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Averróis - A Destruição da Destruição Homero Fraga Bandeira de Melo Professor de Filosofia [email protected]

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Page 1: Averróis - A Destruição da Destruição Homero Fraga Bandeira de Melo Professor de Filosofia homerofraga@holosinformatica.com

Averróis - A Destruição da Destruição

Homero Fraga Bandeira de Melo

Professor de Filosofia

[email protected]

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Você está aqui conosco! Isto significa que você também está em busca da verdade das coisas e do mundo! Junte-se então. Porém,

não acredite em ninguém que tenha encontrado a verdade.

Na aula anterior fomos introduzidos ao Pensamento do Grande Filósofo, Sábio e Místico Sufi, Al-Ghazalli. Soubemos algo de sua conturbada vida e de como, a partir da compossibilidade que efetuou entre sua vida e a Filosofia, desenvolveu seus elementos paisagísticos. Al-Ghazalli desvelou as projeções cinematográficas em que se passa a vida, e que são fruto da ilusão, sob o próprio tecido da imanência – e buscou entender o jogo fantástico de luzes que somente a ilusão pode proporcionar. Para se alcançar a verdade, necessariamente tem que se passar pela ilusão – ou melhor: o caminho exige que nos tornemos ilusão e que saibamos trapacear no jogo da vida. Sintetizando: Algazel tornou o estriado em liso, tornou o deserto e as ilhas desertas o seu lugar.

Você já sabe: não me interrompa durante a exposição. Tome nota de sua questão. Após uma hora e meia de aula teremos trinta minutos para perguntas e questões, e, esse será o momento de composição com o Pensamento onde a pretensão que somente o buscador da verdade tem poderá se manifestar com tal grandiosidade que, necessariamente, será (e é) maior que nós. Há dois mil e dez anos, afirma a mitologia cristã, que um ente que compunha com os atributos do deus Mitra e, também, com o de alguns assemelhados, historicamente verificados, fez uma série de pregações dizendo, inclusive, que possuía poderosos exércitos e que os moveria contra Tibério-César. Esse homem que supostamente perturbava a paz pública romana parece ter deixado um legado. Esse legado transformou-se de mitologia pura em uma religião poderosamente fundamentada nas filosofias de Platão, Aristóteles, Plotino e Cícero. Esta aula que teremos é uma preparação para a seguinte, onde conheceremos o maior expoente de uma Igreja ainda não cindida: Santo Tomás de Aquino.

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Averróis A Destruição da Destruição

Entre os pensadores mulçumanos que exerceram influência na escolástica cristã medieval, o mais importante, depois de Avicena (980-1037), foi Averróis (1126-1198). A novidade de seu aristotelismo ante a tradição neoplatônica levantou sérias polêmicas entre os cristãos latinos da Universidade de Paris. Muitos, ancorados no aristotelismo radical de Averróis, aderiram à concepção e ao ideal de uma filosofia pura, independente da teologia, passando a integrar a corrente dos averroistas latinos.

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Averróis A Destruição da Destruição

Até mesmo seguidores moderados de Averróis, como Santo Tomás de Aquino (1225-1274), não escaparam à ira das autoridades eclesiásticas da época, preocupadas com um pensador que parecia ameaçar o Dogma da Santa Igreja Católica (inspirado a ela diretamente pelo Espírito Santo – pois como sabemos (recordando as aulas referentes a Santo Anselmo e Santo Isidoro) é a Igreja partícipe de dois mundos – o eterno e o corruptível – e, portanto, a Igreja constitui-se a si mesma como àquela que é o eterno na eternidade). A Igreja então prepara um contra-ataque pesado contra o naturalismo científico e o racionalismo filosófico oriundos da interpretação que Averróis tece de Aristóteles como forma de salvar a racionalidade do Dogma.

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“... Aquele que proíbe o estudo dos livros de filosofia a quem está apto só por acreditar que, com tal estudo, alguns indivíduos indignos se extraviaram, é semelhante a quem proíbe o sedento de beber água fresca e boa, a ponto de deixá-lo morrer de sede porque alguns se afogaram e morreram, pois a morte causada por afogamento é coisa acidental, enquanto a morte produzida pela sede é essencial e naturalmente necessária” – DEFESA E JUSTIFICATIVA DA FILOSOFIA, Doutrina Decisiva sobre a Concordância entre a Fé e a Razão. In: Alonso, M., Teologia de Averroes, pp. 158-159 (Apud: COSTA, José Silveira da, 1936-. Averróis: O Aristotelismo Radical. São Paulo: Moderna, 1997.

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O trecho que acabamos de ler está escrito em linguagem eminentemente filosófica, e, particularmente aristotélica; então: recordemos – de nossas aulas acerca do Pensamento dos Filósofos Al-Ghazalli e Avicena:

Definição de “acidente” no Pensamento de Aristóteles: aquilo que depende do acaso, na medida em que a sua causa é indeterminada;

Definição de “necessidade” no Pensamento de Aristóteles: àquilo que tem que ser de qualquer modo. Ou ainda, àquilo que não pode não ser. Para Aristóteles, o nascer do Sol é um evento necessário, pois parece acontecer todos os dias. Parece, ainda, que a água, ao alcançar a temperatura de cem graus Celsius, ferve – e isto, também, é chamado “evento necessário” por Aristóteles.

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Há dois gigantes metafísicos em nossa história: Aristóteles e Averróis. A eles devemos o cimento fundacional de nosso progresso científico, político, ético, filosófico e jurídico.

Vamos fundamentar algumas passagens acerca da História do Islã que foram expostas na nossa aula anterior? Gostaria, então, de datar melhor o nascimento de Maomé: ele nasceu por volta de 570 A.D. na cidade de Meca que fica, atualmente, no noroeste da Arábia Saudita.

Maomé, O Profeta, é um dos maiores líderes religiosos de todos os tempos.

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A rapidez com que o Islamismo dominou a Península Arábica e se expandiu em todas as direções foi realmente extraordinária. Poucos anos depois da morte de Maomé (632 A.D.) o Islamismo já dominava a Síria, a Pérsia, o Egito e o norte da África.

No início do século VIII (711 A.D.) o reino visigodo da Espanha (recordando nossa aula acerca das Etimologias de Santo Isidoro de Sevilha), cuja capital era Toledo, ficou enfraquecido devido as disputas internas.

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Os mulçumanos do norte da África atravessaram o Estreito de Gibraltar e invadiram a Península Ibérica, fundando o reino hispano-mulçumano de Al-Andaluz, tendo como capital a cidade de Córdoba.

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Al-Andaluz é o nome dado pelos mulçumanos ao território conquistado e ocupado em solo espanhol. Seus limites nunca foram fixos, ora ampliando-se ora diminuindo, segundo as etapas da expansão árabe ou da reconquista cristã. Atualmente a Andaluzia, província ao sul da Espanha, corresponde à parte mais importante do antigo Al-Andaluz, onde se situam as belas e típicas cidades de Córdoba, Sevilha e Granada.

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A chegada do Islã à Península Ibérica, e, em decorrência, a conquista dos territórios que são hoje Espanha e Portugal, foi um fenômeno natural da expansão árabe-islâmica.

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Vimos em nossa aula acerca do pensamento do sábio Al-Ghazalli que Averróis responde a seu livro A Destruição dos Filósofos (Tahafut al-Falasifah) com outro livro, onde defende a legitimidade da Filosofia como instrumento de busca da verdade. Averróis escreve o livro chamado A Destruição da Destruição (Tahafut al-Tahafut), pois a doutrina que fora pregada por Al-Ghazalli, naquele momento em que necessitava refutar a Filosofia – para através da via mística, antever a verdade da conciliação entre Revelação, Misticismo e Pensamento –, tinha conseguido adeptos fortes. O próprio Averróis estava em perigo quando o Emir de Córdoba (Abu-Yaqub Yusuf) falece, e seu filho (Abu Yusuf Yaqub al-Mansur) assume o poder. Averróis continua a receber proteção; porém, as opiniões filosóficas do Emir de Córdoba atraem para si a ira dos Doutores da Lei Revelada do Islã. Averróis, então, tem os livros queimados em praça pública, sofre ataques de toda a população e é desterrado para Lucerna (pequena cidade ao sul de Córdoba (COSTA, 1997, pp. 19)). Logo após, o Emir de Córdoba, sob forte pressão dos Doutores da Lei Islâmica, envia Ibn Rushd ao Marrocos, onde falece – recebendo o título de incrédulo, em 1198. Era necessário refutar Al-Ghazalli, mas nem assim Averróis pode salvar sua vida.

Aproveitamos para fazer mais um contra-ponto histórico com relação a preleção que antecedeu a apreciação do Pensamento de Al-Ghazalli em nossa última aula de 26 de julho deste ano de Nosso Senhor de 2010: em Al-Andaluz o poder era dissociado do Império Abássida (lembra que falamos do clã dos Abássidas em nossa última aula?) desde sua origem – ou seja: desde a conquista da Península Ibérica pelo Islã. Houve então, na Espanha ocupada pelos mouros, uma forma política independente de administração que imitava a forma político-jurídica que vigia em Bagdá. Desde 755 A.D., Al-Andaluz era uma unidade político-administrativa independente no Império Árabe. Os mouros são Omíadas, enquanto o “poder central” era Abássida (COVELLI, 2009, pp. 14).

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Os Omíadas se dissociaram dos Abássidas, pois o poder Abássida perpetrou um grande massacre, por volta da segunda metade do século VIII de nossa era, contra a família Omíada. Isto posto, os governadores Sírios se estabeleceram em Al-Andaluz e contribuíram para a arabização de diversas províncias da região Ibérica, fundando o Emirado Omíada de Al-Andaluz (COVELLI, 2009, pp. 14).

Apreciamos um pouco a paisagem histórica que compunha o plano de fundo onde o filme da vida de Averróis era projetado, então, agora, retornemos ao plano filosófico: Averróis não criou o “averroísmo”. O averroismo ou mais precisamente o “averroísmo latino” é uma criação dos Cristãos Escolásticos Medievais. Diante dessa apropriação, os escolásticos fizeram Averróis afirmar coisas que nunca disse. Inventaram os cristãos (donos de uma fantasia invejável – vejam-se os Dogmas da Igreja e o mítico personagem Cristo) que Averróis defendia que a alma racional morria quando da morte do corpo físico, porém, que a sua essência permanecia. Os cristãos são, ainda, autores da tese da “dupla verdade” – falsamente atribuída a Averróis (COVELLI, 2009, pp. 34).

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Aprendemos um pouco acerca do que Averróis não defendeu. Vamos agora saber um pouco de suas teses principais: 1. Averróis defendia a eternidade do mundo – tese contrária ao Dogma da Criação (para Averróis Deus não cria ex-nihilo – se o mundo é, isto se dá porque Deus é – vemos aí que ele corrobora, de certa forma, com Al-Ghazalli); 2. foi Deus que deu ao homem a capacidade de discernir entre o certo e o errado, segundo Averróis. A razão é o metrón através do qual o homem pode melhor reconhecer Deus aliando seu conhecimento racional de Deus ao da fé de seu coração; 3. não se pode usar do conhecimento legado por Aristóteles para afirmar que: I. o mundo foi criado no tempo; II. que Deus é Providência – embora seja possível, com base nas obras do Estagirita, conceber a Deus como Causa Primeira; III. que a alma é imortal (não se encontra isso nas obras do preceptor de Alexandre); IV. que existe revelação de verdades por parte de Deus.

Da interpretação equivocada desses pontos da doutrina averroista, os cristãos fabularam a chamada “doutrina da dupla verdade” em Averróis que afirma que nem sempre as verdades da Revelação e as da Filosofia de Aristóteles coincidem.

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No século XII A.D., no Império Árabe, e, particularmente no reino hispano-mulçumano de Al-Andaluz, a questão do conhecimento, da ciência e da possível certeza que se pode ter acerca das coisas e do mundo fora seriamente afetada pelo Kalam (Teologia Mulçumana) que operando de forma similar ao Dogma racionalista dos Cristãos tentava salvaguardar a Onipotência de Deus (no caso do Kalam; no caso Cristão, se trata mesmo de manter a onipotência da Santa Igreja Católica como aquela que dita os princípios, pois ela é aquela que se funda como herdeira do Direito Romano e do poder Romano – agora operando a methéxis platônica: sua legislação vale tanto para o eterno quanto para o corruptível).

Nota: a “methéxis” grega é a “participatio” escolástica. Lembremos: a Igreja é a mediadora entre si mesma e os crentes, e, somente a partir da Igreja, que é infalível por si mesma, é que o crente se salvará. Como máquina de captura do pensamento é a Igreja de Roma uma das maiores máquinas de atribuição de sentido jamais vistas, compondo assim uma gigantesca e poderosa máquina de guerra. Como Império, os Cristãos suplantam os Romanos do Ocidente – que lhes antecederam.

Voltando a questão do conhecimento no reino hispano-mulçumano de Al-Andaluz: ao pretender salvaguardar a onipotência divina e, dessa forma (salvando a noção de onipotência do Primeiro Princípio de Causa Eficiente), o Kalam eliminou a noção de causa e efeito. Conforme vimos com Al-Ghazalli: não existe, para a Teologia Islâmica, um efeito provindo de uma causa. O que há são efeitos de efeitos, na medida em que não há causa que os promova, devido a imobilidade do tempo e a atualização permanente de Deus como causa de Si Mesmo e do mundo. O mundo é porque Deus é.

    

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Para o Kalam tudo o que acontece depende exclusivamente do arbítrio divino. Isto posto, para o Kalam há impossibilidade de haver qualquer ciência de valor permanente e universal. Essa doutrina cética, de origem teológica, teve em Al-Ghazalli seu maior sustentáculo filosófico. Al-Ghazalli quando escreveu Tahafut al-Falasifah estava convencido da insuficiência dos métodos racionais para se chegar a verdade de Deus e do mundo. Averróis defrontou-se diretamente com o chamado “ceticismo de Al-Ghazalli” que teve ampla acolhida em Al-Andaluz com a vitória dos Almóadas, os quais haviam reabilitado a doutrina de Al-Ghazalli, anteriormente proibida pelos Almorávidas.

Vamos entender melhor isso? Sintetizando a história que aprendemos até aqui: em 711 A.D. os Árabes derrotam os Cristãos Visigodos e Al-Andaluz foi anexada ao Califado Omíada. Durante 40 anos, o Califado foi a forma de governo em Al-Andaluz. Em 749 A.D. os Abássidas promoveram o massacre dos Omíadas e o príncipe Abd al-Rahman I sobreviveu e passou a controlar a Espanha como um estado independente. Em 929 A.D., quando o poder do califado Abássida estava declinando, o governante espanhol, Abd al-Rahman III tomou o título de Califa para ele e seus sucessores, mas, o novo califado durou apenas um século e rapidamente desmoronou, em 1030 A.D.  Em 1083, os Almorávidas controlaram o Marrocos e a Argélia. Em 1087, a cidade de Ceuta é conquistada. Em 1085, Alfonso VI conquista Toledo dos mulçumanos e o governante de Sevilha (o reino hispano-mulçumano de Al-Andaluz começava a ruir devido às disputas internas – historicamente, se fôssemos nos ater ao que hoje sabemos, não poderíamos mais falar “Al-Andaluz;” porém, usamos dessa terminologia pois em nosso tempo de aula não nos é possível entrar profundamente em análises históricas) pede ajuda aos Almorávidas para rechaçar os cristãos. Alfonso VI é derrotado. Em 1147 A.D., os Almoádas, sitiaram Marrakesh e em 1172 A.D., controlavam toda  a Espanha mulçumana, terminado assim, com o domínio Almorávida.

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Superar o ceticismo em geral, e o de Al-Ghazalli em particular, significava defender o próprio valor da filosofia e seu direito à existência no contexto do Islã. Foi o que Averróis explicitamente procurou fazer com sua Destruição da “Destruição dos Filósofos”.

Para Averróis o valor científico de todo conhecimento deve necessariamente fundar-se na validade universal do princípio de causalidade. Trata-se de um princípio absolutamente demonstrado e tornado evidente pela própria experiência das sensações, pelas quais captamos a realidade sensível externa. Supor que um mesmo ato possa produzir ora um efeito ora outro diferente, sem razão suficiente, é não só absurdo, mas até mesmo ímpio, pois compromete a própria unidade da essência divina. Deus não muda porque é a própria lei eterna que tudo rege, domina e governa.

A necessidade dos seres e de sua relação causal é vista por Averróis como uma decorrência da mesma existência de Deus. Como Deus é o criador de tudo, o fundamento do saber está imbricado na própria estrutura da realidade, e não no sujeito cognoscente. O entendimento humano, enquanto tal, é um reflexo da essência divina participada pela ordem natural dos seres.

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A refutação do ceticismo tem como fundamento o mesmo pressuposto de Al-Ghazalli: a existência de um Deus criador do universo. Negar o princípio de causalidade equivaleria a afirmar a impossibilidade de deduzir, a partir do mundo visível, a existência de uma causa invisível, isto é, Deus. Mas, uma vez demonstrada a existência dessa causa, o conhecimento de sua essência leva necessariamente ao reconhecimento da relação causa-efeito, que preside e garante a estrutura interna do universo. Essa estrutura necessária torna possível a sabedoria e a ciência.

Refutar Al-Ghazalli respondendo a Tahafut al-Falasifah com o clássico Tahafut al-Tahafut custou a Averróis a vida e garantiu a Europa Cristã, (mesmo com a condenação do averroismo latino em 10 de dezembro de 1270 através do decreto do Bispo de Paris, Etienne Tempier, e, ainda, a condenação de 7 de março de 1277 de quase toda a obra de Aristóteles), a certeza do progresso subversivo do Pensamento averroista que se infiltrou na fundamentação da cultura européia e propiciou o desenvolvimento científico que se veria mais a frente. O mundo após Averróis seria radicalmente diferente na Europa Cristã. Averróis influenciou Guilherme de Ockham e o Nominalismo (ver Apostila I do Curso).

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Pontos finais e importantes do Pensamento de Averróis: - a realidade constitui o objeto de nosso conhecimento; - a verdade consiste em pensar o objeto representando-o no espírito tal como existe fora; - o objeto é anterior a sua apreensão; - nada que tenha origem o é em vão (Deus cria necessariamente); - a inteligibilidade das coisas naturais só se explica por sua origem; - a origem das coisas naturais está em uma Causa Racional e Inteligente, pois nenhum objeto sensível pode se tornar inteligível em potência fora dessa hipótese (o discernimento só é possível, pois Deus é o garantidor da razão).

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Sintetizando nossa aula de hoje: para Averróis o mundo é eterno, embora a realidade dos sensíveis seja regida pelo regime de causa e conseqüência. Deus participa ao homem a razão (Deus não participa com o homem da razão). A razão gera o discernimento que, como derivação da alma racional, permite ao homem intuir o certo e o errado. Lembremos sempre que, até Averróis, os Filósofos Árabes amalgamavam o Mundo das Idéias platônico com a ciência aristotélica. Tahafut al-Tahafut causou a condenação das teses averroistas no mundo árabe, que já iniciava sua decadência como Império, e alavancou o progresso filosófico cristão – mesmo que de forma subversiva, inicialmente.

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Vamos a nossa síntese final? Para Averróis A Filosofia é instrumento legítimo de busca da verdade de Deus e do Mundo.

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Em nossa próxima e última aula, vamos tomar conhecimento, de forma muito resumida, de três livros de Santo Tomás: Tratado de Deus Uno em Essência, Tratado da Criação em Geral e Da Imortalidade da Alma. Todos esses livros fazem parte da Summa Theologica de Santo Tomás de Aquino.

Aguardo você para nossa última aula e para o encerramento de nosso Curso. Peça adição à Lista Intercessões (se tiver interesse me mande um email – ou converse comigo ao final desta aula) e se mantenha informado acerca dos Cursos presentes e futuros, virtuais e presenciais, que o Professor Homero Fraga irá ministrar a partir de abril de 2011.

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Bibliografia

COSTA, José Silveira da, 1936-. Averróis: O Aristotelismo Radical. São Paulo: Moderna, 1997.

COSTA, José Silveira da, 1936-. A Escolástica Cristã Medieval. Rio de Janeiro: J.S. da Costa, 1999.

COVELLI, Anna Rosa Martinho. Ibn Rusd: A Noção de Tawil no Fasl Almaqal. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 2009.

KOBUSCH, Theo (Org.). Filósofos da Idade Média. Tradução de Paulo Soethe. São Leopoldo-RS: UNISINOS, 2005.