acolhidas.cfm > Acesso: 05.jan. 2011.

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6. REFERÊNCIAS

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