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66 www.backstage.com.br REPORTAGEM D esde 1964 na ativa, os Fevers acompanham e aproveitam estas mudanças, e incorporam novas modas musicais nes- se ínterim, gravando versões do The Police (De dododo De dadada) no início dos anos 80 e do Village People (Eu sou mais eu, de WMCA), no final dos 70, e que foi incluída no repertório do DVD gravado ano passado no Clube Português de Recife. Mas sem exagero. Nada de funk, hip-hop ou música eletrônica pesada. A melodia sempre foi fundamental na receita dos reis do baile, como se intitulam desde a década de 60, e não poderia ser diferente em se tratando de uma banda criada com referências dos Beatles e da mú- sica pop americana de então. O Pro Tools 5.1 comandado em um Macintosh e distribu- ído em uma Sound- craft Series Five é a realidade atual em que foi registrado o DVD. O que não sig- nifica que eles não se divertiam um boca- do indo para o mes- mo Nordeste, ou pa- ra o interior, em uma kombi para tocar on- de fosse, em uma época na qual P.A. era daquelas coisas que todo o mundo sabia que existia, mas ninguém nunca tinha visto. O técnico Ricardo Araújo, que trabalhou desde o final dos anos 60 com a banda, saiu por pouco tempo e voltou recentemente, lembra que a primeira banda que viu utilizar um P.A., pelo me- nos no circuito de bailes, foram os Fanks, que posteriormente se chamariam Roupa Nova. “Os instrumentos eram ligados direto nos amplificadores e acústica, bom, hoje mesmo é difícil achar bons lugares, mas naquela época nem existia preocupação”, conta o técnico, que passou um mês para fazer correções no áudio do DVD. “O Português é um lugar legal para tocar, mas a acústica está longe da perfeição”, conta. No palco, cerca de 30 dos 48 canais Soundcraft Series Fi- ve são utilizados, ex- plica Araújo. Dez ca- nais são distribuídos entre as peças da ba- teria. O baixo leva dois canais, sendo um em direct box e o outro com microfone no amp. A guitarra, João Pequeno [email protected] Em 43 anos, o mundo se transforma e, nos últimos tempos, poucos fatores impulsionaram tantas mudanças quanto às evoluções tecnológicas nos mais diversos campos. Mais de quatro décadas nos Bailes da Vida Bailes da Vida

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66 www.backstage.com.br

REPORTAGEM

Desde 1964 na ativa, os Fevers acompanham e aproveitam

estas mudanças, e incorporam novas modas musicais nes-

se ínterim, gravando versões do The Police (De dododo De

dadada) no início dos anos 80 e do Village People (Eu sou mais

eu, de WMCA), no final dos 70, e que foi incluída no repertório

do DVD gravado ano passado no Clube Português de Recife.

Mas sem exagero. Nada de funk, hip-hop ou música eletrônica

pesada. A melodia sempre foi fundamental na receita dos reis do

baile, como se intitulam desde a década de 60, e não poderia ser

diferente em se tratando de uma banda criada com referências

dos Beatles e da mú-

sica pop americana

de então.

O Pro Tools 5.1

comandado em um

Macintosh e distribu-

ído em uma Sound-

craft Series Five é a

realidade atual em

que foi registrado o

DVD. O que não sig-

nifica que eles não se

divertiam um boca-

do indo para o mes-

mo Nordeste, ou pa-

ra o interior, em uma

kombi para tocar on-

de fosse, em uma época na qual P.A. era daquelas coisas que

todo o mundo sabia que existia, mas ninguém nunca tinha visto.

O técnico Ricardo Araújo, que trabalhou desde o final dos anos

60 com a banda, saiu por pouco tempo e voltou recentemente,

lembra que a primeira banda que viu utilizar um P.A., pelo me-

nos no circuito de bailes, foram os Fanks, que posteriormente se

chamariam Roupa Nova. “Os instrumentos eram ligados direto

nos amplificadores e acústica, bom, hoje mesmo é difícil achar

bons lugares, mas naquela época nem existia preocupação”,

conta o técnico, que passou um mês para fazer correções no

áudio do DVD. “O

Português é um lugar

legal para tocar, mas

a acústica está longe

da perfeição”, conta.

No palco, cerca

de 30 dos 48 canais

Soundcraft Series Fi-

ve são utilizados, ex-

plica Araújo. Dez ca-

nais são distribuídos

entre as peças da ba-

teria. O baixo leva

dois canais, sendo

um em direct box e o

outro com microfone

no amp. A guitarra,

João [email protected]

Em 43 anos, o mundo se transforma e, nos últimos tempos, poucosfatores impulsionaram tantas mudanças quanto às evoluçõestecnológicas nos mais diversos campos.

Mais de quatro décadas nos

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três, com dois no amp – um de frente,outro no fundo –, mais um na direct box.Os teclados ocupam oito canais, geral-mente sendo divididos à parte em ummixer de oito canais – o técnico costumausar modelos da Behringer.

O restante vai para as vozes, mas a uti-lização de canais nem sempre é fixa,acrescenta o técnico. “Geralmente vai

de 28 a 30, mas, às vezes, pode ter mais,quando há participação especial”, con-tou, referindo-se à segunda guitarra quea banda teria no show que fariam no diaseguinte, no Canecão.

Banda tocou com Roberto,Erasmo e Jorge BenOs Fevers titulares são cinco, com o

baixista Liebert sendo o único membroda formação original. Aos 60 anos, eleparticipou da fase inicial em que o grupoacompanhava, em gravações e progra-mas de rádio e de TV, artistas principal-mente da Jovem Guarda como RobertoCarlos, Golden Boys, Erasmo Carlos eEduardo Araújo – mas também músicosde outras vertentes, até Jorge Ben e Wil-son Simonal.

Logo depois, optaram por tentaremplacar sucessos próprios – e conse-guiram. O primeiro veio no terceiroLP, em 1968, com Já Cansei, versãopara It’s Too Late , do repertório deJohny Rivers.

Outras versões garantiram a estradado grupo que, em 1982, voltaria às para-das com Elas por Elas, tema da novelada Rede Globo.

Naquela época, Liebert já pilotava omesmo baixo Fender Precision que usaaté hoje. O instrumento é de 1978 e, se-gundo o músico, foi o que preencheu to-talmente as demandas que ele esperava.“No início da banda, era só Giannini quetinha aqui no Brasil”, lembra. “Depoisque estouramos, deu para ir atrás de im-portados, como um Les Paul que usei nos

anos 70, mas optei por ficar com oPrecision porque ele faz jus ao nome.Também tem um grave muito marcante,bom para mim que toco muito acompa-nhando o bumbo da bateria”, diz obaixista, que geralmente o pluga emamps Gallen-Kruger.

Mesmo sem P.A, os amplificadorescomeçaram a ficar bacanas no finaldos anos 60 para o começo dos 70. “AOdeon, como prêmio pelo sucesso emvendas nos deu de presente seis Mar-shall, que usamos até eles se desgasta-rem e não servirem; mas foram muitosanos”, lembra Liebert.

Segundo integrante na linhagem deantiguidade, o vocalista Luiz Cláudio,também com 60 anos, começou a inte-grar os Fevers em 1969 e explica porque

Ricardo Araújo, que trabalhou desde o final dos anos60 com a banda lembra que a primeira banda que viu

utilizar um P.A., foram os Fanks, que posteriormente sechamariam Roupa Nova. “Os instrumentos eram

ligados direto nos amplificadores e acústica”

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uma inovação tecnológica não foi incor-porada pela banda. “Já experimentamoso in-ear uma vez, mas soa estranho paranós, acostumados a bailes que duravamquatro horas. De certa forma, corta umpouco o contato entre os músicos e, prin-cipalmente, o direto com o público. E édessa vibração que a gente vive, essetempo todo”, afirma.

Amor pela estradaAs maiores diferenças tecnológicas

são experimentadas nos teclados deMiguel Ângelo, que passou a integrarThe Fevers em 1982, justamente noano do (re)estouro com Elas por Elas.“Na verdade, os teclados já estavamevoluídos naquela época. Tinha bas-tante Roland DX7, que já dava bas-tantes opções”, conta o tecladista,com 53 anos e “quase 40 de estrada;comecei na adolescência”. Ele entroucomo substituto na banda, que já teveinúmeras formações, incluindo o pro-dutor musical Miguel Plopsci (sax) e o

compositor Michael Sullivan (guitarrae voz). “Comecei no lugar de outrotecladista que não gostava muito deviajar, o que era necessário”, lembraMiguel Ângelo. “Eu adoro. Amo a es-trada”, declara.

Tocando em diversos grupos antesdos Fevers, porém, Miguel usava, naépoca da Jovem Guarda, a velha pia-nola Hering. “Tinha um único som, desanfona, e era a única opção”, lembra,rindo, o músico, que hoje usufrui deefeitos de cordas, órgão, piano, etc, em

dois teclados. As cordas são reprodu-zidas em um Motif E3, que ele tambémusa com timbre de órgão. O outro teclado,um Roland JV1010 é usado “mais parasynth”, além de piano.

Para se ter uma idéia da longevidadedos Fevers, o guitarrista Rama, 49, eraum menino de seis anos quando a bandacomeçou. E nem se trata de um inte-grante recente, mas de um membro queestá com o grupo há 15 anos, fiel à sonori-dade de sua Fender Stratocaster 71,plugada no Marshall JCM900.

Plena atividadede uma banda quarentonaNos dias seguintes, passariam por ci-

dades tão diversas quanto Juiz de Fora,Vitória, São Mateus (ES) e Barreiras(BA). “São cerca de 130 shows porano. É bom fazer parte de uma trupeque, com mais de 40 anos, mantémessa atividade toda”, afirma o técnico,que antes dos Fevers trabalhou com osfinados The Pop’s, grupo ao qual se

ofereceu para “fazer qualquer coisa”,em meados dos 60. “Era fã e, com 12anos, cheguei e disse que queria traba-lhar com eles. Comecei carregandoequipamento, depois aprendendo acuidar do som, na marra. Depois, aca-bei passando para os Fevers, que segui-ram adiante”, lembra o técnico, velhocompanheiro, Ricardo Araújo. É com aguerreira trupe de profissionais/amigosque os Fevers vão encarando a estrada,nos bailes da vida, felizes, há mais de40 anos.

“Já experimentamos o in-ear uma vez, mas soaestranho para nós, acostumados a bailes que duravam

quatro horas. De certa forma, corta um pouco ocontato entre os músicos e, principalmente, o diretocom o público. E é dessa vibração que a gente vive”