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Aula 5: UNIDADE II 2.2 Movimento de Reconceituação: as perspectivas teórico- metodológicas do Serviço Social. (28/04/2021). Próxima aula: UNIDADE III A Renovação do Serviço Social no Brasil sob a Autocracia Burguesa (texto: Serviço Social e o Popular- pg:29-70) DICIONÁRIO DO PENSAMENTO SOCIAL (p.307) Fenomenologia- Em filosofia, trata-se (a) da pura descrição dos “fenômenos” da experiência humana, tal como se apresentam em direta consideração, independente da história, da particularidade, da causalidade e do contexto social dessas experiências; e (b) do movimento filosófico europeu do século XX, associado em particular a Edmund Husserl (1859-1938), defendendo esse método de investigação em várias formas. Em segundo lugar, em sociologia e em particular com inspiração nos textos de fenomenologia social de Alfred Schutz (1899- 1959) , é o estudo dos modos como as pessoas vivenciam diretamente o COTIDIANO e imbuem de significado as suas atividades. Em terceiro lugar, na psicologia da percepção, é uma escola influenciada pelo filósofo Maurice Merleau Ponty (1908-1961), a qual afirma que o corpo e o comportamento são portadores imediatos e pré-lingüísticos de significado na experiência (Shapiro, 1985) (ver PSICOLOGIA). Este verbete concentra-se na fenomenologia em filosofia e sociologia. A fenomenologia é um ramo abstrato, rigoroso e especializado da filosofia, com várias escolas e tradições nacionais. Exemplo: UNIVERSALIDADE (CAPITALISMO/PEQ. E GD. POLÍTICAS/QUESTÃO SOCIAL/ HISTÓRIA)..... PARTICULA (área da saúde, etc, outras características------) SINGULARIDADE (BOLSA FAMÍLIA) AQUI! Fenomenologia. As pesquisas fenomenológicas, em geral, não têm a intenção de produzir afirmações factuais, mas sim reflexões filosóficas não-empíricas, ou “transcendentais”, sobre conhecimento e percepção e sobre atividades humanas como a ciência e a cultura. Husserl visava estabelecer nada menos que a pura VERDADE, independente de tempo, lugar, cultura ou psicologia individual. Não estava interessado na percepção de objetos particulares, concretos, mas sim no “percebido como tal”, que ele chamou de noema. Para chegar a tais essências abstratas dos objetos, Husserl defendeu um procedimento que chamou de “redução transcendental”, ou epoché, por meio do qual as questões de ONTOLOGIA eram mantidas em estado de suspensão. Através de uma mudança de atitude, a crença no mundo efetivo da existência humana em qualquer sociedade, comunidade ou período histórico foi suspensa, ou “posta entre colchetes”. Colocando-se assim os objetos sociais ou naturais concretos e individuais entre colchetes, era possível, acreditava ele, variar muitos exemplos de coisas para descobrir os aspectos essenciais que qualquer coisa dada deve possuir a fim de ser reconhecida como um exemplo dessa coisa. Em fenomenologia, esse método é conhecido como a abordagem

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Aula 5: UNIDADE II – 2.2 Movimento de Reconceituação: as perspectivas teórico-

metodológicas do Serviço Social. (28/04/2021). Próxima aula: UNIDADE III – A Renovação do Serviço Social no Brasil sob a Autocracia Burguesa (texto: Serviço Social e o Popular- pg:29-70)

DICIONÁRIO DO PENSAMENTO SOCIAL (p.307)

Fenomenologia- Em filosofia, trata-se (a) da pura descrição dos “fenômenos” da experiência

humana, tal como se apresentam em direta consideração, independente da história, da

particularidade, da causalidade e do contexto social dessas experiências; e (b) do movimento

filosófico europeu do século XX, associado em particular a Edmund Husserl (1859-1938),

defendendo esse método de investigação em várias formas. Em segundo lugar, em sociologia

— e em particular com inspiração nos textos de fenomenologia social de Alfred Schutz (1899-

1959) —, é o estudo dos modos como as pessoas vivenciam diretamente o COTIDIANO e

imbuem de significado as suas atividades. Em terceiro lugar, na psicologia da percepção, é uma

escola influenciada pelo filósofo Maurice Merleau Ponty (1908-1961), a qual afirma que o

corpo e o comportamento são portadores imediatos e pré-lingüísticos de significado na

experiência (Shapiro, 1985) (ver PSICOLOGIA). Este verbete concentra-se na fenomenologia em

filosofia e sociologia. A fenomenologia é um ramo abstrato, rigoroso e especializado da

filosofia, com várias escolas e tradições nacionais.

Exemplo:

UNIVERSALIDADE (CAPITALISMO/PEQ. E GD. POLÍTICAS/QUESTÃO SOCIAL/ HISTÓRIA).....

PARTICULA (área da saúde, etc, outras características------)

SINGULARIDADE (BOLSA FAMÍLIA) AQUI! Fenomenologia.

As pesquisas fenomenológicas, em geral, não têm a intenção de produzir afirmações factuais,

mas sim reflexões filosóficas não-empíricas, ou “transcendentais”, sobre conhecimento e

percepção e sobre atividades humanas como a ciência e a cultura. Husserl visava estabelecer

nada menos que a pura VERDADE, independente de tempo, lugar, cultura ou psicologia

individual. Não estava interessado na percepção de objetos particulares, concretos, mas sim

no “percebido como tal”, que ele chamou de noema. Para chegar a tais essências abstratas dos

objetos, Husserl defendeu um procedimento que chamou de “redução transcendental”, ou

epoché, por meio do qual as questões de ONTOLOGIA eram mantidas em estado de

suspensão. Através de uma mudança de atitude, a crença no mundo efetivo da existência

humana em qualquer sociedade, comunidade ou período histórico foi suspensa, ou “posta

entre colchetes”. Colocando-se assim os objetos sociais ou naturais concretos e individuais

entre colchetes, era possível, acreditava ele, variar muitos exemplos de coisas para descobrir

os aspectos essenciais que qualquer coisa dada deve possuir a fim de ser reconhecida como

um exemplo dessa coisa. Em fenomenologia, esse método é conhecido como a abordagem

eidética (Husserl, Ideas, 1931). A doutrina da intencionalidade é importante em Husserl e na

fenomenologia em geral, e deriva de Franz Brentano, professor de Husserl.

A característica mais fundamental da consciência é tida como sendo o fato de ela ser sempre

consciência de alguma coisa. Independente do status existencial do objeto em questão, a

consciência é “dirigida”. Os indivíduos destacam entidades em sua experiência para a sua

atenção e, assim, as constituem em objetos. Mas do fato de um ato consciente ser dirigido a

alguma coisa não se pode inferir que essa coisa exista. Para Husserl, todo ato é “dirigido”

porque, mesmo que não tenha um objeto óbvio, será dirigido a um noema. O método

produziria verdades não-empíricas, apodíticas, a priori, que seriam universalmente válidas e

livres de pressupostos. Estas proporcionariam um sólido baluarte contra a dúvida céptica, o

historicismo, o relativismo e o irracionalismo político.

Rigorosamente falando, Schutz estava delineando apenas as precondições para a pesquisa na

ciência social humanista, e não tentando uma descrição empírica de qualquer sociedade nem

fornecendo conceitos para uso direto em pesquisa social. Conforme as palavras de Thomas

Luckmann (1983, p.viii-ix), a fenomenologia social é uma “proto-sociologia” que “revela as

estruturas universais e invariáveis da existência humana em todos os tempos e lugares”. Mas

essa pretensão à universalidade, baseada como era unicamente no raciocínio filosófico,

sempre foi contestável. De onde deriva o catálogo abstrato de estruturas básicas do

Lebenswelt? Que evidência empírica, se é que existe, poderia mudá-las? Estarão sendo sub-

repticiamente introduzidos valores e preconceitos a respeito da natureza humana? Além do

mais, a natureza esclarecedora, a priori, do empreendimento que os fenomenólogos haviam

reunido para si próprios significava que — como eles mesmos reconheceram — não eram

competentes para fazer quaisquer afirmações concretas, sistemáticas, a respeito das urgentes

questões de poder e dominação social em sociedades específicas. Tal tarefa científicosocial

estava fora de sua esfera. Sua principal pretensão à fama, portanto, tornou-se a crítica

humanista do objetivismo e do POSITIVISMO onde estes existiam na corrente dominante da

ciência social. Uma vez que os sociólogos absorveram esse corretivo, a fenomenologia foi

gradualmente perdendo o seu apelo. 2. O foco “egológico” da fenomenologia teve

importantes repercussões para as variantes tanto social quanto filosófica. Esse molde

individualista é óbvio em Husserl, mas também fica claro na visão que Schutz tem da

sociedade como consistindo em círculos concêntricos em torno de si próprio. Com referência a

Nós, cujo centro sou eu, outros se destacam como “Você”, e com referência a Você, que se

refere de volta a mim, terceiros se destacam como “Eles”. Meu mundo social, com os alter

egos nele incluídos, está arrumado, em torno de mim como centro, em associados (Unwelt),

contemporâneos (Mitwelt), predecessores (Vorwelt) e sucessores (Folgewelt ), com o que eu e

minhas diferentes atitudes para com outros instituímos esses relacionamentos múltiplos. Tudo

isso é feito em variados graus de intimidade e anonimidade. (Schutz, 1940, p.181.)

Esse ponto de partida nominalista para a ciência social tem sido alvo de consideráveis críticas

em sociologia, de Karl Marx e Emile Durkheim em diante e, recentemente, de forma notável,

no trabalho teórico e empírico de Norbert Elias, em que foi encarado como uma forma

inaceitável de monadologia (Elias, 1978 e 1991). O mesmo egoísmo significou que as versões

filosóficas, particularmente a de Husserl, sempre foram assoladas pelo fantasma do

solipcismo. Sua solução — a auto-experiência universal do “ego transcendental” — foi atacada

pelos fenomenólogos existenciais (Sartre, 1936-7; Merleau-Ponty, 1945). Estes tentaram evitar

tal perigo mudando a ênfase para a ontologia. Criaram conceitos como o “estar-no-mundo” da

humanidade para tentar descrever a união préteórica das pessoas em sociedade. O

movimento anti-subjetivista e anti-humanista do ESTRUTURALISMO no pensamento social

europeu, nos anos 50 e 60, foi também, em parte, uma reação às formas mais individualistas

de fenomenologia. Em fenomenologia, o sujeito individual, ou Ego empírico, sempre teve um

status analítico, embora explicitamente se assumisse ser ele um indivíduo adulto. A referência

ao desenvolvimento desse indivíduo era feita de maneira formal, por exemplo, na distinção de

Husserl entre gênese “ativa” e “passiva” do Ego (Cartesian Meditations, 1931, seção 38). Em

suas primeiras obras, Schutz descreveu explicitamente o agente individual, tido em suas

análises como o “adulto plenamente consciente”. Essa suposição estatística é corrigida em sua

obra póstuma The Structures of the Lifeworld (Schutz e Luckmann, 1974), que contribuiu para

desenvolver o que ficou conhecido como “fenomenologia genética”. Nessa obra, foi

plenamente reconhecido o fato de os adultos terem sido crianças que aprenderam a partir de

uma cultura preexistente através da socialização. Esse ponto de vista pode ser encontrado, de

forma sofisticada, na influente obra de metateoria de Berger e Luckmann intitulada The Social

Construction of Reality (1961). No entanto, de acordo com o caráter transcendental da análise

fenomenológica em geral, a gênese é inevitávelmente tratada, aqui também, de modo formal,

abstrato, como parte de uma estrutura universal de orientação subjetiva para as ciências

sociais, com o mundo de gênese real, empírica, colocado entre colchetes. Os sociólogos têm

chamado a atenção para o fato de a fenomenologia ser um produto proeminente do

egocentrismo da filosofia européia tradicional de Descartes a Kant e Husserl. Essa tendência foi

convincentemente explicada pelo desenvolvimento de complexos estados-nações ocidentais,

com paz interna. Pode ser vista como expressão da auto-experiência do indivíduo moderno,

eminentemente autocontrolado, característico dessas sociedades (Elias, 1939). A direção

predominante que surge nas pesquisas contemporâneas da sociologia da individualidade

afasta-se do transcendental rumo às investigações empíricas, de forma simultânea, nas duas

frentes do que Norbert Elias chamou de psicogênese e sociogênese (Burkitt, 1991).

POSITIVISMO (P.592)- De um modo muito parecido com o conceito de ideologia, que também

começou tendo amplo curso e aceitação mais ou menos no mesmo período, a noção de

positivismo vangloria-se de uma controversa e irônica trajetória. Originando-se como

autodesignação positiva nos escritos de Auguste Comte, oferecido como uma “filosofia para

acabar com todas as filosofias” pelo círculo de Viena (ver VIENA, CÍRCULO DE) e equiparada à

ciência tout court pelos defensores do FUNCIONALISMO e do COMPORTAMENTALISMO nos

Estados Unidos do pós-guerra, o positivismo tornou-se um termo de acusação polêmica,

quando não insultuoso, na ciência social contemporânea — muito poucos sociológos

reivindicariam ou acolheriam com agrado o rótulo de positivistas. E, tal como a ideologia,

assumiu uma multiplicidade de significados, de modo que existem quase tantas definições de

positivismo quantas as críticas de que é alvo.

A dispersão e a inversão da carga semântica da palavra são indicativas das mudanças que

transformaram a FILOSOFIA DA CIÊNCIA desde a década de 60 e desafiaram a longa

hegemonia do positivismo na investigação social ao suscitar uma vez mais a questão do

“dualismo das ciências naturais e culturais” (Habermas, 1967). Em seu mais amplo sentido

filosófico, o positivismo refere-se à teoria do conhecimento proposta por Francis Bacon, John

Locke e Isaac Newton, a qual afirma a primazia da observação e a busca da explicação causal

por meio da generalização indutiva (Kolakowski, 1966). Nas ciências sociais, ficou associado a

três princípios afins: o princípio ontológico do fenomenalismo, de acordo com o qual o

conhecimento só pode fundamentar-se na experiência (beirando a fetichização dos “fatos”

como imediatamente acessíveis à percepção sensorial); o princípio metodológico da unidade

do método científico, o qual proclama que os procedimentos da ciência natural são

diretamente aplicáveis ao mundo social com o objetivo de estabelecer leis invariantes ou

generalizações semelhantes a leis sobre fenômenos sociais; e o princípio axiológico da

neutralidade, que se recusa a conceder aos enunciados normativos o status de conhecimento

e mantém uma rígida separação entre fatos e valores. Três amplas tradições sucessivas do

positivismo podem ser esquematicamente distinguidas: a francesa, a alemã e a americana.

A linhagem francesa origina-se com Auguste Comte e o seu mentor Saint-Simon (que,

por sua vez, era devedor de Condorcet), e está exemplificada, da melhor maneira, pela

sociologia de Émile Durkheim. A ambição de Comte era fundar uma ciência naturalista

da sociedade capaz de explicar o passado da espécie humana e predizer o seu futuro

aplicando os mesmos métodos de investigação que tinham provado ser tão bem-

sucedidos no estudo da natureza, a saber, observação, experimentação e comparação.

Comte criou o termo “sociologia” para designar a ciência que sintetizaria todo o

conhecimento possível, desvendaria os mistérios da estática e da dinâmica da

sociedade, e orientaria a formação do governo positivo. Durkheim abandonou a

substância da filosofia de Comte, mas reteve o seu método, insistindo na continuidade

lógica entre as ciências sociais e naturais e na aplicação à sociedade do princípio de

causalidade natural. “O nosso principal objetivo”, escreveu ele em Les règles de la

méthode sociologique (Durkheim, 1895), seu manifesto revolucionário em prol da

explicação sociológica científica, “é estender o racionalismo científico à conduta

humana(...). Aquilo a que chamam o nosso positivismo nada mais é que uma

conseqüência desse racionalismo.” Para estabelecer a independência definitiva da

sociologia de toda a filosofia e, assim, a sua autonomia como campo científico distinto,

Durkheim propôs uma concepção da sociedade como uma realidade objetiva sui

generis cujos componentes, estrutura e funcionamento, obedecem a regularidades

que se impõem aos indivíduos como “necessidades inelutáveis”, independentes de sua

volição e consciência. Também propôs um conjunto de princípios metodológicos

condensados na famosa recomendação de “tratar os fatos sociais como coisas”:

rejeitar as preconcepções comuns em favor de definições objetivas, explicar um fato

social somente por outro fato social, distinguir a causa eficiente da função e os estados

sociais normais dos patológicos etc. Esses princípios foram convincentemente

ilustrados em Le suicide, modelo inegável do positivismo francês, no qual Durkheim

(1897) se absteve de analisar o significado do suicídio em favor da revelação de seus

tipos e causas sociais via uma análise estatística dos correlatos e variações de seu

grupo.

O grupo de filósofos, matemáticos e cientistas analíticos (entre eles, Moritz Schlick,

Ernest Mach, Rudolf Carnap, Carl Hempel e Otto Neurath) que se tornou conhecido

como o Círculo de Viena nos anos de 1923-36 tomou o partido da explicação e unidade

da ciência. Sua finalidade era efetuar uma síntese de empirismo humano, positivismo

comteano e análise lógica que livrasse para sempre a filosofia das ocas especulações

da metafísica ao fundamentar firmemente todo o conhecimento na experiência (Ayer,

1959). De acordo com esse positivismo lógico, o conhecimento científico assenta em

uma sólida base de fatos formulada por meio de “sentenças protocolares” (Mach) que

fornecem um registro genuíno porque imediato da experiência sensorial, ou elaborada

através de “regras de correspondência” (Carnap), formando uma ponte entre a

linguagem teórica e a linguagem da observação. À parte as proposições analíticas da

lógica, os únicos enunciados significativos são os que podem estar sujeitos ao

“princípio de verificação”, ou seja, ser comprovados por observação. Em oposição

frontal à idéia de Geisteswissenschaften, pressuposta em um cisma entre as ciências

da natureza e as culturais, o Círculo de Viena afirmou que a explicação científica em

sociologia ou história obedece à mesma “lei explanatória” ou modelo “dedutivo-

nomológico” que as ciências naturais (Hempel, 1965), em que um explanandum é

deduzido de uma combinação de condições iniciais e de uma lei e explicação universais

sinônimas de previsão.

Nos Estados Unidos, uma compreensão semelhante da ciência social evoluiu para o

que Bryant (1985) chama o positivismo instrumental, tradição incrementalista,

naturalista, da pesquisa social empenhada em atingir padrões de rigor comparáveis

aos da física ou biologia. Baseada em uma concepção nominalista e voluntarista da

sociedade como mero agregado de indivíduos, essa tradição reinou absoluta desde a

década de 30 até a de 60, englobando uma variedade de orientações teóricas, e

continua impregnando a sociologia norte-americana. Distingue-se por sua

preocupação com questões de método e de mensuração, incluindo o refinamento de

técnicas estatísticas, a ênfase na operacionalização e na verificação (Zetterberg, 1954)

e a prioridade que confere a projetos experimentais, levantamentos quantitativos e

pesquisas por equipe. É “instrumental” na medida em que os instrumentos de

investigação determinam as questões formuladas, a definição de conceitos (através da

construção de indicadores empíricos) e, assim, o conhecimento produzido, com a

testabilidade, a replicabilidade e a viabilidade técnica suplantando a teoria como guias

idôneos da prática e da avaliação científicas. O positivismo instrumental foi

inicialmente articulado por George Lundberg, que adaptou da física a doutrina de

“operacionalismo” de P.W. Bridgman (a qual sustenta que o significado de uma

variável é definido pelas operações necessárias para medi-la), e por William F. Ogburn

(1930), que equiparou a sociologia científica à verificação e acumulação quantitativas

de “pequenos fragmentos e peças de novo conhecimento” e orgulhosamente

vaticinou que todos os sociólogos seriam um dia estatísticos. Mas coube a um scholar

vienense no exílio, Paul Lazarsfeld, institucionalizar o positivismo na universidade

americana. Lazarsfeld não só introduziu na sociologia uma série de inovações

metodológicas (análise multivariada, amostragem em bola de neve e análise de

estrutura latente, entre outras) e técnicas adotadas da pesquisa de mercado, como os

estudos de painel, mas inventou o veículo organizacional que promoveria a

profissionalização, burocratização e comercialização da pesquisa social positivista nos

Estados Unidos e seus países satélites: o “escritório de pesquisa aplicada” (Pollack,

1979). A ascensão e o domínio do positivismo enfrentaram críticas e oposição de duas

espécies: a antipositivista e a pós-positivista. Os dissidentes antipositivistas

sustentaram há muito que as ciências naturais e humanas são ontológicas e

logicamente discrepantes e que a própria idéia de uma ciência explicativa da

sociedade é insustentável (Winch, 1958). Os proponentes da HERMENÊUTICA e da

sociologia “interpretativa” — recentemente reforçados pelos defensores do pós-

modernismo e da DESCONSTRUÇÃO — sustentam que descrições causais do

comportamento social não podem ser construídas porque as práticas, instituições e

crenças humanas são inerentemente significativas, ou melhor, constituídas pelos

entendimentos que os participantes têm delas (Taylor, 197). Portanto, a tarefa dos

“estudos humanos” não pode ser a especificação de leis invariantes do

comportamento humano, mas fazer com que esse comportamento seja inteligível

mediante a sua interpretação em relação com intenções subjetivas. Para Gadamer

(1960), além disso, todas essas interpretações envolvem uma projeção de

preconceitos culturais baseados em uma rede ou “horizonte” de expectativas e

suposições constitutivas de uma tradição cultural. Segue-se que a meta da sociologia

interpretativa não pode se duplicar ou confirmar pesquisas prévias, mas rever

preconceitos pela elucidação de novas dimensões de um fenômeno. As críticas

feministas do positivismo que proliferaram na década de 80 aderem a esse ataque,

mas por uma razão diferente. Afirmando que a ciência é uma instituição afetada pelo

gênero que reflete o ponto de vista truncado e opressivo dos homens, as feministas

evoluíram de uma perspectiva reformista que procurava realizar a paridade de

gêneros no campo científico para uma postura revolucionária que visava proceder a

uma revisão geral dos próprios alicerces da ciência a fim de erradicar o seu

“androcentrismo” constitutivo (Harding, 1984). Essas críticas percorrem toda uma

gama que vai do empirismo feminista (para o qual o sexismo pode ser corrigido pela

imposição mais rigorosa dos ditames metodológicos padronizados da investigação

científica) ao ponto de vista epistemológico (o qual sustenta que a subjugação das

mulheres as coloca em situação privilegiada para produzir o verdadeiro conhecimento)

e ao feminismo pós-moderno, que questiona as próprias noções de universalidade e

razão que servem de base à ciência. Para Sandra Harding, os princípios aceitos de

imparcialidade, neutralidade dos valores e objetividade são instrumentos de controle

social que estão a serviço dos homens em seu projeto de fazer da ciência uma

prerrogativa masculina. A genuína objetividade, sustenta ela, não decorre da adesão à

idéia “patriarcal” da unidade do método científico, mas de um compromisso com os

“valores participantes” do anti-racismo, do anticlassismo e do anti-sexismo. Portanto,

não é a ciência, mas a discussão moral e política que fornece um paradigma para a

investigação racional. Em vez de o rejeitar abertamente, os expoentes do pós-

positivismo procuraram reformar o entendimento recebido de ciência. Os ataques de

W.V.O. Quine, Karl Popper, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend e Imre Lakatos

convergiram para abalar as próprias fundações da filosofia positiva da ciência natural

(Chalmers, 1982) ao demonstrarem que as teorias científicas não são construídas

indutivamente nem testadas individualmente na base exclusiva da evidência

fenomenal, pois se há coisa que não existe é a observação teoricamente neutra. Nem

é o seu julgamento formulado estritamente em bases racionais, na medida em que

teorias rivais são sempre “escoradas” por dados e participam geralmente de

“paradigmas” ou amplos quadros de referência científicos cujos critérios de avaliação

são incomensuráveis (Giddens, 1978). O REALISMO de Bhaskar (1975) também repudia

o fenomenalismo e o verificacionismo, diferenciando três níveis de realidade (o real, o

efetivo e o empírico) e afirmando a existência de estruturas e mecanismos ocultos que

podem funcionar independentemente do nosso conhecimento deles, mas cujos

poderes e responsabilidades são, não obstante, empiricamente investigáveis. O

“racionalismo aplicado” de Pierre Bourdieu — resultante da importação pela

sociologia da epistemologia historicista de A. Koyré, G. Bachelard e C. Canguilhem —

derruba também a estrutura epistemológica do positivismo ao postular que os fatos

científicos são “conquistados, construídos e constatados” (Bourdieu et al., 1968)

através da ruptura com o senso comum de leigos e eruditos, a aplicação sistemática de

conceitos relacionais e o confronto metódico do modelo construído com as provas

geradas por diferentes metodologias.

A teoria crítica da ESCOLA DE FRANKFURT combina elementos das críticas

antipositivista e pós-positivista na rejeição do CIENTIFICISMO (a idéia de que somente

a ciência produz conhecimento), na fusão de explicação com previsão por meio de leis

universais e na dicotomização de fatos e valores, ao mesmo tempo em que combate,

porém, o idealismo da hermenêutica e se recusa a abandonar as pretensões à

VERDADE científica. Assim, Habermas (1968) afirma que, para não se tornar cúmplice

da racionalidade que sustenta o positivismo e o converte em outro instrumento

ideológico de dominação, a ciência social não pode ater-se a uma análise das relações

causais externas. Sendo o universo social um mundo “pré-interpretado”, cabe-lhes

explicar também as relações internas de significado e propósito e, portanto,

reconstruir o conceito de objetividade legado pelas ciências naturais de um modo que

recupere a dimensão crítica da ciência como instrumento para a emancipação. Eclipse

não é morte: o positivismo pode ter sido desacreditado como filosofia da ciência, mas

ainda informa ativamente e, pode-se até dizer, domina os projetos e a implementação

de pesquisas sociais empíricas. E promete sobreviver, se não prosperar, como um

contraste e uma sub-reptícia epistemologia operante enquanto o projeto de Max

Weber de colocar a interpretação e a explicação “sob um só teto” não for plenamente

realizado na prática cotidiana dos cientistas sociais.

MARXISMO (p.445)- marxismo Corpo de teoria social e doutrina política derivado da obra de

Karl Marx e de seu íntimo colaborador Friedrich Engels. Somente depois da morte de Marx é

que o marxismo se desenvolveu como uma “visão do mundo” de amplo alcance e como a

doutrina política característica de muitos partidos socialistas, inicialmente pelo trabalho de

Engels, que expôs a “visão marxista do mundo” como a perspectiva da classe operária,

comparando seu papel ao da filosofia clássica alemã em relação à burguesia (Engels, 1888),

embora ao mesmo tempo tenha enfatizado seu caráter científico. Através de seus textos e de

sua correspondência, Engels exerceu forte influência sobre a primeira geração de pensadores

marxistas, e no final do século XIX o marxismo estava firmemente estabelecido, em grande

parte fora das instituições acadêmicas, como teoria social e doutrina política de grande

importância, assimilado em alguns casos a um sistema filosófico geral. Na teoria social, é

possível distinguir três elementos principais.

Primeiro, uma análise dos principais tipos de sociedade humana e sua sucessão histórica, em

que se dá lugar de destaque à estrutura econômica, ou “modo de produção”, na determinação

da forma completa da vida social: “O modo de produção da vida material determina o caráter

geral dos processos sociais, políticos e espirituais da vida” (Marx, 1859, Prefácio). O próprio

modo de produção é definido em termos de dois fatores: as forças produtivas (a tecnologia

disponível) e as relações de produção (o modo como a produção é organizada e, em particular,

a natureza dos grupos que possuem os instrumentos de produção ou simplesmente

contribuem com seu trabalho para o processo produtivo). A partir dessa análise, surgiram duas

idéias fundamentais da teoria marxista: uma periodização da história, concebida como um

movimento progressivo através dos modos de produção antigo, asiático, feudal e capitalista

moderno, e uma concepção do papel das classes sociais na constituição e transformação das

estruturas sociais.

O segundo elemento é um esquema explanatório que abrange as mudanças de um tipo de

sociedade para outro, no qual dois processos têm importância crucial. Por um aspecto, as

mudanças são provocadas pelo progresso da tecnologia, e o próprio Marx enfatizou isso

quando escreveu (1847, cap.2, seção 1) que “o moinho manual nos dá uma sociedade com

senhores feudais, o moinho a vapor, uma sociedade com capitalistas industriais”, ou

novamente mais tarde, nos Grundrisse (1857-58, p.592-4), em que examinou mais

amplamente as conseqüências do rápido avanço da ciência e da tecnologia para o futuro do

capitalismo. Por um outro aspecto, porém, as transformações sociais são resultado de lutas de

classe conscientes; mas os dois processos estão intimamente relacionados, uma vez que o

desenvolvimento das forças produtivas está preso à ascensão de uma nova classe, e a classe

dominante existente torna-se cada vez mais um obstáculo a um maior desenvolvimento.

O terceiro elemento é a análise do capitalismo moderno, à qual Marx e marxistas posteriores

dedicaram a maior parte de sua atenção. O capitalismo é concebido como a forma final da

sociedade de classes, em que o conflito entre burguesia e proletariado se intensifica

continuamente junto com as contradições econômicas do capitalismo, que se manifesta em

crises recorrentes, e o processo de SOCIALIZAÇÃO DA ECONOMIA é acelerado pelo

desenvolvimento de cartéis e trustes. Essa análise e o crescimento de partidos socialistas de

massa levaram necessariamente a uma preocupação com as formas que poderia assumir uma

transição para o socialismo e à elaboração de uma doutrina política marxista que ajudaria a

integrar e orientar o movimento da classe operária. Desde um estágio inicial, no entanto,

houve diversas interpretações do legado de Marx e desacordos quantos a seu ulterior

desenvolvimento. Na Alemanha, em grande parte sob a influência de Karl Kautsky, o marxismo

foi concebido basicamente como uma teoria científica da evolução social (sendo fortemente

enfatizadas suas afinidades com o darwinismo), e seus aspectos mais deterministas pareciam

ser confirmados pelo desenvolvimento do capitalismo e pelo rápido crescimento do

movimento socialista. Na Rússia, por outro lado, onde o capitalismo mal havia começado a se

desenvolver e não havia movimento socialista de massa, o marxismo foi uma doutrina exposta

por pequenos grupos de revolucionários, e em especial por Plekhanov, como uma visão de

mundo filosófica, a partir da qual Lenin desenvolveu a idéia de uma “consciência socialista”

levada de fora para a classe operária; e esta posteriormente se tornou um elemento central na

ideologia do partido bolchevique e do estado soviético. Essa divisão entre interpretações mais

deterministas e mais voluntaristas percorre toda a história posterior do marxismo, em

incessantes revisões e reformulações da teoria social e da prática política que, pelo menos em

parte, dela derivou. Na primeira década do século XX o marxismo foi também confrontado por

uma crescente discussão crítica, tanto vinda de fora, nos textos, por exemplo, de Max Weber,

Émile Durkheim e Benedetto Croce, quanto de dentro, em especial na exposição de Bernstein

(1899) sobre os resultados de seu esforço para “deixar claro exatamente onde Marx está certo

e onde está errado”, que o levou a criticar vários aspectos da ortodoxia marxista, incluindo a

visão de “colapso econômico” para o fim do capitalismo e a idéia de uma crescente polarização

da sociedade entre burguesia e proletariado, e em textos posteriores a afirmar que o

movimento socialista exigia uma doutrina ética tanto quanto uma teoria social (ver

REVISIONISMO). Entre os marxistas que reagiram às críticas feitas ao marxismo como ciência

social, e de maneira mais geral a novas concepções em filosofia e economia, os

austromarxistas ganharam uma nítida influência através de sua elaboração dos princípios de

uma sociologia marxista e de sua pesquisa inovadora em novos campos de investigação, entre

os quais se incluíram os estudos do nacionalismo, do direito, e do mais recente

desenvolvimento do capitalismo em seu estágio imperialista (ver AUSTROMARXISMO). Lenin e

os bolcheviques, porém, com a parcial exceção de Bukharin (1921), deram pouca atenção a

teorias sociais alternativas e reagiram às críticas de Bernstein identificando o revisionismo com

o REFORMISMO e com o abandono dos objetivos revolucionários. Suas versões do marxismo

concentram-se em grande parte na criação de um partido revolucionário disciplinado, capaz de

liderar a classe operária e seus aliados (especialmente, no caso russo, o campesinato) rumo a

uma bem-sucedida conquista do poder. Desse modo, o marxismo foi convertido em uma

doutrina que enfatizava a vontade política e a liderança do partido como os fatores cruciais

para a mudança social. A revolução russa, que instalou os bolcheviques no poder, criou

condições inteiramente novas para o desenvolvimento do pensamento marxista. O leninismo e

posteriormente o stalinismo estabeleceram-se como uma ideologia oficial dogmática que

adquiriu grande influência internacional com a fundação de partidos comunistas dentro do

modelo soviético em outros países, enquanto o Partido SocialDemocrata alemão,

profundamente dividido e enfraquecido em resultado da guerra e da derrota dos levantes

revolucionários de 1918-19, perdeu sua antiga proeminência como centro de teoria e prática

marxista. Nos anos do entreguerras e por algum tempo depois da Segunda Guerra Mundial, o

marxismo tornou-se amplamente identificado na mente do público com o marxismo soviético,

embora tenha havido de fato uma profunda cisão no pensamento marxista, em parte

coincidindo com a divisão do movimento internacional da classe operária entre a versão

soviética e o que seria mais tarde chamado de “marxismo ocidental”. Mas este último era ele

próprio bastante diversificado. Em algumas de suas formas, e especialmente na obra dos

austromarxistas, continuou a se desenvolver como um campo de investigação científica,

analisando as mudanças na sociedade capitalista depois da Primeira Guerra Mundial, a

ascensão do fascismo e o desenvolvimento de uma ditadura política e de uma economia

estatal totalitária na União Soviética. Outros marxistas ocidentais, porém, que se tornaram

membros dos recém-formados partidos comunistas, rejeitaram a concepção do marxismo

como sociologia científica e adotaram dele uma visão mais leninista, como umaconsciência

revolucionária incorporada em um partido da classe operária, embora tenham existido ou

surgido diferenças consideráveis entre os principais expoentes desse ponto de vista, Korsch

(1923), Lukács (1923) e Gramsci (1929-35). Korsch, mais tarde (1938), rejeitou toda essa

perspectiva dizendo que “a principal tendência do materialismo histórico não é mais

‘filosófica’, mas sim a de um método científico empírico”, e as análises de Gramsci do estado e

da sociedade civil continham muitos elementos que poderiam ser, e foram, incorporados a

uma teoria sociológica. Lukács também mudou suas idéias e, no prefácio a uma nova edição de

sua antiga obra (1923 (1971)) referiu-se, de forma autocrítica, a seu “messianismo

revolucionário, utópico” e expressou dúvidas quanto ao conteúdo e à validade metodológica

do tipo de marxismo que ele havia então proposto. Os primeiros textos de Korsch e Lukács,

porém, também ajudaram a promover outra forma do pensamento marxista, com a criação do

Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, em 1923, que mais tarde (nos anos 60) floresceu de

forma exuberante na teoria crítica da ESCOLA DE FRANKFURT. Os problemas práticos de se

construir uma sociedade socialista na Rússia pós-revolucionária, em um país principalmente

agrário e devastado pela Primeira Guerra Mundial, pela guerra civil e pela intervenção

estrangeira, criaram dificuldades de outro tipo para a teoria marxista. A maioria dos primeiros

marxistas, como o próprio Marx, de qualquer maneira, pouca atenção dera à questão de como

uma economia socialista e novas instituições sociais e políticas seriam efetivamente

organizadas, limitando-se a descrições gerais, como “o modo associado de produção” ou “uma

sociedade de produtores associados” — embora Kautsky (1902) e os austromarxistas tenham

de fato examinado mais amplamente algumas das questões implícitas. Na União Soviética, as

dificuldades do desenvolvimento socialista foram aumentadas pela necessidade urgente de

restauração da economia destroçada e da promoção da rápida industrialização; e esse tornou-

se o ponto central dos intensos debates dos anos 20 sobre as políticas e programas do

“período de transição”, debates que foram finalmente encerrados pela ditadura de Stalin e a

imposição impiedosa da industrialização e da coletivização da agricultura.

Os marxistas ocidentais, no período do entre-guerras, tiveram de enfrentar uma série de

problemas: o fracasso dos movimentos revolucionários nos países capitalistas avançados, a

ascensão do fascismo, o caráter mais totalitário do regime soviético e ataques críticos a toda a

idéia de uma economia socialista planejada, iniciados por von Mises (1920, 1922), que tiveram

seqüência em uma alentada controvérsia entre economistas conservadores, como Hayek

(1935) e, do lado do marxismo, especialmente Lange (Lange e Taylor, 1938). Não obstante, a

influência do pensamento marxista, predominantemente em uma forma leninista-stalinista,

cresceu durante os anos 30, em grande parte devido ao contraste entre o desenvolvimento

bastante rápido e prolongado da economia soviética e as condições de crise econômica e

depressão no mundo capitalista, bem como ao reconhecimento da União Soviética como

grande oponente dos regimes fascistas. Mas entre os próprios marxistas a crítica ao socialismo

totalitário continuou, e houve também dúvidas crescentes, mais vigorosamente expressas

pelos pensadores da Escola de Frankfurt, a respeito do papel político revolucionário da classe

operária na sociedade capitalista. Esses temas continuaram a dominar o pensamento marxista

depois de Segunda Guerra Mundial. A extensão do sistema soviético pela Europa Oriental,

seguida por uma sucessão de levantes contra os novos regimes, dos anos 50 aos 80, produziu

recentes críticas ao que era chamado de “socialismo real” e seus defensores ortodoxos, e a

influência do marxismo soviético foi se reduzindo incessantemente. Ao mesmo tempo, a série

variada de teorias e doutrinas conhecida como marxismo ocidental adquiriu influência bem

maior, incluindo a exercida sobre movimentos dissidentes na Europa Oriental, mas em

condições muito diversas das que predominaram nos anos do entre-guerras.

Depois da Segunda Guerra Mundial, o capitalismo entrou em fase de crescimento econômico

excepcionalmente acelerado e prolongado, acompanhado na Europa Ocidental, sob a

influência de movimentos socialistas que estavam agora mais fortes do que nunca, por uma

ampliação da propriedade pública, certo grau de planejamento econômico e o

desenvolvimento do que veio a ser chamado de “estado de bem-estar”. Na Europa Oriental,

movimentos de revolta, especialmente na Hungria, em 1956, e naTchecoslováquia, em 1968, e

o rumo inteiramente diverso tomado pela Iugoslávia, a partir de 1951, na construção de um

sistema de autogestão operária, pareceram indicar que se acabaria alcançando, naquela parte

da Europa, uma forma de sociedade socialista democrática. De qualquer forma, contribuíram

para um notável reavivamento do pensamento marxista, que agora se tornava amplamente

difundido em países ocidentais, não apenas na história, na sociologia e na ciência política,

onde há muito tinha um tipo de presença, mas na economia e na antropologia, na filosofia e

na estética.

O marxismo, assim, tornou-se um ponto focal de importantes controvérsias que o colocaram

em novo relacionamento com outras correntes do pensamento social. Mas esse renascimento

também aumentou a diversidade de concepções marxistas, influenciada também por uma

difusão mais ampla de alguns dos textos menos conhecidos do próprio Marx, como os

Manuscritos econômicos e filosóficos (1844) e os Grundrisse (1857-58). A Escola de Frankfurt,

através dos textos de Theodor Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse, ganhou ampla

influência como crítica cultural da sociedade burguesa, concebida como dominada pela

“racionalidade tecnológica” e por uma correspondente orientação positivista/cientificista das

ciências sociais, em vez de o ser por uma classe capitalista.

Contra isso, o marxismo estruturalista de Louis Althusser, formado em parte pelo movimento

estruturalista mais amplo (ver ESTRUTURALISMO), afirmou a importância de se analisarem as

estruturas profundas das sociedades humanas, especialmente seus modos de produção, e

retratou o marxismo como uma “nova ciência” dos diferentes níveis de prática social, da qual o

sujeito humano, como ser autônomo ativo, foi eliminado. Em outra direção, o grupo Praxis, de

filósofos e sociólogos iugoslavos, concentrou sua atenção nos problemas de alienação nas

sociedades tanto capitalista quanto socialista estatal, bem como no desenvolvimento e nas

perspectivas do socialismo autogestionário, autogerenciado, e seus textos exerceram um

impacto particular nos intelectuais da Europa Oriental. O pensamento marxista desse período

dividiu-se não apenas entre um vigoroso marxismo ocidental e um moribundo marxismo

soviético (como uma breve incursão do maoísmo como doutrina política que cativou alguns

estudantesradicais), mas entre duas concepções alternativas que podem ser amplamente

categorizadas como “humanista” e “científica” (Bottomore, 1988, “Introdução”). Os marxistas

da primeira categoria enfatizaram o conteúdo humanista, democrático ou emancipatório da

economia marxista, e as ações conscientes e intencionais de indivíduos e grupos sociais,

enquanto os da segunda estavam basicamente preocupados com seu caráter científico,

explanatório, e com o esquema conceitual e a teoria do conhecimento característicos que lhe

estão subjacentes. Ambas as orientações envolveram pensadores marxistas em controvérsias

muito mais amplas sobre todo o campo das ciências sociais, da história e da filosofia, a

respeito de “estrutura” e “mediação humana” na vida social, da importância relativa de fatores

culturais (ou ideológicos) e sociais no desenvolvimento da sociedade e de questões

metodológicas fundamentais; e eles próprios deram contribuições substanciais a esses

debates. Embora o marxismo tenha conservado um lugar mais importante no pensamento

social do que ocupara no início do século, tornou-se menos influente nos anos 80 do que na

década anterior, e teve de enfrentar problemas importantes. Um destes é fornecer alguma

análise convincente da estabilidade e crescimento do capitalismo no pós-guerra e, à luz dessa

análise, reconsiderar a natureza, ou de fato a possibilidade, de uma transição para o socialismo

como até agora concebido nos países industriais avançados, levando em conta especialmente

o aparente declínio de políticas especificamente de classe operária e a ascensão de várias

formas de políticas não-classistas nos novos tipos de MOVIMENTO SOCIAL. Problema ainda

maior é representado pelas mudanças nos países de “socialismo real”, que culminaram, no

final dos anos 80, na derrubada dos regimes comunistas na maior parte da Europa Oriental e

na aceleração de mudanças fundamentais na União Soviética, em direção a uma economia

mais orientada para o mercado e a um sistema político multipartidário. Uma vez que a maioria

dos países da Europa Oriental embarcou então em uma restauração do capitalismo, é evidente

que a teoria marxista da história, que não previu semelhante transição inversa, do socialismo

para o capitalismo, fica necessitando de uma revisão drástica, e é uma resposta singularmente

inadequada dizer que os países envolvidos não eramrealmente socialistas.

O que se exige é uma análise muito mais fundamental do desenvolvimento do capitalismo e do

socialismo no século XX, e uma reorientação da teoria marxista, se isso é possível, de ser

básica ou até exclusivamente uma análise da ascensão, desenvolvimento e prevista superação

do capitalismo para uma análise que dê igual ou maior destaque aos estudos do surgimento e

desenvolvimento do socialismo e das contradições e crises que podem ocorrer dentro de uma

economia e uma sociedade socialistas. Se essa reorientação de idéias virá a ser acomodada

dentro de um esquema de pensamento que ainda seja reconhecivelmente uma forma de

“marxismo clássico”, ou se marca o início de uma era “pós-marxista”, é algo que só o futuro

dirá. É óbvio, pelo menos, que no decorrer das poucas últimas décadas o marxismo já se havia

desenvolvido de tal modo que seu caráter era menos o de uma única e bem amarrada teoria, e

mais o de um amplo, embora ainda característico, paradigma dentro do qual diversos tipos de

explicação e interpretação são possíveis; e é evidente também que, nesse processo, seu papel

como doutrina política, distinta da doutrina do socialismo em geral, foi grandemente

atenuado, de forma que, no futuro, é muito provável que partidos “marxistas” venham a ser

uma espécie de raridade.