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AULAS 13 E 14 DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA XI. DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA a) A importância de órgãos autônomos ao lado do Judiciário b) Do Ministério Público c) Da Advocacia Pública c.1) Advocacia-Geral da União c.2) Procuradorias dos Estados; c.3) Advocacia Particular; c.4) Defensoria Pública

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AULAS 13 E 14 – DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA

XI. DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA a) A importância de órgãos autônomos ao lado do Judiciário b) Do Ministério Público c) Da Advocacia Pública c.1) Advocacia-Geral da União c.2) Procuradorias dos Estados; c.3) Advocacia Particular; c.4) Defensoria Pública

Capítulo

DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA

a) A importância de órgãos autônomos ao lado do Judiciário

A tradição brasileira é romanística (“Civil Law”), onde há o primado do processo

legislativo, da lei, com valor secundário às demais fontes do direito. O contraponto é a tradição anglo-

americana (“Common Law”), onde o direito se revela acentuadamente pela utilização dos usos e

costumes jurídicos e pelo exercício do poder jurisdicional, daí a importância dos precedentes judiciais

(“cases”). Isto quer dizer que, no Brasil, o Poder Judiciário adquire importância fundamental para o

funcionamento de toda a estrutura democrática, desde a garantia dos direitos, até o

contrabalanceamento dos Poderes, porque o sistema romanístico tem a característica de valorização do

direito, da lei, para resolver os conflitos, que só podem ser levados a cabo junto ao Judiciário. É claro

que no sistema do “Common Law” o Judiciário também assume o papel de resolver os conflitos, porém

ele não adquire tamanha importância como no “Civil Law”.

Diante desta situação, a Constituição de 1988 percebeu que, ao lado do Judiciário, deveriam existir algumas funções essenciais para o seu bom funcionamento. Caso o Judiciário não fosse tão fundamental para a democracia e para o bom funcionamento do Estado, por certo que não haveria necessidade de criar funções próprias para fazer valer a imparcialidade do Judiciário e, também, para equilibrar seu poder, visto que lhe é inerente o princípio da inércia (não pode o Judiciário se auto provocar e iniciar os procedimentos) para preservar sua imparcialidade.

Da mesma forma, imprescindível que o acesso ao Judiciário seja o mais amplo possível, em face do princípio da inafastabilidade jurisdicional (art. 5º, XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”) e do devido processo legal (art. 5º, LIV – “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”). Por tudo isso, o legislador constituinte originário criou as “funções essenciais à Justiça”

(Ministério Público, Advocacia Pública, Advocacia e Defensoria Pública), em capítulos próprios, com uma

margem segura de autonomia, portanto fora dos capítulos destinados aos Poderes Executivo, Judiciário

e Legislativo, porque percebeu que sem assegurar independência para tais órgãos, poderia-se correr o

risco de controle repressivo hierárquico. Assim, quando maior fosse a ausência de liberdade e

independência das funções essenciais, menor seria a efetivação dos princípios da inafastabilidade

jurisdicional, da ampla defesa e do contraditório, da imparcialidade jurisdicional e, também, tanto

menor seria o contrabalanceamento dos poderes.

b) Do Ministério Público

O Ministério Público, nos termos constitucionais originários, é instituição permanente,

essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127).

b.1) Funções

Suas funções institucionais, também de índole constitucional, são (art. 129):

a) promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

b) zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública

aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

c) promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio

público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

d) promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção

da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

e) defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

f) expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,

requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

g) exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar

mencionada no artigo anterior;

e) requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os

fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

f) exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua

finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Com se vê da alínea “f”, não se trata de funções taxativamente arroladas, podendo o

legislador infraconstitucional prever outras, como se fato ocorre, quando prevê a função de defesa dos

direitos e interesses individuais homogêneos, que não consta no art. 129 da CF/88, mas consta no art.

81, p. único, III c/c art. 82, I, do CDC. Da mesma forma ocorre com a previsão do “Parquet” propor a

ação civil “ex delicto” (art. 68 do CPP - norma ainda constitucional, enquanto não dispõe a Defensoria

Pública de estrutura adequada como dispõe o Ministério Público – STF, AI 482.332/SP), e o art. 66,

“caput” e seu §1º, do Código Civil, que deu ao Ministério Público do Estado a função de velar pelas

fundações, e ao Ministério Público Federal, se as fundações estiverem no DF ou em Território (vide STF,

ADI 2794/DF – inconstitucionalidade apenas do §1º, porque cabe ao Ministério Público do DF, e não o

MPF, velar pelas fundações do DF).

Importante lembrar que a própria Constituição diz que “As funções do Ministério Público

só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva

lotação, salvo autorização do chefe da instituição” (art. 129, §2º). Não há a possibilidade, então, de

nomeação de “promotor ad hoc”, isto é, nomeação de pessoa estranha aos quadros do Ministério

Público, para praticar atos próprios de promotores. Nem mesmo em casos urgentes, e ainda mesmo se

não haver promotor para atuar, pode haver tal nomeação. O STF, por diversas vezes, já julgou

inconstitucional atos das Corregedorias de Justiça dos Esados, que criaram a figura do promotor “ad

hoc” para casos urgentes ADI-MC 2958 / SC ADI-MC 1791 / PE ADI-MC 1748 / RJ). Deste modo, se o

promotor se negar a participar de uma audiência, ou sair abruptamente de um Júri, por exemplo, não há

alternativa para o magistrado que conduzir o processo que suspender ou cancelar o ato, e, se for o caso,

encaminhar o caso para a Corregedoria do Ministério Público.

No §3º do art. 128, com redação dada pela EC 45/04, passou-se a exigir, para o ingresso

na carreira do MP, além do concurso público de provas e títulos, com participação da OAB, o

bacharelado em Direito e a experiência de no mínimo três anos de atividade jurídica. “Atividade

jurídica”, para o Conselho Nacional do Ministério Público (Resolução 4/06), é aquela desempenhada

exclusivamente após a obtenção do grau de bacharel em direito, e exercida por ocupante de cargo,

emprego ou função, inclusive de magistério superior, nos quais prepondere a interpretação e aplicação

de normas jurídicas, valendo também como atividade jurídica os cursos de pós-graduação na área

jurídica realizados pelas escolas do Ministério Público, da Magistratura e da OAB, reconhecidos pelas

respectivas instituições, além dos cursos de pós-graduação reconhecidos pelo Ministério da Educação. A

comprovação dos três anos de atividade jurídica deve ser feita no ato da inscrição definitiva do

concurso, e passa a contar desde a conclusão do curso de Direito, e não da colação de grau (STF, MS

26.682/DF, Rel. Min. Cezar Peluso). No MS 27606/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, o STF reputou ser

impossível considerar o tempo de exercício no cargo de Analista Tributário da Receita Federal, para fins

de comprovação de atividade jurídica, mesmo depois de formado em Direito e com atividades

preponderantes de interpretação e aplicação de normas jurídicas, já que não se tratava de cargo

privativo de bacharel em Direito. Isto ocorreu porque o STF, na ADIN 3460/DF (DJU de 15.06.2007),

entendeu que a expressão “atividade jurídica” do art. 129, §3º, da CF/88, corresponde a atividade que

pressupõe a conclusão do bacharelado em Direito.

O §5º do art. 128 exigiu, na mesma linha dos juízes (art. 93, XV), a distribuição imediata

de processos ao membro do Ministério Público. Isto tenta dar mais celeridade aos processos e

procedimentos, porque afasta a alegação de que o membro do MP não descumpriu prazo algum porque

o processo não foi a ele distribuído (evita que o funcionário do protocolo seja constrangido a não passar

o processo ao promotor que está com alta carga de trabalho).

A questão da possibilidade ou não do Ministério Público proceder diretamente às

investigações criminais está praticamente resolvida no âmbito do STF, em face de vários

posicionamentos favoráveis (HC´s 85.419-MC/RJ, 89.837-MC/DF e 94.173-MC/BA, e RHC 66.176/SC).

Basicamente, os motivos que levaram o STF a entender que o “Parquet” pode proceder diretamente

às investigações criminais são estes: a) o inquérito policial é que é de exclusividade da Polícia Judiciária;

não as investigações criminais, tanto é verdade que o Ministério Público é o “dominio litis”, pode

requisitar diligências investigatórias e o próprio Código de Processo Penal permite a propositura de ação

penal independentemente da existência de inquérito; b) o MP, fundamentando suas manifestações (art.

129, VIII), e respeitando os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa

sob investigação, assim como as prerrogativas profissionais dos advogados, podem proceder às

investigações, até porque elas se submetem ao controle jurisdicional; c) a eventual intervenção do MP

nos inquéritos policiais, presididos por autoridades policiais, é legítima, porque deve ser feita para

complementar e colaborar com a Polícia Judiciária, além de exaltar sua competência constitucional de

controlar externamente a própria Polícia; d) as investigações criminais do MP não transfere e nem afeta

a condução do inquérito por autoridade policial; e) a investigação pelo “Parquet” não ofende o

contraditório e a ampla defesa do investigado, não só por ser fase preparatória, mas também porque a

denúncia deve ser analisada por autoridade judicial e ser capitaneada com dados probatórios suficientes

e colhidos licitamente; f) deve-se adotar a teoria dos poderes implícitos, na medida em que, se a

Constituição outorgou poderes explícitos ao MP (CF, art. 129, I, VI, VII, VIII e IX), é de se supor que,

implicitamente, também outorgou os meios e as condições para conseguir efetivar suas atribuições.

Talvez sirva como contrabalanço, o entendimento do STF pela não legitimidade exclusiva

do MP a ação penal por crime contra a honra do servidor público em razão do exercício das suas

funções, nos termos da Súmula 714: “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do

Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a

honra de servidor público em razão do exercício de suas funções”.

b.2) Princípios

Os princípios institucionais do MP são: a) unidade; b) indivisibilidade; c) autonomia

administrativa e financeira (art. 127, §§1º e2º).

O princípio da unidade significa que os promotores integram um só órgão, que tem uma

única direção. Isto não significa, evidentemente, que não existe um único Ministério Público no país,

porque se preserva a unidade em cada Ministério Público de cada Estado, assim como o Ministério

Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do

Distrito Federal e Territórios.

Interessante notar que, apesar do Ministério Público abranger, basicamente, o

Ministério Público da União e o Ministério Público dos Estados (art. 128), sendo o Ministério Público

Federal, do Trabalho, Militar e do DF compreendidos pelo Ministério Público da União, cada um deles

mantém sua unidade, muito embora todos estejam submetidos à uma única Chefia, que é o Procurador-

Geral da República. Isto ocorre porque cada Ministério Público tem um âmbito de atuação, e cada

membro atua neste âmbito, não podendo fazer as vezes de outro membro de outro Ministério Público,

mesmo que todos sejam compreendidos pelo Ministério Público da União. Assim, um Procurador do

Trabalho do Ministério Público do Trabalho não pode atuar como Procurador da República do Ministério

Público Federal, e nem um Procurador do Ministério Público Militar atuar no âmbito do Ministério

Público do DF, isto porque cada um tem sua unidade.

O princípio da indivisibilidade enfoca que o Ministério Público não pode ser cindido, e

qualquer membro pode falar em nome da Instituição, daí porque não há inconstitucionalidade na

substituição de um membro pelo outro. A atuação do membro do “Parquet” se faz pela presentação, e

não pela representação, porque o promotor não representa o órgão; ele é o órgão. A manifestação do

promotor é, portanto, a manifestação do órgão ministerial. Não por outro motivo que o STF considerou

plenamente possível a lei prever delegação do Procurador-Geral da República para o Subprocurador-

Geral (LC 75/93, art. 48, II, p. Único), para subscrever a denúncia contra autoridades com prerrogativa

de foro junto ao STJ, até porque é natural que dentro do MP haja pluralidade de órgãos (HC 84630/RJ,

1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 25.08.2006, p. 53).

A independência funcional é uma ideia norteadora de todo o sistema, que impõe o total

respeito à liberdade funcional do membro do Ministério Público, que só deve respeito às leis e à

Constituição, não podendo ser reprimido ou recriminado por superior hierárquico em face das decisões

fundamentadas que tomar, no cumprimento de suas funções. A hierarquia no Ministério Público,

portanto, é meramente administrativa; nunca funcional.

A respeito da independência funcional do Ministério Público, o Supremo Tribunal

Federal definiu alguns temas importantes:

a) a prerrogativa de foro dos membros do MP visa resguardar a independência funcional

daqueles que estão na ativa. Não se estendem quem exercer o cargo ou deixou de ocupá-lo, sendo

inaplicável aos aposentados (ADI-MC 2534/MG, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 13.06.2003, p. 08);

b) a filiação político-partidária, a disputa e o exercício de cargo eletivo pelo promotor só

pode ocorrer acaso precedida de afastamento de suas funções institucionais, mediante licença. Por

outro lado, impossível impor restrições à concessão do afastamento do promotor para atividade

política, como não estar respondendo a processo disciplinar, não cumprimento do estágio probatório ou

ainda não reunir as condições necessárias à aposentadoria (ADI-MC 2534/MG, Rel. Min. Maurício

Corrêa, DJ 13.06.2003, p. 08);

c) o membro do MP só pode afastar das suas funções para exercer outro cargo, se for

para exercer este cargo junto à administração superior do próprio Ministério Público, sendo vedada a

licença para exercer cargos de Ministro, Secretário de Estado ou seu substituto imediato, junto ao

Executivo. É vedada a licença para assumir cargo de confiança fora do Ministério Público (ADI-

MC 2534/MG, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 13.06.2003, p. 08; também ADI´s 2.084 e 3.298);

d) a não-interposição de apelação pelo promotor não vincula os órgãos do MP que

oficiam junto ao Tribunal, podendo estes livremente agir para interpor recurso especial ou

extraordinário (HC 80315/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 13.10.2000, p. 11);

e) se um membro do Ministério Público não recorrer, outro membro poderá, no mesmo

prazo, apresentar o recurso, se ainda estiver no prazo recursal, já que pode haver discordância funcional

entre seus membros (HC 77041/MG, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª Turma, DJ 07.08.1998, p. 22);

f) no caso de suspensão condicional do processo, que exige transação de ambas as

partes no Juizado Especial Criminal, se o promotor se recusar a fazer o acordo, e o magistrado entender

que estão presentes os requisitos, este magistrado não poderá celebrar o acordo e efetivar a garantia

para o acusado. A única opção, que respeitará a independência funcional do “Parquet”, será encaminhar

os autos para a Procuradoria-Geral de Justiça, com as razões do seu convencimento de que o acordo

deveria ter sido firmado pelo promotor (HC 75.343/MG, Rel. Min. Octávio Gallotti, Pleno, DJ 18.06.2001,

p. 03).

A autonomia administrativa e financeira visa dar mais garantias práticas de

independência do Ministério Público, e sua desvinculação hierárquica a qualquer dos Poderes.

De acordo o princípio da autonomia administrativa, o MP pode propor ao Legislativo a

criação e a extinção de seus cargos e serviços auxiliares, mediante concurso público de provas ou de

provas e títulos, além de poder propor a política remuneratória e os planos de carreira respectivos.

Consequência lógica é que pode elaborar suas folhas de pagamento, adquirir bens e contratar serviços,

conceder aposentadorias e exonerar seus servidores sem consultar outro Poder.

O princípio da autonomia financeira enfoca a possibilidade do MP elaborar sua proposta

orçamentária. Porém, esta proposta deve obedecer os limites estabelecidos na lei de diretrizes

orçamentárias, como prevê expressamente o art. 127, §3º, da CF. Assim, ele apresenta a sua proposta

orçamentária, e do que for aprovado, administra como melhor lhe aprouver, com autonomia.

O MP pode apresentar sua lei orçamentária diretamente ao Poder Legislativo? Não,

porque está obrigado a integrar sua proposta com o orçamento geral, visando consolidar a proposta

orçamentária anual, que então será submetida ao Congresso Nacional pelo Presidente da República (art.

165 e ss.). Por isso, o MP não dispõe de recursos orçamentários próprios, destinados a ele com

exclusividade, mas pode elaborar a sua proposta orçamentária e indicar os recursos que entender

necessários para atender às suas despesas – quem faz a análise das suas despesas, e das necessidades

que tem neste campo, é o próprio “Parquet”.

Mas e se o MP não encaminhar a sua proposta, no prazo estabelecido na lei de diretrizes

orçamentárias? Serão considerados os valores aprovados na lei orçamentária vigente, com eventuais

ajustes impostos pelos limites da lei de diretrizes orçamentárias. Isso é certo, tanto é verdade que se o

Ministério Público encaminhar sua proposta orçamentária com valores em desacordo com os limites

fixados na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo pode ajustar o que se fizer necessário para

conseguir consolidar o orçamento anual.

O MP poderá, durante a execução do orçamento, ultrapassar os limites estabelecidos na

lei de diretrizes orçamentárias, em face do seu princípio da autonomia financeira? Não, não pode,

porque qualquer despesa deve estar prevista no orçamento aprovado, e qualquer crédito adicional,

suplementar, especial ou extraordinário, só pode ser aberto por lei ou Medida Provisória (art. 167, V).

A iniciativa do MP para a lei que trata da sua organização é de sua exclusividade? Não.

Trata-se de iniciativa concorrente dos Chefe dos MP´s (Procurador-Geral da República e Procuradores-

Gerais de Justiça) e do Presidente da República (art. 128, §5º c/c art. 61, §1º, II, “d”).

b.3) Composição

A CF/88, no art. 128, diz que o Ministério Público abrange o Ministério Público da União

e os Ministérios Públicos dos Estados, sendo que aquele compreende os demais existentes no seu

âmbito. Assim, temos:

Ministério Público abrange:

a) Ministério Público da União, que compreende:

a.1) Ministério Público Federal;

a.2) Ministério Público do Trabalho;

a.3) Ministério Público Militar;

a.4) Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;

b) Ministérios Públicos dos Estados.

O Procurador-Geral da República é Chefe do Ministério Público da União, mas cada

Ministério Público tem seu próprio Chefe, com exceção do Ministério Público Federal, cujo Chefe

imediato é o PGR (o MPT, o MPM e o MPDFT tem seus próprios Chefes).

Os Ministérios Públicos junto aos Tribunais de Contas são autônomos, não compondo

nem o Ministério Púbico da União e nem os Ministérios Púbicos dos Estados. São vinculados aos

Tribunais de Contas, mas não há hierarquia entre este Tribunal e o “Parquet” que geralmente funciona

em suas dependências.

b.4) Vinculação administrativa e posição constitucional

A posição mais adotada na doutrina é aquela que enfatiza que o Ministério Público tem

apenas vinculação administrativa com o Poder Executivo. Afinal, todo e qualquer órgão, no Brasil, deve

estar vinculado a algum dos três Poderes oficialmente declarados pelo texto constitucional (art. 2º). Não

cabe, aqui, divagações sobre a existência de mais de três Poderes, por mais interessante que seja a

discussão.

O importante, então, é saber que há, apenas, uma vinculação ao Poder Executivo, sem

que isto signifique que o Ministério Público esteja constitucionalmente posicionado em algum Poder. É

claro que a posição constitucional do MP é fora de todos os Poderes, como um órgão independente, não

subordinado a qualquer Poder, já que a única sujeição é às leis e à Constituição, em especial porque a

própria Lei Maior estabeleceu sua autonomia, sua independência, e suas magnas funções.

É exatamente por terem funções especificamente tratadas no texto constitucional,

assim como prerrogativas e vedações, que os membros do MP são considerados como agentes políticos,

ao lado dos juízes, parlamentares, Chefes do Executivo e Ministros de Estado.

b.5) Princípio do Promotor Natural

O princípio do Promotor Natural seria aquele que imporia a vinculação prévia de um

promotor devidamente independente e com prerrogativas de atuação, para o processamento e o

acompanhamento de uma causa, não podendo ser substituído por outro, salvo os casos expressos em

lei.

Na verdade, o princípio do Promotor Natural foi inspirado no princípio do Juiz Natural, este sim de induvidosa presença constitucional, à vista do que dispõe o art. 5º, LIII (“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”) e XXXVII (“não haverá juízo ou tribunal de exceção”). O princípio do Juiz Natural é uma garantia para a sociedade, porque ninguém pode escolher seu julgador, que deverá estar estabelecido previamente à ocorrência da lide. De fato, se um juiz pudesse ser nomeado para julgar determinado caso, haveria muita insegurança e até injustiça. Imagine-se um juiz, reconhecidamente “carrasco” na dosagem da pena, ser nomeado para julgar determinado réu, que cometeu um crime contra o filho do Presidente do Tribunal de Justiça respectivo...

A ideia dos defensores do princípio do Promotor Natural era a de que o dispositivo constitucional não fala somente em “sentenciado”, mas também em “processado”, o que levaria tal hipótese de autoridade naturalmente competente, também para o Ministério Público, além do fato de que seria, da mesma forma, uma garantia para os processados. Com a devida vênia, tratava-se de um exagero, porque estenderia o princípio do Juiz Natural para todo e qualquer órgão ou pessoa que tivesse o poder de processar alguém, desde o Procurador do Estado, até o Advogado Particular. Por isso, apesar de inicialmente ter surgido defensores do princípio do Promotor

Natural, inclusive no STF (HC 67759/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.08.1992), hoje o Colendo

Tribunal já atestou a inexistência de tal princípio na nossa Constituição (“No julgamento do HC

67.759/RJ, pelo Plenário, os Ministros Paulo Brossard, Octavio Gallotti, Néri da Silveira e Moreira Alves

adotaram posição de rejeição à existência do princípio do promotor natural. Os Ministros Celso de Mello

e Sydney Sanches admitiram a possibilidade de instituição do princípio mediante lei. Assim, ficou

rejeitado, no citado julgamento, o princípio do promotor natural. HC 67.759/RJ, Ministro Celso de Mello,

RTJ 150/123” – HC 85424/PI, Rel. Carlos Velloso, DJ 23.09.2005). No mesmo sentido, STF, RE

387.974/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, e também HC 90277/DF.

Por isso é que, junto com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, é possível dizer

que a Constituição de 1988 não alberga o princípio do Promotor Natural, tanto é verdade que é lícito a

substituição de promotor que atua em determinado caso, por outro, a critério exclusivo e discricionário,

desde que justificado, do Procurador-Geral de Justiça, assim com a nomeação de outro promotor para

acompanhar o colega que até então estava levando adiante uma acusação, ou até a nomeação de um

promotor para realizar um Júri ao lado do “naturalmente competente”, como, aliás, não é de raro

acontecimento.

Nesse sentido, diz o art. 10, IX, “g”, da Lei 8.625/93: "Compete ao Procurador-Geral da

Justiça: (...) IX - designar membros do Ministério Público para: (...) g) por ato excepcional e

fundamentado, exercer as funções processuais afetas a outro membro da instituição, submetendo sua

decisão previamente ao Conselho Superior do Ministério Público). Esta lei, então, é constitucional,

porque não existe o princípio do Promotor Natural na Constituição. Caso o STF sufragasse o

entendimento que tal princípio decorre da CF/88, por certo que o dispositivo seria inconstitucional, já

que estaria possibilitando a substituição de um promotor que começou a processar determinado

indivíduo, ou atuar em uma ação civil pública ou ação por improbidade administrativa, por exemplo,

com base em critério exclusivo do superior hierárquico. Veja bem que a lei diz “por ato excepcional e

fundamentado”, mas este ato é de competência exclusiva do Procurador-Geral de Justiça, estando

afastado do controle meritório do Judiciário.

Diferentemente ocorreria no caso da substituição do juiz por ato do Presidente do

Tribunal de Justiça, porque aí sim haveria inconstitucionalidade. O Juiz Natural garante, então, que a

substituição dos magistrados só ocorra nos casos específicos tratados na lei (vide CPC: modificação de

competência - arts. 102 e ss. -, impedimento e suspeição - arts. 134 e ss -, livre distribuição - arts. 251 e

252). No caso do promotor, a lei não aponta os casos específicos onde pode ser afastado, porque os

casos que se aplicam ao juiz também se aplicam ao promotor, porém com o acréscimo da possibilidade

de afastamento pelo superior hierárquico, por motivos excepcionais e fundamentados, motivos estes

não declarados pela lei.

O que é possível detectar, perante o ordenamento jurídico nacional, é que existe o

princípio do Promotor Natural mitigado, primeiro porque não decorre da Constituição, e sim da

legislação infraconstitucional; segundo porque, mesmo na legislação infraconstitucional, é possível

excepcionar a regra da continuidade do promotor que iniciou o processo, com base não em casos

específicos ditos na lei (como ocorre no Juiz Natural), mas sim em critérios discricionários do

Procurador-Geral de Justiça. Muito embora a lei diga em ato excepcional e fundamentado, ninguém

duvida que é ato discricionário, sem possibilidade de se submeter ao crivo do Judiciário e vinculado

apenas à confirmação pelo respectivo Conselho Superior do Ministério Público.

b.6) Nomeação dos Procuradores-Gerais

O Procurador-Geral da República, Chefe do Ministério Público da União, é escolhido pelo

Presidente da República, entre os integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após

aprovação de seu nome pela maioria absoluta do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida

a recondução (art. 84, XIV c/c art. 128, §1º). Não há limite para as reconduções, desde que cumpridos os

requisitos constitucionais (aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal).

Interessante frisar que a nomeação dos Procuradores-Gerais do Ministério Público do

Trabalho e do Ministério Público Militar é feita pelo Procurador-Geral da República, nos termos da Lei

Complementar 75/93, arts. 121 e 88 (“dentre integrantes da Instituição, com mais de trinta e cinco anos

de idade e de cinco anos na carreira, escolhidos em lista tríplice mediante voto plurinominal, facultativo

e secreto, pelo Colégio de Procuradores, para um mandato de dois anos, permitida uma recondução,

observado o mesmo processo. Caso não haja número suficiente de candidatos com mais de cinco anos

na carreira, poderá concorrer à lista tríplice quem contar mais de dois anos na carreira”; a exoneração,

antes do término do mandato, “será proposta pelo Conselho Superior ao Procurador-Geral da República,

mediante deliberação obtida com base em voto secreto de dois terços de seus integrantes”).

O mesmo não corre com o Chefe do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios,

pois ele é nomeado pelo Presidente da República, já que compete à União organizar e manter o MPDFT

(art. 21, XIII), com exoneração pelo Senado, por maioria absoluta. Neste caso, haverá uma lisa tríplice

dentre os integrantes da carreira, para escolha do Presidente, com permissão para apenas uma

recondução do mandato de dois anos.

A nomeação dos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados segue a regra do art. 128,

§3º, da CF/88: “Os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formarão lista

tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral,

que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma

recondução”.

Veja bem que há neste §3º uma simetria obrigatória para as Constituições Estaduais

(norma constitucional federal de repetição obrigatória), porque não há possibilidade de alteração

substancial deste procedimento, na nomeação do Procurador-Geral de Justiça. Por isso, o STF julgou

inconstitucional o dispositivo constitucional estadual da Constituição de Sergipe, que previa, na

nomeação do PGJ, a prévia aprovação do nome pelo Poder Legislativo Estadual (ADI 1506/SE).

A participação do Legislativo estadual, então, só pode ser feita no processo de

destituição do PGJ, porque por deliberação da maioria absoluta da Assembleia Legislativa, ele poderá

ser destituído, na forma da lei complementar respectiva, como lembra o §4º do art. 128.

Quais são, então, as diferenças básicas na nomeação do Procurador-Geral da República

e dos Procuradores-Gerais de Justiça? Duas diferenças básicas: a) na nomeação do PGR, há obrigatória

participação do Poder Legislativo, porque é preciso a aprovação pela maioria absoluta do Senado

Federal, enquanto na nomeação do PGJ, não há participação do Legislativo – a lista será encaminhada

ao Governador, que escolherá um dentre os três; b) o PGR poderá ser reconduzido várias vezes, não

havendo limite para tanto, e o PGJ só poderá ser reconduzido uma única vez.

b.7) Garantias dos membros do Ministério Público

Não seria sensato a Constituição estabelecer importantes funções ao Ministério Público

sem oferecer, também, garantias.

A doutrina chega a considerar tais garantias como insertas no rol de cláusulas pétreas,

como limites implícitos ao poder de reforma, porque seriam formas de garantir os direitos fundamentais

do cidadão e a própria democracia, estando incorporadas “à estrutura do Estado Federal brasileiro (CF,

art. 60, §4º, I e IV)” (Uadi Lammêgo Bulos, Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 2007, p. 1147).

Ainda se diz que as garantias do Ministério Público podem ser institucionais e funcionais.

Institucionais seriam os princípios (unidade, indivisibilidade, independência funcional, autonomia

orçamentária e financeira) e o modo constitucionalmente definido de nomeação e destituição dos

respectivos Procuradores-Gerais. Funcionais seriam as garantias constitucionais propriamente ditas

(vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio), e as garantias funcionais de

imparcialidade, emanadas das proibições/vedações constitucionais (vide adiante). O art. 18 da LC 75/93

(Ministério Público da União), fala em garantias institucionais e processuais.

Importante, entretanto, neste tópico, frisar as garantias inseridas no §5º do art. 128, §5º

(vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio).

a) Vitaliciedade.

O membro do MP só pode perder o cargo por sentença condenatória transitada em

julgado, e adquire a vitaliciedade após dois anos de exercício, sujeito a avaliação da atividade por órgão

da própria Instituição.

Apesar da Constituição não limitar os casos em que o membro do MP poderá perder seu

cargo, mencionado apenas a sentença transitada em julgado, a legislação costuma citar os casos em que

tal perda será possível. O art. 38 da Lei 8.625/93 diz que a perda se dará por sentença judicial transitada

em julgado, nos casos de prática de crime incompatível com o exercício do cargo, exercício da advocacia

e abandono do cargo por prazo superior a trinta dias corridos, sendo que a ação civil deverá ser

proposta pelo Procurador-Geral de Justiça e só após autorização do Colégio de Procuradores. O art. 208,

p. único, c/c art. 57, XX, da LC 75/93 (MPU), apesar de não dizer quais seriam os casos, repete a

necessidade de prévia proposta do Conselho Superior, depois de analisado o processo administrativo,

enfatizando que a propositura acarretará o afastamento do membro do MPU do exercício de suas

funções e perda dos vencimentos e vantagens pecuniárias do cargo.

Interessante notar que o ADCT, art. 29, §2º, facultou ao membro do Ministério Público

Federal que tivesse entrado na carreira antes da promulgação da CF/88, optar, de forma irretratável,

entre a carreira atual ou passar para a Advocacia-Geral da União, isto porque, antes do novo texto

constitucional, o MPF atuava tanto para defesa do interesse público primário (sociedade), quanto para a

defesa do interesse público secundário (erário) (era Advogado da sociedade e Advogado do Estado,

concomitantemente, o que não deixava de ser uma “esquizofrenia institucional”). Nesse sentido, o §3º

do art. 29, citado, disse que o membro poderia optar pelas garantias, vantagens e vedações do regime

anterior.

Da mesma forma que os juízes, a Constituição prevê hipótese do Poder Legislativo

determinar a perda do cargo de membro do Ministério Público, especificamente quando dá poderes ao

Senado para julgar o Procurador-Geral da República por crimes de responsabilidade (art. 52, II). Assim,

há caso em que o juiz pode perder o cargo por decisão do Legislativo, e há caso em que o membro do

MP pode perder o cargo por decisão do Judiciário e do Legislativo, e até do próprio “Parquet”, quando

houver decisão de perda do cargo no decorrer do estágio probatório.

b) Inamovibilidade

O membro do “Parquet” não pode ser removido, porque não pode ser obrigado a ir de

uma cidade a outra, de uma comarca a outra, porque isto fragilizaria sua atuação funcional, em especial

quando enfrentasse pessoas poderosas que, como retaliação, faria com que o membro fosse jogado de

um lado para o outro como fantoche, prejudicando sua vida pessoal e pressionando-o para arrefecer

sua firme atuação.

Entretanto, pode haver casos em que o interesse público recomende a remoção, isto é,

não o interesse de grupos ou pessoas poderosas, mas o interesse da própria sociedade, por algum

evento excepcional, como manifestações ardorosas da própria sociedade ou risco de morte para o

promotor. Neste caso, o próprio MP, por meio de seu órgão competente, poderá determinar que o

membro do “Parquet” seja removido de uma Comarca para outra, por voto da maioria absoluta.

Nestes casos excepcionais de remoção, ela não pode ser determinada sem que se

efetive o devido processo legal processual, sendo obrigatória a presença de ampla defesa e do

contraditório. Assim, o promotor deverá ser chamado para se manifestar, no curso do processo em que

o Conselho do MP tem a intenção de removê-lo, até para se estabelecer uma dialeticidade sobre o

motivo (o STF garantiu esta ampla defesa ao magistrado, ainda antes da CF/88, no RE 114795/MG, 2ª

Turma, Rel. Min. Célio Borja, DJ 12.08.1988).

A EC 45/04, ao alterar o art. 128, I, “b”, diminuiu o rigor para se mover membro do

Ministério Público, por motivo de interesse público, que antes era de dois terços, e agora é pela maioria

absoluta dos membros do órgão colegiado competente, revogando, assim, o art. 14, VII, da Lei 8625/93,

assim como o art. 17, II, da LC 73/95.

Em interessante julgado, o STF entendeu que as Constituições Estaduais não podem

estipular garantia de inamovibilidade, porque só a Constituição Federal pode assim proceder (ADIN

1.246/PR).

c) Irredutibilidade de subsídio

Esta irredutibilidade é mais uma garantia para o membro agir com destemor. Se pudesse

o subsídio ser alterado, para menos, certamente a hipótese poderia ser utilizada para fazer pressão, e

atingir a efetivação do espírito constitucional.

O STF julgou intangível a irredutibilidade de subsídio, porque é modalidade qualificada

de direito adquirido, oponível inclusive contra emendas constitucionais (MS 24875/DF, DJ 06.10.2006).

O subsídio deve ser fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37,

X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I. Isto quer dizer que o subsídio poderá ser diminuído se houver um

acréscimo dos tributos que nele incidem, como é o caso das contribuições sociais e do imposto de renda

O STF já teve a oportunidade de dizer que

“A contribuição de seguridade social, como qualquer outro tributo, é passível de

majoração, desde que o aumento dessa exação tributária observe padrões de

razoabilidade e seja estabelecido em bases moderadas. Não assiste ao contribuinte o

direito de opor, ao Poder Público, pretensão que vise a obstar o aumento dos tributos - a

cujo conceito se subsumem as contribuições de seguridade social (RTJ 143/684 - RTJ

149/654) -, desde que respeitadas, pelo Estado, as diretrizes constitucionais que regem,

formal e materialmente, o exercício da competência impositiva. Assiste, ao contribuinte,

quando transgredidas as limitações constitucionais ao poder de tributar, o direito de

contestar, judicialmente, a tributação que tenha sentido discriminatório ou que revele

caráter confiscatório. A garantia constitucional da irredutibilidade da remuneração

devida aos servidores públicos em atividade não se reveste de caráter absoluto. Expõe-

se, por isso mesmo, às derrogações instituídas pela própria Constituição da República,

que prevê, relativamente ao subsídio e aos vencimentos dos ocupantes de cargos e

empregos públicos - (CF, art. 37, XV), a incidência de tributos, legitimando-se, desse

modo, quanto aos servidores públicos ativos, a exigibilidade da contribuição de

seguridade social, mesmo porque, em tema de tributação, há que se ter presente o que

dispõe o art. 150, II, da Carta Política” (STF, ADI-MC 2010/DF, Rel. Min. Celso de Mello,

Pleno, DJ de 12.04.2002, p. 51).

Da mesma forma, é lícito ao Poder Público reduzir o subsídio, a remuneração, o

provento ou o vencimento, seja do membro do Ministério Público, da magistratura ou de qualquer outro

agente público ou político, que ultrapassar o limite estabelecido no inciso XI do art. 37 da CF, com

redação dada pela EC 41/2003. É dizer:

a) ninguém, na União, poderá receber mais que o subsídio dos Ministros do STF;

b) ninguém, nos Municípios, poderá receber mais que o subsídio do Prefeito;

c) ninguém, no Executivo dos Estados e do DF, poderá receber mais que o subsídio do

Governador;

d) ninguém, no Legislativo dos Estados e do DF, poderá receber mais que o subsídio dos

deputados estaduais e distritais;

e) ninguém, no Judiciário, no Ministério Público, na Defensoria Pública e na

Procuradoria do Estado dos Estados e do DF, poderá receber mais que o subsídio dos desembargadores

do Tribunal de Justiça (o subsídio dos desembargadores poderá ser fixado, no máximo, em 90,25% do

subsídio do Ministro do STF).

b.8) Vedações ao membro do Ministério Público

A Constituição de 1988, no art. 128, §5º, II, estipula as vedações aos membros do Ministério Público: a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais; b) exercer a advocacia; c) participar de sociedade comercial, na forma da lei; d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; e) exercer atividade político-partidária; f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei.

De acordo com o §6º do mesmo art. 128, aplica-se as mesmas vedações que constam para os juízes, no art. 95, p. único, V. Assim, ainda é vedado ao membro do MP: a) exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; e b) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. A proibição do exercício da advocacia não se estende para aqueles integrantes do MPF que entraram na carreira antes da CF/88, como ressalvado pelo art. 29, §4º, do ADCT. Porém, para quem entrou na carreira após a CF/88, não é permitido exercer a advocacia, nem mesmo em causa própria (STF, HC 76.671, DJ 10.08.2008). O fato do membro do MP não poder receber honorários advocatícios, não significa que, nas ações patrocinadas pelo “Parquet”, não exista condenação em honorários de sucumbência. Neste caso, os valores serão devidos para o ente da Federação de que faz parte o Ministério Público (STF, Agl 189.430, DJ 02.09.1998). A vedação da participação do promotor nas sociedades comerciais deve ser vista de acordo com o tratamento dado pela lei, isto porque a redação da proibição prevista na Constituição é esta: “§5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros: II - as seguintes vedações: c) participar de sociedade comercial, na forma da lei”. Daí porque é constitucional a previsão, no art. 44, III, da Lei

8.625/93, de permissão para o promotor participar da sociedade comercial apenas como cotista ou acionista (o mesmo na LC 75/93, art. 237, III). A EC 45/04 proibiu qualquer atividade político-partidária do membro do “Parquet”. Antes, era proibido o exercício de tal atividade, porém havia possibilidade da lei prever exceções. Por isso é que o art. 44, V, da Lei 8.625/93, e os arts. 80 e 237, V, que preveem a possibilidade de filiação a partido político, estão revogados. Importante lembrar que a vedação é para qualquer atividade partidária, de modo que não é mais permitida a licença para concorrer a cargo eletivo, até porque a filiação partidária é condição de elegibilidade (art. 14, §3º, V – se o membro do “Parquet” não pode mais se filiar a partido político, não pode, evidentemente, ser votado). Deste modo, se o membro quiser concorrer a algum cargo eletivo, ou exercer qualquer outro cargo em comissão que não esteja dentro do próprio Ministério Público, como Secretário de Estado, Ministro etc., deverá sair da carreira, pedindo afastamento definitivo mediante exoneração. Foi o caso, por exemplo, de Alexandre de Moraes, que pediu exoneração do cargo de promotor de Justiça por conta do cargo de Secretário de Justiça de São Paulo, sendo atualmente membro do CNJ. O Conselho Nacional do Ministério Público decidiu, na Resolução 05/06, que os

membros do MP que ingressaram antes de 1988 poderiam exercer cargos comissionados fora da

instituição.

b.9) Conselho Nacional do Ministério Público

O CNMP foi criado junto com o CNJ, por ocasião da EC 45/04 - “Reforma do Poder Judiciário” (art. 130-A). O CNMP compõe-se de 14 (quatorze) membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução. Os membros são os seguintes: a) o Procurador-Geral da República, que o preside; b) quatro membros do Ministério Público da União, assegurada a representação de cada uma de suas carreiras; c) três membros do Ministério Público dos Estados; d) dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça; e) dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; f) dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. Interessante notar que o Presidente do Conselho Federal da OAB, apesar de não ser integrante do CNMP, deve necessariamente oficiar junto a ele. Isto significa que poderá participar das reuniões e debater os assuntos, ajudando na construção das teses, das recomendações e dos atos normativos, muito embora não tenha poder de voto. A sua função precípua é o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros. Daí porque a Constituição outorgou ao CNMP o poder-dever de: a) zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; c) zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas; d) receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional da instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

e) rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros do Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano; f) elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a mensagem prevista no art. 84, XI. O art. 130-A ainda previu a existência de um Corregedor nacional, dentro os membros do Conselho, que será escolhido por votação secreta, competindo-lhe as atribuições que lhe forem conferidas por lei e, ainda, a atribuição de: a) receber reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos membros do Ministério Público e dos seus serviços auxiliares; b) exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e correição geral; c) requisitar e designar membros do Ministério Público, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de órgãos do Ministério Público. Finalmente, o §5º do art. 130-A diz: “Leis da União e dos Estados criarão ouvidorias do Ministério Público, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Ministério Público, inclusive contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional do Ministério Público.” Este parágrafo poderia ser classificado como norma constitucional de eficácia limitada, definidora de princípio institutivo ou organizativo, de índole impositiva. c) Da Advocacia Pública O legislador constituinte de 1988, atenta à verdadeira balbúrdia que existia na defesa da União, inclusive com a celeuma institucional do Ministério Público Federal, que poderia chegar ao absurdo de entrar com uma ação contra a União e, ao mesmo tempo, defendê-la na mesma ação, resolveu criar a Advocacia-Geral da União. Depois, com a EC 19/98, corretamente substituiu a nomenclatura utilizada originariamente na Seção II (arts. 131 e ss.), que era “Da Advocacia-Geral da União”, e passou a ser “Da Advocacia Pública”, isto porque a Seção tratava, como ainda trata, da Advocacia Pública como um todo, englobando União e Estados. A Constituição não tratou da Advocacia Pública nos Municípios, até porque é extremamente difícil vincular constitucionalmente um tratamento único, em face da imensa diversidade que existe nos Municípios brasileiros, de modo que fica para cada Lei Orgânica dos Municípios, ou até nas Constituições estaduais, tratar da matéria. Talvez seria interessante, ao menos, colocar um mínimo possível de parâmetros gerais na Constituição Federal, evitando-se, por exemplo, a contratação de advogados particulares para exercer atribuições de Advogado de Estado junto aos Municípios, por dispensa ou inexigibilidade de licitação. Assim, a Advocacia Pública brasileira revela-se pela atuação de Advogados do Estado, profissionais que defendem o interesse da Fazenda Pública, mas a Constituição de 1988 só tratou da Advocacia Pública Federal e Estadual. c.1) Advocacia-Geral da União O art. 131 da CF/88 diz que “A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”. O órgão vinculado a que se refere o dispositivo constitucional é a Procuradoria-Geral Federal, criada pela Lei 10.480/02, que tem a missão de atuar em benefício das autarquias e fundações públicas federais, fazendo a representação judicial e extrajudicial, a consultoria, o assessoramento jurídico e a apuração da liquidez e certeza dos seus créditos, inscrevendo-os em dívida ativa para cobrança amigável ou judicial. A representação judicial é a atividade junto aos processos judiciais, seja para defender (o que é, sem dúvida, a grande maioria das atuações dos Advogados Públicos), seja para promover ações (execuções fiscais, ações de improbidade administrativa e ações civis públicas, ações de indenização etc.).

A atividade de consultoria é a emissão de parecer jurídico, em processos administrativos formalizados e encaminhados ao órgão jurídico, e geralmente se dá nos processos administrativos disciplinares e nas licitações e suas inexigibilidades e dispensas, assim como nos contratos, acordos, convênios e ajustes (Lei 8.666/93, art. 38, VI e p. único: “As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração”). A consultoria, entretanto, é feita também em diversos outras ocasiões dentro da Administração Pública, sempre que o órgão ou o dirigente tem dúvida sobre a aplicação da lei, e pode se referir a qualquer assunto, como questões de direitos de servidor público, elaboração de planejamento e atos normativos etc. O parecer é uma sugestão dada pelo Advogado Público, que não vincula o órgão ou o dirigente (é opinativo, e não vinculativo, como já decidiu o STF no MS 24.073/DF). O prazo para emissão do parecer, no âmbito federal, é de 15 (quinze) dias, salvo se houver norma especial estipulando outro prazo ou comprovada necessidade de prazo maior (art. 42 da Lei 9.784/99). Em função de ser um ato opinativo, via de regra, não pode haver responsabilização solidária do emissor do parecer com a autoridade que praticou o ato com base nele. Entretanto, crescem os entendimentos em sentido contrário, para que ocorra uma responsabilização solidária do dirigente público com o Advogado Público que o incitou, mediante parecer, a efetivar determinada conduta ou ato (vide STF, MS 24.584; TCU acórdão 512/2003). De todo modo, o melhor entendimento é fixar a regra de que não existe vinculação do dirigente público em face do parecer jurídico, e por isso não existe responsabilização solidária do Advogado Público e do dirigente público, mas excepcionalmente pode ocorrer a responsabilização solidária se ficar suficientemente claro que, no caso concreto, houve um vínculo de atuação entre o dirigente e o Advogado Público, que agiram com pré-determinação e má-fé, é dizer, quando o parecer é encomendado para ratificar uma situação irregular ou tendenciosa. É por isso que o parecerista deve sempre oferecer pareceres fundamentados e, quando encontrar posições antagônicas, deve esclarecê-las e indicar ao dirigente público que existe o risco de assumir uma das posições. A atividade de assessoramento, por sua vez, se caracteriza pela prestação de assistência verbal e presencial do Advogado Público junto às autoridades públicas, como participação em audiência pública, reunião, orientação verbal, opinião sobre determinada conduta para prevenção de responsabilidade etc. Todos os cargos de membros da Advocacia-Geral da União são preenchidos mediante concursos de provas e títulos, não sendo exigida a participação da OAB, como ocorre nos concursos para Procuradores do Estado (art. 132). O Chefe da Instituição é o Advogado-Geral da União, que chega ao cargo após livre nomeação do Presidente da República, entre os cidadãos maiores de 35 (trinta e cinco) anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, e tem status de Ministro de Estado, nos termos do art. 25, p. único, da Lei 10.683/03, que dispõe sobre a Presidência da República e Ministério (redação dada pela Lei 11.036/04, que por sua vez foi a transformação da MP 207/2004). O Advogado-Geral da União, então, não precisa ser integrante das carreiras da AGU, e nem é necessário que sua indicação e sua exoneração sejam aprovadas pelo Senado, como ocorre com o Procurador-Geral da República (art. 128, §1º; art. 52, III, “e”, XI). Daí porque o AGU não é imparcial, porque age defendendo a União, assim como os demais Advogados Públicos Federais. Neste caso, apesar da atuação ser imparcial, ainda resta a estes Advogados um campo de atuação dentro da legalidade e da constitucionalidade, daí porque a própria AGU publicou o Ato Regimental n. 08, de 27.12.2002, afirmando que os seus membros, no desempenho das atribuições de seus cargos, observarão especialmente, a) a Constituição, as leis e os atos normativos emanados dos Poderes e das autoridades competentes; b) o interesse público, neste considerado o da sociedade, o da União e de cada um dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; c) as Políticas Públicas fixadas pelo Governo Federal; d) os princípios éticos e morais inerentes aos agentes públicos; e e) as orientações dos seus superiores hierárquicos. Portanto, os Advogados Públicos têm independência funcional, porém tal independência é mitigada, não sendo igual à independência dos membros do “Parquet” e da magistratura, e só podem deixar de propor ação, desistir e não interpor recursos nos casos em que a própria AGU determinar, já que defendem o interesse público que é indisponível. Porém, existem casos em que, mesmo não havendo determinação da própria AGU mediante Parecer ou Súmula, a independência funcional socorre

o Advogado, nos casos em que a atuação se afigurar prejudicial ao próprio erário ou então nos casos em que a atuação se mostrar esdrúxula, sem razoabilidade e ainda em total desencontro com a legalidade ou a constitucionalidade. No âmbito da Advocacia-Geral da União, existem basicamente três carreiras: a) Procuradores Federais, que integram a Procuradoria-Geral Federal - PGF, com a missão de representar judicial e extrajudicialmente as autarquias e fundações públicas federais, prestar consultoria e assessoramento, além de apurar a liquidez e a certeza dos seus créditos, inscrevendo-os em dívida ativa para cobrança amigável ou judicial, b) Procuradores da Fazenda Nacional, que integram a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN, e têm por missão a representação da União na execução da dívida ativa de natureza tributária e nas causas de natureza fiscal, além de prestar consultoria ao Ministério da Fazenda; c) Advogados da União, que integram a Procuradoria-Geral da União – PGU, com a missão de representar judicial e extrajudicialmente, prestar consultoria e assessoramento jurídicos, à Administração Pública Federal Direta. Como se vê, a Advocacia Pública no âmbito da União é dividida em três categorias (muito embora existam outras, como é o caso dos Procuradores do Banco Central, que é uma autarquia federal e tem seus próprios Procuradores, além de consultores jurídicos dos Ministérios, que são providos por cargos em comissão1, mas todas elas vinculadas tecnicamente à AGU), o que não ocorre nos Estados, que só tem uma carreira com todas as competências (tanto representar autarquias e fundações, como executar a dívida ativa tributária dos Estados, apesar de existirem Estados em que há uma cisão, porque algumas autarquias têm seus próprios Procuradores). Interessante notar que, apesar de existir autonomia das carreiras da Advocacia Pública Federal, existe o mesmo valor do subsídio para todas elas (Lei 11.358/06). Estas carreiras integram a AGU, muito embora ainda exista um vínculo administrativo da PGFN com o Ministério da Fazenda, e vez por outra há autorização para que uma carreira faça as vezes da outra, como ocorre com o art. 16, §3º, II, da Lei 11.457/07, que permite que a PGF represente a União, “nos processos da Justiça do Trabalho relacionados com a cobrança de contribuições previdenciárias, de imposto de renda retido na fonte e de multas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações do trabalho, mediante delegação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional” (delegação esta ocorrida por ocasião da Portaria Conjunta PGF/PGFN n. 433, de 25.04.2007, que delegou a cobrança das contribuições previdenciárias e de imposto de renda, sem delegar as multas). Também não é raro presenciar integrante de uma carreira em exercício na sede da outra carreira, em especial no caso de Procuradores Federais e Advogados da União. Deste modo, o futuro reserva a unificação das carreiras, por ser medida de maior eficiência, porque sem dúvida melhor organizará a Advocacia-Geral da União, que ainda está na puberdade, criada que foi somente em 1988 (CF/88) e instalada apenas em 1993 (LC 73/93). A Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União é a Lei Complementar n. 73, de 10.02.1993. Porém, existem diversas outras leis que, de uma forma geral, acabam apontando para a organização e a competência da AGU (como é o caso da Lei 9.028, de 12 de abril de 1995, que dispõe sobre o exercício de atribuições institucionais da AGU em caráter provisório - repasse para as Procuradorias da União a representação judicial de autarquias e fundações -, dá poderes aos seus membros de fazerem requisições para defesa do erário, impõe a obrigatoriedade de intimação pessoal destes membros, impõe também a obrigatoriedade de comparecimento de preposto nas audiências trabalhistas em que a União seja parte, e a possibilidade deste entregar a contestação subscrita pelo Procurador, cria Procuradorias, Coordenações, Núcleo de Assessoramento Jurídico e o departamento de cálculos e

1 Estes cargos em comissão são preenchidos, muitas vezes, por pessoas que não são membros da AGU

(levantamento já realizado desvendou mais de 200 cargos ocupados por não membros da AGU), o que, em tese, desrespeitaria ao art. 131 da CF/88, que prevê a exclusividade da representação judicial e extrajudicial, assim como o assessoramento e o consultivo da União, pela AGU. Neste sentido, a UNAFE – União Nacional dos Advogados Públicos Federais protocolou no STF a Proposta de Súmula Vinculante n. 18 – PSF/18, n. 2009/29112, para ser expedida Súmula Vinculante garantido a exclusividade das funções da Advocacia Pública Federal aos integrantes efetivos da AGU, tendo a Proposta recebido, pela Comissão de Jurisprudência do STF, manifestação favorável da sua adequação formal, e parecer favorável do PGR.

perícias da AGU etc.; da Lei 10.480, de 02 de julho de 2002, que cria a Procuradoria-Geral Federal, como órgão vinculado à AGU, para reger a carreira de Procurador Federal - antiga carreira de Procurador Autárquico -, de modo que todos se desvincularam das autarquias e passaram a se vincular diretamente à AGU; do Decreto-Lei 147/67, que fixa a competência e a estrutura da Procuradoria da Fazenda Nacional; além de outras, que tratam indiretamente das funções institucionais dos Procuradores da União, haja vista que mencionam tratamentos processuais diferenciados para a Fazenda Pública Federal, nela incluídas as autarquias e fundações, como é o caso da Medida Provisória 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, que altera várias legislações, impõe ritos processuais específicos quando a União é parte nos processos - antecipação de tutela, liminares -, isenta a União, autarquias e fundações públicas federais de custas, emolumentos e demais taxas judiciárias etc.; da MP 2.229-43, de 06 de setembro de 2001, que nos arts. 37 e ss. tratam das missões do Procurador Federal, e das Leis 9494/97, 9.469/97, 4.348/64 e 8.437/92). Como foi visto, os integrantes da Advocacia-Geral da União tem poderes para requisitar elementos de fato e de direito para todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal Direta e Indireta, requisições estas que terão preferência e, não sendo cumpridas, haverá apuração mediante sindicância e/ou processo disciplinar (Lei 9028/95, art. 4º; MP 2.229-43/01, art. 37, §3º, com redação dada pela Lei 11.094/05, art. 2º). Da mesma forma, a LC 105/01, no art. 3º, §3º, garante à AGU as informações e documentos necessários junto ao Banco Central e à Comissão de Valores Mobiliários, para que seja necessária defender a União nas ações em que seja parte. Merece friso, finalmente, a decisão do STF, na Reclamação 8025/SP (Rel. Min. Eros Grau, julgado em 09.12.2009), ratificando a exclusividade da Advocacia-Geral da União na representação judicial da União. Neste caso, o STF determinou a anulação da eleição do presidente do TRF3, e determinou que outra eleição fosse realizada, afirmando a ilegitimidade do advogado particular constituído pela presidente do TRF3, para promover a defesa do Tribunal, visto que se trata de um órgão da União, e esta só pode ser representada judicialmente pelos membros da AGU.

c.2) Procuradorias dos Estados A Constituição também prevê a Advocacia Pública dos Estados, ao enfatizar, no art. 132, que “Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas”. No parágrafo único, também diz: “Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias”.

Sobre estes dispositivos constitucionais, o STF tem alguns precedentes que cabem ser citados:

a) não pode a Constituição do Estado estabelecer a autonomia institucional da Procuradoria-Geral do Estado, mediante autonomia funcional, administrativa e financeira, porque isto desvirtua a configuração jurídica fixada pelo texto constitucional federal para as Procuradorias estaduais, desrespeitando o art. 132 da CF/88. A Constituição do Estado não podem, também, estabelecer requisitos para a nomeação dos cargos de Chefia da PGE, porque limitam as prerrogativas do Chefe do Executivo estadual na escolha dos seus auxiliares, além de disciplinar matéria de sua iniciativa legislativa (ADI 217/PB, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 13.09.2002, p. 62);

b) a Constituição do Estado não pode estabelecer a autonomia funcional dos Procuradores do Estado (ADI 470/AM, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 11.10.2002, p. 21);

c) a Constituição estadual não pode fixar a prerrogativa de foro para os Procuradores do Estado serem processados e julgados perante o Tribunal de Justiça, por crimes comuns e de responsabilidade, por não observar o modelo federal (ADI-MC 2587/GO, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 06.09.2002, p. 66; também ADI-MC 2553/MA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 22.10.2004, p. 05);

d) se o Procurador do Estado age como defensor público, para defender algum réu, os prazos devem ser contados em dobro e a intimação deve ser pessoal, aplicando-se os termos do art. 5º, §5º, da Lei 1.060/50 (HC 80677/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 18.05.2001, p. 65);

e) se o Procurador do Estado fizer concurso para esta carreira, e o concurso englobava entre as competências a assistência jurídica para os necessitados, e houver criação da Defensoria Pública, a lei complementar que prever a opção aos Procuradores do Estado entre esta carreira e a carreira da Defensoria Pública é constitucional (ADI 3720/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJE 55, 27.03.2008);

f) norma constitucional estadual não pode estipular a equiparação remuneratória dos Procuradores do Estado que estão no grau mais elevado com a do Procurador-Geral do Estado, por ferimento ao art. 37, XIII, da CF/88 (ADI 955/PB, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 25.08.2006, p. 14), e nem estipular equiparação entre Procuradores Autárquicos e Procuradores de Estado (AI-AgR 510568/SP, Rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, DJ 13.05.2005, p. 09; também RE-AgR 231589/PI).

Muitos dos precedentes do STF foram vazados na premissa da total submissão da Advocacia Pública ao Poder Executivo, como se fossem a AGU e as PGE´s mero órgãos subordinados integralmente ao Chefe do Executivo. Na verdade, tanto a Advocacia Pública quanto o Ministério Público estão colocados em um capítulo próprio da Constituição Federal, porque ambos têm missões especiais, que não podem ser efetivadas se houver total submissão ao Poder Executivo ou, de modo geral, a qualquer outro Poder, porque somente com a necessária independência é que serão cumpridas com destemor, a bem da democracia e do interesse público. Evidente que o Ministério Público tem mais autonomia, não em função da posição constitucional, mas porque seus Chefes (Procurador-Geral da República e Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados), são nomeados de modo diferente, e não são demissíveis “ad nutum”, como ocorre na AGU e nas PGE´s. Assim, pelo fato de que o Advogado-Geral da União e os Procuradores-Gerais dos Estados serem nomeados e exonerados livremente pelos Chefes do Executivo, há uma ideia, errônea, de que toda a carreira está subordinada ao Chefe do Executivo, o que não é verdade porque é impossível cumprir a missão constitucional de representar judicial e extrajudicialmente, assim como emitir pareceres, se houver esta submissão. Nesse sentido é que a Constituição colocou a Advocacia Pública em local separado, longe do Poder Executivo, justamente para preservar um mínimo de independência para cumprir a missão constitucional de ser essencial à Justiça.

Pelo menos em relação à Advocacia-Geral da União, há muito debate para se saber sua exata posição constitucional. O fato é que ela está fora dos três Poderes, com maior vinculação ao Poder Executivo porque presta atividade consultiva e assessoramento para ele, e também porque o Chefe da AGU, além de ser nomeado e exonerado livremente pelo Presidente da República, tem status de Ministro de Estado.

c.3) Advocacia Particular

Junto com o Ministério Público e a Advocacia Pública, a Defensoria Pública e a Advocacia

Particular estão também inseridas como Função Essencial à Justiça.

O Advogado particular é o profissional da iniciativa particular responsável de levar os

conflitos de interesses para o Judiciário resolver, e por isso tem a missão de evitar que tentem realizar a

justiça pelas próprias mãos. Daí sua importância para o Estado Democrático de Direito. Não por outro

motivo é que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e

manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (art. 133).

O art. 133 impôs, então, o princípio da indispensabilidade do advogado, que, entretanto,

não é absoluto, porque é possível acessar o Judiciário sem ter a capacidade postulatória do referido

profissional, como é o caso do “habeas corpus” e da revisão criminal (STF, Revisão Criminal n. 4886, Rel.

Min. Celso de Mello; HC 84716/MG, Rel. Min. Marco Aurélio; HC 74.309/SP, Rel. Min. Celso de Mello,

DJe 21.05.2008, p. 309)), do acesso ao Juizado Especial Cível e à Justiça do Trabalho (STF, ADI-MC 1127-

8/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ 29.06.2001, p. 32).

É bom lembrar que o STF, na ADI 3026, Rel. Min. Eros Grau, DJ 29.09.2006, enfatizou o

seguinte sobre a Ordem dos Advogados do Brasil:

“1. A Lei n. 8.906, artigo 79, § 1º, possibilitou aos "servidores" da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indenização a ser paga à época da aposentadoria 2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. 3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas "agências". 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária. 6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. 7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional. 8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente. 9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição do Brasil ao caput do artigo 79 da Lei n. 8.906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB. 10. Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB. 11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade. 12. Julgo improcedente o pedido.”

Apesar de entender desta forma, em relação à posição institucional da OAB, o STF não

deixou de declarar a inconstitucionalidade de vários dispositivos da Lei 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos

Advogados e da OAB), por ocasião do julgamento da ADI 1127-8, proposta pela Associação dos

Magistrados Brasileiros. Nesta ADI, o STF, em resumo, decidiu que a lei é inconstitucional em diversos

pontos, a saber:

a) ao garantir a postulação privativa do advogado perante os Juizados Especiais, à Justiça

do Trabalho e à Justiça de Paz. O advogado, portanto, não tem garantida a postulação em qualquer

órgão, como consta na Lei (art. 1º, I);

b) ao prever a imunidade profissional ao advogado, para afastar o cometimento de

desacato quando manifestar-se no exercício da sua atividade. Manteve a imunidade para afastar crime

de injúria e difamação (art. 7º, §§2º e 3º);

c) ao prever que cabe à OAB o controle das salas especiais que devem ser instaladas nos juizados, fóruns, tribunais, delegacias de polícia e presídios. Manteve o uso destas salas pela OAB (art. 7º, §4º);

d) ao garantir que, nas buscas ou apreensões determinadas pelo Judiciário no escritório do advogado, haja acompanhamento de representante da OAB. Desnecessário, portanto, o acompanhamento (art. 7º, II);

e) ao garantir a presença de representante da OAB, quando o advogado for preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, sob pena de nulidade do auto. Assim, não é necessário o representante da OAB, quando preso em flagrante o advogado no exercício do seu munus (art. 7º, IV);

f) ao prever o reconhecimento da OAB nas salas de Estado Maior, para recolhimento de advogado preso antes de sentença transitada em julgado, ou, na sua falta, em prisão domiciliar. Assim, permanece o dispositivo no que se refere ao recolhimento apenas em sala de Estado Maior, porém sem necessidade de reconhecimento da OAB no que tange a tais salas (art. 7º, V);

g) ao dar a entender que a incompatibilidade da advocacia existe para todos membros de órgãos do Poder Judiciário. Neste caso, deve ser dada interpretação conforme, para que não exista incompatibilidade da advocacia para os membros da Justiça Eleitoral e os juízes suplentes não remunerados, já que estes podem advogar (art. 28, II); e

h) ao prever que os Presidentes das Seccionais e das Subseções da OAB podem requisitar cópias de peças de autos e documentos a qualquer tribunal, magistrado e cartório. A requisição só pode ser feita, então, para a Administração Pública direta, indireta e fundacional, mas não para tribunal, magistrado e cartório (art. 50).

Em outra ADIn (1.105), o STF suspendeu totalmente o art. 7º, IX, que previa o direito do advogado de fazer sustentação oral em qualquer recurso, após o voto do relator, pelo prazo de quinze minutos, salvo de prazo maior fosse concedido. Assim, este direito não existe, de modo que a sustentação é feita antes do voto do relator.

Em relação à inviolabilidade do advogado, como se viu, apesar de persistir a mesma em relação à injúria e à difamação cometidas pelo profissional no desempenho de suas funções, o STF já balizou várias vezes esta inviolabilidade, afastando-a em diversos casos concretos. No HC 87.451/RS, Rel. Min. Eros Grau, o STF entendeu que a inviolabilidade não alcança as relações do advogado com o seu próprio cliente (tratava-se de carta ofensiva enviada pelo advogado ao seu cliente, cobrando pagamento dos honorários, com posterior ação por danos morais do cliente). Na AO 933, Rel. Min. Carlos Brito, e na AO 1.300, mesmo Relator, o STF, de forma até genérica, enfatizou que a inviolabilidade não protege o advogado que pratica atos, gestos e palavras ofensivas que causam agressão física ou moral, insulto pessoal e humilhação pública. No RHC 81.327, Rel. Min. Ellen Gracie, o STF entendeu que não está englobado pela inviolabilidade a participação do advogado no crime de falso testemunho, de modo que é co-partícipe o advogado que contribui moralmente para que a testemunha cometa o crime do art. 343 do CP.

A inviolabilidade material do advogado (imunidade profissional), não o blinda de todas as manifestações produzidas no exercício da sua atividade. Evidente que tal imunidade implica em um tratamento diferenciado, porque leva sempre a crer que a imunidade o está ajudando a cumprir sua missão, mas este cumprimento não pode ser destemperado, fazendo com que ele tenha ampla liberdade para ofender o adversário. É preciso verificar, então, se a ofensa foi “an passant”, isto é, foi uma forma inevitável de cumprir bem o seu nobre papel, ou, pelo menos, uma forma encontrada para que o seu múnus fosse efetivado a contento. Isso é certo porque, segundo o próprio STF, não haverá ampla defesa se o defensor “teve desempenho simplesmente formal, em verdadeira postura contemplativa”, o que acarretará nulidade do processo (HC 71.961).

c.4) Defensoria Pública A Constituição de 1988 não esqueceu a defesa dos necessitados. Por isso, criou a

Defensoria Pública, como “instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV” (art

.134). O referido inciso LXXIV diz que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Veja que a assistência não é apenas judicial, que seria feita apenas no âmbito dos processos judiciais, porque ela é jurídica. Isto implica afirmar que a defesa do direito do juridicamente pobre ser feita em qualquer entidade ou órgão, público ou privado. Daí porque a Defensoria Pública da União, por exemplo, defende o cidadão contra a própria União, sendo mais um motivo que distancia todas as Funções Essenciais à Justiça do Poder Executivo.

Já houve um tempo em que os pobres eram totalmente expurgados da vida jurídica nacional, chegando-se ao ponto, inclusive, da Magna Carta de 1215 ter sido escrita toda em latim, justamente para evitar que a camada mais baixa da comunidade se arvorasse demasiadamente com base nela.

O STF já decidiu que não pode a legislação infraconstitucional aumentar as atribuições da Defensoria Pública, para repassar a ela a responsabilidade de defender servidores públicos processados civil ou criminalmente por atos cometidos em função da atividade pública (ADIn 3.022).

Em relação à organização da Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e Territórios, a Constituição determina que deve ser feita por lei complementar, que deverá precrever “normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais” (art. 134, §1º).

Já em relação às Defensorias Públicas Estaduais, digno de nota a criação do §2º ao art. 134, pela EC 45/04, que concedeu às Defensorias Públicas Estaduais (não da União e do DF e Territórios, frise-se), “autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º”.

Como se vê, pelo menos com relação às Defensorias Públicas Estaduais, há uma tendência natural de, cada vez mais, estipular garantias institucionais para que elas se efetivem como verdadeiras Funções Essenciais à Justiça, porque a autonomia funcional e administrativa, e a autonomia para propor e apontar a sua própria cobertura orçamentária, é um caminho razoavelmente seguro para que as condições materiais (remuneração, estrutura lógica, carreira de apoio e prerrogativas), sejam equiparadas às outras Funções, em especial ao nível que já se encontra o Ministério Público.

Resta lembrar que o Supremo Tribunal Federal entende que a lei não pode liberar os Defensores Públicos para exercerem a advocacia particular, mesmo fora das suas funções institucionais, porque a Constituição deseja que tal profissional só desempenhe as funções próprias definidas pela própria Constituição, que é a defesa do necessitado (ADI 3043/MG).

O inverso, entretanto, não é verdadeiro, porque as funções dos Defensores Públicos

podem ser feitas por advogados particulares e até pela Procuradoria do Estado, quando não houver a

instituição e a estruturação da Defensoria Pública, em especial nos Estados. É comum, e viável

constitucionalmente, a indicação de advogados particulares “dativos”, para atuar em determinados

processos para defender necessitados que não têm como custear as despesas e nem há estrutura da

Defensoria Pública para tanto. É constitucional, portanto, o art. 33, p. único, da Lei 8.906/04 (EAOAB),

que impõe o dever do advogado de prestar assistência jurídica, e do art. 34, XII, que impõe infração

disciplinar para o advogado que “recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando

nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública”.

Isso é mais seguro porque é conhecida a modulação temporal da inconstitucionalidade

decidida pelo STF, ao fazer um apelo ao legislador e definir como normas “ainda constitucionais”,

aquelas previstas no art. 68 do CPP (permissão para o “Parquet” propor ação de reparação de danos, ou

execução civil da sentença condenatória, em favor da vítima pobre do crime), e no o art. 5º, §5º, da Lei

1.060/50, acrescentado pela Lei 7.871/89 (concessão de prazo em dobro para as Defensorias Públicas

para a prática de todos os atos processuais), justamente com a fundamentação no sentido de que,

enquanto as Defensorias Públicas não estiverem suficientemente implantadas e estruturadas, inclusive

com proximidade estrutural com o MP (STF, AI 482.332/SP e HC 70.514).