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AULAS 11 E 12 ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E DOS PODERES X. ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E DOS PODERES a) Notas preliminares b) União, Estados, Distrito Federal e Municípios c) Repartição de competências d) Poder Judiciário e) Poder Legislativo e.1) Poder de julgar e.2) Deputados e senadores e.3) Atribuições do Congresso Nacional e.4) Comissões parlamentares e.5) Garantias dos parlamentares e.6) Reuniões; e.7) Tribunal de contas; f) Poder Executivo f.1) Substituição e sucessão do Presidente da República f.2) Decreto autônomo f.3) Decretos regulamentares f.4) Crimes de responsabilidade f.5) Chefe de Estado, de Governo e da Administração g) Intervenção federal

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AULAS 11 E 12 – ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E DOS PODERES X. ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E DOS PODERES a) Notas preliminares b) União, Estados, Distrito Federal e Municípios c) Repartição de competências d) Poder Judiciário e) Poder Legislativo e.1) Poder de julgar e.2) Deputados e senadores e.3) Atribuições do Congresso Nacional e.4) Comissões parlamentares e.5) Garantias dos parlamentares e.6) Reuniões; e.7) Tribunal de contas; f) Poder Executivo f.1) Substituição e sucessão do Presidente da República f.2) Decreto autônomo f.3) Decretos regulamentares f.4) Crimes de responsabilidade f.5) Chefe de Estado, de Governo e da Administração g) Intervenção federal

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Capítulo VIII ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E DOS PODERES

a) Notas preliminares

Antes do estudo específico sobre os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, faz-se necessário arregimentar alguns estudos e conceitos objetivos e preliminares, para a boa compreensão do Estado e da sua organização político-administrativa.

Povo. Território. Governo. Soberania. Bem comum. Fato social. O próprio Estado deve ser visto como um agrupamento humano radicado em uma base

espacial, que se submete ao comando de uma autoridade forte e que não se sujeita a nenhuma outra. O agrupamento humano é o povo; a base espacial é o território; a autoridade é o poder; a não sujeição deste a qualquer outro é a soberania.

Este foi o conceito mais divulgado, depois que o italiano Nicolau Maquiavel (03.05.1469-21.06.1527) começou a escrever, nas suas principais obras (“O Príncipe” e “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio”), como são e como deveriam ser o Estado e o Governo. O Estado, então, é uma Instituição que se organiza soberanamente em determinado território, que um determinado povo e um governo.

Hoje em dia, é comum acrescentar ao conceito de Estado, o elemento finalístico, no sentido de que ele só pode ser constituído para o bem comum.

Também é comum, por ser a mais pura verdade, afirmar que o Estado é antes de tudo um fator social, porque é estefator que força o surgimento do Estado Os homens, percebendo que a “lei do mais forte” começava a deturpar a vida social, com ameaça e extinção de direitos básicos (propriedade, vida e liberdade, em especial), eles próprios forjaram a figura do Estado, para ser a autoridade para fazer-lhes a proteção devida. Assim, como negar que o Estado é um fator social? A comprovação está na história da humanidade: basta olhar para trás e perceber que o Estado surge, se desenvolve, se fortalece e se enfraquece em consequência dos movimentos sociais.

Povo não se confunde com população, porque nele não estão inseridos os estrangeiros. População inclui os estrangeiros porque é o conjunto de habitantes do país, do estado, do município, da região, do bairro etc. Vê-se, pois, que o conceito de população é meramente geográfica: quantidade de seres humanos que estão em determinado território.

Nação também se diferencia de povo e população, porque nação significa o conjunto de pessoas que estão fixados em determinado território, e que têm entre si um maior vínculo emocional, causado por questões culturais, históricas e até religiosas. Nação, então, pressupõe o agrupamento humano com consciência coletiva e sentimento de que todos têm a mesma origem.

O que é, então, o povo? É o conjunto de cidadãos estabelecido em determinado território e governado soberanamente. Por isso é que só podem entrar no conceito de povo as pessoas que têm condições de transferir o poder para que o governo seja soberano, e esta condição se dá pela capacidade eleitoral ativa. Isto é assim porque o titular da soberania e do poder constituinte é o povo (não é nação ou a população). Não por outro motivo que o parágrafo único do art. 1º da CF/88 diz que é o povo o responsável por fazer emanar o poder para seus representantes.

Apesar de não destacar expressamente os mesmos termos, a CF/88, art. 1º, parágrafo único, abarcou o espírito da Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 1776 (“Todo poder reside no povo e, por consequência, deriva do povo; os magistrados são seus mandatários e servidores são responsáveis a todo o tempo perante ele”), da posterior Declaração de Independência dos Estados Unidos (“Os governos são estabelecidos entre os homens para assegurar estes direitos e os seus justos poderes derivam do consentimento dos governados; quando qualquer forma de governo se torna ofensiva destes fins, é direito do povo alterá-la ou aboli-la, e instituir um novo governo, baseando-o nos princípios e organizando os seus poderes pela forma que lhe pareça mais adequada a promover a sua segurança e felicidade”) e da França Revolucionária de 1789 (“O princípio de toda a soberania reside

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essencialmente na Nação. Nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que daquela não emane expressamente”).

A diferença primordial entre Estado e nação é que esta é uma realidade sociológica, e Estado é realidade sociológica e jurídica.

Soberania e Estado Imperfeito O governo tem por característica a soberania, em relação aos poderes externos.

Quando há restrição em qualquer dos elementos constitutivos do Estado, o Estado não é perfeito. Ocorre a figura do Estado imperfeitoem algumas formas estatais, hoje vigentes, como é o caso da pequena república de San Marino, cravada na Itália, com Constituição própria, e também de Porto Rico, denominado “Estado Livre Associado”, porque associado aos Estados Unidos (conquistado pela Espanha em 1493 e cedido aos EUA em 1898, com referendo em 1998 para manter este status). O caso mais conhecido de Estado imperfeito é o Principado de Mônaco, incrustado no território francês.

Soberania se expressa conceitualmente na relação internacional, e não na relação interna. Assim, os Estados brasileiros têm autonomia, mas a República Federativa do Brasil, verdadeiro Direito das Gentes em relação ao mundo, tem soberania.

No plano internacional, há quem defenda a limitação da soberania no princípio da coexistência pacífica das soberanias. No plano interno, o jusnaturalismo quer limitá-lo, mas é aceita a sua ausência de limitação.

Por isso, é comum dividir a soberania do Estado, então, em interna e externa. Interna para sobrepor soberanamente as decisões e normas para todos que estejam no território nacional, e externa para revelar a capacidade do Estado em negociar com outros países em pé de igualdade, sem submissão, inclusive para fazer Tratados Internacionais.

Não se pode negar, entretanto, que o conceito de soberania está em crise, visto que os países já estão chegando a um consenso de que, sozinhos, não conseguem resolver os inúmeros problemas globais que, de uma forma ou de outra, afetam as questões internas de todos eles (tráfico internacional de drogas, aquecimento global, escassez de alimentos e água etc.). Assim, ganha força cada vez mais um constitucionalismo global, em que parcelas das soberanias nacionais são limitadas ou divididas, permitindo Tribunais de Justiça com jurisdição para mais de um país, como é o caso do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Tribunal Penal Internacional, além dos Blocos Econômicos com regras próprias (Mercosul, NAFTA, União Europeia, ALCA etc).

A soberania, então, passa a ser dual: uma parcela para o Estado Nacional, e outra

parcela para os demais Estados que compõem o mesmo conglomerado, ou ainda para o restante da humanidade.

Formas de Estado. A formação de um Estado (daí “Formas de Estado”) pode se dá pela centralização da

responsabilidade de prestar serviços e decidir politicamente sobre os principais temas nacionais. Ao se formatar um Estado, logo se pensa nas formas de exercício do poder político em determinado território. Se o exercício deste poder político for centralizado, o Estado é centralizador, e aí aparece o Estado Unitário; se o exercício for descentralizado, aparece o Estado Federado. A depender da intensidade desta descentralização, pode aparecer, por sua vez, o Estado Confederado.

A compreensão da forma do Estado, então, passa necessariamente pela análise das formas e da intensidade da centralização ou da descentralização do poder político dentro do seu território. Daí porque, a depender da intensidade da descentralização, pode surgir novas formas que antigamente eram desconhecidas, como é o caso do Estado Regional da Itália, e do Estado Autonômico da Espanha.

A doutrina costuma utilizar duas classificações das Formas de Estado. Uma, mais simples, e outra um tanto mais complexa.

1ª Classificação das Formas de Estado:

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Estado Simples/Unitário e Estado Composto/Complexo. Será simples quando no

território há concentração do poder político. Será composto quando há descentralização do poder político. O Estado Simples se subdividiria em Estado Unitário Puro, Estado Unitário Descentralizado Administrativamente e Estado Descentralizado Administrativamente e Politicamente. O Estado Composto se subdividiria em Estado Federado e Estado Confederado.

a) Estado Unitário (centralização do poder político):

a.1) Estado Unitário Puro (total centralização, o que é impossível porque há necessidade de descentralizar minimamente a prestação de serviços); a.2) Estado Unitário Descentralizado Administrativamente (as decisões políticas são tomadas no centro, mas a execução das decisões são realizadas pelos distritos ou departamentos, mas a mando do centro); a.3) Estado Unitário Descentralizado Administrativa e Politicamente (as decisões são tomadas no centro, mas a execução das decisões são realizadas pelos distritos ou departamentos, a mando próprio).

b) Estado Composto b.1) Estado Composto Federado (descentralização do poder político, com vários

entes com autonomia; a soberania será apenas da reunião de todos os entes, que geralmente forma uma República Federativa. É o caso do Brasil, cujos Estados, DF, Municípios e União, têm autonomia, e a reunião de todos é que forma a República Federativa do Brasil com soberania);

b.2) Estado Composto Confederado (descentralização mais intensa do poder político, com vários entes com soberania; geralmente se dá pela reunião de vários países, como no Reino Unido, que é a reunião da Inglaterra, da Escócia, do País de Gales e da Irlanda do Norte).

2ª Classificação das Formas de Estado: Na segunda classificação, aparece as figuras dos Estados Regionais, que seria uma

intermediação entre o Estado Unitário e o Estado Federado. Então, a classificação seria a mesma da anterior, porém acrescido do Estado Regional e desconsiderando as formas de Estado Unitário:

b) Estado Unitário (centralização do poder político, porém com descentralização de

parcelas de competência): c) Estado Regional e Autonômico (centralização do poder político, porém com mais

intensidade na descentralização das parcelas de competência, para formar regiões com muita autonomia, geralmente por questões históricas e em países com problemas de unidade nacional);

d) Estado Federado; e) Estado Confederado.

Em face da constante exigência de novas formas de Estado para atender as complexas

relações humanas e institucionais, especialmente após o surgimento de vários países depois da 2ª Guerra Mundial e da Queda do Muro de Berlim, melhor optar pela segunda classificação, que abarca estas mudanças.

Em relação à quantidade, a forma mais adotada no mundo atual é a forma do Estado Unitário, ou Simples, até porque, cada dia mais, os grandes países são divididos para formas outros países com base territorial pequena. Se o país tem uma base territorial pequena, não há maior necessidade de cindir o território em várias parcelas autônomas com capacidades próprias. É o caso dos seguintes países, apenas para citar os mais conhecidos: (...)

No caso de centralização, dá-se o Estado Unitário (ou simples), onde a responsabilidade

está concentrada em um poder central. Se existe algum tipo de descentralização neste Estado Unitário, porque é impossível concentrar todos os serviços em um único lugar, ela é incompleta, porque pouco

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intensa, sem dar autonomia para os centros de competência inferiores; há desconcentração das competências sem desconcentrar o poder político (França, Bélgica, Portugal, onde não há a figura do Estado-membro como no Brasil).

No caso de descentralização, dá-se o Estado Composto (ou agrupado), onde cada centro de competência tem autonomia, com personalidade jurídica própria, daí porque não há desconcentração (há descentralização completa).

O mundo conheceu casos onde cada Estado, soberano, se agrupou a outro para formar uma Confederação (Estado Composto Confederado), mas hoje está em voga o Estado Composto Federado, que é a subdivisão do Estado em um poder central (União) e em vários entes da Federação, com autonomia e personalidade jurídica própria, como é o caso do Brasil, da Argentina etc.

Importante lembrar que os Estados Federados se formam pela formação centrípeta ou pela formação centrífuga, que é o verdadeiro fundamento de intensidade da repartição de competência. Na centrípeta, ou por agregação, vários Estados se agrupam, “rumam para o centro”, para formar um só Estado (EUA, por exemplo, formado após a Guerra de Secessão, como o sentimento do “E Pluribus Unum” - De Muitos Um). Neste caso, quase sempre os entes da federação mantém a maioria das suas competências, daí porque, por exemplo, alguns estados dos EUA têm pena de morte e outros não. Na centrífuga (fuga do centro), ou por segregação, inicialmente existia um só Estado, e o poder central se desfaz em outros, o que explica, também, a permanência de muitos poderes e competências no poder central. Afinal, ninguém quer “largar o osso” (é o caso do Brasil, com muita competência na União).

Ainda se fala em outros tipos de federalismo: a) dualista, ou dual – aqui, há repartição horizontal de competências constitucionais nas

duas esferas de poder, uma para a União e outra para os Estados, com relação de coordenação. Há, então, duas competências básicas que se excluem;

b) deintegração – neste federalismo, há uma sujeição dos Estados-membros à União, verdadeira relação de subordinação;

c) cooperativo – a estrutura normativa constitucional e política dá ênfase à colaboração intensa entre os entes da federação, com repartição vertical de competências, sob a coordenação da União. Simboliza a transferência de maiores competências para a União, que no Brasil se verificou mais intensamente na Constituição de 1934, uma vez que a crise mundial de 1929 foi encarada como duro golpe à política puramente liberalista, impulsionando, assim, a concentração de competências para viabilizar o Estado provedor dos direitos sociais (WelfareState);

d) simétrico- concepção que procura igualar a divisão de órgãos tanto no âmbito federal como no âmbito estadual, como forma de simetria para as entidades federadas, como é o caso do Judiciário dual – na União e nos Estados -, e nas competências comuns, além de previsão de instrumentos de aperfeiçoamento, como a intervenção. Quando o Judiciário imita a estrutura da União, prevendo um Judiciário e um Ministério Público estadual, assim como o mandato do Chefe do Executivo Estadual também em 4 (quatro) anos, estamos diante de exemplo simétrico. Esta simetria também ocorre em relação às limitações ao poder de tributar, adotado indistintamente para todos os entes da federação (art. 150);

e) assimétrico - concepção que procura diferenciar as fórmulas adotadas por cada ente para regular e sistematizar seus órgãos, em uma verdadeira deformação das técnicas do federalismo simétrico. Na CF/88, há concepção simétrica, porém com alguns sinais desta assimetria. Quando a Constituição prevê o Município como ente federativo, mas não possibilita que ele imite a organização do Estado em que se encontra, e não tenha Judiciário, há exemplificação de federalismo assimétrico; o mesmo se dá quando o Estado não segue o modelo bicameral do Legislativo Federal;

f) deequilíbrio – há uma preocupação em se priorizar o equilíbrio entre integração e autonomia, entre a unidade e a diversidade, tendo como fundamento as aspirações de independência e solidariedade dos homens;

g) fiduciário -seria a maior possibilidade de ajuda financeira mútua entre os entes políticos da Federação (no Brasil, pode-se dizer que o art. 21, XIV, que possibilita a União prestar assistência financeira ao Distrito Federal, para a execução de serviços públicos).

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Diz-se que a Constituição de um Estado Federal possui natureza dúplice, na medida em que estabelece uma ordem jurídica central, válida para todo o território nacional, e outras ordens jurídicas locais, válidas para parte do território (para os Estados-membros). A ordem jurídica central estabelece, então, uma comunidade jurídica total, que engloba a todos, mas dá espaço para a existência de comunidades locais.

A nossa Federação é cooperativa, com repartição horizontal de competências, o que é a regra, existindo exceções verticais, como é o caso da competência legislativa concorrente. Tem formação centrífuga e é simétrica, com alguns casos isolados de concepções assimétricas.

Formas de Governo. Formas de governo referem-se ao modo de atribuir o poder aos governantes e a forma

de exercer este poder. É, por assim dizer, a maneira como se organiza e se exerce o poder político na sociedade e, consequentemente, a relação que se trava entre governantes e governados. Formas normais de governo ficaram conhecidas inicialmente como: a) Monarquia – uma só pessoa; b) Aristocracia – poucas pessoas; c) Democracia – todas as pessoas. Formas anormais, então, seriam a Tirania, a Oligarquia e a Demagogia. As principais formas de governo, entretanto, foram sedimentadas com maior cientificidade por Maquiavel, que as concebeu:a) Monarquia; b) República. Apesar das subdivisões que ocorreram, o importante para a história foi a caracterização da república em requisitos, como a temporariedade do exercício do poder pelos governantes, a responsabilidade e a eletividade destes pelo povo.

Sistemas de Governo. Já os sistemas de governo referem-se à conjugação dos poderes que existem no Estado.

Daí a diferença entre “sistema” - de governo, que pressupõe um complexo de órgãos ou poderes para serem sistematizados, e “forma” – de governo, que pressupõe a maneira de exercício dos eventuais órgãos ou poderes do Estado. Não por outra razão, então, que os sistemas de governo são: a) presidencialista, onde o Presidente é Chefe de Estado e Chefe de Governo, não havendo transferência de nenhuma destas chefias para o outro Poder, razão porque o Legislativo não tem funções de executar as leis, daí ser típico da República; b) parlamentarista, onde o Presidente só é Chefe de Estado – representatividade internacional -, repassando para o Legislativo a Chefia de Governo, na pessoa do Primeiro-Ministro, daí ser típico da Monarquia; e c) diretorial, onde se convenciona sistematizar as funções executiva e legislativa em um só órgão.

Regimes Políticos Ainda se fala em regimes políticos, da autocracia e da democracia, aquela de modo

imposto pelo Chefe Maior, ou pelo grupo pequeno e apequenado de dirigentes, e esta de baixo para cima, pelo povo.

Divisão de Poderes e o Sistema de Freios e Contrapesos Alfim, não menos importante é destacar que é acatada a ideia de que a divisão do

Estado entre Poderes é um princípio geral do Direito Constitucional, na medida em que serve de base teórica para qualquer formação constitucional, e faz surgir, também, o Estado Democrático de Direito, onde a lei é a base não só para limitar a ação estatal, como também para servir de instrumento de transformação da sociedade.

A divisão do poder em funções (na verdade, o poder é uno, e a existência de “Poderes” é meramente didática, porque diante da unidade do poder há uma divisão de funções) é uma garantia ao povo contra o arbítrio, na medida em que os Poderes se autorregulamentam, se autolimitam, sempre que há arbitrariedade de um em relação ao outro, ou até em relação ao próprio povo.

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Assim, os poderes fazem fiscalização mútua, freando o arbítrio e se contrapondo ao peso político e jurídico do outro. A consequência é o benefício que traz para o cidadão, pois o equilíbrio e a fiscalização recíproca evita que existam arbitrariedades estatais. O cidadão, então, vive com mais tranquilidade e segurança. Este sistema é chamado de sistema de freios e contrapesos. (“checkan balances system”. O sistema do “checkandbalances”, então, é um sistema que regula os Poderes da República Federativa do Brasil, contrabalanceando o exercício dos Poderes para equilibrar a independência e harmonia dos mesmos, afastando a possibilidade de arbítrio e autoritarismo de um Poder sobre o outro ou sobre os governados. Assim, há um sistema de freios e contrapesos entre os Poderes, cada um deles interferindo na atividade do outro para manter o equilíbrio e evitar o arbítrio e o despotismo no exercício de um dos Poderes da República. A independência dos Poderes serve para que cada um possa se autoadministrar, mas, também, que tenha a capacidade de fiscalizar o outro poder.

É evidente, entretanto, que cada Poder tem funções administrativas, porque seria impensável, por exemplo, que o Judiciário não administrasse seus prédios, seus servidores e seu patrimônio. De modo que não há uma rigorosa divisão de poderes, até porque um poder poderá exercer de modo atípico (excepcionalmente), os poderes típicos do outro poder (Executivo legislando por Medida Provisória e leis delegadas, Legislativo fazendo investigação por CPI´s e julgando pelo Senado, por exemplo).

Não se pode confundir, então, quando a Constituição estabelece um mecanismo de freios e contrapesos, e quando ela estabelece exceções à separação de poderes. Sempre que um Poder exerce uma função que, via de regre, é exercida pelo outro Poder, estaremos diante de uma exceção à separação de poderes. Porém, sempre que um poder apenas interfere no outro, sem exercer suas funções, estaremos diante do sistema de freios e contrapesos. Os exemplos do sistema do “checkandbalances” na nossa Constituição são os seguintes:

1) Julgamento das contas do Presidente da República pelo Legislativo (art. 49, IX). Aqui

há uma interferência do Legislativo no Executivo, para equilibrar os Poderes e evitar o arbítrio;

2) Controle de legalidade do ato administrativo pelo Judiciário (art. 5o, inciso XXXV –

inafastabilidade jurisdicional). Aqui o Judiciário interfere no Executivo, e até no Legislativo, quando age

administrativamente para se auto-organizar;

3) Convocação de Ministros de Estado e qualquer titular de órgão diretamente

subordinado à Presidência da República (art. 50). Interferência do Legislativo nas funções executivas

(José Afonso da Silva considera tal hipótese com exceção à divisão dos Poderes, mas ouso discordar,

data vênia, já que aqui um Poder não exerce função típica de outro Poder, e sim função típica do próprio

Poder Legislativo, já queeste poder tem a função de fiscalizar);

4) Escolha e aprovação de magistrados pelo Executivo e Legislativo (art. 52, III e IV).

Interferência do Legislativo e do Executivo nas funções de auto-organização do Poder Judiciário;

5) Controle externo feito pelo Legislativo sobre os demais, com auxílio do Tribunal de

Contas (art. 71). Interferência do Legislativo sobre o Executivo e sobre o Judiciário;

6) Congresso autorizar o Presidente e Vice-Presidente para viajar por mais de 15 dias

(art. 49, III). Interferência do Legislativo sobre o Executivo;

7) Sustação de atos normativos do Executivo pelo Legislativo (art. 49, V). Interferência

do Legislativo em atos do Executivo.

Além desses casos, podemos citar ainda, dentro do sistema de freios e contrapesos, o

veto (art. 66, §§1º e 2º), onde o Executivo interfere na função legislativa do Legislativo para fiscalizá-la e

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equilibrar os Poderes, evitando arbítrio e irregularidades, e a rejeição ao veto (art. 66, §4º), onde o

Legislativo é que interfere na atividade do Executivo de vetar.

Nas exceções à separação dos poderes, um Poder realiza funções atípicas, como é o caso

das leis delegadas (função legislativa exercida pelo Executivo), do mandado de injunção (função

legislativa exercida pelo Judiciário, quando se aceita que a natureza da sentença é constitutiva, isto é,

constitutiva de uma lei reguladora ainda não feita pelo legislativo – teoria concretista), do exercício da

função de Ministro de Estado, Secretário de Estados, DF e Prefeitura de Capital por Deputados e

Senadores (função administrativa-executiva exercida por membros do Legislativo), e do julgamento do

Presidente, Vice-Presidente, Ministros do STF, AGU, PGR, Ministros de Estado e os Comandantes da

Marinha, Exército e da Aeronáutica (função julgadora exercida pelo Legislativo), e no sistema de freios e

contrapesos não há exercício de funções atípicas, e sim interferência de um Poder no outro.

Quando o Judiciário declara a inconstitucionalidade de uma lei aprovado pelo

Legislativo, ele estará interferindo na função legislativa, considerando que a Constituição Federal

reconhece o legislador como a figura expoente para realizar os intentos constitucionais e presume a

constitucionalidade das leis. Se o Judiciário não faz o controle positivo da constitucionalidade, e sim

negativo, ele não pode, assim, legislar quando declarar a inconstitucionalidade. O Judiciário, assim,

quando declara a inconstitucionalidade, ele não exerce a função legislativa, e sim interfere em tal

função.

O mesmo se dá com a nomeação de Ministros pelo Presidente e aprovação pelo Senado,

já que há uma interferência do Executivo e do Legislativo nas funções do Judiciário de se auto-organizar.

José Afonso da Silva diz que a convocação de Ministros pelo Congresso Nacional para

dar explicações e esclarecimentos faz parte das exceções ao princípio da separação de poderes. Porém,

com o devido respeito, entendo que não se trata de exceção à separação de poderes, já que quando o

Congresso Nacional convoca os Ministros, ele não estará exercendo função atípica, isto é, o Congresso

Nacional não estará exercendo função administrativa ou judiciária, e sim sua própria função de fiscalizar

os outros poderes. A exceção acontece quando um Poder exercer poderes de outro Poder, e no caso de

convocação há uma interferência do Legislativo nas funções do Poder Executivo, de modo que faz parte

do sistema de freios e contrapesos entre os poderes, e não exceção à divisão dos poderes.

b) União, Estados, Distrito Federal e Municípios Todos os entes da Federação formam uma união indissolúvel da Federação brasileira

(art. 1º). Eles não têm direito de secessão, e não podem, por isso, se separarem do Brasil. Veja que o art. 1º não fala na União, pois diz que a união indissolúvel é feita entre Estados, DF e Municípios, mas o art. 18, complementando-o, diz que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende todos estes entes, e também a União.

A União, apesar de possuir autonomia com os demais, é a única dos entes da federação com dupla posição, porque pode atuar tanto em nome próprio, como verdadeiro ente que compõe a Federação, como também em nome da República Federativa do Brasil. Quando atua em nome próprio (emissão de moeda, manutenção do serviço postal, decretação da intervenção federal etc.), ela é pessoa jurídica de direito público interno; quando atua em nome da República Federativa (manutenção de relação com estados estrangeiros, declaração de guerra e paz, garantia da defesa nacional, permissão de trânsito de forças estrangeiras no território nacional etc.), ela é pessoa jurídica de direito público internacional. Daí a República Federativa do Brasil é entidade do Direito das Gentes, e a União é entidade de Direito Constitucional.

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O termo “Direito das Gentes” refere-se ao ramo do direito que regula o relacionamento entre os Estados (“ius gentium” ou “Direito dos Povos”). Entretanto, a expressão é muito utilizada para englobar a República Federativa porque é ela que se mostra ao mundo exterior.

As vezes a União é confundida com a própria República Federativa porque cabe à União a representação “do Brasil” (da República Federativa do Brasil) no exterior, para manter as relações internacionais, causando no mais precipitado a impressão de que a República Brasileira seria a própria União. Acontece que tal representação externa é apenas uma competência-função entregue, pelo legislador constitucional originário, a um dos entes federativos, por pura opção política, já que poderia, por exemplo, escolher o Estado-membro de São Paulo para desempenhar tal tarefa-competência.

Ademais, mesmo que o território da União seja o mesmo que o território da República Federativa do Brasil, tal afinidade é meramente física,e não jurídica, pois os bens pertencentes a um não se igualam aos bens do outro, tendo-se em vista que os da União são delimitados constitucionalmente (art. 20), e os bens da República Federativa do Brasil abrange os bens da União e de todos os outros entes federados. Além disso, a eficácia e validade de atos da União não abrangem toda a República Federativa do Brasil, e tão somente aqueles que estão vinculados à União, enquanto que no caso da República Federativa envolve todos aqueles que estão no território brasileiro.

A União possui bem público de uso comum (livre acesso e utilização por todos), de uso especial (utilização pela Administração Pública – prédios públicos para funcionamento da máquina estatal federal) e dominicais, ou dominiais (aqueles passíveis de alienação, após desafetação, em face da natureza jurídica próxima à dos bens privados).

Os Estados-membros possuem autonomia, e em outros países têm outros nomes (Províncias, Cantões etc.). A autonomia, que é própria para todos os entes da federação, significa que o ente tem capacidade de auto-organização, auto-governo e autoadministração, além da capacidade de fazer suas próprias leis dentro da competência constitucional.

A competência constitucional dos Estados é, no campo legislativo, a competência concorrente, e no campo administrativo, a competência residual.

Aos Municípios foi concedida autonomia política, elevando-os à categoria de entes da Federação, caracterizando a Federação brasileira como “sui generis”. Enquanto no mundo, a maioria das Federações apenas concede subdivisões entre Estados pela descentralização (Federação Composta), e em muitos países desenvolvidos da Europa a Federação se subdivide pela descentralização, porque se utiliza a desconcentração, não concedendo sequer autonomia e personalidade jurídica (Federação Unitária), o Brasil adotou incluiu mais um ente. Daí porque este ente, que está fora dos padrões mundiais, denominado Município, é conhecido como uma entidade de terceiro grau (como se viu, a regra das Federações Compostas é a existência de dois graus: a União e os Estados).

Há quem defenda que o Município não é ente federativo, porque não participa da vontade nacional (não tem representantes no Congresso, não pode propor ação direta de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, não existe Federação de Municípios), e ele seria apenas uma subdivisão dos Estados. Porém, o texto constitucional é expresso em inserir o Município na Federação, elevando-o à categoria de ente federativo.

O Distrito Federal tem governo próprio, e é pessoa jurídica de direito público, inclusive com capacidade administrativa, judiciária e legislativa. A sede do seu governo é Brasília, que é a capital federal. Existe afirmação corrente de que no Distrito Federal ocorre a sede da união dos Estados, e nele se manifestam agentes da Federação e agentes da União. O DF não pode ser subdivido em Municípios, ao contrário dos Territórios. Como a União tem competência material exclusiva de organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios (art. 21, XIII), estes órgãos são administrados, e custeados, pela União.

Interessante notar que a proibição de subdividir o Distrito Federal em Municípios é tão intensa que o STF negou, até, que Lei distrital passasse a administração de quadras residenciais para prefeituras comunitárias e associações de moradores, visto que isto seria uma verdadeira afronta ao art. 32 da CF (ADI 1.706/DF, Rel. Min. Eros Grau, 09.04.2008), até porque a Lei distrital 1.713/97 até permitia a transferência, sem licitação, de serviços públicos, como a limpeza, colega de lixo, jardinagem, e ainda permitia a fixação de obstáculos para dificultar a entrada e saída de veículos em cada quadra e a cobrança de taxas de manutenção e conservação pelas prefeituras comunitárias.

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Os Territórios não fazem parte da Federação. São administrações descentralizadas da União. Atualmente, não existem Territórios, mas podem ser criados, de acordo com a regulamentação constante de lei complementar (art. 18, §2º), e parte de um Estado pode ser desmembrado para se tornar um Território (art. 18, §3º). Fernando de Noronha é um arquipélago brasileiro, e é distrito do Estado de Pernambuco desde 1988 (art. 15, ADCT) c) Repartição de competências

A Constituição de 1988 adotou um sistema bastante complexo de repartição de competências, muito em função da sua característica compromissória, baseada em intensa negociação e atendimento aos diversos matizes políticos e até ideológicos, além da característica sui generis da nossa Federação, que não é dualista como no resto do mundo, ao incluir os Municípios como entes federativos. Também isto ocorreu porque a própria relação entre os entes federativos envolve muita discussão histórica e política, sempre naquele pêndulo: poder e competência da União x poder e competência dos demais entes federativos.

Não se pode negar, então, que a repartição de competência é a pedra de toque do federalismo. A depender da extensão, da qualidade e quantidade de competência é destinada à União, a forma de Estado pode ser considerada até mesmo unitária. Por outro lado, a destinação exagerada de competências para os estados, pode produzir aspectos culturais e políticos que acabe incitando movimentos separatistas, ou então pode provocar um perigoso enfraquecimento da União, sob o ponto de vista do exercício da soberania de toda a República, vez que é este ente (a União) que tem a atribuição de representar a República Federativa.

Este tema, então, é muito sensível, e implica diretamente na conformação de determinado Estado.

De uma forma geral, a Constituição absorveu e misturou o sistema dos EUA com o sistema da Alemanha. Nos Estados Unidos, o sistema básico é o das competências enumeradas e implícitas; na Alemanha, o sistema, chamado “sistema quadro”, baseia-se na definição específica de competências para todos os entes. Por isso, no sistema brasileiro de repartição de competências, é possível encontrar competência exclusiva, privativa, reservada, residual (ou remanescente), enumerada, comum (ou paralela ou cumulativa), concorrente, legislativa e administrativa (ou material). Não por outro motivo é que surgetanto a repartição horizontal quanto a vertical, e as dúvidas frequentes sobre qual lei (federal, estadual ou municipal) deve prevalecer sobre determinado assunto, e até se existe hipótese de hierarquia entre as leis dos entes.

Tentaremos, então, esboçar as regras adotadas pela Constituição de 1988, para esmiuçar o complexo sistema brasileiro.

Regra básica da preponderância do interesse A regra básica para a repartição de competências, adotada pela CF/88, é a

predominância do interesse. Isto ocorre porque, geralmente, todos os entes da Federação têm interesse sobre todos os temas, mas sempre há de existir um dos entes que tem mais interesse no assunto. Por exemplo: a manutenção de relações com os Estados estrangeiros, a declaração de guerra, a defesa nacional e a emissão de moeda, certamente são assuntos em que todos os entes têm interesse, mas como há maior preponderância do interesse da União, por envolver todo o território, a Constituição destina estas competências administrativas para este ente (art. 21, I, II, III e VII).

Também para legislar sobre determinados temas, o legislador constituinte originário, com base neste critério, e levando em consideração a unidade nacional e a tradição brasileira, deixou para a União a competência para legislar, por exemplo, sobre a definição de crimes, as relações de trabalho e as relações privadas entre os brasileiros (competência da União para legislar sobre Direito Penal, Direito do Trabalho e Direito Civil, conforme art. 22, I). Isto quer dizer que os estados e os municípios não têm interesse sobre os assuntos envolvendo estes temas? Evidentemente que eles possuem interesse, mas considerando aqueles aspectos históricos e tradicionais, além da preocupação com a unidade nacional, pode-se dizer que, dentre todos os entes interessados nestes assuntos, a maior interessada é a União.

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Veja, portanto, que a regra da preponderância do interesse é um critério político utilizado para definição das competências, mas também pode ser um critério de interpretação, quando houver dúvida a respeito de qual ente é o competente para tratar das diversas nuanças que envolve cada tema.

As demais regras aplicadas na repartição de competência Na Constituição, constam dois tipos genéricos de competências: a) competência para

legislar (competência legislativa); e b) competência para administrar (competência administrativa, ou material). A competência legislativa refere-se ao processo de produção de normas de conduta, que se dá geralmente por leis formais após o processo legislativo no âmbito do Poder Legislativo, mas pode ser produzida também por Medidas Provisórias e ainda por normas secundárias, como os Decretos.

A competência material, por sua vez, se atina à necessidade que o ente federativo tem de efetivar políticas públicas e promover os direitos sociais do art. 6º da Constituição (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados)1.

Na competência legislativa, a Constituição estipulou, no art. 22, as competências da União, e no art. 30, I2, as competências dos Municípios. Para este dois entes, então, o legislador constituinte enumerou especificamente as competências. O mesmo não ocorreu para os Estados e Distrito Federal, pois lançou a cláusula geral residual, isto é, o que não for vedado e nem for previsto para a União e os Municípios, cabe aos Estados e ao Distrito Federal3, nos termos do art. 25, §1º.

Na competência administrativa, a Constituição seguiu o mesmo caminho, porque enumerou especificamente as competências da União (art. 21) e dos Municípios (art. 30, III/IX), e o que sobrar ( que não for vedado), ficou com os Estados e o DF. Não há, então, previsão de competências administrativas específicas4 para os Estados e DF, aplicando-se para eles os arts. 25, §1º e 32, §1º.

A primeira regra, como se vê, é esta:

1ª regra: No campo da competência para legislar e administrar, a competência da União e dos Municípios é enumerada, e dos Estados e Distrito Federal é residual (ou remanescente).

1 A competência administrativa, na verdade, é uma responsabilidade. Na CF/88, ela foi fixada de modo comum,

pois pertence a todos os entes da Federação brasileira, como se vê do art. 23. Esta competência administrativa comum cria um federalismo cooperativo, na medida em que os entes devem prestar auxílio uns aos outros para que as competências sejam efetivadas. Por isso, o parágrafo único do art. 23 diz “leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”. Estas leis complementares ainda não existem. 2 É bem verdade que pode ser feita uma crítica, no sentido de que a Constituição não especificou os temas de

competência legislativa dos Municípios, como fez com a União, já que o art. 30, I, diz que cabe aos Municípios legislar sobre os “assuntos de interesse local” (o art. 22 diz especificamente sobre quais temas a União deverá legislar). De todo modo, não podemos perder de vista que houve uma preocupação do legislador constituinte originário em inserir na Constituição a competência legislativa dos Municípios, mesmo que fosse desnecessária, vez que existe a regra básica da preponderância do interesse (claro que é preponderante para os Municípios legislar sobre os assuntos locais, como dar nome aos bairros, ruas e avenidas). 3 Ao Distrito Federal cabe a competência legislativa destinada aos Estados, daí porque cabe a ele a competência

legislativa residual (ou remanescente). Há, entretanto, uma importante especificidade, porque como o DF não pode ser dividido em Municípios (art. 32, “caput”), a Constituição acabou repassando para ele as competências dos Municípios (art. 32, §1º, “in fine”). Daí porque a Câmara Legislativa do Distrito Federal tem competência legislativa que cabe aos Estados (como é o caso de legislar sobre os servidores públicos estaduais, ter seu próprio Código Tributário e fixar valor das custas judiciais para o seu Judiciário) e também que cabe aos Municípios (legislar sobre o nome dos setores, ruas e avenidas). O DF, então, tem competência legislativa residual, ao exercer competência dos Estado, e também competência legislativa enumerada, ao exercer competência dos Municípios. 4 A Constituição prevê competência administrativa comum para os Estados e para o DF (art. 24). Não se preocupou

em definir competências administrativas específicas para tais entes, como fez para União e Municípios.

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Diante da necessidade de colaboração entre os entes da federação, em especial para

atingir os objetivos fundamentais da República (art. 3º), isto é, da união indissolúvel dos Estados, Distrito Federal, Municípios e União (art. 1º), a Constituição, com coerência, estabeleceu competências comuns para todos eles (art. 23), para efetivarem prestações materiais, como é o caso de cuidar da saúde, proteger o meio ambiente, proporcionar meios de acesso à educação, combater as causas da pobreza etc.

Nesse sentido, criou uma segunda regra:

2ªregra: No campo da competência material-administrativa, a competência dos entes da Federação é comum (ou cumulativa, ou paralela).

O próprio legislador constituinte originário, ao concentrar a competência legislativa na

União, logo percebeu que, futuramente, os outros entes poderiam reclamar parte desta competência. Reconheceu, também, as diferenças culturais existente neste “caldo cultural” chamado Brasil, onde em determinada região o valor cultural sobre determinado assunto poderia sofrer diferentes visões e valorações (como o adultério, o roubo, o estelionato, no campo penal, as relações de vizinhança e o contrato verbal, no campo civil, o arrendamento e o pastoreio, no campo agrário). Esta diferença cultural poderia gerar uma tensão entre os demais entes e a União, na medida em que aqueles poderiam lutar por uma parcela da competência legislativa, em especial sobre questões específicas da suas regiões.

Diante deste problema em potencial, sabiamente a Constituição criou a possibilidade de delegar parte da competência legislativa, que está claramente concentrada na União, para os Estados. Foi o que fez no parágrafo único do art. 22, ao prever que lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas nas matérias de competência legislativa privativa da União5.

Esta realidade motivou a criação da terceira regra sobre a repartição de competências:

3ª regra: No campo da competência legislativa, as questões específicas das matérias afetas à União podem ser delegada aos Estados via lei complementar federal.

Como se percebe, no campo da competência legislativa, há uma grande concentração na

União. Porém, o legislador constituinte originário percebeu que esta concentração não poderia ser absoluta, e deveria haver matérias onde tanto a União quanto os Estados e Distrito Federal poderiam legislar. Porém, para não haver confusão entre a lei federal e as leis estaduais que eventualmente dispusessem sobre o mesmo tema, a Constituição tentou resolver inserindo a competência da União para legislar sobre regras gerais, e os Estados e Distrito Federal com competência para especificar as normas gerais criadas pela União, em relação ao seu território. Os Estados e o DF, então, diante das regras gerais da União, passaram a ter competência para descrever minuciosamente, de modo mais preciso para suas especificidades.

É o que acontece com todas as matérias previstas no art. 24 da Constituição. Veja o caso do Direito Tributário. A União fixa regras gerais, daí porque existe o Código Tributário Nacional. No

5Não existe uma lei complementar geral que define e regula os casos e as competências que são delegadas para os

Estados e Distrito Federal, com indica o parágrafo único do art. 22 da CF/88. Existe, entretanto, uma lei complementar que já efetivou esta delegação: trata-se daLei Complementar n. 103/2000, que delega para Estados e DF a competência para o piso salarial dos empregados que não tenham piso definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho). De todo modo, o fato de não haver várias leis complementares delegando a competência, e nem haver uma lei complementar geral que trate de todos os casos, se por um lado demonstra certa negligência do Congresso, também demonstra que há uma grande unidade nacional no Brasil, porque suas diferenças regionais e culturais não são tão intensas para forjar o Congresso a produzir esta lei complementar. A bem da verdade, não há uma autonomia cultural suficiente para que os Estados cultivem a ideia de legislar sobre temas que têm larga aceitação uniforme em todo o país, como ocorre com o Direito Penal, o Direito Civil, o Direito Processual e, enfim, com a grande maioria dos temas citados no art. 22. Em países com grandes diferenças culturais no mesmo território, como na Espanha, certamente a competência legislativa deve ser mais descentralizada, justamente para acalmar eventuais levantes contra a União. Portanto, viva a brasilidade!

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entanto, os Estados têm seus próprios tributos, como IPVA e ICMS, daí porque tem que especificar as regras gerais do CTN para suas próprias realidades, visando melhor dispor sobre a organização, a cobrança e a administração destes tributos.

Neste caso, costuma-se dizer que o art. 24 estabeleceu um verdadeiro condomínio legislativo, e, mais, houve uma repartição vertical de competências6, porque a União estabelece regras gerais que devem obrigatoriamente ser respeitadas pelos Estados e o Distrito Federal.

Surgiu, então, a quarta regra dentro do complexo sistema de repartição de competências:

4ª regra: No campo exclusivo da competência legislativa, estabeleceu hipóteses de competências concorrentes para a União, para os Estados e para o Distrito Federal

Para evitar desorganização e sobreposição de leis, a efetividade e a lógica da quarta

regra são sustentadas por outras cinco sub-regras: 1ª sub-regra) na repartição vertical e concorrente para a União, os Estados e o Distrito

Federal, a União se limita a estabelecer normas gerais; 2ª sub-regra) na repartição vertical e concorrente para a União, os Estados e o Distrito

Federal, a competência da União para estabelecer normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados;

3ª sub-regra) na repartição vertical e concorrente para a União, os Estados e o Distrito Federal, caso a União não legisle sobre normas gerais, os Estados poderão exercer competência legislativa plena, inclusive a respeito de normas gerais, para atender suas peculiaridades;

4ª sub-regra) na repartição vertical e concorrente para a União, os Estados e o Distrito Federal, caso a União inicialmente não legisle sobre normas gerais, os Estados venham a legislar sobre tais regras, a superveniência de lei federal suspende apenas a eficácia da lei estadual, no que for contrário com as normas gerais;

5ª sub-regra) na repartição vertical e concorrente para a União, os Estados e o Distrito Federal, resta ao Município suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

À União, o legislador constituinte enumerou (daí “enumerada”) tanto a competência administrativa (prestações materiais para a sociedade) como a competência legislativa, como foi visto. Nestas enumerações, previu que suas prestações materiais poderiam ser feitas em comum com os Estados, DF e Municípios (art. 23), e também previu que, a respeito de determinadas matérias, somente ela, a União, teria competência para efetivar estas prestações materiais, como é o caso de assegurar a defesa nacional, decretar o estado de sítio, emitir moeda, administrar reservas cambiais, manter relações com Estados estrangeiros etc. (art. 21). Na competência legislativa, o legislador constituinte concedeu à União tanto a competência privativa (art. 22), isto é, concentrou nela determinadas hipóteses para legislar, sem retirar a possibilidade de delegação, e também a competência concorrente com Estados e Distrito Federal (art. 24). Como se não bastasse, no campo do direito tributário, o legislador constituinte ainda previu não só a competência exclusiva (art. 153), como também a competência residual (art. 154, I), extraordinária (art. 154, II) e concorrente (art. 145, II e III).

6 A regra, dentro da repartição de competências da CF/88, é a repartição horizontal, na medida em que a

Constituição previu, expressa ou implicitamente, as competências de cada ente da Federação, sem produzir uma hierarquia entre tais competências. Por isso, não há hierarquia entre lei municipal, distrital, estadual ou federal, justamente porque, se há tensão entre elas, se resolve pela verificação de quem era o ente competente para discorrer sobre o assunto (não se resolve pela hierarquia). Diferentemente, entretanto, do que ocorre na repartição vertical, porque aqui a lei federal tem preponderância na medida em que deve ser respeitada pelos demais entes, quando estes desejarem legislar sobre o mesmo assunto. A bem da verdade, entendemos que não existe uma hierarquia, porque existe apenas o estabelecimento de competência para estabelecer regras gerais e competência para estabelecer regras específicas, tanto é verdade que a União não pode legislar de modo específico sobre os temas previstos no art. 24. Como é muito difícil estabelecer, com segurança, o que é regra geral e o que é regra específica, há uma generalização de que há hierarquia (daí se diz que há uma repartição vertical), e sempre que uma lei estadual entra em choque com a lei federal, prefere-se dizer que esta deve prevalecer do que buscar o que é geral e o que é específico.

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É correto dizer que existe uma sexta regra: 6ª regra) a União tem competência enumerada administrativa tanto exclusiva quanto

comum, e tem competência enumerada legislativa, tanto privativa quanto concorrente, e ainda, no campo do direito tributário, tem competência legislativa tanto exclusiva e quanto residual (extraordinária e concorrente).

Diante destas regras, algumas afirmações podem ser feitas: 1) no caso da competência legislativa vertical e concorrente da União, dos Estados e do

Distrito Federal, o legislador federal, ao editar regras gerais, efetua um bloqueio de competências para os demais entes;

2) no caso de competência legislativa vertical e concorrente, a lei federal não prepondera sobre a estadual, uma vez que só traça normas gerais. O importante, então, é a delimitação do que vem a ser norma geral, o que nem sempre é fácil;

3) é possível dizer que, no Brasil, é viável diferenciar leis nacionais de leis federais, uma vez que leis nacionais seriam aquelas de interesse de toda nação, como as leis penais, civis e sobre licitação (Código Penal, Código Civil e Lei das Licitações), e leis federais seriam aquelas de interesse somente para o ente federal, a União, como ocorre com a Lei 8.112/90, que estabelece o Regime Jurídico Único para os servidores da União, ou as leis que criam autarquias federais. Esta diferenciação não “pegou” porque todas as leis de competência da União são editadas como “leis federais”, sem preocupação na edição como “lei nacional”;

4) apesar de a regra ser a União ter competência legislativa enumerada, e os Estados e o Distrito Federal, terem competência legislativa residual, ou remanescente, a União também tem competência legislativa residual, no campo do direito tributário;

5) Municípios não podem legislar, em nenhuma hipótese diante do sistema constitucional atual, sobre as matérias de competência privativa da União. Entretanto, os Estados podem legislar sobre questões específicas, caso haja autorização em lei complementar. Isto quer dizer que o Estado de Goiás poderá ter seu próprio Código Penal? A resposta é não, porque o parágrafo único do art. 22 diz claramente que a delegação por lei complementar só poderá ocorrer para “questões específicas” das matérias da competência privativa. Questões específicas, então, são aquelas que não envolvem toda a matéria, toda a essência do instituto ou do assunto. O legislador quis repassar para os Estados, questões específicas para atender alguma peculiaridade sobre determinado assunto. Da mesma forma, se a União já legislou sobre regras gerais sobre determinado assunto, fica a União sem a possibilidade de definir o objeto específico, o que torna ainda mais inviável a delegação de toda a matéria.

6) os Estados-membros não podem prever, em suas Constituições, que a nomeação de Secretários de Estado precisa ser aprovada pela Assembleia Legislativa. Isto feriria o espírito constitucional da simetria, uma vez que os Ministros da União são de livre nomeação do Presidente, além de ferir a independência do Poder Executivo estadual;

g) Os Estados-membros não podem prever, em suas Constituições, um sistema legislativo estadual bicameral, com divisão da Assembleia Legislativa em Câmara Alta (como o Senado) e Câmara Baixa (como a Câmara de Deputados), primeiro porque as Constituições dos Estados devem seguir o parâmetro da Constituição Federal, e a CF/88 não previu a divisão ou a possibilidade desta divisão nos Estados; pelo contrário, pois só previu a existência de Deputados Estaduais (art. 27);

7) apesar de alguma polêmica, é considerado possível aos Estados preverem, em suas Constituições, o regime parlamentar de Governo;

8) apesar de nos Estados não haver sistema bicameral, o processo legislativo previsto na Constituição Federal aplica-se aos Estados;

9) a CF/88 não prevê e nem enumera a competência dos Estados-membros, uma vez que suas competências são residuais;

10) a distribuições de competências legislativas é vertical, e não residual; 11) ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos

Estados e Municípios (art. 32, §1º, e art. 24). Porém, o DF não conhece de todas as competências legislativas dos Estados, porque o parágrafo único do art. 22 previu que a delegação das competências

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legislativas privativas da União só pode ocorrer em benefício dos Estados, não prevendo o DF (o DF não poderá, nunca, no sistema atual, legislar sobre direito penal, por exemplo);

12) ao prever que a República Federativa do Brasil é uma união indissolúvel dos Estados, do DF e dos Municípios (art. 1º), além de prever a forma federativa de Estado com cláusula pétrea (art. 60, §4º, I), e ainda a possibilidade de intervenção federal para manter a integridade nacional, vetou qualquer direito de secessão dos Estados e dos Municípios;

13) o Município pode legislar sobre “interesse local” (art. 30, I). Entretanto, “interesse local” é um conceito jurídico indeterminado, daí porque cabe ao Judiciário dizer qual o seu conceito no caso concreto;

14) serviços funerários constituem serviços municipais, daí porque lei estadual não pode prever a gratuidade de sepultamento e procedimentos a ele necessários, para os pobres ou que recebam até um salário mínimo (STF, ADI 1.221, Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 30/155); 15) “É competente o município para fixar o horário de funcionamento de

estabelecimento comercial” (STF, Súmula 645); “Os Municípios tem competência para regular o horário

do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas” (STF, Súmula 419). Inclui

interesse em regular tempo de fila em cartórios, agências bancárias e até impor sistema de segurança e

sanitários em bancos (STF, RE 397094/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; AI-AgR 574296/RS, Rel. Min.

Gilmar Mendes; AI-AgR 453178/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia);

16) os Estados podem legislar sobre o direito à “meia-entrada” em eventos esportivos e de lazer, já que tal assunto entra na competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal (STF, ADI 3512/ES, Rel. Min. Eros Grau, Pleno, DJ 23.06.2006, p. 03 – ratificou Lei de Santa Catarina que concede meia-entrada para doadores regulares de sangue; STF, ADI 1950/SP, Rel. Min. Eros Grau, Pleno, DJ 02.06.2006, p. 04 – ratificou lei de São Paulo que concede meia-entrada para estudantes regularmente matriculados em estabelecimento de ensino); 17) “São da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento” (Súmula não vinculante n. 722 do STF); Ainda sobre a repartição de competências, vale transcrever a ementa da ADI 3645/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ 01-09-2006, p. 016:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 14.861/05, DO ESTADO DO PARANÁ. INFORMAÇÃO QUANTO À PRESENÇA DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS EM ALIMENTOS E INGREDIENTES ALIMENTARES DESTINADOS AO CONSUMO HUMANO E ANIMAL. LEI FEDERAL 11.105/05 E DECRETOS 4.680/03 E 5.591/05. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE PARA DISPOR SOBRE PRODUÇÃO, CONSUMO E PROTEÇÃO E DEFESA DA SAÚDE. ART. 24, V E XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ESTABELECIMENTO DE NORMAS GERAIS PELA UNIÃO E COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DOS ESTADOS. 1. Preliminar de ofensa reflexa afastada, uma vez que a despeito da constatação, pelo Tribunal, da existência de normas federais tratando da mesma temática, está o exame na ação adstrito à eventual e direta ofensa, pela lei atacada, das regras constitucionais de repartição da competência legislativa. Precedente: ADI 2.535-MC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 21.11.03. 2. Seja dispondo sobre consumo (CF, art. 24, V), seja sobre proteção e defesa da saúde (CF, art. 24, XII), busca o Diploma estadual impugnado inaugurar regulamentação paralela e explicitamente contraposta à legislação federal vigente. 3. Ocorrência de substituição - e não suplementação - das regras que cuidam das exigências, procedimentos e penalidades relativos à rotulagem informativa de produtos transgênicos por norma estadual que dispôs sobre o tema de maneira igualmente abrangente. Extrapolação, pelo legislador estadual, da autorização constitucional voltada para o preenchimento de lacunas acaso verificadas na legislação federal. Precedente: ADI 3.035, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 14.10.05. 4. Declaração de inconstitucionalidade consequencial ou por arrastamento de decreto regulamentar

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superveniente em razão da relação de dependência entre sua validade e a legitimidade constitucional da lei objeto da ação. Precedentes: ADI 437-QO, rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.02.93 e ADI 173-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.04.90. 5. Ação direta cujo pedido formulado se julga procedente.

Norma de encerramento Quando o legislador arrola uma série de matérias, mas trata o rol como exemplificativo,

e não taxativo, está-se diante de uma norma de encerramento, permitindo que o interprete vá além da exemplificação, ficando, assim, livre de eventuais limites restritos e tipificados no texto legal.

Muitas vezes o próprio legislador constitucional tenta prever ao máximo as matérias, mas, sabendo que é conveniente deixar a possibilidade para novas previsões, ou sabendo que não tem o dom de prever todas as hipóteses, deixa para a legislação infraconstitucional encerrar a matéria inicialmente tratada. É o que ocorre com as atribuições do Ministério Público, porque o art. 129, depois de prever várias atribuições do “Parquet” nos incisos I ao VIII, ao final declara no inciso IX: “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”.

Por isso, o STF julgou constitucional o art. 66, “caput” e seu §1º, do novo Código Civil, que deu ao Ministério Público do Estado a função de velar pelas fundações, e ao Ministério Público Federal, se as fundações estiverem no DF ou em Território. Como se sabe, o Código Civil é lei ordinária, e ele deu nova atribuição ao Ministério Público, o que confrontaria com o art. 128, §5º, da CF/88, que impõe Lei Complementar para estabelecer as atribuições do “Parquet”. Porém, o art. 129, IX, da Constituição, estabelece que outras funções poderão ser estabelecidas, desde que compatíveis com a finalidade do Ministério Público. “Trata-se, como acentua a doutrina, de uma ´norma de encerramento´, que, à falta de reclamo explícito de legislação complementar, admite que leis ordinárias - qual acontece, de há muito, com as de cunho processual - possam aditar novas funções às diretamente outorgadas ao Ministério Público pela Constituição, desde que compatíveis com as finalidades da instituição e às vedações de que nelas se incluam "a representação judicial e a consultoria jurídica das entidades públicas” (ADI 2794/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 30.03.2007, p. 68) (o STF declarou inconstitucional o §1º, quando concedeu ao Ministério Público Federal a atribuição de velar pelas fundações estabelecidas no Distrito Federal, já que para esta localidade existe o Ministério Público do Distrito Federal, e ratificou a atribuição do MPF de velar pelas fundações públicas federais de direito público).

Bem por isso, a “norma de encerramento”, apesar de concebida como forma de ampliação dos supostos limites legais, também pode ser vista como uma reserva de lei ordinária, colocando esta lei como “soldado de reserva”: se a matéria não foi reservada à lei complementar, a lei ordinária dela pode tratar. Esta conclusão é factível porque é uma verdade constitucional que se retira da nossa Lei Maior. d) PODER JUDICIÁRIO O Poder Judiciário é o conjunto de órgãos públicos, tanto estaduais quanto federais, aos quais a Constituição Federal atribui a função jurisdicional. No Brasil, sua estrutura está dividida em quatro níveis: a) Supremo Tribunal Federal; b) Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE e STM); c) Tribunais Regionais (TJ, TRF, TRT, TRE, TJM); d) Juízos de 1º grau (Varas da Justiça Federal, Estadual, Trabalhista, Juntas Militares, Juizados Especiais Estaduais e Federais). Esta divisão também dá ao nosso federalismo a concepção simétrica, na medida em que tenta igualizar a distribuição de órgãos no Estado e na União, em uma verdadeira simetria quanto à sistematização do Judiciário (Judiciário brasileiro é dual, porque existe na União e nos Estados). Na esfera federal o Judiciário tem esta estrutura: a) Supremo Tribunal Federal; b) Conselho Nacional de Justiça;

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c) Superior Tribunal de Justiça; d) Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; e) Tribunais Regionais do Trabalho e Juízes do Trabalho; f) Tribunais Regionais Eleitorais e Juízes Eleitorais; g) Tribunais Militares e Juízes Militares. O Judiciário tem a função típica de dizer o direito, no exercício da jurisdição, substituindo as partes em conflito (caráter da substitutividade do Judiciário). Ele é fundamental para a básica noção de Estado, que surgiu justamente pela necessidade de que um terceiro, com poder, autoridade e soberania, julgasse as contendas entre os membros da sociedade. Hoje em dia, então, é difícil imaginar um Estado sem Judiciário independente e autônomo. Apesar da função típica do “jus dicere”, o Judiciário também exerce, excepcionalmente, as funções de legislar, quando os Tribunais elaboram seus regimentos internos (art. 96, I, “a”), e de administrar (art. 96, I, “b”, “c” e “d”). A CF/88 estabelece especificamente princípios norteadores do Poder Judiciário: a) princípio da publicidade dos julgamentos (art. 93, IX); b) princípio da fundamentação das decisões (art. 93, IX); c) princípio da motivação das decisões administrativas (art. 93, X); d) princípio da autonomia administrativa e financeira (art. 99). Interessante lembrar que o art. 101 diz que o STF compõe-se de 11 Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. Com o Conselho Nacional de Justiça, apesar da previsão de composição por 09 integrantes do Judiciário, 02 do Ministério Público, 02 da OAB, também se previu mais dois, “de notável saber jurídico e reputação ilibada”, indicados pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado (art. 103-B). Já em relação ao Superior Tribunal Militar, o bacharelado em ciências jurídicas não é necessário, visto que sua composição é formada por Ministros Militares (três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exército, três dentre oficiais-generais da Aeronáutica) (art. 123). Diferentemente ocorre com os Ministros dos demais Tribunais Superiores e Tribunais Regionais e Estaduais, que devem ser juízes de carreira, ou, pelo quinto, devem vir da Advocacia ou do Ministério Público (art. 104, 107, 111-A, 119).

Para ser Ministro do STF, é preciso ser formado em Direito?

É corrente a afirmação de que a Constituição de 1988, no art. 101, não exige que o Ministro do STF seja formado em Direito, uma vez que os requisitos apontados são: a) cidadão com mais de 35 e menos de 65 anos de idade; b) notável saber jurídico; e c) reputação ilibada. Não há dúvida de que a Constituição de 1988 não exige, expressamente, ser bacharel em Direito. Mas exige implicitamente? Se exige implicitamente, mostra-se incorreto afirmar que “a CF/88 não exige a formação em Direito para ser Ministro do STF”. Nesta perspectiva, a Constituição de 1988 exige, sim, que o Ministro do STF seja formado em Direito, de modo implícito, porque para interpretar as normas constitucionais é preciso utilizar o princípio da máxima eficiência (força normativa), para que se amplie ao máximo a intenção original da norma constitucional, dando a ela força normativa. Evidente que alguém possa ter conhecimentos jurídicos sem estar formado em Direito, inclusive mais conhecimento que alguém formado. Entretanto, possibilitar a nomeação de quem não é bacharel em Direito é minimizar o conteúdo da norma constitucional, reduzindo seu espírito e, assim, afrontando o princípio da máxima efetividade. “A contrario sensu”, se a Constituição exigisse notável saber médico para a nomeação para

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algum cargo, seria de todo incorreto possibilitar que alguém que tenha conhecimentos médicos seja nomeado para o cargo, sem ter bacharel em Medicina. A boa doutrina entende que há exigência implícita de bacharelado em Direito, para ser Ministro do STF (vide Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição brasileira de 1988, 2ª edição, SP, Saraiva, 1997, p. 486; LêdaBoechat Rodrigues, História do Supremo Tribunal Federal – defesa das liberdades civis, 2ª edição, RJ, Forense, 1958; Ricardo Arnaldo Malheiros, Direito constitucional comparado, 3ª edição, BH, Del Rey, 1997, p. 205; Michel Temer, Elementos de direito constitucional, 11ª edição, SP, Malheiros, 1995, p. 165). Um outro aspecto interessante, que confirma a exigência implícita aqui tratada, é o fato de que em 21.10.1893 foi nomeado para Ministro do STF, durante o recesso parlamentar, o médico clínico Cândido Barata Ribeiro, que exerceu o cargo durante quase um ano. Porém, o Senado Federal, em 22.09.1894, rejeitou a nomeação e esta rejeição, como lembrou Lêda Rodrigues (opus citado), consagrou o Senado a interpretação de que o notável saber refere-se a conhecimentos jurídicos; não basta ser diplomado em direito, mas é essencial ser notável pelo conhecimento das matérias que constituem as funções do Supremo Tribunal”. Portanto, ser bacharel em Direito é apenas um pressuposto básico, que sequer é suficiente, pois é preciso mais que isso, e, evidente, no mínimo isso. Magistrado pode perder o cargo por decisão de outro Poder, que não o Judiciário? Sim, existe a possibilidade do Legislativo, por decisão unicamente sua, determinar a perda do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade por ele cometido, nos termos do art. 52, II, da CF/88 (“Compete privativamente ao Senado Federal: processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade”). Ministro do STF, sem dúvida, é juiz, que julga as causas (art. 102, I), até porque é membro do STF, que por sua vez integra o Judiciário (art. 92, I), sendo declarado expressamente no art. 93, V, que o Ministro do STF é um magistrado (“... para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados...”). Garantias: a) vitaliciedade. Depois de dois anos de exercício na carreira, o magistrado ganha vitaliciedade, e só pode perdê-la por sentença judicial transitada em julgado, diferentemente da grande maioria dos outros servidores públicos, que podem perder por decisão do superior hierárquico, via processo disciplinar administrativo. Quem entra nos Tribunais pelo quinto constitucional, ganha vitaliciedade automática com a posse, não necessitando de dois anos de exercício. Vitaliciedade se diferencia da estabilidade porque esta pode ser perdida: a) via processo administrativo; b) por avaliação periódica de desempenho; e c) quando a despesa com ativos e inativos ultrapassar os limites estabelecidos em lei complementar. Estado não pode limitar ou mesmo ampliar a vitaliciedade, traçada especificamente na Constituição (não pode, por exemplo, impor a transferência obrigatória para a inatividade, do Desembargador que, com trinta anos de serviço público, completa dez anos no Tribunal de Justiça – STF, ADI 98/MT, Rel. Sepúlveda Pertence). Atualmente, a máxima punição que o juiz pode sofrer no âmbito administrativo é a disponibilidade por interesse público compulsório (art. 93, VIII), por decisão da maioria absoluta do Tribunal ou do CNJ; b) inamovibilidade. Não se pode remover magistrados contra a suas vontades, salvo se houver interesse público, como é o caso de ameaça iminente de morte, revolta populacional contra o magistrado etc., mas só com votação da maioria absoluta dos membros do respectivo Tribunal. Existe dúvida, ainda não pacificada, sobre a extensão desta garantia para o Juiz Substituto. Apesar do art. 95, II, falar em inamovibilidade para os magistrados, sem fazer referência à condição de titular ou substituto, o art. 93, VII, diz que a residência na comarca é obrigação apenas do Juiz Titular, dando a entender que o Juiz Substituto pode ser removido e também pelo fato de que o cargo de Juiz Substituto existe justamente para fazer substituição do titular onde se fizer necessário, independentemente da Comarca. Esta discussão foi iniciada no STF, junto ao MS 27958/DF, onde o Relator, Ministro Ricardo Lewandowski havia concedido a segurança enfocando que a inamovibilidade era uma garantia também

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do Juiz Substituto, mas, após voto contrário do Ministro Marco Aurélio, pediu vista o Ministro Ayres Britto, em fevereiro de 2011, suspendendo o julgamento; c) irredutibilidade de subsídios. A irredutibilidade não quer dizer que não possa haver adequação ao teto dos Ministros do STF. Vedações: a) não pode o magistrado exercer outro cargo ou função, salvo uma de magistério; b) não pode receber custas ou participação em processo; c) não pode exercer atividade político-partidária; d) não pode receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; e) não pode exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, nos três anos subsequentes ao afastamento por aposentadoria ou exoneração; f) não pode morar fora da Comarca, se Juiz-Titular, salvo por autorização do Tribunal (não há vedação ao Juiz-Substituto, até porque o mesmo não é titular de nenhuma Comarca);

O Supremo Tribunal Federal enfrentou questão interessante, para saber se é possível, por Constituição do Estado, incluir como critério de antiguidade na carreira da magistratura, o tempo de exercício da advocacia privada, da mesma forma que se considera o tempo de serviço público. Apesar de deferir cautelar contra a Constituição do Estado de Mato Grosso, que assim previa, não pela questão de mérito, e sim porque a previsão deveria ser feita por lei complementar de iniciativa do STF, nos termos do art. 93 da CF/88 (ADI 4042/MC/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes), é possível enveredar pelo mérito, e entender que os critérios de antiguidade, para fins de promoção, devem ser razoavelmente anexados ao desenvolvimento das atribuições na carreira, e não fora dela. Não é razoável admitir que, para se promover em uma carreira, alguém possa se valer de experiências desenvolvidas em outras carreiras. No caso da magistratura, ainda com maior razão, tendo-se em vista que as peculiaridades da carreira faz presumir que a promoção pressupõe um bom desenvolvimento, seja por mérito seja por antiguidade, nos critérios específicos da magistratura. Ademais, o art. 93, III, da CF/88, fala em promoção por antiguidade, para chegar aos tribunais, com apuração do desenvolvimento na última ou única entrância, deixando patente que é pressuposto que tal desenvolvimento se dê, pelo menos para fins de acesso aos tribunais, na carreira, e não fora dela. No caso de exercício de advocacia particular, para fins de critério para promoção, o texto constitucional mostra-se arredio à ideia também porque veda, expressamente, o exercício da advocacia particular pelo magistrado, inclusive depois de três anos da saída da carreira, no tribunal ou juízo que oficiou (art. 95, p. único, V), mostrando que o exercício da advocacia privada não é afim ao exercício da magistratura, ao ponto de merecer tratamento privilegiado para promoção.

Em relação à vedação de exercício de outro cargo ou função, salvo uma de magistério,

veja que o STF interpretou no sentido de que o magistrado poderá atender a mais de uma função de magistério, não precisando ser apenas “uma”, porque o objetivo da norma constitucional é manter o magistrado focado na sua missão primordial. Assim, é possível o magistrado exercer duas funções de magistérios, desde que seja compatível com a função primordial da magistratura. A SÚMULA VINCULANTEfoi um importante instrumento conferido ao Poder Judiciário pela Emenda Constitucional 45/04, e só terá efeito se aprovada por dois terços de seus membros e publicá-la na imprensa oficial, podendo o STF proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista na Lei 11.417/06. Como há “efeito vinculante” para os demais órgãos do Judiciário e da Administração Pública, logo se vê que o efeito da súmula é igual ao das decisões em ADI e ADC: não vincula o próprio STF e nem o Legislativo. Nota-se que a súmula vinculante tem como pressuposto controvérsia atual entre órgãos judiciários e, o que é mais interessante, a controvérsia pode se dar entre órgãos judiciários e a Administração Pública, desde que cause insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. Se um ato administrativo, ou uma decisão judicial

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contrariar a súmula, mas também que a aplicar indevidamente, caberá reclamação ao STF, que poderá anular o ato ou cassar a decisão judicial, com determinação para que outra seja proferida. Os legitimados para propor a súmula vinculante são os mesmos legitimados para propor ADI e ADC. Porém, pela autorização contida no §2º do art. 103-A, a Lei 11.417/06 acrescentou mais dois legitimados: a) Defensor Público-Geral da União; e b) os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares. A referida Lei 11.417/06 ainda: 1) criou “amicuscuriae” no processo de edição, de revisão ou de cancelamento da súmula vinculante (o relator, por decisão irrecorrível, poderá admitir manifestação de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do STF); 2) deu legitimidade para o Município propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, sem suspensão do processo (o Município não pode iniciar processo autônomo de edição, revisão e cancelamento de SV, mas apenas iniciar a partir de um processo em que esteja envolvido, devendo, então, ter interesse na SV para que seja beneficiado); 3) assim como ocorre na ADC e na ADI, possibilitou a modulação temporal, porque, via de regra, a súmula vinculante tem efeito imediato, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público; 4) previu que a reclamação por descumprimento de súmula vinculante no STF, é feita sem prejuízo dos outros recursos ou outros meios admissíveis de impugnação; 5) previu, também, a possibilidade de reclamação por omissão da Administração Pública, relacionada à súmula vinculante, porém só após esgotadas as vias administrativas; 6) a súmula vinculante, apesar das polêmicas que poderão gerar, em especial pelo possível ferimento à tripartição dos poderes, tem natureza jurídica de ato normativo, porque impõe obrigações e não podem ser desobedecidas, inclusive pela Administração Pública e órgãos do Judiciário, e por ela também podem ser vedadas ou permitidas condutas; 7) a súmula vinculante não pode decorrer de interpretação da Constituição, e nem pode dar a ela status de norma constitucional; 8) a súmula vinculante faz com que o STF funcione, também, com verdadeira Corte de Cassação, na medida em que, no caso de reclamação por descumprimento de súmula, o STF cassará as decisões e atos, anulando-os, não podendo substituí-los; 09) o art. 8º da EC 45/04 diz que “As atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços de seus integrantes e publicação na imprensa oficial.”

10) o STF já emitiu as seguintes Súmulas Vinculantes, até o final de 2009: Súmula Vinculante 01: FGTS E VALIDEZ DO ACORDO DE ADESÃO:"Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar n° 110/2001" Súmula Vinculante 02: COMPETÊNCIA SOBRE BINGOS E LOTERIAS: "É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias" Súmula Vinculante 03: CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DO TCU: "Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa. quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão."

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Súmula Vinculante n. 04: PROIBIÇÃO DE INDEXAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO: “Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”. Súmula Vinculante n. 05: DESNECESSIDADE DE DEFESA TÉCNICA EM PROCESSO DISCIPLINAR: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”. Súmula Vinculante n. 06: POSSIBILIDADE DE REMUNERAÇÃO INFERIOR A SALÁRIO MÍNIOMO, PARA PRAÇAS: “Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial”. Súmula Vinculante n. 07: EFICÁCIA LIMITADA DOS JUROS: “A norma do §3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional n. 40/2003, que limitada a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de Lei Complementar”. Súmula Vinculante n. 08: INCONSTITUCIONALIDADE DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA DE CRÉDITO PREVIDENCIÁRIO: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei n. 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”. Súmula Vinculante n. 09: CONSTITUCIONALIDADE DA PERDA, PELO SENTENCIADO, DO TEMPO REMIDO, EM FUNÇÃO DE FALTA GRAVE: “O disposto no artigo 127 da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no “caput” do artigo 58”. Súmula Vinculante n. 10: NECESSIDADE DE RESERVA DE PLENÁRIO PARA AFASTAMENTO DE INCIDÊNCIA DA LEI: “Viola a cláusula da reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”. Súmula Vinculante n. 11: USO EXCEPCIONAL DE ALGEMAS: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. Súmula Vinculante n. 12: INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DE TAXA DE MATRÍCULA NAS UNIVERSIDADES: “A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal” Súmula Vinculante n. 13: INCONSTITUCIONALIDADE DO NEPOTISMO DIRETO E CRUZADO: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal” Súmula Vinculante n. 14: DIREITO DO DEFENSOR DE ACESSO À INVESTIGAÇÃO. “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa". Súmula Vinculante n. 15: NÃO INCIDÊNCIA DE VANTAGENS NO ABONO PARA ATINGIR SALÁRIO MÍNIMO: “O cálculo de gratificações e outras vantagens do servidor público não incide sobre o abono utilizado para se atingir o salário mínimo” Súmula Vinculante n. 16: GARANTIA DE SALÁRIO MÍNIMO INCLUINDO O TOTAL DA REMUNERAÇÃO: “Os artigos 7º, IV, e 39, § 3º (redação da EC 19/98), da Constituição, referem-se ao total da remuneração percebida pelo servidor público”.

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Súmula Vinculante n. 17: NÃO INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA DURANTE O PRAZO PARA INCLUSÃO NO ORÇAMENTO DE VERBAS DE PRECATÓRIO: “Durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos”. Súmula Vinculante n. 18: CONTINUIDADE DE INELEGIBILIDADE REFLEXA APÓS DIVÓRCIO OU SEPARAÇÃO: “A dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no §7º do artigo 14 da Constituição Federal”. Súmula Vinculante n. 19: CONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DE TAXA DE LIXO: “Taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de colega, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal”. Súmula Vinculante n. 20: PAGAMENTO DE GDATA AOS APOSENTADOS, POR ISONOMIA: “A Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa – GDATA, instituída pela Lei n. 10.404/2002, deve ser deferida aos inativos nos valores correspondentes a 37,5 (tinta e sete vírgula cinco) pontos no período de fevereiro a maio de 2002 e, nos termos do artigo 5º, parágrafo único, da Lei n. 10.404/2002, no período de junho de 2002 até a conclusão dos efeitos do último ciclo de avaliação a que se refere o artigo 1º da Medida Provisória n. 198/2004, a partir da qual passa a ser de 60 (sessenta) pontos” Súmula Vinculante n. 21: INCONSTITUCIONALIDADE DE EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO E ARROLAMENTO PARA RECEBIMENTO DE RECURSO ADMINISTRATIVO: “É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo” Súmula Vinculante n. 22: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA AÇÕES POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS: “A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional n. 45/04” Súmula Vinculante n. 23: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA AÇÕES POSSESSÓRIAS ENVOLVENDO GREVE: “A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada” Súmula Vinculante n. 24: ATIPICIDADE ANTES DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo” Súmula Vinculante n. 25: ILICITUDE DA PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito” Súmula Vinculante n. 26: INCONSTITUCIONALIDADE DA PROIBIÇÃO DA PROGRESSÃO EM CRIMES HEDIONDOS E A OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico” Súmula Vinculante n. 27: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL NA LIDE ENTRE CONSUMIDOR E CONCESSIONÁRIA DE TELEFONIA: “Compete à Justiça Estadual julgar causas entre consumidor e concessionária de serviço público de telefonia, quando a ANATEL não seja litisconsorte passiva necessária, assistente, nem opoente”

Assim como todos os demais processos, também o processo de formação, revisão e

cancelamento de súmulas vinculantes devem passar pela prévia análise do Procurador-Geral da República, salvo se ele mesmo fizer o pedido de revisão. Como uma forma de democratizar, arejar e renovar os Tribunais, imiscuindo-os com profissionais das funções essenciais da Justiça, foi estabelecido o QUINTO CONSTITUCIONAL (art. 94).

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Trata-se da reserva de um quinto7 dos lugares existentes nos Tribunais Regionais Federais, nos Tribunais de Justiça, nos Tribunais Regionais do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indicados na forma do art. 94 (art. 104, parágrafo único). Os requisitos são: a) notório saber jurídico; b) reputação ilibada; c) dez anos de efetiva atividade profissional; d) indicação em lista sêxtupla (os órgãos de representação das respectivas classes formam lista com seis nomes e a encaminha ao Tribunal, que formará lista com três nomes e a envia ao Chefe do Executivo, que, em vinte dias, escolherá um nome dos integrantes da lista tríplice). O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, criado pela EC 45/04, ao incluir o art. 103-B e seus parágrafos na Constituição Federal de 1988 (cuja leitura convém), tem a finalidade de exercer o controle da atuação administrativa financeira do Judiciário, e fiscalizar os juízes no cumprimento de seus deveres funcionais. Ele foi julgado constitucional pelo STF, na ADI 3367/DF, Rel. Min. Cezar Pelluso, por considerá-lo como instrumento dos freios e contrapesos, próprio do sistema constitucional vigente, além de ser sua composição majoritária por membros do Judiciário, não havendo em controle da atividade jurisdicional. Interessante observar que o CNJ não é órgão da União; é órgão do Poder Judiciário nacional, até porque criado dentro do Capítulo III do Título IV da nossa Constituição (Do Poder Judiciário). Suas atividades não representam, por isso, um controle externo da atividade judicial. O STF entendeu que, muito embora tenha passado a existir a partir da EC 45, de 30 de dezembro de 2004, sua ação fiscalizatória engloba fatos anteriores à sua própria instalação, uma vez que não houve esta limitação no texto constitucional (MS 25962/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 23.10.2008). O CNJ é órgão de natureza exclusivamente administrativa, valendo lembrar que quem faz a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal não é o CNJ; é sim o Conselho da Justiça Federal, nos termos do art. 105, parágrafo único, II, da CF/88. O CNJ não pode, também, substituir as corregedorias dos Tribunais de Justiça dos estados, já que sua competência é subsidiária e a atuação prioritária é de tais Tribunais. É dizer: o CNJ não pode, sem dar oportunidade para as Corregedorias dos TJ´s conhecer e processar faltas funcionais de juízes, atuar diretamente como se tais Corregedorias não existissem (STF, MS 28.801/DF, Rel. Min. Celso de Melo). A Emenda Constitucional n. 61, de 11 de novembro de 2009, provocou algumas alterações na composição do Conselho Nacional de Justiça. Antes, era requisito para ser membro do CNJ, ter mais de 35 (trinta e cinco) anos e menos de 66 (sessenta e seis) anos de idade. Agora, para ser membro do CNJ, não há exigência constitucional referente à idade. No mesmo tino, antes da EC 61/09, compunha o CNJ um Ministro do STF, escolhido pelo próprio Supremo; agora, em relação ao STF, somente seu Presidente é que deve compor o CNJ e, nas suas ausências e impedimentos, quem o substituirá será o Vice-Presidente do STF (a substituição do Presidente, então, na é feita por outro membro do CNJ). Assim, o Vice-Presidente do STF não é membro do CNJ, mas poderá exercer provisoriamente sua Presidência. Outra importante mudança refere-se à nomeação do Presidente do STF pelo Presidente da República: todos os membros do CNJ devem ser nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado, com exceção do Presidente do CNJ, que não precisa de nomeação e nem de escolha pelo Senado (é a Constituição que determina a Presidência do CNJ). Finalmente, importa lembrar a EC 61/09 retirou a previsão de que o Presidente do CNJ votaria em caso de empate e que para ele não seria distribuídos processos. Em relação ao subteto, criado pelo CNJ (Resoluções 13 e 14/2006), o STF entendeu que a mesma é inconstitucional, porque não pode haver fixação diferenciada para os membros da magistratura federal e estadual, em relação a subtetos e, assim, deu interpretação conforme ao art. 37, XI, e §12, da Constituição, para excluir a submissão dos membros da magistratura estadual ao subteto de remuneração (STF, ADI 3854 MC/DF, reI. Min. Cezar Peluso). O mesmo STF permitiu que o Estado

7 Em um Tribunal com 42 (quarenta e dois) julgadores, qual número de vagas será destinado para o quinto

constitucional? Destina-se 9 (nove) vagas, porque, no caso de fração, independentemente se menor ou maior que a metade (no caso, 8,4), deve-se arredondar para cima (STF, AO 493/PA, DJ 10.11.2000).

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fixeo teto de vencimentos em montante inferior ao previsto no art. 37, XI, da Constituição, para servidores públicos, ressalvados os tetos específicos (art. 27, §2º, art. 93, V) (STF, AgR 419862/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; ADI-MC 2075/RJ, Rel. Min. Celso de Mello). Por ser recente e de intenso interesse no estudo do Poder Judiciário, cabem algumas observações sobre a Emenda Constitucional n. 45, de 30.12.2006 (“Reforma do Judiciário”): 1) estabeleceu o princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII). Engloba processos judiciais e administrativos, junto a qualquer órgão público. Norma autoaplicável, mesmo com conceito jurídico indeterminado. Como corolário deste princípio, foi instituída a imediata distribuição de processos (art. 93, XV) e a atividade jurisdicional ininterrupta (vedação de férias coletivas8 e plantão permanente) (art. 93, XII). A imediata distribuição de processos foi medida salutar, na medida em que era regra a não distribuição de processos, que ficava na distribuição por anos e anos, sem vincular o Desembargador ou o Ministro. Assim, a não-distribuição servia como uma forma de “cláusula de irresponsabilidade”, na medida em que ninguém poderia cobrar do magistrado a diligência nos processos, já que para ele não havia sido distribuído. Agora, com a distribuição obrigatória, há mais uma pressão para que o magistrado despache no processo. Vale lembrar que o STF ratificou o entendimento de que a vedação de férias não alcança os Tribunais Superiores (STF, AI-AgR 636765/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski). O STF, no HC 90617-6, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, aplicou o princípio da razoável duração do processo, j. 30.10.2007, para determinar que Desembargador acusado de vários crimes, e com suspensão das atividades do cargo, retornasse ao cargo em face da demora no andamento do processo criminal junto ao STJ, processo que se arrastava por4 (quatro) anos e 6 (seis) meses. Entretanto, para aplicação do princípio da razoável duração do processo, o STF considerou imprescindíveis os seguintes requisitos: a) a demora seja decorrência exclusiva de diligências suscitadas pela atuação da acusação (HC 85.400/PE, Rel. Min. Eros Grau, 1a Turma, unânime, DJ 11.3.2005; e HC no 89.196/BA, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1a Turma, maioria, DJ 16.2.2007); b) resulte da inércia do próprio aparato judicial em atendimento ao princípio da

razoável duração do processo, nos termos do art. 5º, LXXVIII ( HC 85.237/DF, Pleno, unânime, Rel. Min.

Celso de Mello, DJ 29.4.2005; HC 85.068/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1a Turma, unânime, DJ

3.6.2005; HC no 87.910/SP, Rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática, DJ 25.4.2006; HC no 87.164/RJ, 2a

Turma, unânime, DJ 29.9.2006; HC no 86.850/PA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2a Turma, unânime, DJ

6.11.2006; HC no 86.346/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2a Turma, unânime, DJ 2.2.2007); e, por fim,

c) seja incompatível com o princípio da razoabilidade (cf.: HC no 84.931/CE, Rel. Min.

Cezar Peluso, 1a Turma, unânime, DJ 16.12.2005), ou, quando o excesso de prazo seja gritante (HC no

81.149/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1a Turma, unânime, DJ 5.4.2002; RHC no 83.177/PI, Rel. Min. Nelson

Jobim, 2a Turma, unânime, DJ 19.3.2004; HC no 84.095/GO, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2a Turma,

unânime, DJ 16.12.2005; e HC no 87.913/PI, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1a Turma, unânime, DJ 23.3.2007);

2) houve valorização da atuação do STF, pela inclusão do requisito da “repercussão geral” para conhecimento do Recurso Extraordinário. A Lei 11.418/06 tratou da repercussão, considerando geral as “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”. Interessante notar que criou uma espécie de repercussão geral objetiva, ou vinculada, na medida em que tratou de repercussão geral qualquer decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

8 STF e STJ podem ter férias coletivas? Sim, todos os Tribunais Superiores (STF, STJ, TSE, STM e TST) podem ter

férias coletivas. A proibição constitucional de férias coletivas se refere a juízos e tribunais de segundo grau (art. 93, XII, CF/88).

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Entretanto, o STF entende que não se pode presumir a ausência de repercussão geral quando o recurso extraordinário impugnar decisão que esteja de acordo com a jurisprudência do STF (RG em RE ns. 565.202-RN; 563.965-RN), de modo que é possível o recurso extraordinário para atacar decisão que esteja de acordo com a jurisprudência do STF. De todo modo, é preciso que exista, de modo formal e fundamentado, a alegação preliminar, no recurso extraordinário, de que existe a repercussão geral, mesmo se existem outros recursos extraordinários sobrestados em virtude do julgamento de ação direta de inconstitucionalidade. Caso não exista a preliminar na petição do recurso, a própria Presidência do STF, com base no art. 543-A, §2º, do CPC e no art. 13, V, “c” e 327 do RISTF, poderá negar-lhe seguimento (STF, AgReg no RE 569.476-SC). 3) foram extintos os Tribunais de Alçada (art. 4º da EC 45). A fusão destes com os Tribunais de Justiça depende de ato administrativo do Presidente do TJ, promovendo a integração dos membros do tribunal extinto em seu quadro; 4) incluiu o §3º ao art. 5º, e dando status de emenda constitucional os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos e por três quintos dos votos de seus membros. Esta questão será tratada especificamente, visto que o STF parece ter entendido que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, neste caso, entram no ornamento jurídico nacional como norma supra legal, acima das leis infraconstitucionais, mas abaixo da Constituição de 1988. 5) submeteu o Brasil à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão (art. 5º, § 4º); 6) criou o incidente de deslocamento de competência em caso de grave violação de direitos humanos (art. 109, §5º). Competência exclusiva do Procurador-Geral da República para suscitar o conflito, e também do Superior Tribunal de Justiça, para julgá-lo. A intenção é proteger os tratados internacionais de direitos humanos que, como se viu, entra no Brasil com forma de norma constitucional; 7) criou mais um princípio sensível. O art. 34, VII, trata dos princípios constitucionais sensíveis (forma republicana, sistema representativo e regime democrático; direitos da pessoa humana; autonomia municipal; prestação de contas da administração pública, direta e indireta;aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde), colocando-os como pressuposto para a ação interventiva do Ministério Público. Como foi inserido mais uma possibilidade para esta ação interventiva (para o caso de recusa de execução de lei federal, que foi incluída na competência do STF, não mais do STJ), parte da doutrina entende que a “recusa de execução de lei federal” é mais um princípio sensível que permite a ação interventiva.

d.1) O papel político do Supremo Tribunal Federal

O Poder Judiciário surgiu para ser coadjuvante. Sua função era ser apenas a “boca da lei”, para dar efetividade às decisões normativas do Poder Legislativo, fazendo um silogismo entre os fatos colocados para julgamento e a lei: a tal Poder era confiado apenas um mero exercício de subsunção dos fatos à vontade do legislador. Enfim, não poderia olhar para a lei com olhar de soslaio, desconfiado em relação à sua legitimidade ou às suas consequências. “Dura lex sede lex”; “. O magistrado deveria ser como o árbitro de futebol: quando menos aparecesse, melhor, em especial diante da cena política nacional.

Porém, quando a sociedade começou a ser influenciada pelo constitucionalismo e, portanto, passou a perceber que deveria haver hierarquia entre as normas, para que todas só tenham validade se compatível com a Constituição do país, logo veio a dúvida: mas quem seria o responsável pela análise desta validade? O Poder Legislativo não poderia ser, porque ele era o autor das leis que seriam analisadas sob o prisma constitucional; muito menos o Executivo, que inevitavelmente tinha interesse na manutenção de umas leis, se de acordo com a vontade dos governantes que estão no poder, ou na exclusão de outras, se contrários à tal vontade. A análise de constitucionalidade, portanto,

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deveria ser feita pelo Poder Judiciário. Começa então a surgir um Poder forte, importantee que, inevitavelmente, estava fadado a ser mais ativo, a intervir em assuntos que, independentemente da peculiar característica da imparcialidade e do afastamento da cena política dos seus membros, acabavam por gerar perplexidade para aqueles que imaginavam um Judiciário paralisado e natimorto. Afinal, se a Constituição diz que o Judiciário tem o poder analisar a validade de normas aprovadas pelos representantes do povo, evidentemente que a Lei Maior quer que o Judiciário interfira nas decisões políticas, se estas decisões políticas menores entrarem em conflito com as decisões políticas maiores nela afuniladas.

Assim, a sociedade, ao decidir que cabe ao Judiciário fazer o controle de constitucionalidade, justamente para saber se as normas estão compatíveis com o maior dogma jurídico nacional, que é a Constituição, evidentemente que repassou para ele a responsabilidade de se imiscuir em todos os assuntos que estão albergados na Constituição. Claro que uma intervenção cautelosa, sempre fundamentada e técnica, mas que sempre haverá de suscitar debates e polêmicas.

Como cabe ao Supremo Tribunal Federal fazer o controle de constitucionalidade das leis e, em última análise, dizer o que significa o texto constitucional, ele ganha foros políticos inevitáveis. A Constituição tem plena consciência desta responsabilidade do STF, muito embora muitos dos próprios legisladores constituintes não a tenha. A própria legislação infraconstitucional já deixou bem claro o papel político do STF. É o caso do art. 27 da Lei 9.868/99, que permite a modulação temporal da inconstitucionalidade, a depender dos critérios a serem utilizados pelos Ministros do STF, levando-se em consideração razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Portanto, cabe ao STF analisar o interesse social, e não o Congresso Nacional e, ainda mais, decidir a partir de quando a declaração de inconstitucionalidade terá eficácia.

A possibilidade de controle de constitucionalidade, assim, é a viga-mestra deste papel político do STF. Porém, a Constituição, quando estabelece a possibilidade do STF concretizar uma lei que deveria ser feita pelo Congresso, via mandado de injunção, ela também afere este papel. É que o sistema de freios e contrapesos da Constituição é, por si só, um sistema político, delicado e sensível, se não for corretamente utilizado, mas que está amparado por decisão do Poder Constituinte.

Em função disto, diversas são as decisões proferidas no STF confirmam este viés político: a) limitação de vagas nas Câmaras de Vereadores (caso “Mira Estrela”): Agosto de 2005 – reduziu o número de vereadores em várias cidades brasileiras; b) definição de casos de criação e desmembramento de Municípios: Maio de 2007 – estabeleceu prazo até novembro de 2007 para o Congresso editar lei; c) impedimento de Medida Provisória para abertura de crédito extraordinário: analisou os requisitos de urgência e relevância; d) impedimento de coligações partidárias: decidiu que as coligações partidárias deveriam ser verticalizadas (posteriormente foi afastada a verticalização, determinada pelo STF, por meio da EC 52/2006); e) imposição de fidelidade partidária: Outubro de 2007 – decidiu que o mandato pertence ao partido político; f) regulamentação do direito de greve do servidor público: adotou a tese da sentença aditiva, aditando ao ordenamento jurídico uma lei não existente especificamente para o caso (adoção de tese concretista); g) aposentadoria especial de trabalhadores: Julho de 2008 – adoção de tese concretista, ao conceder aposentadoria a trabalhador que exercia atividade em ambiente insalubre, mesmo não havendo lei regulamentando o art. 40, §4º, da Constituição; h) limitação à utilização de algemas (Súmula Vinculante n. 11); i) aborto de anencéfalo (ainda não decidido definitivamente – previsão para novembro de 2008); j) impedimento ao nepotismo (Súmula Vinculante n. 13); l) Raposa Serra do Sol (voto do Relator favorável ao Decreto Presidencial que demarcou em áreas contínuas – ainda não decidido definitivamente); m) aceitação de denúncia contra vários parlamentares no caso “Mensalão”; n) Cotas raciais nas universidades (ainda não decidido); o) Casamento homossexual (ainda não definitivamente decidido, mas já com precedente favorável); p) Lei de imprensa (declaração de inconstitucionalidade de vários dispositivos); r) possibilidade de modulação temporal dainconstitucionalidade (art. 27 da Lei 9.868/99).

A análise dos casos em que há repercussão geral do caso concreto, para admissão de recurso extraordinário (art. 102, §3º), a possibilidade de emissão de súmula vinculante (art. 103-A), e também os casos em que é responsável pela análise de representação de inconstitucionalidade para fins de intervenção federal (art. 36, III, c/c art. 129, IV), demonstram a importância política do Supremo

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Tribunal Federal, ora porque as consequências dos julgamentos são políticas, ora porque a própria fundamentação permeia algo a mais que a pura técnica jurídica.

Nestes casos, o STF, ou adentra em uma área que, “prima facie”, caberia ao legislador (como é o caso do nepotismo e do uso de algemas, assim como na adoção da tese concretista nos mandados de injunção), ou então decide com base em questões não propriamente técnicas (com é o caso da análise do “excepcional interesse social”, para fins da modulação temporal da inconstitucionalidade), ou refaz uma análise dos conceitos jurídicos indeterminados já feita pela autoridade competente (como é o caso dos conceitos de relevância e urgência, para fins de medida provisória, que cabe ao Presidente da República), ou então decide questões que, apesar de baseados nas técnicas de interpretação constitucional, acabam causando enorme interesse social (como é o caso da questão da Raposa Serra do Sol, do “Mensalão” etc.).

Este papel político é inevitável, diante do Estado de Direito Constitucional. Resta saber se as instituições, a elite política e o próprio povo está preparado para isto. A depender do bom senso e até da sensibilidade política do STF, este papel se concretizará de baixo para cima, porque o povo não mais permitirá que, de forma direta ou indireta, a competência e a capacidade ativa do Supremo sejam esvaziadas.

O Supremo Tribunal Federal é uma Corte Constitucional?

As inúmeras atribuições do STF não fazem dele uma verdadeira Corte Constitucional, como ocorre na Suprema Corte dos Estados Unidos e em muitos países da Europa, como na Alemanha. Prova disto é que:

a) não julga apenas questões de alta relevância política, jurídica, social e econômica. Lembre-se que a criação da repercussão geral se deu apenas para fins de conhecimento do recurso extraordinário. Os demais instrumentos de acesso ao STF continuam sem a necessária “peneira” da repercussão geral, como soi ocorrer com os “habeas corpus”, mandados de segurança, “habeas data”, ações cautelares e recursos ordinários;

b) nem todas as decisões têm efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e eficácia “erga omnes”. Os efeitos vinculantes e a eficácia “erga omnes” se dá, via de regra, no controle concentrado de constitucionalidade, muito embora existam tentativas de maximizar a potência e a qualidade de todas as decisões proferidas pelo plenário do STF, como ocorre com a tese da abstrativização do controle difuso, da transcendência dos motivos determinantes e da irradiação da interpretação às normas constitucionais, dada ao STF, para a coisa julgada com conteúdo contrário;

c) a quantidade de processos julgados pelo STF demonstra que os Ministros não conseguem se dedicar para a função primordial de guarda da Constituição.

Por isso, o STF acaba servindo, muitas vezes, como Corte de Apelação. A criação do Superior Tribunal de Justiça, em 1988, veio para retirar do STF a sua atribuição de julgar causas onde havia discussão sobre os contornos do Direito Federal. Infelizmente, na prática o STF acabou sendo congestionado por milhares de demandas que ou não tem importância para a nação e para o Estado ou nem deveriam lá estar.

e) PODER LEGISLATIVO

Se fosse possível falar em prevalência entre os Poderes, certamente que o prevalente seria o Poder Legislativo, que pode, pelo seu poder de conformação legislativa, constitucional e infraconstitucional, mudar a estrutura do outro Poder. É este Poder o legítimo representante do povo, que elege representantes para imporem normas e, assim, regularem a atividade do Estado e as relações sociais. Isto decorre da “teoria da soberania”, porque a soberania está no povo, e o povo a exprime por meio da lei. Diante da impossibilidade do próprio povo fazer as leis, elegem seus representantes que atuam no Poder Legislativo. Esta factível preponderância também é resultado da Constituição de 1988, que deu a este Poder a possibilidade de julgar autoridades dos outros dois Poderes, além de colocar a função praticamente típica, também, de fiscalizá-los. Tudo isso é decorrência da “teoria da soberania popular”.

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A função típica do Legislativo, então, é fazer leis. Hoje, entretanto, já é considerada função típica do Legislativo, também, a fiscalização. Estas funções (legislar e fiscalizar), foram consagradas no texto constitucional de 1988 (arts. 48 e 70). Porém, realiza funções atípicas, como é o caso da função administrativa (art. 51, IV, art. 52, XIII, e também na realização de licitações próprias, no exercício da hierarquia com o funcionalismo etc.) e da função da função de julgador (art. 52, I e II). A sua origem está na Inglaterra, que na Idade Média concebeu este Poder para editar leis e limitar os poderes dos reis. São conhecidas duas estruturas básicas do Poder Legislativo: 1) estrutura unicameral, onde existe apenas um órgão que representa o Legislativo, sem divisão interna, como ocorre com Luxemburgo, cuja Constituição de 1868 o define como uma monarquia constitucional parlamentarista. No Brasil adota-se a estrutura unicameral? Sim, com exceção da União (nos Estados, a Assembleia Legislativa; no Distrito Federal, a Câmara Legislativa; nos Municípios, a Câmara de Vereadores); 2) estrutura bicameral, onde existem dois órgãos que representam o Legislativo, geralmente denominados Câmara Alta e Câmara Baixa. No Brasil, a União adota esta estrutura, dividindo o Legislativo em Câmara de Deputados (Câmara Baixa) e Senado (Câmara Alta). A diferenciação entre “Alta” e “Baixa” está no fato ainda marcante da relação do Estado com o cidadão com relação de hierarquia. Assim, o Estado está em uma posição superior; o povo, os cidadãos, seus súditos, em uma posição inferior. Daí porque, no Brasil, a “Câmara Baixa” (Câmara de Deputados) representam o povo, e a “Câmara Alta” representam os Estados (são 03 Senadores por Estado, sem proporcionalidade com a quantidade da população, enquanto são quantos Deputados quanto forem as populações dos Estados). No Brasil, os parlamentares ou são Vereadores, ou Deputados Estaduais, ou Deputados Federais, ou Senadores, nomenclatura utilizada pela CF/88. e.1) Poder de julgar O art. 52, incisos I e II, preveem a possibilidade do Legislativo julgar integrantes de outros Poderes. Diz o dispositivo: “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade;”

Algumas observações: 1) se os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica cometerem crimes de responsabilidade sem conexão com crime praticado pelo Presidente, a competência para o julgamento é do STF (art. 102, I, “c”); 2) a competência do Senado se refere aos crimes de responsabilidade (Lei 1.079/50). No caso de crime comum (crime comum engloba todas as infrações penais, do delito eleitoral à contravenção penal – STF, Rcl. 511-9, Rel. Min. Marco Aurélio); 3) a regra é que, em crime comum, todas as autoridades citadas no art. 52 são julgadas pelo STF. Entretanto, em relação aos membros do CNJ e CNMP, a EC 45/04, em uma evidente omissão, não alterou a redação do art. 102, para incluí-los na competência do STF. Fica, então, a dúvida: os membros do CNJ e do CNMP, em crimes comuns, são julgados pelo Senado ou pelo STF? Como não é possível fazer uma interpretação conforme para locupletar competências (aí o intérprete seria legislador positivo), os membros do CNJ e do CNMP, no caso de crimes comuns, serão julgados pela Justiça Comum Ordinária;

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4) A Constituição do Estado pode atribuir competência para o Tribunal de Justiça julgar, nos casos de crimes comuns e de responsabilidade, o Procurador-Geral da Justiça (STF, ADI 541/PB, Rel. Min. Carlos Velloso).

e.2) deputados e senadores Os Deputados compõem a Câmara de Deputados, representantes do povo, todos necessariamente maiores de 21 anos, eleitos pelo sistema proporcional, considerando a população (brasileiros, estrangeiros e apátridas, enfim, todos os habitantes do Estado, não havendo vinculação ao número de eleitores), para mandato de 4 anos. Os Senadores, necessariamente maiores de 35 anos, eleitos pelo sistema majoritário (maioria relativa), com mandato de 8 anos, mas de composição mista, já que em uma eleição elege-se um terço, e na outra, os outros dois terços. Cada legislatura é de 04 anos. No Senado, existe eleição para duas legislaturas. Os Senadores que compõem o Senado têm legislaturas diferentes. Territórios, se criados, podem ter até 04 Deputados, mas não podem ter Senadores. e.3) atribuições do Congresso Nacional As duas atribuições básicas do CN são: e.3.1) atribuição legislativa – é a conformação legislativa dos Parlamentares, que podem legislar sobre todas as matérias de competência da União, em especial aquelas ditas no art. 48, exigida a sanção do Presidente da República, como uma forma de peso e contrapeso (“checkand balances”). Esta atribuição é privativa e exclusiva. É privativa quando pode ser delegada (art. 22, parágrafo único). É exclusiva quando indelegável (arts. 51 e 52 que, apesar da utilização da nomenclatura “privativa”, é exclusiva); e.3.2) atribuição deliberativa – tal atribuição, veiculada por decreto legislativo ou resolução, dispensando a sanção do Presidente, e se materializa em prática de atos concretos (autorizações, aprovações, sustação de atos, julgamentos técnicos, edição de normas regimentais etc.); e.3.3) atribuição de fiscalização e controle – uma das importantes atribuições concedidas ao Poder Legislativo, pela CF/88, é a atribuição de fiscalizar todos os outros Poderes e órgãos públicos, com auxílio do TCU e da Comissão Mista Permanente, e ainda por pedidos de informação aos Ministros de Estado ou órgão vinculado diretamente à Presidência da República, para serem respondidos em até 30 dias, sob pena de crime de responsabilidade. Ainda se fala em atribuição constituinte, que seria a atribuição de elaborar emendas constitucionais. Esta atribuição, entretanto, está dentro da atribuição legislativa, porque o processo de emenda à Constituição é um processo de elaboração legislativa (daí o nome: “processo legislativo”). e.4) comissões parlamentares Evidente que a grande tramitação de projetos, e a grandiosidade de temas que desembocam no Congresso Nacional, cria a necessidade de criação de comissões temáticas, para analisar, com a especificidade necessária, todos os temas, dando organicidade e eficiência. Estas comissões, entretanto, não são constituídas livremente, pois devem ter uma representação proporcional dos partidos ou dos blocos partidários das respectivas Casas Legislativas (art. 58, §1º). Existem os seguintes tipos de comissões parlamentares: 1) permanentes – art. 58, §2º – permanecem mesmo quando acaba a legislatura;

2) temporárias – extinguem-se com o fim da legislatura. 3) exclusivas, quando compostas por membros só da Câmara ou só do Senado; 4) mistas, quando compostas por Deputados e Senadores (neste caso, só para assuntos específicos a serem decididos por todo o Congresso Nacional, como emissão de parecer sobre o voto -

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art. 66, §4º -, sobre as medidas provisórias - art. 62, §9º – e sobre análise de projetos de leis financeiras - art. 166, §1º)

5) representativa - serve para representar o Congresso Nacional no caso de recesso parlamentar, indicados representantes proporcionais dos partidos (art. 58, §4º). 6) parlamentares de inquérito – art. 58, §3º – comissões que investigam fatos determinados, com os mesmos poderes da autoridade judicial. 6) comissões parlamentares de inquérito Importante fazer um comentário específico sobre esta função atípica do Poder Legislativo, em especial diante da jurisprudência do STF. Como se viu, estas comissões têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias. Os três requisitos básicos das CPI´s são: 6.1) ter objeto a apuração de fato determinado (Art. 35, §1º, RICD: “Fato determinado é o acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do país, que estiver devidamente caracterizado no requerimento da Comissão”). 6.2) requerimento de no mínimo um terço dos membros da Casa respectiva; 6.3) prazo certo para funcionamento. A instauração depende apenas destes requisitos, daí porque o STF entendeu: “Preenchidos os requisitos constitucionais (CF, art. 58, § 3º), impõe-se a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, que não depende, por isso mesmo, da vontade aquiescente da maioria legislativa. Atendidas tais exigências (CF, art. 58, § 3º), cumpre, ao Presidente da Casa legislativa, adotar os procedimentos subsequentes e necessários à efetiva instalação da CPI, não lhe cabendo qualquer apreciação de mérito sobre o objeto da investigação parlamentar, que se revela possível, dado o seu caráter autônomo (RTJ 177/229 - RTJ 180/191-193), ainda que já instaurados, em torno dos mesmos fatos, inquéritos policiais ou processos judiciais”(STF, MS 24831/DF, Rel. Min. Celso de Mello). Apesar dos poderes judiciais da CPI, ela não pode quebrar os sigilos sem um embasamento concreto, pois deve haver justa causa para a quebra, e esta justa causa pode ser controlada pelo STF (“A quebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefônicos, por traduzir medida de caráter excepcional, revela-se incompatível com o ordenamento constitucional, quando fundada em deliberações emanadas de CPI cujo suporte decisório apoia-se em formulações genéricas, destituídas da necessária e específica indicação de causa provável, que se qualifica como pressuposto legitimador da ruptura, por parte do Estado, da esfera de intimidade a todos garantida pela Constituição da República” (MS 25668/DF, Rel. Min. Celso de Mello). Entretanto, se os trabalhos da CPI foram encerrados, não cabe controle judicial (STF, MS-AgR 26024/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa). A CPI não pode exigir termo de compromisso de pessoa que está sendo investigada ou acusada, já que é jurisprudência pacífica no Supremo Tribunal Federal a possibilidade do investigado ou acusado permanecer em silêncio, evitando-se a autoincriminação (STF, HC 89269/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski). O modelo constitucional das CPI´s da CF/88 deve ser copiado compulsoriamente pelas Constituições dos Estados, com ou sem reprodução expressa, aplicando-se o princípio da simetria. Assim, “A Constituição do Brasil assegura a um terço dos membros da Câmara dos Deputados e a um terço dos membros do Senado Federal a criação da comissão parlamentar de inquérito, deixando porém ao próprio parlamento o seu destino. 2. A garantia assegurada a um terço dos membros da Câmara ou do Senado estende-se aos membros das assembleias legislativas estaduais --- garantia das minorias. O modelo federal de criação e instauração das

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comissões parlamentares de inquérito constitui matéria a ser compulsoriamente observada pelas casas legislativas estaduais. 3. A garantia da instalação da CPI independe de deliberação plenária, seja da Câmara, do Senado ou da Assembleia Legislativa. Precedentes. 4. Não há razão para a submissão do requerimento de constituição de CPI a qualquer órgão da Assembleia Legislativa. Os requisitos indispensáveis à criação das comissões parlamentares de inquérito estão dispostos, estritamente, no artigo 58 da CB/88” (STF, ADI 3619/SP, Rel. Min. Eros Grau). Importante lembrar que as CPI´s podem quebrar sigilos fiscais, telefônicos e bancários. Porém, as CPI´s não podem impor interceptações telefônicas, com gravações de conversas entre os interlocutores, pois esta possibilidade está restrita ao Judiciário (reserva constitucional de jurisdição – a Constituição reserva estas possibilidades exclusivamente ao Judiciário). Dados telefônicos são aqueles que revelam para quem se ligou, o horário da ligação, o valor da conta; interceptação telefônica vai além, pois é a prévia instalação de gravadores, para gravar a conversa. Deste modo, existe reserva constitucional de jurisdição para: a) busca domiciliar; b) decretação de prisão;

c) interceptação telefônica. Nestes casos, a CPI não pode atuar. Vide MS 23652/DF. Rel. Min. Celso de Mello:

“O princípio constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre as hipóteses de busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), de interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e de decretação da prisão, ressalvada a situação de flagrância penal (CF, art. 5º, LXI) - não se estende ao tema da quebra de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da República (CF, art. 58, § 3º), assiste competência à Comissão Parlamentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas”. As decisões das CPI´s que alcançarem terceiros a ela, devem ser decididas pela maioria absoluta dos seus integrantes nos termos da previsão regimental (STF, MS 25005/DF, Rel. Min. Marco Aurélio). O STF não decidiu, de forma definitiva, a questão da possibilidade e dos poderes das CPI´s municipais. Entretanto, é muito citado a Ação Cível Originária n. 730/RJ, onde os Ministros do STF debateram esta questão incidentalmente, uma vez que a ação se referia à possibilidade de quebra de sigilo bancário por CPI estadual, o que foi acatado pelo STF (CPI estadual pode quebrar sigilos). No decorrer dos debates, ficou suficientemente claro que os Ministros entendem

possível a criação de CPI no âmbito do Município, porém sem possibilidade de decretarem quebras dos sigilos, uma vez que não há o Poder Judiciário no âmbito do Município, diferentemente do que ocorre no Estado e na União. Seria necessário, então, encaminhar pedido de quebra para o Judiciário. Não permitir a criação de CPI no Município seria desvirtuar todo o sistema criado na CF/88, que dá a função de fiscalizar para o Legislativo. Aliás, é o que vem ocorrendo em todas as Câmaras de Vereadores do Brasil, com muitas CPI´s já instaladas, com discussão judicial sobre seus atos, porém nunca sobre sua constituição. Finalmente, importante lembrar que a CPI, apesar de ter os mesmos poderes das autoridades judiciárias, não podem impor medidas cautelares patrimoniais, pois são medidas que são destinadas exclusivamente para quem tem o poder de julgar. Daí porque não pode a CPI proibir o afastamento do país e nem decretar a indisponibilidade de bens de indiciados ou investigados (STF, MS 23.452, MS 23.446/DF, MS 23.466, MS 23.471).

e.5) garantias dos parlamentares

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Outro tema importante se refere às garantias constitucionais dos parlamentares, conhecidas como imunidades (art. 53). A seguir, algumas peculiaridades, a título de resumo: 1) a inviolabilidade é civil e penal, no caso de opiniões, palavras e votos. A inviolabilidade civil, então, alcança as ações civis por danos morais contra opinião e palavras dos parlamentares que as exultam quando do exercício do mandato. Existem doutrinadores que entendem ser possível responsabilizar a pessoa jurídica à qual se vincula o parlamentar. Neste caso, seria possível propor ação civil por danos morais contra a União, por ofensa praticada pelo parlamentar; 2) são irrenunciáveis, durando enquanto durarem os mandatos (inicia-se com a diplomação;

3) a imunidade alcança a conduta do parlamentar praticada fora do Parlamento, se houver nexo de causalidade da conduta com as suas funções (no contexto de uma defesa de uma política governamental do seu partido, emissão de opinião sobre os trabalhos do Parlamento, contendas políticas etc.); 4) a prisão em flagrante do parlamentar, na única hipótese de crime inafiançável, é decidida pela respectiva Casa Legislativa, e não pelo Judiciário (art. 53, §2º, parte final), e a continuidade da ação penal acatada contra parlamentar poderá ser sustada também pela Casa respectiva (art. 53, §3º); 5) a Polícia Federal só pode indiciar parlamentar com autorização do STF ou mediante pedido do Procurador-Geral da República (STF, Inq. 2.411; Pet. 3.825); 6) as Súmulas 03 (“A imunidade concedida a deputados estaduais é restrita à justiça do Estado” e 04 (“Não perde a imunidade parlamentar o congressista nomeado Ministro de Estado”) do STF estão superadas. Assim, se o parlamentar se afastar para assumir outro cargo, perderá a imunidade, e a imunidade alcança qualquer foro, estadual ou federal. 7) a imunidade material é a inviolabilidade; a imunidade formal é a processual; 8) a EC 32/01, acabou com o “princípio da improcessuabilidade”, substituindo-o pelo “princípio da processualidade mitigada”. É dizer: antes, não havia possibilidade de processar penalmente parlamentar se a sua Casa Legislativa não aprovasse; hoje, o início do processo depende de convencimento exclusivo do Judiciário, sem prévia deliberação da Casa Legislativa, mas o desenvolvimento do processo pode ser barrado por esta Casa. Costuma-se dizer, também, que antes existia condição de procedibilidade, e agora, existe condição de prosseguibilidade. De todo modo, a decisão política sobre a sustação da ação só pode ocorrer antes da decisão judicial final; 9) o parlamentar, mesmo após o término do mandato, poderá invocar a imunidade, se a conduta impugnada foi praticada no decorrer do mandato (característica da ultra-atividade da imunidade); 10) os Deputados estaduais também têm imunidades, mas os Vereadores só possuem imunidade no caso do ato ter sido praticado na circunscrição do Município e no exercício do mandato; 11) para a resolução da questão da prisão do parlamentar preso por flagrante em crime inafiançável, a maioria exigida, mesmo nada referido no §2º, é de maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros (art. 47) – maioria simples; 12) as normas constitucionais sobre imunidades têm eficácia plena, integral e aplicabilidade imediata; 13) as imunidades formais não impede o trabalho de investigação policial, que podem ocorrer para investigar participação de parlamentares, sob a batuta do STF; 14) os §§1º e 2º do CPP, inseridos pela Lei 10.628/02, tiveram a intenção de manter o foro por prerrogativa de função tanto para as ações de improbidade, quando para os casos de ações judiciais e inquéritos iniciados após o término do mandato do parlamentar, mesmo cometida a irregularidade no curso do mandato, como ocorria com a antiga Súmula 394

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do STF (“Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”). O STF julgou os parágrafos inconstitucionais (ADI 2.797/DF e ADl 2.860/DF), confirmado no AI-AgR 538389/SP, Rel. Min. Eros Grau, de modo que, atualmente, as ações de improbidade administrativa devem continuar sendo propostas nos Juízos Comuns Ordinários, e os inquéritos e ações judiciais iniciados após o mandato, devem ser feitos também em Juízos Comuns e Delegacias Comuns (neste caso, sem a batuta do STF); 15) existe entendimentos dentro do STF, formalmente reconhecido na Reclamação n. 2.138/DF e na Pet. 3211/QO/DF (que arquivou ação de improbidade contra o Min. Gilmar Mendez, por ocasião de atos praticados quando este era Advogado-Geral da União), no sentido de que os agentes políticos com foro por prerrogativa de função, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei 8.429/92, e sim apenas por crime de responsabilidade mediante ação junto ao STF. A distribuição de competência para Juiz de 1ª instância, para julgar Ministros, mesmo em questões cíveis, quebraria o sistema judiciário como um todo; 16) atualmente, se há processo criminal contra alguém, e este alguém assume o cargo de parlamentar, os autos são enviados para o STF. Ao término do mandato, os autos retornam para o juízo “a quo”, até porque, “a perda do mandato eletivo pelo investigado faz cessar a competência penal originária deste Supremo Tribunal para julgar autoridades dotadas de prerrogativa de foro ou de função” (STF, Inq-AgR 2379 / MS). O artigo 53 e seus parágrafos, da Constituição, merecem ser reproduzidos e analisados atentamente:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. § 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. § 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. § 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. § 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora. § 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato. § 6º Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações. § 7º A incorporação às Forças Armadas de Deputados e Senadores, embora militares e ainda que em tempo de guerra, dependerá de prévia licença da Casa respectiva.

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§ 8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida.

e.6) reuniões

As reuniões no Parlamento ocorrem por meio de sessões, que podem ser bicamerais

(reunião única de cada Casa, para discussão de emendas e votações, sendo a regra) e conjuntas

(deliberações das duas Casas em um único momento, como no caso do art. 57, §3º (inauguração da

sessão legislativa, elaboração do regimento comum e regulação da criação de serviços comuns às duas

Casas, recebimento do compromisso do Presidente e do Vice-Presidente da República e conhecimento e

deliberação sobre veto), art. 60, §3º (promulgar emendas constitucionais), e art. 68 (delegar ao

Presidente da República poderes para legislar.

e.7) Tribunal de contas

O legislador constituinte criou o TCU para que o Legislativo pudesse bem realizar a

missão fiscalizatória, daí porque este Tribunal é auxilar do Legislativo.

É autônomo, e compete verificar a contabilidade de receitas e despesas, a execução

orçamentária, os resultados operacionais e as variações patrimoniais do Estado, sob os aspectos da

legalidade, compatibilidade com o interesse público, economia, eficiência, eficácia e efetividade.

O Ministro do TCU pode ser nato ou naturalizado, acima de 35 anos, idoneidade moral e

reputação ilibada, além de notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de

Administração Pública e mais de 10 anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que

exija os conhecimentos referidos.

Um terço da sua composição é de escolha do Presidente, com aprovação do Senado

Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao

Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento, e

dois terços de escolha do Congresso Nacional.

O modelo jurídico do TCU é modelo obrigatório para os Estados e Municípios.

Ele tem diversas funções, que podem ser resumidas (Valmir Campelo):

1) função fiscalizadora – realiza auditorias e inspeções em unidades de todos os órgãos e

entidades da Administração Pública, inclusive da Administração Pública Estadual e Municipal, quando

recebem verbas da União;

2) função julgadora – impõe sanções aos autores de irregularidades, julga contas anuais

de administradores, infrações à LRF;

3) função sancionadora – aplica penalidades aos infratores;

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4) função consultiva – elabora pareceres prévios sobre as Contas do Presidente, Chefes

dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, para subsidiar julgamento do Congresso

Nacional;

5) função informativa – envio ao CN de informações sobre fiscalizações realizadas,

expedição de alertas sobre contas e LRF, manutenção de sítio eletrônico;

6) função corretiva – fixação de prazo para adoção de providências para cumprimento

da lei e sustar ato impugnado, quando não forem adotas as providências determinadas;

7) função normativa – poder regulamentar conferido pela Lei Orgânica do TCU, com

expedição de instruções e atos normativos, de cumprimento obrigatório, sobre matéria de competência

do TCU e sobre organização de processos que lhe devam ser submetidos;

8) função de ouvidoria – recebimento de denuncia apresentada pelo controle interno,

por cidadão, partido político, associação ou sindicato, com apuração sigilosa.

É importante frisar, entretanto, que, apesar de ser da responsabilidade dos Tribunais de

Conta apreciar as contas do Chefe do Executivo, eles o fazem como órgãos técnicos auxiliares, já que

cabe ao Legislativo a decisão definitiva sobre a aprovação ou a rejeição das contas apresentadas pelo

Presidente, pelo Governador ou pelo Prefeito. É dizer: mesmo diante do parecer técnico contrário, o

Legislativo poderá aprovar as contas, com votação por quorum diferenciado. Se o Legislativo aprovar as

contas do Chefe do Executivo, isto não quer dizer que “o resíduo” também estará aprovado: a

aprovação política não legitima e nem regulariza eventuais responsáveis diretos pela gestão financeira

das unidades gestoras, que têm capacidade e liberdade financeira.

O art. 1º, “g”, da Lei Complementar LC 64/90, diz: “Art. São inelegíveis: I -para qualquer

cargo: g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por

irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido

ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5

(cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão”. O art. 11, §5º, da Lei n. 9.504/1997,

determina a disponibilização, pelos Tribunais e Conselho de Contas, da relação que tiveram suas contas

rejeitadas. Uma eventual ação judicial que discuta a regularidade da rejeição das contas poderá

suspender os efeitos da decisão que rejeitou as contas, se o magistrado assim decidir, mesmo

provisoriamente.

O Ministério Público que funciona perante os Tribunais de Conta têm autonomia em

relação aos outros Ministérios Públicos (estaduais e da União). Tem natureza anômala, já que não

possuem a mesma autonomia administrativa do Ministério Público comum (já que se vincula ao Tribunal

de Contas), mas seus membros possuem os mesmos direitos, vedações e forma de investidura, e sequer

podem ser substituídos pelos Procuradores da República ou pelos Procuradores de Justiça (STF, ADI´s

789, 2.378, 3. 192).

f) PODER EXECUTIVO

O Poder mais detalhado pela Constituição é o Poder Executivo, justamente porque cabe

a ele dar efetividade às prestações materiais do Estado, aplicando as leis para efetivamente beneficiar a

população e gerar o bem comum.

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É natural, então, que surjam neste Poder os movimentos ditatoriais, em face da

concentração financeira e de verdadeiro poder de polícia, como Polícias e Forças Armadas.

f.1) substituição e sucessão do Presidente da República

Impedimento não se confunde com vacância. Impedimento existe de modo temporário,

para questões pontuais, como viagem do Presidente, tratamento de saúde e quejando. A vacância se dá

de forma definitiva, quando o Presidente não pode mais voltar ao exercício do cargo, como ocorreu com

Tancredo Neves (morte), que foi sucedido por José Sarney, e Fernando Collor (impeachment), que foi

sucedido por Itamar Franco.

Assim, caso ocorra impedimento, o Presidente será substituído, e não sucedido; no caso

de vacância, o Presidente será sucedido. Se o Presidente viajar, ele será substituído ou sucedido? Haverá

vacância ou impedimento? Será substituído em face do impedimento. Se o Presidente morrer? Ele será

sucedido em face da vacância.

Esta é a terminologia correta.

Feitas estas considerações, leia-se os arts. 79, 80 e 81 da CF/88:

Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder- lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente. Parágrafo único. O Vice-Presidente da República, além de outras atribuições que lhe forem conferidas por lei complementar, auxiliará o Presidente, sempre que por ele convocado para missões especiais. Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal. Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga. § 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei. § 2º - Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.

Como se vê, há possibilidade de eleição indireta para Presidente do Brasil, se houver

vacância dupla (do Presidente e do Vice) nos dois últimos anos do mandato do Presidente.

f.2) decreto autônomo

A Emenda Constitucional n. 32/2001, alterou o art. 84 da Constituição, para dar a

seguinte redação ao inciso VI:

“Compete privativamente ao Presidente da República: VI - dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

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b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;” Antes desta Emenda, havia muita controvérsia sobre a possibilidade de Decreto

autônomo, com a maioria entendendo pela impossibilidade, até porque é atípica a possibilidade do

Executivo “legislar” por meio de Decreto. Entretanto, agora, com a alteração citada, o Decreto, naqueles

casos, pode ser “autônomo”, isto é, não precisa de uma lei que lhe dê supedâneo, que sustente a sua

existência, inclusive com força normativa que pode ser controlado diretamente por ADC e ADI (é um

caso de controle repressivo de constitucionalidade sobre atos administrativos, considerando o Decreto

como ato administrativo do Presidente da República).

É preciso, entretanto, ficar claro que os Decretos autônomos só podem tratar daquelas

específicas questões das alíneas “a” e “b” do inciso VI do art. 84. Fora disso, impossível. No entanto,

sempre que um decreto ultrapassar a autorização legal, e inovar, criando uma obrigação legal, a

doutrina e a jurisprudência costumam chamar o ato de “decreto autônomo”, especialmente para o fim

de permitir a proposição de ação direta de inconstitucionalidade.

f.3) decretos regulamentares

Via de regra, as leis não locupletam toda a força dos fatos, e não operacionaliza

questões tratadas na lei, e precisam ser complementadas, suplementadas, nos termos da lei. Surge,

então, a possibilidade constitucional do decreto (art. 84, IV), para a fiel execução da lei. Se o objetivo é a

fiel execução da lei, o decreto não pode interpretar a lei; pode, simplesmente, torna-la aplicável.

O decreto é privativo do Presidente? Sim, o art. 84, “caput”, diz que “compete

privativamente ao Presidente”.

Cabe uma observação: o legislador utilizou a palavra “privativamente” porque o

parágrafo único permite que algumas matérias possam ser delegadas aos Ministros de Estado, ao

Procurador-Geral da República ou Advogado-Geral da União. Entretanto, a regra é a exclusividade, de

modo que seria mais adequado dizer que o poder regulamentar é exclusivo, salvo em alguns casos.

Quais os casos em que é possível a delegação? O parágrafo único do art. 84 diz que é

possível a delegação nos casos do inciso VI (dispor sobre organização e funcionamento da adminitração

em federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, e

sobre extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos), do inciso XII (concessão de indulto e

comutação de penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei) e inciso XXV (prover e

extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei).

Portanto, nos casos de decreto autônomo, é possível a delegação.

Todas as leis podem ser regulamentadas? Não. É que muitas leis bastam-se por si

mesmas. O Código Penal é um caso, salvo algumas hipóteses de normas penais em branco. A

conformação do legislador não pode ser limitada, de modo que, mesmo não sendo sensato, pode ele

descer ao nível das filigranas, e tentar regular até a forma com que as folhas devem cair das árvores -

podem “tentar”; conseguir é outra história. O fato é que a lei, muitas vezes, não permite a

regulamentação. Geralmente, a regulamentação se dá em leis cuja regulamentação são naturalmente

exigível, como nas leis administrativas, tributárias e previdenciárias.

Vide, adiante, deslegalização e regulação, em Ordem Econômica.

f.4) crimes de responsabilidade

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Diferentemente dos crimes comuns, que podem ser cometidos por qualquer pessoa, os

crimes de responsabilidade, por serem infrações político-administrativas, são praticadas apenas por

pessoas investidas em certas funções preponderantes para a vida republicana, puníveis com pena de

perda do cargo e inabilitação por oito anos (Lei 1079/50).

O cargo mais alto da República, evidentemente, não poderia ficar de fora da lista de

cargos passíveis de serem englobados pelos crimes de responsabilidade, e a Constituição de 1988 tratou

logo de prever esta possibilidade:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

O processo por crime de responsabilidade segue o seguinte rito:

1) acusação por qualquer parlamentar ou cidadão no gozo dos direitos políticos;

2) julgamento preliminar pela Câmara dos Deputados, que cabe admitir ou não a

acusação, pelo voto da maioria qualificada em dois terços de seus membros;

3) admitida a acusação por crime de responsabilidade, segue para o Senado, onde

haverá ampla defesa e contraditório;

4) se o Senado instaurar o processo, suspende-se o Presidente da República do cargo,

até a conclusão do julgamento, mas se não houver julgamento em 180 dias, o Presidente volta ao cargo

e o processo continuará;

5) havendo condenação, esta ficará limitada à perda do cargo com inabilitação por oito

anos, para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

Mesmo com renúncia no curso do processo, este seguirá até julgamento final.

O julgamento do crime de responsabilidade é político, de acordo com as conveniências e

oportunidade que o momento do país proporcionar, não cabendo ao Judiciário interferir na questão que

é eminentemente “interna corporis”. Só pode interferir se houver irregularidade procedimental.

O procedimento para os crimes comuns do Presidente começa também por acusação

por qualquer parlamentar ou cidadão no gozo dos direitos políticos, junto à Câmara, que deverá dar

autorização por maioria qualificada em dois terços de seus membros. Com a autorização, os autos serão

encaminhados ao STF, que decidirá se aceita a acusação (aceitando, haverá suspensão do cargo). Porém,

o Presidente não poderá ser preso por infração comum, até que haja julgamento final pelo STF, mas

este julgamento final é técnico, e não político, e poderá inclusive decretar a perda do cargo, porém sem

impor inabilitação por oito anos.

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Cabem ainda as seguintes observações:

1) o Governador é processado e julgado perante o Superior Tribunal de Justiça, nos

crimes de responsabilidade. A Constituição do Estado pode, entretanto, fixar que este processo só se

inicia com a autorização da Assembleia Legislativa Estadual (STF, HC 86.015;PB, Rel. Min. Sepúlveda

Pertence);

2) a expressão “crime comum” abrange as infrações eleitorais e as contravenções

penais, de modo que o Governador não pode ser julgado pelo TSE nos crimes eleitorais (STF, CJ

6.971/DR, Rel. Paulo Brossard;

3) os Prefeitos são julgados por crime de responsabilidade de acordo com o Decreto-Lei

201/67, que é constitucional quando não exige pronunciamento prévio da Câmara de Vereadores para o

julgamento pelo Poder Judiciário (Tribunal de Justiça) (STF, HC 71.669/SP). Se o crime for cometido em

detrimento dos bens, serviços e interesses da União, a competência será do TRF, e se for eleitoral, a

competência é do TRE (STF, HC 75.881/SP; ADI 687/PA). A Câmara de Vereadores julga o Prefeito nos

casos de crimes de responsabilidade próprios (infrações político-administrativas), previstas no art. 4º do

DL 201/67;

4) “compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba

sujeita a prestação de contas perante órgão federal” (Súmula 208, STJ);

5) “são da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e

o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento” (Súmula 722, STF);

6) se o Presidente cometer um crime comum antes do mandato ou durante o seu

exercício, porém um crime sem nexo de causalidade com o exercício das suas funções, não será possível

responsabilizá-lo durante o mandato (“O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não

pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções” - §4º do art. 86, CF/88).

Trata-se da irresponsabilidade penal relativa do Presidente da República, que é quase absoluta porque o

Presidente, durante todo o decorrer do seu mandato, dificilmente se encontra em situações sem relação

com o exercício dele.

Note-se a observação de José Afonso da Silva: a perda do mandato do Presidente da

República e do Vice-Presidente da República se dá por quatro motivos:

1): julgamento do Senado Federal nos crimes de responsabilidade, ou do STF, nos crimes

comuns. Gera a cassação

2) morte, perda ou suspensão dos direitos políticos, renúncia e perda da nacionalidade.

Estes motivos geram extinção

3) não-comparecimento para tomar posse no prazo de 10 dias, salvo motivo de força

maior. Gera vacância do cargo;

4) ausência do país, por mais de 15 dias, sem licença do Congresso Nacional. Gera a

perda do cargo, a ser declarada pelo Congresso Nacional.

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O Presidente da República tem imunidade? Que tipo de imunidade? Estas imunidades

são extensíveis aos Governadores, em função do princípio da simetria? Comente.

A Constituição de 1988 concedeu ao Presidente da República a chamada imunidade

constitucional especial, porque ele só pode ser preso após a sentença condenatória (art. 86, §3º), e não

pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício das suas funções no decorrer do seu mandato

(art. 86, §4º), mesmo por ato anterior ao início do mandato. Entretanto, o STF entende que as

Constituições estaduais não podem conceder as mesmas imunidades aos Governadores, já que somente

a União pode prever esta imunidade. Não se aplica, então, o princípio da simetria.

Presidente da República, ao sofrer o impeachment pelo Senado, fica proibido de

votar?

A punição pela condenação no crime de responsabilidade é a inexigibilidade, que é a

perda da capacidade eleitoral passiva, ou cidadania passiva. O Presidente fica inabilitado para exercer

funções públicas por oito anos. Assim, perde o direito de receber o voto. Não há, no caso, perda da

capacidade eleitoral ativa, ou da cidadania ativa, que é a capacidade de votar. O Presidente impedido,

então, mantém alistável, porém inelegível, de modo que poderá continuar votando no período em que

estiver cumprindo a pena pelo crime de responsabilidade.

f.5) Chefe de Estado, de Governo e da Administração O Presidente da República, face ao presidencialismo adotado no Brasil, atua tanto como

Chefe de Governo e da Administração Federal quanto Chefe de Estado. Há, assim, uma acúmulo de funções, devendo representar a República em contatos internacionais, mas também manter a Chefia quanto aos assuntos internos. Chefe de Estado ocorre quando a Constituição impõe ao Presidente a obrigação de

representar o Estado Brasileiro, principalmente em relação aos Estados estrangeiros. Atua nesta

condição nos seguintes casos:

1 – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes

diplomáticos;

2 – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

3 – convocar e presidir o Conselho de Defesa Nacional (tal Conselho, cf. art. 91, §1º, tem principalmente competência relacionada com a defesa da nossa nação. Deste modo, a convocação do Conselho da República, que tem a competência prevista no art. 90 para se pronunciar sobre a intervenção federal e as questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas, não se caracteriza como Chefia de Estado, e sim Chefia de Governo);

4 – nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Ministros dos Tribunais Superiores (já que se trata de nomeação da magistratura suprema). O mesmo não acontece com a nomeação dos Governadores de Territórios, o Procurador Geral da República, o presidente e diretores do Banco Central e outros servidores, quando determinado em lei (nestes casos, é Chefia de Governo);

5 – nomeação de um terço dos membros do Tribunal de Contas da União (que não é órgão do Executivo, sendo que tal nomeação fica sujeita ao controle do Senado, por isso tal ato não se enquadra na Chefia de Governo e nem da Chefia da Administração Federal;

6 – nomeação de magistrados do TRF, TRT e TRE (são órgãos de outro Poder);

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7 – declaração de guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional;

8 – celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional; 9 – conferir condecorações e distinções honoríficas; 10 – permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras

transitem pelo território nacional ou nele permaneça temporariamente. Chefe de Governo ocorre quando o Presidente trata da realização de atribuições para

cumprir o comando político conseguido com o voto: 1 – nomear e exonerar os Ministros de Estado; 2 – iniciar o processo legislativo, na forma e nos caos previstos nesta Constituição; 3 – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e

regulamentos para sua fielexecução; 4 – vetar projetos de lei, total ou parcialmente; 5 – decretar e executar a intervenção federal; 6 – remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da

abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias;

7 – conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei (tal atribuição “é da magistratura suprema da Nação, sempre encarnada no Chefe de Estado, mas a Constituição autorizou sua delegação, o que a desqualifica para mera função de governo”, como diz José Afonso da Silva);

8 – exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos;

9 – nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do Banco Central e outros servidores, quando determinado em lei;

10 – nomear membros do Conselho da República (já que não é ato de mera chefia da Administração Federal, porque alguns nomes originam do Senado e da Câmara de Deputados);

11 – convocar e presidir o Conselho da República (não o Conselho de Defesa Nacional); 12 – enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes

orçamentárias e as propostas de orçamento previstas na Constituição; 13 – prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a

abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior; 14 – exercer outras atribuições previstas na Constituição. Chefe da Administração Federal, por sua vez, ocorre quando o Presidente atua

internamente no Poder Executivo. 1 – exercer, com auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração

federal; 2 – dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na forma da

lei; 3 – nomear o Advogado Geral da União (apesar das dúvidas sobre a integração ou não

da Advocacia-Geral da União ao Executivo, já que faz parte das “Funções Essenciais à Justiça” como o Ministério Público, a nomeação do AGU é ato de Chefe da Administração Federal porque não precisa do consentimento, aprovação ou homologação de outro Poder, como ocorre no Procurador-Geral da República);

4 – prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior;

5 – prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei.

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José Afonso da Silva não faz referência ao inciso XXVI do art. 84, que é a atribuição do Presidente da República de editar medidas provisórias com força de lei. Vê-se, desde logo, que se trata de ato de Chefia de Governo, já que é prevista para o Chefe do Executivo para que ele cumpra o comando político e ideológico próprio. Porém, dependendo do conteúdo da medida provisória, pode ela servir para cumprir atribuições tanto do Chefe de Estado como do Chefe da Administração Federal, já que o conteúdo da medida provisória é residual, e não enumerada, podendo recair sobre vários pontos.

A prestação de contas ao Congresso Nacional (e à Câmara, se após 60 dias de abertura da sessão legislativa o Presidente não fizer a prestação de contas ao Congresso) é tida como exercício da Chefia de Governo e da Chefia da Administração Federal, já que o assunto é pertinente tanto ao comando da máquina federal quanto aos rumos do governo.

g) Intervenção federal

A intervenção é uma medida excepcional de suspensão temporária da autonomia do ente federativo, praticada nos casos taxativamente indicados, e tem por objetivo manter a soberania da Federação e o respeito de princípios fundamentais declarados sensíveis pela Constituição.

A intervenção federal foi construída porque a República brasileira é federativa; fosse ela unitária, não haveria necessidade de se prever a intervenção federal. Daí porque impossível compreender o espírito da intervenção federal sem entender o sistema federativo e a necessidade de sua proteção por mecanismos constitucionais.

Toda e qualquer intervenção pressupõe autonomia. A própria palavra “intervenção” significa interferência, verdadeira invasão em assuntos que não pertencem, normalmente, ao invasor. Assim, nos Estados unitários, onde não há autonomia política de diversos entes que compõem a República – ou a Monarquia, conforme o caso -, quando a União se imiscui nos assuntos de interesse regional, não estará fazendo intervenção alguma, porque tais assuntos são de interesse da União, podendo, inclusive, substituir o administrador da região.

Já na Federação, como há autonomia dos entes que compõem a República – ou que compõem a união indissolúvel dos entes federativos, união esta que é a própria República Federativa -,um dos entes não pode, em situações de normalidade institucional, invadir os assuntos de interesse regional. Não por outro motivo, então, que a Constituição de 1988 diz, categoricamente, que a União não intervirá nos Estados (art. 34), estabelecendo o princípio da não-intervenção. Seria, afinal, uma contradição, estabelecer autonomia para o Estado e ao mesmo tempo criar um instrumento que, na prática, a transformasse em retórica.

Porém, a sabedoria constitucional estabeleceu a autonomia dos Estados temperando-a com a possibilidade de intervenção, em casos taxativamente indicados pela Constituição, até para incrementar o sistema de freios e contrapesos - afinal, este sistema se justifica pela necessidade de se evitar abusos. Assim, a intervenção é um ponto de moderação da autonomia dos entes, que tem por objetivo formatá-la dentro de valores aceitos e consagrados pela unidade nacional. A verdade é que, os motivos que possibilitam a intervenção federal nos Estados, isto é, que afastam a autonomia, são justamente os motivos que permitiram a unificação nacional. Seria contraditório, portanto, se a Constituição brasileira resguardasse a autonomia dos entes para que estes pudessem desrespeitar tudo aquilo que, historicamente, foi sensível à formação do próprio Estado federativo brasileiro.

Neste sentido, muito mais que uma antítese à autonomia, como diz José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, Malheiros, 13ª edição, p. 460), a intervenção é seu complemento ponderado, porque a falta de moderação transformaria a autonomia em independência, ou em soberania, e o Estado-membro não integraria mais uma Federação; integraria uma Confederação ou seria um outro país.

A intervenção federal, a par desta teoria muito bem elaborada, adentra em uma questão muito sensível, que é a questão do equilíbrio entre os limites e os incentivos à regionalização. A

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Federação em si é algo muito sensível, porque ela só sobrevive quando há um ponto de equilíbrio entre a autonomia do ente federativo e a sua submissão a algo maior, que é a Federação. Assim como é difícil aos pais incentivar a individualidade dos filhos e ao mesmo tempo mantê-los na unidade familiar, também é difícil incentivar as tradições e culturas do ente federativo e concomitantemente mantê-lo na unidade federativa. Caso não haja um equilíbrio, o excesso de incentivo à individualidade pode fazer com que o ente deseje se transformar em um novo país; o excesso, porém, de incrementos para se manter a unidade, pode fazer com que o ente se torne extremamente dependente, acabando com sua autonomia e transformando-o em uma mera autarquia da União.

José Afonso da Silva (opus citado, p. 460), parafraseou muito bem Pontes de Miranda, ao enfatizar que na intervenção federal se entrecruzam as tendências unitaristas e as tendências desagregantes. Como se viu, sempre que se cogita a intervenção da União em um Estado-membro, é porque há uma tendência da União limitar a autonomia do Estado, e cada vez que esta autonomia é limitada, evidentemente que a tendência é a União englobar e expandir seu poder. Se a intervenção, então, fosse algo permanente ou com certa constância em uma Federação, a forma de Estado acabaria sendo a forma unitária, uma vez que o centro de poder seria apenas um, representado pela União. A intervenção, portanto, expõe esta tendência, ou esta “pontada” de unitarismo estatal. Por outro lado, quando a intervenção é cogitada, o ente que a sofrerá logo se espanta com a invasão; percebe logo que sua autonomia não lhe protege contra a força maior de outro ente da Federação. A depender da reação, especialmente quando não há aprovação popular, evidentemente que haverá uma tendência deste ente se desagregar da Federação, desagregação esta que não será imediatamente jurídica, em face da impossibilidade constitucional (art. 60, §4º, I), mas que certamente poderá se intensificar para, futuramente, desembocar em um poder constituinte originário histórico, visando a criação de um novo país, de um novo Estado, com já ocorreu em vários países, como na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e na Iugoslávia.

Como se vê, a intervenção federal não poderia ser senão um ato político, pois envolve questões sensíveis que a técnica não resolve. A decisão de intervir, então, não pode ser alheia a sentimentos políticos, que as circunstâncias impõem, inclusive à vista do pensamento e da aceitação popular, do momento de regularidade institucional no país, da presença ou não de crises, da conjugação de forças políticas, da gravidade do problema e da efetividade e das conseqüências da intervenção. Isto não significa, como se verá, que a intervenção será sempre ato político discricionário, porque a Constituição optou pela previsão de casos em que há vinculação do Presidente da República. De todo modo, a intervenção é ato exclusivo do Chefe do Executivo (intervenção federal é ato exclusivo do Presidente da República; intervenção estadual é ato exclusivo do Governador), ora vinculado, ora discricionário.

g.1) Motivos constitucionais para a intervenção A Constituição, taxativamente, descreve os casos em que a intervenção pode ocorrer. Os casos são taxativos porque, como se viu, em face da autonomia dos entes da Federação, a intervenção é excepcional (princípio da não-intervenção), obrigando o hermeneuta a interpretar restritivamente. Pode até ser considerado um caso de omissão eloquente, porque o legislador constituinte, mesmo não proibindo expressamente a atuação do legislador infraconstitucional, implicitamente proíbe: a previsão de outras hipóteses pela legislação infraconstitucional por certo esbarrará em inconstitucionalidade, por força do mandamento implícito do espírito constitucional. Diz o art. 34 da Constituição:

“A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: I - manter a integridade nacional; II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra; III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação; V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;

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b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei; VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta. e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.”

Merecem destaques alguns pontos. A possibilidade de intervenção para pôr termo a grave comprometimento da ordem pública só existe quando já existe o comprometimento. A ameaça à ordem pública não é suficiente para a intervenção, como era o caso da ordem constitucional anterior (CF/67, art. 10, III). Muito embora os termos “comprometimento da ordem pública” seja permeado por vaguidade semântica, a hipótese só se caracteriza quando ocorrer algo mais que o mero tumulto, que transborde o usual, e que a sociedade não está acostumada a presenciar, e que o ente federativo, por suas próprias forças, flagrantemente não consegue debelar. A intervenção federal nos Estados tem origem justamente nesta hipótese de grave comprometimento da ordem pública. Nos Estados Unidos da América, no final do Século XVI, várias revoltas e motins ecoaram nas unidades federas, em virtude da criação de um imposto sobre o Whisky, já que muitas unidades federativas tinham suas economias fortemente baseada no comércio desta bebida. Foi então que o Congresso aprovou a Lei Hamilton, de 1791, autorizando o Presidente a convocar milícias para acabar com o comprometimento da ordem pública que havia se instalado. O art. 34, V, “a”, fala em “dívida fundada”, que tem um conceito jurídico-legal estabelecido no art. 98 da Lei 4.320/67: “A divida fundada compreende os compromissos de exigibilidade superior a doze meses, contraídos para atender a desequilíbrio orçamentário ou a financeiro de obras e serviços públicos”. Não se trata, portanto, de um conceito jurídico indeterminado, sendo necessário notar que não há possibilidade de intervenção federal caso a dívida seja baseada em compromissos de exigibilidade igual ou inferior a 12 (doze) meses, e nem quando o desequilíbrio orçamentário ou financeiro surgiu em função de empréstimo ou compromissos para pagar despesas correntes. Geralmente a dívida fundada, também conhecida como dívida consolidada, surge após a emissão de títulos ou contratações com instituições financeiras feitas pelo Tesouro estadual, visando investimentos em obras e serviços, em face da ausência de “sobra” do orçamento para este objetivo. Assim, se o ente da Federação, de modo irresponsável, contrai dívidas acima da sua capacidade de endividamento, dívidas estas que já poderiam ser executadas há mais de um ano, e ainda as suspende por três anos ou mais, consecutivamente. Claro que a ressalva “salvo motivo de força maior” oportuniza variadas interpretações, em face da sua indeterminação e, o que é pior, acaba sendo utilizada para evitar intervenções em entes reconhecidamente irresponsáveis e violadores do art. 34, V, “a”, da Constituição. Sobre a possibilidade de intervenção federal em Estado ou Município, para o fim de prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial, merece destaque que a decisão judicial não cumprida não precisa, necessariamente, estar transitada em julgado. Porém, esta hipótese é de difícil configuração, em face da interpretação restritiva do Supremo Tribunal Federal e da doutrina, o que é correto, porque intervenção é ato extremo. Esta hipótese se configura quando o desrespeito à execução da lei federal, da ordem ou decisão judicial é flagrante e repetido, sem circunstâncias que impedem o cumprimento ou o respeito, daí porque o STF já teve a oportunidade de enfatizar que é necessário um ato doloso, verdadeiro “descumprimento voluntário e intencional” da decisão judicial (STF, IF-AgR 4663/MG, DJe 074, 25-04-2008). É o caso de intervenção em função do não pagamento de precatórios, há muito analisado pelo STF como circunstância imotivada, para fins de intervenção, até porque, quase sempre, o não pagamento se dá por razões estranhas ao governante, porque se atém à

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capacidade orçamentária e financeira do ente. No caso de precatórios, o STF já fixou que deve ser analisada as questões com base na proporcionalidade (IF 164, DJ 13.12.2003), até para saber se há outras obrigações que devem ser pagas para a continuidade do serviço público e a notória insuficiência de recursos. Daí porque a exaustão financeira do ente é um “fenômeno econômico/financeiro vinculado à baixa arrecadação tributária, que não legitima a medida drástica de subtrair temporariamente a autonomia estatal” (STF, IF-AgR 506/SP, DJ 25-06-2004, p. 04). Se a decisão judicial foi cumprida, mesmo que tardiamente, a intervenção federal deve ser arquivada (STF, IF IF-AgR 3352 / RJ, DJe 97, 30.05.08; IF 103-0/PR, DJ 05.12.97, p. 63.907). Esta posição revela até a intenção de colocar em prática a parte final do §3º do art. 36, que fala que o decreto interventivo servirá apenas para suspender os atos impugnados, se bastar para que se restabeleça a normalidade. Daí porque o STJ, na IF 114/MT, chegou a cogitar a intervenção no Estado do Mato Grosso, por desrespeito aos direitos da pessoa humana, já que três presos tinham sido linchados e não havia qualquer garantia para com os outros, mas a intervenção foi rechaçada porque o ente acabou tomando as medidas necessárias. O inciso VII prevê os princípios constitucionais sensíveis. Eles são “sensíveis” porque, se violados, permite-se a quebra o pacto federativo, afastando a autonomia dos Estados e Municípios que os desrespeitarem. Interessante observar que a Constituição elegeu a forma de governo republicana como um princípio sensível, porém não a estipulou como cláusula pétrea (art. 60, §4º, I). A República é princípio sensível, mas a Federação é que é cláusula pétrea. Assim, muito embora exista doutrina entendendo que, após o plebiscito realizado em 07 de setembro de 1993, por força do art. 2º do ADCT, em que o povo brasileiro escolheu a forma republicana de governo, esta forma passou a ser uma cláusula pétrea, parece que a Constituição foi muito clara a escolher a forma de governo com princípio sensível para fins de intervenção federal, mas não para fins de impedir a reforma da Constituição. De todo modo, impossível que um ente da Federação adote a forma monárquica de governo, até porque a Federação é republicana. Como a interpretação em relação aos motivos da intervenção deve ser restritiva, logo se vê que não é um princípio constitucional sensível a aplicação do mínimo exigido da receita para o desenvolvimento e para as ações referentes à segurança pública. O art. 34, VII, “e”, só se refere à manutenção, ao desenvolvimento e às ações voltadas para o ensino e para a saúde, até porque o art. 154, §2º fala apenas em aplicação mínima obrigatória prevista em lei complementar apenas para os serviços de saúde, e o art. 212 diz que “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.”

g.2) Intervenção em Estados e Municípios Como se vê, a Constituição permite que apenas a União intervenha nos Estados, não permitindo que ela o faça nos Municípios; da mesma forma, permite que apenas o Estados intervenha nos Municípios localizados em seu território (art. 35), impedindo, assim, que um Município intervenha em outro. O Distrito Federal e os Municípios não podem ser sujeitos ativos da intervenção federal, porque a única possibilidade é sofrerem a intervenção. A União, por sua vez, não pode ser sujeito passivo.

Apesar da União não estar autorizada a fazer intervenção em Municípios, há uma exceção, que é a possibilidade da União intervir nos Municípios que eventualmente forem criados em seus territórios (art. 35). Como se sabe, a Constituição permite que lei complementar crie TerritóriosFederais, que serão integrados à União geralmente como meras autarquias federais em face da descentralização administrativa (art. 18, §2º), vez que os Territórios não fazem parte da Federação (art. 18, “caput” c/c art. 1º). Estes Territórios, se vierem a ser criados, podem ser divididos em Municípios, a depender do que for disposto na lei ordinária (art. 33, §1º).

O que é interessante é o fato de que a União, em relação ao Território, poder substituir o seu Governador, após aprovação do Senado (art. 33, §3º c/c art. 84, XIV), até porque tem o controle da sua atividade finalística. Porém, se dentro do Território houver Municípios, a União terá que respeitar sua autonomia, visto que o §1º do art. 33 diz, com todas as letras, que em tais Municípios se aplica o disposto no Capítulo IV do Título III, justamente que trata dos Municípios como entes federativos.

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Se a União pode se imiscuir no seu Território, já que ele a integra, podendo, por isso, controlar suas atividades finalísticas como controla as suas outras diversas autarquias (INSS, INCRA, IBAMA, FUNAI etc.), inclusive em relação à substituição do seu Governador (não livremente, porque a substituição do Governador do Território deve ser aprovada pelo Senado), a lógica seria permitir à União controlar a atividade dos Municípios, sem necessidade de se limitar à intervenção federal – se pode o mais, que é controlar a atuação do Território, poderia o menos, que seria o controle da atuação dos Municípios nele criados. No entanto, a solução constitucional foi outra, porque a União não pode se imiscuir nas atividades dos Municípios localizados em seus Territórios, limitando-se a fazer intervenção apenas nos casos estabelecidos no art. 35, e de forma excepcional. Como se vê, o legislador constituinte privilegiou os Municípios, todos eles, mesmo aqueles localizados em Territórios, considerando-os como entes da Federação. Assim, o Território Federal não é ente da Federação, mas os Municípios nele localizados são entes e integram a República Federativa do Brasil.

É preciso fazer uma observação sobre a atuação da União, no caso da intervenção. A União é um ente da Federação com autonomia, não havendo hierarquia entre ela e os outros entes, deixando de lado sua maior força política e econômica. Por isso, quando a União age para fazer intervenção nos Estados, ela está agindo para representar os interesses da Federação, da mesma forma quando age para representar o país nas relações exteriores. Esta situação que leva a doutrina a enfatizar a dupla personalidade da União: ora age como pessoa jurídica de direito público interno, quando trata das suas competências tradicionais e internas, ora age como pessoa jurídica de direito internacional, quando representa a Federação nas relações exteriores e quando realiza a intervenção. Daí porque a União (letra maiúscula) tem autonomia, mas a união indissolúvel dos entes (letra minúscula), que é a Federação, tem soberania. A Constituição Federal, face ao poder constituinte originário ilimitado e incondicionado, poderia estabelecer que a intervenção nos Estados e a representação da Federação na relação exterior, seria feita por São Paulo ou pelo Distrito Federal, por exemplo, mas preferiu, coerentemente, indicar a União, até porque ela deve ter maior força para que a Federação esteja sempre unida jurídica, social, política e culturalmente.

g.3) Intervenção espontânea e provocada A intervenção pode ser decretada de ofício pelo Chefe do Executivo, sem provocação de

nenhum outro órgão ou Poder. Neste caso, estaremos diante da intervenção espontânea. Dá-se intervenção espontânea nos casos previstos nos incisos I (“manter a integridade

nacional”), II (“repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra”), III (“pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”) e IV (“reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a - suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b - deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei”), todos do art. 34 da Constituição - os casos de intervenção estadual estão previstas taxativamente no art. 35, I, II e III, e são consideradas normas constitucionais de repetição obrigatória pelas constituições estaduais.

O Presidente, nos casos de intervenção espontânea dos incisos I a IV do art. 34, toma a iniciativa e decreta a intervenção federal, mas deverá, em 24 (vinte e quatro) horas, submeter à apreciação do Congresso Nacional que, por seu turno, poderá revogá-la.

A intervenção, por outro lado, pode ocorrer também por ato do Presidente, mas após solicitação ou requisição de algum dos outros Poderes. Nestes casos, o Presidente não poderá, “sponte propria”, iniciar a intervenção, pois fica na dependência da solicitação ou da requisição, daí o nome de intervenção provocada.

A intervenção provocada poder ser: a) por solicitação, quando o Chefe do Executivo não se vincula ao pedido feito por outro

órgão legitimado pela Constituição (solicitação é um pedido); ou b) por requisição, quando o Chefe do Executivo se vincula ao pedido, não podendo negar

a intervenção, sob pena de crime de responsabilidade, nos termos do art. 85 (requisição é uma ordem). A provocação por requisição está prevista nos seguintes casos:

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b.1) art. 34, IV (“garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação“), quando então depende de requisição do Supremo Tribunal Federal, se for para garantir o livre exercício do Judiciário (no caso dos demais Poderes, será solicitação);

b.2) art. 34, VI (“prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial”), quando então dependerá de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral (art. 36, II). No caso, porém, de execução de lei federal, depende da procedência do pedido feito na “ação de executoriedade de lei federal”, a ser proposta pelo Procurador-Geral Federal;

b.3) art. 34, VII (“assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a - forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b - direitos da pessoa humana; c - autonomia municipal; d - prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e- aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde”), quando então dependerá de representação proposta pelo Procurador-Geral da República, julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal (art. 36, III). É o caso de “ação direta de inconstitucionalidade interventiva”.

A provocação por solicitação está prevista no art. 34, IV (“garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação”), mas apenas para o caso de proteger o livre exercício dos Poderes Legislativo e Executivo. Caso ocorra impedimento ao livre exercício do Poder Judiciário, como se viu, estaremos diante de requisição a ser feita pelo Supremo Tribunal Federal. Neste caso, se o Tribunal de Justiça de determinado Estado, por exemplo, for coagido pelo Poder Executivo, ficando impedido de livremente exercer suas funções, deverá solicitar ao STF que, analisando a situação, faça a requisição de intervenção federal ao Presidente da República. O Tribunal de Justiça do Estado, portanto, não pode provocar diretamente o Presidente da República.

E se o Judiciário de determinado Estado estiver coagindo outro Poder, impedindo seu livre exercício? O Poder coagido pode fazer solicitação ao Presidente da República, para intervenção federal no Estado e, consequentemente, substituição do Presidente do Tribunal de Justiça? Neste caso, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de julgar que é impossível a intervenção federal no Estado, quando o Judiciário local é supostamente o coator. Segundo o STF, como o Judiciário é nacional, não há como intervir em face de atos do Judiciário local, até porque isto pressupõe que todo o Judiciário brasileiro está coagindo um dos poderes daquele Estado. No caso, cabe o remédio adequado, que é o recurso ou ação judicial junto às instâncias judiciais superiores.

Ainda é preciso lembrar que a intervenção provocada por requisição poderá não redundar em efetivo afastamento total da autonomia do Estado. Claro que a requisição impõe ao Chefe do Executivo o decreto de intervenção, mas isto não significa que esta decretação signifique afastar todas as capacidades do ente federativo (capacidade de auto-organização, autogoverno, autolegislação e autoadministração). A Constituição, sabiamente, estabelece a possibilidade de uma prévia análise a ser analisada pelo Chefe do Executivo, antes da efetiva intervenção, para saber o que será necessário para debelar a situação anormal, daí porque diz, no final do §3º do art. 36, que “o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade”. Por isso, o Presidente poderá apenas decretar a intervenção, porém sem nomear interventor, por exemplo, porque a decretação poderá ser suficiente para afastar a ilegitimidade constitucional, o que será de todo melhor, pois se evitará a medida extrema. Imagine-se, por exemplo, que em determinado Estado da Federação, a Polícia Militar esteja, direta ou indiretamente, impedindo a entrada de negros, ou que em determinado presido estejam morrendo, com certa frequência, diversos presos. Em face situações como estas, o STF poderá julgar procedente o pedido constante da ação interventiva do Procurador-Geral da República, determinando ao Presidente que expeça o decreto interventivo. O Presidente está obrigado a baixar o decreto, mas poderá determinar que a entrada de negros no Estado se normalize, suspendendo todo e qualquer ato que impeça ou dificulte a entrada e, caso persista a situação, então venha a substituir o Governador pelo interventor para que se tomem todas as medidas necessárias contra o abuso aos direitos da pessoa humana (art. 34, VII, “d”).

Isto ocorre porque a Constituição se preocupa com a Federação, e quer sempre colocar uma alternativa à intervenção federal, que é grave e acaba causando desarmonia no equilíbrio

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federativo. O que não pode ocorrer, por violação da Federação e do espírito constitucional, é que o medo impeça medidas rigorosas contra atos graves contra os princípios sensíveis.

É preciso ficar claro que a intervenção provocada por solicitação dá maiores possibilidades de atuação ao Chefe do Executivo, porque deverá consultar os Conselhos da República e da Defesa Nacional, tentar negociar, inclusive para verificar com maior cautela se decreta ou não a intervenção. Diferente ocorre com a intervenção provocada por requisição, quando o Chefe do Executivo deverá decretar a intervenção, obrigatoriamente, havendo apenas um pequeno espaço para analisar se basta afastar o ato impugnado, ou se é o caso de intervir e afastar a própria autonomia do ente federativo.

Por fim, resta lembrar que a decisão a ser proferida na intervenção provocada por requisição, esta requisição, se for administrativa, deverá necessariamente ser precedida de algumas medidas a serem tomadas pelo Presidente do Tribunal. Assim, quando o STF, o STJ e TSE receberem pedido administrativo ou conhecer de ofício a desobediência de uma ordem ou decisão judicial, ou ainda quando o STF tomar conhecimento de ofício ou receber pedido administrativo para requisitar intervenção, no caso de coação exercida contra o livre exercício do Judiciário estadual, seus presidentes devem, antes, tomar “as providências que lhe parecerem adequadas para remover, administrativamente, a causa do pedido”, e, depois, deverá solicitar “informações à autoridade estadual”, além de ouvir o Procurador-Geral e distribuir o caso a um relator. Só depois destas medidas é que julgará o caso, para comunicar imediatamente a decisão aos órgãos do poder público interessados e requisitar a intervenção ao Chefe do Executivo (arts. 20, I, 21 e 22, da Lei 8.038/90).

g.4) Procedimento interventivo federal Costuma-se dividir o procedimento interventivo em quatro fases: 1) fase da iniciativa; 2) fase judicial; 3) fase do decreto interventivo; 4) fase do controle

político. 1) fase da iniciativa A fase da iniciativa se dá pelo destaque dos legitimados a iniciar o procedimento. A

Constituição autoriza tal iniciativa ao Presidente da República, nos casos previstos no art. 34, I, II, III, V; os Poderes locais (Assembléia Legislativa ou Câmara Legislativa, Governador do Estado ou do Distrito Federal, e o Tribunal de Justiça), no caso do art. 34, IV; o STF, o STJ ou o TSE (art. 34, VI, 2ª parte); e o Procurador-Geral da República (art. 34, VI, 1ª parte – ação de execução de lei federal – e art. 34, VII – ação direta de inconstitucionalidade interventiva, por ferimento aos princípios constitucionais sensíveis).

Veja que na fase da iniciativa, a Constituição não deu legitimidade para os TRF´s, o TST (e os TRT´s) e o STM (e os eventuais Tribunais de Justiça Militares). Interessante observar que o desrespeito à decisão ou ordem judicial das Varas Trabalhistas, Tribunais Regionais do Trabalho, Juízes Eleitorais e Tribunais Regionais Eleitorais enseja a iniciativa do Supremo Tribunal Federal. O TSE e o STJ, portanto, têm legitimidade para iniciar processo de intervenção federal junto ao Presidente da República (isto é, fazer o pedido diretamente ao Presidente, sem intermediações), somente quando o desrespeito for em relação às suas próprias decisões, e não às decisões dos Juízes Federais, Juízes Eleitorais ou Juízes Trabalhistas.

Assim, se uma decisão de algum Tribunal Regional Eleitoral for ilegitimamente desprovida, deverá solicitar ao STF, e não ao TSE, para que seja iniciado o processo interventivo, o mesmo ocorrendo em relação aos Tribunais Regionais Federais, que solicitarão ao STF, e não ao Superior Tribunal de Justiça.

E as decisões dos Juízes estaduais? A linha de raciocínio constitucional é a mesma: se a decisão ou ordem judicial for desrespeitada, cabe ao Juízo encaminhar o caso ao Presidente do Tribunal de Justiça local e este, analisando o caso, poderá encaminhar ao Supremo Tribunal Federal, e somente depois que este entender pelo pedido de intervenção, assim o fará ao Presidente da República. Logo se vê que o Juízo Estadual, e o Tribunal de Justiça local, não detém legitimidade para pedir intervenção federal diretamente ao Presidente da República. Caso uma das partes, em determinado processo judicial, entender que a decisão do juiz está sendo descumprida pelo Estado, deverá fazer pedido ao juiz

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para que, assim entendendo, encaminhe cópia dos autos ao Presidente do TJ, para análise da viabilidade de se encaminhar ao caso do STF para fins de pedido de intervenção federal no Estado descumpridor.

E se a decisão judicial do juiz estadual estiver sendo descumprida por determinado Município? Neste caso, não se resolve a questão por intervenção federal, porque a União não pode intervir nos Municípios. Geralmente, deve ser resolvido por perdas e danos, como é o caso de ordem judicial para o Município reciclar o lixo, deixar de cobrar taxas ou quejando, porque o descumprimento enseja o pagamento de multa diária (astreintes). Por outro lado, quando há ordem judicial contra o Município, que pode ser cumprida pela força policial, o descumprimento, nestes casos, será do Estado, já que a Polícia Militar é órgão do Estado, e não do Município. Neste caso, então, o juiz estadual deverá encaminhar o caso ao Presidente do Tribunal de Justiça que analisará o caso para decidir se encaminha ao STF. Esta Corte, então, decidirá se é o caso de requisição de decreto interventivo ao Presidente da República.

Observe bem que no caso de descumprimento de decisão ou ordem judicial por Município poderá ensejar a intervenção municipal, porém, somente quando houver uma representação de inconstitucionalidade interventiva pelo Ministério Público estadual junto ao Tribunal de Justiça Estadual, nos termos do art. 35, IV, da CF/88. Sem esta representação, não há como o Tribunal de Justiça determinar a intervenção do Estado no Município descumpridor da decisão judicial. Nos processos judiciais comuns, portanto, se o juiz entender que o Município está descumprindo a sua decisão ou ordem judicial, mesmo ainda não transitada em julgado, mas com força executória porque não foi suspensa, só pode haver intervenção do Estado no Município se o Ministério Público estadual, tomando conhecimento do caso, propor representação interventiva no TJ e este a julgar procedente, quando então haverá encaminhamento ao Governador para decretar a intervenção. Portanto, o Tribunal de Justiça local não pode, diante de um descumprimento de decisão ou ordem judicial por algum Município, determinar ao Governador que decrete a intervenção, porque está na dependência do Ministério Público ajuizar a representação interventiva e o Tribunal, geralmente por seu Plenário, der provimento.

Por isso, em caso de descumprimento às ordens judiciais dos juízes estaduais, é preciso analisar quem está descumprindo: se for Município quem descumpre, o juiz poderá encaminhar o caso ao Ministério Público, para analisar a viabilidade de propositura da representação interventiva no TJ; se for o Estado que estiver descumprindo, o juiz poderá encaminhar o caso ao Presidente do TJ, que analisará a viabilidade de encaminhar para o STF, que por sua vez analisará a possibilidade de pedir ao Presidente da República a decretação da intervenção federal no Estado (pedido com força vinculante, como se verá, daí porque não será propriamente um pedido: será uma requisição).

2) fase judicial A fase judicial existe porque a Constituição previu a análise do Judiciário nos casos de

recusa à execução de lei federal e também nos casos de desrespeito aos princípios constitucionais sensíveis (a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde). É o que diz o art. 36, III, ao prever que a intervenção federal dependerá “de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal”. Nestes casos, houve, sem dúvida, uma transferência de responsabilidade política ao STF, que analisará casos que têm uma vagueza semântica, verdadeiros conceitos jurídicos indeterminados, porque não se sabe ao certo até onde vai a autonomia municipal, os direitos da pessoa humana, o regime democrático e o sistema representativo, até porque, na prática, são muitas as possibilidades de se configurar estes requisitos constitucionais, por mais que se teorize sobre eles.

De todo modo, esta fase judicial também sofre interferência do sistema de freios e contrapesos, na medida em que ela está condicionada pela atuação do Ministério Público. Se o “Parquet” entender pela não proposição da “Ação de Executoriedade de Lei Federal”, ou “Ação de Inconstitucionalidade Interventiva”, o Supremo Tribunal Federal nada pode fazer, mesmo entendendo

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que, em algum caso concreto analisado há, por exemplo, nítida violação dos direitos da pessoa humana por algum Estado da Federação. Neste caso, deverá encaminhar o caso para a Procuradoria-Geral da República, que analisará se é o caso de propor ou não a ação.

O art. 34, VI, diz que poderá haver intervenção federal da União em Estados e no DF para “prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial”. Neste caso, a análise desta possibilidade não será uma análise na “fase judicial”, porque a análise será feita na via administrativa: não será proposta uma ação judicial, mas apenas encaminhamento administrativo. Daí porque, caso um Estado esteja descumprindo uma ordem judicial, o STF não fica vinculado à propositura da ação judicial pelo Ministério Público Federal. Basta que o Tribunal de Justiça, os TRF´s, o STM, os TRE´s e os TRT´s encaminhem administrativamente a questão, e a decisão cabe ao Presidente do Tribunal, e não ao seu Plenário, salvo se os regimentos internos dos tribunais dispuserem em contrário, o que é até melhor em face da importância da decisão. Por isso é que, quando o Presidente de um Tribunal de Justiça, ou de um Tribunal Federal (ou o Plenário), entende que a decisão do seu tribunal não está sendo desrespeitada, e não encaminha o caso para o STF, não cabe recurso extraordinário desta sua decisão, justamente porque se trata de questão administrativa, e nem mesmo o Supremo Tribunal Federal poderá conhecer da questão de ofício, estando impedido de invocá-la (STF, Reclamação 464, DJ 24.02.1995; RE 149.986, DJ 07.05.1993). Afinal, como o próprio STF enfatizou, se a parte interessada, no caso, pedir ao Presidente do Tribunal, que tome as providências de encaminhamento ao STF, para fins de intervenção, haverá exercício do direito de petição (CF, art. 5º, XXXIV), e não exercício do direito de ação, não havendo causa judicial e nem exercício da jurisdição (STF, Pet 1256/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ de 04.05.2001, p. 06). Nem precisa dizer que a decisão administrativa deve ser motivada, até porque se o STF se deparar com um pedido administrativo de algum Tribunal, sem fundamentação, para que seja requisitada intervenção ao Presidente da República, nem sequer conhecerá do pedido.

Diferentemente ocorre quando se tratar de descumprimento de decisão ou ordem judicial, para fins de intervenção estadual nos Municípios. Neste caso, haverá uma fase judicial, porque a intervenção necessariamente dependerá de proposição, pelo Ministério Público do Estado, de representação interventiva, porque o art. 35, IV, diz que poderá haver intervenção do Estado nos Municípios quando “o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial”.

Assim, conclui-se que, no caso de desrespeito às decisões e ordens judiciais, haverá intervenção federal da União nos Estados ou DF, depois de um processo administrativo junto ao STF, ao STJ ou ao TSE; entretanto, no caso de desrespeito às decisões e ordens judiciais, só haverá intervenção estadual de um dos Estados em seus Municípios, depois de um processo judicial, iniciado pelo Ministério Público estadual (ação direta de inconstitucionalidade interventiva, ou ação de executoriedade de lei).

Em relação ao desrespeito às decisões da Justiça estadual, é preciso fazer um alerta: o STF entende que, se o conteúdo da decisão for de índole constitucional, será do STF a competência para apreciar o pedido administrativo de intervenção federal feito pelo TJ, mas se a fundamentação for encima de normas infraconstitucionais, a competência será do Superior Tribunal de Justiça (IF-QO 107, DJ 04.09.1992). Entretanto, se o desrespeito for em face de decisões ou ordens judiciais da Justiça do Trabalho ou da Justiça Militar, a competência para conhecer e apreciar o pedido do TRT, do TST, ou do Tribunal de Justiça Militar nos Estados, conforme o caso, será sempre do STF, independentemente da fundamentação ser constitucional ou infraconstitucional (IF234-6/SP, DJ 01.07.1996, p. 23.860, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

Isto é assim porque a Constituição previu apenas a legitimidade de iniciativa administrativa, para fins de intervenção federal, do STF, do STJ e do TSE, de modo que a análise de desrespeito à decisão do TST, por exemplo, não pode ficar à mercê de outro Tribunal Superior de mesma hierarquia, devendo, então, ser encaminhada ao órgão de cúpula do Judiciário nacional, que é o STF, independentemente do conteúdo da decisão. Na Constituição de 1967 (art. 11, §1º, “b”), a cisão de competência se dava entre o STF e o TSE, de modo que toda decisão, independentemente do seu conteúdo, que não fosse cumprida, cabia a análise ao STF, salvo as decisões eleitorais. Na Constituição de 1988, como se vê, há cisão tripartite, porque o legislador constituinte elegeu também o STJ, e a única

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solução para que se adéque a competência tripartite é deixar a competência para o STF em todos os casos de desrespeito às decisões e ordens judiciais da Justiça do Trabalho e da Justiça Militar, além das decisões da Justiça Estadual que contêm conteúdo constitucional; para o STJ, no caso de desrespeito às decisões e ordens da Justiça Estadual e Federal que contenham conteúdo infraconstitucional; para o TSE, no caso de desrespeito às decisões e ordens de todos os órgãos da Justiça Eleitoral.

Este entendimento, sufragado pelo STF, também norteou o legislador infraconstitucional, uma vez que o art. 19, I, da Lei 8.038/90, diz que a requisição de intervenção federal, no caso dedesobediência a ordem ou decisão judiciária, será promovida de ofício, ou mediante pedido de Presidente de Tribunal de Justiça do Estado, ou de Presidente de Tribunal Federal, quando se tratar de prover a execução ou de ordem ou decisão judicial, mas ressalvou as competências conforme a matéria discutida.

3) fase do decreto interventivo O decreto do Chefe do Executivo é o ato político que, depois de publicado, torna eficaz a

intervenção. No caso do Presidente da República, está previsto no art. 84, X. É ato vinculado, quando se tratar de requisição do Poder Judiciário; é discricionário, quando se tratar de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coagido ou impedido. No entanto, tem seus contornos definidos pela Constituição, uma vez que esta impõe que o decreto, além de ter que especificar a amplitude, o prazo e as condições de execução, deverá ser submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembléia Legislativa do Estado no prazo de 24 horas e, mais, nomeará interventor se for o caso, isto é, se esta providência for cabível para o caso concreto (§1º do art. 36). Além do mais, o decreto será sempre temporário, uma vez que, “cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal” (§4º do art. 36). Daíporque acertado afirmar que o decreto interventivo é ato discricionário ou vinculado, mas seus contornos são sempre vinculados aos requisitos constitucionais.

O decreto interventivo pode ou não ser precedido de consulta aos Conselhos da República (art. 90, I, 1ª parte; Lei 8.041/90, art. 2º, I, 1ª parte) e da Defesa Nacional (art. 91, §1º, II; Lei 8.183/91, art.1º, parágrafo único, “b”, parte final), e à apreciação do Poder Legislativo. Haverá sempre consulta aos Conselhos, para que eles emitam opinião, e submissão ao controle político do Legislativo, quando se tratar de intervenção espontânea, em que o Chefe do Executivo, de ofício, inicia o procedimento interventivo, nas hipóteses do art. 34, I a IV, e também quando se tratar de intervenção provocada por solicitação, na hipótese do art. 34, IV (solicitação do Poder coagido).O Presidente da República, porém, não se vincula à opinião dos Conselhos, até porque é seu Presidente (art. 84, XVIII), estando livre para apreciar a questão.

Quando se tratar de intervenção provocada por requisição, hipótese em que o Judiciário faz a requisição ao Chefe do Executivo, após provimento do pedido feito pelo Ministério Público na ação direta de inconstitucionalidade interventiva ou na ação de executoriedade de lei federal, ou após a decisão administrativa do STF, STJ ou do TSE, a Constituição dispensa o controle político do Legislativo (art. 36, §3º). Aliás, se a Constituição permitisse o controle político, neste caso, estaria abrindo uma perigosa exceção à independência dos poderes, na medida em que permitiria ao Legislativo afastar uma decisão judicial proferida no bojo de um processo judicial. Veja que a Constituição foi além, no quesito independência dos poderes, porque também proibiu o controle político do Legislativo a respeito da decisão administrativa do Judiciário de requisitar a intervenção.

A Constituição não regulamentou e nem indicou qualquer procedimento a ser tomado pelo Chefe do Executivo, para fins de decretação da intervenção federal. Quando se tratar de intervenção provocada por requisição, a decretação deve ser imediata, sem maiores delongas, sob pena de crime de responsabilidade, até porque a Lei 8.038/90 já prevê uma série de medidas que o Presidente do Tribunal Judiciário deverá tomar, antes de fazer a requisição e, em se tratando de ação interventiva ou ação de executoriedade de lei, deve ser considerado que um longo processo judicial já se esgotou. Quando se tratar de intervenção espontânea, ou provocada por solicitação, há uma maior leque de possibilidades ao Chefe do Executivo, até porque deve ouvir previamente os Conselhos da República e da Defesa Nacional e, ademais, não está obrigado a decidir a questão, não havendo

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qualquer hipótese de aprovação da intervenção por decurso de prazo, vez que só existirá a intervenção depois do decreto devidamente publicado.

Merece friso a posição do hoje Ministro Ricardo Enrique Lewandowski (Pressupostos materiais e formais da intervenção federal no Brasil, São Paulo, RT, 1994, p. 122), que defendeu doutrinariamente a possibilidade do Legislativo suspender a intervenção, mesmo sendo ela determinada por requisição judicial, se houver “qualquer vício de forma ou eventual desvio de finalidade na decretação da intervenção”, com fundamento no art. 49, VI, da Constituição de 1988. É preciso entender, entretanto, que o Legislativo está autorizado a afastar o decreto se ele acabou se afastando da requisição judicial, isto é, se, a pretexto de cumprir a requisição judicial, o decreto acaba mudando seu espírito e criando situações que alteram significativamente a intenção do Judiciário, ao fazer a requisição. Há, neste caso, um desvio de finalidade que, além de tangenciar o crime de responsabilidade, conforme o caso, permite a atuação do Legislativo. A questão do “vício de forma” é de difícil verificação, porque a intervenção provocada por requisição não se submete a nenhum procedimento posterior, diferentemente da intervenção provocada por solicitação, ou até a espontânea, que necessariamente pressupõe a prévia ouvida dos Conselhos da República e da Defesa Nacional, além de ter que se submeter, em 24 horas, ao controle político do Legislativo.

Quais os efeitos do decreto interventivo? É preciso distinguir: quando se tratar de intervenção provocada por requisição judicial, é porque ela se baseou ou no descumprimento da lei, ordem ou decisão judicial, ou no desrespeito aos princípios constitucionais sensíveis. Neste caso, a regra é que o descumprimento é causado por um ato, ou uma omissão, e o efeito da intervenção será apenas de afastar o ato ou a omissão, sem necessidade de afastar a total autonomia do ente e ainda sem necessidade de afastar o Governador ou os parlamentares estaduais para nomear interventor. De todo modo, caso seja necessário, a intervenção provocará maior diminuição da autonomia do ente, ou total perda da autonomia, conforme o caso, e aí será o caso de nomear interventor para substituir o Governador, se o decreto dirigir-se contra o Executivo estadual, e poderá ser, inclusive, para substituir os deputados estaduais, se o decreto dirigir-se contra a Assembléia Legislativa estadual. Para este último caso, basta imaginar a situação criada em determinado estado, onde os deputados, de forma ilegítima, inconstitucional e muitas corrupta, se mancomunam para impedir o desempenho das funções do Executivo. É possível, então, que o decreto repasse as funções parlamentares para o Governador. Esta a razão da Constituição Federal ter enfatizado a necessidade de conter no decreto a sua amplitude e as suas condições.

Dois outros efeitos são: tornar o interventor um servidor público federal, e afastar as autoridades locais de seus cargos, até que sejam cessados os motivos da intervenção, quando então elas voltarão para seus cargos, salvo impedimento legal.

A figura do interventor ocorre quando a intervenção atinge o Executivo estadual, para substituir o Governador e exercer suas funções.

4) fase do controle político A Constituição determina que o Legislativo controle politicamente o decreto

interventivo, no caso de intervenção espontânea e de intervenção provocada por solicitação, uma vez que o art. 36, §3º, só dispensa a apreciação no caso dos arts. 34, VI e VII (“prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial” e assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis).

A dúvida que surge é se haverá controle político do Congresso Nacional sobre o decreto interventivo do Presidente da República, quando advém de requisição apresentada pelo Supremo Tribunal Federal para garantir o livre exercício do Judiciário local. Neste caso, a Constituição parece determinar o controle político, na medida em que, no parágrafo 1º do art. 36, estabelece a regra do controle político sobre os decretos de intervenção, no prazo de 24 horas, e no parágrafo 3º do mesmo artigo, excepciona a regra, estabelecendo que fica dispensada a apreciação do Congresso Nacional ou da Assembleia Legislativa apenas nos casos do art. 34, VI e VII e do art. 35, IV. Portanto, mesmo no caso de intervenção provocada por requisição, haverá controle político, e o decreto interventivo poderá ser afastado por decisão do Congresso Nacional, até porque não faz sentido a Constituição ter oferecido tratamento privilegiado ao Judiciário, negando a possibilidade de controle político no caso de coação ao

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seu livre exercício, e possibilitando controle político apenas no caso de coação ao livre exercício do Legislativo ou do Executivo estaduais.

Assim, há que se diferenciar: se houver coação a algum Judiciário local, o STF faz requisição, obrigando o Presidente a decretar a intervenção, mas isto não significa que esta intervenção não poderá ser suspensa por ato político do Congresso Nacional; se houver coação a algum Legislativo ou Executivo local, haverá solicitação ao Presidente para decretar ou não a intervenção, a depender do seu juízo, mas que de todo modo fica submetido ao controle do Congresso Nacional, caso entenda pela decretação.

A análise do Congresso Nacional pode ser política, se e quando recair no mérito da medida. Neste caso, como o voto dos parlamentares é soberano, não há controle senão o político. Por outro lado, o Congresso Nacional poderá fazer uma análise técnica, sob a alegação de que não houve respeito aos requisitos constitucionais dos parágrafos do art. 36. Muitas vezes a justificação técnica, porém, tem um nítido componente político: para não dizer que houve, de fato, ferimento aos valores constitucionais dos arts. 34 e 35, o Congresso diz que a intervenção deve ser suspensa por falta de requisitos técnicos, o que não deixa de ser um comportamento legítimo, uma vez que o Congresso pode exercer um controle político, e muitas vezes a política impõe a utilização de fundamentações que, conforme o caso, seja a mais adequada para normalizar situações conflitantes.

De todo modo, quando o Congresso Nacional suspende o decreto de intervenção, ele está acabando por atestar a inconstitucionalidade do decreto (controle político de constitucionalidade de um decreto presidencial). O art. 49, IV, diz que o Congresso deverá aprovar a intervenção federal, de modo que, se não a aprovar, está, automaticamente, a recusando, o que equivale à suspensão da medida. A suspensão tem efeitos “extunc”, porque tornam ilegais todos os atos praticados desde a expedição do decreto interventivo.