aula. 04 - cap's 3 e 4

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Cap´ ıtulo 3 Postulados da Mecˆ anica Quˆ antica 3.1 Postulados Antes de passar aos postulados, um pouco de terminologia. Uma quantidade f´ ısica dinˆ amica que pode ser medida experimentalmente ´ e chamada, no contexto da Mecˆ anica Quˆ antica, de uma observ´avel f´ ısica ou simplesmente observ´avel. Assim podemos enunciar o primeiro postulado. Postulado I (Postulado da Descri¸ ao das Grandezas F´ ısicas): Toda observ´ avel ısica ´ e descrita por um operador linear hermiteano atuando em um espa¸ co de Hilbert . Por outro lado, certos atributos inerentes ao sistema, como por exemplo, a massa ou a carga el´ etrica de uma part´ ıcula, s˜ao grandezas escalares que entram na defini¸ c˜ao de outras grandezasrelevantes dosistema e, portanto, n˜aos˜aoconsiderados observ´aveis. Emoutraspa- lavras, osvalores dessas grandezas s˜ao consideradas conhecidas apriori, n˜aosendo necess´ario (em princ´ ıpio) realizar qualquer medida sobre o sistema em quest˜ao para determin´a-los. Postulado II (Postulado da Descri¸ ao de Sistemas F´ ısicos): Um sistema f´ ısico ´ e descrito matematicamente por uma ´ algebra de operadores hermiteanos em , ou seja, por um conjunto de operadores e as respectivas rela¸ oes de comuta¸c˜ ao entre eles. Em particular, os operadores posi¸ ao X , momento linear P , tempo T e hamiltoniano H (associado ` a observ´ avel energia) satisfazem as seguintes rela¸ oes de comuta¸c˜ ao fundamentais: [X,T ]=0, (3.1) [X,P ]= i, (3.2) [T,H ]= i. (3.3) Exemplo 3.1. O oscilador harmˆ onico ´ e o sistema f´ ısico representado pela ´ algebra formada pelos operadores {X,P,H }, onde H = P 2 2m + 1 2 2 X 2 . 1

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Page 1: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

Capıtulo 3

Postulados da Mecanica Quantica

3.1 Postulados

Antes de passar aos postulados, um pouco de terminologia. Uma quantidade fısica dinamicaque pode ser medida experimentalmente e chamada, no contexto da Mecanica Quantica,de uma observavel fısica ou simplesmente observavel. Assim podemos enunciar o primeiropostulado.• Postulado I (Postulado da Descricao das Grandezas Fısicas): Toda observavelfısica e descrita por um operador linear hermiteano atuando em um espaco de Hilbert H.

Por outro lado, certos atributos inerentes ao sistema, como por exemplo, a massa ou acarga eletrica de uma partıcula, sao grandezas escalares que entram na definicao de outrasgrandezas relevantes do sistema e, portanto, nao sao considerados observaveis. Em outras pa-lavras, os valores dessas grandezas sao consideradas conhecidas a priori, nao sendo necessario(em princıpio) realizar qualquer medida sobre o sistema em questao para determina-los.• Postulado II (Postulado da Descricao de Sistemas Fısicos): Um sistema fısico edescrito matematicamente por uma algebra de operadores hermiteanos em H, ou seja, por umconjunto de operadores e as respectivas relacoes de comutacao entre eles. Em particular, osoperadores posicao X, momento linear P , tempo T e hamiltoniano H (associado a observavelenergia) satisfazem as seguintes relacoes de comutacao fundamentais:

[X, T ] = 0, (3.1)

[X,P ] = i~, (3.2)

[T,H ] = −i~. (3.3)

Exemplo 3.1. O oscilador harmonico e o sistema fısico representado pela algebra formadapelos operadores X,P,H, onde

H =P 2

2m+

1

2mω2X2.

1

Page 2: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

2 CAPITULO 3. POSTULADOS DA MECANICA QUANTICA

A partir de (3.2) podemos obter as relacoes de comutacao de H com X e P , e assim definircompletamente a algebra do oscilador harmonico:

[H,X ] =?, [H,P ] =??.

Veremos ainda no Cap. 7 que em termos de novos operadores a e a†, definidos por

a =

√mω

2~X + i

√1

2mω~P, a† =

√mω

2~X − i

√1

2mω~P,

o hamiltoniano H escreve-se como

H =

(a†a +

1

2

)~ω.

Pode-se mostrar entao que os oscilador harmonico corresponde a algebra formado por a, a†, Hdefinida por

[a, a†] = 1, [a,H ] = −~ωa, [a†, H ] = ~ωa†.

Se ω(x, p) e uma grandeza fısica classica, entao o operador Ω correspondendo a essaobservavel fısica e obtida a partir da seguinte relacao

Ω(X,P ) = ω(x→ X, p→ P ).

Assim, se identificarmos todas as grandezas fısicas classicas de um sistema fısico, teremos adescricao quantica desse sistema. Por exemplo, se classicamente o sistema for descrito poruma funcao hamiltoniana H(x, p) da forma

H(x, p) = T + V =p2

2m+ V (x)

entao o operador hamiltoniano correspondente sera

H =P 2

2m+ V (X).

Entretanto se H contiver termos envolvendo o produto xp, a regra de quantizacao acimadeve ser tratada com cuidado, uma vez que X e P nao comutam, nao ficando claro a princıpioqual a ordem que devemos tomar nos produtos desses operadores (se XP ou PX). A respostae ambos! Como H deve ser um operador hamiltoniano, podemos obter isso tomando a versao“simetrizada” de H :

H = [H(x → X, p → P )]simetrizado

=1

2H(x → X, p → P ) +H†(x → X, p → P ).

Isso garante que H e hermiteano: H† = H.

Page 3: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

3.1. POSTULADOS 3

Exemplo 3.2 (Partıcula carregada em um campo eletromagnetico). Sabemos da mecanicaclassica que a funcao hamiltoniana de uma partıcula de carga q, sujeita a um potencial vetor~A(~x, t) e potencial escalar φ(~x, t), e dada por

H(~x, ~p) =1

2m[~p− q ~A(~x, t)]2 + qφ(~x, t),

onde ~p = m~v + q ~A. A substituicao direta de x e p por X e P , dar-nos-ia o operadorhamiltoniano

H =1

2m[~P − q ~A( ~X, t)]2 + qφ( ~X, t).

Note que se ~A depende de ~x entao o produto dos operadores P e A(X, T ) nao comuta, assimdevemos escolher H na forma simetrizada acima

H =1

2m[~P · ~P − q ~P · ~A− q ~A · ~P + q2 ~A · ~A] + qφ.

Deve-se observar, entretanto, que ha certas observaveis fısicas representados por opera-dores que nao possuem analogo classico, como por exemplo, o spin do eletron.

• Postulado III (Postulado da Descricao dos Estados): O estado de uma partıcula erepresentado por um vetor |ψ〉 em um subspaco Φ ⊂ H do espaco de Hilbert H.Comentarios:

i) vimos no capıtulo anterior que os estados fisicamente aceitaveis sao, em geral, elementosde um subspaco Φ ⊂ H e nao de todo o espaco de Hilbert H. O subspaco Φ dependedo sistema fısico em questao, sendo definido como o subspaco que e invariante sob acaodos operadores que compoem a algebra do sistema.

ii) estados de espalhamento, por outro lado, cujas funcoes de onda nao sao normalizadas nosentido usual de | 〈ψ|ψ〉 | = 1, sao descritos por kets |ψ〉 generalizados (ou distribuicoes)que sao elementos de Φ× (o espaco dos funcionais semilineares associadas a Φ).

• Postulado IV (Postulado da Medida): Os possıveis resultados obtidos em uma medidade uma grandeza fısica sao os autovalores do observavel Ω correspondente. Alem disso,se o sistema estiver em um estado |ψ(t)〉 normalizado, a probabilidade de obtermos umdeterminado valor e como descrito abaixo:

i) se os autovalores ωi de Ω forem nao degenerados, entao a probabilidade de obtermos ovalor ωi e

P(ωi) = | 〈ωi|ψ〉 |2.

Page 4: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

4 CAPITULO 3. POSTULADOS DA MECANICA QUANTICA

ii) se um determinado autovalor ωi for degenerado com multiplicidade gi, entao a probabi-lidade de obtermos o valor ωi e

P(ωi) =

gi∑

j=1

|⟨ωi

j|ψ⟩|2,

onde |ωij〉 , j = 1, · · · , gi sao os autovetores associados ao autovalor ωi.

iii) Se Ω possuir um espectro contınuo de autovalores ω com autovetores |ω〉 , entao a pro-babilidade de obtermos uma medida entre ω e ω + dω e

dP(ω) = | 〈ω|ψ〉 |2dω.Ou seja, a funcao densidade de probabilidade p(ω) de obtermos o valor ω e

p(ω) = | 〈ω|ψ〉 |2.Alem disso, se apos a medida obtivermos o valor ωi (suponha nao degenerado), entao oestado do sistema tera mudado de |ψ〉 para o autoestado |ωi〉 associado a ωi. No casogeral, temos que apos a medida de Ω o estado do sistema sera a projacao de |ψ〉 noautoespaco associado ao autovalor observado.

Comentarios.

i) Note que a relacao de completeza da base de autovetores |ωi〉 (ou |ω〉 na versaocontınua) implica que a definicao de probabilidade acima e consistente, pois

∞∑

i=1

P(ωi) =∑

i

〈ωi|ψ〉∗〈ωi|ψ〉

=∑

i

〈ψ|ωi〉〈ωi|ψ〉

= 〈ψ|(∑

i

|ωi〉〈ωi|)|ψ〉

= 〈ψ|ψ〉 = 1.

Da mesma forma para a versao contınua∫ ∞

−∞dP(ω) =

∫ ∞

−∞p(ω)dω =

∫ ∞

−∞| 〈ω|ψ〉 |2dω

=

∫ ∞

−∞〈ψ|ω〉〈ω|ψ〉 dω

= 〈ψ|(∫ ∞

−∞|ω〉〈ω| dω

)|ψ〉

= 〈ψ|ψ〉 = 1.

Page 5: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

3.2. DISCUSSAO SOBRE O POSTULADO II 5

ii) Podemos expressar a probabilidade de obtermos um valor em termos do operadorprojecao

Pωi= |ωi〉〈ωi|

se denotarmos por |ψi〉 a projecao de |ψ〉 no subespaco gerado por |ωi〉 ,

|ωi〉 = Pωi|ψ〉 = |ωi〉〈ωi|ψ〉 = 〈ωi|ψ〉|ωi〉 .

EntaoP(ωi) = | 〈ωi|ψ〉 |2 = 〈ψ|ωi〉〈ωi|ψ〉 = 〈ψ|Pωi

|ψ〉 ,mas P 2 = P, logo

P(ωi) = 〈ψ|PωiPωi

|ψ〉 = |Pωi|ψ〉 |2.

iii) Se apos a medida obtivermos ωi entao o estado do sistema imediatamente apos a medidae

|ψ〉 medida de Ω−→ |ψi〉 = Pωi|ψ〉 .

Dizemos entao que apos a medida o estado foi “projetado” no autoespaco associadoao autovalor ωi. Note que e natural esperar (exigir) que, apos a medida de Ω comvalor obtido ωi, o sistema esteja ‘projetado’ no autoespaco associado a esse autovalor,pois se realizarmos nova medida de Ω imediatamente apos a primeira, devemos obternovamente o valor ωi, uma vez que o sistema nao teve tempo para evoluir. Nesse sentido,uma segunda medida de Ω nao altera o estado do sistema:

Pωi|ψi〉 = P 2

ωi|ψ〉 = Pωi

|ψ〉 = |ψi〉 .

iv) Se o estado original |ψ〉 nao for normalizado, entao a probabilidade de obtermos o valorωi sera dada por

P(ωi) =| 〈ωi|ψ〉 |2

|ψ|2 =| 〈ωi|ψ〉 |2〈ψ|ψ〉

e de forma analoga para as outras expressoes correspondentes para o caso degeneradoou de espectro contınuo. Apos a medida:

|ψ〉 medida de Ω−→ |ψω〉 =Pω |ψ〉√〈ψ|Pω|ψ〉

.

3.2 Discussao sobre o Postulado II

3.2.1 Equacao de Schrodinger

Como os operadores X e T naturalmente comutam entre si, existe uma base de autovetoresgeneralizados |xt〉 comuns a esses dois operadores:

X |xt〉 = x |xt〉 , T |xt〉 = t |xt〉 .

Page 6: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

6 CAPITULO 3. POSTULADOS DA MECANICA QUANTICA

Na base |xt〉 o estado ψ de um sistema e representado por uma funcao das variaveis x e t:

ψ(x, t) ≡ 〈xt|ψ〉 .A partir de (3.2), e possıvel mostrar que o operador P na base |xt〉 atua da seguinte forma:

〈xt|P |ψ〉 = −i~ ∂

∂x〈xt|ψ〉 ,

ou alternativamente,

Pψ(x, t) =~

i

∂xψ(x, t).

Dizemos entao que na base |xt〉 o operador P e representado pelo operador diferencial:

P =~

i

∂x.

De modo analogo, a partir de (3.3) terıamos que o operador hamiltoniano na base |xt〉 eda forma1

〈xt|H|ψ〉 = i~∂

∂t〈xt|ψ〉 ,

ou seja,

Hψ(x, t) = i~∂

∂tψ(x, t),

que corresponde formalmente a equacao de Schrodinger. Note, contudo, que no lado es-querdo, o operador H deve ser expresso em termos dos operadores dinamicos do sistema,e.g., posicao ~X e momento ~P , etc.

Se um sistema quantico possuir um analogo classico descrito por uma funcao hamiltoniana

H(~x, ~p) =~p2

2m+ V (~x).

vimos que a quantizacao do sistema e feita pela regra

H( ~X, ~P ) = H(~x → ~X, ~p → ~P ),

onde

Pi =~

i

∂xiou ~P =

~

i~∇.

Assim, a equacao de Schrodinger dependente do tempo obtida acima

Hψ(x, t) = i~∂

∂tψ(x, t),

pode ser escrita como uma equacao diferencial parcial:[− ~

2

2m∇2 + V (~x)

]ψ(~x, t) = i~

∂tψ(~x, t).

1O fato de que H e um operador semi-limitado, ja que a energia de um sistema deve ter um valor mınimo,

causa um serio problema sobre a possibilidade de definirmos formalmente um operador tempo T . Entretanto,

vamos ignorar esse problema aqui e supor a existencia de um operador T canonicamente conjugado com H .

Page 7: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

3.2. DISCUSSAO SOBRE O POSTULADO II 7

3.2.2 Sistemas Estacionarios

De uma maneira geral podemos escrever a solucao da equacao de Schrodinger

H |ψ(t)〉 = i~d

dt|ψ(t)〉 ,

na forma|ψ(t)〉 = U |ψ(0)〉 ,

onde U e dito o operador evolucao temporal ou propagador.No caso de sistemas em que H nao e dependente do tempo podemos facilmente obter

uma formula explıcita para U. Para tanto, vamos aplicar o metodo de separacao de variaveisa equacao de Schrodinger. Facamos

|ψ(t)〉 = A(t) |ψ〉 , A(t) ∈ C.Assim

i~d

dt|ψ(t)〉 = i~A |ψ〉

= H |ψ(t)〉 = HA(t) |ψ〉= A(t)H |ψ〉 ,

onde usamos que HA(t) = A(t)H uma vez que H nao depende do tempo. Da equacao acimaresulta que

H |ψ〉 = i~A

A|ψ〉 ,

donde concluimos que |ψ〉 deve ser um autoestado |E〉 do operador H,

H |E〉 = E |E〉 ,

ou seja|ψ〉 = |E〉

e

i~A

A= E → A =

−iE~

A

A(t) = A(0)e−iEt/~.

Logo|ψE(t)〉 = A(0)e−iEt/~ |E〉 .

Se supusermos que |ψ(0)〉 e normalizado

〈ψ(0)|ψ(0)〉 = |A(0)|2 〈E|E〉 = |A(0)|2 = 1,

Page 8: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

8 CAPITULO 3. POSTULADOS DA MECANICA QUANTICA

assim facamos A(0) = 1, logo|ψE(t)〉 = e−iEt/~ |E〉 .

A solucao geral sera a superposicao das solucoes genericas acima, ou seja

|ψ(t)〉 =∑

E

aE |ψE(t)〉 =∑

E

aEe−iEt/~ |E〉 ,

onde aE = 〈E|ψ(0)〉 , ou seja

|ψ(t)〉 =∑

E

〈E|ψ(0)〉 e−iEt/~ |E〉

ou

|ψ(t)〉 =(∑

E

e−iEt/~ |E〉〈E|)|ψ(0)〉 = e−iEt/~ |ψ(0)〉 .

Donde concluimos que

U(t) = e−iEt/~ e |ψ(t)〉 = U |ψ(0)〉 .

Note que como H e Hermiteano, U e unitario, logo

〈ψ(t)|ψ(t)〉 = 〈ψ(0)|ψ(0)〉 .

Logo podemos pensar na evolucao temporal |ψ(0)〉 U−→ |ψ(t)〉 como uma ‘rotacao’ no espacode Hilbert.

3.3 Discussao sobre o Postulado da Medida

Sem duvida alguma, o postulado que causa maior especie e o postulado da medida. O fato deque o resultado da medida de uma grandeza tenha de ser descrito de maneira probabilisticacausa realmente alguma estranheza. Entretanto, esperamos que com o tempo o estudantechegue a conclusao de que esse comportamento nao e tao estranho assim como aparenta aprimeira vista. O ponto a se ter em mente aqui e que se um sistema fısico esta em um estadoem que uma determinada grandeza nao assume um valor bem definido, entao a medida amedida dessa grandeza nao pode resultar em um mesmo valor (para sucessivas repeticoesda medida em condicoes identicas). Como veremos adiante, um comportamento semelhanteexiste mesmo em sistemas classicos.

Antes porem, vamos notar que a natureza probabilıstica do resultado da medida deum observavel Ω tem o seguinte significado. Suponha que preparemos N copias de um dadosistema fısico, todos preparados exatamente da mesma forma, representando um certo estado|ψ〉 . Se medirmos a observavel Ω em cada um desses sistemas identicos, em cada uma dessas

Page 9: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

3.3. DISCUSSAO SOBRE O POSTULADO DA MEDIDA 9

medidas podemos obter qualquer um dos autovalores ωi do operador Ω. Apos um numero Ngrande dessas medidas, a frequencia relativa com que um determinado ωi aparecera e dadopelo postulado III:

limN→∞

Nωi

N= P(ωi) = | 〈ωi|ψ〉 |2,

onde Nωi= numero de vezes que se obteve o valor ωi.

A dificuldade maior esta em aceitar (entender) como sistemas identicos podem fornecervalores distintos para a mesma medida. A questao e que o valor do observavel Ω pode naoestar bem definida no estado |ψ〉 em questao, logo a cada vez que ela e mdida, pode-se obterum vetor diferente. Para tentar explicar melhor esse ponto, considere a seguinte situacaoclassica.

3.3.1 Precessao do Momento Angular (Classico)

Suponha que tenhamos um sistema fısico (e.g. um piao) em que o momento angular ~Lprecessiona em torno de um eixo (digamos eixo z). Nesse caso, a componente Lz e bemdefinida e tem o valor

Lz = L cos θ,

onde θ e o angulo entre ~L e o eixo de pressao. A componente x (e da mesma forma a

componente y) de ~L varia da forma

Lx = L⊥ cos(ωt+ φ0),

onde φ0 e a posicao angular inicial do vetor ~L.Agora se dizermos que o sistema foi preparado em um estado com valor Lz dado pela

expressao acima, tudo que sabemos e o valor de L e o angulo θ. Em particular, nao conhece-mos em princıpio o angulo inicial φ0. Assim, um ensemble de sistemas identicos nesse mesmoestado (i.e., com Lz bem definido e identico) contera, em princıpio, qualquer valor de Anguloinicial φ0 ∈ [0, 2π]. (Classicamente sera possıvel preparar todos os sistemas com o mesmovalor de φ0, mas esse nao e o “estado” descrito acima, onde especificamos apenas o valor deLz.)

Assim, se fossemos medir Lx em um dado tempo deverıamos levar em conta a indeter-minacao da posicao inicial. Se assumirmos que φ0 pode estar entre qualquer valor com igualprobabilidade de encontrarmos um valor Lx = l e dada por

p(l)dl = p(φ0)dφ0 =1

2πdφ0

p(l) =1

1

dl/dφ0,

Page 10: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

10 CAPITULO 3. POSTULADOS DA MECANICA QUANTICA

onde l = L⊥ cos(ωt+ φ0). Assim

dl

dφ0

= −L⊥ sin(ωt+ φ0) = −L⊥√

1− cos2(ωt+ φ0) =√L2⊥ − l2.

Ou seja,

p(l) =1

1√L2⊥ − l2

.

onde tomamos o modulo de dl/dφ0 ja que p(l) deve ser uma grandeza positiva. Ou seja,a densidade de probabilidade de obtermos um valor l para Lx e representada pelo graficoabaixo. Ve-se assim que, embora l possa assumir todos os valores no intervalo [−L⊥, L⊥], osvalores mais provaveis estao nos extremos desse intervalo.

No caso quantico veremos que uma dada componente Lx, Ly ou Lz so podem assumircertos valores discretos m~, onde m = −L,−L + 1, . . . , 0, 1, L − 1, L. Se prepararmos osistema com um dado valor de Lz, da mesma forma como no analogo classico acima, aobservavel Lx podera, (quando medida) apresentar um dos possıveis valores acima com umadada probabilidade que dependera do valor fixado para Lz.

Exemplo 3.3 (Matrizes de Pauli: Operadores de spin 1/2).

σx =

(0 11 0

), σy =

(0 − ii 0

), σz =

(1 00 − 1

).

Se

|ψ〉 = |Sz = 1〉 =(

10

).

Entao a probabilidade de obtermos os valores Sx = ±1 serao como obtidos abaixo.

Autovetores de σx:

Sx = ±1 :

(∓1 00 ∓ 1

)(ab

)= 0 → b = ±a,

assim temos

|Sx = +1〉 = 1√2

(11

)e |Sx = −1〉 = 1√

2

(1

−1

).

P(Sx = +1) = | 〈Sx = +1|ψ〉 |2 = | 〈Sx = +1|Sz = +1〉 |2 = | 1√2(1 − 1)

(10

)|2 = 1

2

e

P(Sx = −1) = | 〈Sx = −1|Sz = +1〉 |2 = 1

2.

Page 11: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

3.3. DISCUSSAO SOBRE O POSTULADO DA MEDIDA 11

3.3.2 Valor Medio de um Observavel

Se realizarmos um numero N grande de medidas de um observavel Ω em um sistemano estado |ψ〉 (ou seja, fazemos N realizacoes do sistema no mesmo estado |ψ〉 e fazemos amedida de Ω), entao o valor medio 〈Ω〉 das medidas ωi obtidas sera, por definicao

〈Ω〉 =∑

i

ωiP(ωi).

Usando o postulado da Medida segue entao que

〈Ω〉 =∑

i

ωi| 〈ωi|ψ〉 |2 =∑

i

ωi 〈ωi|ψ〉∗〈ωi|ψ〉

=∑

i

ωi 〈ψ|ωi〉〈ωi|ψ〉

= 〈ψ|(∑

i

ωi |ωi〉〈ωi|)|ψ〉

= 〈ψ|Ω|ψ〉 ,

onde usamos o teorema da decomposicao espectral

Ω =∑

i

ωi |ωi〉〈ωi| .

Em resumo temos que, para saber (apenas) o valor medio de Ω nao e necessario calcular seusautovalores e autovetores, basta calcular o “sanduiche” de Ω no estado |ψ〉 em questao:

〈Ω〉 = 〈ψ|Ω|ψ〉 .

3.3.3 Variancia e Incerteza de Ω

A variancia (∆Ω)2 dos valores ωi observados e, por definicao, calculada pela relacao

(∆Ω)2 =∑

i

(ωi − 〈Ω〉)2P (ωi).

Repetindo o mesmo procedimento anterior, temos

(∆Ω)2 = 〈ψ|[∑

i

(ωi − 〈Ω〉)2 |ωi〉〈ωi|]|ψ〉 .

Usando agora a relacao

f(Ω) =∑

i

f(ωi) |ωi〉〈ωi| ,

Page 12: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

12 CAPITULO 3. POSTULADOS DA MECANICA QUANTICA

segue que(∆Ω)2 = 〈ψ| (Ω− 〈Ω〉)2 |ψ〉 .

A “incerteza” da medida de Ω e definida como o respectivo desvio quadratico medio:

∆Ω =√

〈ψ| (Ω− 〈Ω〉)2 |ψ〉,

ou alternativamente

∆Ω =

√〈ψ|Ω2 |ψ〉 − 〈ψ|Ω| |ψ〉2.

3.3.4 Preparacao de Estados e Conjunto Completo de Observaveis

Suponha que dois operadores Ω e Λ comutem:

[Ω,Λ] = 0.

Entao existe uma base comum de autovetores |ωλ〉 com respsctivos autovalores ω e λ :

Ω |ωλ〉 = ω |ωλ〉 ,Λ |ωλ〉 = λ |ωλ〉 .

Suponha que ω e autovalor degenerado de Ω, entao a medida de Ω em um estado |ψ〉 resultaem

|ψω〉 medida de Ω−→ |ψω〉 = Pω |ψ〉 .Ou seja, apos a medida o sistema encontra-se em um estado |ψω〉 que pertence ao subspacogerado pelos autovetores |ωj〉 associado ao autovalor degenerado ω. Dessa forma, apos amedida, e tendo obtido o valor ω, nao temos certeza de qual o estado em que se encontra osistema, uma vez que pode ser qualquer vetor do subspaco correspondente.

Se agora fizermos uma medida de Λ teremos

|ψω〉 medida de Λ−→ |ψωλ〉 = Pλ |ψω〉 = PλPω |ψ〉 .

Se so houver um autovetor comum |ωλ〉 associado ao par de autovalores (ωλ), entao temoscerteza de que apos a segunda medida o estado do sistema sera

|ψωλ〉 = |ωλ〉 .

Dizemos entao que a medida de Ω e Λ “preparam” o sistema em um dado estado unico |ωλ〉 .Se, por outro lado, o par de autovalores (ωλ) for degenerado, as medidas de Ω e Λ nao

prepara o sistema em um unico estado. Nesse caso, precisamos de um terceiro observavel Γ,com

[Γ,Ω] = [Γ,Λ] = 0,

tal queΓ |ωλγ〉 = γ |ωλγ〉

Page 13: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

3.3. DISCUSSAO SOBRE O POSTULADO DA MEDIDA 13

(e analogamente para os demais observaveis Ω e Λ).Se o tripleto de autovalores (ω, λ, γ) for nao degenerado, a medida de Ω, Λ e Γ preparara

o sistema em um estado unico|ωλγ〉 .

Se (ω, λ, γ) for degenerado, precisaremos de um quarto observavel, e assim sucessiva-mente. Temos entao a seguinte definicao.

Definicao 3.1. Um conjunto de operadores Ω, Λ, Γ, · · · , e dito um conjunto completo deoperadores que comutam (CCOC) se existir uma base comum de autovetores |ωλγ · · · 〉 comautovalores (ω, λ, γ, · · · ) nao degenerados.

A partir de um CCOC podemos preparar um sistema em um estado conhecido, bas-tando fazer a medida sequencial (“filtragem”) em um estudo arbitrario dos operadores desseconjunto.

3.3.5 Variaveis Compatıveis.

i) Em particular note que se [Ω,Λ] = 0, entao existe uma base comum de autovetores |ωλ〉 ,logo podemos preparar o sistema em um estado (pode haver varios) em que os valores(ω, λ) das medidas dos observaveis fısicos ω e λ sao simultaneamente conhecidos. Nessecaso, dizemos que as grandezas Ω e Λ sao compatıveis.

ii) Se [Ω,Λ] 6= 0 e [Ω,Λ] 6= 0 nao possui autovetor com autovalor nulo, entao os operadoresΩ e Λ nao possuem qualquer autovetor comum. Logo nao ha nenhum estado em que osvalores de Ω e Λ possam ser determinados simultaneamente. Os operadores nesse casosao ditos incompatıveis.

Exemplo 3.4. [X,P ] = i~ 6= 0. Obviamente nao existe vetor nao trivial |ψ〉 comi~ |ψ〉 = 0 |ψ〉 , logo X e P sao incompatıveis.

iii) Se [Ω,Λ] 6= 0 mas possuir (pelo menos) um autovetor |ψ〉 com autovalor nulo, entaono autoespaco gerado por esses autovetores, os observaveis podem ser determinadossimultaneamente. Entretanto os autovetores de autovalor nulo nao formam uma base,logo em geral Ω e Λ nao podem ser determinados simultaneamente (exceto no subspacomencionado acima).

Em particular, se [Ω,Λ] = 0, as medidas de Ω e Λ podem ser feitas em qualquer ordem,ou seja,

Pλ |ω〉 = |λ〉 , mas Ω |λ〉 6= α |λ〉 .Nesse caso a probabilidade de obter ω depois λ ainda e dada pela expressao anterior

P(ω, λ) = | 〈ωλ|ψ〉 |2,mas agora a ordem das medidas e importante:

P(ω, λ) 6= P(λ, ω).

Page 14: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

14 CAPITULO 3. POSTULADOS DA MECANICA QUANTICA

3.4 Exercıcios

1. Considere as matrizes 2× 2 abaixo

Sx =~

2

(0 11 0

), Sy =

~

2

(0 −ii 0

), Sz =

~

2

(1 00 −1

),

que correspondem aos operadores de spin de uma partıcula com spin 1/2.a) Verifique que todas elas possuem os mesmos autovalores ±~/2.b) Calcule o comutador [Sx, Sy].c) Suponha que inicialmente o sistema estava no estado |ψ〉 correspondendo ao autove-tor associado ao autovalor Sz = ~/2. Se medirmos o observavel Sx, quais os possıveisvalores dessa medida e suas respectivas probabilidades?d) Suponha que apos a medida de Sx obteve-se o valor Sx = ~/2 e que imediatamenteem seguida fazemos a medida de Sy. Calcule a probabilidade de obtermos Sy = ~/2.

2. O hamiltoniano de uma partıcula de spin 1/2 na presenca de um campo magnetico~B = Bz constante e dado por

H = α~B · ~S = αBSz,

onde α e uma constante positiva e ~S e o operador momento angular de spin definidono problema anterior.a) Calcule as possıveis energias E e respectivos autoestados |E〉 do sistema. Expresseas energias em funcao da quantidade ω0 = µB.b) Suponha que em t = 0 o sistema foi preparado no estado

|ψ(0)〉 = a |Sz = ~/2〉+ b |Sz = −~/2〉 ,

onde a e b sao constantes reais com a2 + b2 = 1. Determine a forma do estado |ψ(t)〉para tempos posteriores.c) Em algum tempo t > 0 realiza-se uma medida de Sx. Calcule separadamente asprobabilidades P±(t) de obtermos os valores Sx = ±~/2, respectivamente, e verifiqueque P+(t) + P−(t) = 1. Esboce os graficos de P±(t) em funcao de t.

3. Exercıcio 4.2.1 (Shankar).

Page 15: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

Capıtulo 4

Relacoes de Incerteza

4.1 Deducao das relacoes de incerteza

Considere dois operadores hermiteanos Ω e Λ que satisfazem a relacao de comutacao

[Ω,Λ] = iΓ,

onde Γ e um operador. Pode-se verificar facilmente que Γ tembem e hermiteano:

−iΓ† = [Ω,Λ]† = −[Ω,Λ] = −iΓ → Γ† = Γ.

Nosso objetivo e obter uma relacao entre as incertezas (∆Ω) e (∆Λ) em um estadonormalizado arbitrario |ψ〉 . Lembremos que

∆Ω2 =⟨(Ω− 〈Ω〉)2

⟩= 〈ψ| (Ω− 〈Ω〉)2 |ψ〉

e similarmente para ∆Λ. Por conveniencia definimos operadores com media nula:

Ω = Ω− 〈Ω〉 , Λ = Λ− 〈Λ〉 .

Entao

(∆Ω)2 = 〈ψ| Ω2 |ψ〉 = 〈ψ| ΩΩ |ψ〉 = 〈ψ| Ω†Ω |ψ〉 =∣∣∣∣∣∣Ωψ

⟩∣∣∣2

=∣∣∣Ωψ

∣∣∣2

e analogamente para ∆Λ :

(∆Λ)2 =∣∣∣∣∣∣Λψ

⟩∣∣∣2

=∣∣∣Λψ

∣∣∣2

.

Por outro lado, a desigualdade de Schwartz para produto interno nos diz que

|V1|2|V2|2 > | 〈V1|V2〉 |2.

obs.: a igualdade verifica-se apenas se |V1〉 = c |V2〉 .

15

Page 16: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

16 CAPITULO 4. RELACOES DE INCERTEZA

Se fizermos |V1〉 = Ω |ψ〉 e |V2〉 = Λ |ψ〉 , temos

|Ωψ|2|Λψ|2 > |⟨Ωψ|Λψ

⟩|2

(∆Ω)2(∆Λ)2 > | 〈ψ| ΩΛ |ψ〉 |2.Mas como [Ω,Λ] = ΩΛ− ΛΩ e [Ω,Λ]t = ΩΛ + ΛΩ entao [Ω,Λ] + [Ω,Λ]t = 2ΩΛ. ∴

ΩΛ =1

2[Ω,Λ] +

1

2[Ω,Λ]t,

onde [Ω,Λ]t e o anticomutador entre Ω e Λ.Note que se Ω e Λ sao hermiteanos, entao o anticomutador [Ω,Λ]t tambem e hermiteano.

Temos agora que

(∆Ω)2(∆Λ)2 >

∣∣∣∣1

2〈ψ| [Ω,Λ] |ψ〉+ 1

2〈ψ| [Ω,Λ]t |ψ〉

∣∣∣∣2

=

∣∣∣∣1

2i 〈ψ|Γ |ψ〉+ 1

2〈ψ| [Ω,Λ]t |ψ〉

∣∣∣∣2

.

Lembre-se agora que se Ω e um operador hermiteano qualquer, entao 〈Ω〉 = 〈ψ|Ω|ψ〉 epuramente real e nao negativo: 〈ψ|Ω|ψ〉 > 0. Entao, a expressao anterior e da forma

(∆Ω)2(∆Λ)2 >

∣∣∣∣1

2ib+

1

2a

∣∣∣∣2

>1

4(a2 + b2),

ondea = 〈Γ〉 e b = 〈[Ω,Λ]t〉 ,

logo temos a seguinte desigualdade

(∆Ω)2(∆Λ)2 >1

4

(〈Γ〉2 + 〈[Ω,Λ]t〉2

).

Para o caso de operadores canonicamente conjugados, i.e., em que

[Ω,Λ] = i~ (Γ = ~)

temos

(∆Ω)2(∆Λ)2 >1

4(~2 + 〈[Ω,Λ]〉2).

Como o segundo termo e sempre positivo, podemos escrever

(∆Ω)2(∆Λ)2 >1

4~2 → ∆Ω ·∆Λ >

~

2

Note ainda que a igualdade so se verifica se

Page 17: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

4.2. PACOTE DE MINIMA INCERTEZA 17

i) Ω |ψ〉 = Λ |ψ〉

ii)⟨[Ω, Λ]

⟩= 0.

Em particular, para o caso Ω = X, Λ = P :

[X,P ] = i~ ⇐⇒ ∆P∆X > ~/2 ⇐⇒ P → ~

i

d

dx.

Note ainda que para o caso dos operadores T e H, a equacao de Schrodinger:

H |ψ〉 = i~d

dt|ψ〉

nos diz que (para H nao dependente do tempo):

H → i~d

dt=

~

i

d

dt.

Das relacoes acima concluimos que

[T,H ] = −i~ → [H, T ] = i~,

logo∆E ·∆t > ~/2.

4.2 Pacote de mınima incerteza

A funcao de onda ψ(x) de mınima incerteza para X e P e aquela para a qual a igualdadena desigualdade de Heisenberg e satisfeita

∆P ·∆X = ~/2.

Vimos que isso acontece seP |ψ〉 = cX |ψ〉

(P − 〈P 〉) |ψ〉 = c(X − 〈X〉) |ψ〉ou

~

i

d

dxψ(x)− 〈P 〉ψ(x) = c xψ(x)− c 〈X〉ψ(x)

→ ~

i

d

dxψ(x) = c xψ(x) + [〈P 〉 − c 〈X〉]ψ(x)

→ d

dxψ(x) =

i

~cxψ(x) +

i

~αψ(x),

Page 18: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

18 CAPITULO 4. RELACOES DE INCERTEZA

onde α = [〈P 〉 − c 〈X〉] e uma constante. A solucao da equacao acima pode ser procuradana forma

ψ(x) = u(x) expicx2/2~ → ψ′ =i

~cxψ + u′eicx

2/2~

ψ′

ψ=i

~cx+

u′

u=i

~cx+

i

u′ =i

~αu → u′ = Aeiαx/~.

Entaoψ(x) = ψ(0) exp i[〈P 〉 − c 〈X〉]x/~ exp

icx2/2~

.

Se queremos uma funcao ψ(x) ∈ L2, entao devemos escolher c puramente imaginario:

c = i|c|.

Entretanto, isso decorre naturalmente da segunda condicao necessaria para a incertezamınima; vide Shancar p. 240. Usando o fato acima, obtemos

ψ(x) = ψ(0)ei〈P 〉x/hbare|c|〈X〉x/~e−cx2/2~

ψ(x) = ψ(0)ei〈P 〉x/hbar exp

−|c|2~

(x− 〈X〉)2e−c〈X〉2/2~

ψ(x) = ψ(〈X〉)ei〈P 〉(x−〈X〉)/~ exp

−(x− 〈X〉)2

2(∆x)2

,

onde fizemos (∆x)2 = ~/2|c| : largura do pacote de onda.Se calcularmos |ψ〉min na bese dos momentos |p〉 teremos

ψ(p) =1√2π

∫ ∞

−∞ψ(x)e−ipx/~dx

ψ(p) = ψ(∆p) exp −i 〈X〉 (P − 〈P 〉)/~ exp− (P − 〈P 〉)24~2(1/4∆X2)

1√2π

∫ ∞

−∞ψ(x)e−ipx/~dx

Entao a incerteza ∆P 2 sera a variancia da gaussiana

∆P 2 =~2

4∆X2→ ∆X2 ·∆P 2 =

~2

4

∴ ∆P ·∆X = ~/2.

Em outras palavras, o pacote de onda de mınima incerteza e aquele que tem a mesmaforma funcional, tanto na base de coodrenadas como na base dos momentos, sendo a funcaogaussiana a unica a satisfazer esse criterio.

Page 19: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

4.3. APLICACOES DO PRINCIPIO DA INCERTEZA 19

4.3 Aplicacoes do Princıpio da Incerteza

4.3.1 Estado fundamental do Oscilador Harmonico

Considere a media 〈H〉 do hamiltoniano H = P 2/2m+mω2X2/2 em um estado norma-lizado |ψ〉 arbitrario:

〈H〉 = 〈ψ|H|ψ〉 = 〈P 〉22m

+1

2mω2

⟨X2⟩.

Assumindo sem perda de generalidade que 〈P 〉 = 〈X〉 = 0, entao

(∆P )2 =⟨(P − 〈P 〉)2

⟩=⟨P 2⟩

(∆X)2 =⟨(X − 〈X〉)2

⟩=⟨X2⟩

Assim

〈H〉 = (∆P )2

2m+

1

2mω2(∆X)2.

Usando a relacao de incerteza

∆P ·∆X >~

2,

podemos escrever

〈H〉 > ~2

8m(∆X)2+

1

2mω2(∆X)2.

Uma ‘estimativa’ do mınimo de energia e obtido em pacote gaussiano, onde (∆X)2 e avariancia; nesse caso

〈H〉gauss =~2

8m(∆X)2+

1

2mω2(∆X)2.

Podemos agora escolher a largura ∆X do pacote de modo a minimizar a energia:

d 〈H〉d(∆X)2

= − ~2

8m(∆X)4+

1

2mω2 = 0

→ (∆X)4 =~2

4m2ω2

(∆X)2 =~2

2mω.

Assim o pacote (gaussiano) de mınima energia e

ψ(x) = A exp−x2/2[2(∆X)2] = A exp−mωx2/2~

com energia

〈H〉min =1

2~ω.

Page 20: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

20 CAPITULO 4. RELACOES DE INCERTEZA

Ou seja, pela aplicacao do princıpio da incerteza de Heisenberg, conseguimosdeterminarexatamente a energia e a funcao de onda do estado fundamental do oscilador harmonico.Esse resultado so foi possıvel, e claro, porque o hamiltoniano e quadratico em P e X. Nocaso geral, a aplicacao do princıpio da incerteza nos dara apenas uma estimativa da energiado estado fundamental. Quanto a funcao de onda, poderemos obter somente uma estimativapara sua ‘largura’ ∆X.

4.3.2 Estado Fundamental do atomo de Hidrogenio

H =~P 2

2m− e2

|~R|, e : carga do eletron em unidades cgs

ou

H =P 2xP

2yP

2z

2m− e2√

X2 + Y 2 + Z2.

Entao

〈H〉 =〈P 2

x 〉⟨P 2y

⟩〈P 2

z 〉2m

−⟨

e2√X2 + Y 2 + Z2

⟩.

Considerando estados com 〈Pi〉 = 0, temos

〈H〉 = (∆Px)2 + (∆Py)

2 + (∆Pz)2

2m− e2

⟨1√

X2 + Y 2 + Z2

⟩.

Nao podemos proceder alem daqui de maneira exata, por isso faremos algumas aproximacoes:⟨

1√X2 + Y 2 + Z2

⟩≃ 1⟨

1√X2+Y 2+Z2

⟩ ≃ 1√〈X2〉+ 〈Y 2〉+ 〈Z2〉

,

onde ≃ representa da mesma ordem de magnitude. Considerando mais uma vez estados com〈X〉 = 〈Y 〉 = 〈Z〉 = 0, temos

〈H〉 = (∆Px)2 + (∆Py)

2 + (∆Pz)2

2m− e2

⟨1√

(∆X)2 + (∆Y )2 + (∆Z)2

⟩.

E razoavel (e intuitivo) supor que o estado de mınima energia deva estar entre aqueles quepossuem simetria esferica:

(∆X)2 = (∆Y )2 = (∆Z)2

(∆Px)2 = (∆Py)

2 = (∆Pz)2

Assim temos

〈H〉 ≃ 3(∆Px)2

2m− e2

1√3(∆X)2

.

Page 21: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

4.4. EXERCICIOS 21

Usando agora a relacao de incerteza

∆Px ·∆X > ~/2.

Temos

〈H〉 & 3~2

8m(∆X)2− e2√

3

1

∆X.

Minimizando com relacao a ∆X :

d 〈H〉d∆

= −23~2

8m(∆X)3+

e2√3(∆X)2

= 0

∴ ∆X =3√3~2

4me2≈ 1− 3

~2

me2.

Substituindo em 〈H〉 :〈H〉 & −2me4

9~2

Veremos mais adiante que o estado fundamental do atomo de hidrogenio e

E0 =me4

2~2.

Alem disso, veremos que o estado fundamental nao sera um pacote gaussiano, mas umaexponencial da forma

ψ(~x) = A exp−r/a0 = A exp−√x2 + y2 + z2/a0

,

onde a0 = ~2/me e o raio de Bohr. Para essa funcao: ∆x = ~

2/me2. Vemos assim que nossaestimativa para o estado fundamental e a largura da funcao de onda correspondente diferede um fator da ordem de 2 dos valores exatos.

4.4 Exercıcios

1. Considere o problema da difracao de eletrons por uma dupla fenda de separacao d. Su-ponha que tentemos determinar por onde passa o eletron, jogando um feixe de luz decomprimento de onda λluz e observando a luz refletida pelo eletron. O espalhamentoda luz pelo eletron vai causar uma variacao ∆py no momento do eletron. Suponhaque, para minimizar esse efeito, a intensidade do feixe de luz seja tao baixa que es-sencialmente temos o espalhamento de um unico foton pelo eletron. A variacao ∆pycertamente sera proporcional ao momento pluz do foton, e podemos supor por simpli-cidade que a constante de proporcionalidade e um.

Page 22: Aula. 04 - Cap's 3 e 4

22 CAPITULO 4. RELACOES DE INCERTEZA

a) A condicao para que o padrao de inteferencia nao seja destruıdo e que a variacaoangular ∆θ na direcao do momento do eletron seja menor que a variacao angular cor-respondente ao primeiro mınimo da figura de inteferencia. Mostre que essa condicaopode ser escrita na forma

∆pypx

<λed,

onde px e o momento do eletron incidente e λe e o comprimento de onda de de Brogliedo eletron.b) Mostre entao que a condicao acima implica que

λluz > d.

c) Por outro lado, a precisao com que podemos determinar a posicao do eletron a partirda luz espalhada esta certamente limitada pelo comprimento de onda da luz utilizada.Conclua entao, a partir do resultado acima, que nao e possıvel determinar por qualfenda o eletron passa sem destruir a figura de interferencia.