avanÇos recentes em biologia celular e molecular…livros01.livrosgratis.com.br/cp027595.pdf ·...

178
AVANÇOS RECENTES EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR, QUESTÕES ÉTICAS IMPLICADAS E SUA ABORDAGEM EM AULAS DE BIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO: um estudo de caso. Taitiâny Kárita Bonzanini Orientador: Prof. Dr. Fernando Bastos Mestrado em Educação para a Ciência Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência – UNESP – Campus de Bauru

Upload: trantuong

Post on 28-Dec-2018

224 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

AVANOS RECENTES EM BIOLOGIA CELULAR E

MOLECULAR, QUESTES TICAS IMPLICADAS E SUA ABORDAGEM

EM AULAS DE BIOLOGIA NO ENSINO MDIO: um estudo de caso.

Taitiny Krita BonzaniniOrientador: Prof. Dr. Fernando BastosMestrado em Educao para a CinciaPrograma de Ps-Graduao em Educao para a Cincia UNESP Campus de Bauru

Livros Grtis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grtis para download.

SUMRIO

Resumo........................................................................................................................8

Abstract ......................................................................................................................9

CAPTULO I

1.INTRODUO......................................................................................................10

1.1Objetivos ..............................................................................................................17

CAPTULO II

2. METODOLOGIA...............................................................................................19

2.1.Estruturao dos referenciais tericos.................................................................20

2.2 Caracterizao da escola, grupo de alunos e professor observados.................20

2.2.1 A escola............................................................................................................20

2.2.2 A turma de alunos.............................................................................................21

2.2.3 A professora de biologia...................................................................................21

2.2.4 Carga horria e aulas ministradas.....................................................................22

2.3 A pesquisa qualitativa.......................................................................................23

2.4 Procedimentos de coleta e anlise de dados.....................................................27

CAPTULO III

3. CONHECIMENTOS EM GENTICA GERAL, GENTICA MOLECULAR E

BIOLOGIA CELULAR: CONSIDERAES HISTRICAS.................................31

3.1 A gentica de Mendel .........................................................................................35

3.2 Consideraes histricas sobre o desenvolvimento da gentica no sculo XX..40

3.3 Avanos recentes em biologia celular e molecular.............................................49

CAPTULO IV

4. O ENSINO DE GENTICA NA ESCOLA MDIA .........................................64

4.1 Pesquisas sobre o ensino de Gentica.................................................................72

4.2 O ensino de Gentica nas propostas curriculares e nos livros didticos.............82

2

CAPTULO V

5. REFERENCIAIS TERICOS...........................................................................95

5.1 A formao docente............................................................................................95

5.2 A prtica docente..............................................................................................104

CAPTULO VI

6. RESULTADOS E DISCUSSO....................................................................118

6.1 O questionrio de pr e ps-teste....................................................................120

6.2 Descrio e anlise das observaes..............................................................122

6.3 Episdios de ensino selecionados...................................................................134

6.4 Anlise de documentos...................................................................................150

6.4.1 Trabalhos elaborados pelos alunos.................................................................150

6.4.2 Planejamento curricular..................................................................................155

6.4.3 Livros didticos utilizados..............................................................................155

6.5 Entrevista realizada com a professora............................................................157

CAPTULO VII

7. CONSIDERAES FINAIS..............................................................................162

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS....................................................................166

3

4

5

6

BONZANINI, T. K. AVANOS RECENTES EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR, QUESTES TICAS IMPLICADAS E SUA ABORDAGEM EM AULAS DE BIOLOGIA NO ENSINO MDIO: um estudo de caso.

RESUMO

7

O trabalho corresponde a um estudo de caso (Bogdan & Biklen, 1994) em que aulas de

biologia de uma turma de alunos do 2 ano do ensino mdio foram sistematicamente

observadas com o intuito de verificar de que forma surgem e so trabalhadas questes

relativas aos avanos recentes em biologia celular e molecular (organismos

transgnicos, clonagem, experincias com clulas tronco, projeto genoma etc.). Ateno

especial foi dada s demandas formativas que esse aspecto do ensino de biologia suscita

junto aos professores, tanto em nvel de aprofundamento de conhecimentos em biologia

celular e molecular, quanto em nvel de decises sobre como organizar a abordagem e

discusso de temas polmicos e implicaes ticas subjacentes. O referencial terico

para o desenvolvimento da pesquisa e anlise de dados foi estruturado com base em

literatura especializada sobre formao de professores (Schn & Costa, 2000;

Perrenoud, 2000; Zaballa, A.,1998; Carvalho e Gil-Prez, 1995; entre outros).

Palavras-chave: Ensino de Biologia, Ensino de Gentica, Avanos Recentes em Biologia Molecular.

BONZANINI, T. K. RECENT ADVANCES IN MOLECULAR AND CELLULAR BIOLOGY, ETHIC QUESTIONS IMPLICATED AND ITS APPROCH IN BIOLOGY CLASSES IN HIGH SCHOOL: a study of case.

ABSTRACT

8

The work corresponds to a study of case (Bogdan & Biklen, 1994) in which biology

classes in a group o students from second year in high school were systematically

observed on propose to verify how the questions relating to the recent advances in

molecular and cellular biology (transgenic organisms, clonating, experiments with stem-

cells, genome project, etc.) appear and worked. A special attention was given formative

demands that this aspect of the teaching in biology rouse among the teachers, both

making deeper in the knowledge in molecular and cellular biology and the decisions

about how organize the approach and discussion relating to the polemic subjects and

ethic implications underlying. The theoretic reference to the development of the

research and data analysis was based on specialized literature about teachers graduation

(Schn & Costa, 2000; Perrenoud, 2000; Zaballa, A.,1998; Carvalho e Gil-Prez, 1995;

et al.).

9

CAPTULO I

1. INTRODUO

medida que iniciamos um novo sculo, a educao surge como a

preocupao fundamental em todos os pases do mundo, inclusive tendo em vista o

futuro da humanidade e do planeta. Os desafios do novo sculo com vistas

eliminao da pobreza e garantia de um desenvolvimento sustentvel e de uma paz

duradoura recaem sobre os jovens de hoje. Educ-los para enfrentar esses desafios

tornou-se um objetivo prioritrio para qualquer sociedade.

Deste modo, entendemos a escola como um local de

desenvolvimento de conhecimentos, idias, atitudes e pautas de comportamento que

permitam ao aluno uma incorporao eficaz ao mundo contemporneo, no mbito

da liberdade do consumo, da liberdade de escolha e participao poltica, da

liberdade e responsabilidade na esfera da vida familiar (GIMENO SACRISTN e

PREZ GMEZ, 1998).

A maior parte dos pases do mundo valoriza o ensino cientfico como

um fator para o progresso da economia nacional, principalmente na formao de

10

profissionais altamente qualificados. Mais fundamental ainda, talvez, notar que

esses conhecimentos tambm tm um papel na construo de uma sociedade

democrtica, uma vez que podem ser aplicados para entender e participar de debates

relacionados a diversos temas.

Para abordar a cincia e a tecnologia como se apresentam hoje, os

indivduos necessitam de um certo grau de conhecimentos cientficos para que

possam entender a cincia como patrimnio cultural das sociedades

contemporneas.

Os Parmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1999), quanto s

Cincias Naturais, sugerem que no ensino fundamental o aluno desenvolva

competncias que lhe permitam compreender o mundo em que vive e atuar como

indivduo e como cidado, utilizando conhecimentos de natureza cientfica e

tecnolgica. Destacam que, numa sociedade em que se convive com a

supervalorizao do conhecimento cientfico e com a crescente interveno da

tecnologia no cotidiano, no possvel pensar a formao de um cidado crtico

margem do saber cientfico.

H alguns anos, clonar seres humanos e mapear os genes existentes

nas clulas eram assuntos de fico cientfica, mas, durante a ltima dcada vem

ocorrendo um grande avano no conhecimento em gentica, e esse assunto j est

sendo abordado at mesmo em novelas de televiso. Os genomas de diversos

organismos tm sido minuciosamente investigados mediante tcnicas que permitem

o seqenciamento do DNA (cido desoxirribonuclico) e outros resultados

similares. H uma crescente quantidade de pesquisas envolvendo experimentos de

clonagem. Alm disso, estamos rodeados de produtos alimentcios e medicamentos

provenientes de organismos geneticamente modificados e de uma infinidade de

11

outros resultados da investigao cientfica. Tais novidades de natureza cientfico-

tecnolgica espantosas, diga-se de passagem - no ocorrem, porm, num cenrio

de aceitao pacfica, mas em meio a intensas controvrsias sobre aspectos ticos e,

tambm, em meio a poderosos interesses econmicos e polticos. Deste modo, com

o avano da engenharia gentica e as atuais pesquisas neste campo, praticamente

impossvel admitir que os alunos permaneam alheios a estas descobertas.

crescente a necessidade da escola e, conseqentemente, do professor oportunizar a

discusso destes assuntos cada vez mais presentes no cotidiano das sociedades

contemporneas.

Os estudantes de hoje cada vez mais formam parte de uma sociedade

na qual as tecnologias genticas esto inseridas. Chegar o momento em que se

exigir decises pessoais relacionadas aos resultados destas tecnologias, e tais

decises sero cruciais nas respostas da sociedade.

Apesar da gentica molecular produzir uma infinidade de novos

dados sobre os mecanismos de hereditariedade, pesquisas relevam (Wood-Robinson

et al.,1998; Bonzanini, 2002) que a maioria das pessoas ainda possui escassas

informaes sobre os conceitos bsicos desta rea; esses autores, durante o

desenvolvimento de suas pesquisas, constataram ainda que, quando indagados, os

alunos revelam desconhecer o que seria e quais as tcnicas utilizadas em pesquisas

como o Projeto Genoma Humano e produo de organismos geneticamente

modificados. Alm disso, apontam tambm, que nos jornais e revistas para o grande

pblico, esses temas so geralmente tratados de maneira superficial, confusa e

incompatvel com um nvel mnimo de rigor cientfico.

Sendo assim, percebe-se a necessidade de explicitar tais conceitos e

buscar caminhos para articular o Ensino de Cincias ao cotidiano das pessoas, j

12

que, a escola no pode ignorar o que se passa no mundo; e embora esses temas

(Projeto Genoma Humano, clonagem, organismos transgnicos, pesquisas com

clulas tronco) estejam amplamente abordados pelos meios de comunicao,

conforme as pesquisas citadas acima, a sociedade brasileira no possui

conhecimento necessrio para entender e interpretar esses avanos e assumir uma

posio consciente diante de assuntos sobre os quais precisar opinar. Neste

contexto, a responsabilidade de discutir os avanos da gentica de forma inteligente,

clara e acessvel aos alunos recai sobre os educadores.

Diante dessas colocaes surgem, ento, certas indagaes: estariam

os professores de hoje preparados para abordar e discutir tais temas no intuito de

instrumentalizar os educandos para que possam participar de processos de tomada

de deciso a respeito das recentes pesquisas na rea de biologia celular e molecular?

As propostas curriculares e os livros didticos abordam satisfatoriamente o estudo

de conceitos relacionados a estas temticas? Esses assuntos despertam o interesse

dos alunos?

Quanto ao estudo de gentica, uma pesquisa realizada por Justina et

al. (2000) verificou, por meio de entrevistas, que a maioria dos professores declaram

apresentar dificuldades tanto para ensinar como para fazer com que seus alunos

compreendam satisfatoriamente as novas abordagens em gentica. Esta pesquisa

revelou tambm a preocupao dos professores com as temticas atuais que no

aparecem nos documentos oficiais ou nos livros didticos. Outras pesquisas revelam

(Justina e Barradas, 2003; Fvaro et al., 2003) que os professores continuam

distantes das inovaes que acontecem, e repassam a seus alunos conceitos estticos

e errneos contidos nos livros didticos.

13

Apesar dos avanos da Biologia moderna despertarem o interesse da

maioria dos alunos (Wood-Robinson et al.,1998; Bonzanini, 2002), no esto

presentes nos currculos escolares, e, nos livros didticos, quando citados, trazem

muitos erros conceituais (Fracalanza, 1985; Malaguth, 1997; Fvaro, 2003).

Diante disso, surge a necessidade de uma atualizao dos contedos

das disciplinas cientficas adequando-as aos currculos e programas atualizados para

educar as geraes do sculo XXI, que esto constantemente recebendo informaes

sobre temas biolgicos vinculados nos meios de comunicao.

Amorim (1995) ressalta a importncia de um novo contexto para o

ensino de Cincias no qual se destaque a relevncia social, os alcances e as

limitaes da Cincia. Trivelato (1995) complementa descrevendo a importncia de

se pensar as disciplinas cientificas como elemento formador de cidados crticos,

de reconhecermos sua importncia e, at mesmo, sua ineficincia.

Krasilchik (1987) cita a importncia de uma contextualizao mais

abrangente do currculo de Cincias, uma vez que vrios fatores se

incompatibilizam com os currculos escolares, como a expanso rpida do

conhecimento, a necessidade de atualizao, a ampliao dos meios de

comunicao, entre outros.

Alm disso, desejvel que exploremos a Biologia a partir de

assuntos atuais, polmicos, que motivem os alunos a buscar leis e teorias que

respondam suas dvidas. Por exemplo, as controvrsias relacionadas aos avanos

recentes em biologia celular e molecular podem servir como temas geradores que

despertem o interesse por conceitos de gentica bsica (CANAL, 2002).

Sendo assim, um novo contexto para o ensino de Biologia, que prev

a incorporao de temticas atuais, que motivem o aluno a aprender determinados

14

conceitos, precisa levar em considerao tambm o uso de estratgias e recursos

para instigar, motivar, surpreender os estudantes levando-os a participar dessas

discusses. Para isso, faz-se necessrio que o professor disponha de diversos

instrumentos para que as aulas sejam mais interessantes e menos montonas,

promovendo discusses nas quais oua o ponto de vista de cada aluno e no

somente exponha o seu como uma verdade absoluta, fazendo com que possam

relacionar isso ao seu dia a dia, aos benefcios e prejuzos que podem trazer, bem

como analisar criticamente e opinar sobre questes polmicas de uma maneira

coerente. Segundo Arroyo (2000) ao motivar o aluno evita-se sua marginalizao e

excluso.

A maneira como temas como clonagem, organismos transgnicos e

Projeto Genoma Humano sero tratados em aula, ou seja, a didtica utilizada pelo

professor poder provocar o interesse ou a recusa por parte dos alunos, e os

processos de tomada de deciso e at mesmo a compreenso de tais temas

dependem de uma base slida de conhecimentos que podem ser oferecidos pela

escola.

Uma vez que esses temas so de grande importncia para a formao

do educando, sua abordagem precisa ter em vista o favorecimento de uma

aprendizagem significativa, da a importncia de uma prtica educativa diferenciada

que coloque o aluno em contato com experincias fecundas para ele.

preciso que o educador promova uma educao cientfica que

divulgue os avanos da cincia, pois, alm de necessidade, um dever social.

imprescindvel que se transmita para os alunos uma cincia mais atual, histrica,

social, crtica e humana. Segundo Trivelato (1995), os professores ainda transmitem

15

aos seus alunos idias errneas sobre a cincia, sobre os cientistas e sobre a

elaborao do conhecimento cientfico.

Uma educao cientfica democrtica, voltada para a cidadania, visa

preparar os educandos para assimilar informaes de qualidade, aprimorando o juzo

crtico e solidificando uma verdadeira sociedade atuante.

Ao abordar contedos significativos atravs de uma perspectiva

transformadora, pode-se propiciar aos alunos a oportunidade de ampliarem a leitura

da realidade, e tal conscientizao poder lev-los a aes que promovam

transformaes sociais.

Entretanto, no podemos ignorar as dificuldades enfrentadas pelo

professor, como as precrias condies de trabalho, a escassez de material e de

recursos, a falta de tempo para elaborar materiais didticos e at mesmo uma

formao deficiente.

A partir dos aspectos aqui levantados, consideramos de extrema

importncia a realizao de pesquisas que focalizem o ensino de temas de biologia

celular e molecular no sentido de trazer subsdios para a formao de professores,

para a elaborao de propostas curriculares e materiais didticos e para a discusso

das questes da prtica docente.

Assim, esta pesquisa enfocou o ensino de gentica em uma escola tal

como se processa; propostas curriculares oficiais, planejamentos escolares

elaborados por professores e contedos de livros didticos adotados foram

considerados, mas a ttulo de referncia, pois, muitas vezes, os materiais didticos

utilizados e as declaraes de inteno registradas nos planos de ensino no refletem

exatamente as convices que os professores possuem, e que so reveladas atravs

de suas aes, j que, segundo Cunha (1989), o estudo "do professor em seu

16

cotidiano, tendo-o como ser histrico e socialmente contextualizado pode auxiliar

na definio de uma nova ordem pedaggica e na interveno da realidade no que

se refere sua prtica e sua formao.

1.1 Objetivos

Tendo em vista os questionamentos relacionados acima, importante

perguntarmos: Temas de biologia contempornea esto sendo efetivamente

introduzidos e estudados na escola bsica? De que maneira? Que estratgias de

ensino so utilizadas pelos professores para favorecer a aprendizagem desses

contedos pelos alunos? Que obstculos surgem e tm que ser enfrentados?

O presente trabalho pretende oferecer uma pequena contribuio

nesse sentido e, deste modo, toma como ponto de partida os seguintes objetivos de

pesquisa:

1- Verificar se temas como cincia genmica, clonagem,

organismos transgnicos etc. esto sendo efetivamente abordados em

aulas de Biologia na Escola Mdia, e de que maneira essa abordagem

ocorre. Ateno ser dada aos seguintes aspectos, entre outros:

(a) Os referidos temas so parte integrante do plano de ensino do

professor/escola ou surgem durante as aulas de maneira acidental,

por exemplo, apenas quando o professor interpelado pelos alunos?

(b) As aulas de biologia limitam-se a enfocar produtos finais da

atividade cientfica na rea ou tambm enfocam o fazer cientfico, os

mtodos de pesquisa, os interesses econmicos e polticos

subjacentes, as questes ticas suscitadas etc.?

17

(c) O professor prope atividades de ensino que permitam a

explorao desses contedos de forma inteligente e aberta,

contemplando os diferentes ngulos de cada questo?

(d) At que ponto a formao anterior e material de apoio de que o

professor dispe sustentam ou no o trabalho com esses temas?

2- Verificar de que forma temas contemporneos de biologia

celular e molecular aparecem e so trabalhados nos materiais de

apoio utilizados por professores e alunos em aulas de Biologia na

escola mdia (por exemplo, livros didticos);

3- Identificar obstculos que dificultam a abordagem desses

temas na escola mdia, para, a partir disso, oferecer subsdios que

permitam novas aes no mbito da formao de professores e

produo de material didtico.

18

CAPTULO II

2. METODOLOGIA

Conforme j mencionado, a presente pesquisa tem como objetivo

investigar de que maneira a temtica relativa aos avanos recentes em biologia

celular e molecular surge e abordada em aulas de biologia para o ensino mdio.

Tal objetivo, da forma geral como est aqui colocado, poderia ter dado origem a

uma pesquisa em extenso, isto , a uma pesquisa que buscasse mapear aspectos do

problema em um grande nmero de salas de aula. Entretanto, nossa opo foi por

realizar uma pesquisa com outras caractersticas, ou seja, uma pesquisa que,

focalizando episdios de ensino subseqentes ocorridos em uma nica turma de

alunos, permitisse analisar, de modo mais detalhado e aprofundado, as diversas

interaes ocorridas entre os sujeitos envolvidos (alunos e professores), bem como

interpretar as perspectivas desses sujeitos e sua possvel evoluo. Assim, o grupo

que, mediante nosso convite, aceitou estar participando da pesquisa foi composto

por uma turma de alunos de uma dada escola de ensino mdio e sua professora, da

maneira como especificaremos a seguir.

19

2.1 Estruturao dos referenciais tericos

Tendo em vista os objetivos da pesquisa, consideramos importante

organizar captulos que proporcionassem ao leitor um breve panorama sobre os

seguintes temas:

(a) conhecimentos em gentica geral, gentica molecular e biologia

celular e sua evoluo nos ltimos 150 anos;

(b) pesquisas e propostas referentes ao ensino de gentica e questes

correlatas;

(c) pesquisas e propostas referentes formao de professores e

referentes estruturao da prtica pedaggica no contexto do ensino de cincias e

biologia.

Esses captulos foram elaborados com base em pesquisa bibliogrfica

e constituram referncias para a anlise e discusso dos dados coletados. Esses

referenciais, portanto, foram utilizados para a anlise da prtica pedaggica e

nortearam nossos trabalhos.

2.2 Caracterizao da escola, grupo de alunos e professor observados

2. 2.1 A escola

A escola objeto desse estudo, escolhida graas equipe escolar ter

sido receptiva idia de que uma coleta de dados fosse ali desenvolvida, uma

escola pblica de ensino fundamental e mdio da regio de Bauru (SP).

O prdio, construdo h cerca de 58 anos, possui 16 salas de aula, um

laboratrio, uma biblioteca, uma sala de informtica, um teatro (salo nobre), o

20

ptio, a quadra poliesportiva, sala de professores e instalaes para servios

administrativos. Apesar de ser uma construo antiga, o prdio da escola bem

conservado.

A escola est situada no centro da cidade e atende toda a clientela do

ensino mdio do municpio (zona urbana e rural).

2.2.2 A turma de alunos

A pesquisa foi realizada com uma turma do 2 Ano do Ensino

Mdio, composta por, inicialmente 45 alunos. No decorrer dos bimestres, esse

nmero variou devido algumas transferncias, chegando ao final do ano letivo

com 40 alunos. Essa turma foi escolhida por razes ligadas ao planejamento

curricular, j que na escola investigada, o contedo de gentica ministrado no 2

Ano.

2.2.3 A professora de Biologia

Concluiu, no ano de 1983, o curso de Licenciatura em Cincias

pela Universidade de Bauru (Bauru, SP), instituio extinta em 1987, ano de sua

incorporao pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Obteve, ainda, ao

retornar a essa universidade, Habilitao em Biologia em 1989. Integra o corpo

docente efetivo da escola h 20 anos, ministrando 33 aulas semanais, alm de

trabalhar em uma escola particular do municpio.

Revelou que tem participado de atividades de capacitao

oferecidas pelo Governo do Estado e mostrou-se muito receptiva. Aceitou que

21

suas aulas fossem observadas e concordou em colaborar com o levantamento de

dados para esta pesquisa.

2.2.4 Carga horria e aulas ministradas

A carga horria destinada Biologia nas Escolas da Rede Estadual

de Ensino compreende 2 aulas semanais com durao de 50 minutos cada aula. Ao

todo foram observadas 41 aulas, sendo realizada a observao de uma aula na

segunda-feira e outra na quinta-feira, de um total de 50, pois 9 dessas aulas

coincidiram com feriados e programaes da escola que implicaram em dispensa

dos alunos, como, por exemplo, campeonato de futebol municipal, idas ao cinema

ou teatro. Para melhor descrio, as aulas foram numeradas de 1 a 50, sendo que a

nmero 1 foi a primeira aula observada na qual ocorreu a aplicao do

questionrio de pr-teste (anexo 1) e a nmero 50 a ltima aula observada na qual

aplicou-se o questionrio ps-teste.

As aulas que implicaram em dispensa dos alunos acarretaram em

diminuio do tempo disponvel e, conseqentemente, na reduo dos assuntos

abordados, fato este que foi, inclusive, comentado pela professora.

2.3 A pesquisa qualitativa

22

Buscando realizar os objetivos estabelecidos para esta pesquisa,

utilizamos uma abordagem de investigao de natureza qualitativa, pois a fonte

direta de dados foi o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento

principal (Bogdan & Biklen, 1994). A investigao qualitativa favorece que os

investigadores interessem-se mais pelo processo do que simplesmente pelos

resultados ou produtos.

No processo qualitativo, ocorre uma espcie de dilogo entre os

investigadores e os sujeitos da investigao, com o objetivo de perceber o que estes

sujeitos experimentam, como as experincias so interpretadas e como estruturam o

mundo em que vivem (Psathas, 1973)1.

A denominao pesquisa qualitativa conforme Alves (1991, p. 54)

uma expresso que: apresenta abrangncia suficiente para englobar mltiplas

variantes. Segundo esse autor, a pesquisa qualitativa parte do pressuposto de que as

pessoas agem em funo de suas crenas, percepes, sentimentos e valores, portanto

seu comportamento tem sempre um sentido, um significado no reconhecido

imediatamente, precisando ser revelado. Reafirmando essa posio, este autor cita

Patton (1986, p. 22) que indica trs caractersticas indispensveis aos estudos

qualitativos:

1- Viso holstica: parte do princpio que a compreenso de um

significado de um comportamento ou evento s possvel em funo da

compreenso das interrelaes que surgem de um dado contexto;

1 PSATHAS, G. Phenomenological sociology. New York: Wiley, 1973.

23

2- Abordagem intuitiva: definida como aquela em que o pesquisador

inicia suas observaes mais livremente deixando que as categorias de interesse

emerjam progressivamente durante o processo de coleta e anlise de dados;

3- Investigao naturalstica: investigao na qual a interveno do

pesquisador no contexto observado reduzida ao mnimo.

Bogdan e Biklen (1994) apresentam cinco caractersticas bsicas que

configuram a pesquisa qualitativa: (a) a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural

como sua fonte principal de dados e o pesquisador como seu principal instrumento;

(b) os dados coletados so predominantemente descritivos; (c) a preocupao com o

processo muito maior do que com o produto; (d) o foco de ateno especial do

observador o significado; (e) a anlise de dados tente a seguir um processo

indutivo.

As caractersticas apontadas acima possuem vrias implicaes para

a pesquisa. Entre outras podemos destacar o fato de se considerar o pesquisador

como o principal instrumento de investigao e a necessidade do contato direto e

prolongado com o objeto pesquisado. Essas caractersticas apontam tambm para a

natureza predominante dos dados qualitativos: descries detalhadas de situaes,

eventos, pessoas, interaes e comportamentos observados; citaes literais do que

as pessoas falam sobre suas experincias, atitudes, crenas e pensamentos; trechos

ou integras de documentos, atas ou relatrios de casos(Patton, 1986, p. 22 apud

Alves, 1991, p.54).

Para Alves (1991, p.55), os investigadores qualitativos compreendem

a realidade como uma construo social da qual devem participar observando o

todo, considerando os componentes de uma dada situao em suas interaes e

24

influncias recprocas, o que exclui a possibilidade de se fazer generalizaes do

tipo estatstico. Sendo assim, segundo esta autora: no se pode, no processo de

investigao, deixar de valorizar a imerso do pesquisador no contexto, em

interao com os participantes, procurando apreender o significado por eles

atribudo aos fenmenos estudados.

O foco da pesquisa qualitativa deve emergir por um processo de

induo, do conhecimento do contexto e das mltiplas realidades construdas pelos

participantes em suas influncias recprocas. O foco do estudo ser

progressivamente ajustado durante a investigao, e os dados dela resultantes sero

predominantemente descritivos e expressos atravs de palavras (ALVES, 1991).

Alves (1991) cita que para Lincoln e Guba (1985) a focalizao

atende a dois objetivos principais: estabelece os limites da investigao e orienta os

critrios de incluso e excluso, auxiliando o pesquisador a selecionar informaes

relevantes. Estes autores revelaram que no processo de focalizao se faz muito

importante o conhecimento tcito, ou seja, refere-se aquilo que o professor sabe

embora no consiga expressar sob forma proposicional.

Alm da focalizao do problema, importante a imerso do

pesquisador no contexto com uma viso geral e no enviesada do problema

considerado (ALVES, 1991).

Aps estabelecer questes relevantes para o estudo, o pesquisador

inicia a coleta sistemtica dos dados, que pode ou no ocorrer com o uso de

instrumentos auxiliares, com questionrios, roteiros de entrevistas, formulrios de

observao entre outros. Alves (1991) considera que a observao, a entrevista em

25

profundidade e a anlise de documentos so os principais instrumentos de coleta de

dados em pesquisas qualitativas.

A terceira etapa, desse tipo de pesquisa, compreende a anlise dos

dados, da qual emerge a teoria. Geralmente as pesquisas qualitativas geram uma

grande quantidade de dados que precisam ser organizados e compreendidos; isso

pode ocorrer at mesmo durante a coleta de dados, pois o pesquisador pode escolher

temas, criar interpretaes. Muitas vezes os dados da pesquisa contm citaes de

falas para ilustrar e incrementar a apresentao. Alm das citaes, os dados

podero englobar ainda, transcries, fotografias, vdeos, documentos pessoais,

entre outros registros (BOGDAN e BIKLEN, 1994). O pesquisador precisa planejar

seu estudo de modo a obter credibilidade, transferibilidade, consistncia e

confirmabilidade (ALVES, 1991).

O pesquisador para Ldke e Andr (1986) deve exercer o papel

subjetivo de participar e o papel objetivo de observador, colocando-se em uma

posio mpar para compreender e explicar o comportamento humano. Partindo de

um esquema geral de conceitos, o pesquisador procura testar constantemente suas

hipteses com a realidade observada diariamente; e, por estar inserido na realidade,

o pesquisador est apto a detectar as situaes que provavelmente lhe fornecero

dados que corroborem com suas conjecturas.

A partir dos primeiros contatos com os participantes, o pesquisador

deve-se preocupar com sua aceitao pelos sujeitos da pesquisa e decidir, at

mesmo, como e quanto se envolver nas atividades (LDKE e ANDR, 1986).

A pesquisa qualitativa, segundo Ldke e Andr (1986), pode assumir

vrias formas; o presente trabalho pode ser considerado como um estudo de caso2,

2 Pesquisadores consideram o estudo de caso como uma pesquisa etnogrfica.

26

pois contempla as caractersticas bsicas destacadas por estes autores para esse tipo

de pesquisa, uma vez que:

visam descoberta (...) enfatizam a interpretao em contexto (...)

buscam retratar a realidade de forma completa e profunda (...) usam uma

variedade de fontes de informao (...) revelam experincia vicria e

permitem generalizaes naturalsticas e (...) procuram representar os

diferentes e s vezes conflitantes pontos de vista presentes numa situao

social.

Portanto, o estudo de caso, na realidade, o estudo de um caso, bem

delimitado, com contornos bem definidos ao desenvolver do estudo. No estudo de

caso, o pesquisador utiliza uma amostragem pequena, no representativa, e pode

proceder a coleta de dados utilizando instrumentos e tcnicas mais ou menos

estruturados.

A tcnica utilizada na presente pesquisa foi a observao participante,

considerada por Bogdan e Biklen (1994) uma tcnica ou um mtodo da pesquisa

qualitativa. Neste estudo o foco centra-se numa organizao particular e num caso

especfico dentro dessa organizao, ou seja, em uma professora e uma turma de

alunos do 2 Ano do Ensino Mdio.

2.4 Procedimentos de coleta e anlise de dados

Com o objetivo de investigar de que maneira as pesquisas recentes

em biologia celular e gentica molecular so abordadas em situaes de ensino e

aprendizagem, a estratgia geral de coleta de dados consistiu no acompanhamento,

durante trs bimestres, de todas as aulas de Biologia ministradas turma de alunos

27

mencionada acima, uma turma de 2 Ano do Ensino Mdio de uma escola pblica

da regio de Bauru.

A professora da referida turma foi convidada a participar da pesquisa

com sua anuncia explcita, tendo recebido, no incio, apenas informaes gerais

sobre a pesquisa (por exemplo, uma pesquisa sobre ensino de gentica), a fim de

minimizar a influncia da pesquisa sobre o seu modo de proceder; isso foi colocado

abertamente, fazendo parte integrante da negociao para obter permisso de

observao de suas aulas (antes de fazer as observaes eu no posso explicar em

detalhes o que que eu vou observar, seno te influencio, mas depois voc pode ter

acesso a todo o material - voc concorda?). Alm disso, foi garantido o anonimato

dos participantes, substituindo seus nomes por siglas do tipo P(para o professor) e

as trs primeiras letras dos nomes como NAT, MAR, etc. (para os alunos).

A anlise do processo de ensino foi baseada nas anotaes escritas

realizadas durante as aulas observadas, em questionrios de pr-teste e ps-teste

(anexo 1), em trabalhos escritos produzidos pelos alunos, tais como atividades

solicitadas pela professora e avaliaes (anexo 2), em discusses com a professora

da turma acerca de episdios de ensino selecionados, em conversas e

questionamentos realizados pelos alunos, e em entrevistas semi-estruturadas

realizadas com a professora (anexo 3).

Utilizamos, portanto, os seguintes procedimentos de recolha de dados

(Bogdan & Biklen, 1994):

observao participante, na qual o investigador introduziu-se no

mundo das pessoas que pretendia estudar no intuito de conhec-las e deixar-se

conhecer; elaborando um registro sistemtico de tudo que ouviu e observou e este

material foi complementado posteriormente com outros dados como, por exemplo,

28

registros escolares, materiais disponibilizados aos alunos pela professora,

avaliaes, fotografias. No caso do trabalho de observao de aulas, a maior parte

das anotaes foi feita durante o prprio perodo de observao, principalmente

quando se tratavam de anotaes descritivas; outras anotaes (como, por exemplo,

observaes de natureza mais reflexivas) eram feitas logo aps o trmino da aula.

entrevista em profundidade, na qual o investigador procurou

compreender, com bastante detalhe o que professores e alunos pensam sobre

determinados assuntos e como desenvolveram seus quadros de referncia; isto fez

com que o investigador passasse um tempo considervel com os sujeitos da

investigao em seu ambiente natural, elaborando questes abertas e registrando as

respostas. Pelo carter reflexivo, esse tipo de abordagem permitiu que os sujeitos

respondessem de acordo com sua perspectiva pessoal.

Nas pesquisas qualitativas, as entrevistas surgem com um formato

prprio de cada situao e podem ser utilizadas de duas formas: podem constituir a

estratgia dominante para a recolha de dados, ou podem ser utilizadas em conjunto

com a observao participante, anlise de documentos ou outras tcnicas; o

importante utilizar a entrevista para recolher dados descritivos na prpria

linguagem do sujeito. Essas entrevistas podem centrar-se em tpicos determinados

ou serem guiadas por questes gerais, o importante deixar o sujeito livre para

expor seu ponto de vista. Deve-se evitar perguntar respondidas apenas por sim

ou no (BOGDAN e BIKLEN, 1994).

No se descartou a possibilidade de se entrevistar tambm alunos,

caso a pesquisa assim o sinalizasse.

anlise documental: na qual buscou-se identificar informaes

factuais nos documentos a partir dos objetivos estabelecidos pela pesquisa. Neste

29

caso, considerou-se documentos os questionrios respondidos pelos alunos, as

avaliaes realizadas, os trabalhos escritos dos alunos e o planejamento curricular

elaborado pela professora.

De acordo com Ldke e Andr (1986, p. 39):

Os documentos constituem uma fonte poderosa de onde podem ser

retiradas evidncias que fundamentam afirmaes e declaraes do

pesquisador. Representam ainda uma fonte natural de informaes. No

so apenas uma fonte de informao contextualizada, mas surgem num

determinado contexto e fornecem informaes sobre esse mesmo

contexto.

Preparou-se a coleta de dados a partir da elaborao de um roteiro

contendo diversos aspectos para os quais desejava-se obter informaes (anexo 4).

A pretenso no era de que tal instrumento fosse um roteiro rgido a ser seguido

para a observao, mas sim possibilitar uma maior objetividade na tarefa de registrar

novas observaes.

Os dados foram analisados qualitativamente aps organizao,

categorizao e interpretao fundamentada em teorias provenientes de pesquisas

recentes sobre o ensino de Gentica e, as propostas curriculares e sobre formao

de professores discutidos nos captulos IV e V respectivamente.

30

CAPTULO III

Conforme j adiantado na Introduo, optamos por inserir no

trabalho um captulo que focalizasse brevemente a evoluo dos conhecimentos

sobre hereditariedade nos sculo XIX e XX, acreditando que um texto com tais

caractersticas forneceria uma sntese de algumas questes que podem ser objeto de

estudo dos alunos do Ensino Mdio, a fim de que estes compreendam melhor a

Cincia, seu desenvolvimento histrico, seu alcance e seus limites.

Assim, apresenta-se neste captulo um breve histrico da Gentica,

suas descobertas, a rapidez com que se processaram, sua evoluo at a Engenharia

Gentica e as implicaes nos dias atuais.

3. CONHECIMENTOS EM GENTICA GERAL, GENTICA

MOLECULAR E BIOLOGIA CELULAR: CONSIDERAES HISTRICAS

31

O surgimento da vida um tema que desperta o interesse e a

curiosidade de muitas pessoas; diversas hipteses foram formuladas por filsofos e

cientistas na tentativa de explicar como a vida surgiu no planeta Terra: at o sculo

XIX, imaginava-se que os seres vivos poderiam surgir do cruzamento entre si ou a

partir da matria bruta ou inanimada, de forma espontnea, hiptese conhecida por

abiognese ou gerao espontnea.

Mas, a teoria da abiognese foi profundamente abalada pelos

experimentos de Francesco Redi (1626-1698) em meados do sculo XVII. Este

bilogo italiano colocou pedaos de carne no interior de frascos, deixou alguns

abertos e outros fechou com uma tela; observou que as moscas eram atradas pela

carne em decomposio e essas entravam e saiam dos frascos abertos, nestes frascos

surgiram larvas que logo mais se transformaram em moscas. Concluiu, ento, que a

fonte de vida eram os seres vivos e no a matria inanimada. Este experimento

favoreceu a teoria de biognese, segunda a qual a vida se origina somente de outra

vida preexistente.

Alguns anos aps o experimento de Redi, Van Leeuwenhoeck (1632-

1723) aperfeioou o microscpio e descobriu o mundo dos microorganismos.

Observou que os microorganismos aumentavam rapidamente em nmero quando em

contato com solues nutritivas, e imaginou que a gerao espontnea fosse a

responsvel por tal proliferao. A partir disso, os adeptos da teoria da abiognese

passaram a supor que solues nutritivas poderiam gerar espontaneamente

microorganismos.

A abiognese perdurou, ento, at o sculo XIX, quando o cientista

francs Louis Pasteur (1822-1895) elaborou experimentos fortemente sugestivos da

32

inviabilidade da gerao espontnea de microorganismos, os quais tiveram grande

impacto na comunidade cientfica. A partir da, a hiptese da gerao espontnea ou

abiognese declinou rapidamente, e os cientistas convergiram para a idia de que a

vida sempre surge de uma vida preexistente.

Porm, esse modo de ver implicou que o surgimento de novos seres

obedeceria a um programa: a reproduo, que comandaria a constncia das espcies

e a variabilidade dos indivduos.

Mas de que forma a constncia das espcies era mantida? Como

ocorria a variabilidade entre indivduos de uma mesma espcie? Surge, ento, a

Gentica: a cincia da hereditariedade, o ramo da Biologia que estuda os

mecanismos de transmisso dos caracteres de uma espcie, passados de uma gerao

para outra. Esta cincia obteve um grande progresso durante o sculo XX e incio do

sculo XXI; entre seus feitos pode-se citar: a descoberta do cido

desoxirribonuclico (DNA) em 1927, esclarecimento de sua funo em 1944 e de

sua estrutura em 1953; o surgimento das bactrias manipuladas em 1970; e os

primeiros passos da terapia gentica humana em 1986.

Porm, a influncia de uma nova descoberta cientfica sobre a vida

do pblico em geral nem sempre prontamente reconhecida. Em 1953, quando

Watson e Crick elucidaram a estrutura do DNA, tal descoberta foi considerada

importante somente para aqueles cientistas diretamente envolvidos com o estudo

dessa molcula. Ainda assim esse grupo restrito no pde vislumbrar a revoluo

que, algumas dcadas depois, essa descoberta provocaria em vrias reas do

conhecimento humano. E, para a populao em geral, as aplicaes dessa nova

descoberta eram ainda menos evidentes.

33

A gentica vem, ultimamente, ocupando lugar de destaque no

apenas em clnicas ou consultrios mdicos; a possibilidade de clonar rgos, por

exemplo, desperta a ateno de juristas preocupados com os aspectos legais desses

experimentos.

Neste cenrio, podemos dizer que a Biologia deixou de ser uma

cincia puramente acadmica e passou a atrair o interesse de vrios ramos da

sociedade. A Engenharia Gentica chama a ateno de industriais, investidores,

agropecuaristas e governantes, devido a possibilidades tais como lucros rentveis ou

desequilbrios ambientes.

As discusses atuais sobre as aplicaes da tecnologia do DNA

recombinante no envolvem somente os possveis riscos casuais de acidentes

biolgicos, mas tambm concentra-se nos problemas e nas decises ticas que

devero ser discutidos e assumidos. Somente uma sociedade bem informada sobre o

assunto ser capaz de assegurar que essa tecnologia seja empregada de maneira tica

e humana.

Para Chaui (1996, p. 340) tica e moral referem-se ao conjunto de

costumes tradicionais de uma sociedade e que, como tais, so considerados valores

e obrigaes para a conduta de seus membros; e Aurlio Buarque de Holanda

Ferreira, citado por Farah (2000, p. 237) define tica como:O estudo dos juzos de

apreciao referentes conduta humana suscetvel de qualificao do ponto de

vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo

absoluto.

A quantidade de informao produzida ao longo desses anos, a

respeito dos avanos atuais da biologia molecular, foi to grande que algum que

esteja interessado em se atualizar sobre o assunto encontrar dificuldades em

34

localizar textos compreensveis e com linguagem acessvel. Por essa razo, mesmo

entre a comunidade universitria, os conceitos bsicos da Engenharia Gentica no

foram suficientemente disseminados. Portanto, para se obter uma boa informao

sobre esse assunto preciso conhecer um pouco da histria e do contexto das

descobertas e feitos cientficos ocorridos na Gentica.

3.1 A gentica de Mendel

Yohann Mendel nasceu em 22 de julho 1822 num vilarejo, na

Moravia do Norte, em uma famlia de camponeses muito pobres; sofreu privaes

excessivas na infncia, caindo doente vrias vezes. A falta de dinheiro e sade quase

o impediu de realizar seus estudos superiores. Para contornar essas dificuldades,

resolveu ingressar no mosteiro agostiniano de So Toms de Brnn, na ustria

(atualmente Repblica Tcheca), em 1843. Ao ser admitido foi rebatizado, passando

a se chamar Gregor Mendel (RONAN, 1987).

A direo do mosteiro exigia que seus membros ministrassem aulas

nas instituies de ensino superior de Brnn, para isso, muitos monges realizavam

pesquisas cientficas com o objetivo de ilustrar suas aulas. Assim que Mendel entrou

no mosteiro, foi enviado para a Universidade de Viena a fim de terminar sua

formao. Viveu nessa cidade de 1851 a 1853, onde teve a oportunidade de conviver

com professores ilustres. Ao regressar ao mosteiro em 1854, iniciou um estudo com

o objetivo de entender as leis da hibridao das variedades de vegetais. Assim, o

monge Mendel, aos 34 anos comeou uma srie de experincias com ervilhas, as

quais durariam oito anos e envolveriam o cultivo de trinta mil plantas diferentes

seis mil s em 1860 (MASON, 1964).

35

Para realizar os experimentos, ele cruzou, em seu jardim no mosteiro,

diferentes variedades de ervilhas. Ridley (2001) relata que Mendel no era um

jardineiro amador, brincando de cientista; ele realizara experimentos slidos,

sistemticos e cuidadosamente elaborados. Seu sucesso deve-se a vrios fatores: ele

trabalhou com plantas que apresentavam caractersticas distintas e assim podiam ser

facilmente reunidas em grupos bem definidos; as ervilhas se reproduziam

rapidamente e geravam grande nmero de descendentes; havia coletado muitos

dados e utilizava a estatstica para analisar seus resultados. Alm disso, segundo

Gardner e Snustad (1987), Mendel observou que as condies do tempo, do solo e a

umidade afetavam as caractersticas de crescimento das ervilhas, mas a

hereditariedade era o principal fator sob as condies de suas experincias.

Mendel escolheu sete pares de variedades de ervilhas para cruzar.

Cruzou ervilhas lisas com rugosas, cotildones verdes com amarelos, sementes de

casca marrom com sementes de casca branca, entre outros. Em todos os casos, os

hbridos resultantes eram sempre semelhantes a um dos pais, e a natureza intrnseca

do outro genitor parecia ter desaparecido. Ento, o monge permitiu que os hbridos

se autofertilizassem, e as caractersticas que haviam desaparecido na segunda

gerao reapareceram em aproximadamente um quarto dos descendentes da terceira

gerao. Apesar disso, ele no ficou satisfeito e realizou novas experincias,

trocando as ervilhas por brincos-de-princesa, milho e outros vegetais, e encontrando

os mesmos resultados; assim, percebeu que havia verificado algo profundo sobre a

hereditariedade: as caractersticas no se misturavam, dado esse que deu origem,

anos mais tarde, lei da segregao3.

3 Lei da segregao: dois ou mais pares de fatores (genes) segregam-se independentemente durante a formao dos gametas, nos quais se recombinam ao acaso (GRIFFITHS, 2001).

36

Assim, Mendel isolou caractersticas discretas cuja hereditariedade

pde ser estudada ao longo de vrias geraes. Estas caractersticas se mostraram

governadas por unidades de hereditariedade ou fatores, os quais so atualmente

conhecidos como genes. Atravs desses trabalhos Mendel realizou uma de suas

maiores descobertas, a do gene recessivo.

O monge cientista descobriu, por exemplo, ao isolar e estudar certos

fatores (genes), que duas criaturas com as mesmas caractersticas fsicas

(fentipo), no possuam necessariamente o mesmo conjunto de fatores

(gentipo); uma destas criaturas pode ter herdado um gene diferente que no tenha

um trao visvel, mas que pode reaparecer em geraes posteriores.

Mawer (1987) relata que Mendel apresentou o resultado cientfico de

suas investigaes em duas conferncias para a Sociedade de Histria Natural de

Brnn nos dias 8 de fevereiro e 8 de maro de 1865. Existem duas verses para

esses acontecimentos. A primeira relata que as conferncias foram assistidas por um

pblico muito pequeno, o que fez com que o monge se limitasse leitura de seus

manuscritos, e, portanto, sua apresentao teria sido considerada pouco interessante.

Uma segunda verso relata que o pblico era numeroso, e ele no s apresentou seus

dados como tambm os demonstrou com frmulas matemticas.

Segundo Cruz e Silva (2002), os textos das duas conferncias foram

publicados em 1866 na revista Relatrios dos Trabalhos da Sociedade Natural de

Brnn, e algumas cpias foram enviadas para Alemanha, ustria, Estados Unidos e

Inglaterra, porm, a distribuio fora limitada e grandes cientistas da poca, como o

naturalista Charles Darwin, no tiveram acesso publicao.

Divergindo do relato acima citado, Mawer (1997) descreve que os

resumos das conferncias no passaram desapercebidos a importantes naturalistas de

37

sua poca e cpias foram enviadas para Berlim, Viena, Estados Unidos e Londres

(Royal Society e Linneam Society). Nesta mesma poca, Darwin apresentava a sua

Teoria da Seleo Natural, que atrara todas as atenes dos pesquisadores, na qual

detalhava o funcionamento do mecanismo de seleo natural. Darwin acreditava que

as caractersticas j existentes eram selecionadas pelo ambiente e, deste modo,

tentava explicar como surgiam as variaes em populaes ou como essas

caractersticas poderiam ser transmitidas de uma gerao para a seguinte.

Praticamente no mesmo ano da publicao de A origem das espcies, em 1859,

Mendel testava suas descobertas.

Alm de Mawer, muitos autores concluem que no se pode afirmar

que Darwin no possua nenhum conhecimento dos trabalhos de Mendel; na

verdade, possvel que Darwin enxergasse a teoria mendeliana como uma

explicao fixista (as mudanas de uma gerao de indivduos para outra eram

apenas aparentes, pois as caractersticas no desapareciam, ficavam apenas

ocultas em fatores que, mais adiante, voltavam a se manifestar).

Ridley (2001) relata que durante quatro anos, a partir de 1866,

Mendel enviou seus artigos e suas idias a Karl-Wilhelm Ngeli, professor de

botnica em Munique. Com nfase cada vez maior, ele tentou mostrar a importncia

do que havia descoberto. Mas, durante quatro anos, Ngeli no se deu por

convencido, e respondeu ao monge cartas educadas, condescendes, e aconselhou

Mendel a cultivar chicrias, o que fora um conselho muito prejudicial, pois,

chicrias so aponncias, ou seja, precisam de plen para se reproduzir, mas no

incorporam os genes do parceiro de polinizao e, portanto, as experincias de

cruzamento produzem resultados imprevisveis. Aps muitos esforos com chicria,

38

Mendel desistiu e voltou-se para as abelhas, mas os resultados desses experimentos

nunca foram encontrados.

Ngeli, que tinha sido aluno de Darwin, publicou um imenso tratado

sobre hereditariedade e no somente deixou de mencionar a descoberta de Mendel,

mas mencionou um exemplo como se fosse seu. Ele sabia que, se cruzasse um gato

angor com um gato de outra raa, a pelagem angor desaparecia completamente na

gerao seguinte e ressurgiria inata nos filhotes da terceira gerao; era um exemplo

muito claro de uma caracterstica condicionada por um gene recessivo. Seu livro

sobre hereditariedade foi publicado em 1884, e no cita uma nica vez Mendel, nem

mesmo no captulo dedicado hibridao. Entretanto, segundo Baptista (1989), os

trabalhos de Mendel tiveram uma certa divulgao e foram citados e analisados na

tese de doutoramento de um botnico sueco, A. Blomderg (1872), e na tese de

doutoramento de um botnico russo, I. Schmalhausen (1874); tambm so citados

na IX edio da Encyclopaedia Britnica (1881) no trabalho do botnico alemo W.

O. Focke, As plantas hbridas, de 1881; e atravs dessa obra De Vries, Correns e

Tschermak reencontraram os trabalhos de Mendel.

Gregor Mendel considerado hoje um notvel cientista, e pai da

gentica. De acordo com Gardner e Snustad (1987), Mendel no foi o primeiro a

realizar experimentos de hibridao, porm, foi o primeiro a considerar os

resultados em termos de caractersticas individuais. Seus predecessores

consideravam todos os organismos e todas as suas caractersticas observando as

diferenas dos pais e de sua prole e esqueciam-se do significado das diferenas

individuais. O monge empregou os experimentos necessrios, contou e classificou

as ervilhas resultantes dos cruzamentos, comparou as propores com modelos

matemticos e formulou hipteses para explicar os resultados que obteve.

39

Ao ser eleito abade, em 1868, foi obrigado a abandonar gradualmente

as experincias de cruzamento de plantas e muitos dos seus outros interesses. Alm

da hereditariedade, Mendel se interessou profundamente por botnica, horticultura,

geologia, meteorologia e pelo fenmeno das manchas do sol; deixou contribuies

notveis para o estudo dos tornados. Porm, as tarefas administrativas aps 1868

mantiveram-no to ocupado que ele no pode dar continuidade as suas pesquisas e

viveu o resto da vida em relativa obscuridade, morrendo em 6 de janeiro de 1884.

Em 1900 a obra do monge cientista foi revista, adquirindo a

importncia que lhe era devida. Essa valorizao ocorreu graas a trs bilogos: o

holands Hugo de Vries (1848-1935), o alemo Carls Correns (1864-1933) e o

austraco Erich Tschermak (1871-1962), que obtiveram resultados idnticos aos de

Mendel em seus experimentos e, atravs de consultas bibliogrficas, verificaram que

o trabalho do monge sobre hereditariedade tinha sido publicado 35 anos antes de

seus prprios estudos. Em sua homenagem, batizaram as leis da hereditariedade de

Leis de Mendel, que so tidas como um marco inicial de uma nova cincia que, em

1905, Willian Bateson (1861-1926) denominou Gentica, a partir de uma palavra

grega que significa gerar. Segundo Gardner e Snustad (1987), este bilogo ingls

repetiu e apoiou os princpios de Mendel e introduziu a gentica mendeliana no

mundo de lngua inglesa. A partir de ento, vrios pesquisadores se voltaram para

essa rea de estudo e fizeram com que a mesma evolusse at o nvel de

conhecimento atual.

3.2 Consideraes histricas sobre o desenvolvimento da gentica no sculo

XX

40

A cada dia a gentica enriquecida por novas descobertas e as

tcnicas de engenharia gentica apresentam um campo promissor de pesquisas.

Esses contedos recentes so de grande relevncia para a Educao Cientfica e

podem ser interessantes temas a serem abordados no Ensino Fundamental e Mdio,

pois, a partir de relatos histricos e discusses sobre conceitos cientficos, pode-se

auxiliar os alunos a melhorar suas idias sobre a cincia e mostrar que o

conhecimento cientfico no definitivo, j que as teorias aceitas hoje podero ser

substitudas amanh, e que o conhecimento cientfico construdo coletivamente e

no por alguns poucos crebros privilegiados (TRIVELATO, 1995).

As primeiras teorias a respeito da constituio das espcies e sobre a

hereditariedade comearam a ser esclarecidas aps a descoberta dos gametas

masculinos e femininos no sculo XVII. Foi o holands Van Leeuwenhoeck, em

1675, que identificou o gameta masculino atravs de uma anlise microscpica

observando, no smen de vrios animais, pequenos seres que apresentavam cabea

e cauda e se movimentavam, e os denominou animlculos, julgando-os os animais

do smen (RONAN, 1987). A partir dessas observaes, foi postulada a teoria da

preformao segundo a qual os organismos se encontravam completamente pr-

formados no interior dos gametas, eram os homnculos, ou seja, miniaturas de um

indivduo adulto (MASON, 1964).

Aps esta teoria, e substituindo-a, surgiu a teoria da epignese a

partir de afirmaes de Baer (1792-1876) sobre o surgimento dos rgos atravs de

sries graduais de transformaes originando tecidos cada vez mais especializados.

A teoria da epignese, aceita at os dias atuais prope que os tecidos e rgos so

formados ao longo do perodo de desenvolvimento embrionrio, e que o indivduo

no se encontra pr-formado no interior dos gametas.

41

Charles Darwin (1809-1882) tambm formulou uma teoria sobre a

hereditariedade, a teoria da pngenese, segundo a qual todos os rgos e

componentes do corpo humano produzem suas prprias cpias em miniatura

infinitamente pequenas, as gmulas ou pangenes. Galton (1822-1922), aps alguns

experimentos, concluiu que os pangenes no existiam e, baseando-se na idia da

herana atravs do sangue, props a teoria da herana ancestral que dizia que as

caractersticas eram transmitidas atravs do sangue e diludas em propores

definidas ao longo das geraes (RONAN, 1987).

Conforme j apontado anteriormente, uma das maiores contribuies

para a Gentica foi dada pelo monge Gregor Mendel (1822-1884). Pela escolha

criteriosa de seu material de estudo, a ervilha, que permitiu a utilizao de grandes

populaes e, portanto, o uso da estatstica, e pela expresso clara de seus resultados

e rigor matemtico, estes estudos forneceram dados que deram origem, anos mais

tarde, a Gentica Clssica. Atravs de um trabalho exaustivo, foi possvel

estabelecer que as caractersticas transmitidas hereditariamente so determinadas

por fatores presentes nas clulas sexuais que agem ao longo de toda a vida para

que o caractere se manifeste. Segundo Gurin-Marchand (1999), atravs dos

experimentos com ervilhas, Mendel havia compreendido que todas as clulas do

organismo contm dois exemplares de cada caractere hereditrio, um advindo do pai

e o outro da me, e que a cada gerao estes dois exemplares se repartem ao acaso

nas clulas sexuais. Tais descobertas revolucionariam o mundo da Biologia, porm,

esses trabalhos foram valorizados somente aps a morte do monge cientista.

Segundo Bizzo (1994) a redescoberta dos trabalhos de Mendel, em

1900, trouxe um grande incentivo para as pesquisas que procuravam localizar

experimentalmente as partculas hereditrias e, apesar da descoberta dos

42

cromossomos em 1880 e da descrio da mitose4 por Walter Flemming em 1879,

somente em 1902 Walter Sutton relaciona, pela primeira vez, o comportamento dos

cromossomos na meiose e o fenmeno da hereditariedade descrito por Mendel

cinqenta anos antes. Ele constatou que as clulas germinativas traziam apenas um

grupo de cromossomos e que estes carregariam as informaes hereditrias, ento os

gametas dos pais forneceriam, cada um, um grupo de cromossomos para formar um

ser. Sutton descreve os passos da meiose5 relacionando-os aos fenmenos de

distribuio das caractersticas descritos por Mendel (RONAN, 1987).

Para Bizzo (1994), a gentica clssica teve incio em 1908, quando

Thomas Hunt Morgan (1866-1945), considerado o pai da gentica norte-americana,

realizou estudos sobre a mosca do vinagre ou drosfila (Drosophila melanogaster),

apurando as leis de Mendel. Ele elucidou que a transmisso de alguns caracteres

genticos era determinada pelo sexo. Seus experimentos enfocavam as mutaes

que surgiam dentre as numerosas moscas de suas criaes e a transmisso dos

caracteres novos em sua descendncia, e investigaes desse tipo foram cruciais

para o estudo dos genes (GROS, 1991).

Davies (2001) descreve que as pesquisas de Morgan foram levadas

adiante por seus discpulos Alfred Sturtevant, Calvin Brigdes e Hermann Muller,

que nos cinco anos a partir de 1910, combinaram os mtodos estatsticos rigorosos

de Mendel com a anlise microscpica minuciosa de Morgan; Sturtevant, inclusive,

produziu o primeiro mapa de genes num nico cromossomo e este mapa ajudou a

estabelecer os fundamentos do Projeto Genoma Humano 75 anos mais tarde.

4 Processo de diviso celular que origina duas clulas filhas geneticamente idnticas clula me.5 Processo de diviso celular capaz de formar clulas reprodutivas que contm a metade do nmero de cromossomos das clulas somticas.

43

A partir de 1914, segundo Bizzo (1994), a teoria cromossmica j era

aceita pela maioria dos bilogos como um suporte fsico indispensvel para a

compreenso dos fenmenos hereditrios.

A publicao do livro de Morgan em 1926, The Theory of the Gene

(A teoria do Gene), assegura que a herana devida a unidades transmitidas de

genitor para filho, que se comportavam de modo ordenado e regular (BAPTISTA,

1989).

Richard Goldschimidt, em 1937, tentou definir o gene baseando-se

na ao fisiolgica de desenvolvimento do olho da Drosophila e concluiu que os

genes existiam como pontos em um cromossomo e estariam dispostos em uma

ordem certa para controlar o processo normal de desenvolvimento do olho. Deste

modo, as mutaes que resultavam em desenvolvimento ocular anormal seriam

causadas por perturbaes do arranjo correto dos genes nos cromossomos (BURNS

e BOTTINO, 1991).

Segundo Gardner e Snustad (1987), foi na dcada de 1930 que G. W.

Beadle, B. Ephurussi, E. L. Tatum, J. B. S. Haldane e outros forneceram uma base

para o entendimento das propriedades funcionais dos genes e sugeriram extenses

funcionais para o conceito clssico de gene, afirmando que os genes seriam

instrues codificadas no DNA para a sntese de protenas

A tcnica de colorao, que permitiu localizar na clula o cido

desoxirribonuclico (DNA), foi inventada em 1927 por um bilogo chamado R.

Feulgen, porm, somente em meados da dcada de 1940 que o DNA foi

identificado como portador da herana. Antes disso, acreditava-se que eram as

protenas cromossmicas que transportavam a informao gentica, pois sabia-se

44

que eram molculas complexas e biologicamente importantes, e pensava-se que o

DNA fosse uma molcula curta e simples (BURNS e BOTTINO, 1991).

Nesta mesma dcada um fsico alemo, Max Delbrck, deu incio s

pesquisas fsico-qumicas sobre os genes, fundando a gentica molecular. Ele lanou

a hiptese de que as molculas constituintes dos genes apresentavam propriedades

que permitiam a reproduo idntica dos genes. Ento, em 1944, Oswald Theodore

Avery, Colin Macleod e Maclyn MacCarty, atravs de experincias com linhagens

de bactrias, demonstraram que o DNA seria o suporte da informao gentica, ou

seja, a mensagem da herana era transportada por cidos nuclicos e no por

protenas.

Em 1948, Erwin Chargaff estudou o DNA profundamente e

demonstrou que a composio de nucleotdeos variava de uma espcie para outra, e

em todas as espcies havia uma relao quantitativa entre adenina(A) e timina (T),

citosina (C) e guanina(G) (BAPTISTA, 1989).

O DNA era, portanto, o suporte da hereditariedade, a matria dos

genes, mas faltava estabelecer a estrutura exata desta molcula, como ela se

replicava e como comandava as protenas.

Tambm em 1948, Boinvin, Vendrely e Vendrely analisaram os

ncleos das clulas de vrios rgos de boi e descobriram que o ncleo de todas as

clulas continham o mesmo contedo em DNA, que se reduzia a metade nos

espermatozides (GROS, 1991).

Em 1950, Linus Pauling e Corey criaram o modelo alfa-hlice para

representar a estrutura molecular de uma protena, tambm representaram um

modelo de estrutura do DNA com trs cadeias polinucleotdicas enroladas em torno

45

de um eixo, com as bases nitrogenadasvoltadas para o exterior da molcula

(RIDLEY, 2001).

O mistrio da replicao comeou a ser resolvido na dcada de 1950,

quando James Watson e Francis Crick, que partilhavam a convico de que o DNA

era mais importante para a hereditariedade que as protenas, e estavam obcecados

por descobrir as propriedades dos genes, elucidaram a estrutura em dupla hlice do

DNA e construram um modelo exato desta molcula, graas a estudos anteriores de

seus amigos Maurice Wilkins e Rosalind Franklin sobre o espectro de difrao de

raios X sobre filamentos de DNA.

A partir de modelos das bases nucleotdicas em cartolina, Watson

arranjou as bases em diferentes permutaes, percebeu que a timina (T) fazia par

com a adenina (A), e a citosina (C), com a guanina (G); esses pares poderiam ser

unidos por duas ligaes qumicas fracas e se juntavam dentro das colunas metlicas

torcidas do modelo da dupla hlice sugerido por Crick, de maneira que formavam

um molde para a sntese de uma nova cadeia, permitindo replicar o material gentico

(DAVIES, 2001).

Em 25 de abril de 1953, James Watson, Francis Crick, Maurice

Wilkins e Rosalind Franklin publicam na revista Nature artigos que sustentavam a

estrutura em dupla hlice para o DNA (TEIXEIRA, 2000).

Segundo este modelo, o DNA seria uma longa molcula filamentosa

formada por duas cadeias que se torciam uma sobre a outra, formando uma dupla

hlice, como uma escada em caracol. Cada cadeia (ou fita) da dupla hlice seria

constituda pelo encadeamento de unidades nucleotdicas formadas por um acar (a

desoxirribose), um grupo fosfato, e uma base nitrogenada (adenina, citosina,

46

guanina e timina); as duas cadeias se uniriam atravs de pontes de hidrognio que

estabeleceriam a coeso das duas fitas.

Segundo Ridley (2001) muitos anos de confuso seguiram

descoberta da estrutura do DNA; tinha-se a certeza que a afirmao estava

armazenada num cdigo de quatro letras (A, T, C, G), mas no se sabia como o gene

se expressava. Crick queria deduzir o cdigo gentico e tentou isso de vrias formas,

at que props que um cdigo de quatro letras resultava em um alfabeto de vinte

letras, porm, relatou que os argumentos empregados nesta deduo eram precrios

e puramente tericos. Logo mais se verificou que haveria um intermedirio entre a

seqncia de aminocidos ao longo da protena e a seqncia de nucleotdeos

encontrada no DNA, e esse foi o primeiro passo para a compreenso da complexa

sntese de protenas (RIDLEY, 2001).

Em 1956, Jo Hin Tjio e Albert Levan anunciaram que os seres

humanos possuam 46 cromossomos; esses e outros pesquisadores desenvolveram

mtodos aperfeioados que tornaram possveis as observaes dos cromossomos

humanos ao microscpio, e isso muito auxiliou na compreenso de distrbios

genticos humanos; assim, em 1959, Jrme Lejeune e Marthe Gauthier mostraram

pela primeira vez que os portadores da sndrome de Down possuam 47

cromossomos.

Ainda no se sabia se eram os genes que sintetizavam diretamente as

protenas. Ento em 1961 Brener e seus colaboradores reconheceram que as

instrues no cdigo gentico eram transportadas para fora do ncleo da clula por

uma cadeia transitria de cido ribonuclico (RNA); este RNA seria um mensageiro

que transportava a informao para o ribossomo, onde seria lida para gerar uma

protena. O RNA seria formado por uma nica fita e cada nucleotdeo seria

47

composto por um acar (a ribose), um fosfato e uma base nitrogenada (adenina,

guanina, citosina e uracila). A identificao do RNA mensageiro forneceu a chave

para decifrar o cdigo gentico. Utilizando esses dados, Nirenberg produziu o

primeiro RNA sinttico, feito inteiramente da base uracil, que usada no RNA

sempre que encontra a adenina no DNA, produzindo uma protena composta

inteiramente de um nico aminocido, a fenilalanina.

Nessa mesma poca, os bilogos Sidney Brenner, James Watson,

George Gamov e Marshall Nirenberg, liderados por Francis Crick, estabelecem o

princpio: segundo o qual DNA produz RNA que produz protena.

A partir da observou-se uma verdadeira revoluo tecnolgica na

Biologia Molecular, tendo incio, segundo Wilkie (1994), quando Hamilton Smith

da Universidade de Johns Hopkins, em Baltimore, isolou na bactria Hemophilus

influenzae uma enzima que agia como uma tesoura molecular, reconhecendo uma

seqncia especfica de pares de base e cortando os fragmentos de DNA sempre no

mesmo local. Nesta mesma poca, foi criada a tcnica de eletroforese em gel que

permitia ordenar os fragmentos de DNA segundo seu comprimento. Assim, os

cientistas passaram a dispor de uma forma de identificar um trecho especfico de

DNA.

Andr Lwoff, Franois Jacob e Jacques Monod descreveram, em

1965, os mecanismos relacionados com a ativao de genes (GROS, 1991).

O primeiro DNA recombinante foi construdo em 1970, ano de incio

da revoluo tecnolgica da biologia molecular, por Paul Berg, da Universidade de

Standford na Califrnia, auxiliado por David Jackson e Robert Symons. Eles

emendaram um pedao de DNA bacteriano ao de um pequeno vrus animal,

produzindo um DNA quimrico. Essa construo foi um sucesso, mas eles no

48

sabiam como multiplic-la e mant-la em grandes quantidades. Esse problema foi

resolvido, em 1973 quando Stanley Cohen, da Universidade de Standford,

Califrnia, e Herbert Boyer, de So Francisco, criaram novas possibilidades para a

construo de uma molcula de DNA recombinante em um tubo de ensaio. Desta

forma, seria possvel isolar um trecho de DNA, inseri-lo em uma bactria para

multiplic-lo e obter grande quantidade de exemplares idnticos ao fragmento de

origem, os clones (POLLACK, 1997).

A tecnologia do DNA recombinante ou Engenharia Gentica

permitiria otimizar e incrementar caractersticas presentes nos organismos ou for-

los a produzir novas substncias de interesse.

3.3 Avanos recentes em biologia celular e molecular

A engenharia gentica foi definida, no comeo da dcada de 1970,

como sendo tcnicas de transferncia de um gene de um organismo a outro por meio

de um vetor com a possibilidade de replicao e expresso; assim formava-se um

DNA recombinante.

Conforme mencionado anteriormente, em 1973, Stanley Cohen da

Universidade de Standford, na Califrnia, juntamente com Herbert Boyer, de So

Francisco, constroem um DNA recombinante com fragmentos de dois plasmdeos

(DNA circular encontrado em bactrias) e o introduz em clulas da Escherichia coli.

medida que estas clulas se multiplicavam, o DNA recombinante era multiplicado

juntamente com o DNA bacteriano - surge, ento, a tcnica do DNA recombinante

(POLLACK, 1997). A partir disso foi possvel inserir genes de insulina humana em

bactrias Escherichia coli, desenvolv-las em cultura e colher a insulina humana

49

pura (FARAH, 2000). Esta insulina foi liberada para o consumo humano pelo

Ministrio da Sade dos Estados Unidos da Amrica em 1982.

A primeira protena obtida pela expresso de um DNA recombinante

foi a somatostatina, em 1976, produzida pelos cientistas Keiich Itakamuta, Herb

Boyer, Francisco Bolvar e colaboradores. Esses cientistas montaram em Genebra

uma das principais companhias de biotecnologia, a Gentech, e dois anos depois

anunciaram xito na produo do hormnio do crescimento (WILKE, 1994). Isto

tornou o uso da biologia molecular na indstria uma realidade. Em 1984 foi

aprovada para ser produzida em escala industrial, por meios de tcnica de

engenharia gentica, a insulina humana, utilizada no tratamento de diabetes.

Atualmente, as tcnicas de DNA recombinante ou engenharia

gentica so utilizadas como base em muitas indstrias, na produo de raros e

valiosos frmacos - muitos deles baseados em receitas tomadas diretamente do DNA

humano -, no diagnstico de vrias doenas genticas ou na produo de gneros

alimentcios.

Tais tcnicas passaram a ser intensamente utilizadas a partir de 1978,

quando uma equipe de pesquisadores liderada por Tom Maniatis anunciou que havia

criado uma biblioteca de genes humanos, cortando o DNA humano com enzimas

de restrio, inserindo os fragmentos em bacterifagos vetores e cultivando-os em

Escherichia coli.

A partir de 1980, o processo de seqnciamento do DNA foi

automatizado inicialmente por Leory Hood, do Instituto de Tecnologia da

Califrnia, e uma nova tcnica permitiu produzir bilhes de cpias de um nico

fragmento de DNA, sem o incmodo de introduzi-lo num vetor por meio de

engenharia gentica e multiplic-lo em bactrias (BURNS e BOTTINO, 1991). Tal

50

fato favoreceu o interesse em se tentar obter a seqncia completa do genoma

humano. Em 1986, o Projeto Genoma Humano foi proposto, sendo lanado

oficialmente em outubro de 1990, com os objetivos de mapear e seqenciar todos os

genes presentes no genoma humano (FARAH, 2000).

Em 26 de junho de 2000, cinco anos antes do previsto, ocorreu o

anncio conjunto, entre a empresa privada norte-americana Celera, o governo norte-

americano e o governo ingls, do seqenciamento completo de DNA humano.

A engenharia gentica possibilitou tambm a modificao, ou a

manipulao gentica, de plantas e animais, uma prtica to antiga quanto a prpria

civilizao. Antes da existncia dessas tcnicas, um organismo era melhorado por

meio de selees longas e caras. Selecionar as sementes mais convenientes para o

plantio na prxima safra no deixa de ser um experimento gentico, mesmo antes

que os agricultores tivessem conscincia disso.

Das mutaes que ocorrem casualmente em plantas e animais, o

homem tem selecionado aquelas que lhe so teis ou interessantes e, por meio de

engenhosos esquemas de cruzamento, essas caractersticas tm sido preservadas e

estabelecidas. Dessa forma, a manipulao gentica dos seres vivos tem sido

realizada pela seleo de determinados fentipos. A seleo cumulativa de

caractersticas desejveis, gerao aps gerao, originou a diversidade hoje

observada nos animais domsticos e nas plantas cultivadas. A batata, o milho, o

feijo e outros tipos de alimentos foram sofrendo processos de melhoramento ou

aperfeioamento gentico que permitiram torn-los no s mais agradveis ao

paladar, como tambm mais nutritivos e, em alguns casos, transform-los em

alimentos ricos e saudveis, como o caso da batata e do feijo.

51

Segundo Farah (2000), inicialmente o processo de melhoramento

gentico era realizado de modo emprico. Entretanto, aps a Segunda Guerra

Mundial, a melhor compreenso dos princpios genticos de plantas e animais

atingiu um nvel profissional e, com isso, inmeros sucessos foram alcanados.

Surgiram, ento, as plantas e animais geneticamente modificados e os organismos

transgnicos. importante ressaltar que nem todos os produtos geneticamente

modificados so considerados produtos transgnicos, pois podem apenas ter sofrido

alterao no seu DNA sem ter tido a incorporao de genes de uma espcie distinta.

De acordo com Farah (2000, p. 271): Transgnico um termo usado para designar

um organismo que carrega um gene exgeno incorporado de forma estvel em seu

genoma, tanto nas clulas somticas como germinativas, o qual se expressa em um

ou mais tecidos, e transmitido para as geraes futuras segundo as leis de

Mendel. O termo transgnico foi utilizado pela primeira vez por Jon Gordon e

Frank Ruddle em 1982.

O primeiro organismo transgnico espetacular foi um camundongo

gigante criado por Palmitter, Brinster e Hammer nos Estados Unidos, em 1982, e a

primeira planta transgnica data de 1983. Experimentos liderados pelo Dr. Roger

Beachy, da Universidade de Washington, em 1986, em plantas de tabaco, visavam

criar plantas transgnicas resistentes a vrus.

Em maio de 1994, foi lanado, no mercado americano, um fruto da

biotecnologia, desenvolvido pela companhia Calgene: o tomate Flavr-Savr, que

amadurecia mais lentamente que o tomate natural; este produto foi considerado to

seguro que no exigia uma etiqueta que o discriminasse como sendo um produto

criado pela engenharia gentica (FARAH, 2000). Somente em 1997, treze milhes

de hectares foram cultivados com plantas geneticamente modificadas em todo o

52

mundo e, no ano de 1998, aproximadamente cinqenta dessas plantas receberam

autorizao para serem comercializadas.

Segundo Farah (2000), apesar da grande campanha contrria

realizada pelos ambientalistas, a biotecnologia de plantas continua se

desenvolvendo. Apenas nos Estados Unidos, no ano de 1994, existiam 486 campos

de testes de plantas transgnicas e, no Canad, no incio de 2000, 43 produtos

agrcolas criados pela engenharia gentica, como milho, canola, batata, tomate,

abbora, soja e algodo, receberam aprovao para serem comercializados.

Alm de estudos com plantas e animais, reina hoje uma intensa

atividade na rea da transferncia de genes para o homem: a terapia gnica e

diversas tecnologias que tm, em comum, um novo conceito teraputico, ou seja, a

introduo de material gentico para atuar na causa fundamental da doena, o gene.

Tais processos se baseiam no reparo ou substituio de um gene defeituoso visando

o tratamento e a cura de uma doena atravs da transferncia de genes s clulas

somticas, ocasionado apenas modificaes no transmissveis descendncia.

Embora esta seja a possibilidade terica mais promissora para o tratamento das

doenas genticas, muitas dificuldades tcnicas ainda devero ser superadas antes

que a transferncia de genes para clulas somticas humanas, com fins teraputicos,

torne-se uma rotina.

As primeiras tentativas de transferncia de genes, audaciosas e

ilegais, foram realizadas nos Estados Unidos a partir de 1973. Elas fracassaram, mas

tiveram o mrito de evidenciar a complexidade do empreendimento, assim como a

necessidade de estabelecer relaes multidisciplinares e leis que protegessem os

pacientes contra protocolos teraputicos precipitados e pouco rigorosos. Foi

decidido, desde ento, que todos os projetos seriam submetidos a instncias

53

encarregadas de analisar a qualidade dos protocolos e as condies de sua aplicao.

Essa preocupao iniciou-se no ano de 1975, quando foi organizada a Conferncia

de Asilomar, proposta pelo bioqumico Paul Berg, da Universidade de Stanford,

realizada no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Essa Conferncia reuniu

cientistas do mundo todo no Centro de Convenes de Asilomar, com a finalidade

de se debaterem exausto os riscos e as medidas de preveno, entre outros,

quanto possibilidade de "criao de novos bitipos nunca antes vistos na

natureza", em experimentos de manipulao gentica.

Esta reunio cientfica decorreu da proposta de moratria nas

pesquisas que envolvessem manipulao gentica, realizada em 1974 por um grupo

de pesquisadores, proposta esta que foi publicada simultaneamente nas revistas

Nature e Science.

Durante esta conferncia, ficou decidido que as experincias

envolvendo tcnicas de DNA recombinante deveriam se enquadrar em severas

medidas de segurana (FARAH, 2000).

A reunio de Asilomar um marco na histria da tica aplicada

pesquisa, pois foi a primeira vez em que se discutiram os aspectos de proteo aos

pesquisadores e demais profissionais envolvidos nas reas onde se realizava a

pesquisa. Alm disso, foi ali promulgada a necessidade de se manterem sob

rigorosas condies de proteo e de isolamento todos os experimentos de

recombinao gentica e organismos deles resultantes, pelo tempo necessrio

produo de certezas de que no seriam nocivos humanidade e ao meio ambiente.

A partir dessa Conferncia, foram estabelecidos novos modelos e

procedimentos normativos, visando o controle de possveis riscos advindos desta

nova tecnologia. Foram estabelecidas tambm as primeiras regras para o controle de

54

riscos da tecnologia do DNA recombinante estabelecidas pelo Instituto de Sade dos

Estados Unidos (National Institute of Health- NIH). Essas regras foram norteadoras

dos procedimentos de avaliao de risco para novos produtos biotecnolgicos e

estabelecidas, posteriormente, em todo o mundo, objetivando o desenvolvimento

seguro desta tecnologia e a incorporao de seus benefcios pela sociedade.

Igual regulamentao ocorreu em relao s plantas e animais

transgnicos a fim de minimizar os possveis riscos sade humana ou impactos

indesejados ao ambiente. Uma vez que o transgnico criado no laboratrio, so

necessrios testes de campo para comprovar sua segurana antes da liberao do

produto para fazendeiros e criadores.

As restries s plantas transgnicas variam de pas para pas. A

Europa, por exemplo, mais resistente a aceitar a biotecnologia de plantas do que os

Estados Unidos. A Comunidade Europia, em dezembro de 1994, votou a favor de

serem realizados testes de alguns produtos em escala limitada, porm baniu o uso

comercial desses produtos at 1999.

Em decorrncia disso, promoveu-se uma moratria ao uso dos

processos da engenharia gentica at a obteno de tcnicas que no trouxessem

riscos ao homem e ao meio ambiente. No Brasil, aps intensos debates, foram

propostas normas e leis de biossegurana, estabelecidas pela Comisso Tcnica

Nacional de Biossegurana (CTNBio).

Segundo Farah (2000), os testes de campo apontaram riscos muito

baixos, porm, as pesquisas sobre segurana encontram-se no incio e muitas

questes ainda no foram respondidas. Entretanto, de acordo com a autora, em

alguns pases a preocupao com o meio ambiente est relegada a um segundo plano

diante das necessidades de aumento da produo, como o caso da China, que tem

55

se declarado disposta a assumir alguns riscos, e realiza testes em milhares de

hectares com plantas transgnicas