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UNESC – Centro Universitário do Espírito Santo Gestão, Norma e Técnica Trabalhista e Social
Professor: Hudson Augusto Dalto
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- AULA 01 - PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO
OBJETIVOS:
Analisar os princípios específicos do direito do trabalho, visando estabelecer a maneira
mais correta de aplicá-los ao caso concreto.
CONTEÚDOS:
PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE DE DIREITOS; PRINCÍPIO DA
CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO; PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE;
PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DA NORMA MAIS BENÉFICA: in dúbio pro operario; aplicação
da norma mais favorável; e condição mais benéfica.
LEITURA OBRIGATÓRIA:
DELGADO, Maurício Godinho Delgado. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo,
LTr, 2009, p. 171 a 198;
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, LTr, 2009, p.
173 a 196.
LEITURA RECOMENDADA:
DIAS, Sergio Novais. Fontes do direito do trabalho. Originalidades e hierarquia. LTr:
revista legislação do Trabalho. São Paulo. v. 55. n. 10. p.1191-200. out. 1991.
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo,
Saraiva.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2002. SUSSEKIND,
Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho, vol I. São Paulo, LTR, 2000.
DELGADO, Mauricio Godinho. -- Princípios constitucionais do trabalho. Revista
Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário. Porto Alegre. v.2. n.8. p.36-74. set./out. 2005.
DONATO, Messias Pereira. -- Princípios do direito coletivo do trabalho. LTr: revista
legislação do trabalho. São Paulo. v.71. n.12. p.1418-24. dez. 2007.
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PIMENTA, Wagner Antonio. -- Os novos principios do direito do trabalho. Revista do
Tribunal Superior do Trabalho, anode 1986. Brasilia. p.178-181. 1987.
COELHO, Anna Maria de Toledo. -- Principios constitucionais trabalhistas. Revista
LTr: legislacao do trabalho e previdencia social. Sao Paulo. v.53. n.4. p.439-43. abr. 1989.
MENEZES, Claudio Armando Couce de. -- Interpretacao e aplicacao das normas de
direito do trabalho. principios de direito do trabalho. renuncia e transacao. LTr: revista
legislacao do trabalho. Sao Paulo. v.55. n.6. p.657-62. jun. 1991.
MATERIAL DE APOIO
PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO – 1ª PARTE
Os princípios são “as idéias fundamentais sobre a organização jurídica de uma
comunidade, emanados da consciência social, que cumprem funções fundamentadoras,
interpretativas e supletivas, a respeito de seu total ordenamento jurídico”. (FLÓREZ-VALDÉS,
apud BASTOS, Celso Ribeiro, p. 145.)
Os princípios gerais do direito são fontes subsidiárias de direito e assim acontece no
Brasil, como preconiza a Lei de Introdução ao Código Civil no seu artigo 4º. No campo do
direito do trabalho, os princípios são a base, a fundamentação, a diretriz que deve ser seguida
para a interpretação da norma trabalhista.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) inclui os princípios entre as fontes a que a
Justiça do Trabalho deve recorrer para sanar omissões no campo das relações de trabalho, ou
seja, os princípios são enunciados deduzidos do ordenamento jurídico pertinente, destinados a
iluminar tanto o legislador, ao elaborar as leis, como o interprete, ao aplicar as leis.
(SÜSSEKIND, Arnaldo, Instituições de Direito do Trabalho, p. 141).
No campo do direito do trabalho, os princípios exercem papel fundamental, dando aos
dispositivos legais uma interpretação muitas vezes diversa daquela que seria natural pela sua
simples leitura. Como ocorre hoje em outras áreas do direito, especialmente quando se
identifica uma parte hipossuficiente (um bom exemplo é a área do direito do consumidor), no
direito do trabalho as normas são flexibilizadas em nome da proteção e respeito a princípios
fundamentais. Isso será notado na análise dos temas mais relevantes na área do direito do
trabalho.
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2. PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE DE DIREITOS OU PRINCIPIO DA INDISPONIBILIDADE
O princípio da irrenunciabilidade de direitos, consagrado nos artigos 9º e 468 da CLT,
surge como conseqüência das normas cogentes, que visam a proteção do trabalhador e são a
base do contrato de trabalho.
Art. 9º Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Do princípio da irrenunciabilidade de direitos, decorre a mais marcante peculiaridade do
direito do trabalho brasileiro, que é a ausência quase total de autonomia da vontade quando se
trata do trabalhador.
Os direitos trabalhistas como um todo, sejam decorrentes de lei, acordo ou convenção
coletivos, ou mesmo de ajuste direto entre empregado e empregador, não podem ser objeto de
renúncia por parte do empregado, a não ser em situações excepcionalíssimas, cercadas de
formalidades que sempre têm por objetivo garantir que a manifestação de vontade do
empregado não está viciada.
A renúncia de direitos somente será possível se feita de forma expressa e dentro das
situações previstas em lei, inexistindo, no Direito do Trabalho, o que ocorre nos demais ramos
do Direito Privado, ou seja, a possibilidade de renúncia tácita. O direito ao aviso prévio, por
exemplo, é irrenunciável pelo empregado, conforme entendimento jurisprudencial sumulado no
Enunciado nº 276 do TST.
TST Enunciado nº 276. Aviso Prévio - Pedido de Dispensa de Cumprimento - Pagamento O direito ao aviso prévio é irrenunciável pelo empregado. O pedido de dispensa de cumprimento não exime o empregador de pagar o valor respectivo, salvo comprovação de haver o prestador dos serviços obtido novo emprego.
Alguns autores defendem, ainda, que o princípio da irrenunciabilidade decorreria do
vício presumido do consentimento do trabalhador a renunciar aos seus direitos, uma vez que o
mesmo não teria total liberdade para emitir a sua vontade em razão da subordinação a que
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está sujeito. O trabalhador sempre estaria, portanto, sob coação psicológica ou econômica, ou,
ainda, em determinados casos estaria na condição de quem desconhece seus reais direitos.
Independentemente da teoria adotada, verifica-se que a nulidade de pleno direito
atribuída às alterações contratuais que possam ser entendidas como prejudiciais ao
empregado, leia-se, que impliquem em renúncia a direito garantido por lei ou contrato acaba
por engessar as relações de trabalho.
Embora este princípio tenha como finalidade a proteção ao empregado, acaba por ser
um entrave à flexibilização do Direito do Trabalho, vista como uma moderna solução para o
problema do desemprego, pelo menos em algumas camadas da sociedade.
Exemplo:
Um exemplo interessante é a obrigação de pagamento de horas extras a todos os
empregados que não possam ser qualificados como ocupantes de cargos de gestão ou
exercentes de atividades externas, nos termos do artigo 62 da CLT. Como estas exceções
legais são demasiadamente limitadas, a lei acaba por exigir que a maioria esmagadora dos
empregados, independentemente do seu nível de educação ou da independência que possam
usufruir no desempenho de suas funções, estejam sujeitos ao controle de horário e ao
conseqüente pagamento de horas extras.
Como de nada adiantaria aos empregadores convencionar com seus empregados de
nível superior e ocupantes de cargos estratégicos (que mesmo assim não se qualificam como
cargos de confiança para os efeitos do art. 62 da CLT) a renúncia ao controle de jornada e ao
recebimento de horas extras, estas empresas normalmente optam pelo simples
descumprimento da lei. Não é incomum que empresas que possuem um grupo de empregados
de nível elevado e alto grau de comprometimento no desempenho das atividades isente estes
empregados do controle de horário. Estas empresas acabam por constantemente administrar
um potencial passivo trabalhista consistente na possibilidade de estes empregados postularem
horas extras com significativas chances de sucesso. Interessante notar que este passivo pode
muitas vezes inviabilizar ou significativamente influenciar operações de compra e venda de
empresas, já que o comprador facilmente identifica o risco e tenta afastá-lo de si através da
prestação de garantias por parte do vendedor, ou mesmo pela simples redução do preço
ajustado.
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O princípio da irrenunciabilidade não cuida apenas da renúncia de direitos, mas
também da intransigibilidade. Três são tipos de direito que podem ser encontrados no Direito
do Trabalho: 1) com conteúdo imperativo, cujo alcance é geral; 2) com natureza imperativa,
decorrente, por exemplo, do contrato de trabalho; e) dispositivos ou supletivos. Os dois
primeiros não poderão ser objeto de transação, mas somente o terceiro. Não pode o
empregado, por exemplo, optar por ter anotada sua CTPS para não sofrer descontos de INSS.
Mesmo que acordado entre o empregador e o empregado, o empregador seria intimado a
pagar as cotas previdenciárias caso sofresse fiscalização, independentemente daquilo que
havia acordado pelo empregado, por se tratar de norma cogente, cuja observância é
obrigatória.
Um outro caso interessante e real é o de um executivo que foi contratado por uma
empresa estrangeira para trabalhar em sua subsidiária no país e teve o seu salário definido em
moeda estrangeira. Assim, a cada mês, o seu salário em reais era calculado tomando-se por
base a taxa de conversão da moeda estrangeira para reais. Passados alguns anos, com a alta
da moeda estrangeira, o salário desse executivo em reais se tornou excessivamente alto, a
ponto de se sugerir a sua demissão e a contratação de outro executivo para o seu lugar por
não ser possível a redução do seu salário para níveis de mercado.
Neste caso, o próprio executivo concordava que seu salário deveria ser reduzido em
reais e queria poder manter o seu emprego. Entretanto, as partes sabiam que qualquer
documento assinado pelo empregado nesse sentido seria inválido e criar-se-ia uma
contingência em potencial para a empresa, caso o executivo viesse a questionar essa redução
salarial no futuro. Este é um caso no qual a proteção aos diretos do empregado funcionou
contra ele e contra a empresa, impedindo uma solução simples para o que poderia ser um
problema simples.
RESUMO O Direito do Trabalho, visando proteger o trabalhador, impede que ele renuncie aos direitos
trabalhistas que lhe são assegurados pela lei. Isto porque, de nada adiantaria ter uma norma trabalhista, se o direito possibilitasse a renúncia. Assim, o Estado substitui a vontade do empregado, limitando sua autonomia do no âmbito do contrato de trabalho. Tudo para que haja inviabilidade de renuncie a seus direitos.
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3. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO
Embora a Constituição Federal de 1988 não tenha assegurado a estabilidade absoluta
do trabalhador, a interpretação das normas referentes às indenizações devidas, quando da
dispensa do empregado sem justa causa, sugere a presunção da duração do contrato de
trabalho por tempo indeterminado.
O contrato por prazo determinado (obra certa, escopo limitado no tempo, etc) é uma
exceção e, como tal, encontra uma série de restrições na legislação trabalhista, como, por
exemplo, o limite máximo de 2 (dois) anos e a possibilidade de uma única renovação,
estabelecido no artigo 445 da CLT. O contrato de experiência é sem dúvida o mais usual dos
contratos por tempo determinado, e tem duração limitada de 90 dias (artigo 445, parágrafo
único), prazo após o qual teria início o contrato por prazo indeterminado.
RESUMO Tal princípio está ligado à atividade empreendida pelo empregador, porque contínua é a atividade
empresarial, não temporária. A continuidade do trabalho é um fator que deve ser considerado na relação de emprego. O Direito do Trabalho atribui a relação de emprego a mais ampla duração, sob todos os aspectos (Plá Rodriguez).
O princípio da continuidade da relação de emprego trás como regra geral que os contratos de trabalho são pactos por prazo indeterminado. Existe há possibilidade de contrato por prazo determinado, contrato a termo, mas condicionado a previsão legal.
Aqui há que se salientar a existência de uma Súmula do TST, que trata deste princípio, a 212: TST Enunciado nº 212 Ônus da Prova - Término do Contrato de Trabalho - Princípio da
Continuidade. O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o
despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.
O princípio da continuidade do contrato de trabalho também está presente nos artigos
10 e 448 da CLT, que tratam, respectivamente, das alterações na estrutura da empresa e na
mudança de sua propriedade, que não irão afetar os direitos adquiridos e o contrato de
trabalho. Ou seja, o legislador procurou proteger o trabalhador com a garantia de continuidade
de seu contrato de trabalho e das condições do mesmo, independentemente da venda, fusão
ou incorporação, ou qualquer outra alteração no controle da empresa em que trabalha.
Art. 10 Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.
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Art. 448. A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalhos dos respectivos empregados.
4. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE
No Direito do Trabalho, a força dos documentos escritos é muito relativa e estes
sucumbem às evidencias que o contrariem, que demonstrem que a realidade foi diferente do
que estava no papel. A relação jurídica definida pelos fatos define a verdadeira relação jurídica.
Isto significa que as relações jurídicas trabalhistas se definem pela situação de fato, isto é, pela
forma como se realizou a prestação de serviços. Ensina Arnaldo Sussekind que o princípio da
primazia da realidade é aquele “em razão do qual a relação objetiva evidenciada pelos fatos
define a verdadeira relação jurídica estipulada pelos contraentes, ainda que sob capa simulada,
não corresponde à realidade”. Trata-se, portanto, de um princípio bastante peculiar do Direito
do Trabalho, em razão do sistema jurídico brasileiro privilegiar a forma e o conteúdo dos docu-
mentos escritos, em lugar da realidade das relações.
Tome-se, por exemplo, um contrato no qual as partes estabelecem que uma in-
termediará vendas para a outra e que esta relação será uma relação de representação
comercial, regida por lei específica, sendo o representante registrado perante o competente
órgão de classe dos representantes comerciais. Imagine-se que este contrato é firmado e, por
anos a fio, as partes cumprem-no à risca, até que o representado resolve rescindir o contrato, o
que faz nos termos da lei aplicável a esta modalidade de relação jurídica. Se, neste momento,
o representante, sentindo-se lesado ou infeliz, resolver propor ação trabalhista contra o
representado, alegando que a relação que havia entre eles era, de fato, uma relação de
emprego, na qual estava ele sujeito a um nível de subordinação típico de um empregado, e o
juiz do trabalho, ao analisar a conduta das partes durante a vigência do contrato, concordar que
estavam presentes os elementos da relação de emprego, condenará o representado a pagar
ao representante as verbas de natureza trabalhista aplicáveis, desconsiderando totalmente os
termos do contrato firmado e executado pelas partes por anos e anos.
5. PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DA NORMA MAIS BENÉFICA
O princípio da proteção ao trabalhador se concretiza em três outros princípios: 1) in
dúbio pro operario; 2) aplicação da norma mais favorável; e 3) condição mais benéfica.
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O PRINCÍPIO DO IN DÚBIO PRO OPERARIO significa dizer que sempre que houver
dúvida acerca do alcance ou interpretação de determinada norma, ela deverá ser interpretada
favoravelmente ao empregado, que seria a parte mais frágil da relação de emprego.
O PRINCÍPIO DA APLICAÇÃO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL traduz a idéia de que a
norma a ser aplicada será sempre aquela que for mais benéfica para o trabalhador,
independentemente de sua posição hierárquica. Em termos práticos, isto equivale a dizer que
prevalecerá sempre a condição mais benéfica ao trabalhador, seja ela decorrente da
Constituição Federal ou de um regulamento interno da empresa. A condição mais benéfica se
traduzirá naquele que se reverter em maior benefício para o empregado. As normas de
hierarquia mais elevadas acabam por estabelecer pisos de direitos, e não os seus limites. As
normas de hierarquia inferior e mesmo os contratos individuais de trabalho prevalecem quando
se trata de definir direitos dos trabalhadores.
PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE SALARIAL
O salário é irredutível, salvo negociação coletiva. Princípio, inclusive, de natureza
constitucional. Aqui, há que se salientar que consta na CLT um dispositivo constitucional que
estabelecia a possibilidade de alteração do salário, com a sua redução, em caso de força maior
devidamente comprovada, em até 25%, até que aquela situação fosse superada. Trata-se do
artigo 503, que não foi recepcionado pela Constituição de 1988.
Art. 503. É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região.
Assim, atualmente, não é admissível a redução salarial, com exceção de negociação
coletiva, ou seja, com a concordância dos sindicatos representativos de classe.
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que vissem à melhoria de sua condição social: [...] VI - irredutibilidade de salários, salvo o disposto em convenções ou acordo coletivo de trabalho; [...] X - proteção do salário na forma de lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
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LEITURA COMPLEMENTAR
TRECHO DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DO PROFESSOR DA DISCIPLINA
3.3.1 Princípio da inalterabilidade contratual lesi va
O princípio da inalterabilidade contratual lesiva tem origem no Direito Civil,
apesar de possuir significativa relevância no Direito do Trabalho. Em sua gênese
civilista é ligado aos pressupostos de cumprimento dos contratos – pacta sunt
servanda -, impondo às partes a impossibilidade unilateral de se realizar
modificações nas cláusulas vinculativas, durante a vigência contratual. Bem verdade,
que atualmente a inalterabilidade contratual na esfera cível sofreu relativas
atenuações, derivadas, principalmente, da fórmula rebus sic stantibus, pela qual,
havendo desequilíbrio contratual - inexistente ou impensável no momento da
formulação do contrato – sua repaginação pode ser pretendida pelo prejudicado1, o
que, no Direito do Trabalho, ainda não é aceito.
No âmbito trabalhista, a inalterabilidade contratual sofreu severas adequações.
Primeiramente, foi relativizada, tornando-se até mesmo incentivada pelas premissas
ideológicas do Direito do Trabalho, quando trouxesse benefícios aos empregados.
Em contraponto, a bandeira da rigorosidade em relação às alterações desfavoráveis
ao trabalhador foi assumida de forma sumária, inclusive, com disposição na
legislação consolidada.
Na seara empresarial, de forma recorrente este princípio é criticado,
principalmente, por apresentar carga de taxatividade muito elevada. Isto porque a
jurisprudência trabalhista tem solidificado o entendimento de que, de acordo com o
artigo 2º, caput, da CLT2, os riscos do empreendimento são ônus exclusivos do
empregador. Mesmo quando o insucesso empresarial derivar de fatos externos à
atuação do empresário, como, por exemplo, modificações em planos econômicos,
mudanças na política monetária etc., as obrigações diante dos empregados devem
permanecer inalteradas.
Convém, ainda, destacar que alguma divergência doutrinária existe acerca do
alcance pragmático da assunção exclusiva do empregador sobre os créditos de 1 DELGADO, Maurício Godinho, Ibidem, p. 928. 2 Art. 2º, caput, da CLT: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”.
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natureza trabalhista. Para alguns doutrinadores clássicos, quando o artigo 2º da CLT
relaciona o conceito de empregador a aquele que assume os riscos da atividade
econômica, propositalmente exclui-se dos efeitos específicos da responsabilização
os entes que não desempenham, primordialmente, a intenção lucrativa3.
[...] no conceito de empregador não é essencial a idéia de assunção de riscos, porque nele se compreendem tanto os entes que se dedicam ao exercício de atividades econômicas quanto os que deixam de fazer, dedicando-se, ao revés, a atividades não lucrativas, como é o caso das instituições de beneficência e das associações recreativas4.
Por óbvio, a referida posição doutrinária é inadequada para abarcar o espírito
da norma, pelo menos sob o amparo dos subsídios atuais. Isto porque, quando a
CLT referiu-se à idéia de riscos da atividade econômica, não se utilizou do
paradigma condicionador do lucro, mas sim, apenas da referência à
responsabilidade do empregador diante da utilização positiva da atividade laborativa
de seus empregados.
Por sorte, mesmo quando aqueles que não desempenham atividade visando os
lucros se propõem a empregar mão de obra, supõe-se o adimplemento das
obrigações derivadas do contrato de trabalho. Desse modo, os trabalhadores não
estão sujeitos à natureza do objeto social da atividade vinculada. Se contratados,
assumem suas responsabilidades típicas, ao passo que gozam da presunção
protetiva de salários e das condições de urbanidade do vínculo e do ambiente de
trabalho, entre outros5.
3.3.1.1 Irredutibilidade salarial
Uma vez combinado o vínculo de emprego, o trabalhador tem o direito de exigir
de seu contratante a quitação salarial na forma e na quantidade determinadas de
acordo com a lei, ou com a estipulação contratual das partes. Bem verdade que
incentivadas por toda a metódica justrabalhista, o valor inicial do salário sofre,
normalmente, constantes majorações, derivadas, principalmente, de imposições
3 MAGANO, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. v. II. São Paulo: LTr, 1993, p. 60. 4 MAGANO, Octavio Bueno. Idem, p. 60. 5 Quando um funcionário é contratado por uma ONG, por exemplo, pode até possuir vinculação ideológica com a causa. Porém, a benevolência da entidade diante de seu objeto social não exclui as responsabilidades concernentes aos créditos trabalhistas. Ao empregado é devido, com toda a fundamentação legal derivada do contrato de trabalho, o pagamento de salários e reflexos decorrentes do vínculo.
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normativas, negociações coletivas, ou, ainda, da liberalidade do empregador. Porém,
outras modificações podem pretender abater-se sobre a pecúnia laboral e, por esta
razão, o Direito do Trabalho, em regra, repele, ou restringe quaisquer espécies de
alterações lesivas ao salário do trabalhador, principalmente, as advindas de atos
unilaterais do contratante6.
A lógica da irredutibilidade do salário justifica-se como medida de proteção ao
contratante menos apto. Isto porque, apesar de não passar de uma cláusula
contratual – que poderia ser revista pelas partes –, o salário é dirigido aquele que
não detém normalmente condições para aceitar sua redução. “Devido a sua posição
subalterna, o empregado, principalmente durante a vigência do contrato, não está
apto a discutir, em pé de igualdade, com o empregador, qualquer alteração ou
transação que lhe seja desvantajosa”7. Na maioria das vezes, o trabalhador seria
induzido, ou obrigado a aceitar a modificação, em função da necessidade do
emprego.
Desta lógica, surge a irredutibilidade salarial - derivada do princípio da
inalterabilidade contratual -, que foi incluída expressamente na Constituição de 1988,
em seu artigo 7º, inciso VI8-9. Há que se destacar, porém, que as restrições às
modificações, tanto ao salário nominal10 (redução direta) quanto a sua minoração
indireta - diminuição da jornada de trabalho e, conseqüente, decréscimo pecuniário
-, foram atenuados pelos mecanismos da negociação coletiva, o que não transfigura
o espírito protetivo das leis trabalhistas, que reconhecem o salário como parcela
essencialmente alimentar11, imprescindível para a manutenção econômica dos
empregados.
A lei brasileira consagrou decididamente o princípio da irredutibilidade do salário, concretizando, destarte, em relação a este direito fundamental do empregado, seu sentido intervencionista e protetor, mas em harmonia com
6 CATHARINO, José Martins. Tratado Jurídico do Salário. São Paulo: Freitas Bastos, 1994, p. 591. 7 CATHARINO, José Martins. Tratado Jurídico do Salário. São Paulo: Freitas Bastos, 1994, p. 590. 8 Com amparo no artigo 468 da CLT, o princípio da irredutibilidade do salário já era, antes da Constituição de 1988, consagrado pela doutrina e pela jurisprudência. 9 Art. 7º, da Constituição Federal de 1988: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que vissem à melhoria de sua condição social: [...] VI - irredutibilidade de salários, salvo o disposto em convenções ou acordo coletivo de trabalho; [...] X - proteção do salário na forma de lei, constituindo crime sua retenção dolosa;” 10 O salário nominal é aquele pago em decorrência da prestação efetiva do serviço. Anteriormente, em épocas de máxima inflação, os economistas abordavam esta espécie de salário em contraponto ao salário real. Equivalia, segundo a época, ao poder de compra do assalariado a partir de sua contratação. 11 DELGADO, Maurício Godinho. Salário. Teoria e Prática. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 197.
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a própria contratualidade. A proteção ao contratante menos capaz é o fim primordial das normas legais contra a alteração diminutiva do salário12.
Há que se destacar, porém, que na recente história da legislação trabalhista
brasileira havia disposições que amparavam o empresário em situações de crise
econômica, diante do crédito trabalhista. O artigo 503 da CLT13 possibilitava a
redução de salários em hipóteses de prejuízos comprovados e a Lei n.º 4.923/65
também previa a redução provisória da jornada de trabalho e dos salários em caso
de desconfortos financeiros empresariais, desde que com amparo em decisão da
Justiça do Trabalho. Arnaldo Sussekind, inclusive, após verificar o reflexo da
Constituição de 1988 sofre os referidos dispositivos legais posicionou-se:
Houve, a nosso ver, revogação ou derrogação dessas disposições legais. Em face do preceituado no art. 7º., n. VI, da Lei Fundamental, parece certo que, mesmo em circunstâncias excepcionais, os salários só poderão ser reduzidos por meio de convenção ou acordo coletivo. Daí porque o artigo 503 da CLT, perdeu sua eficácia, enquanto a referida lei de 1965 foi derrogada na parte em que atribuía poder à Justiça do Trabalho para determinar a redução salarial transitória. Também o empregado não poderá concordar, ainda que o faça formalmente, com a redução dos seus salários nas duas situações aqui registradas14.
A priori, deve-se destacar que, aparentemente, a Constituição exagerou no
que toca à proteção ao salário. Países como a Alemanha, o Japão e a Itália não
mencionaram em seus textos constitucionais métodos de resguardo tão rígidos em
relação aos ganhos laborais e, ao contrário do Brasil, os seus salários mínimos
possuem valor real de compra muito mais favorável aos trabalhadores. Na
Constituição Alemã de 1983, que se tornou a Constituição unificada em 1990, por
exemplo, foi dedicado somente um artigo aos direitos sociais, sem qualquer
disposição quanto ao salário. Na Itália, por sua vez, a Constituição de 1948
estabeleceu, em um único artigo15, tratativa quanto ao salário, afirmando que o
trabalhador tem direito a perceber retribuição proporcional à quantidade e qualidade
do trabalho prestado. Na Carta Constitucional japonesa, também, apenas dois
12 CATHARINO, José Martins. Idem, p. 591. 13 Artigo 503, da CLT: “É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região”. 14 SUSSEKIND, Arnaldo. Irredutibilidade do salário. São Paulo, LTr: Revista legislação do trabalho. v. 55, n. 2, p.137-8, fev. 1991, p. 138. 15 Artigo 36, §1º, da Constituição Italiana: “O trabalhador tem direito a uma remuneração proporcional à quantidade e qualidade do seu trabalho e em todo caso suficiente a assegurar a si e à sua família uma existência livre e digna”.
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artigos tratam dos direitos sociais, com destaque para o artigo 2716, que afirma que
os padrões salariais do País serão estabelecidos por lei17.
Porém, como a irredutibilidade salarial foi hierarquizada de forma
constitucional, há que se invocá-la não apenas como comando dirigido
restritivamente ao empregador - proibindo-o de pagar a seus trabalhadores menos
que vinha mantendo -, mas também ao governo, que deve elaborar e executar
políticas salariais a fim de que o princípio não perca sua efetividade. De nada
adianta não minorar os rendimentos dos trabalhadores se o poder de compra é
suplantado pelos anseios econômicos do mercado.
3.3.2 Jus resistentiae
Para Délio Maranhão, o jus resistentiae18 é “o direito que tem o empregado de
se opor às determinações ilegais do empregador, às que fujam à natureza do serviço
ajustado, que o humilhem ou diminuam moralmente ou que o coloquem em grave
risco”19. O princípio da resistência obreira possibilita ao empregado opor-se a
comandos ilícitos do empregador, enquanto no exercício laborativo, sem, porém, que
o ordenamento jurídico lhe possibilite alguma garantia especial de emprego.
Considerando que o sistema jurídico brasileiro não contempla a garantia geral de emprego, mas assegura apenas garantias especiais em determinados casos (gestante, dirigente sindical etc.), o empregado tem seu jus resistentiae bastante atenuado em virtude do temor do desemprego20.
O trabalhador, ao se vincular e se submeter à direção de outrem, não se torna
escravo, nunca podendo implicar a direção do patrão em dano físico, ou moral, ou
material a seu colaborador. O contrato de trabalho tem por objetivo a troca da
prestação de serviços, pelo benefício que a energia de trabalho traz aos fins do
empreendimento, sem prejuízo aos direitos pessoais ou patrimoniais daqueles que
se vinculam. Na verdade, o jus resistentiae tem origem no exercício irregular do
16 Artigo 27, da Constituição Japonesa: “Todas as pessoas devem ter o direito e a obrigação de trabalhar. 2) Padrões de salários, horários, horas de descanso e de outras condições de trabalho serão estipulados por lei. 3) As crianças não devem ser exploradas”. 17 SILVA, José Ajuricaba da Costa. Proteção Constitucional do salário. São Paulo. LTr: revista legislação do trabalho. v. 55, n. 2, p. 139-141, fev. 1991, p. 140. 18 Também chamado de direito de resistência obreiro. 19 MARANHÃO, Délio e Luiz Inácio B. Carvalho. Direito do Trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 90. 20 BARROS JÚNIOR, Cássio Mesquita. Alteração e duração do contrato de trabalho. Rio de Janeiro. Revista Forense , v. 103, n. 392, p.19-39, jul./ago, 2007, p. 28.
UNESC – Centro Universitário do Espírito Santo Gestão, Norma e Técnica Trabalhista e Social
Professor: Hudson Augusto Dalto
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poder disciplinar do empregador, que extrapola os preceitos da dignidade do
trabalhador e adentra ao excesso de poder.
A lei proíbe que o trabalhador seja tratado com rigor excessivo, tanto que o
artigo 483 da CLT prevê a possibilidade de rescisão indireta do contrato de trabalho
quando abusos são cometidos na seara laboral. A crítica que, porém, se faz dá-se
com a não proteção do contrato de trabalho quando o jus resistentiae é efetivado.
Como destaca Márcio Túlio Vianna “o acesso à Justiça para o trabalhador brasileiro,
só existe quando ele já deixou o emprego. E mesmo a opção da ‘despedida indireta’
é uma faca de dois gumes, pois as indenizações raramente cobrem o custo material
e moral da desocupação”21.
21 VIANA, Márcio Túlio. Direito de resistência: possibilidades de autodefes a do empregado em face do empregador . São Paulo: LTr, 1996, p. 74.