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ESPAÇO SOCIALISTA Organização Marxista Revolucionária Contribuição: R$ 1,00 N° 69 - junho de 2014 NOVA SITUAÇÃO POLÍTICA: O MAIOR ASCENSO DOS ÚLTIMOS ANOS A OCUPAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS O CONTROLE ELETRÔNICO SOBRE O TRABALHO DO PROFESSOR A TRAGÉDIA DA REVOLUÇÃO ESPANHOLA 1931-1939 A (I) MOBILIDADE NA CIDADE DO CAPITAL PERIFÉRICO CONTRA OS MASSACRES EM DONETSK E LUGANSKY!

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ESPAÇOSOCIALISTA Organização Marxista Revolucionária

Contribuição: R$ 1,00N° 69 - junho de 2014

NOVA SITUAÇÃO POLÍTICA: O MAIOR

ASCENSO DOS ÚLTIMOS ANOS

A OCUPAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR NA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

O CONTROLE ELETRÔNICO SOBRE OTRABALHO DO PROFESSOR

A TRAGÉDIA DA REVOLUÇÃO ESPANHOLA

1931-1939

A (I)MOBILIDADE NA CIDADE DO CAPITAL

PERIFÉRICO

CONTRA OS MASSACRES EM DONETSK ELUGANSKY!

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TRABALHADORES ENTRAM EM CENA

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A Copa ocorre em um clima bemdiferente do imaginado pela FIFA, pelogoverno Lula e outros quandocomemoraram a escolha do país parasediá-la.

Ao contrário da euforia que setentava construir naquele momento – deum país que estaria “no caminho certo”,não só fugindo da crise, mas com umcrescimento econômico acima dospaíses centrais, “reduzindo as diferençassociais”, dando origem a uma suposta“classe média” e outras enganações –hoje a realidade demonstra algoprofundamente diferente: há umdescontentamento generalizado com ogoverno e as pesquisas, além de mostraro decl ínio da candidatura Dilma,mostram também uma quantidade devotos nulos, brancos e abstençõesenorme, projetando um cenário demaior instabilidade para o futuro, seja ogoverno Dilma reeleito ou não.

E isso tem muito a ver com o queaconteceu em junho passado. A barreirado pleno otimismo se rompeu e toda asituação de precarização dos serviçosbásicos essenciais, como a Educação, aSaúde, o Transporte, foi exposta. Muitomais do que isso, tivemos sinal do iníciode uma nova situação política no país,com enérgica disposição de luta dostrabalhadores, que tem crescidocotidianamente.

A chamada Jornada de Junho,mesmo com várias limitações, é aexpressão de uma nova situação políticano país recolocando em cena a classetrabalhadora com suas lutas salariais, pormoradia e demais direitos.

A partir da greve dos garis do Riode janeiro, as lutas envolvendo categoriasimportantes vêm se espalhando pelopaís. Vivenciamos greves, ocupações emanifestações em praticamente todos osestados, caracterizando a maior onda deenfrentamentos que presenciamos desdeo final dos anos 80, quando também selutava pela recomposição do poder dossalários em um contexto de inflaçãocrescente. Neste momento, vivenciamosgreves de rodoviários, metroviários,construção civil , professores demunicípios, funcionários deUniversidades Federais, Professores dosInstitutos Técnicos Federais, em um

processo que envolvetrabalhadores de diversascategorias.

Somando-se a isso,tivemos o crescimento nosúltimos anos de até 3 vezes nopreço dos imóveis e aluguéis,o que acarretou no aumento deocupações urbanas e nocampo. Assim, vemos umaenorme demanda por moradiaque o governo “resolve” comindiferença e repressão – e nosestados onde haverá jogos asituação é ainda pior, por conta dasremoções da Copa.

Essas greves têm esboçado algumascaracterísticas interessantes como:

- Enfrentam e, muitas vezes, passampor cima das direções sindicais pelegas,formando comissões e comandos debase que assumem as greves. Isso é muitoimportante, pois a esmagadora maioriadas direções sindicais são traidoras, sendocomum a prática de sabotar asassembleias, deixando os trabalhadoresna mão. A formação de comissões debase é fundamental para organizar eorientar os trabalhadores já que umasimples greve exige várias ações que nãopodem ser descoordenadas: devem fazerparte de um plano de greve.

- Surgem setores mais amplos detrabalhadores dispostos a não apenasfazer greve, mas participar dos seusrumos, tanto nos piquetes, como nasassembleias, passeatas, e outras ações.Retoma-se o método dos piquetes, parafazer com que as decisões dasassembleias sejam cumpridas,enfrentando a pressão das chefias e dosfura-greves.

- Passam por cima de decisões daJustiça burguesa, não aceitando oslimites impostos ao movimento comoforma de impedir suas lutas e resistências.Como exemplo, mais uma vez, a dosgaris do Rio de janeiro, Rodoviários deSão Luís no Maranhão e, agora,metroviários de São Paulo.

Essas caraterísticas são ainda maisimportantes, porque se tratam decategorias que, quando param suasativ idades, provocam impacto nasociedade, e na circulação do capital.

Neste sentido, a realização da Copa

no Brasil e os gastos de dinheiro públicocom esse evento serviram para apopulação fazer experiência com ogoverno: a maioria absoluta das pessoashoje têm ideia do significado darealização da Copa no país, de que houveuma grande desproporção entre essesgastos e os para os serviços públicospara atender as necessidades básicas dapopulação, sobretudo a mais pobre.

A partir desse processo – de grevese outras formas de lutas – centenas, emesmo milhares, de ativistas podemsurgir, projetando a possibilidade deuma nova vanguarda de trabalhadores.

Pode ser o início de um amploprocesso de reorganização/recomposição dos movimentos e dasformas de organização dostrabalhadores, algo que é fundamentalpara o surgimento de uma nova direçãoque possa substituir a CUT e o PT, hojecompletamente atrelados e adaptadosaos interesses do capital, que cumpremna prática o papel de gerentes do capitalcom muita ciência.

DO OUTRO LADO... A REPRESSÃO E OCERCO DA MÍDIA...

Mas esse quadro de lutas enfrentaum conjunto de obstáculos: há todo umesquema de dominação que tambémbusca se reforçar, com destaque para oimenso aparato repressivo (inclusivecom a presença do Exército) montadosob a justificativa da Copa, e quecontinuará mesmo depois dela.

Os alvos desse enorme aparato derepressão são: os movimentos contra aCopa, as greves, as ocupações urbanas,os moradores da periferia e das favelas,qualquer vendedor que esteja trabalhando

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fora dos padrões estipulados pela FIFA– enfim, uma rede de repressão armadacontra os que não são beneficiados poressa bela “Festa da Copa”.

A repressão ocorre pelos maisvariados meios: policial, judicial,monitoramento de redes sociais etc.. Naspasseatas, a polícia tem utilizado a táticade dispersar e prender logo no início. Asgreves além de enfrentar a dureza dospatrões (devido à maior necessidade dosistema de aprofundar a exploração),também se depara com a Justiça dotrabalho, da mesma forma que fazia naditadura militar, julgando as greves comoilegais e abusivas e se posicionandofavoravelmente aos patrões. Na área cívelé a mesma coisa, pois já há processo emandamento com ativistas e militantescomo réus, onde o caso mais grave é odos militantes de Porto Alegre.

Essa tendência de aumento docontrole e da repressão é geral em todaa sociedade, e está ligada à necessidadede aprofundar os mecanismos dedominação, a fim de impedir oudificultar as reações. Assim, é precisodestacar a todo momento a luta pelademocracia social – a democracia dostrabalhadores e demais setoresoprimidos exercerem seu direito aprotestar, a fazer greves e ocupaçõesquando a situação social o obriga.Precisamos lutar permanentemente,desde os nossos locais de trabalho, aosoutros espaços da sociedade, contra esseaumento da repressão e pelademocracia dos trabalhadores.

Esse processo repressivo é maisuma demonstração de que a democraciano capitalismo brasileiro é cada vez maisautocrática, autoritária, atacando nossasconquistas democráticas. E isso colocaem risco até mesmo o direito de lutar,aliás, garantido até mesmo naConstituição Federal.

A estrutura repressiva do Estado,atuando em conjunto com a justiça, a

mídia e até mesmo outrosmecanismos tornam mais urgenteainda aprofundar uma CampanhaPermanente Contra a Repressãoe a Criminalização das greves,manifestações e ativistas: é precisoa ampla unidade da esquerda paraessa luta!

UMA NOVA SITUAÇÃO DE MAIORENDURECIMENTO E POLARIZAÇÃO

SOCIALEsse quadro é resultado, também,

de uma nova situação econômicamarcada pelo fim do ciclo econômicobaseado no aumento do mercado internopela via do crédito. O lento crescimentoeconômico/quase estagnação ainda nãovirou uma onda de desemprego epermite que ocorram lutas por saláriosem um mercado que ainda se mantém.Mas já ocorrem sinais do que está porvir. Muitas fábricas (em particular asmontadoras) já dão férias coletivas, lay-off (redução do período de trabalho),pressionam com Planos de “DemissãoVoluntária” (PDVs). No Abc, nosprimeiros meses deste ano, já foram maisde 4 mil demitidos nas indústrias.

Diante das di ficuldades naeconomia brasileira (desindustrialização,inflação, baixo crescimento econômicoetc.), as empresas esmagam ostrabalhadores de um lado e, do outro,pressionam o governo para dar maisincentivos (lê-se transferir dinheiro públicopara a iniciativa privada), com a reduçãodo IPI (Impostos sobre ProdutosIndustrializados) e tornando permanentea desoneração da folha de pagamentodo INSS, diminuindo drasticamente osimpostos das empresas e, ao mesmotempo, aumentando seus lucros. Mesmoassim, as empresas demitem...

Os trabalhadores do serviçopúblico também encaram umendurecimento muito severo, com umorçamento muito comprometido como pagamento da dívida pública, reduçãode arrecadação (desoneração, isençãotributária etc.) em vários setores, eDilma sequer tem negociado com essestrabalhadores em greve.

A inflação – em particular dosalimentos, roupas e remédios: bens demaior consumo dos trabalhadores –rouba poder de compra dos salários, ocrédi to transformou-se emendividamento, além de que juros

maiores significam mais uma forma deextorquir os trabalhadores e a classemédia: muitos já endividados, no limitee até impossibilitados de poder pagaras prestações. Aumenta a sobrecarga detrabalho, a pressão e o assédio moral e,assim, o serviço público assume,rapidamente, a lógica empresarial demenor custo possível para oempresariado.

CUT, FORÇA, UGT, CGT, ETCDEFENDEM A COPA E ACEITAM AS

DEMISSÕES!Em tempos de mobilizações contra

a Copa e contra os gastos públicos nesteevento, a aliança governista, da CUT eseus sindicatos, estão em campanhadefendendo a realização da Copa nopaís. É parte da mesma campanha queo governo Dilma está vinculando natelevisão: os jornais dos sindicatos maisparecem a imprensa da CBF.

Ao mesmo tempo em que festejama Copa dos Patrões e da FIFA, essascentrais são coniventes com o processode demissões nas fábricas, ajudando asempresas a ser reestruturarem às custasdo desemprego e fechamento de postosde trabalho de modo permanente.

Aceitam todas as chantagens dasempresas e seus programas como PDVse pacotes e demissão, Lay-off, fériascoletivas, banco de horas: enfim, ostrabalhadores dessas empresas ficam“vendidos” pelos seus própriossindicatos. É urgente construir trabalhosclandestinos de oposição dentro dasfábricas que possam denunciar eenfrentar essas políticas nefastas, deacordos entre empresas e sindicatos.

POR UMA GREVE GERAL NA COPA!A Copa seria o momento de ir além

das lutas de cada categoria ou setor,unificando-as e realizando uma GreveGeral, que certamente teria repercussãopelo mundo todo, e colocaria o governoe os patrões na defensiva frente aostrabalhadores. A partir das greves já emcurso, e dos abusos da Copa, seriapossível e necessário chamar os setoresque não estão em luta para fazer umaparada geral.

As centrais governistas (CUT, Força,CTB, UGT,CGT, etc) não vão fazer essechamado. Mas a CSP-Conlutas eIntersindical, apesar de pequenas, podemrealizar esse chamado público junto àscategorias e à população em geral. Essa

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A OCUPAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR NA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

seria uma forma concreta de ser de fatoalternativa frente às centrais governistas.

Restringir-se ao chamado às centraisgovernistas, como faz a CSP-Conlutas,não tem efeito prático, pois sabemos queessas centrais não irão mover uma palhapor qualquer luta que possa questionar ogoverno. Limitar-se a cobrar mobilizaçãodessas direções é abster-se de seralternativa, o que os partidos PSTU ePSOL que, respectivamente, dirigem essascentrais (CSP-Conlutas e Intersindical)estão fazendo.

Uma Greve Geral na Copa seria aforma concreta de fortalecer as greves

que já estão em curso, procurando evitarque sejam derrotadas e, ainda, colocar ogoverno na defensiva frente às mudançasrealmente necessárias para o país.

Nós, do Espaço Social ista,estaremos participando das lutas Contraa Copa e suas injustiças e em apoio àsgreves, ocupações e manifestações,visando um acúmulo de forças para queos trabalhadores possam impor asmudanças realmente necessárias no paíse que não virão nem com o “legado daCopa”, nem com as eleições, masatravés da luta direta. Sem direitos, sem copa;

Investimento real para termosSaúde, Educação e Transporte Públicos,Gratuitos e de Qualidade através doNão Pagamento da Dívida Pública queanualmente consome R$ 1 trilhão, maisde 40 % do Orçamento da União! Aumento geral dos Salários! Salário

mínimo do DIEESE (R$ 3079,31); Nenhuma demissão! Redução da

Jornada de trabalho sem redução dossalários; Por um Poder dos Trabalhadores

baseado em suas organizações de luta; Por uma Sociedade Socialista!

PM NA UFAL: SEGURANÇA DE QUEM?No dia 7 de maio, no período da

noite, estudantes e professora do cursode Serviço Social, da UniversidadeFederal de Alagoas, foram assaltadosdentro da sala de aula por dois homensarmados. A notícia deste episódiorepercutiu dentro e fora do campus etrouxe à tona um debate indispensável: asegurança no âmbito acadêmico.

A solução apontada pela Reitoria foia instalação da Polícia Militar com rondasde carros e cavalaria. Mas,questionamos: até que ponto essa“solução”, sem debates e consultas,reflete os interesses da comunidadeacadêmica? A segurança no ambienteuniversitário pode realmente sergarantida por uma instituição militar?

Se buscarmos no tempo,comprovaremos que a relação dasuniversidades com a polícia militar éassombrosa. Não se restringindo areprimir desumanamente os movimentossociais, a força policial atacou e perseguiuprofessores, pesquisadores e estudantesdas universidades brasileiras nos anos daditadura. E nem precisamos ir tão longe:só no último ano tivemos ações brutaisda PM nas USP, Unifesp, Unicampe UFSC.

Essa polícia surgiu na ditaduramilitar, e continua sob chefia dosgovernos. É a mesma que cessa osdireitos grevistas dos trabalhadores, amesma que com seus cassetetes reprimeos manifestantes nas ruas, a mesma queinvade os bairros localizados nasperiferias torturando jovens homens e

mulheres pobres. A PM machista,racista e homofóbica, que prende,espanca e mata nas ruas, é a mesmaque estará dentro da universidade!

Não queremos mais repressão eperseguição! Estamos num momentode constantes mobilizações detécnicos, professores e estudantes nasinstituições e universidades federais,que reivindicam melhorias na precáriasituação do ensino público superior:aumento do quadro de professores, deseus salários, do número de comensaisdos RUs, da construção e ampliação dasbibliotecas setoriais e espaços de estudosetc. Ter a PM no campus nada mais éque acionar a repressão a essasreivindicações.

A PM E A COPA DO MUNDOEm uma matéria de maio, a revista

Placar revelou que R$ 21,4 bilhõesvazaram dos cofres públicos para atorrente da Copa do Mundo. Bola forade quem julga que a paixão pelo futebolacalmaria os descontentamentos quebrotaram do megaevento: em pesquisadivulgada pela Confederação Nacionaldo Transporte, 75,8% dos brasileirosdeclararam serem desnecessários essesinvestimentos.

Além dos escancarados gastos paraa reforma e construção de estádios –que superaram os direcionados aodesenvolvimento da mobilidade urbana(transporte e vias públicos) –, tivemosum espetáculo de forçadas remoçõespara garantir a soberania do apito dosjogos: foram 170 mil pessoas

despejadas até março deste ano, segundodados da Articulação Nacional dosComitês Populares da Copa.

Assim, percebemos por que forados muros da universidade, às vésperasde sediar esse imenso evento, a populaçãocontrapõe-se aos seus duros efeitos – quecaem sobre os ombros dos trabalhadores,pobres e demais setores marginalizados– se esbarrando com a PM, que temdemonstrado ilustre eficiência comoaparato repressor, criminalizandomovimentos sociais, reprimindo edeslegitimando suas lutas, que são nossas.

Uma evidência muito clara dessepapel, que se exige da Polícia Militar, foia recente determinação do MinistérioPúblico Estadual para que ela encerreprotestos e prenda manifestantes queobstruam ruas e estradas no territórioalagoano. A decisão – do ponto de vistalegislativo, sem pé nem cabeça – apoia-se na ilegalidade de bloqueios de viaspúblicas, que consta no artigo 5º; deforma muito curiosa, o mesmo artigotambém prescreve a garantia de livremanifestação à sociedade.

O procurador-geral de Justiça,Sérgio Jucá, argumenta que osmanifestantes, “transgressores”, têm

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trazido, com frequência, complicaçõesao impedir que a população se desloquepara trabalhar e resolver problemascotidianos. É de grande ironia que as“complicadas” dificuldades, sob quaisvivem os setores e categorias que semobilizam, sejam deixadas de lado emseu sábio raciocínio.

O arruinamento da saúde e aeducação públicas, combinado com aexclusão causada pelos altos custos dolazer e do transporte coletivo, pareceinsignificante para a nossa benevolenteprocuradoria. Isso representa, de modobastante nítido, o lado para qual pendea balança da Justiça do Estado: a queclasse interessa que os trabalhadoresestejam amordaçados, sem voz paracontestação política?

Seria mera coincidência que essaatitude do Ministério Público tenha sedado num contexto de efervescêncianacional de movimentos de rua?  Nummomento em que se teme que a ondade protestos escorra Alagoas adentro?

DERRUBA O MURO, POIS COM ELE AUFAL NÃO TEM FUTURO!

O problema da segurança na UFALé muito mais complexo do que pareceacreditar a reitoria, e de forma algumadeve ser encontrada sua solução namilitarização do espaço acadêmico.

É verdade que a dispersão geográficatem como consequência direta oisolamento dos institutos. Eles sãobastante distantes e sofrem com má

iluminação. Mas, por outro lado emresposta a esse péssimo planejamento énecessário avançar com as pautas doMovimento Estudantil: a segurança deveser fruto da maior circulação no campus,com a “derrubada dos muros” queseparam a universidade da comunidadeque a circunda.

Na contramão da democraciauniversitária essa “política da indiferença”por parte da gestão da Ufal fecha osolhos para elementos bem práticospresentes no cotidiano da universidade,entre eles, poderíamos elencar ailuminação, a frequência dos ônibus ecirculares. Essas, são ações simples eaparentemente pueris, mas quemelhorariam significativamente asegurança, sem necessariamente recorrerà força militarizada.

Nesse momento, o mais relevanteseria exatamente transformar o ambienteuniversitário em centros de convivênciacom espaços de arte e lazer, praças, ruase com outras diversas atividadessocioculturais que venham possibilitar asegurança coletiva e individual.

É inadmissível em pleno século XXIque as universidades fechem suas portaspara os setores marginalizados pelasociedade. A tarefa que temos nessemomento frente à insegurança nocampus é criar uma rede de articulaçõescom os variados setores da nossasociedade por via de intervençõespoliticas-sociais.

Desse modo, também não

podemos deixar de enfatizar o quantoa PM está despreparada para realizarabordagens, e, antes disso, o problemada preparação na abordagem fosseapenas uma “questão de treinamento”,cursos ou especializações. Trata-se, pois,de algo mais profundo que se dizrespeito justamente à constituição internadas forças militares. Contudo, como jásabemos: a questão da segurança públicanão se reduz meramente a “caso depolícia”.

É necessário se pensar ações políticasde curto, médio e longo prazo, açõesessas que tenham a capacidade detransformar esse estado de coisas quecompõe a insegurança que atravessavários espaços da universidade, atingindoa todos. O desafio, portanto, é exatamentegarantir a segurança de toda a comunidadeacadêmica, a segurança coletiva, semnegar as liberdades individuais daquelesque vivem no mesmo ambienteuniversitário.

Desse modo, acreditamos serurgente a Universidade se abrir para osbairros em seu entorno e construirconjuntamente suas redes de proteçãosocial, pois, a ocupação da PM nocampus significa tão somente umadiamento, um paliativo ou umagambiarra burocrática, truculenta eautoritária que de modo algum resolve oproblema, mas, apenas o transfere parafora do nosso tempo atual a possibilidadee necessidade real de resolvermos comcriatividade a insegurança que nos cerca.

O CONTROLE E O MONITORAMENTO

ELETRÔNICO SOBRE O TRABALHO DO

PROFESSORVivenciamos atualmente uma nova

forma de controlar o trabalho doprofessor. Anteriormente, a partir dosanos 2000, presenciamos um controle dotrabalho docente através da centralizaçãodo currículo e a adoção de cartilhas. Osprofessores eram obrigados a seguir àrisca esses manuais de intervençãopedagógica, não sobrando margem paratestar qualquer proposta alternativa.

Isto os tornou meros cumpridoresde tarefas. Para esse professor tarefeiro,não era e não é necessária uma formaçãointelectual avançada, aprimorada. Esse

aspecto continua vigente e avança noâmbito da prática, com a adoção decronograma – com os dias que cadalição/atividade deve ser cumpridadurante o ano letivo –, com omonitoramento eletrônico e ainda coma formação desses profissionais emcursos de Ensino à Distância, os vulgosEaD’s.

Estamos diante de novas formas decontrole do trabalho do professor, queestão vinculadas ao processo deinformatização dentro da educação.Estamos nos referindo ao Sistema de

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Gestão Pedagógica – no município deSão Paulo –, a Secretaria Escolar Digital– na rede estadual de São Paulo – e odo Sistema de Monitoramento deConteúdo (SMC) – na rede estadual dePernambuco e, é bem provável queexistam outros Brasil a fora.

Esses sistemas de controle emonitoramento do trabalho docente sãovendidos aos professores como inclusãodigital, diante do desenvolvimento dasáreas de TI. Todavia, quando acessamosesses sistemas, verificamos várias outrassituações, tais como: digitação docurrículo; avaliações; frequência;planejamento; notificações..., permitindoque o trabalho do professor possa servisualizado por pessoas que não têm odevido conhecimento do sistemaeducacional e venham fazerapontamentos ou mesmo críticas,responsabilizando os resultadosnegativos somente para aqueles queestão na linha de frente na sala de aula.

POR TRÁS DO MONITORAMENTO DOTRABALHO DOCENTE ESTÁ A

NECESSIDADE DO CONTROLE SOCIALO controle sobre o trabalho do

professor reflete uma sociedadecapitalista em crise, que precisa sereestruturar para não entrar em colapso,garantindo com isso o seu funcionamentoe lucratividade às custas da retirada dedireitos históricos dos trabalhadores, e daprecariedade das condições de trabalho.Assistimos à retirada de direitos sociaisconquistados por um longo período delutas operárias, a partir do século XIX,por formas de contratação ampliam asuperexploração. É o caso dos regimesde contratação dos professores categoria“O” em São Paulo, na rede estadual e doprofessor monitor em Alagoas.

Também veri ficamos umaintervenção do Estado – com seusgovernos municipais, estaduais e federal– na economia, de modo nunca vistona história da humanidade. São inúmerasconcessões fiscais e financeiras que têmum custo muito alto para os serviçossociais – educação, saúde, moradia,transportes públicos... – e para ostrabalhadores que dependem e nelestrabalham.

Isso tudo gera um dissenso e todasas formas de questionamentos que seexpressaram nas manifestações dejunho/julho de 2014 e se expressam nas

inúmeras manifestações e greves queestão ocorrendo no país.

Nesse sentido, o controle social etodas as formas de coerção e repressãosão meios usados pela patronal e seusgovernos para impedir que haja qualquerforma de questionamento. Todas asformas de questionamento à ordemvigente são rechaçadas de modotruculento, em escala e grau cada vezmaiores.

É nesse marco que devemoslocalizar a necessidade do controle emonitoramento do trabalho, não apenasdos professores, mas também dostrabalhadores de um modo geral, poisisso já vem ocorrendo em outrascategorias – bancários, telemarketing,dentre outras. A flexibilização promovidapela reestruturação produtiva do capitaltambém flexibilizou as formas deexploração e cobrança. Descentralizaçãodas ações é também descentralização dacobrança. Controla-se e explora-se semprecisar estar ao lado do trabalhador.

O MONITORAMENTO DO TRABALHODOCENTE COMO FORMA DE CONTROLE

IDEOLÓGICO DO PROFESSOREste monitoramento do trabalho

docente esconde um interesse ideológico,sobretudo, diante desse momento decrise, em que aparecem questionamentosà ordem burguesa atual.

“Para ser eficaz, toda educação impostapelas classes proprietárias devem cumprir a trêsfinalidades essenciais seguintes: 1º destruir osvestígios de qualquer tradição inimiga, 2ºconsolidar e ampliar a sua própria situação declasse dominante, e 3º prevenir uma possívelrebelião das classes dominadas. No plano daeducação, a classe dominante opera, assim, emtrês frentes distintas, e ainda que cada uma dessasfrentes exija uma atenção desigual segundo asépocas, a classe dominante não as esquece nunca”.(Anibal Ponce in Educação e Luta de Classes,p. 36)

Isto se deve pelo fato de:“(...) o ideal pedagógico já não pode ser o

mesmo para todos; não só as classes dominantestêm ideais muito distintos dos da classe dominada,como ainda tentam fazer com que a massalaboriosa aceite a desigualdade imposta pelanatureza das coisas, uma desigualdade, portanto,contra qual seria loucura rebelar-se”. Ibidem

Nesse sentido, qualquer práticapedagógica que questione os interessescapitalistas dominantes são combatidospelos agentes dos governos que estão a

serviço desses interesses.

OS SISTEMAS DE AVALIAÇÃO, ASMETAS, O CURRÍCULO E A

INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO DOCENTESe o trabalho no interior da escola

já é penoso para os professores, comuma carga elevada de números dealunos, deslocamentos para duas ou trêsescolas para completar sua cargahorária, preparação de aulas, elaboraçãode provas, correção de atividades epesquisas escolares – isso tudo com umsalário miserável –, o trabalho doprofessor se intensifica ainda mais coma cobrança diária de elaboração derelatórios, portifólios, além é claro deuma série de tarefas burocráticas que nãocontribuem em nada para a melhoria daprática docente e da educação.

Tais procedimentos pedagógicos,resultam da interferência dos interessesprivados de Ong’s, institutos e redes deempresários – Instituto Natura, AirtonSena, Itaú Social, Gerdal, Todos PelaEducação, Parceiros da Educação,dentre outros –, que aliás estão por trásda implantação das escolas de tempointegral – que reestruturaram a educaçãopública e o seu currículo, dando umadinâmica e funcionamento de acordocom esses interesses.

Além disso, são responsáveis pelaimplantação dos sistemas de avaliaçõesexternas – SARESP, Prova Brasil, ProvaSão Paulo, PISA... – além das metas edirecionamento das intervençõespedagógicas e do processo de ensinoaprendizagem dos alunos para fazeremessas provas externas.

Com isso, os professores não seveem mais enquanto corpo profissionalrespeitado, envolvidos na determinaçãoe no desenvolvimento dos conteúdoscurriculares, das práticas escolares e dapolítica educacional em geral.

É bem verdade que devemossempre atualizar nossos conhecimentospara andarmos juntos com as inovaçõestecnológicas. Mas, para tanto, é precisovalorizar o profissional da educaçãocom um salário digno, carga horária quepossibilite a elaboração de aulas eatividades para os alunos, local detrabalho adequado que atenda àdemanda dos alunos, turmas reduzidaspara uma atenção individualizada ematerial escolar para todos os alunos demodo a garantir o aprendizado.

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A (I)MOBILIDADE NA CIDADE DO CAPITAL

PERIFÉRICO DANILO AMORIM

A segunda quinzena de maio trouxenovamente ao foco do debate políticoo detonador imediato das “jornadas dejunho” do ano passado: a questão dotransporte, em especial o público, e damobilidade urbana.

Enquanto na terça e quarta – 21 e22 de maio –, São Paulo viveu a greve“selvagem” dos motoristas ecobradores de ônibus, contra o acordoda direção s indical pelega com apatronal, o vigoroso ato encabeçadopelo MTST na campanha “Copa sempovo, tô na rua de novo”, na quinta-feira , dia 23 estes foramresponsabil izados pela mídiacorporativa pelo congestionamento“acima de média para o horário”. Masfoi na sexta, dia 24, que tivemos um fato“pedagógico”: o maiorcongestionamento da história da cidadede São Paulo, alcançando 344 km, e a“culpa”, superando feriados, greves,manifestações etc., recaiu sobre “a chuva”.

Por fim, as discussões em torno damobilização dos metroviários (indicandogreve para o dia 05 de junho e apossibilidade da liberação das catracas,recusada pelo governador) e dademissão de rodoviários envolvidos namobilização anterior atravessaram aúltima semana do mês. E o tema parececontinuar em pauta, com suaexplosividade característica: o MPL-SP,no marco de um ano da redução datarifa (19/06), convoca um ato pelaTarifa Zero, com a consigna Não vai tertarifa! Agora só faltam os 3 reais.

A PESADA HERANÇA DA VIA COLONIALMuitas vezes costumamos nos

referir a certos acontecimentos da

cidade, envolvendo o transporte e amobilidade, como “caóticos”. Assimnos parecem os cada vez maisgigantescos congestionamentos, bemcomo o inchaço insuportável dossistemas de transporte. Mas cabe aquestão: trata-se mesmo de um “caos”,isto é, da “falta de ordem”?

A constante repetição e ampliaçãodesses problemas, assim como aflagrante incapacidade de resolvê-los,ainda que minimamente, nos obriga areconhecer que, mais do que falta deordem, trata-se da expressão específicade um tipo de ordenamento dasociedade. Em suma: trata-se damaterialização da sociabilidade capitalistaperiférica que caracteriza a conjunturabrasileira atual.

O geógrafo Milton Santos e oantropólogo Darcy Ribeiro jádesignavam o processo de formaçãodas cidades no Brasil, ao longo do séculoXX, como o de uma “urbanizaçãocaótica” – como expressão e síntese deuma forma específica dedesenvolvimento do capital ismonacional.

Com efeito, se a industrializaçãobrasileira, sem romper com a estruturacolonial, se efetiva às custas de seustrabalhadores, contra o progresso social,fundada que foi no arrocho salarial e, porconseguinte, em formas autocráticas deexercício do poder, as cidades brasileirasserão a sua mais clara materialização. Taiscidades, ao mesmo tempo expressam ereforçam a segregação e exclusão daclasse trabalhadora da vida econômicanacional na forma de uma urbanizaçãomarcadamente periférica, engendrandouma “cidade ilegal e informal”.

Como resume ErminiaMaricato, “assim como vivemos aindustrialização dos baixos salários,podemos dizer que vivemos aurbanização dos baixos salários”(“É a questão urbana, estúpido”, inCidades rebeldes). Fundada aindustrialização na superexploração dotrabalho, a construção de moradiasse dará sem uma mediaçãomercantil – através daautoconstrução e ocupação

“irregular” dos terrenos periféricos.Situação acentuada com a políticahabitacional da ditadura civil-militar,praticada pela Cohab, entre as décadasde 1970 e 1980, que, com a construçãode imensos conjuntos habitacionaisperiféricos e apartados da cidade em si,acelera sua expansão horizontal, emverdade excluindo os trabalhadores dopróprio uso da cidade e impondo ummartírio diário – o deslocamento entremoradia e trabalho.

Em 2007, o tempo médio dasviagens em São Paulo era de 2 horas e42 minutos e, segundo a mesma pesquisa– Origem e Destino do Metrô –, otempo médio da viagem em transportecoletivo (74% das viagens da populaçãocom renda até quatro salários minímos)é 2,13 vezes superior ao de viagem emtransporte individual.

De outro lado, a industrialização doBrasil se efetiva sob o comando dasgrandes transnacionais automobilísticase centrada na produção de bens deconsumo duráveis, engendrando numaclasse média privilegiada seu mercadoconsumidor. Há de se criar as condiçõesnecessárias para tal consumo – o queexplica o alto investimento rodoviáriona cidade, voltado para o transporteindividual. Entre 1960 e 1980, oinvestimento público multiplica por 10as v ias da cidade de São Paulo,abocanhando, por exemplo, entre 1965e 1970, em média, 27% do total doorçamento do município (reduzido nodecênio seguinte por conta da crise dopetróleo, mas mantendo o privilégio doautomóvel).

Os governos do Partido dosTrabalhadores, municipais, estaduais oufederais, longe de apontar paradinâmicas que possibilitassem rompercom esse círculo virtuoso para o capital,o acentuam, seja na aliança com asempresas privadas de ônibus, a partirda “segunda geração” de suasprefeituras , convertendo-as emfinanciadoras de campanhas políticas ebeneficiárias de suas administrações (semexclusividade, é claro: entre 2010 e 2014,as empresas de ônibus receberam R$22,2 bilhões de subsídios; o valor mensal,

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desde junho do ano passado, é de R$300 milhões), seja, a partir de 2009, coma retomada de uma política habitacional(Minha Casa Minha Vida) que em nadasupera a tendência à periferização dapopulação trabalhadora, apenas“integrando-as” através do consumo demoradias de baixo custo.

Ademais, outras facetas do pactoluli sta consistem nas inúmerasdesonerações e apoios à indústriaautomobilística, bem como ao créditopessoal – entulhando de carros asgrandes cidades brasileiras. Além dasreduções do IPI, o governo estimula ocrédito para compra de automóveis, nopatamar possível de R$ 5 bi este ano,segundo a Folha de São Paulo, com umdetalhe: “A maior parte das montadorasé dona de instituições financeiras, querespondem por 60% do crédito paraveículos novos” (“Governo estudainjetar R$ 5 bilhões para financiarveículos”, FSP, 30/05/2014), isto é, odinheiro retorna para as própriasmontadoras.

OS IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO:NEOLIBERALISMO, MEGAEVENTOS E

JUST IN TIMEAinda que contando com essa

“herança pesada”, deve-se reconhecerque o “caos urbano” vem seintensificando nas últimas décadas soba influência de novos influxos, derivadosdo processo da globalização neoliberal.

Um dos eixos explicativos dessaintensificação reside na acentuadamercantilização da cidade conhecida nesseperíodo. Acompanhando o recuo dopapel de gestão do Estado e amercantilização geral da vida social,passou-se a considerar a cidade (e todoo território, em realidade) como umamercadoria que deve ser vendida e,portanto, compete com outras cidades-mercadorias.

Carlos Vainer vem se dedicando aessa questão, e destaca a construção deuma “cidade de exceção”, em que amilitarização do cotidiano é uma de suasexpressões, a garantir uma verdadeirademocracia direta do capital. O capital passoua di tar, de maneira direta e semintermediários, o planejamento dacidade.

Fazem parte dessa conversão dacidade em um verdadeiro negócio, comefei to, a Copa do Mundo e as

Olímpiadas, sintetizando diversasdessas contradições. Além deconsolidar o pacto com asempreiteiras (outras contribuidorasassíduas dos governos petistas), astransformações urbanas ocasionadaspor conta dos Megaeventos buscaminserir algumas cidades brasileiras noeixo das cidades globais,consolidando, ainda, a “cidade deexceção” com o mododiscricionário e a constante violaçãode direitos que caracterizam suapreparação.

Outro eixo explicativo daampl iação do “caos urbano” nosúltimos anos encontra-se nasreestruturações produtivas atravessadaspelo capital industrial, sob a égide dosetor financeiro, desde a década de 1970,e em que um dos marcos decisivos foia introdução da eletrônica e da robótica.

Estas reestruturações produtivasconsumam um extraordináriocrescimento da produtividade dotrabalho, sob o comando do capital –que implica em mais mercadorias, maisfluxos etc. Mas implicaram também, eprincipalmente, na fragmentação dosprocessos produtivos, reconhecida nosprocessos de terceirização, por exemplo.Esta desconcentração da atividadeprodutiva resulta na ocupação da cidadepelos próprios fluxos do capital.

Assim, se nos anos anteriores ascidades eram, digamos, hospedeiras docapital produtivo, nas últimas décadas,tivemos uma verdadeira colonização dascidades pelo próprio capital produtivo.“Na era dourada do capital, as cidadessediavam fábricas consideradas lugaresrelativamente à parte; hoje, tornaram-seespaços de estoque das mercadorias emtrânsito, receptáculos de verdadeirasesteiras fordistas estendidas entre as fábricas.Ao contrário de serem sóbrias, limpasou de serviços, são cidades fabricalizadas,que acolhem atividades laborativas detodo tipo como extensões urbanas daprópria fábrica, acolhendo um imensoproletariado urbano que cada vez maisse multiplica e se fragmenta” (TerezinhaFerrari, Fabricalização da cidade e ideologiada circulação, Expressão Popular, p. 42).

A LUTA DE CLASSES NA CIDADE DO

CAPITALEsta fragmentação do proletariado (ver,

por exemplo, Perfil Programático do Espaço

Socialista, item 5) constitui, em verdade,um dos principais objetivos dasreestruturações produtivas: a redução dacombatividade operária. Em âmbitolocal, por sua vez, as lutas em torno daorganização urbana e do transportepúbl ico contém o potencia l dequestionar de maneira direta aorganização contemporânea do capital.

Em outros termos, a luta em tornodo direito ao transporte questiona asdiversas frações do capital – desde aespeculativa e imobiliária, na conversãoda cidade em negócio, quanto aindustrial e financeira, que impulsionamsua fabricalização. E, por conseguinte,podem constituir em eixo de unificaçãodo proletariado fragmentado.

Nesse sentido, vale perceber que otempo gasto pelo trabalhador notransporte é, já, tempo de trabalho. Trata-se, de fato, do deslocamento damercadoria força de trabalho. Assim comoo dinheiro gasto no transporte é dinheiroa menos para outras demandas.

A revolta direcionada aos meios detransporte públicos pode ser entendida,portanto, como uma revolta contra acondição mesma de mercadoria, à qualse submetem os trabalhadoresdiariamente – e em que as organizaçõesde esquerda devem cumprir seu papelde direcionamento da luta ao sistema docapital em si. A luta em torno da tarifa eda diminuição do tempo de viagem, porsua vez, configuram lutas de classes deperfil “tradicional”: por redução detempo de trabalho e por aumento desalário – igualmente devendo serimpulsionadas na luta pelo socialismo.

Transporte não é mercadoria!Todo apoio aos metroviários e

rodoviários!Todos ao ato do dia 19 de junho:

Não vai ter tarifa! Agora só faltam os 3 reais!

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A TRAGÉDIA DA REVOLUÇÃO ESPANHOLA

1931-1939

A Revolução Espanhola foi a últimarevolução anticapitalista no continenteeuropeu. Depois das derrotas dosprocessos revolucionários na Alemanha(1919 e 1923), Italia e Hungria (1920), arevolução socialista ficou confinada noslimites da União Soviética. Dentro daURSS, porém, uma contrarrevoluçãoburocrática, que se consolidou na décadade 1930, l iquidou quase todas asconquistas sociais e políticas da granderevolução de 1917, estabelecendo umnovo modo de exploração, sob controleda burocracia stalinista, praticamente tãobrutal quanto o capitalismo.

Isso acontecia no momento em queo capitalismo enfrentava a crise maisséria de toda a sua história, iniciada coma quebra da Bolsa de Valores de NovaYork em 1929 e que se prolongou aolongo da década de 1930 com o nomede Grande Depressão. Um dossubprodutos da crise foi a ascensão doregime nazista na Alemanha (1933),seguindo o exemplo do fascismo italiano(Mussolini chegou ao poder em 1922),uma forma brutal de regime político quegarantiu a imposição das demandas dogrande capital e a destruição dasorganizações operárias. A consequênciafinal da crise seria a II Guerra Mundial.

ANTECEDENTES DA REVOLUÇÃO

ESPANHOLAFoi nesse cenário, sombrio do início

dos anos 1930, que começou a RevoluçãoEspanhola, como uma revoluçãodemocrática e burguesa em 1931. Arevolução derruba a monarquia, separaIgreja e Estado, concede direitos eautonomia às nacionalidades e realizaoutras tarefas básicas, que na Espanhaestavam atrasadas.

A Espanha atravessou no século XIX

uma longa decadência, depois daperda do império colonial nasprimeiras décadas do século, com aindependência dos países daAmérica Latina, que passaramimediatamente para a órbita deinfluência britânica. Em 1898 foi-sea última dessas colônias, quandoCuba foi virtualmente anexada pelosEstados Unidos depois da guerra de

independência. A decadência do impérioultramarino espanhol tornou ainda maisevidente a pobreza e a decadência do país.A Espanha vivia sob o peso de umamonarquia arruinada e uma sufocanteinfluência da Igreja Católica.

As instituições mais reacionárias daIgreja, como a Inquisição, a Companhiade Jesus e a Opus Dei alcançaram seumáximo poder no país ibérico. Não foià toa que o anticlericalismo e o ateísmose tornaram a mais avançada radicalidade,e oposicionismo, e se desenvolveram naesquerda espanhola de maneira que nãoaconteceu em qualquer outro paíseuropeu. O Papa Bento XVI, membroda juventude hitlerista na adolescência, fezquestão de canonizar dezenas de“mártires” da fé católica. Trata-se depadres e freiras que colaboraram com osfascistas espanhóis, denunciando eentregando à morte os anarquistas esocialistas em várias aldeias e cidades,prova do seu papel reacionário – essestraidores e delatores foram devidamenteexecutados pelos revolucionários.

O governo republicano instaladoem 1931 era altamente instável, já queseria incapaz de atender as demandasdos operários e camponeses e, aomesmo tempo, manter a propriedadeprivada capitalista. Desde o início, aIgreja, setores das Forças Armadas,latifundiários e grandes empresárioscomeçaram as articulações para prepararum golpe fascista. A luta de classes sepolarizava com uma forte ascensãooperária: já em 1934 havia sidoproclamada uma Comuna na região dasAstúrias, no norte do país, comoresultado de um acordo entre aConfederação Nacional do Trabalho(CNT), controlada pelos anarquistas, eo Partido Socialista Operário Espanhol

(PSOE). A Comuna foi reprimida pelogoverno, mas esse mesmo processoabriu caminho para a colaboração entresocialistas e anarquistas.

A ESTRATÉGIA STALINISTA DA FRENTE

POPULARA Revolução Espanhola estava

inserida no contexto da luta de classesinternacional. A direção do movimentorevolucionário internacional estava sobcontrole da Internacional Comunista (IC)sediada em Moscou e já convertida eminstrumento do stalinismo. A prioridadeda IC era a defesa do regime burocráticostalinista e não a luta pela revoluçãointernacional. Dessa forma, as seçõeslocais da IC, e os PC’s, deveriamfuncionar como órgãos a serviço dadiplomacia stalinista e não da revoluçãoem cada país. A ascensão de Hitler em1933 levou Stalin a buscar acordos comas potências imperialistas como Françae Inglaterra para que o ajudassem a sedefender da Alemanha. Isso resultou napolítica das Frentes Populares, que era acolaboração de classes entre os PCs decada país e a “ala esquerda” edemocrática das burguesias nacionais.

A Frente Popular, composta pelaesquerda republicana burguesa, peloPSOE, pelo PC espanhol e pelosanarquistas venceu as eleições em 1936.Quase imediatamente, foi deflagrado umgolpe para derrubar o novo governo, sobcomando do general Franco, que lideravaparte das Forças Armadas em ummovimento fascista que abrigava toda adireita, chamado Falange.

A GUERRA CIVIL E A DERROTA DA

REVOLUÇÃOO golpe fascista transformou a

Revolução em uma guerra civil entre osrepublicanos e os falangistas. A RevoluçãoEspanhola foi uma causa que unificou emotivou toda a esquerda mundial:milhares de voluntários de várioscontinentes se incorporaram nas milíciasrepublicanas, formadas para combateras forças do general Franco.

A guerra civil espanhola éuniversalmente considerada, e com razão,uma espécie de laboratório para a II

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CONTRA OS MASSACRES EM DONETSK ELUGANSK!

Guerra Mundial, que estava por vir. Deum lado estavam as brigadasinternacionais, os voluntários da esquerdamundial; do outro lado, Hitler e Mussolinienviaram sua força aérea, seus tanques eartilharia para serem testados na Espanha.O resultado mais célebre de um desses“testes” foi o bombardeio da cidadebasca de Guernica. A barbárie da guerrafoi eternizada na célebre pintura de Picasso,que leva o nome dessa cidade e retrata asua destruição, tendo se tornado imagemicônica do século XX.

Além da desproporção de forças,provocada pelo apoio da Alemanha eda Italia às tropas franquistas (emcomparação com a omissão dos países“democráticos” como Inglaterra eFrança, que deixaram a repúblicaespanhola ser massacrada), a revoluçãoespanhola foi derrotada também porsuas debilidades internas, entre as quaisprincipalmente o problema da direçãopolítica e do projeto de sociedade.

A estratégia da Frente Popular foiduramente criticada por Trotsky, queinsistia na necessidade da independênciade classe e do internacionalismo. O setormais avançado da esquerda espanhola, oPartido Operario de Unificação Marxista(POUM), liderado por Andres Nin ebaseado no operariado da Catalunha,aderiu ao programa da Frente Popular, oque liquidou as chances de vitória daRevolução. Nin, que tinha anteriormenterelações de proximidade com Trotsky, foiconvencido pelo argumento de que aprioridade era a luta contra o fascismo e,para isso, era necessária a aliança com aburguesia republicana, o que transformouo POUM em ala esquerda da FrentePopular, ao lado do PSOE e do PCstalinista.

Trotsky defendia uma política deindependência de classe e avanço darevolução, ao invés de conciliação com aburguesia, e por isso rompeu relações

com Nin - essa era, de fato, a única chancede vitória. Em várias regiões os operáriosocupavam as fábricas e os camponesesexpropriavam as terras. Uma dascaracterísticas da Revolução Espanhola foia tentativa de enfrentar não apenasdominação política e econômica, mas aruptura de várias cadeias de alienação,com a ampla participação de mulheres,artistas e intelectuais. Uma das figurascélebres da Revolução foi DoloresIbarruri, a Passionaria, cujos discursos ecomícios incendiavam os militantes.

Esse processo altamente progressivofoi suspenso por suas próprias lideranças,os anarquistas da CNT e os socialistasdo PSOE, PC e POUM, em nome daaliança com a burguesia. As forças dogoverno republicano se aproveitaram daparalisação do processo revolucionáriopara desarmar as milícias populares emBarcelona e dissolver os conselhosoperários. As forças do PC cometerama mais alta traição, ao perseguir ostrotskistas e dissidentes, enquanto osfascistas avançavam pelo país. A divisãodas forças revolucionárias na Espanhafoi uma das grandes tragédias do séculoXX, tendo levado a uma dolorosaderrota. Franco venceu a guerra civil eencerrou a Revolução em 1939.

DA DITADURA DE FRANCO À VOLTA DAS

LUTASDepois da guerra civil, a Espanha

estava devastada, a ponto de não tomarparte na II Guerra Mundial. A vitória deFranco estabeleceu uma ditadura feroz,que sobreviveu por várias décadas, até amorte do tirano em 1975. A ditadurafranquista congelou o atraso espanhol,da mesma forma como a ditadura deSalazar fez com Portugal, tornando-osuma espécie de países mortos ao longode boa parte do século.

A resistência contra a ditadura tevecomo um dos seus eixos a questão das

nacionalidades oprimidas, como aCatalunha, o País Basco e a Galiza, quepossuem idiomas, tradições e culturaspróprias, todas pisoteadas por Franco.O grupo separatista basco ETA setornou célebre como uma das principaisorganizações da luta armada no séculoXX, ao lado do IRA irlandês e da OLPpalestina. Um atentado do ETAexecutou Luis Carrero Blanco, peça chavedo regime e apontado como o sucessorde Franco, em 1973, enfraquecendomortalmente a ditadura.

Com a morte do ditador, o paísretornou ao seio das nações“democráticas”, restabelecendo amonarquia, agora sob regimeparlamentarista. Por alguns anos, pareciaque a incorporação do país à UniãoEuropeia traria a prosperidade e oesquecimento definitivo do pesadelo daera franquista. Essa prosperidade tinhapés de barro, como logo se revelou.

Em poucos anos, o livre mercadotransformou a Espanha em uma colôniado imperialismo alemão, uma dasretumbantes histórias de fracasso daUnião Europeia, ao lado de Portugal eGrécia. A Espanha ostenta hoje osmaiores índices de desemprego da UE,com taxa de 27%, em especial entre osjovens (50% de desemprego).

Não é à toa que os jovens espanhóisforam os primeiros na Europa a seguir oexemplo dos seus irmãos árabes,deflagrando o movimento dosIndignados em 2011. Depois de décadas,os mineiros das Astúrias (lembrando oexemplo de seus avos em 1934) voltarama fazer greve e ocuparam as ruas deMadrid em 2012, contra os planos deausteridade e o desemprego que osacompanha, pressagiando a volta das lutasda classe operária organizada. As primeirasbrisas do que pode vir a se tornar umvendaval revolucionário começam asoprar novamente no país ibérico.

O conflito na Ucrânia está no centroda situação política internacional hávários meses e deixou de ser apenas maisum exemplo de uma população

insatisfeita que derruba seu governante– como tem acontecido em vários paísesna sequência da crise econômica mundialiniciada em 2008 – para tomar as

proporções de uma questão geopolíticaque envolveu as principais potênciasmundiais. Estados Unidos e UniãoEuropeia (UE) forçaram a Rússia a

CONTRA OS NEONAZISTAS, O IMPERIALISMO E A CAPITULAÇÃO DA RÚSSIA!POR UMA ALTERNATIVA SOCIALISTA REVOLUCIONÁRIA DOS TRABALHADORES!

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aceitar o golpe de estado no país vizinhoe a instalação de um governo pró-ocidental, mas tiveram que ceder aCrimeia ao governo Putin. Agora, odrama se aproxima do seu final, com aiminência do massacre da resistência quese opunha ao golpe em Donetsk eLugansk.

O GOLPE E A DIVISÃO DA UCRÂNIARecapitulemos o conflito desde o

início: a Ucrânia estava em vias de serincorporada pela UE quando, na últimahora, o presidente Viktor Yanukovichvoltou atrás e recusou-se a assinar otratado de adesão, em novembro de2013, preferindo priorizar as relaçõeshistóricas com a Rússia. Imediatamentecomeçaram protestos contra a decisãode Yanukovich e pressionando ogoverno pela entrada do país na UE.

Esses protestos, l iderados porgrupos neonazistas, terminaram com aqueda do presidente em fevereiro de2014. A queda de Viktor Yanukovichlevou à posse de um novo governo, quenão foi aceito em várias regiões do país.De imediato, a Crimeia organizou umplebiscito, separou-se da Ucrânia e optoupor integrar-se à Rússia (queprontamente deslocou tropas eincorporou a nova província). A Criméiapossui uma população de esmagadoramaioria russa, o que explica o resultadodo plebiscito (90% votaram pelaintegração à Rússia), mas existem outrasregiões no leste da Ucrânia, comoDonetsk, Lugansk e Kharkov, em queas populações russas e ucranianas estãomisturadas. Essas regiões não aceitaramo golpe e em várias cidades os prédiospúblicos foram ocupados por milíciaspró-Rússia.

O conflito repercutiuinternacionalmente, opondofrontalmente as duas principais potênciasnucleares do planeta, os Estados Unidose a Rússia. Os Estados Unidos tomaram

a frente da UE (fachada para oimperialismo alemão) e se tornaram osporta-vozes da “comunidadeinternacional” na condenação dos passosdados pela Rússia, impondo sançõeseconômicas (proibição de realização decertos negócios) ao país eslavo, por contade seu comportamento na criseucraniana. Depois de uma tensanegociação (os mais apressados falaramem uma “nova Guerra Fria”), foi feitoum acordo em Genebra em abril peloqual a Rússia pôde manter a Crimeia,com a condição de que não avançassepara incorporar novos territórios naUcrânia. Essa condição foi aceita pelogoverno Putin, pois ainda que tenhaperdido quase toda a Ucrânia, um satéliteque historicamente pertenceu a sua esferade influência, conseguiu garantir a possede uma região estratégica: a Crimeia é asede da frota russa no Mar Negro, portade entrada no Mediterrâneo.

PLEBISCITOS IGNORADOS E ELEIÇÕES

FRAUDULENTASApesar do acordo entre as

potências, a situação permaneceu instávelno leste da Ucrânia, região de fronteiracom a Rússia. Em várias cidades, astropas do exército e da polícia – enviadaspelo governo central da capital do paísem Kiev, para retomar a posse dosedifícios públicos – desertaram e sepassaram para o lado dos insurgentes,ou no mínimo recusaram-se a obedecertais ordens. Donetsk e Luganskrealizaram em 11 de maio seus própriosplebiscitos, em que a maioria dapopulação votou também pelaseparação da Ucrânia. A mídiainternacional, a serviço do imperialismo,chama os separatistas dessas duas cidadesde terroristas. O imperialismo sóreconhece votações quando o resultadosai a seu favor, o que não aconteceunesses plebiscitos.

Enquanto isso acontecia, o governocentral preparavaeleições para o dia 25 demaio, em que ocandidato ligado aogoverno deposto deYanukovich foi linchadoe hospitalizado apóstentar fazer um comício.A imprensa russa estáproibida de trabalhar nopais. Críticos do novogoverno são caçados

nas ruas, l inchados, assassinados,ameaçados etc.. Essa é a “revoluçãodemocrática” da Praça Maidan (Praça daIndependência, no centro de Kiev, hámeses ocupada pelos neonazistas). Aomesmo tempo, nas regiões rebeladas, acampanha eleitoral era ignorada, e ogoverno hesitava em desencadear umaofensiva militar em larga escala parareocupar os prédios públicos.

Como esse mesmo governo pareciaincapaz de agir pelos meios normaiscontra os setores do país que nãoaceitaram o golpe, as próprias milíciasneonazistas (que derrubaram o governoanterior) foram legalizadas comocomponentes de uma “GuardaNacional” para “auxiliar” o exército. Osneonazistas atacaram ativistas pró-russos,resultando na morte de quase 50 pessoasna Casa dos Sindicatos em Odessa, nosul do país. Foi nesse clima quetranscorreram as eleições nacionais no dia25 de maio. Praticamente não houvevotação nas regiões rebeladas do leste,pois não havia força militar capaz degarantir a realização do pleito.

UM GOVERNO SEMI-FASCISTA, MAFIOSO

E PRÓ-IMPERIALISTATão logo foi anunciado o resultado

das eleições nacionais, com a vitória dePetro Poroshenko (um bilionário ligadoà indústria de chocolate), o governorealizou um ataque aéreo que matou maisde 100 rebeldes em Donetsk. Tropas doexército, engrossadas pelas milíciasneonazistas do “Setor de Direita”, seencaminham neste momento para tomarposse da região. O governo Poroshenkojá se comprometeu a seguir a agenda daintegração à UE e do FMI, o quesignificará “austeridade”, cortes nosgastos públicos e nos direitos sociais,ataques às condições de vida dostrabalhadores e repressão feroz contraqualquer tipo de contestação social.

Os massacres de Odessa e Donetsknão deixam dúvidas quanto ao destinoque aguarda as populações de Donetske Lugansk caso se não se curvem aogoverno de Kiev: violência, repressão emorte é tudo que o novo governo tema oferecer. Estamos falando de umgoverno composto por oligarcas, nomeque é dado aos antigos membros daburocracia soviética que, com o fim daURSS, saquearam as antigas empresasestatais por meio da força, assassinandoos oponentes, e se converteram em

DANIEL MENEZES

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burgueses mafiosos, milionários ebilionários, controlando a políticadesses países, como se fossemextensões de suas empresas. Sãoessas figuras que hoje ocupam ogoverno ucraniano, com a bençãodos Estados Unidos e UE. Osgrupos neonazistas ucranianoscumprem neste momento a “divina”função de tropas de choque.

De saída, esses acontecimentosexpõem a hipocris ia da mídiaocidental e dos porta-vozes doimperialismo, que pediam a saída deYanukovich por ter usado força militarpara tentar retirar os manifestantes(neonazistas) da praça Maidan, masaplaudem, em ritmo de disparos, asmilícias de ultradireita e o governoPoroshenko por terem massacrado aresistência em Odessa e Donetsk - dosporta-vozes do imperialismo não sepoderia esperar outra coisa.

O ERRO GROTESCO DOS QUE FALARAM

EM “REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA”Mas o que dizer de organizações de

esquerda que festejaram a queda de ViktorYanukovich e chegaram a falar em“revolução democrática” e “duplopoder” na Praça Maidan? Essa avaliaçãogrotescamente equivocada da realidade éo resultado de uma concepção quedesconsidera completamente o grau deorganização, consciência e capacidade deação independente da classe trabalhadora,como se fosse algo insignificante e bastasseuma “direção revolucionária”, que cairiado céu de paraquedas, para que oprocesso fosse conduzido pela esquerda.

Essa abordagem se perde nasuperfície dos fenômenos e não é capazde compreender a dinâmica profunda domovimento das classes. Agora, essasorganizações, que festejaram a queda deYanukovich como uma “revoluçãodemocrática”, precisam reconhecer queo governo instalado na capital da Ucrâniaé um títere do imperialismo euroestadunidense, e que sua base desustentação política é neonazista.

Desde o início nós do EspaçoSocialista apontamos o perfil de extremadireita das manifestações que derrubaramYanukovich e sua ideologia pró europeia,pró estadunidense, pró livre mercado (verhttp://espacosocialista.org/portal/?p=2853 e http://espacosocialista.org/portal/?p=2908). A maioria da

população foi seduzida pela “Eurotopia”do ingresso na UE e apoiou asmanifestações anti-Yanukovich. Dizíamostambém que a Rússia não era umaalternativa, o que se provou mais uma vezacertado, pois o governo Putin járeafirmou que não vai interferir nasituação interna ucraniana em favor dosseparatistas pró-russos. A Rússia vaicumprir os acordos de Genebra, garantirpara si a posse da Crimeia e deixar aspopulações que não aceitam o golpefascista entregues à própria sorte.

Os separatistas em Donetsk eLugansk se encontram numa situaçãodifícil. Optaram por separar-se daUcrânia, o que representa um ato deresistência contra o golpe fascistadesfechado em Kiev. Mas a opção deunificação com a Rússia permanecebloqueada pela recusa do governo Putin,que pôs à venda os separatistas, emsintonia com o imperialismo, que lhegarantiu a posse definitiva da Crimeia.Assim sendo, só resta como alternativaa constituição de uma repúblicaautônoma nessas regiões. Nessemomento, o setor que resistiu ao golpefascista e proclamou a autonomia emDonetsk e Lugansk era o setorpoliticamente mais progressivo, ainda queo fizesse com a esperança de contar como apoio da Rússia.

POR UMA ALTERNATIVA CLASSISTA EANTICAPITALISTA

Não por coincidência, essas regiõesconcentram importantespopulações operárias,empregadas em geral nasatividades de mineração, quemantinham uma relaçãohistórica com a Rússia. Seriamtambém as populações maisafetadas pela entrada em vigordo livre comércio com a UE,que rebaixaria seus salários e

direitos. No momento, essasregiões resistem ao governo deKiev em nome de tradiçõesnacionais, l inguísticas ou atéreligiosas. Mas essas formasideológicas são disfarces para oconteúdo social profundo, que é deuma resistência operária contra umgolpe fascista.

Os governantes designadospara a região pelos golpistas deKiev são todos oligarcas, odiados

pela população.A resistência antifascista em Donetsk

e Lugansk terá que aprender a duraspenas a lição da independência de classe,o que significa não confiar em oligarcascomo Putin, e desenvolver a organizaçãoe a atividade independente da classetrabalhadora, como única forma deresistir ao massacre e às políticaseconômicas de terra devastada dogoverno Pró UE de Poroshenko.

É preciso deixar para trás a ideologianacionalista russa que movia oseparatismo, e avançar numa direçãoanticapitalista, única alternativa quepermitirá resistir ao cerco do fascismo edo imperialismo que vem do oeste e àcapitulação do governo oligárquico-mafioso de Putin no leste.

Contra o massacre dos rebeldes noleste da Ucrânia!

Todo apoio à resistência antifascistaem Donetsk e Lugansk! Pelo direito deautodeterminação das populações doleste ucraniano!

Contra a campanha difamatória damídia imperialista! Terroristas são osfascistas de Kiev e os lacaios dosEstados Unidos e UE!

Contra o governo golpista, fascistae pró-imperialista de Poroshenko!

Contra o acordo de livre comerciocom a UE as medidas de austeridade eos planos do FMI!

Por um governo socialista dostrabalhadores em toda a Ucrânia!

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