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¹ Estudante do 6° período do curso de Ciências Biológicas do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix – Campus Praça da Liberdade. E-mail: [email protected] ² Professor do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix – Campus Praça da Liberdade. Graduação em Zootecnia; Aperfeiçoamento em Ciências Biológicas; Mestrado em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre. E-mail: [email protected]
RELATÓRIOS DE MONITORAMENTO DA FAUNA SILVESTRE EM ÁREAS DE
INFLUÊNCIA DE EMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS: IDENTIFICAÇÃO DE
LACUNAS LEGAIS
Ana Carolina Pimentel Santos¹ Ricardo Oliveira Latini²
Resumo
As atividades antrópicas vêm alterando ecossistemas no mundo e, consequentemente, acelerando o ritmo e a extensão da perda de biodiversidade. A instalação e operação de empreendimentos hidrelétricos, por exemplo, é uma atividade humana que impacta a fauna brasileira de forma negativa. Instrumentos como o Licenciamento Ambiental (LA) e a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) visam disciplinar a instalação desses tipos de empreendimentos impactantes, e com isso conservar a diversidade biológica. Como parte integrante do processo de LA, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é exigido para esses empreendimentos. O EIA compreende, dentre outras atividades, a elaboração de programas de monitoramento da fauna, que consiste atualmente numa ferramenta muito poderosa para avaliar os impactos nas populações naturais, porém muitos desses trabalhos apresentam sérias deficiências. Diante disso, o presente estudo buscou avaliar a qualidade técnica dos relatórios de monitoramento da fauna silvestre presente em áreas de influência de empreendimentos hidrelétricos, identificar os critérios legais menos cumpridos nos mesmos e indicar os elementos estruturais dos relatórios que apresentam maiores quantidades de lacunas legais. Para isso, foram considerados 21 critérios da Instrução Normativa Ibama n°146/2007 estabelecidos para a elaboração e apresentação dos programas e relatórios de monitoramento da fauna silvestre. Os resultados do presente estudo revelaram que a maioria dos trabalhos analisados apresentou qualidade insuficiente, que os critérios legais menos cumpridos nos relatórios são relevantes (e até mesmo básicos) para execução dos monitoramentos da fauna e que o elemento estrutural “Classificação das Espécies”, essencial nos relatórios, apresentou maior quantidade de lacunas legais. Espera-se que a divulgação desses resultados contribua com melhoras na qualidade destes estudos na medida em que os consultores que os executam percebam o quanto e onde estão pecando na elaboração dos relatórios e, consequentemente, na execução dos monitoramentos da fauna silvestre.
Palavras-chave: biodiversidade, monitoramento da fauna, Instrução Normativa 146, hidrelétricas.
Introdução
As atividades antrópicas vêm gerando alterações e perdas de ecossistemas
(PEREIRA e SERRA, 2012) no mundo e, consequentemente, acelerando o ritmo e a
extensão da perda de biodiversidade (LEAL e CÂMARA et al., 2005). Nos últimos 400
anos, como resultado dessas atividades, aproximadamente 250 espécies de pássaros,
mamíferos, répteis e anfíbios já foram extintas (LEAL e CÂMARA et al., 2005). Os danos
à diversidade biológica mundial, geralmente, são atribuídos às destruições e alterações
de habitats (PRIMACK E RODRIGUES, 2001), excesso de exploração dos recursos
naturais, introdução de espécies exóticas invasoras e mudanças climáticas (ONU, 2010).
Algumas dessas atividades, como a instalação de empreendimentos de geração
de energia hidrelétrica, representam sérios riscos à manutenção da diversidade biológica,
e hoje já são classificadas entre as principais ameaças às comunidades aquáticas no
Brasil (AGOSTINHO et al., 2005).
Para atender o aumento da demanda de energia elétrica nos últimos 40 anos,
foram implantados diversos empreendimentos hidrelétricos por todo o país. Apesar de
terem fornecido energia a grande parte da sociedade, esses empreendimentos
acarretaram diversos impactos negativos ao meio ambiente (ELETROBRÁS, 1999),
incluindo aqueles que envolvem a fauna silvestre que, geralmente, recebe grande
atenção dos órgãos de fiscalização ambiental (SILVA Jr. et al., 2007).
Um dos principais impactos da instalação de uma hidrelétrica sobre a fauna é
decorrente da formação do seu reservatório, que proporciona a morte ou o deslocamento
de indivíduos, como também a destruição e/ou fragmentação de habitats
(ELETROBRÁS, 1999). Essas duas ameaças constitui uma das principais causas de
extinção de espécies da fauna no mundo, uma vez que são responsáveis pela divisão
dos habitats remanescentes em fragmentos menores e isolados (BRASIL, 2008).
Atualmente, há uma grande preocupação com a biodiversidade no Brasil, que é
acompanhada pela propagação da legislação ambiental (AGOSTINHO et al., 2005). O
Licenciamento Ambiental (LA), por exemplo, que em anos recentes passou a configurar-
se como instrumento relevante da Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA (Lei nº
6.938, de 31 de agosto de 1981) (BRASIL, 1981), foi instituído pela legislação brasileira
visando a garantia da utilização racional dos recursos naturais disponíveis, a adequação
do desenvolvimento econômico à qualidade ambiental (STRAUBE et al., 2010) e a
conservação da diversidade biológica.
Outro instrumento da mesma lei (BRASIL, 1981), a Avaliação de Impacto
Ambiental (AIA), foi instituído para vincular sua aplicação a qualquer licenciamento de
atividades efetivamente ou potencialmente poluidoras (SILVA, 1994) e, portanto,
minimizar seus impactos sobre a biodiversidade. Para que isso fosse efetivado, em 1986,
o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) instituiu o Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) no intuito de estabelecer os critérios básicos e diretrizes gerais para uso
e implementação da AIA (Resolução CONAMA nº 001/1986) (BRASIL, 1986).
O escopo do EIA compreende, em linhas gerais, as atividades técnicas de
diagnóstico ambiental, as análises de impactos positivos e negativos de uma determinada
atividade, as definições das medidas mitigadoras desses impactos, e a elaboração de
programas de acompanhamento e monitoramento ambiental (BRASIL, 2013a).
Os programas de monitoramento ambiental, incluindo da diversidade biológica,
têm como principal objetivo a avaliação das alterações das características ambientais
frente às mudanças de sua qualidade pela ação humana (MELO e HEPP, 2008),
diagnosticando condições anormais e suas causas potenciais, além de sugerir ações
corretivas (LIPS et al., 2001). No caso particular dos monitoramentos de fauna, a
mensuração, caracterização e flutuações dos componentes ecológicos podem funcionar
como indicadores legítimos da qualidade ambiental ao longo dos processos de alterações
ambientais (HORI, 2011), como aqueles proporcionados pela instalação e operação de
empreendimentos hidrelétricos. Nesse sentido, os estudos das populações animais são
extremamente úteis para se tentar entender um processo de impactos ambientais que
será criado com a inserção desses empreendimentos (SILVA Jr. et al., 2007).
O monitoramento da fauna consiste atualmente na ferramenta mais poderosa para
avaliar os impactos nas populações naturais (SILVEIRA et al., 2010), além de propiciar a
avaliação da evolução dos impactos e a aferição da eficiência das medidas mitigadoras
implementadas (CUREAU et al., 2010). No entanto, muitos desses estudos apresentam
sérias deficiências, como nas amostragens, por falta de perguntas claramente definidas
(“por que monitorar”, “o que deve ser monitorado” e “como monitorar”) e escolha dos
métodos empregados, e na forma de tratamento dos dados (YOCCOZ, et al., 2001).
Com efeito, a normatização dos métodos a serem utilizados nos monitoramentos
de fauna passou a ser uma necessidade urgente e, portanto, foi atendida pela Instrução
Normativa n° 146 (IN-146/2007), publicada em 10 de janeiro de 2007 pelo Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA) (STRAUBE et al., 2010).
Essa IN estabelece critérios e padroniza os procedimentos relativos, entre outros, ao
monitoramento da fauna no âmbito do licenciamento ambiental de empreendimentos e
atividades que causam impactos sobre a fauna silvestre no Brasil (BRASIL, 2007).
Ela também atribui ao monitoramento o encargo da identificação de impactos
ambientais, no entanto, a realidade dos monitoramentos de fauna no Brasil não costuma
ser essa (HORI, 2011). Muitos programas de monitoramento da biodiversidade existentes
apresentam deficiências (YOCCOZ et al., 2001) que podem fragilizar os dados coletados
e as análises realizadas, dificultando comparações e aplicações futuras das informações
(YOCCOZ et al., 2003).
Diante isso, considerando a importância dos relatórios de monitoramento para
diagnosticar os impactos ambientais negativos de empreendimentos hidrelétricos sobre
a fauna presente em sua área de influência, o presente estudo tem o objetivo de avaliar
a qualidade técnica desses relatórios, identificar os critérios legais menos cumpridos nos
mesmos (lacunas legais) e indicar os elementos estruturais dos relatórios que
apresentam maiores quantidades de lacunas.
Materiais e Métodos
Coleta de dados
A identificação de lacunas legais nos relatórios de monitoramento da fauna
presente nas áreas de influência de empreendimentos hidrelétricos foi baseada em 22
relatórios, sendo 20 disponíveis na rede e dois cedidos por consultores de fauna.
Os relatórios disponíveis na rede foram encontrados por meio de buscas
bibliográficas na Biblioteca Digital do IBAMA (BRASIL, 2013b) e no site de busca da
empresa Google (https://www.google.com.br), utilizando combinações dos descritores
monitoramento, fauna, avifauna, herpetofauna, ictiofauna, mastofauna, quiropterofauna
e hidrelétricas.
Os relatórios analisados são referentes aos monitoramentos da mastofauna,
herpetofauna, avifauna, ictiofauna e quiropterofauna realizados nas áreas de influência
de empreendimentos em operação ou planejados para serem instalados em diferentes
estados brasileiros (MG, SE, RS, MT, RO, AP, PR). Todos os relatórios utilizados foram
elaborados na última década, mais especificamente nos anos 2003 (n=1), 2005 (n=3),
2006 (n=1), 2007 (n=1), 2008 (n=2), 2009 (n=2), 2010 (n=3), 2011 (n=7) e 2012 (n=2).
Vale ressaltar que foram realizados contatos com todas as Superintendências
Regionais de Regularização Ambiental (SUPRAMs) de Minas Gerais (n=6) (MINAS
GERAIS, 2013) solicitando relatórios de monitoramento, mas sem sucesso.
Avaliação da qualidade técnica dos relatórios
Para avaliar a qualidade técnica dos relatórios de monitoramento (n=22) foram
considerados 21 critérios da IN-146/2007 estabelecidos para a elaboração e
apresentação dos programas e relatórios de monitoramento da fauna silvestre (Quadro
1), cuja ausência poderia comprometer de forma significativa as atividades de
monitoramento.
A qualidade dos relatórios aqui considerada, portanto, está relacionada ao
cumprimento à legislação, ou seja, a pretensão é avaliar a qualidade dos mesmos a partir
da identificação das suas lacunas legais. Essa atribuição justifica-se pelo fato de que a
IN-146/2007 é um instrumento legal que tem como objetivo normatizar as informações
que devem ser apresentadas na ocasião dos estudos faunísticos, produzindo um
protocolo mínimo, seja no âmbito metodológico, seja de conteúdo (STRAUBE et al.,
2010).
Para cada critério considerado em um determinado relatório foi atribuído “um
ponto”, ao contrário, foi atribuída pontuação “zero”. No final da análise, o somatório dos
pontos atribuídos para cada critério (máximo de 21 pontos) presente em um determinado
relatório indicou a qualidade técnica do mesmo. Os relatórios que apresentaram acima
de 15 pontos (cerca de 70%) foram aqui considerados de qualidade suficiente e os que
tiveram pontuação abaixo deste valor foram considerados de qualidade insuficiente.
Identificação dos critérios legais menos cumpridos nos relatórios
A partir dos dados obtidos na avaliação da qualidade técnica dos relatórios de
monitoramento da fauna, foram identificados os critérios menos cumpridos pelos
relatórios. Essa identificação foi feita através da soma dos pontos obtidos por cada
critério. Os critérios cumpridos em menos de 70% dos relatórios analisados foram
identificados como lacunas legais.
Indicação dos elementos estruturais dos relatórios que apresentam maiores
quantidades de lacunas
Cada um dos 21 critérios utilizados para avaliar a qualidade técnica dos relatórios
de monitoramento da fauna foi agrupado em uma das cinco categorias criadas nesse
estudo, nomeadas como “Indicadores de Cumprimento Legal” (Quadro 01), aqui
considerados como diferentes elementos estruturais dos relatórios.
Quadro 01 – Indicadores de Cumprimento Legal com seus respectivos critérios utilizados para análise da qualidade dos relatórios de monitoramento da fauna silvestre de empreendimentos hidrelétricos.
Indicadores Critérios Legais
1 Descrição
Metodológica
Data e período sazonal; Métodos de coleta;
Métodos de triagem; Destinação;
Métodos de análises.
2 Delineamento
Amostral
Esforço Amostral; Pontos amostrais georreferenciados;
Mapa com a distribuição dos pontos amostrais; Localização do empreendimento (mapa).
3 Apresentação dos
Resultados
Composição de espécies; Forma de registro;
Dados brutos; Composição x ponto de registro.
4 Classificação das
Espécies
Ameaçadas; Endêmicas;
Exóticas; Bioindicadoras.
5 Análise Exploratória
dos Dados
Curva do coletor; Riqueza;
Abundância; Índice de diversidade.
Os indicadores foram utilizados para indicar os elementos estruturais dos
relatórios que, geralmente, omitem a maior quantidade de critérios legais e, portanto,
apresentam maior quantidade de lacunas legais. Para isso, primeiramente, foi
quantificada a pontuação máxima e real para cada indicador, considerando todos os
relatórios analisados, com base no número de critérios agrupados em cada um deles. Em
seguida, foi verificada a proporção da pontuação atribuída pelas análises dos indicadores
nos relatórios (“pontuação real”) em relação à pontuação máxima possível de cada um
deles (Quadro 2). Os valores encontrados refletem a proporção de critérios legais em
cada indicador que foram cumpridos pelos relatórios de monitoramento analisados nesse
estudo, o que indica os elementos estruturais que apresentam maior quantidade de
lacunas legais.
Tabela 01 – Análise utilizada para indicar os elementos estruturais dos relatórios que omitem a maior quantidade de critérios legais, sendo: P.real = Pontuação real; P.máx. = Pontuação máxima.
Indicadores Pontuação/ Indicador
Relatórios P. máx. 𝑷. 𝒓𝒆𝒂𝒍𝑷. 𝒎á𝒙⁄
Descrição Metodológica 5 22 110 𝑃 𝑟𝑒𝑎𝑙110⁄
Delineamento Amostral 4 22 88 𝑃 𝑟𝑒𝑎𝑙88⁄
Apresentação dos Resultados
4 22 88 𝑃 𝑟𝑒𝑎𝑙88⁄
Classificação das Espécies 4 22 88 𝑃 𝑟𝑒𝑎𝑙88⁄
Análise Exploratória dos Dados
4 22 88 𝑃 𝑟𝑒𝑎𝑙88⁄
Resultados e Discussão
Dos 22 relatórios analisados, 10 (45,5%) foram considerados de qualidade
suficiente por cumprirem com mais de 70% dos critérios legais estabelecidos pela IN-
146/2007 e 12 (54,5%) foram considerados insuficientes quanto ao cumprimento desses
critérios (Figura 01).
Figura 01 – Pontuações obtidas pelos relatórios de monitoramento de fauna analisados. Em azul, os relatórios que cumpriram com mais de 70% dos critérios (qualidade suficiente) e em vermelho, os que cumpriram com menos de 70% (qualidade insuficiente).
Desses 12 relatórios considerados insuficientes, nove (75%) foram elaborados
após a publicação da IN-146/2007, o que indica que, embora essa IN estabeleça um
mínimo de critérios que deveriam ser considerados nos procedimentos relativo ao
monitoramento da fauna, ainda existem vários trabalhos que não cumprem com os
mesmos.
Dos 21 critérios da IN-1462007 selecionados, 11 foram cumpridos em menos de
70% dos relatórios, sendo, portanto, considerados como as principais lacunas legais
(Figura 02).
Figura 02 – Cumprimento dos critérios pelos relatórios analisados. Em azul, os critérios cumpridos em mais de 70% dos relatórios e em vermelho, os critérios cumpridos em menos de 70% dos relatórios.
Os critérios “Localização do Empreendimento” e “Espécies Bioindicadoras” foram
os menos cumpridos, sendo verificados apenas em três (13,6%) dos 22 relatórios
analisados (Figura 02). A ausência da localização do empreendimento, juntamente com
o mapa dos pontos amostrais, que também foi um critério cumprido por menos de 70%
dos relatórios, é considerada uma questão preocupante, uma vez que pode comprometer
ou, no mínimo, dificultar a análise do delineamento amostral utilizada nos relatórios
realizada pelos técnicos do órgão ambiental responsáveis pela avaliação dos mesmos.
Quanto às espécies bioindicadoras, a falta de identificação das mesmas nas áreas
de influência de empreendimentos hidrelétricos pode representar uma grande perda de
informações ecológicas, por representarem ótimas ferramentas para avaliações
ambientais, funcionando como medidoras do estado do ambiente (SILVA, 2010). Essas
espécies podem fornecer um sinal de alerta precoce de mudanças no ambiente e ser
utilizados para diagnosticar a causa de um problema ambiental (DALE e BEYELER,
2001).
O aumento de espécies generalistas e resistentes a alterações em um ambiente,
por exemplo, pode indicar um ambiente alterado e o aumento de espécies sensíveis pode
indicar um ambiente conservado (OLIVEIRA et al., 2010). Os gambás, por exemplo, são
animais generalistas em termos ecológicos, tendo, em geral, abundância aumentada em
ambientes alterados, como fragmentos florestais (OLIVEIRA et al., 2010). Negrão e
Valladares-Pádua (2006) relataram em seu estudo um alto número de registros de
gambás (Didelphis aurita) na Reserva Florestal do Morro Grande, em São Paulo, o que
segundo os autores, é um indício do alto grau de perturbação da área. Ao contrário dos
gambás, os anfíbios são exemplos de espécies sensíveis, por serem os primeiros a
sentirem os efeitos das variações ambientais devido as características biológicas que
apresentam (MIGUEL et al., 2007). Percebe-se, portanto, a importância da identificação
de espécies bioindicadoras durante os monitoramentos de fauna para indicar a qualidade
de determinada área e assim, avaliar impactos de empreendimentos sobre a fauna.
Outras lacunas observadas, que também devem ser destacadas, são referentes
ao cumprimento dos critérios “Dados Brutos”, “Forma de Registro” e “Curva do coletor”
por apenas quatro, seis e nove relatórios, respectivamente. A apresentação dos dados
brutos nos relatórios é importante para verificar alguma informação específica (ex.: dados
de biometria e data de captura de um determinado exemplar), caso necessário, que não
esteja explícita nos resultados. No caso de mudança da equipe técnica durante o
processo de monitoramento, o consultor que assumirá o serviço e continuará o
monitoramento poderá ter acesso a todos os dados coletados anteriormente por meio
dos dados brutos.
O critério “Forma de Registro” refere-se ao método de amostragem utilizado para
registrar uma espécie e sua apresentação em um relatório de monitoramento de fauna
indica ao leitor como uma espécie foi capturada durante o monitoramento. O cumprimento
desse critério é importante para conhecermos a maneira que uma determinada espécie
é capturada e para verificar se as metodologias utilizadas são adequadas. Silveira et al.
(2010) afirmam que, apesar das metodologias utilizadas serem geralmente definidas pelo
órgão ambiental responsável pelo licenciamento, muitas vezes, elas são inadequadas,
pouco eficientes ou baseadas nos próprios preconceitos. Um exemplo disso é a negação
de licença de coleta para determinados grupos animais ou a restrição do uso de armas
de fogo, uma ferramenta essencial para a amostragem de aves nas copas de árvores
(SILVEIRA et al., 2010). Esta última ferramenta, por exemplo, se não utilizada, vai
necessariamente subamostrar uma porção importante da diversidade de vertebrados
cuja identificação é difícil em campo (SILVEIRA et al., 2010).
A baixa incidência do critério “Curva do Coletor”, também conhecida como “Curva
de Acumulação de Espécies”, nos relatórios analisados também é um fato que merece
destaque. Os componentes da diversidade em uma localidade jamais serão amostrados
de forma completa, tendo em vista que o termo amostragem refere-se a obtenção de uma
parte que represente a totalidade do objeto de estudo (SILVEIRA et al., 2010). Nesse
sentido, é importante entender que quanto maior o esforço de amostragem (esforço
amostral) de um grupo faunístico numa determinada área, maior será a
representatividade dos dados referente à comunidade local. A curva do coletor indica o
número cumulativo de espécies ao longo do tempo amostral e aparece como boa (e
obrigatória; IN-146/2007: Inciso V do Artigo 5º) medida de suficiência amostral para se
reconhecer um estudo como satisfatório ou não (STRAUBE et al., 2010). A ausência
desse critério, portanto, pode colocar em dúvida se a comunidade de um determinado
grupo faunístico ocorrente na área de influência de um empreendimento foi realmente
representada com o esforço amostral empregado durante os estudos.
O critério “Destinação” também apresentou baixa incidência nos relatórios, o que
representa uma grande lacuna, visto que a indicação das instituições onde o material
biológico foi depositado é de extrema importância para as pessoas interessadas terem
acesso. Legalmente, o material proveniente dos monitoramentos deve ser depositado
nos acervos de uma instituição a ser definida em conjunto pelo contratante e pelo
consultor (STRAUBE et al., 2010).
Outro critério cumprido por menos de 70% dos relatórios analisados foi o
“Composição x Pontos de Registros”, que refere-se à apresentação dos registros das
espécies capturadas em cada ponto amostral contemplado durante o monitoramento da
fauna. O baixo cumprimento deste critério também representa um problema, pois a
indicação do ponto de ocorrência de uma espécie contribui de maneira significativa por
indicar os locais onde determinada espécie pode ser encontrada com mais facilidade
dentro de determinada localidade (FIGUEIREDO, 2013). Outro fato que confirma a
importância deste critério é que a área de ocorrência de um táxon é inferida a partir de
informações pontuais (CERQUEIRA, 1995).
Considerando que as distribuições geográficas são hipóteses resultantes de algum
modelo que extrapola uma área a partir de um conjunto de pontos amostrais, percebe-se
a importância da indicação dos pontos de ocorrência de uma determinada espécie como
base de dados para a realização de inferências referentes à área de ocorrência de um
táxon em estudos posteriores (PRADO et al., 2003)
Analisando os Indicadores de Cumprimento Legal em todos os relatórios de
maneira conjunta, verificou-se que, em média, somente 45% dos critérios referentes ao
indicador “Classificação das Espécies” são contemplados nos relatórios de
monitoramento, sendo, portanto, o elemento estrutural que omite a maior quantidade de
critérios legais e, consequentemente apresenta a maior quantidade de lacunas.
Em seguida aparecem os indicadores “Apresentação dos Resultados”,
“Delineamento Amostral”, “Análise Exploratória dos Dados” e “Descrição Metodológica”
com 51%, 63%, 75% e 83%, respectivamente, de seus critérios contemplados nos
relatórios (Tabela 02, Figura 03).
Tabela 02 - Cumprimento dos relatórios aos critérios da IN-146/2007, por Indicador de Cumprimento Legal, sendo: P.máx = Pontuação Máxima P.real = Pontuação real.
Indicadores Pontuação/Indicador
Relatórios P.máx P.real 𝑷 𝒓𝒆𝒂𝒍𝑷 𝒎á𝒙⁄ %
Classificação das espécies 4 22 88 40 0,45 45
Apresentação dos resultados 4 22 88 45 0,51 51
Delineamento amostral 4 22 88 56 0,63 63
Análise Exploratória dos dados 4 22 88 66 0,75 75
Descrição metodológica 5 22 110 92 0,83 83
Figura 03 – Cumprimento dos relatórios analisados aos critérios da IN-146/2007, por Indicador de Cumprimento Legal. Em vermelho, o indicador que apresentou maior quantidade de lacunas.
O indicador que apresentou maior quantidade de lacunas (Classificação das
Espécies), refere-se aos critérios relacionados à identificação nos relatórios sobre as
espécies ameaçadas, endêmicas, exóticas e bioindicadores encontradas durante o
monitoramento. O baixo cumprimento deste indicador aponta uma grande falha nestes
estudos por referir-se a um tópico de conservação que deve ser tratado com profundidade
(STRAUBE et al., 2010). Todos os critérios agrupados nesse indicador obtiveram menos
de 70% de cumprimento nos relatórios analisados, sendo o critério “Espécies
Bioindicadoras” o menos cumprido entre eles e entre todos os outros (Figura 02).
O critério “Espécies Ameaçadas” aparece como o segundo menos cumprido do
indicador “Classificação das Espécies”, o que também é um fator muito preocupante, pois
a indicação dos registros dessas espécies (inclusive near-threatened species – espécies
quase-ameaçadas) na área avaliada é absolutamente necessário (STRAUBE et al.,
2010) para auxiliar na definição de diretrizes e metas de conservação e de medidas
mitigadoras. Espécies consideradas ameaçadas de extinção, em qualquer âmbito,
formam um grupo relevante na consideração sobre a magnitude dos impactos negativos
de um empreendimento, das medidas mitigatórias e compensatórias desses impactos e,
notadamente, das ações que deveriam ser realizadas para reduzir o efeito pontual sobre
a população dessas espécies (STRAUBE et al., 2010).
A identificação de espécies endêmicas e exóticas foi o terceiro critério menos
cumprido do indicador “Classificação das Espécies” e também representam lacunas
nestes trabalhos. A identificação e indicação de uma espécie endêmica numa
determinada área deve ser considerada devido à sua pequena abrangência geográfica
e, portanto, à necessidade de atividades de monitoramento mais específicas para
detectar os efeitos da presença de um empreendimento em suas populações. Já as
exóticas invasoras, que geralmente representam ameaças aos ecossistemas, habitats e
outras espécies, merecem muita atenção devido a grande ameaça que representam as
comunidades nativas. Os impactos das mesmas sobre a biodiversidade nativa é tão
relevante que elas são, atualmente, consideradas a segunda maior ameaça à
biodiversidade, afetando diretamente as comunidades biológicas, a economia e a saúde
humana (BRASIL, 2009).
Verificou-se ainda que em média 64% dos critérios referentes ao indicador
“Delineamento Amostral” são contemplados nos relatórios de monitoramento, o que foi
considerado um ponto negativo, visto a importância fundamental de um bom desenho
amostral nestes estudos (SILVEIRA et al., 2010). O desenho amostral é de fundamental
importância para cumprir com os objetivos de um estudo, sendo sua resposta limitada
principalmente pelo tipo de desenho amostral empregado (FÉLIX e HACKRADT, 2006).
Muitos estudos ecológicos são conduzidos sem a prévia existência de
delineamentos amostrais adequados, de forma que dados são coletados na ausência de
critérios e com finalidades não evidentes, e somente após sua coleta julgam-se quais
análises estatísticas são as mais apropriadas aos dados recolhidos (FÉLIX e
HACKRADT, 2006). Na literatura, vários estudos apontam uma grande falha nos
monitoramentos de fauna devido à condução incorreta do desenho experimental.
Silveira et al. (2010), por exemplo, relata que analisando formal e informalmente
diversos trabalhos de consultoria ambiental dos últimos anos, percebe que os mesmos
pecam principalmente pela ausência de um desenho experimental eficiente. O autor
afirma que, em muitos casos, o que se observa é a ausência de qualquer desenho
experimental que faça sentido. É frequente a apresentação de listas de fauna obtidas
sem que as transecções tenham sido objeto de réplicas ou sem áreas controle. Muitas
vezes, não são apresentados índices de abundância para as espécies e nem mesmo
uma simples curva de acumulação de espécies (curva do coletor), o que não permite
sequer saber se o tempo gasto na amostragem foi suficiente para que a área possa ser
considerada como razoavelmente bem conhecida (SILVEIRA et al., 2010).
A consideração dos critérios da IN-146/2007 durante os monitoramentos de fauna
é muito importante, pois o conjunto destes critérios normatiza e padroniza os
procedimentos relativos à fauna, minimizando assim, falhas na execução dos
monitoramentos e na elaboração dos respectivos relatórios, que serão os produtos que
embasarão a avaliação dos impactos causados por um empreendimento sobre a fauna
silvestre. Por este motivo, neste estudo, a qualidade dos relatórios foi relacionada ao
cumprimento a essa legislação.
No entanto, sabe-se que muitas vezes, o número de critérios cumpridos pelos
relatórios não indica a real qualidade do trabalho, pois alguns destes podem ser
considerados mais importantes que os outros. Por exemplo, falhas ou ausência de um
bom delineamento amostral pode comprometer toda a qualidade dos resultados de um
estudo sendo, portanto, um critério de maior importância, quando comparado com vários
outros exigidos pela IN-146/2007.
Conclusão
O presente estudo revelou que a maioria dos trabalhos analisados apresentaram
qualidade insuficiente, o que representa um ponto negativo, visto que a maioria destes
relatórios não apresenta boa parte dos critérios exigidos legalmente. Além disso, indicou
que critérios legais como “Espécies Bioindicadoras”, “Localização do Empreendimento”,
“Dados Brutos”, “Forma de Registro” e “Curva do Coletor” foram os menos cumpridos
pelos relatórios, merecendo portanto, uma atenção especial por consultores que realizam
os monitoramentos de fauna. Ressalta-se que estes critérios são de grande importância
para a apresentação dos resultados do monitoramento, contribuindo assim para geração
de dados de qualidade que possam substanciar corretamente as decisões dos órgãos
licenciadores (STRAUBE et al., 2010).
Outro resultado importante obtido foi que os critérios relacionados à um elemento
estrutural essencial nos relatórios (Classificação das Espécies) apresentou maior
quantidade de lacunas, o que é um grande problema, visto que indica as espécies que
estão ameaçadas na área, as bioindicadoras, as exóticas e endêmicas, todas de extrema
importância para subsidiar a avaliação dos impactos dos empreendimentos sobre a
fauna.
Ressalta-se que este estudo não teve como objetivo analisar se os
monitoramentos estão sendo conduzidos de forma correta no que diz respeito à
metodologia, desenho amostral, caracterização do grupo, entre outros, porém ressalta-
se aqui a importância da realização de monitoramentos bem conduzidos, pois só assim
poderemos evitar a tomada de decisões equivocadas e que só serão percebidas quando
não será mais possível sanar ou mitigar determinados impactos, cujas consequências
são imprevisíveis e muito custosas para a sociedade (SILVEIRA et al., 2010).
Nesse sentido, sugere-se uma discussão mais aprofundada sobre esse assunto
para que estes relatórios possam constituir-se de estudos que possam responder
perguntas relacionadas com a sinergia causada por diversos impactos. Além disso, é
fato que a análise de um maior número de relatórios de monitoramento, juntamente com
a devida ponderação dos critérios legais considerados nesse estudo, contribua para a
avaliação da real qualidade dos mesmos.
Diante da grande utilidade dos monitoramentos, afirma-se aqui a necessidade da
apresentação de estudos de monitoramento de qualidade, o que pode ser facilitado pelo
cumprimento dos critérios estabelecidos pela IN-146/2007.
Enfim, espera-se que a divulgação dos resultados encontrados no presente estudo
contribua com melhoras na qualidade destes trabalhos na medida em que consultores
percebam o quanto e onde estão pecando na execução dos monitoramentos da fauna
silvestre.
MONITORING REPORTS OF WILDLIFE PRESENT IN AREAS OF INFLUENCE OF
HYDROELECTRIC DAMS: IDENTIFICATION OF REGULATORY GAPS
Abstract
Human activities have altered ecosystems in the world and hence accelerating the rate and extent of biodiversity loss. The installation and operation of hydroelectric dams, for example, is a human activity that impacts negatively Brazilian wildlife. Instruments such as the Environmental Permitting (EP) and Environmental Impact Assessment (EIA) has the goal disciplinary installing these types of projects impactful, and thus conserve biological diversity. As part of the process of EP, the Environmental Impact Assessment (EIA) is required for these projects. The EIA includes, among other activities, the elaboration of wildlife monitoring programs, which currently consists of a very powerful tool to assess the impacts on natural populations, but many of these studies have serious shortcomings. Thus, this study aims to evaluate the technical quality of monitoring reports of wildlife present in areas of influence of hydroelectric dams, identify the legal criteria less fulfilled in these reports and indicate the structural elements of the reports that have higher amounts of legal gaps. For this, were considered 21 criteria of IBAMA Normative Instruction n° 146/2007 established for the preparation and presentation of programs and monitoring reports of wildlife. The results of this study revealed that most of the studies analyzed showed insufficient quality, that the legal criteria considered less in reports are relevant (and even basic) for the execution of monitoring of wildlife, and that the structural element “Classification of Species", essential in the reports, showed higher amount of legal gaps. It is hoped that the publication of these results can contribute to improvements in the quality of these studies when consultants who perform them understand how and where they are failing in this reports elaboration and consequently in the execution of monitoring of wildlife. Keywords: biodiversity, wildlife monitoring, Normative Instruction 146, hydroelectric dams.
Referências
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