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Elton Soares de OliveiraJosé Abílio Ferreira

A ÁfricA em nós

ORIGENS DA PRESENcA NEGRAEM GUARULHOS

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Copyright © 2013 by Noovha América Editora

AutoresElton Soares de OliveiraJosé Abílio Ferreira

Editor ResponsávelNelson de Aquino Azevedo

Projeto Gráfico e DiagramaçãoBraz Cardoso Junior

RevisãoAna Lúcia Mendes

Imagem da capaIgreja da Irmandade dos Imãos Pretos de Nossa Senhora do Rosário da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos, 1912. Atual Rua Dom Pedro II – Praça Conselheiro Crispiniano.

Agradecimentos especiaisAlguns textos desta publicação (devidamente revisados e ampliados) fazem parte da publicação “Inventário de Fontes sobre as Origens da Presença Negra em Guarulhos”, elaborada pelos mesmos autores para o Projeto Funcultura, da Secretaria de Cultura – Prefeitura de Guarulhos, 2012.A todos aqueles que colaboraram com a cessão de dados e fotos para esta publicação.A arte de abertura dos capítulos desta publicação foi produzida pela ar-tista plástica Aparecida Pereira (Cidinha), mulher negra e funcionária da Secretaria de Educação.Agradecemos ainda as fotos do acervo do arquivo histórico municipal, Igreja Matriz de Guarulhos, Elton Soares de Oliveira, Edna Roland, Pre-feitura de Guarulhos, Haroldo Santos e Jefferson Galdino (ilustrações).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Oliveira, Elton Soares de Origens da presença negra em Garulhos : a África em nós / Elton Soares de Oliveira, José Abílio Ferreira. -- São Paulo : Noovha América, 2013. Bibliografia. ISBN 978-85-7673-328-7

1. Afro-brasileiros - História 2. Escravidão - Guarulhos (SP) - História 3. Negros - Guarulhos (SP) - História I. Ferreira, José Abílio. II. Título.

13-11535 CDD-981.612

Índices para catálogo sistemático:1. Guarulhos : São Paulo : Estado : Negros :

História 981.6122. Negros : Guarulhos : São Paulo : Estado :

História 981.612

(DeacordocomaNovaOrtografiadaLínguaPortuguesa)1a edição

2013

Todos os direitos desta edição reservados à:Noovha América Editora Distribuidora de Livros Ltda.Rua Lincoln Albuquerque, 319 – PerdizesSão Paulo/SP – CEP 05004-010Telefax: (0xx11) 3675-5488Site: www.noovhaamerica.com.brE-mail: [email protected]

[email protected]

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Duas palavras sintetizam o conteúdo deste livro: humanidade e desumanização. Origens da Presença Negra em Guarulhos – A África em Nós revela-nos a história, ainda que de forma resumida, do aparecimento dos primeiros seres humanos no nosso planeta, bem como a evolução do gênero Homo e o povoamento dos continentes, onde ha-bitam atualmente sete bilhões de seres humanos. São pessoas que trazem na pele, no tipo de cabelo e na coloração dos olhos as raízes genéticas de um passado africano. Cabe lembrar que, de acordo com a ciência, a África é considerada o “berço da huma-nidade”. Foi lá que surgiram e se dispersaram os primeiros hominídeos. Tempo histórico, calculado, aproximadamente, em dois milhões de anos.

A segunda virtude desta publicação é o vínculo que faz do processo de escravização “dos Negros da Terra e dos Negros da Guiné” no território guaru-lhense e brasileiro. De acordo com o Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entraram pelos portos do Brasil Colônia 3,6 milhões de pessoas negras escravizadas. Homens e mulheres, violentados em seus direitos, foram transplantados do continente africano. Em 2001, o processo de escravização de pessoas negras foi denunciado e julgado em Durban, África do Sul, como crime contra a humanidade.

Por fim cabe destacar que este ensaio publi-cado em nossa cidade a respeito da escravização de homens e mulheres, chamadas “negras” a partir do século XVI, é um marco importante na História do Brasil. Além desse aspecto historiográfico, as ima-gens expõem a crueldade impingida aos paleoíndios, aos indígenas e aos africanos escravizados. Tratam-se de imagens que revelam as faces desumanizadoras do processo da escravização de pessoas em seus diferen-tes momentos: captura, transporte, comercialização, trabalho forçado e castigo. Não existe opressão que dure eternamente. O fim do trabalho escravo, como visto, foi uma conquista das lutas de resistência dos negros e negras, bem como do movimento abolicio-nista, organizado em vários países.

Nos dias atuais, mais e mais pessoas assumem sua negritude e se juntam no Movimento Negro para combater o racismo e em busca da garantia de direitos.

Prof. Moacir de SouzaSecretaria Municipal de Educação

Guarulhos/2013.

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SUMÁRIO

1 - Presença negra: Trabalho escravo e livre 7 Trabalho escravo 7 Trabalho livre 9

2 - África: berço da humanidade 11 homo habilis – 2,4 a 2 milhões de anos 14 homo erectus – 2 a 1,7 milhões de anos 14 homo sapiens – 200 mil anos 15 homo neanderthalensis 16 homo sapiens sapiens – 40 mil anos 17 homem de cro-magnon 18 homem americano – 14 mil anos 18 luzia – 11,5 mil anos 19

3 - negros da Terra e negros da guiné na formação de guarulhos 22 fundação de guarulhos 23 criação do município de guarulhos 23 descoberta do ouro 24 registro de escravos em livros de Propriedades 25

4 - marcas e memórias... a guarulhos dos 328 anos de escravidão 26 os indígenas Tupi-guarani e os negros africanos na mineração de ouro 28 memórias e resistências 31 memórias e imaginário – exaltação e capelas de santa cruz 31 memórias e imaginário – o bom Jesus e capelas 34 sofrimento e salvação 35 festas da carpição e de nossa senhora do bonsucesso 36 igreja dos Pretos de nossa senhora do rosário 37 igreja de são benedito dos homens Pretos 37 Quilombo 38 Quilombolas 38 memórias e sincretismo religioso 39 memórias de negros na literatura guarulhense 40 andré 40 Preto rosendo 40 velho negro 41 nhô Quim de ferro 41 negro beijo 41 Jacinto flores 42

5 - guarulhos: da abolição da escravidão à indusTrialização 43 guarulhos e o mercado nacional de escravos 44 esgotamento da mineração de ouro 45 declínio demográfico em guarulhos 45 mercado interprovincial de escravos 46 criação do município de guarulhos 47 Junta classificadora de escravos de guarulhos – fundo de indenização aos Proprietários 47

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alistamento de escravos 48 lei do ventre livre 48 lei dos sexagenários 49 Tabela de Preços por escravo liberto 49 Total de africanos escravizados 50 lei Áurea 50 guarulhos: industrialização e embranquecimento do Trabalho 50 recenseamento demográfico (1872) – serviço nacional de recenseamento 51 População de guarulhos por nacionalidades 52 guarulhos: industrialização e repovoamento negro da cidade 54

6 - negriTude... exPlosão e afirmação 55 a Presença de luís gama 56 a memória como objeto de disputa 57

7 - guarulhos, cidade símbolo: releiTura 68 a epopeia luso-africana em guarulhos 71 o mito do gigante adamastor 73 sangue Paulista 75

galeria de PrefeiTos de guarulhos 84

referências bibliogrÁficas e dicas de leiTura 86

auTores 88

Mesmo que voltem as costasÀs minhas palavras de fogoNão pararei de gritarNão parareiNão pararei de gritarSenhoresEu fui enviado ao mundoPara protestarMentiras ouropeis nadaNada me fará calar

SenhoresAtrás do muro da noiteSem que ninguém o percebaMuitos dos meus ancestraisJá mortos há muito tempoReúnem-se em minha casaE nos pomos a conversarSobre coisas amargasSobre grilhões e correntesQue no passado eram visíveisSobre grilhões e correntesQue no presente são invisíveisInvisíveis mas existentesNos braços no pensamentoNos passos nos sonhos na vida

De cada um dos que vivemJuntos comigo enjeitados da Pátria

SenhoresO sangue dos meus avósQue corre nas minhas veiasSão gritos de rebeldiaUm dia talvez alguém perguntaráComovido ante meu sofrimentoQuem é que está gritandoQuem é que lamenta assimQuem é

(...)

Protesto

O poeta negro Carlos Assunção, autor do poema cujo trecho reproduzimos, nasceu em 1927, na cidade paulista de Tietê. Partici-pou da Associação Cultural do Negro (ACN), que, fundada em 1954, na cidade de São Paulo, é considerada um marco da rearticulação dos movimentos sociais negros da metade do sécu-lo XX. Frequentemente declamado por Assun-ção, com grande sucesso, Protesto notabilizou-se entre a intelectualidade negra. O poema só foi publicado em 1982, no livro Protesto, custeado pelo autor.

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Igualdade. Homenagem ao Brasil, ao Estado de São Paulo e a Guarulhos.Obra do artista negro Aroldo Santos, 2000.

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1 - PRESENÇA NEGRA: TRABALHO ESCRAVO E LIVRE

De modo geral, podemos dizer que em Guarulhos a palavra “negro” passou a ser difundida a partir do dia 8 de dezembro de 1560, data oficial da fundação da cidade.

“Negro da terra” foi o termo atribuído pelos colonizadores portugueses para identificar os indígenas cinquenta anos antes da chegada dos negros transplantados do continente africano para o Brasil Colônia, na condição de escravos, chamados de negros da Guiné, em 1550, data oficial.

Os termos “negro da terra” e “negro da Guiné” são construções sociais da Idade Moderna no início do século XVI. O conceito “origens da presença negra”, na verdade, oculta a origem negroide brasileira que extra-pola a periodização clássica da História, dividida em antiga, medieval, moderna e contemporânea, em seis mil anos (60 séculos).

Achados antropológicos, referentes ao povoamento do Brasil, datam de 14 mil anos (140 séculos). As conclusões dos especialistas comprovam que os primeiros brasileiros são negroides – Homo sapiens – descendentes dos abo-rígenes australianos; esses, por sua vez, vieram do homo sapiens africano. Entre os cientistas é consenso que a África é o berço da humanidade.

Luzia, o fóssil humano mais antigo do Brasil (11,5 mil anos).

TRABALHO ESCRAVO

Não temos dúvidas de que o tra-balho escravo no Brasil e em nossa cidade sugou as energias e ceifou vidas de milha-res de negros da terra e de negros africa-nos. O processo foi tão violento que, em conferência realizada em 2001 a respeito de racismo e xenofobia em Durban, Áfri-ca do Sul, a escravidão de africanos foi re-conhecida pela ONU como crime contra a humanidade. Nessa publicação, as in-

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formações a respeito da presença negra em Guarulhos estão organizadas em três períodos da História: antes e durante a fundação de Guarulhos e na criação do mu-nicípio. Nos dois últimos períodos, houve vigência de trabalho escravo e de trabalho livre, respectivamente, nas lavras de ouro e na indústria.

Entre 1550 e 1855, entraram pelos portos bra-sileiros 3,6 milhões de africanos escravizados. Os na-vios que traziam os negros ao Brasil eram chamados de tumbeiros, porque grande parte da tripulação, cer-ca de 20 a 30%, morria durante a dramática viagem

Negros no porão de navio. Obra de Johann Moritz Rugendas, 1835.

Captura de escravos. Obra de David Livingstone.

transatlântica, que durava, aproximadamente, 60 dias. O tráfico de escravos negros da  África  para o  Brasil teve grande crescimento com a expansão da produção de cana-de-açúcar, a partir de 1560, e com a descober-ta de ouro, no final do século XVII em Minas Gerais, 100 anos depois da descoberta de ouro nas minas de São Paulo: Pico do Jaraguá, Guarulhos, Sorocaba, Pa-ranaguá e Santana de Parnaíba.

Dos 453 anos (1560-2013), do município, no que se refere à construção da riqueza material e imate-rial de Guarulhos, durante 328 anos ela esteve baseada

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no trabalho escravo. Somam-se mais de três séculos de escravidão e apenas pouco mais de um século de tra-balho livre, ou seja, 125 anos. Este livro, como dito na linguagem futebolística, é o “pontapé” inicial para um tema de tamanha abrangência e impor-tância histórica.

época da escravidão. Foram mais de três séculos de tra-balho e; por meio de herança, muitas pessoas se torna-ram os modernos proprietários dos meios de produção social da era capitalista industrial. No Brasil, foi na

Operário em fábrica guarulhense, 1992.

Negros serradores de tábuas. Obra de Jean-Baptiste Debret, 1835.

TRABALHO LIVRE

Muitas pessoas confundem a con-dição dos antigos escravos com a do tra-balhador assalariado dos dias atuais. É um erro. O trabalhador vende, aluga, troca, como quiser denominar, parte do seu tempo (jornada de trabalho) pelo paga-mento de salário. O escravo era compra-do, se tornava uma propriedade particu-lar, era mantido e controlado pelo dono. Este podia explorá-lo, vendê-lo, alugá-lo e até matá-lo, e isso não era considerado crime. É verdadeiro que ainda nos dias atuais encontram-se muitas pessoas em condição de trabalho escravo, porém, não se tratam de escravos. Tanto que elas po-dem ser resgatadas e com isso o explora-dor é preso e incriminado.

Os antigos donos dos escravos acumularam toda a riqueza produzida na

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transição do século XIX para o XX que os capitalistas deixaram de comprar escravos e passaram a contratar força de trabalho, pagando salários.

No início do século XVI, a escravidão dos po-vos locais (paleoíndios e indígenas) não interessava aos traficantes como força de trabalho, situados em Portu-gal e na África.

Se mantido o processo de escravização dos negros da terra como única alternativa de força de trabalho, os mercadores portugueses estariam excluídos do lucrativo comércio de escravos para o mercado americano.

Não foi o que aconteceu. Em 1550, chegou a Salvador a primeira remessa de africanos para ser ven-dida no mercado negreiro.

Casa da Candinha (nome atual). Construída em taipa de pilão, por escravos, em 1825.

A primeira lavra de ouro de Guarulhos (1597) era cha-mada de Jaguamimbaba (do tupi, a onça de criação) e ficava localizada na atual Serra do Ita-beraba, nos bairros da Capeli-nha e Morro Grande. Em Gua-rulhos, são inúmeras as marcas na história em meio à paisagem urbana e rural da presença dos “Negros da terra e da Guiné”.

Atualmente, 45% da população é negra (IBGE 2010). É um povo que traz na

pele, nos cabelos, na alma, na culinária e no vestuário um passado forjado na luta contra a opressão. Milha-res de negros e negras, conscientes da história, não es-condem e denunciam o crime que foi a escravidão. Por meio de várias formas de lutas sociais, mantêm viva a chama da liberdade e pedem o fim da desigualdade so-cial, do racismo e do preconceito que reina no Brasil.

No dia 22 de maio de 2013, a Secretaria de Educação comemorou 10 anos da Lei no 10.639, lançando uma publicação inédita em nossa cidade: Afrobrasileiros[as] e currículo – Olhar para trás para se-guir em frente. Em novembro de 2013, por ocasião da Semana da Consciência Negra, publicou o livro Origens da presença negra em Guarulhos – a África em nós.

Marcha da Consciência Negra em Guarulhos, 2009.

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2 - ÁFRICA: BERÇO DA HUMANIDADE

Oportunamente o título do livro Origens da presença negra em Guarulhos – a África em nós, nos faz compartilhar de uma constatação que surgiu antes de iniciarmos este capítulo e que acabou como título da obra. Naturalmente, cada um de nós tem uma opinião a respeito da origem do homem moderno. Quiçá teremos a oportunidade de ouvi-la, não só sobre o título, mas também no tocante ao conteúdo do trabalho ora apresentado.

Uma volta à origem da vida e ao passado da humanidade, pensar o tempo e olhar os espaços, refletir a res-peito dos hominídeos, do gênero Homo, bem como da parte da África que nos toca, se faz necessário. Assim como as famílias modernas possuem linhagens históricas – pai, mãe, tios, avós, bisavós, tataravós etc. – a humanidade teve o seu marco inicial: de onde se originou o homem moderno? Nosso parente mais próximo é possível de ser localizado há cerca de 6,6 mil gerações. Visitas, so-mente por meio da História.

As duas questões levantadas ini-cialmente são verdadeiras. Existe uma forte presença negra na cidade, resul-tado de uma construção histórico-cul-tural e uma hereditariedade africana em nós.

Entre os cientistas, há a concor-dância de que foi no continente africa-no que o hominídeo e o gênero Homo evoluíram e se espalharam, povoando o planeta Terra e formando uma huma-nidade sem raças. Mas, como pergun-tou o poeta: “E a vida o que é? Diga lá, meu irmão...” (Gonzaguinha).

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...Toda matéria viva compartilha do mesmo ma-terial e é constituída sobre a mesma molécula replicante, o DNA. Isso indica a unidade da vida, o fato de que as diferentes formas de vida não tiveram origens separadas. Ainda é surpreendente, embora seja fato conhecido, que todas as plantas e animais, e organismos uni e multicelu-lares se utilizam exatamente do mesmo código genético... Os genes são, essencialmente, a maneira de transmissão de informação (para construção de novos indivíduos) de uma geração a outra. A fidelidade do mecanismo de cópia que está no cerne da estrutura do DNA é a base sobre a qual a continuidade e a similaridade são mantidas nas formas vivas... (FOLEY, 2003. p 40).

Por bilhões de anos o Universo existiu sem os hu-manos. A idade do Universo é calculada em 14 bilhões de anos. A Terra tem 4,6 bilhões de anos e a vida 3,5 bilhões. Os hominídeos, 7 milhões de anos. Os huma-nos modernos: Homo sapiens, 200 mil, o Homo sapiens sapiens, 40 mil anos e o homem americano, 14 mil anos.

hominóideos. Os hominóideos, por sua vez, dividem--se em três subgrupos: pongídeos, gorilíneos e hominí-deos. A família hominídea inclui as espécies que evolu-íram desde a separação dos chipanzés e tem parentesco mais próximo com os humanos. O gênero Homo evo-luiu de uma única espécie hominídea.

Os restos de um hominídeo de 7 milhões de anos – considerado o mais antigo representante da humani-dade conhecido e próximo aos mais recentes antepassados comuns do chipanzé e do homem – foram desenterrados por uma missão de paleontólogos franco-chadiana no nor-te do deserto do Chade (África saheliana) em 2001. (O Gênero Homo - Site – UNESP).

Ainda a respeito do desenvolvimento humano, antes da descoberta de 2001, o fóssil mais conhecido era Lucy, Australopithecus Afarencis, com idade de 5 a pelo menos 3 milhões de anos. Trata-se de descoberta de 1974 feita pelo professor Donald Johanson na Eti-ópia, no deserto de Afar. O esqueleto Lucy é pequeno, esbelto, de cérebro diminuto e bípede.

A evolução humana é baseada em dados de pes-quisas de arqueólogos, biólogos, antropólogos, geólo-gos, entre outros especialistas. Tudo que conhecemos a respeito da evolução física e cultural do homem se baseia nos fósseis que demonstram o desenvolvimento corporal e linguístico que teve a espécie humana até atingir sua forma atual.

O percurso evolutivo da humanidade foi longo. No grande grupo dos antropoides estão dois subgru-pos de primatas: os macacos propriamente ditos e os

O controle do fogo por seres humanos aconteceu há 1,5 milhão de anos.

Esqueleto de Lucy. Em destaque, uma representação.

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Acreditamos que sobre a primeira parte do tema deste capítulo foram fornecidas informações muito re-levantes para a nossa reflexão, porém ainda não foram apresentados os nomes dos atores, seus feitos no tempo e no espaço, e, muito menos, o porquê e como eles se dis-persaram para os continentes asiático, europeu, oceânico e americano. Antes de expormos sobre os protagonistas, cabe destacar que, dentre todas as características analisa-das a respeito da evolução do gênero Homo, quatro me-recem destaque: bipedalismo, aumento do tamanho do cérebro, relação com o meio ambiente e dos seres entre si.

À medida que se deu a evolução do gênero Homo, é possivel observar que o tamanho do cérebro foi aumentando (de 800 para 1.400 cm³). Postar-se de pé, entre outros fatores, significou liberar as mãos para locomover-se e transformar a natureza com maior agilidade e eficiência. De modo especial, mereceu des-taque a importância do dedo polegar opositor para se-gurar, atracar e manipular objetos.

A disponibilidade dos recursos naturais: ali-mento, água, rochas, abrigos, fogo etc. foram funda-mentais para a manutenção física da espécie. Por meio do relacionamento dos gêneros (macho-fêmea) se deu a perpetuação da espécie, a transmissão de caracterís-ticas genéticas e a multiplicação humana. A dispersão a partir da África e o povoamento do planeta Terra foram consequência do processo evolutivo.

Na África, há 2,5 milhões de anos, ocorreram mudanças climáticas que influenciaram o habitat. Um ambiente fechado, de florestas úmidas, foi transfor-mando-se em campos mais abertos, de florestas áridas (savana). A alteração climática ocasionou a redução da quantidade de alimentos.

O período coincide, por exemplo, na Etiópia e na Tanzânia, com a descoberta de ferramentas em pe-dras lascadas, que eram utilizadas pelo gênero Homo na coleta de alimentos mais duros: raízes e tubérculos. Desertificação e vida humana, pelo jeito, desde o início da história da humanidade, não combinam. Onde o fe-nômeno ocorre, grosso modo, parte da população pode morrer, se adaptar ou migrar. Veja o que diz um espe-cialista, a respeito da separação da ascendência hominí-dea para o gênero Homo no período mencionado: [...]Por volta de 2,5 milhões de anos atrás, e se sobrepondo em termos temporais com o Australopithecus[...] Há o gênero Homo[...] A maior parte dessas ocorrências são específicas da África oriental ou meridional e não há hominídeos co-nhecidos datados daquela época em qualquer outra região do continente ou do mundo. (FOLEY, 2003. p. 115).

Do lado esquerdo: reconstrução de um crânio do Australo-pithecus. Do lado direito: crânio do Homo Sapiens.

Savana africana: mudança climática ocorrida há 2,5 milhões de anos.

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Da África para o mundo, eles são os persona-gens de uma trama chamada humanidade.

Duas perguntas para a nossa reflexão: O que existe em comum e diferente entre o Homo sapiens ar-caico e nós? O que pode haver de comum e diferente entre eles: sapiens arcaicos e sapiens? Questões bastante complexas. Por isso mesmo, temos a obrigação intelec-tual de fazê-las.

Após a apresentação deste capítulo, nossas res-postas podem ser consideradas insuficientes, já que apenas uma síntese foi mostrada sobre um tema tão amplo, complexo, inconcluso, com visões e enfoques diferenciados, mas, nem por isso, superficiais.

As indagações estão colocadas. No final deste capítulo, as dicas do “Para Saber Mais” podem escla-recer ou aumentar o repertório de questões. É próprio da gênese humana questionar, protestar, formular e responder às perguntas. Todo homem é um filósofo (Gramsci), portanto, todos os homens e mulheres são sábios! Você sabe como começou essa história?

HOMO HABILIS – 2,4 A 2 MILHÕESDE ANOS

Homem habilidoso. O habilis viveu no leste e no norte africano. Foram descobertos apenas alguns restos fósseis, que exibem uma tendência clara para o aumento do tamanho do cérebro (500 a 650 cm³). São

HOMO ERECTUS – 2 A 1,7 MILHÕESDE ANOS

cerca de 30% maior, quando confrontados com os cé-rebros dos Australopithecus afarencis e africanus.

O Homo habilis vivia em grupo. Transportava alimentos, provavelmente restos deixados por grandes carnívoros (carniça), e usava ferramentas rudimentares de pedra lascada. Com a descoberta da espécie Homo rudolfensis, instalou-se uma discussão entre os pesqui-sadores, ainda não concluída.

O Homo rudol-fensis pode ser o mais antigo da espécie ha-bilis. Um fóssil datado de 1,9 milhão de anos foi encontrado, em 1972, no lado leste do Lago Rudolf, Qu-ênia, cujo nome de-nominou a descober-ta. Atualmente, ele se chama Lago Turkana. Em 1993, no Lago Malawi, fósseis en-

contrados foram datados em 2,4 a 1,6 milhões de anos. O volume craniano do Homo rudolfensis é maior (600 a 800 cm³), em relação ao Homo habilis. As duas espécies coexistiram há cerca de 2 milhões de anos. Não se sabe ainda qual das espécies é ancestral dos mais recentes exemplares do gênero Homo.

Reconstrução do crânio do Homo rudolfensis.

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Homem de postura corporal ereta. Manter-se de pé (bipedalismo), olhar de frente e para cima, com ple-no domínio corporal, só foi possível com a evolução da espécie durante milhões de anos. A principal diferen-ças, entre o Homo habilis e o erectus está no tamanho do cérebro. Com um volume craniano entre 900 a 1.200 cm3, o Homo erectus tem seu ascendente no Homo er-gaster. É, também, chamado de Homo sapiens arcaico.

Ele foi o primeiro a sair da África em busca de alimento. Os fósseis mais antigos foram descobertos a partir do século XIX, na China (Homem de Pequim – dispersão de 1,7 milhão de anos) e em Java, na In-donésia (dispersão de 1,6 milhão de anos). A partir dos anos 1950, foram loca-lizados fósseis, também, na África. O mais conhecido é o do “Menino de Turkana”, encontrado no lago de mes-mo nome, na fronteira entre Etiópia e Quênia. Trata-se de crânio datado em 1,8 milhões de anos. Eram ha-bitantes de cavernas, produ-

ziam e usavam ferramentas bem mais elaboradas (como machados de mão). Provavelmente, foi a primeira espé-cie a controlar o fogo. Esse marco no desenvolvimento humano aconteceu entre 1,5 e 1 milhão de anos. O controle do fogo, certamente, possibilitou o desloca-mento deles para os climas mais frios (Ásia-Europa).

HOMO SAPIENS – 200 MIL ANOSHomem sábio. O Homo sapiens é a única espé-

cie animal de primata bípede do gênero Homo sobre-vivente. Durante a era sapiens, ele ocupou a África, a Ásia e a Europa. A partir da era Homo sapiens sapiens, seus membros passaram a ocupar todos os quadrantes do planeta Terra, hoje soma 7 bilhões de habitantes.

Como foi visto, a caminhada da África para onde chegaram foi bastante longa. Quais explicações você co-nhece a respeito do povoamento dos continentes? Já ou-viu falar das hipóteses da radiação e a multiregional?

Entre os cientistas a teoria dominante é a da ra-diação, chamada também de origem única. Por meio de provas materiais, argumentam que o Homo sapiens arcai-co começou sua evolução na África há cerca de 2 milhões de anos. Percebe-se que a evolução sapiens foi longa e cheia de minúcias. Homo sapiens arcaico (erectusergastus), Homo sapiens e Homo sapiens sapiens. De acordo com os pesquisadores Walter Neves e Luís Beethoven: A saída do homem moderno da África para o resto do mundo se deu

Reconstrução do crânio do Homen de Pequim.

Reconstrução do Menino de Turkana.

Estátua de Homo Sapiens no Museu da Evolução Humana,em Burgos (Espanha).

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A presença do Homo sapiens (africano) na Euro-pa e na Ásia levou à extinção do Homo sapiens arcaico (homo neanderthalensis).

HOMO NEANDERTHALENSISEle está, em termo

de tempo, exatamente na transição da era Homo sa-piens – Homo sapiens sa-piens. É, também, chamado de sapiens arcaico. Convi-veu, conflitivamente, por cerca de 60 mil anos com o Homo sapiens africano e foi extinto. Contam-nos Neves e Piló [...] há 38 mil anos, ele [Continente Europeu] estava densamente ocupado

em três grandes episódios: um por volta de 120 mil anos, outro há cerca de 70 mil anos e o último e mais importante há aproximadamente 45 mil anos. (2008. p. 56).

A hipótese de evolução multirregional defende que populações regionais, anteriormente dispersas a partir da África (Homo erectusergastus, há mais de 1,5 milhão de anos) para a Ásia e a Europa, teriam evoluí-do lentamente e se dirigido rumo à Oceania e à Améri-ca. De acordo com essa hipótese, as características dos humanos modernos apareceram em alguns grupos e se espalharam por meio da miscigenação (fluxo gênico).

Com base na hi-pótese da origem única, concluimos que o povo-amento do planeta Terra coube aos três fluxos sa-piens dispersos a partir da África, respectivamente: 120, 70 e 45 mil anos atrás. Um dos motivos para os dois últimos gru-pos dispersarem-se pode estar relacionado aos im-pactos planetários, causa-dos pela supererupção do

vulcão do Lago Monte Toba, iniciada há 74 mil anos. Não podemos esquecer da importância que teve

o domínio de tecnologias que permitiram a dispersão

e a garantia da sobrevivência fora do continente afri-cano, em temperaturas muito frias. A partir da Europa e da Ásia foram povoados os demais continentes. O Homo sapiens só atingiu o comportamento moderno por volta de 40 mil anos atrás.

Reconstituição facial do Homo ergaster.

Reconstrução cranial do Homo ergaster.

Mapa da evolução multirregional.

Mapa da radiação (origem única).

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HOMO SAPIENS SAPIENS – 40 MIL ANOSA era Sapiens Sapiens é um período de culminân-

cia e desfechos da nossa história social e natural. É um momento de resumo, onde podemos visualizar a totali-dade das barreiras “erguidas” pelo meio físico à evolução humana. Foram desafios que obrigaram o gênero Homo a se superar. Vencer impecilhos que tornaram seus re-presentantes “donos” do planeta Terra, ultrapassando o período de busca de alimento – caçador-coletor (noma-dismo), chegando ao estágio sedentarizado (urbanizado).

Da experiência do Homo sapiens arcaico ao Homo sapiens sapiens, somam-se mais de 2 milhões de anos de evolução física e cultural. Nós somos o que somos porque os nossos antepassados souberam desar-mar as armadilhas “montadas” pelo meio ambiente.

Por armadilhas nos referimos aos impactos de grandes proporções ambientais, causadores de mu-danças climáticas, com interferências no modo de vida dos nossos antepassados: savana africana (2,5 milhões de anos), efeitos do vulcão Monte Toba (74 mil anos) e a última Era do Gelo (110 a 10 mil anos).

pelos neandertais, que resistiram bravamente à invasão do homem moderno [africano] por pelos menos 60 mil anos.. (2008. p. 58). O homo neanderthalensis foi uma espécie humana robusta que viveu durante os últimos 135 e 29 mil anos. Os fósseis mais conhecidos foram descobertos na Alemanha.

Aqueles que pensam que as mudanças do pla-neta se estagnaram, estão completamente enganados. O clima está mudando e os continentes continuam se afastando (cerca de 1 cm por ano). Novas mudan-ças climáticas estão previstas. O planeta, assim como a vida, continuam em plena erupção. A vida pulsa e os continentes se afastam. Quais as respostas para os novos desafios?

Reconstituição do homo neanderthalensis.

Erupção do vulcão Monte Toba.

Último período glacial, também conhecido como Idade do Gelo, ocorreu aproximadamente entre 110 a 10 mil anos

atrás e é a mais conhecida das glaciações.

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HOMEM DE CRO-MAGNON

Em 1868, um crânio foi encontrado pelo geólogo Louis Lartet na Gruta de Cro-Magnon, sul da França, e datado em 28 mil anos. Pelo visto os Cro-Magnon são sapiens sapiens originários dos fluxos de dispersão dos sa-piens africanos que, na Europa, com maiores evidências, ocuparam o território da França, Espanha e Portugal.

O povo de Cro-Magnon ocupava as mesmas cavernas durante todas as estações do ano, e tudo indi-ca que foram os primeiros a começar a desenvolver o estilo de vida sedentário. Migravam somente em caso de necessidade.

Os Cro-Mag-non faziam pequenas esculturas, gravavam e pintavam pedras (representações de ho-mens e animais). As pinturas rupestres, de surpreendente beleza, podem ser vistas em cavernas na França e na Espanha.

HOMEM AMERICANO – 14 MIL ANOS

Luzia – 11,5 mil anos – e Clóvis – 11,4 mil anos – são os dois fósseis do homem americano – mais co-nhecidos e envoltos em polêmicas. Eles são motivo de discórdia científica, quando se trata da datação da ocu-pação do continente americano, bem como da primeira etnia a chegar ao território brasileiro.

Quando se fala de Clóvis, os cientistas se di-videm em dois grupos de discussões: clovistas e pré--clovistas. Respectivamente, a maioria dos cientistas

No transcorrer do estilo de vida nômade (caça-dor-coletor) para a forma sedentária (fixação inicial, por conta do desenvolvimento da agricultura) são encontradas algumas respostas a respeito da gestação dos primeiros núcleos com características urbanas. O início das cidades europeias, asiáticas e orientais foi forjado a partir dessa reviravolta no estilo de vida no Paleolítico (2,5 milhões de anos a 10 mil anos a.C.).

Reconstituição do Homem de Cro-Magnon.

Crânio do Homem de Cro-Magnon.

Desenho nas cavernas de Lascaux, na França, feitas pelo Homem de Cro-Magnon.

Ossada encontrada em Lagoa Santa, MG, Brasil.

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LUZIA – 11,5 MIL ANOSO nome Luzia, na verdade um apelido, foi dado

por Walter Neves. Ele se inspirou em Lucy, fóssil Australopithecus afarensis de cerca de 3,5 milhões de anos, achado na Eti-ópia, em 1974, onde “passeou” inicialmente a nossa reflexão a res-peito dos seres humanos modernos e seu passado africano. Ao estudar a morfologia craniana de Luzia, Neves e Héctor Pucciarelli (do Museo de Ciencias Naturales

norte-americanos – defensores da Cultura Clóvis – e dos sul-americanos – defensores, entre outros, de Lu-zia. Entre os pré-clovistas, as conclusões em termos de tempo da ocupação do Brasil são bastante díspares. De modo geral, as datas da ocupação da América do Sul giram em torno de 12 mil anos atrás. No caso do Brasil, variam entre: 100 mil e 14 mil anos. As dife-renças de tempo estão em torno dos estudos efetuados em São Raimundo Nonato, no Piauí, e Lagoa Santa, em Minas Gerais.

A Cultura Clóvis é assim chamada desde 1932 por conta de o principal sítio arqueológico estar perto da cidade de Clóvis, Califórnia, EUA. Clóvis era tido, até o começo do século XX, como o mais antigo habi-tante da América. Essa visão vem sendo contestada nos

últimos anos por vá-rias descobertas que aparentam ser mais antigas. Entre elas, pelas provas (antro-pológicas-arqueoló-gicas) em Lagoa San-ta, Minas Gerais.

Segundo Ne-ves e Piló, quanto ao homem americano e, especialmente, aos primeiros brasilei-ros, argumenta-se que eles eram negroides

e originários da segunda onda de dispersão do Homo sapiens africano, ocorrida há 70 mil anos. Dizem eles: Dessa vez, nossos primeiros representantes limitaram sua expansão para fora da África à faixa de clima quente que acompanha o sul da Ásia, abaixo do Himalaia, tendo chegado ao Sudeste Asiático por volta de 60 mil anos e à Austrália por volta de 45 mil anos [aborígenes australia-nos]. É provável que os primeiros humanos que chegaram à América, por volta de 14 mil anos [Povo de Luzia], sejam derivados dessa expansão a partir do Sudeste Asiá-tico, só que em direção ao norte da Ásia, provavelmente, por via litorânea. (2008. p. 57).

Achados da Cultura Clóvis.

Aborígene australiano. Reconstituição facial de Luzia.

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de La Universidad de La Plata) identificaram traços semelhantes aos dos atuais aborígenes da Austrália e dos negros da África em Luzia.

O crânio de Luzia é de uma mulher com aproxi-madamente 20 anos de idade. Foi encontrado por uma missão arqueológica franco-brasileira, coordenada pela arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire, no iní-cio de 1970. Ele estava em Lapa Vermelha, município de Lagoa Santa, região metropolitana de Belo Horizon-te. Esse local é muito conhecido desde a segunda metade do século XIX, por descobertas arqueológicas do natu-ralista dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880).

Hector e Neves são autores da hipótese de que o povoamento das Américas teria sido feito por duas cor-rentes migratórias de caçadores-coletores, ambas vindas da Ásia, provavelmente pelo Estreito de Bering, e ultra-passado os dois continentes por meio de um braço de terra chamada Beríngia (que se formou com a queda do nível dos mares durante a última idade do gelo).

Disse Neves: O nosso continente foi colonizado por duas levas de Homo sapiens vindas da Ásia. A primeira onda migratória teria ocorrido há uns 14 mil anos e foi composta por indivíduos parecidos com Luzia, com mor-fologia não mongoloide, semelhante à dos atuais austra-lianos e africanos... A segunda leva teria entrado aqui há uns 12 mil anos e seus membros apresentavam o tipo físico

característico dos asiáticos, dos quais os índios modernos derivam. (Pesquisa Fapesp, número 195). Walter Alves Neves é arqueólogo e antropólogo, coordenador do La-boratório de Estudos Evolutivos Humanos do Institu-to de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).

Como foi visto, nossas raízes biológicas e cul-turais brasileiras têm origem na África. Todo ser hu-mano traz em si a forma inteira da condição humana. As diferenças de cor da pele encontram explicação na evolução biológica adaptativa. Sem atribuição de juízo valorativo, a antropologia classifica os grandes grupos humanos em “europoide” (branca), “mongoloide” (amarela) e “negroide” (negra).

A respeito do tema “raças humanas”, para apro-fundamento da nossa reflexão, veja o que diz o prof. Sérgio Pena: Não existem “raças” humanas. Elas são pro-duto da nossa imaginação cultural, um conceito emprega-do não só para estudar populações, mas também para criar esquemas classificatórios que parecem justificar a domina-ção de alguns por outros [...] A emergência do racismo e a cristalização do conceito de raças coincidiram historica-mente com dois fenômenos da Era Moderna: o início do tráfico de escravos da África para as Américas e o esvane-cimento do tradicional espírito religioso em favor de inter-pretações científicas da natureza [...] O genoma humano tem cerca de 20 mil genes e sabe-se que poucas dúzias deles

Fonte: OLIVEIRA, 2012. p. 27.

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controlam a pigmentação da pele e a aparência física dos humanos. Está 100% estabelecido que esses genes não têm influência alguma sobre qualquer traço comportamental ou intelectual. (2008. p. 10 e 14)

Como visto nos estudos a respeito do genoma humano, este não identifica diferenças intelectuais e comportamentais em pessoas, tendo por base os tipos de cores da pele humana. O termo “raça” é um con-ceito cultural que passou a ser difundido a partir da colonização portuguesa, no início do século XVI, algo

:: PARA SABER MAIS ::

• Pena,Sérgio.Humanidade sem raças?, SãoPaulo:PubliFolha,2008(Série21).

• NeveS,WalterAlvesePiló,LuísBe-ethoven.O povo de Luzia. São Paulo: Globo, 2008.

• FoLey,Robert.Os humanos antes da humanidade: uma perspectiva evolucionista. SãoPaulo:editoraUNeSP,2003.

• SitedaUNeSPdeAssis.oGênero Homo.• Documentário:Como nos tornamos huma-

nos: umahistóriadeadaptaçãoesobre-vivência.DvD.ediouro–Duettoeditora.

Habitante do Benin, África.

Habitante do Cazaquistão, Ásia.

Habitante de Cuba, América Central.

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erem torno de 500 anos, quando surgiria entre nós os termos “negros da terra” e “negros da Guiné”.

O termo raça foi ressignificado pelo Movimento Negro que, em várias situações, utiliza com um sentido político e de valorização do legado deixado pelos afri-canos. É importante, também, explicar que o emprego do termo étnico, na expressão étnico-racial, serve para marcar que essas relações tensas por conta das diferen-ças na cor da pele e traços fisionômicos o são também em virtude da raiz cultural plantada na ancestralida-de africana, que difere em visão de mundo, valores e princípios da de origem indígena, europeia e asiática. Fonte: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu-cação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africano (p. 13).

Ser negro no Brasil não se limita às características físicas. Trata-se, também, de uma escolha política. Por isso, o é quem assim se define [...] Cabe lembrar que preto é um dos quesitos utilizados pelo IBGE para classificar, ao lado dos outros – branco, pardo, indígena –, a cor da população brasileira. Pesquisadores de diferentes áreas, inclusive da educação, para fins de seus estudos, agregam dados relativos a pretos e pardos sob a categoria negros, já que ambos reúnem, conforme alerta o Movimento Negro, aqueles que reconhecem sua ascendência africana.

Fonte: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africano (p. 15).

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3 - NEGROS DA TERRA E NEGROS DA GUINÉ NAFORMAÇÃO DE GUARULHOS

A cidade foi fundada em 1560 e o ouro foi descoberto na região em 1597. A criação do Mu-nicípio se deu em 1880 e a libertação da escravidão no dia 13 de maio de 1888. Entre o ciclo do ouro (1597) e o da indústria (1960) encontra-se a proto-indústria, produção artesanal de telhas e tijolos cozidos, com início na transição do século XIX para o século XX. Período rico de acontecimentos históricos, como a chegada dos imigrantes estrangeiros, a libertação da escravidão, a proclamação da República, repovoamento do negro de Guarulhos (por meio da migração nacional – campo – cidade).

Dos 453 anos da história de Guarulhos, por 328 anos prevaleceu a forma de trabalho escravo – soma dos tempos de trabalho dos negros da terra e dos negros da Guiné. Toda a riqueza produzida no período tem as marcas das mãos escravizadas.

Tapuia. Obra de Albert Eckhout. Negro africano.

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De acordo com a Lei Municipal no 2.789/1983 Guarulhos foi fundada no dia 8 de dezembro de 1560 pelo padre jesuíta Manoel de Paiva. Em torno da data de fundação, do local da edificação da primeira capela do aldeamento e do povo aldeado não há consenso histo-riográfico. A emancipação de Guarulhos da Vila de São Paulo se deu quando foram criados os três poderes polí-ticos locais: Executivo, Legislativo e Judiciário, no dia 24 de março de 1880, por meio da Lei Provincial no 34.

Dos 453 anos da história da cidade, duran-te 320 anos da vida política e administrativa (aldeia [1560], distrito [1675] e freguesia [1685]), Guarulhos foi subordinado ao Município de São Paulo.

de Guarulhos. Os demais registros a respeito dos 320 anos de escravidão (anteriores à criação do Município de Guarulhos) se acham nos livros Atas da Câmara de Ve-readores de São Paulo e nos arquivos públicos da capital.

Antes da presença dos colonizadores portugue-ses em terras brasileiras e em Guarulhos, segundo Aziz Ab’ Saber, em Gênova, em 1447, havia sido decidido que o ouro era a base monetária internacional, tipo moeda única, a exemplo do dólar atualmente. A caça ao ouro teria sido um dos elementos propulsores, das incursões nas terras da Capitania de São Vicente. (Ab’ Saber, Aziz, 2004, p. 229).

No transcorrer do século XVI, alguns aconteci-mentos irão marcar definitivamente a história de Gua-rulhos. No dia 22 de janeiro de 1532, Martim Afonso de Sousa fundou a Vila de São Vicente. São Paulo foi fundado em 1554 e tornou-se vila em 1560, mesmo ano da fundação de Guarulhos. Passados 36 anos da funda-ção de Guarulhos, em 1597, Afonso Sardinha, o velho, e Afonso Sardinha, o moço, descobrem ouro na Serra Jaguamimbaba em Guarulhos (Taques 1980, p. 94, 95).

Procissão do Divino Espírito Santo em 1906 em frente à Igreja Matriz de Guarulhos (inaugurada em 1761). Aparentemente, os ho-mens negros que carregam o andor foram libertos da escravidão a aproximadamente 18 anos passados (Lei Áurea, 13/05/1888).

FUNDAÇÃO DE GUARULHOS

CRIAÇÃO DO MUNICÍPIO DE GUARULHOS

Do dia 24 de janeiro de 1881 ao dia 13 de maio de 1888, respectivamente, data da instalação e posse dos primeiros vereadores eleitos, bem como os sete anos que antecedem a libertação da escravidão, os registros se en-contram no primeiro livro Ata da Câmara de vereadores

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Em 1598, o governador geral das minas de ouro do Brasil, d. Francisco de Souza, ao ser informado dos achados dos Sardinha mandou da Bahia como admi-nistrador e capitão de São Paulo, Diogo Gonçalves Laço, o alferes Jorge João e os experimentados minera-dores: Gaspar Gomes Mualha e Miguel Pinheiro Zu-rara, todos com salários fixos. (Taques 1980, p. 33).

Em 1600 foi aberta a Estrada Geral (trechos das atuais, Avenida Guarulhos, Ladeira Campos Sales, Rua Dom Pedro II, Avenida Monteiro Lobato, Es-trada de Nazaré Paulista, Estrada do Saboo, Avenida Papa João Paulo I, entre outros trechos).

Em 1603 foi publicado o primeiro regimen-to das minas de ouro do Brasil e, em 1612, Geraldo

Correia Sardinha recebeu uma carta de sesmaria para minerar ouro no Rio Maquirobu (atual Rio Baquirivu Guaçu). Portanto, no início do século XVI já estavam dadas as condições materiais, políticas e jurídicas para a extração de ouro, prioritariamente, no território pau-lista. Obviamente, utilizando-se da força de trabalho escravo – dos negros da terra e dos negros da Guiné.

Do primeiro lote de escravos vendidos no mer-cado em Salvador, em 1550, ao início da descoberta do ouro em Guarulhos, já haviam decorrido 47 anos de efetivação do trabalho escravo no Brasil. A atividade de mineração de ouro em Guarulhos demarca o início da formação urbana da cidade, tendo por base o trabalho escravo. Por meio das mãos escravizadas foram abertas es-tradas, erguidas igrejas, construídas casas e lavrada a terra.

Registros documentais a respeito da existência de escravos negros em Guarulhos se encon-tram nos arquivos públicos da cidade de São Paulo e em dois livros dos cartórios da cidade, livros zero e um – “Livros de Registro de Propriedades”. Pode parecer estranho, mas não é. Es-cravo era propriedade de um ou de vários homens bons da terra, assim chamados por possuir fa-zendas, dinheiro, escravos, se-rem brancos e católicos.

A escravidão pode ser definida como o sistema de tra-balho no qual o indivíduo (o es-cravo) é propriedade de outro, podendo ser vendido, doado, emprestado, alugado, hipote-cado, confiscado. Legalmente, o escravo não tem direitos: não pode possuir ou doar bens e nem iniciar processos judiciais, mas pode ser castigado e puni-do. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Atual Ladeira Campos Sales, em 1925. Ao fundo, torre da Igreja Matriz (construída em

taipa de pilão, entre 1741 e 1761) vista a partir de trecho da antiga Estrada Geral.

DESCOBERTA DO OURO

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REGISTRO DE ESCRAVOS EM LIVROS DE PROPRIEDADES

Ser escravo era pertencer a um proprietário, portanto, passível de registro em cartórios. Da época, quando Guarulhos era freguesia (1685 a 1880), nos livros pares e ímpares, nos dois primeiros cartórios da cidade, há registros de propriedades rurais e partilhas de escravos nas divisões de bens.

O livro Guarulhos: cidade símbolo traz uma mos-tra do começo do século XIX, enfocando a quantidade de propriedades, o número de proprietários e de escra-vos. Nos livros do primeiro e do segundo cartórios de Guarulhos, na sequência dos livros pares (zero, dois, quatro etc.), o livro zero foi aberto em 26 de março de 1840 e está no segundo cartório. No primeiro cartório há os livros ímpares (um, três, cinco etc.). O livro núme-ro um foi aberto em 19 de setembro de 1875.

O tombamento das propriedades rurais de Gua-rulhos de 1817, feito pelos capitães Francisco Leandro Leme de Moraes e José de Almeida Ramos, registrou 183 escravos pertencentes a 28 proprietários de terras (a data coincide com o esgotamento da mineração de ouro). Localização dos proprietários por bairros: Bom Jesus – três; Bonsucesso – sete; Guavirotuba – três; Ita-verava – dois; Lavras – cinco; Pirucaia – quatro; São Gonçalo – um; e São Miguel (bairro dos Pimentas) – dois. De acordo com Noronha, os maiores proprietários

de escravos eram: Matheus da Silva Bueno (Itaverava), 50; Antônio Pedroso de Almeida (Bom Jesus), 18; alfe-res Félix da Silva Lopes (Guavirotuba), 16; alferes João Manoel Machado (Lavras), 15; capitão José de Almei-da Ramos (Lavras e Tapera Grande), 14. Livro Cidade Símbolo (p. 45). Do total de 183 escravos, 70 estavam distribuídos entre médios e pequenos proprietários.

Refletindo sobre a situação do negro escravizado no Brasil colonial, Walter e Wlamyra chamam a aten-ção para alguns aspectos: O índio escravizado era cha-mado de negro da terra, distinguindo assim do negro da Guiné, como era identificado o escravo africano nos séculos XVI e XVII [...} O apresamento de indígenas não atendia ao interesse da Coroa portuguesa de ligar o Brasil ao comér-cio europeu e africano [...] era uma atividade exclusiva dos colonos (colonizadores), dele ficava de fora o grande comer-ciante sediado em Portugal ou aquele que atuava no tráfico africano. (Uma história do negro no Brasil, pg, 40).

Mercado de Negros. Obra de Johann Moritz Rugendas, 1835. Local de venda de negros escravizados no Rio de Janeiro.

Livro de registro de propriedade de Guarulhos (inclusivede negros escravizados) de 1840.

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4 - MARCAS E MEMÓRIAS... A GUARULHOS DOS 328 ANOS DE ESCRAVIDÃO

Como vimos no capítulo anterior, nos 453 anos da história de Guarulhos, em 328 anos prevaleceu a forma de trabalho escravo. Antes de investirem maciçamente no tráfico africano, os colonos portugueses recor-reram à exploração do trabalho dos povos indígenas, e logo em seguida dos negros africanos.

Em Guarulhos, a mineração de ouro iniciada em 1597 com a descoberta das antigas lavras de Nossa Se-nhora da Conceição dos Maromomi, nome antigo de Guarulhos (1560–1640), foi atribuída ao bandeirante pau-lista Afonso Sardinha, o velho, e a seu filho, Afonso Sardinha, o moço, além de ao minerador Clemente Álvares.

Soldados índios de Curitiba escoltando selvagens. Obra de Jean-Baptiste Debret.

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Conforme o pesquisador João Barcellos, em O império do capitão Afonso, Sardinha possuía terras em Santos e fazia comércio de um pouco de tudo, incluin-do escravos. Quase sempre estava acompanhado pelo filho, o moço, e pelo perito em minas de ouro Cle-mente Álvares, que ele fez seu sócio. Quando Sardi-nha decidiu montar casa na Vila de Piratininga, já era um homem poderoso, e isso o deixou muito à vontade para se integrar ao poder político.

à conquista do Pico do Jaraguá (1593). Em 1597, che-gou a Guarulhos e estabeleceu garimpo na atual Serra do Itaberaba, nos bairros Capelinha e Morro Grande. Possivelmente, também no Tanque Grande.

Afonso Sardinha, o moço, morreu em com-bate em 1604, e seu pai Afonso Sardinha, o velho, em 1616. Corroborando as afirmações de Barcellos em um mapa intitulado Capitania de São Vicente e adjacências (original – 1553-1597), versão de Bene-dito Calixto de 1927 (acima), é possível visualizar a localização do Pico do Jaraguá, bem como a Serra Ja-guamimbaba (parte de Guarulhos – Itaberaba), o Rio Anhemby (Tietê), Guarus, São Miguel, Pinheiros, Ca-rapicuhyba, São Paulo de Piratininga etc.

Por mais de 300 anos, a maior parte da riqueza consumida no Brasil ou exportada foi fruto da explo-ração do trabalho escravo. As mãos escravas extraíram ouro e diamantes das minas, plantaram e colheram cana, café, cacau, algodão, entre outros produtos tro-picais de exportação.

Veja o que nos diz os historiadores Walter e Wlamyra: Os escravos também trabalhavam na agri-cultura de subsistência, na criação de gado, na produção

Assinatura de Afonso Sardinha, o velho. Data desconhecida.

Na casa da vereança da Vila de São Paulo, ele foi vereador-almotacel (controlador dos pesos e me-didas) e presidente da edilidade. Em 1592, propôs-se “capitão de gentes de guerra” para defender a vila e, ao mesmo tempo, cuidar dos seus interesses rurais e mineralógicos. Depois de ter faiscado e extraído ouro em Cubatão e em Guarulhos, ele saiu de Santos para fixar residência na Vila de São Paulo, e logo deu início

Capitania de São Vicente com as quatro vilas: São Vicente, Itanhaém, Santos, São Paulo e aldeamentos indígenas soba catequese dos padres jesuítas (1552-1597). Adaptada por Benedito Calixto.

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OS INDÍGENAS TUPI-GUARANI E OS NEGROS AFRICANOS NA MINERAÇÃO DE OURO

Em 1598, d. Francisco de Souza, governador--geral do Brasil à época, mandou trazer do Espírito Santo 200 “índios” para as minas de ouro de São Pau-lo, denominadas na época como: Jaguamimbaba, Jara-guá, Sorocaba, Paranaguá e Parnaíba.

O período de 1597 a 1820 compõe o início e o fim da mineração de ouro em Guarulhos, portanto, 223 anos de história que deixaram muitas marcas das “mãos” negras escravizadas na paisagem e na memória da cidade.

Em 1983, a arqueóloga Lúcia Juliani encontrou no garimpo de ouro do Ribeirão das Lavras um caco de cerâmica que possui traços em ‘x’ e zigue-zague. O emprego de incisões em estilos geométricos está re-lacionado aos padrões usuais no oeste da África. No Brasil, as decorações incisas foram associadas às po-pulações da África, inicialmente, por Dias Júnior. É necessário estudar a cerâmica encontrada no local para reconstituir e certificar-se da presença negra no garim-po de ouro do Ribeirão das Lavras.

de charque, nos ofícios manuais e nos serviços domésticos. Nas cidades, eram eles que se encarregavam do transporte de objetos e pessoas e constituíam a mão de obra mais numerosa empregada na construção de casas, pontes, fá-bricas, estradas e diversos serviços urbanos. Eram também os responsáveis pela distribuição de alimentos, como ven-dedores ambulantes e quitandeiras que povoaram as ruas das grandes e pequenas cidades brasileiras. (Uma história do negro no Brasil, p.65).

Há indícios históricos e arqueológicos de que pode ter havido uma combinação de trabalho escravo dos negros da terra e dos negros da Guiné nas lavras de ouro de Guarulhos. Paleoíndios, indígenas e negros africanos, possivelmente, ocuparam funções diferen-ciadas na cadeia produtiva das lavras de ouro.

Os paleoíndios Maromomi, os primeiros a “ha-bitar” Guarulhos, eram coletores e muito fortes. Co-

nheciam os caminhos e locomoviam-se rapidamente, tendo em vista a experiência em busca de frutos, raízes, mel, caça e pesca. Por serem hábeis “andarilhos”, por certo, a partir de 1640, foram intensamente utilizados no transporte de carga entre Guarulhos e o Porto de Santos, passando por Bonsucesso – sentido São Mi-guel Paulista ao Porto de Santos.

Lavagem do minério de ouro. Obra de Johann Moritz Rugendas. Caco de cerâmica encontrado no Ribeirão das Lavras, em 1983.

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No bairro das Lavras há um fragmento de uma parede de taipa de pilão, no bosque do loteamento Ma-ria Clara, mencionado como remanescente do Casarão do bairro das Lavras ou da senzala dos escravos.

Em 1795, constam registros no Arqui-vo Público do Estado de 249 pessoas caracte-rizadas como escravos no perímetro das lavras de ouro de Guarulhos, assim distribuídas: 23 no bairro do Senhor do Bom Jesus; 86 no bairro da Capela; e 140 no bairro de Lavras.

Mais três lugares são apontados como senzalas no perímetro das lavras de ouro. No Pico do Itaberaba existem fragmentos de uma parede de adobe da senzala dos escravos da Ta-pera Velha, local onde moraram os descendentes de famílias escravizadas: Beijo, Gino e Donária Pantaleão (relatos orais); no Tanque Grande, os alicerces da Casa de Pedra; e na casa sede da Fa-zenda Bananal. No caso desta última, atual Sítio da Candinha, não há dúvida sobre a existência de escravos na fazenda. Pesquisadores divergem apenas quanto à localização da senzala dos es-cravos. No casarão da fazenda, construído em 1825, suas grossas paredes de taipa de pilão tam-bém foram erguidas pelos braços escravizados.

A igreja e o cemitério da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Irmãos Pretos, bentos em 1750, foram patrimônios erguidos pela Irmandade dos Irmãos Pretos. Pela im-

Mapa da mineração de ouro de Guarulhos (adaptado). Fonte: Inst. Geográ-fico e Geológico – IGG/Sec. da Agricultura do Estado de São Paulo, 1950.

portância histórica que possui, no dia 8 de dezembro de 2008 a Rua Dom Pedro II ganhou uma marca es-cura no chão, símbolo que ilustra o uso exclusivo da igreja pelos escravos.

A Igreja do Rosário integrou o cenário do cen-tro histórico por 180 anos. Foi demolida após quatro anos de discussões (1927 a 1930), no mês de agosto de 1930. Em compensação, no local da Igreja dos Pretos, demolida na Rua Dom Pedro II, na atual Praça do Ro-sário, foi reconstruída outra igreja. Em 20 de novem-bro de 2010, por ocasião das comemorações dos 450 anos de fundação de Guarulhos, a Folha Diocesana informou a alteração do antigo nome Nossa Senhora do Rosário de Fátima para Nossa Senhora do Rosário, Mãe dos Homens Pretos, e São Benedito.

As confrarias ou irmandades religiosas, dedicadas à devoção de santos católicos, espalharam-se por diversas loca-

Parede de taipa de pilão. Bairro das Lavras, em Guarulhos.

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lidades brasileiras, destacando-se como instituições em tor-no das quais os negros se agregaram de forma mais ou me-nos autônoma. Elas funcionavam como sociedades de ajuda mútua. Seus associados contribuíam com joias de entrada e taxas anuais, recebendo em troca assistência quando do-entes, quando presos, quando famintos ou quando mortos. Quando mortos, porque uma das principais funções das ir-mandades era proporcionar aos associados funerais solenes, com acompanhamento dos irmãos vivos, sepultamento den-tro das capelas e missas fúnebres. (João José Reis. Revista Tempo, Rio de Janeiro, vol. 2, n° 3, 1996, p. 1)

As formas de organização e exploração da força de trabalho dos negros da terra e de africanos em Gua-rulhos duraram por mais de três séculos (1560–1888). Foram milhões de horas de trabalho e vidas humanas ceifadas para extrair o ouro, abrir caminhos, construir estradas, bem como as igrejas de Nossa Senhora da Con-ceição, do Bom Jesus da Cabeça, do Pirapora (antiga), de São Benedito e de Nossa Senhora do Bonsucesso.

Ainda não existe pesquisa para responder e talvez nunca saibamos quais foram os escravos que ergueram os aquedutos, as taperas, os casarões, os canais de mineração revestidos de pedra seca, os valos velhos de demarcação das propriedades, quais os componentes dos grupos de Mo-çambique, de Congadas, de Reisados etc., que hoje são considerados patrimônios culturais, materiais e imateriais.

Bertold Brecht, observando fatos da história e a construção de alguns monumentos reconhecidos

Trecho da escritura do terreno da Igreja da Irmandade dos Imãos Pretos de Nossa Senhora do Rosário da Fregresia de Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos (nome original),

lavrada no dia 30 de agosto de 1930.

como patrimônios da humanidade, não encontrou os nomes dos seus construtores e dos cozinheiros. Do outro lado da Calunga Grande (nome dado pelos ne-gros africanos no Brasil ao Oceano Atlântico) Brecht atreveu-se a perguntar:

“Quem construiu a Tebas de sete portas? Nos livros estão nomes de reis. Arrastaram eles os blocos de pedra? E a Babilônia, várias vezes destruída, quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas da Lima dourada moravam os construtores? Para onde foram os pedreiros na noite em que a Muralha da China ficou pronta? A grande Roma está cheia de Arcos do Triunfo. Quem os ergueu?

“Sobre quem triunfaram os Césares? A decan-tada Bizâncio tinha somente palácios para os seus ha-bitantes? Mesmo na lendária Atlântida, os que se afo-gavam gritaram por seus escravos na noite em que o mar a tragou. O jovem Alexandre conquistou a Índia. Sozinho? César bateu os gauleses. Não levava sequer um cozinheiro? Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada naufragou. Ninguém mais chorou? Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos. Quem venceu além dele? Cada página, uma vitória. Quem cozinhava o banquete? A cada dez anos um grande homem. Quem pagava a conta? Tantas histórias. Tantas questões”. Perguntas de um trabalhador que lê. (BRECHT, Poe-mas: 1913-1956, Brasiliense, 1986)

*

* Luís Ponte, mestre do grupo de Congada do Taboão, morador da antiga Estrada dos Veigas,

atual P.A. Paraíso. Foto da década de 1950/1960.

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MEMÓRIAS E IMAGINÁRIO – EXALTA-ÇÃO E CAPELAS DE SANTA CRUZ

A cruz é considerada o símbolo maior da fé cris-tã. No Brasil, a exaltação a Santa Cruz foi o primeiro ato religioso dos colonizadores que desembarcaram em Porto Seguro no dia 22 de abril de 1500. Esse foi o local da celebração da primeira missa, onde foi erguida uma cruz e batizaram o Brasil com o nome de Terra de Vera Cruz (1500 a 1501) e, depois, Terra de Santa Cruz (1501 a 1503). Os poleoíndios, os indígenas e os negros africanos eram considerados pessoas pagãs, por não serem batizados dentro da religião católica.

MEMÓRIAS E RESISTÊNCIASO processo de ocupação humana no território

não pode ser visto apenas do lado da produção de ri-queza econômica. Para além do processo produtivo, é possível observar nas múltiplas manifestações da cul-tura material e imaterial, na toponímia, no modo de se alimentar e de se vestir, como foi a interferência e a assimilação dos diferentes povos na localidade.

No tocante à resistência dos negros africanos escravizados em Guarulhos, seis aspectos chamam a atenção: as atitudes do preto Damião; a existência das igrejas dos negros, as festas da Carpição e de Nossa Senhora do Bonsucesso; o Ribeirão do Quilombo e o Capão do Quilombo; o aparato repressivo de combate às fugas de escravos.

Duto de 96 metros de extensão no Ribeirão Tomé Gonçalves. Água utilizada para extração de ouro, 2011.

Erguer uma cruz, construir uma capela para apresentar aos negros da terra e aos negros da Guiné – outro modelo religioso –, significava mais que uma premissa colonial. Era uma missão que extrapolava os limites terrestres, significava uma conquista para além dos limites físicos do território e das riquezas naturais. Era na verdade vencer a “disputa” no campo do imagi-nário religioso e, aí sim, conquistar as mentes e os co-rações dos habitantes do Novo Mundo: a conversão de povos politeístas (que acreditavam em vários deuses, considerados pagãos) para a religião cristã (crença em um único Deus, o monoteísmo). A conversão dos na-tivos era o maior objetivo da missão católica no Brasil.

Santa Cruz de Cabrália (BA). Coroa Vermelha, local da primeira missa celebrada no Brasil pelo Capelão da frota de Pedro

Álvares Cabral.

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Nesse contexto, Jesus Cristo, o filho de Deus, é apresentado pregado em uma cruz de madeira. A cruz, para os cristãos, simboliza ao mesmo tempo o sofrimento, a morte e a ressurreição de Cristo. Assim, como aconteceu em 1500 em Porto Seguro (exalta-ção a Santa Cruz) os colonizadores, por onde passa-ram, expandiram a religião católica, edificando cruzes e construindo pequenas capelas, chamadas de Santa Cruz. Guarulhos teve várias delas.

No mapa mais antigo de Guarulhos, datado de 1932, estão registradas sete capelas de Santa Cruz. Um detalhe chama atenção, todas estão localizadas às mar-gens de estradas. Na Capela de Santa Cruz da Praça Oito de Dezembro, outro fato desperta nosso olhar: a capela foi construída em meio a uma “aldeia” de negros africanos escravizados. Partindo do centro de Guaru-lhos pela antiga Estrada Geral, temos: Capela de Santa Cruz do Valo Velho (atual bairro Vila Fátima); San-ta Cruz do Taboão (Praça Oito de Dezembro, atual Paróquia Santa Cruz); Santa Cruz do Morro dos Sete Pecados (Estrada dos Veigas); Santa Cruz de Seis Pon-tes (Parque CECAP); Capela de Santa Cruz dos Olhos D’Água (Jardim Presidente Dutra, atual Paróquia de Santa Cruz); Capela de Santa Cruz da Estrada Velha de São Miguel (Cumbica); e a Capela de Santa Cruz do Cabuçu (Estrada do Morro do Sabão). Nos livros dos autores Noronha e Ranali citados nas referências bibliográficas, há registros de outras capelas de Santa Cruz em território guarulhense.

Capela de Santa Cruz, reconstruída no Sítio Bom Jardim, próximo à Praça Oito de Dezembro, no Taboão.

Interior da Capela reconstruída, onde estão as duas cruzes de cedro em homenagem ao negro sepultado na Praça Oito

de Dezembro, por volta de 1850.

Antiga Capela de Santa Cruz, na Praça Oito de Dezembro, no Taboão, demolida em 1965.

Réplica da Capela de Santa Cruz, inaugurada em 03/03/1980, no Sítio Bom Jardim.

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Cacilda Adão do Prado, Sítio Bom Jardim, 2013.

No centro da foto, Cacilda Adão do Prado entre familiares, s/d.

muita gente. Um dos escravos havia contraído a moléstia e faleceu. Como era muito querido, foi sepultado tendo duas cruzes de cedro. No local de sua sepultura é que nas-ceu a capela, e essas duas cruzes é que ainda figuram na pequena capela que a substituiu.

Finaliza a reportagem: Na Capela de Santa Cruz havia congadas, festas juninas, e o grande acon-tecimento foi a vinda da imagem de Nossa Senhora de Fátima, que ali esteve várias semanas quando da sua vinda de Portugal para o Brasil.

Segundo Cacilda Adão do Prado (89 anos de idade), certamente uma das herdeiras do escravo afri-cano sepultado na Praça Oito de Dezembro (1850), o terreno situado entre o CEU Taboão, o Supermercado Lopes, a Tecelagem Santo Amaro, o Centro Social da Igreja Católica e o Banco Bradesco (Rua do Bom Jesus) era uma aldeia de antigos negros de origem africana. Seu depoimento foi colhido no dia 24 de julho de 2013. No Sítio Bom Jardim, Praça Oito de Dezembro, os afrodes-cendentes moram e mantêm duas capelas de Santa Cruz em funcionamento. Esses Terrenos que foram reconhe-

Em um recorte de jornal não identificado, sem data, pertencente à família Adão Prado, extraímos as se-guintes informações a respeito da Capela de Santa Cruz do Taboão: A antiga Capela de Santa Cruz se erguia onde hoje se acha a Praça Oito de Dezembro (situada, exata-mente, onde está a base comunitária da polícia militar). Foi demolida [...] No entanto, as velhas imagens de an-tigamente foram abandonadas, o que revoltou os antigos moradores do bairro. Assim, reuniram as velhas imagens, as cruzes de cedro, o cruzeiro, e construíram a diminuta capela na Rua Manoela Pires Adão, seguindo fielmente a imagem da velha igreja, embora em tamanho reduzido, 2 x 2,20 m. A nova capela foi inaugurada em 3 de março de 1980.

Capela de Santa Cruz do Morro dos Sete Pecados, local-izada na Variante da Estrada dos Veigas.

Capela de Santa Cruz do Cabuçu, Estrada do Sabão.

Continua a reportagem: Sem documentação que comprove, a velha igreja de Santa Cruz foi erguida em meados do século XIX (1850) por um negro africano, a mando da princesa Isabel. O próprio imperador d. Pedro II, em suas viagens que fazia a São Paulo, costumava passar pelo Taboão e visitar a capela. Detalha o recorte de jornal: Houve uma época em que uma grande pra-ga assolou a região. Era a bexiga (Varíola), que matava

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Capela do Bom Jesus do bairro Capelinha, em Guarulhos, 1945.

MEMÓRIAS E IMAGINÁRIO – O BOM JESUS E CAPELAS

Não seria correto com a temporalidade históri-ca avançar o relato sem antes mencionar o negro Ray-

mundo Fortes, responsável pela construção da Capela do Bom Jesus da Cabeça, e também o que representou a introdução da imagem do Bom Jesus no imaginário da população negra escravizada no contexto colonial português e guarulhense.

Estão no território guarulhense três igrejas ca-tólicas dedicadas ao Senhor Bom Jesus: Bom Jesus da Capelinha, no bairro da Capelinha; Bom Jesus do Pi-rapora, no bairro do Macedo; e Bom Jesus da Cabeça, no Cabuçu.

Na agenda da Secretaria de Cultura estão as se-guintes informações: Capela do Senhor Bom Jesus da Cabeça, localizada no Cabuçu, foi construída em 1850, como capela particular de fazenda, pelo negro Raymundo Fortes, o mestre Raymundo, nas terras de Joaquina Fortes Rendon de Toledo, onde foi escravo e pajem. A primeira cabeça do Bom Jesus de Pirapora está cercada por lendas sobre sua origem e a forma como chegou até o Cabuçu. Foi venerada em oratório particular da fazenda por d. Joaquina até sua morte, quando passou ao mestre Ray-mundo, e deste para o neto, também Raymundo Fortes. (Agenda Cultura – julho de 2004).

No que diz respeito à introdução do culto ao senhor do Bom Jesus, a devoção a ele foi herdada da tradição medieval portuguesa. No Brasil, esse culto aparecerá sob vários nomes, que lembram os diversos

Capela do Bom Jesus do Pirapora no bairro Macedo, em Guarulhos, 2013.

cidos como seus, mediante processo judicial movido pelo advogado Miguel Mastrobuono Neto, formal de partilha, de 29 de abril de 1958, 16a vara cível da ca-pital, julgado por sentença no dia 7 de março de 1958.

De acordo com o depoimento da senhora Ca-cilda Adão do Prado, filha de Manoela Rafaela de Al-meida e de Joaquim Adão, além de neta da senhora Rafaela, a avó faleceu em 1942 aos 110 anos de vida. Portanto, a senhora Rafaela nasceu em 1832. Pela pro-ximidade temporal, conclui-se que Rafaela é contem-porânea do negro sepultado na Praça Oito de Dezem-bro. Ele pode ser, inclusive, filha ou irmã dele. Em re-lação ao conteúdo do processo movido pelo advogado Miguel Mastrobuono Neto, não tivemos acesso.

O processo judicial reconheceu a posse da terra aos filhos do casal Manoela Rafaela de Almeida e Joa-quim Adão, sendo eles: João Adão, Maria Adão Custo-dia, Cacilda Adão do Prado, Benedito Adão, Santa Adão, Josefina Adão, Nelson Adão e Odete Adão. Grande parte dos moradores do Sítio Bom Jardim ocupa terrenos her-dados que vêm da época da escravidão em Guarulhos.

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SOFRIMENTO E SALVAÇÃOA seguir, há um

trecho do sermão em que o padre Antônio Vieira equipara a vida dos es-cravos nos engenhos ao martírio de Cristo, pro-ferido em 1633, em um engenho baiano: Não se pudera nem melhor nem mais altamente descrever que coisa é ser escravo em um engenho do Brasil. Não há trabalho nem gê-

nero de vida no mundo mais parecido à Cruz e Paixão de Cristo que o vosso, em um destes engenhos. Bem aventurados vós, se soubéreis conhecer a fortuna do vosso estado e, com a conformidade e imitação de tão alta e divina semelhança, aproveitar o santificado trabalho. Em um engenho são imitadores de Cristo cru-cificado, porque padeceis em um mundo muito semelhante ao que o Senhor padeceu na cruz e em toda a sua paixão. A cruz foi composta de dois madeiros, e a vossa em um engenho é de três. Também ali não faltaram as canas, por-que duas vezes entraram na paixão: uma vez servindo para o centro do escárnio, e outra vez para as esponja em que lhe deram fel. A Pai-xão de Cristo foi de noite sem dormir, parte foi de dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os vossos dias. Cristo despido e vós despidos; Cristo sem comer, e vós famintos; Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os no-mes afrontosos, de tudo isto se compõe a vossa imitação, que, se for acompanhada de paci-ência, também terá merecimento de martírio.

O padre Antônio Vieira justifica o tra-balho infernal nos engenhos como forma de salvação das almas dos escravos, em 1633. Li-vro: Uma história do Negro no Brasil. (p.72).

momentos da paixão. A difusão desse culto foi bastan-te grande na São Paulo colonial. Santuários importan-tes surgiram em várias regiões, como em Iguape, Pirapora do Bom Jesus, Bom Jesus dos Perdões e Guarulhos. Não se pode esquecer de que os maiores santuários do Nordeste são dedicados ao Bom Jesus, como em Lapa e Monte San-to, no interior baiano, e a igreja do Bonfim, em Salvador. Com a introdução dos escravos africanos, que eram tra-tados com muito rigor na sociedade brasileira, a religião católica apresentava a figura de Jesus Sofredor, exemplo e refúgio para o cristão, que vive “num vale de lágrimas”. E para aqueles que aceitassem com paciência as agruras desta terra, prometia-se o Céu. Livro Revelando a Histó-ria do São João e Região. (p. 19).

Cabeça do Bom Jesus – Cabuçu

Capela do Bom Jesus da Cabeça do Cabuçu, em Guarulhos, construída em adobe, s/d.

Capela do Bom Jesus do bairro Capelinha, em Guarulhos, 1945.

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FESTAS DA CARPIÇÃO E DE NOSSA SENHORA DO BONSUCESSO

No mês de agosto de 2011 foram realizadas as festas da Carpição e de Nossa Senhora do Bonsucesso de no 270. Trata-se da segunda festa mais antiga do Brasil, de acordo com a coordenação do evento. Após 147 anos de sua primeira realização, ocorreu a liberta-ção dos escravos, em 1888.

A festa da Igreja do Bonsucesso é realizada em dois momentos. Antes da festa da padroeira, na pri-meira segunda-feira de agosto, acontece a Carpição; e no último dia de semana do mesmo mês é realizada a Festa de Nossa Senhora do Bonsucesso. No período da escravidão, o tempo de trabalho consagrado à limpeza do entorno da Igreja do Bonsucesso (carpir) pode ser calculado em 150 anos.

A Carpição é uma espécie de elo entre a religio-sidade politeísta e monoteísta. Os povos indígenas e os

negros africanos eram politeístas, ou seja, acreditavam em uma gama variada de deuses. Era comum venera-rem o Sol, a Lua, a terra, a chuva, o fogo etc. A forma-ção religiosa dos colonizadores portugueses (bandei-rantes, padres e agentes do governo) era voltada para a crença na existência de um único Deus, monoteísta. Católicos, evangélicos, judaicos e mulçumanos são exemplos de seguidores dessa formação religiosa.

A terra, desde a mais remota antiguidade, está as-sociada à vida, à procriação e à regeneração [...] Segura-mente herdamos de nossos ancestrais indígenas e africanos a necessidade de se ter símbolos materiais eloquentes e efi-cazes para acompanhar nossa vida. Mas a maior eficácia do efeito terapêutico da terra da Carpição está na fé das pessoas que vão ali buscar um auxílio para suas necessi-dades do corpo e da alma. Livro Revelando a história do Bonsucesso e região, p. 39.

Festa da Carpição, 2013.

Niv

aldo

Oliv

eira

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Pequena moenda portátil. Obra de Jean Baptiste Debret. Negros escravizados moendo cana-de-açúcar em engenho.

IGREJA DOS PRETOS DE NOSSASENHORA DO ROSÁRIO

A Igreja da Irmandade do Rosário dos Irmãos Pretos, benta em 1750, ficava a 250 metros de dis-tância e de frente para a Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos, templo de brancos, elevado à paróquia em 1685. A existência da Igreja do Rosário é simbólica, do ponto de vista da quantidade de negros escravizados e do grau de organização deles, ao ponto de erigir uma igreja e mantê-la funcionando por apro-ximadamente 180 anos na região central.

Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, 1928.

IGREJA DE SÃO BENEDITO DOSHOMENS PRETOS

Nas proximidades da Paróquia do Bonsucesso está a Capela de São Benedito dos Homens Pretos, que abriga a imagem de Santa Ifigênia. Trata-se de dois santos negros na hierarquia católica.

No início do século XVIII, os franciscanos portu-gueses trouxeram o culto de São Benedito ao Brasil, di-fundindo-o entre a população pobre e, sobretudo, entre os negros escravizados. Com a descoberta do ouro em Minas Gerais, houve uma grande concentração de negros nessa região, surgindo ali, então, muitas igrejas e capelas a ele dedicadas. Em Guarulhos, a Capela de São Benedito está próxima às antigas lavras de ouro, onde deveria haver muitas famílias negras. Deve ter sido construída no fi-nal do século XVIII, devendo ter abrigado também uma

Festa de São Benedito em frente à capela em Bonsucesso, s/d.

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QUILOMBOEm um mapa sobre ocorrências minerais em

Guarulhos, do Instituto Geográfico e Geológico de São Paulo (1950), na parte nordeste do município fica o Ribeirão dos Quilombos ou dos Pinheiros. Não é possível afirmar se no referido local houve somente trabalho escravo associado à mineração de ouro ou se existiu um quilombo, nos moldes de outras experiên-cias do território brasileiro.

Informações sobre o Capão do Quilombo podem ser encontradas no Livro de registros de propriedades do ar-quivo histórico municipal. Entre alguns moradores, a loca-lidade é conhecida por Morro do Quilombo. No Dicio-nário Aurélio, a palavra “capão” é definida como “porção de mato isolado no meio do campo”, enquanto “quilom-bo” significa “local constituído de negros fugidos”.

Não é possível afirmar com certeza que no local tenha existido um quilombo; talvez tenha havido uma casa de moradia de negros escravizados que trabalha-vam na mineração no Bairro das Lavras de Ouro.

QUILOMBOLASO pesquisador Clovis Moura, por meio de

um pequeno trecho do seu livro Rebeliões da senza-la: quilombos, insurreições e guerrilhas, narra uma si-

tuação que envolve repressão a escravos fugidos e o mecanismo de controle social da antiga Freguesia de Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos. Diz ele: Martim Lobo Sardinha, em 1776, mandava que o sargento-mor Teotônio José Zuzarte sem perda de tempo

Capela de São Benedito, no bairro Bonsucesso, 2012. Castigo de escravos. Obra de Jacques Etienne Arago, 1839.

Capitão do Mato. Obra de Johann Moritz Rugendas, 1835.

confraria [...] Com a abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888, em muitos locais sua festa passou a ser celebrada nesse mesmo dia. Em Bonsucesso, atualmente, é celebrada no dia 5 de outubro. Livro Revelando a Histó-ria do São João e Região (p. 23).

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Feitores castigando os negros. Obra de Jean-Baptiste Debret.

convocasse os auxiliares necessários para dar combate aos quilombolas que se encontravam na saída da cidade, na Aldeia Pinheiros e Sítio da Ponte [...] Mandava aquela autoridade que o capitão-mor providenciasse “capitães--do-mato e sertanejos” para desinfetar os caminhos [...] Mas, ao que parece, as coisas não iam muito bem. Os quilombolas continuavam desafiando as autoridades. Daí ter sido organizado um plano de proporções bem maiores para combatê-los. O governador Cunha Meneses enviou ofício aos capitães-mores dos bairros da Penha, Cotia, Santo Amaro, Conceição dos Guarulhos, Cangus-su e São Bernardo. No documento dava instruções para que fosse executado um plano de vasta envergadura con-tra os escravos fugidos. (MOURA, p. 228).

A partir do relato de Clovis Moura, é possível concluir que existia em Guarulhos um sistema de con-trole para combate de fugas e rebeliões dos escravos confinados no território da Freguesia de Nossa Senho-ra da Conceição dos Guarulhos. Quando necessário, as forças eram reunidas para a repressão dos rebelados.

MEMÓRIAS E SINCRETISMO RELIGIOSOA respeito das Igrejas das Irmandades do Rosário

dos Irmãos Pretos, a exemplo de Guarulhos, cabe des-tacar que representam uma estratégia de sobrevivência, uma vez que simulam incorporar totalmente os precei-tos católicos em detrimento da religião original africana.

É preciso considerar essas manifestações do Ca-tolicismo como uma espécie de comportamento social-mente aceito, que não exclui os cultos aos orixás, tal como se pode constatar no caráter a um só tempo sagrado e profano do tradicional ritual da Carpição, em Bonsuces-so, por isso mesmo incorpo-rado ao programa de ação do conjunto de entidades estruturadoras do Conselho das Religiões Umbanda e Candomblé de Guarulhos,

fundado em abril de 2010. O Conselho é formado por oito entidades: ATUCAG (Associação dos Templos de Umbanda e Candomblé de Guarulhos), INTECAB/SP, FENUG, FERO (Federação Espiritualista Reino dos Orixás), FETUCAM (Federação das Tendas de Umbanda e Candomblé de Guarulhos), MOVIASÉS (Movimento de União e Luta dos Asés), NAFRO/PM (PMs do Axé), UARAB (União dos Adeptos das Religi-ões Afro-brasileiras) e UMUG.

Esse segmento organizado da sociedade guaru-lhense, além de reivindicar o respeito às garantias cons-titucionais, constantemente agredidas, da “liberdade de consciência e de crença” e do “livre exercício dos cultos religiosos”, Constituição da República Federativa do Bra-

Integrantes do conselho das religiões Umbanda eCandomblé de Guarulhos, 2011.

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sil – Artigo 5o, inciso VI, tem sido decisivo no processo de releitura da cidade.

Exemplo disso é o evento Águas de Oxum, que nos últimos anos tem aberto o período de comemorações do aniversário de Guarulhos, em dezembro. “A cidade de Guarulhos”, dizem os di-rigentes da ARUAB, “nasceu das lavras de ouro [...], cujo regente é Oxum, assim tudo que for belo em nossa cidade terá bons frutos. O Águas de Oxum reúne um grande número de pessoas na Praça Getúlio Vagas, em torno da escultura Mãe Negra, de autoria do artista plástico paranaense Diógenes Fer-nandes, radicado em Guarulhos há mais de 35 anos. O monumento, instalado ali pelo Departamento de Bibliotecas da Secretaria Municipal de Cultura, foi inaugurado em 1990. Na ocasião, os participantes ‘la-vam’ a escultura com água de cheiro, flores e ervas, repetindo o gesto em outros marcos da presença negra na cidade, como a marca da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos existente no chão do Calçadão D. Pedro II.

Regendo em conjunto vem Xangô, promoven-do justiça e desenvolvimento; traz com ele Ogum, pois nossa cidade é caminho, tem seus caminhos abertos para o resto do País, e traz Exu como promotor de embates políticos e sociais, fazendo cada vez mais cres-cente a nossa periferia e ensinando a cobrar direitos. São essas as forças que regem nossa cidade”.

MEMÓRIAS DE NEGROS NALITERATURA GUARULHENSE

É razoável a quantidade de registros publicados em livros a respeito de alguns fatos relacionados à es-cravidão na cidade, bem como à presença negra. Do total aproximado de 20 livros, em oito há citações. Li-vros: Guarulhos cidade símbolo (1960); A ficção veste a história (1991); Ritos de passagem (2002); Retalhos gua-rulhenses (2004); Guarulhos século XX (2007); Guaru-lhos, espaço de muitos povos (2008); Casa da Candinha: ruptura e metamorfose (2011); Revelando a história do São João e região (2012).

ANDRÉTratando da localização e dos no-

mes dos pousos de tropeiros da Guaru-lhos colonial, mais especificamente sobre o ribeirão hoje canalizado sob a Avenida Tiradentes, na região central da cidade, Noronha fala do escravo André: A pro-pósito, anotamos uma curiosa observação do sr. Nicolino Rinalde. Esse ribeirão pos-suía três nomes distintos, respectivamente a trechos também diferentes. Somente no último é que se denominava “dos Cavalos”.

Na parte inicial, chamava-se Córrego do André, porque assim o batizou um antigo membro da família Ortiz de Camargo, em homenagem a um seu velho estimado escravo que ali falecera. (p. 49).

PRETO ROSENDOSeu nome aparece na história do bairro da Vila

Galvão sempre em meio a atividades culturais. Em dois livros do autor Lineu Roque Aceiro, Rosendo é mencio-nado três vezes. No livro Ritos de passagem, o autor fala do empréstimo que Rosendo fizera do salão da casa para uma seção de cinema. Pouco tempo depois, o salão se tornaria o primeiro cinema de Vila Galvão. Em Retalhos guarulhenses, descreve Lineu: Esta história, contou-a, há muitos anos, um ancião, belo tipo de velho, alto e desem-penado, de colete e olhos brilhantes [...] O preto Rosendo era um mineiro desbravador que fixou morada em Vila Galvão na década de trinta [...] Muito religioso, o velho referia casos, viagens e aventuras fantásticas. (p. 37)

Artista plástica Cidinha, funcionária da Secretaria daEducação de Guarulhos, 2013.

João Cândido: marinheiro e líder da Revolta da

Chibata, em 1910.

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VELHO NEGROAcerca da polêmica que envolve o possível per-

noite e passagem de d. Pedro I e de d. Pedro II por Guarulhos, Noronha traz a seguinte narrativa: O sr. Heraldo Evans, atual diretor da Fazenda da Prefeitu-ra, criou-se numa propriedade à margem da Estrada da Conceição, cujo primitivo leito conheceu. Aquele tempo obteve de um velho negro, que fora escravo em Guaru-lhos, o testemunho das passagens de d. Pedro II e da prin-cesa Isabel por esta cidade. (p. 50).

Clementina de Jesus, patronese de escola da Prefeiturade Guarulhos.

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NHÔ QUIM DE FERRO

Massami Kishi, em seu livro Guarulhos, século XX, com título Filho de escravo, não escravo, trouxe à tona um personagem negro muito conhecido na his-tória de Guarulhos, Nhô Quim de Ferro. O texto com foto conta sobre um homem negro e muito alto que teria sido o último escravo da Fazenda Bananal. Trata--se de Joaquim do Espírito Santo ou Joaquim Antônio dos Santos, apelidado Nhô Quim de Ferro. Era filho da escrava Josepha, que foi vendida pelo dr. João Ál-vares de Siqueira Bueno para sua irmã, Ana Maria de Crasto (provavelmente, Castro). Era casada com José de Almeida Barbosa, que se tornou proprietário da Fa-zenda Bananal como marido da herdeira. O local hoje é conhecido como Fazenda da Candinha (Cândida Maria Rodrigues Barbosa, segunda esposa de Olegário Barbosa, filho de José de Almeida Barbosa). Ana Maria registrou Josefa no livro de escravos [propriedades] no 5, folha 24, em 8 de abril de 1868. (p. 104)

No livro Guarulhos – espaço de muitos povos, p. 30, consta a foto de Nhô Quim de Ferro e uma descri-ção do contexto do período da escravidão na cidade. No livro Casa da Candinha – ruptura e metamorfose, de casa grande a centro de história e memória das culturas negras, o autor Elmi El Hage Omar, a partir das infor-mações do livro de Massami Kishi, problematiza algu-mas afirmações e traz novos dados sobre Nhô Quim de Ferro. (p. 34)

Nhô Quim de Ferro em Aparecida (SP).

NEGRO BEIJO

No livro Revelando a história do São João e re-gião, Antônio Bertozzi, no transcorrer de sua pesquisa, conseguiu localizar parte de uma parede de adobe da

Fragmento da parede da senzala da tapera velha dosescravos, 2012.

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JACINTO FLORESSegundo o advogado e ex-vereador Milton

Mesquita, que se lembra de poucos detalhes do pro-cesso, na década de 1970 foi procurado por uma fa-mília negra do bairro Cabuçu, que estava em conflito

casa “Tapera Velha dos Escravos”, Serra do Itaberaba. Segundo Bertozzi, nascido nas proximidades do antigo casarão que era propriedade de seu avô (também cha-mado Antônio Bertozzi), a “Tapera Velha” era uma senzala. Quanto aos ex-escravos, lembra-se do negro Beijo, nascido no sítio de Gino, seu filho, hoje mora-dor de Nazaré Paulista, e de Donária Pantaleão, bisavó materna de Antônio Bertozzi, depoente. (p. 59)

com uma pessoa por questões de titularidade da posse da terra. A família negra morava em uma propriedade e possuía um registro paroquial expedido pela Igreja Católica em nome de Jacinto Fortes (certamente her-deiro do escravo Raimundo Fortes, pajem da antiga proprietária da Fazenda Cabuçu, senhora Joaquina Fortes Rendon de Toledo). “Lembro-me que em 1970 houve uma desapropriação de 20 alqueires no bairro; o pagamento estava sendo destinado para uma pessoa que apresentou um título de propriedade registrado em cartório. Entrei com uma ação de usucapião, jun-tei nos autos do processo o título paroquial da família, consegui provar que era legítimo e ganhei a causa. O processo deve estar no arquivo judiciário em Jundiaí.”

:: PRETO DAMIÃO, VÍTIMA DAS SUTILEZAS DO RACISMO ::

Os paroquianos adoravam o preto Damião. O vigário, então, nem é bom falar. A seguir é descrito como começa a narrativa de O velório, um dos contos do livro A ficção ves-

te a história: episódios evolutivos de uma cidade, escrito por João Ranali (1912-2007) – respeitado escritor e cronista da história guarulhense – e publicado em 1991.

A estória se passa 300 anos antes (1691), no auge do regime escravista no Brasil, e trata da existência de um morador conhecido como Preto Damião. O narrador o descreve como um negro cioso de sua dignidade e valor, e informa ser ele o grande fujão da vila. Por não ter vocação para andarilho nem alegrar-se com o viver escondido nas florestas, refugiava-se sempre na igreja de Nossa Senhora da Conceição, onde encontrava os olhares amigos e sem reprimendas de Yansã, que o protegia de todas as tempestades.

É o único caso em Guarulhos, registrado em livro, de um negro escravizado que se rebelou contra seu dono. Além de recusar o trabalho forçado, professava publicamente o seu sincretismo religioso, referindo-se a Nossa Senhora da Conceição ora como Yemanjá, ora como Yansã, deusas da mitologia africana. O orgulho batia forte no coração daquele mulambo de gente, diz o narrador, mulambo apenas na sua configuração externa, pois não havia força capaz de alterar-lhe a fibra interior onde uma personalidade justicei-ra e sofrida mantinha-se vigorosa, em toda a sua majestade.

Ao conferir dignidade à figura do Preto Damião, a narrativa se di-ferencia das abordagens com que a literatura brasileira costuma vestir a história, depreciando os personagens negros com um discurso quase sempre eurocêntrico. No final do conto, porém, ao descrever o velório de um Preto Damião consumido pela velhice, o narrador faz uso de um adjetivo, grifado por nós, que acaba por denunciar as sutilezas da ideo-logia do racismo, que justifica a escravidão, e que persiste, ainda hoje, a assombrar os corações e a mentalidade dos brasileiros:

E a vila inteirinha foi chegando para desfilar o seu rosário de saudade e de preces pela alma branca daquele preto velho que só o bem semeara neste mundo que tanto o maltratara.

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5 - GUARULHOS: DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃOÀ INDUSTRIALIZAÇÃO

No início do século XIX, o cenário do tráfico transatlântico de escravos começou a sofrer questionamentos e proibições. Foram os primeiros sinais da Revolução Industrial para além dos muros ingleses. No primeiro momento da Revolução Industrial (1780-1830), o mundo rural e urbano começou a sentir os impactos das máquinas introduzidas no processo de produção de mercadorias. Sinais de novos tempos nas relações produtivas.

Enquanto isso, no Brasil, intensificou-se a formação de um mercado interno de venda de escravos. Ci-dades iriam despovoar-se, enquanto outras ganhariam novos habitantes. Em Guarulhos, verificou-se redução no número de habitantes na segunda metade do século XIX, possivelmente, relacionada à venda de escravos no mercado interno.

Revolução Industrial, máquina de obras de Richard Hartmann, 1868. Autoria desconhecida.

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Em 1807, a Inglaterra, pressionada internamen-te por forte movimento abolicionista e por grandes interesses de grupos econômicos, suscitados pela Re-volução Industrial, decretou o fim do tráfico para suas colônias americanas e, em 1833, declarou abolida a es-cravidão. Nesse ínterim, no Brasil de 1810, a Família Real, na pessoa do príncipe português d. João VI, se viu forçado a assinar um tratado no qual se comprometia a cooperar com Sua Majestade britânica, na “gradual abolição do comércio transatlântico de escravos”.

Em 1815, o governo inglês, no Congresso de Viena, aprovou uma resolução proibindo o tráfico ao norte da linha do Equador. Em 1817, d. João VI pos-sibilitou à Marinha britânica a visita e busca aos navios suspeitos de comércio ilícito de escravos. Em 1826, em troca do reconhecimento da Independência do Brasil, o governo inglês exigiu o fim do tráfico em três anos. No dia 7 de novembro de 1831, o Parlamento brasileiro aprovou uma lei proibindo a importação de africanos.

O empenho da Inglaterra se explica pelo fato de o Brasil ter sido forte concorrente da exploração de açúcar nas colônias inglesas do Caribe. Houve a neces-

GUARULHOS E O MERCADONACIONAL DE ESCRAVOS

Na segunda metade do século XIX, Guarulhos vivenciou duas situações que, para os dias de hoje, po-dem ser consideradas, no mínimo, estranhas: a deca-dência econômica e a redução populacional. Encon-tramos duas afirmações sobre os temas no livro Cidade símbolo e em um relatório de visitantes dos garimpos de ouro de Guarulhos do século XIX, citado pelo geó-logo da USP-SP, Caetano Juliani.

sidade de plena abertura do mercado interno para os produtos da Revolução Industrial. Além dos ingleses, a pressão pela abolição do tráfico contou com o apoio de diversos setores da sociedade brasileira.

A pressão pelo fim do tráfico transatlântico for-taleceu o comércio de escravos no mercado interno brasileiro. Muitas cidades do Brasil sofreram esvazia-mento populacional. Enquanto isso, os que já eram ricos enriqueceram ainda mais, transportando e ven-dendo gente no mercado interno.

Cerâmica Paulista (Vila Galvão): primeira fábrica de Guarulhos e primeira cerâmica mecanizada do Brasil, 1911.

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ESGOTAMENTO DA MINERAÇÃODE OURO

Opiniões semelhantes expressam o geólogo da USP Caetano Juliani e o ex-vereador Adolfo de Vas-concelos Noronha. Segundo Juliani: O declínio da ati-vidade de extração de ouro em Guarulhos aconteceu no início do século XIX, como relatado por Mawe (1812) e Eschwege (1833). O primeiro visitou as minas de ouro de São Paulo e Guarulhos, em atividade em 1808; e o segundo, em 1918, quando já paralisadas” continua Ju-liane em seu relato que o decréscimo da mineração em São Paulo aconteceu em consequência da imigração dos bandeirantes paulistas para os distritos mais ricos de Minas Gerais, Bahia, Goiás e Mato Grosso.

Segundo Noronha: Quando se paralisou a mine-ração do ouro, nos fins do século XVIII, muitos negros da-qui se foram, acompanhando os seus senhores, na deban-dada que marcaria a decadência do povoado guarulhense. (Cidade Símbolo, p. 45).

Em 1804, de acordo com dados populacionais obtidos no Arquivo Pú-blico do Estado de São Paulo, na então fre-guesia de Nossa Se-nhora da Conceição dos Guarulhos havia 3.435 habitantes. De-clarados como escravos havia 705, sendo 349 homens e 356 mulheres. Em 1822, ocorreu a redução da população para 3.049 habitan-tes. Em 1874, a população da cidade reduziu ainda mais e caiu para 2.379 pessoas. Em 70 anos (1804–1874), houve redução demográfica. A população, que era de 3.435, passou a 2.379, um despovoamento de 1.056 pes-soas. Desse total, não se sabe qual a quantidade de óbitos.

Nas duas citações dos pesquisadores Juliani e Noronha percebe-se um fator particular atribuído ao despovoamento. As afirmações dão conta de uma rea-lidade particular da cidade (fim da exploração de ouro)

e não levam em consideração o contexto geral, no qual estava o Brasil e a cidade de Guarulhos na época. Mui-tas outras localidades do território brasileiro, que não tiveram esgotamento de atividades minerais, no mes-mo período, também sofreram redução populacional, e certamente retração econômica, haja vista que toda a riqueza vem do trabalho.

População de Guarulhos

Ano População

1804 3.435

1822 3.049

1874 2.379

DECLÍNIO DEMOGRÁFICOEM GUARULHOS

O decréscimo demográfico verificado em Gua-rulhos, associado ao esgotamento da mineração de ouro, pode também estar ligado a um fenômeno geral das economias escravocratas, constatado na segunda metade do século XIX. As tentativas de eliminação do tráfico transatlântico de escravos levaram à formação de um mercado nacional de venda de homens e mu-lheres negras, denominado tráfico interprovincial, ou seja, entre Estados. Em 1845, o Parlamento britânico aprovou uma lei que permitia o apresamento e confisco de navios brasileiros suspeitos de transportar escravos.

Em 4 de setembro de 1850, por pressão da Ma-rinha inglesa, os deputados brasileiros aprovaram a Lei Eusébio de Queirós, proibindo o tráfico negreiro.

A abolição do tráfico transatlântico reconfigu-rou o mercado de escravos no Brasil. Por não ser possí-vel renovar a população escravizada, seu preço se sobre-valorizou. Logicamente, o número de africanos tendeu a diminuir, enquanto o número de crioulos (negros nascidos no Brasil) tendeu a crescer na população cativa. O preço dos cativos aumentou rapidamente depois de 1850, e isso teve como consequência a concentração dos escravos em mãos de um número cada vez mais reduzido de proprie-tários. Os menos afortunados vendiam seus escravos para os mais ricos. (Uma História do Negro no Brasil, p. 60).

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MERCADO INTERPROVINCIAL DEESCRAVOS

Entre 1871 e 1881, estima-se que mais de 300 mil escravos foram vendidos no mercado interno bra-sileiro, especialmente das regiões nordestinas para as plantações de café do Sudeste. Os homens e mulheres vendidos no tráfico interprovincial foram submetidos a uma forma de desenraizamento, algo semelhante ao drama experimentado por seus pais e avós africanos durante o tráfico transatlântico.

De volta aos dados populacionais de Guarulhos de 1874, auge do mercado nacional de escravos, obser-

vamos que foi o período em que a cidade teve o menor número de habitantes, 2.379, redução de 1.056 pesso-as em relação aos dados populacionais de 1804. O fato pode estar associado ao comércio interno de escravos.

Noronha, referindo-se aos fins do século XVIII, afirmou: “Muitos negros se foram, acompanhando os seus senhores.” Talvez seja uma forma de abrandar o processo inicial de venda de pessoas negras no merca-do interno de escravos ou, também, é possível pen-sar que os donos de garimpos de ouro daqui tenham partido em busca de outras localidades de mineração, levando os negros escravizados.

Negros no tronco. Obra de Jean-Baptiste Debret.

Punição pública de escravos. Obra de Johann Moritz Rugendas.

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CRIAÇÃO DO MUNICÍPIODE GUARULHOS

Guarulhos tornou-se “vila” ao deixar de ser fre-guesia da Vila de São Paulo por meio da Lei Provincial no 34, acontecimento que marcou sua emancipação e a criação dos três poderes do Estado moderno no local: Legislativo, Executivo e Judiciário.

Guarulhos, então, passou a ser chamada de Vila de Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos, ou simplesmente Conceição dos Guarulhos, ou, ainda, Conceição, em referência à santa padroeira. A posse dos primeiros vereadores, no total de sete, e do inten-dente ocorreu no dia 24 de janeiro de 1881. A organi-zação da eleição levou 12 meses (24 de março de 1880 a 24 de janeiro de 1881), o que levou à organização do processo de eleição dos primeiros vereadores e do intendente (cargo atual de prefeito).

JUNTA CLASSIFICADORA DE ESCRA-VOS DE GUARULHOS – FUNDO DE INDENIZAÇÃO AOS PROPRIETÁRIOS

A partir do ato de criação do município, Gua-rulhos ganhou autonomia política e administrativa. Os vereadores da Vila da Conceição dos Guarulhos passa-ram a receber informações do presidente da Província sobre as juntas classificadoras de escravos, bem como do fundo de emancipação dos escravos. O primeiro

Paço Municipal, esquinas das Ruas Sete de Setembroe Felício Marcondes.

comunicado foi feito em 1882, quando a Câmara de Vereadores era presidida pelo capitão Joaquim Francis-co de Paula Rebello – seção aos 8 de outubro de 1882.

Ao meio dia acharão-se presentes no Paço da Câ-mara Municipal desta Villa da Conceição dos Guaru-lhos os senhores Rebello, Miranda, Ortiz de Camargo, Silveira Ramos e Rodrigues. Aberta a seção e lida a Ata da anterior aprovada. Expediente. Lerão-se os seguintes ofícios: Do presidente da Província, comunicando que a quota para o fundo de emancipação [de escravos] deste município era de 216$376 (duzentos e dezesseis mil e tre-zentos e setenta e seis réis), e que havia marcado o dia 21 de setembro findo para se reunir à junta de classificação e acertar os seus trabalhos. 1o Livro de Atas, p. 29. (Em algumas palavras foi mantida a grafia da época).

Ata de 18 de fevereiro de 1883: Expediente: Leo--se uma circular do presidente da Província de 10 do mez de fevereiro findo sobre as relações dos escravos classifica-dos e libertados pelo fundo de emancipação. 1o Livro de Atas, p. 37.

Ata de 22 de julho de 1883: Expediente: Huma circular do presidente da província datada de 2 do corren-te a junta classificadora de escravos que se cazou durante os trabalhos da respectiva junta. 1o Livro de Atas, p. 42.

Ata da Câmara de Vereadores do dia 8 de outubro de 1882.

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ALISTAMENTO DE ESCRAVOSAta de 8 de junho de 1884: Expediente: Huma

circular do presidente da Província datado de 17 do mês de julho do corrente... tratando sobre alistamento de es-cravos. 1º Livro de Atas, p. 64.

Ata de 27 de fevereiro de 1887: Expediente: Hum ofício do presidente da Província de 21 de junho [...] comunicando que designou o dia 30 do mesmo mês para reunião da junta classificadora de escravos da capi-tal [...] 1º Livro de Atas, p. 113. Informações sobre a junta e o fundo, do período de 1872 –1881 estão no Arquivo do Estado e no Arquivo Washington Luiz, ambos na cidade de São Paulo.

LEI DO VENTRE LIVREAs juntas classificadoras de es-

cravos e os Fundos de Emancipação, espécie de “política pública”, foram implantados para indenizar os donos de escravizados em 13 de novembro de 1872, data da aprovação do regu-lamento geral para execução da Lei do Ventre Livre, votada no dia 28 de setem-bro de 1871, e da Lei dos Sexagenários, de 1885. A Lei do Ventre Livre considerava

“livre” todos os filhos de mulheres escravizadas nas-cidos a partir de 1871. Como seus pais continuariam escravizados, a lei estabelecia duas possibilidades para as crianças que nasciam livres: ficarem aos cuidados dos senhores até os 21 anos de idade ou serem entre-gues ao Governo. O primeiro caso foi o mais comum e beneficiaria os senhores que poderiam usar a mão de obra desses “livres” até os 21 anos de idade.

Veja trechos das leis de 1871 e 1885:Art. 1o – Os filhos de mulher escrava que

nascerem no Império desde a data desta lei serão considerados de condição livre. § 1o

– Os ditos filhos menores ficarão em po-der ou sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de receber do Es-tado a indenização de 600$000, ou

de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No pri-

meiro caso, o governo receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade da pre-

sente lei. (Lei no 2.040, de 28 de setembro de 1871.)  

Roda dos desvalidos das Santas Casas.

A emancipação dos negros. Obra de Thomas Nast, 1863.

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LEI DOS SEXAGENÁRIOSA Lei no 3.270, também conhecida como Lei

dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotegipe, foi promul-gada a 28 de setembro de 1885 e garantia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade. A lei foi sancionada pela princesa Isabel, em nome do impera-dor d. Pedro II, em 28 de setembro de 1885.

TABELA DE PREÇOS POR PESSOA LIBERTA

Da matrícula: Art. 1o:  Proceder-se-á em todo o Império a nova matrícula dos escravos, com declaração do nome, nacionalidade, sexo, filiação, se for conhecida, ocupação ou serviço em que forem empregados, idade e valor calculado conforme a tabela do §3o o valor a que se refere o Art. 1o será declarado pelo senhor do escravo, não excedendo o máximo regulado pela idade do matri-culando conforme a seguinte tabela: escravos menores de 30 anos, 900$000; de 30 a 40, 800$000; de 40 a 50, 600$000; de 50 a 55, 400$000; de 55 a 60, 200$000.

Das alforrias e dos libertos: Art. 2o: O Fundo de Emancipação será formado: I - Das taxas e rendas para ele destinadas na legislação vigente (...) Trechos da Lei no 3.270, de 28 de setembro de 1885.

Art. 3o: Os escravos inscritos na matrícula serão libertados mediante indenização de seu valor pelo Fundo de Emancipação ou por qualquer outra forma legal.

Em linhas gerais, todo ano, no mês de julho, em cada município do Império, a junta classificadora de es-cravos deveria verificar quais escravos estariam em condi-ções de serem alforriados pela quota do Fundo destinada àquela localidade. O Regulamento aponta que qualquer pessoa do povo poderia levar informações relevantes para os trabalhos da classificação e que a junta, por sua vez, poderia exigir esclarecimentos aos senhores ou possuidores de escravos. Classificar, comprar e emancipar: a liber-dade como política de Estado (São Paulo, sec. XIX). Roberto Ravena Vicente.

A lei de 28 de setembro de 1871, que instituiu as juntas classificadoras de escravos e os Fundos de Emancipação, também serviu de base para a liberta-ção dos “africanos livres”. O termo “africanos livres” surgiu no Brasil, na segunda metade do século XIX, após a proibição do tráfico negreiro. Esse termo era utilizado para caracterizar os negros capturados em navios clandestinos, após a edição da Lei Eusébio de Queirós (1831).

Internato Anália Franco, no início do século XX (antigo internato do padre Regente Feijó), situado no atual Jardim Anália Franco. Na foto, percebe-se muitas crianças negras.

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LEI ÁUREAA princesa imperial regente, em nome de Sua

Majestade, o imperador e senhor d. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembleia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte: Art. 1o: É decla-rada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil. Art. 2o: Revogam-se as disposições em contrário. Manda, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém. Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

GUARULHOS: INDUSTRIALIZAÇÃO E EMBRANQUECIMENTO DO TRABALHO

Entre o fim da extração de ouro e o ciclo in-dustrial, existiu uma atividade econômica na cidade de muita visibilidade: a fabricação de tijolos cozidos e te-lhas. Iniciada a partir da segunda metade do século XIX, a produção oleira guarulhense se posiciona no mesmo período da eclosão da Revolução Industrial. Foi a par-tir da produção oleira artesanal (protoindústria) que se deu o estabelecimento da primeira indústria no muni-cípio, a Cerâmica Paulista – edificada em Vila Galvão

TOTAL DE AFRICANOS ESCRAVIZADOSO Brasil foi a última nação da América a abolir

a escravidão. Entre 1550 e 1850, data oficial do fim do tráfico de negros, cerca de 3,6 milhões de africanos chegaram ao Brasil. A escravidão é um capítulo longo e desumano da História do País. A História nos permi-te conhecer o passado, compreender o presente e pode ajudar a planejar o futuro. A Lei Áurea declarou extin-ta a escravidão no Brasil. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Castigo de escravo em praça pública. Obra de Jean-Baptiste Debret, 1826.

Família do imigrante italiano José Saraceni, um dosprimeiros industriais de Guarulhos, 1919.

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RECENSEAMENTO DEMOGRÁFICO (1872) – SERVIÇO NACIONALDE RECENSEAMENTO

Brancos, pretos, amarelos e pardos somam o total de 9.930.478 pessoas, sendo 3.787.289 brancos; 1.954.452 pretos; amarelos inexistentes; e 4.188.737 pardos. Os dados populacionais do Censo IBGE 2010 apontam 1.222.357 habitantes em Guarulhos. De

em 1911. Foi também, a primeira cerâmica mecaniza-da do Brasil. A protoindústria, bem como a formação da indústria no município, estão inseridas no contexto da mundialização das relações do Capitalismo.

A partir de 1870, por meio da migração incen-tivada, intensificou-se o desembarque nos portos bra-sileiros dos imigrantes estrangeiros: italianos, alemães, espanhóis, portugueses, libaneses e japoneses, além de produtos e tecnologias necessários ao modelo de ex-pansão capitalista-industrial.

O tecido social guarulhense, historicamente, teve sua formação em quatro grandes fluxos de pes-soas: colonizadores portugueses, transplantação for-çada de indígenas e de negros africanos, imigrantes estrangeiros e nacionais. Tradicionalmente, os termos “imigrante” e “migrante” são usados, respectivamente, para pessoas estrangeiras e para deslocamentos popu-lacionais dentro do próprio país. Nessa oportunidade os dois conceitos serão empregados como “imigrantes estrangeiros” e “nacionais”.

Da edição do jornal Folha Metropolitana, do dia 22 de agosto de 2011, retiramos a seguinte afirmação do jornalista Wellington Alves: Apesar de quase metade da população guarulhense ser formada por negros, como aponta o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística (IBGE), o índice de autoridades muni-cipais que se enquadra entre pretos e pardos é de somente 17,1%. Um panorama que revela – segundo especialistas – a necessidade de os negros continuarem buscando espa-ços na sociedade.

Os dados do Censo 2010 não causam surpresa. No Censo de 1872, o primeiro censo social do Brasil Império, preto e pardos totalizavam 62% da popula-ção brasileira.

Recenseamentos demográficos (1872)Serviço Nacional de Recenseamento

Brancos 3.787.289Pretos 1.954.452Amarelos InexistentesPardos 4.188.737Total 9.930.478

acordo com o jornal Folha Metropolitana, cerca de 600 mil são pessoas negras. No contexto deste trabalho, cabe uma pergunta: Como se deu a formação desse ex-pressivo segmento do povoamento da cidade? Será que são remanescentes das sucessivas gerações dos povos africanos transplantados e escravizados em Guarulhos?

Movimento Hip Hop em Guarulhos, 1997.

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Nos primeiros 80 anos da história de Guaru-lhos (século XIX), foi analisado o processo de declínio populacional e econômico da cidade. Em 1804, de acordo com os dados populacionais do Arquivo Pú-blico do Estado, 3.435 pessoas habitavam Guarulhos. Declarados como escravos 705, sendo: 349 homens e 356 mulheres (20,5% da população).

Essa porcentagem é discrepante em relação aos dados populacionais do censo brasileiro de 1872 – no qual pretos e pardos aparecem com 62% de presença. O tombamento das propriedades rurais de Guarulhos de 1817 registrou 183 escravos, pertencentes a 28 pro-prietários de terras; portanto, o número de escravos tem redução de 522 pessoas em relação a 1804.

Em 1874, a população de Guarulhos reduziu--se, chegando ao patamar de 2.379 habitantes. Um dos principais fatores para o despovoamento e estagnação econômica pode estar ligado à venda dos escravos pe-los proprietários de Guarulhos no mercado nacional, o mercado interprovincial de escravos.

Em 1886, os dados populacionais de Guarulhos indicavam aumento da população local para 3.466, um crescimento de 45,5% em relação à população de 1874. Onde pode estar a resposta para essas duas tendências demográficas de Guarulhos nos anos 1874 e 1886? É importante ressaltar que partimos de uma

POPULAÇÃO DE GUARULHOS POR NACIONALIDADES

De acordo com os dados populacionais de 1886 e do quadro ao lado (1912), em 26 anos houve crescimen-to da população em 100%. O levantamento de 1812 não explicita, entre os brasileiros, a quantidade de brancos, pretos e pardos. Observa-se que aumentou o percentual da população originária dos processos de imigração: 29% de estrangeiros. O território recebeu mais pessoas brancas, sendo a maioria de italianos. O padre Celestino, ao usar o termo “brasileiros”, pode ter adotado uma estratégia de esconder a presença negra “guarulhense”, corroborando com a tese do branqueamento do Brasil, muito difundida

no fim do século XIX e início do século XX. Esta visão [branqueamento] não estava pre-

sente só na ciência, mas também nas artes, nos es-critos dos pesquisadores, na imprensa, evidenciando uma resposta ao medo gerado pelo crescimento da população negra e mestiça que, segundo o Censo de 1872, chegava a 55% do total de brasileiros. Bran-queamento e Branquitude no Brasil, de Maria Aparecida Silva Bento.

O padre Celestino, ao “esconder” o número de pretos e pardos, pode ter agido de forma inten-cional. No início do século XX, ele conhecia a com-posição étnica guarulhense, tanto que era contrário às práticas do Catolicismo popular, festas e ativida-des religiosas muito frequentadas por negros: Festa do Bonsucesso, Dança de São Gonçalo, Reisado, Congada, Moçambique, Reza nas Roças etc.

constatação, ou seja, quase 50% da população atual da cidade é composta por negros. Pelo visto, a consti-tuição de um mercado interno de escravos no Brasil, ao longo do século XIX, contribuiu para a redução do número de pessoas negras em Guarulhos. Mais do que nunca a indagação inicial continua nos desafiando.

Os dados do levantamento demográfico feito pelo padre Celestino  Gomes D’Oliveira, em 1912, podem representa um caminho para ajudar na reflexão do processo ocorrido com a reconfiguração do povoa-mento de Guarulhos, a partir de 1870, bem como na teoria do branqueamento brasileiro.

População por nacionalidades em 1912*

Nacionalidade PopulaçãoBrasileiros 4950Estrangeiros 2050Italianos 1800Portugueses 100Espanhóis 75Árabes 50Japoneses -Alemães -Outros 25Total 7000

* Levantamento feito pelo padre Celestino

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O Catolicismo popular teve no padre Celestino Gomes D’Oliveira Figueiredo forte opositor, pautado nos preceitos da romanização, visão defendida pela Igreja Católica no final do século XIX e princípios do século XX. A romanização impunha práticas litúrgicas do Catolicismo social em oposição à religiosidade po-pular, bem como censura às práticas que “dispensam” a presença de autoridades eclesiásticas em sua realização. Sobre a Dança de Santa Cruz, assim se expressou o pa-dre Celestino: Esta dança que fazem algumas capelas da roça, e que dura toda a noite de Santa Cruz, é também um dos abusos deste povo habituado ainda aos costumes selvagens [...] Porque essas danças realizam-se em capelas um pouco afastadas [da igreja matriz], onde não tenho a possibilidade de intervir direta e pessoalmente. Livro do Tombo nº 1. In Guia de Educação Patrimonial – Secre-taria Municipal de Educação.

De modo geral, consi-dera-se que as pessoas que en-traram no Brasil até 1822, ano da independência, eram coloni-zadores. Antes de 1870, dificil-mente o número de imigrantes excedia a duas ou três mil pes-soas por ano. A imigração cres-ceu primeiramente pressionada pelo fim do tráfico internacio-nal de escravos para o Brasil (1850), depois pela expansão da economia agrário-exportadora, principalmente no período das grandes plantações de café no Estado de São Paulo.

A partir de registro do-cumental, os primeiros italianos chegaram a Guarulhos em 1870. Foi nesse ano que na Rua Dom Pedro II (nome atual) nasceu o ítalo-brasileiro José Esperança da Conceição, filho de Vicenzo Spe-ranza e Felisbina Maria do Espí-rito Santo. O crescimento demo-gráfico constatado em Guarulhos

em 1886 está associado à imigração incentivada de euro-peus, prática iniciada desde 1824 pelo Estado Imperial.

Assim, a presença italiana em Guarulhos, bem como em São Paulo, relaciona-se ao dinamismo do mercado im-pulsionado pelo café, mas não significou o desaparecimento dos territórios e tradições de outras parcelas populacionais, mas acrescentou novas sociabilidades na formação do mu-nicípio... Desse modo, os bairros onde ficavam as primeiras olarias, cerâmicas, portos de extração de areia e as primei-ras indústrias têxteis [...] possuíam características sociocul-turais e territoriais diversas [...]. SANTOS, p.117.

Muitos fatores contribuem para concluir que em 1940 abriu-se um novo ciclo de povoamento com base na migração. Ao mesmo tempo, definhou-se o ciclo da imigração que teve por fundamento a vinda de estran-geiros: italianos, portugueses, espanhóis, libaneses, japo-neses, alemães etc. Em 54 anos de história, 1886–1940,

Redenção do Can (avó negra, mãe morena, esposo e filho brancos). Para o governo da época, a cada geração o brasileiro ficaria mais branco. Obra de Modesto Brocos, 1895.

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a população cresceu 400%: elevou-se de 3.466 para 13.940. No período de 1940-1980, o processo migrató-rio trouxe para Guarulhos 532.724 pessoas (3.800%).

A raiz da configuração demográfica atual da ci-dade tem sua origem na migração de pessoas que saíram do interior do Brasil para trabalhar nos grandes centros urbanos brasileiros em especial em Guarulhos. Inicial-mente empregaram-se nas grandes obras da construção civil e, depois, nas indústrias, nos setores de serviços e no comércio. Entre 1900 e 1985, Guarulhos passou por um processo intenso de transformação urbana que contou com milhares de tra-balhadores vindos para atu-ar na construção civil.

No transcorrer de 85 anos, foram construídos: a barragem e a rede adutora do Cabuçu (1908), rede elétrica (1914), sistema fer-roviário – Trem da Canta-reira (1915), Sanatório Pa-dre Bento (1930), Represa Ururuquara (1941), Base Aérea de Cumbica (1945), barragem e rede adutora do Tanque Grande (1947), Via Dutra (1951), Fernão Dias (1961), Conjunto Ha-

GUARULHOS: INDUSTRIALIZAÇÃO E REPOVOAMENTO NEGRO DA CIDADE

Contam que se chamava Rua Nossa Senhora Mãe dos Ho-mens Pretos. Diante da investida de negar a escravidão e

o racismo, foi omitida a palavra “Pretos”, quando daelaboração da placa.

bitacional Haroldo Veloso e Parque Cecap (início da década 1970), Rodovia Ayrton Senna (1982), aero-porto (1985). Entre tantas outras coisas, mais de dois mil galpões industriais foram erguidos (1911–1980).

Em 1980, já habitavam Guarulhos 532.724 pessoas. No período 1940-1980, a população da cida-de cresceu 38 vezes em relação à registrada em 1940. Do total populacional de 1980, de acordo com o Censo do IBGE, 71,3% eram de imigrantes nacionais (379.832 moradores).

Não temos conhecimento de estudos que ver-sem sobre a composição étnica do processo de migra-ção por que passou o Brasil nos últimos 70 anos. A partir dos dados quantitativos e dos critérios adotados pelo IBGE (45% pretos e pardos), deduzimos que a grande maioria da população negra de Guarulhos é originária do processo de migração nacional.

População constituída de negros, negras, filhos, netos e bisnetos de raízes nordestinas, mineiras, para-naenses, goianas etc.: são essas pessoas as responsáveis pelo repovoamento negro de Guarulhos. Obviamente que antes de 1940, por meio de registros documentais e iconográficos, percebe-se a presença negra no terri-tório. Os antigos dados censitários não nos permitem quantificá-los, como é feito atualmente pelos institu-tos especializados no assunto.

Fábrica-tecelagem Carbonell, 1935.

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6 - NEGRITUDE... EXPLOSÃO E AFIRMAÇÃO

A explosão e a afirmação da negritude brasileira possui raízes históricas. Hoje em dia é um dos fenômenos mais importantes do processo de formação das modernas cidades a partir da Era Industrial. Do nosso ponto de vista, é um erro analisar o fenômeno desvencilhado da matriz classe trabalhadora, bem como dos seus processos sociológicos de fortalecimentos identitários em meio às grandes aglomerações urbanas do século XXI. Na disputa pela hegemonia política, o movimento negro tem avançado no combate ao preconceito, à dis-criminação e ao racismo no cenário político local e mundial. No entanto, paralelamente à luta do Movimento Negro organizado – e, em grande medida, como resultado das suas proposições –, observa-se nos últimos anos a intensificação de uma negritude mais difusa, que pode ser traduzida na expressão negros em movimento.

Jornal A Voz da Raça, órgão da Frente Negra Brasileira, edição de 18 de março de 1933.

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Não se trata, apenas, de uma constatação quan-titativa, mas de uma análise da caminhada histórica, que extrapola o campo das leituras acadêmicas que re-vela a diversidade de expressões da presença negra no cenário atual. É verdade que a “explosão” demográfica da segunda metade do século XX concentrou forças sociais nos locais de moradia, de trabalho e nos espa-ços informais de convivência. Gentes que se juntam e transformam suas realidades: movimento negro, hip hop, sambistas, capoeiristas e escritores negros, entre outros segmentos.

As formas iniciais de resistências dos negros es-cravizados, bem como dos quilombos no Brasil, se de-ram no meio rural. A partir da segunda metade do sécu-lo XIX, a luta por liberdade e justiça passou a ser trava-da, também, nos cenários urbanos, brasileiros e estran-geiros, por novos atores (sociedade civil), que passaram a fortalecer os movimentos de resistência e levantaram a bandeira da abolição da escravidão. Nesse sentido, des-taque especial cabe à figura de Luís Gama (1830-1882), símbolo não só da luta abolicionista, mas também da

A PRESENÇA DE LUÍS GAMA

Nas palavras de Fábio Konder Comparato, pro-fessor de Direito da USP, Luiz Gama herdou da mãe, Luiza Mahin, o ca-ráter indômito e apaixona-do; ela, africana, livre da nação Nagô, tomou parte ativa nas insurreições baia-nas de 1835 e 1837, e, depor-tada, não se sabe se para o Rio ou para a África. Quanto ao pai, de uma família ilustre da Bahia e descendente de portu-gueses, arruinou-se no jogo e acabou vendendo o próprio filho de dez anos como escravo, em 1840, a uma família paulista. Alfabetizado por um amigo aos 17 anos, Luiz Gama apaixonou-se pelos livros e aos 18 anos se alistou

Habitação de Negros. Obra de Johann Moritz Rugendas. Habitação em meio rural.

reconstrução da subjetividade negra em Guarulhos, no Brasil e no mundo, como se verá a seguir.

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na Marinha de Guerra. Seis anos depois, retornou a São Paulo, onde passou a trabalhar no escritório de um escri-vão e depois na Secretaria de Governo da Província. Nes-sa ocasião, veio-lhe a inspiração de estudar Direito para defender negros escravos... Fato único em nossa história, conseguiu libertar nos tribunais mais de 500 escravos. Comparato, in Metrô News, 18/11/2010.

É na década de 1860 que se iniciou, a partir da Imperial Cidade de São Paulo, por iniciativa de Luiz Gama, o Movimento Abolicionista Brasileiro. A pres-são britânica resultara na promulgação da Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831, cujo Artigo 1o determina: Todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres. Foi com base nessa lei que Luiz Gama promoveu nos foros judi-ciais da Província de São Paulo a liberdade de mais de 500 escravos ao longo da década de 1860, não só dando início ao movimen-to abolicionista brasileiro, mas também inserindo a questão da escravidão na pauta do movimento re-publicano, em torno do qual se articulava a maioria dos cafeicultores proprietários de escravos da Província.

O surgimento de Luiz Gama no cenário pré--abolição e pré-República foi decisivo e emblemático. Esse foi o momento de gestação ideológica que iria marcar de forma duradoura a vida brasileira: Foi o momento da “formação das almas”, no dizer do cien-tista político José Murilo de Carvalho. Luiz Gama é autor de um único livro: Trovas burlescas de Getulino, publicado em 1859. Trata-se de um marco dos mais importantes, já que, pela primeira vez na história da literatura, um escritor se disse negro. No mesmo ano, no Maranhão, veio à luz o romance Úrsula, escrito por Maria Firmina dos Reis, acresentando à subjetividade do homem negro inaugurada por Luis Gama a sub-jetividade da mulher negra. (para saber mais sobre o assunto, acesse: http://www.letras.ufmg.br/literafro).

Rua Luiz Gama: Situada na esquina da Praça Conselheiro Crispiniano com a Rua Dom Pedro II

A MEMÓRIA COMO OBJETO DE DISPUTA

No centro da cidade de Guarulhos, há uma simpática rua em linha reta, por meio da qual os pretos transportavam seus mortos entre a Igreja do Rosário e a parte a eles reservada do Cemitério São João Batis-ta, inaugurado em 1891. Lembremos que, em 1965, essa parte do cemitério desapareceu do mapa do cen-tro histórico, cedendo lugar ao Serviço Funerário e à Biblioteca Municipal hoje chamada Monteiro Lobato. A outra parte, onde estão enterradas várias autoridades públicas, foi preservada, graças à mobilização das famí-lias tradicionais da cidade.

Em 1932, ano que marcou o fim da Repúbli-ca Velha e o início da Era Vargas, a rua menciona-da teve o nome alterado, de Treze de Maio para Luiz Gama (erroneamente grafado com z), provavel-mente em homenagem ao centenário de seu nas-cimento, ocorrido no dia 21 de junho de 1830. Ao realizar tal mudança, as

autoridades municipais da época não podiam imaginar que, 56 anos depois (1988), diante das intenções oficiais de comemorar o centenário da abolição da escravatura, o Movimento Negro Brasileiro divulgaria a data de 20 de novembro de 1695 – dia em que Zumbi, líder do Qui-lombo de Palmares, foi emboscado e morto – como um poderoso contraponto simbólico ao 13 de maio tão cele-brado ao longo da história do Brasil até aquele momento.

Ocorre que a existência de Luis Gama associa-se muito mais ao 20 de novembro do que ao 13 de maio. Tendo lutado a vida inteira para transformar o Bra-sil numa terra sem reis e sem escravos, Gama morreu pouco antes do fim da escravidão (1888) e da queda da Monarquia (1889). Se tivesse vivido para presenciar o período pós-abolição, sua atitude mais coerente seria a de apoiar os movimentos sociais negros, confrontando a data de um ato oficial visto como concessão de uma

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Cubismo: Homen no balcão. Obra de Albert Gleizes, 1912.

liberdade incompleta, já que não inseriu os libertos no mercado de trabalho.

O contraponto representado pelo 20 de novem-bro, Dia Nacional da Consciência Negra, símbolo de luta contra todas as formas de opressão, é uma estratégia política em meio à constante disputa pela memória, que ocorre tanto nas narrativas historiográficas quanto na organização do espaço urbano. Exemplo disso, em Gua-rulhos, é o cruzamento das ruas Luiz Gama e D. Pedro II, hoje um calçadão onde coexistem a Praça Conselhei-ro Crispiniano e a marca escura que reproduz no chão as dimensões da Igreja do Rosário dos Pretos.

A maior parte da multidão que diariamente tran-sita apressada pelo local não se dá conta de que o seu ima-ginário e a sua memória são ali objeto de disputa. De um lado, os nomes do calçadão e da Praça simbolizam o po-der monárquico do Segundo Império, incorporado pelo

Imperador D. Pedro II (1825/1891) e pelo conselheiro do Império João Crispiniano Soares (1809/1876), gua-rulhense que exerceu a Presidência da Província de São Paulo entre 1864 e 1865, e que tinha a função de contro-lar e reprimir os homens e as mulheres escravizados. De outro lado, a rua antes chamada 13 de Maio, renomeada como Luiz Gama, e a lembrança da existência da Igreja que segregava esses mesmos homens e mulheres, repre-sentam a resistência e o protesto dos excluídos.

Para além da realidade guarulhense, a diáspora africana, condenada como crime contra a humanida-de, pode ser vista além da forma violenta da captura, do tráfico e do trabalho escravo. A partir da presença negra na Europa e na América pós-abolição, a subje-tividade negra massacrada durante séculos passa a in-fluenciar decisivamente a música, as artes plásticas, a literatura, a política, o esporte e a ciência. Enfim, to-dos os campos da subjetividade humana.

As principais tendências da Renascença, no século XV, levaram os artistas a representar seus temas de forma realista. Estudos da anatomia humana e a utilização da perspectiva ajudaram os artistas a pintar figuras que “en-ganavam” os observadores, fazendo-os pensar que o que viam era uma extensão real do mundo, não uma super-fície plana. É claro que se tratava de uma ilusão. Essas convenções artísticas se mantiveram até o século XX. Um quadro, mais do que qualquer outro, serviu para romper com essa tradição: As senhoritas de Avinhão. Foi o prólo-go do movimento chamado cubismo que viria a subverter a tradição renascentista e preparar o caminho para a arte do século XX. (Picasso: quebrando as regras. Coleção Grandes Artistas. São Paulo: Cia Melhoramentos, 1998, p. 17.)

Desde que o quadro foi pintado, em 1907, tem corrido o mundo, como uma curiosidade acerca da obra, a informação de que Pablo Picasso inspirou-se em máscaras africanas para criá-la. Tal informação confere significado especial ao episódio, uma vez que ativa a memória das rela-ções sociais, econômicas, culturais e políticas estabelecidas entre a Europa, a África e o chamado Novo Mundo, na maior migração forçada da história da humanidade – a di-áspora africana – em cinco séculos de escravidão e de colo-nização, esta última se estendendo, ainda, por boa parte do século XX. As senhoritas de Avinhão, assim como o próprio

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Festa de Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos negros. Obra de Johann Moritz Rugendas, 1835.

Picasso e o cubismo, foi um sinal dos tempos e represen-tou apenas um dos traços marcantes daquele momento. A máquina a vapor, inventada nas últimas décadas do século anterior, possibilitou o desenvolvimento da economia in-dustrial e acelerou a velocidade das transformações. Emer-giu o espírito republicano, a burguesia chegou ao poder e os sistemas escravocratas seguiram desmoronando, sendo o Brasil o último país a assinar a lei da abolição. As cidades começaram a inchar, interligadas pelo aperfeiçoamento dos sistemas elétricos de comunicação. O cinematógrafo, embrião do cinema, foi inventado em 1895. Em 1903, Henry Ford fundou a fábrica de automóveis que iniciaria uma revolução na história da indústria. Dois anos depois, Albert Einstein daria início ao desenvolvimento da revo-lucionária Teoria da Relatividade.

Na década de 1920, dois movimentos político--culturais ganharam relevo nos Estados Unidos: o Pan--africanismo e o Harlem Renaissance, ou Renascimen-to Negro, expressões que denotam, respectivamente, a criação de uma comunidade planetária simbolicamente conectada por uma identidade de matriz africana e uma releitura, sob o ponto de vista afrobrasileiro, da ideia de renascimento inventada pela Europa do século XV.

Tais movimentos – em torno dos quais gravita-vam poetas, romancistas, artistas, intelectuais de diversos

setores e músicos fundadores do jazz – tiveram grande repercussão, espraiando-se por todo o mundo, passando primeiro pelo Caribe, onde eclodiram o Indigenismo hai-tiano e o Negrismo cubano, chegando à Europa.

Na década de 1930, em Paris, na França, um gru-po de estudantes negros frequentadores do bairro uni-versitário do Quartier Latin foi arrebatado pela reverbe-ração do que ocorrera nos EUA poucos anos antes. Sob a liderança dos também estudantes e poetas Aimé Césaire, Leon Damas e Léopold Sedar Senghor – oriundos, res-pectivamente, da Martinica, da Guiana Francesa e do Senegal, todos países colonizados pela França –, criaram o Movimento da Negritude, palavra nova, inventada por meio do processo de derivação, que promove uma inver-são do valor semântico do termo “nègre”, ou “negro”, com a qual a língua do colonizador associava os africanos e seus descendentes à sua condição de escravizado.

As ideias do Pan-africanismo exerceram pode-rosa influência também sobre importantes lideranças africanas que, nos anos 1960, participariam do processo de descolonização do continente, como Asikiwe Nandi, futuro presidente da Nigéria; Kwame N’Krumah, pri-meiro presidente da República de Gana; Jomo Kenyat-ta, primeiro presidente da República do Quênia. O pró-prio Léopold Senghor, um dos fundadores do Movi-

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Gilberto Gil.

Os Oito Batutas (Donga, sentado, é o segundo da direita para a esquerda).

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mento da Negritude, governaria o Senegal entre 1960 e 1980. Nesse sentido, vale destacar o depoimen-to de Agostinho Neto, primeiro presidente (1975 a 1979), da An-gola independente:

Quando a música negra ame-ricana invadiu os salões da Europa, os negros de todo o mundo sentiram com os seus irmãos americanos a alegria de poderem ser ouvidos, mesmo através do trompete. Os murros de Joe Louis foram aplaudidos em todo o mundo negro. Porém, mais importante do que estes fatos é o senti-mento de solidariedade e de comunidade que existe entre os negros de todo o mundo. Este mundo disperso pelas Américas, Europa e África, formado fora e dentro da África por indiví-duos desenraizados dos seus povos e das suas culturas, mestiços culturais, portanto, vivendo marginalmente na civilização europeia, descobriu-se a si próprio. (NETO, 2000, p. 53)

Era o início do primeiro século pós-abolição da escravatura no Brasil. No século anterior, as cida-des brasileiras, sobretudo as das regiões Sul e Sudeste, haviam passado por um processo de aburguesamento. No Rio de Janeiro e em São Paulo, começava a au-mentar o número de jornais editados por negros, mas em todo o Brasil amadurecia a organização da popu-lação negra em torno das festividades carnavalescas, sem abandonar, contudo, costumes mais tradicionais

como os maracatus e as festas das irmandades de Nos-sa Senhora do Rosário.

Em 1916, Ernesto dos Santos, o Donga, registrou a música Pelo telefone, uma paródia sobre o envolvimento da polícia com jogos proibidos. Pelo telefone foi o maior sucesso do Carnaval de 1917 e foi executada em diversas rádios da cidade. Pela primeira vez a indústria cultural da época se abriu à produção dos negros cariocas. Esse feito contribuiu para o fortalecimento das escolas de samba e de grupos teatrais negros na década de 1930.

Foi também naquele momento que o Candomblé e a Capoeira ganharam reconhecimento social. Todos es-ses acontecimentos, no entanto, não diminuíram a discri-minação contra a população negra, motivo pelo qual suas lideranças criaram diversas associações de caráter político--cultural como alternativa às restrições ao pleno exercício

da sua cidadania, como a Frente Negra Brasileira, exemplo de orga-nização política dos negros paulistas no período subsequente à abolição. Percebe-se, enfim, uma curiosa sin-tonia entre as populações negras do planeta, a exemplo da necessidade de fuga que conectou os negros es-cravizados de todas as partes e que resultou, no caso do Brasil, na for-mação dos quilombos ao longo de todo o Período Colonial.

Já na segunda metade do século XX, a democracia brasi-

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:: PRESENÇA NEGRA E FEMININA NA POLÍTICA GUARULHENSE ::

A deputada federal Janete Rocha Pietá – eleita em 2006 e reeleita em 2010 – teve participação impor-tante no processo de transição política da cidade. É a única mulher entre os 15 deputados federais eleitos pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e a sétima mais bem votada dentro do partido. Com Elói Pietá, com quem é casada há 38 anos, foi uma das fundadoras do PT em fevereiro de 1980. Além de ter participado ativamente do Movimento das “Diretas já” no ano de 1984, foi uma das primeiras militantes a levantar a questão da mulher como prioridade de discussão no partido.

Entre outras ações, implantou a Coordenadoria da Mulher e da Igualdade Racial no Município e des-

tinou recursos para a restauração da casa sede da Fazenda Bananal, conhecida na cidade como Casa da Candinha. Considerada uma das únicas fazendas remanescentes do período escravista na Região Metropolitana de São Paulo, a Casa da Candinha foi tombada pelo Decreto no 21.143/2000. Na gestão do então prefeito Elói Pietá, mudou o nome da Estrada do Saboó, no trecho que passa em frente à casa-sede da fazenda, para Martin Luther King (Prêmio Nobel da Paz, em 1964), um dos líderes do movimento dos negros norte-americanos por direitos civis, nos anos 1960.

Candomblé, Novembro Negro em Guarulhos, 2010.

Janete Rocha Pietá, durante a posse em 2007.

leira passou por um importante processo de amadu-recimento depois de duas décadas de ditadura militar (1964–1985). Em 1969, o compositor negro baiano Gilberto Gil compôs o samba Aquele abraço, cuja letra, aparentemente, apenas exalta a cidade maravilhosa: “O Rio de Janeiro continua lindo/O Rio de Janeiro conti-nua sendo/O Rio de Janeiro, fevereiro e março/Alô, alô, Realengo/Aquele Abraço!” E seria apenas isso se no ano anterior o músico não tivesse ficado detido pelo regime militar justamente em Realengo, bairro da zona oeste carioca conhecido pela presença do Exército Brasileiro, que desde 1898 mantém instalações no local.

A partir daí, fica mais fácil compreender o fato de o calendário ser repentinamente interrompido na imaginação do compositor, uma vez que foi no dia 31 de março que foi deflagrado o conjunto de eventos denominado “golpe militar” ou “revolução” de 1964, dando início a um período de 21 anos de ditadura. A abrupta interrupção da sequência dos meses, na músi-ca de Gil, pode significar o silêncio a que a sociedade civil brasileira foi submetida a partir do primeiro dia de abril, e com mais intensidade a partir do dia 13

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Ângela Davis.

Malcolm X.

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de dezembro de 1968, quando entrou em vigor o Ato Institucional no 5, o AI 5, que, além de permitir a in-tervenção do Poder Executivo Federal nos Estados e nos municípios, impunha a censura prévia para jor-nais, revistas, livros, peças de teatro e músicas.

Em Guarulhos, foi nessas circunstâncias que, em 1971, o interventor federal nomeado pelo regime mi-litar Jean Pierre Herman de Morais Barros – no dizer de João Ranali, um elemento alheio às nossas coisas – ins-tituiu a Bandeira municipal, oficializou o Hino do IV Centenário como o terceiro símbolo oficial do municí-pio e mandou modificar o Brasão de Armas, entregando o trabalho a quem nada sabia de heráldica e muitíssimo menos de nossa história. (RANALI, 2002, p. 91.)

Com o início da abertura política (1974), a exis-tência de várias agremiações partidárias passara a ser permitida no Brasil. Partidos como o PCB (Partido Co-munista do Brasil), fundado em 1922, e o PSB (Parti-do Socialista Brasileiro), criado em 1947, haviam saído da clandestinidade. Outros, como o PP (Partido Pro-gressista) e o PPS (Partido Popular Socialista), haviam adequado suas siglas e seus programas à nova realidade política e social em processo, dando origem a outras le-gendas. Outros partidos, ainda, surgiram da própria di-nâmica político-social desenvolvida no País desde o fim do bipartidarismo, por meio do qual o regime militar reduziu a representatividade política brasileira a apenas dois grandes partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que apoiava o regime, e o Movimento Demo-crático Brasileiro (MDB), que lhe fazia oposição.

Só na década de 1980, depois de aprovada, em novembro do ano anterior, a reforma política que resta-beleceu o pluripartidarismo, extinguindo MDB e Are-na, foram criadas sete novas legendas, entre elas o Par-tido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), originário do MDB, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), dissidência do PMDB, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Verde (PV).

Assim que assumiu o poder, em janeiro de 1974, como quarto presidente do regime militar, o general Ernesto Geisel se deparou com uma econo-mia deteriorada, numa sociedade perigosamente in-quieta. Geisel passou a sinalizar em suas declarações

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também era acompanhado com grande interesse no Brasil o movimento dos negros da África do Sul con-tra o apartheid, uma das formas de racismo mais cruéis, barbaramente instalado no próprio continente africano.

Nesse contexto, no dia 7 de julho de 1978, sur-giu o Movimento Negro Unificado contra a Discri-minação Racial (MNU). Naquele dia, um ato público reuniu centenas de pessoas em frente ao Teatro Mu-nicipal de São Paulo para denunciar a discriminação sofrida por quatro atletas negros nas dependências do Clube Regatas Tietê, e a tortura e assassinato de outro jovem negro numa delegacia, Robson Silveira da Luz.

Entidades negras vinham se formando desde o início da década de 1970, em várias partes do Brasil. Em Porto Alegre, o grupo de escritores Palmares, criado em 1971, propunha a ideia de oferecer o dia 20 de novem-bro como contraponto ao dia 13 de maio. Em São Pau-lo, a partir de 1972, foi fundado o Centro de Estudos e Arte Negra (Cecan). No Rio de Janeiro, em 1974, foi criada a Sociedade de Intercâmbio Brasil-África (Sinba). Também em 1974, o Bloco Afro Ilê Aiyê iniciava as suas atividades em Salvador, na Bahia. Integrantes dessas e de outras entidades estavam reunidos nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo em julho de 1978. O então já veterano militante Abdias do Nascimento tam-bém estava no ato público, que marcou a retomada da luta negra contra a opressão desde o início da escravidão no Brasil, e que também pode ser visto como o início da virada do milênio para os negros brasileiros.

O movimento negro que se organizava naquele 7 de julho, em frente ao templo na elite do café, onde

Ilê Aiyê em festa no Pelourinho, comemoração à escolha de Salvador como cidade-sede da Copa do Mundo de 2014.

e discursos que promoveria no País a abertura política de forma “lenta, gradual e segura”. Mas, foi sob o seu governo, no dia 25 de outubro de 1975, que o jorna-lista Vladimir Herzog, então diretor de jornalismo da TV Cultura, foi encontrado morto, enforcado com o cinto da própria roupa, nas dependências do Desta-camento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), depois de ter prestado depoimento a agentes do II Exército. A morte de Herzog contribuiu para a intensificação do movimento pelo fim da Ditadura Militar. No início do ano seguinte (17 de janeiro), o metalúrgico Manuel Fiel Filho também seria assassinado no DOI-CODI, fazendo aumentar a pressão contra o regime.

Nesse mesmo período, chegavam aos bairros populares informações sobre a movimentação política dos negros em outras partes do mundo. Os brasileiros acompanharam os movimentos dos direitos civis e o Black Power nos Estados Unidos. Ainda que de forma fragmentada, as ideias de Ângela Davis, Malcolm X e Martin Luther King em defesa de direitos e oportunida-des iguais para os negros norte-americanos repercutiram entre militantes e intelectuais negros em todo Brasil.

Os brasileiros também se informavam pelo no-ticiário da televisão sobre os movimentos de libertação nacional em países da África. As guerras contra o co-lonialismo português que levaram à independência de Angola e Moçambique em meados dos anos 1970 ti-veram grande repercussão no Brasil. Os afrobrasileiros perceberam que tanto nas Américas como na África os negros enfrentavam a opressão racial. Nesse sentido,

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Guarulhão, situado na Rua Felício Marcondes, antiga sede dos bailes blacks.

os intelectuais da Semana de Arte Moderna dizem ter pretendido redescobrir o Brasil indígena e negro, ti-nha como uma de suas principais tarefas a desconstru-ção do mito da democracia racial brasileira, sistemati-camente incutido no imaginário da população desde o início do século. Curiosamente, a elaboração desse mito é contemporânea do planetário Renascimento Negro dos anos 1920 e 1930. Isso quer dizer que o novo Brasil surgia, republicano e baseado no trabalho livre, sem rei e sem escravos, não combinava com uma sociedade racialmente desigual e em conflito, embora fosse exatamente essa uma das principais característi-cas dessa República.

Assim, havia quem se ocupasse da edificação da identidade por meio da re-presentação, de modo que, também em 1978, começou a ser editada a série anual “Cadernos negros”, respon-sável pela publicação, até este ano de 2013, em 18 li-vros de poemas e 17 de con-tos, de mais de uma centena de trabalhos de escritores

negros de várias partes do Brasil. No mesmo ano de 1978, começava a ser realizado o Festival Comunitário Negro Zumbi (Feconezu), que passou a reunir, em de-bates, performances, torneios esportivos e outras ativi-dades, uma grande variedade de linguagens, a cada ano numa cidade diferente do Estado de São Paulo.

Naqueles últimos anos da década de 1970, pro-liferou pelas grandes cidades, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, o movimento Black Power, que, numa releitura do nome do grupo político radi-cal norte-americano, apoiava-se no gênero musical da soul music, e no corte de cabelo e no modo de vestir dos negros da América do Norte para criar espaços de identidade da juventude negra urbana no Brasil. Os bailes de negros já eram uma tradição no espaço urbano desde as primeiras décadas do século, mas os anos 1960 e 1970 ganharam novas contribuições. In-venções como a dança chamada samba-rock, o cabelo

black power e a vestimenta colorida intensificaram o exercício de elevação da autoestima e do fortalecimen-to dos laços de identidade, paralelamente ao trabalho desenvolvido escolas de samba.

Tais manifestações estavam presentes também em Guarulhos, especialmente a partir do Jardim Tran-quilidade, reduto dos primeiros núcleos de sambistas da cidade, e também por iniciativa de personagens li-gados à organização dos bailes blacks, como o ativista negro Milton Sales – o Carioca –, Georjão do Para-venti, o cabeleireiro Gê e o salão Destaque Black.

O primeiro desfile de uma escola de samba na cidade ocorreu em 1974, quando a Império de Gua-rulhos ocupou a Praça Getúlio Vargas e as ruas do en-torno. Já os bailes blacks, que a princípio (final os anos 1970) eram realizados num barracão do bairro Para-venti, mais tarde foram transferidos para o Guarulhão e para o elitizado Clube Recreativo.

Em 1982, com a realização das primeiras elei-ções diretas estaduais no Brasil, surgiu a primeira par-ticipação do Movimento Negro na Administração Pública: o Conselho Estadual de Participação e De-senvolvimento da Comunidade Negra de São Paulo, criado em 1983.

Entretanto, o questionamento público do mito da democracia racial, na oportunidade do Centenário da Abolição, em 1988, talvez tenha sido a primeira grande conquista do Movimento Negro de 1978. A tipificação da prática do racismo como “crime inafiançável e im-

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Busto de Zumbi dos Palmares, patrono de escola daPrefeitura de Guarulhos.

Mãe Negra, Praça Getúlio Vargas, 2012.

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Brprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da

lei” (Art. 5o, XLII) e o reconhecimento da propriedade definitiva das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades quilombolas, “devendo o Estado emitir--lhes os títulos respectivos” (Ato das Disposições Cons-titucionais Transitórias – Art. 68), além do conteúdo do Art. 215, que são dispositivos da Constituição Federal promulgada em outubro de 1988, evidenciam que as forças políticas reunidas na Assembleia Nacional Cons-tituinte não puderam deixar de ouvir o ruído das ruas produzido ao longo de toda aquela década.

Enquanto isso, alguns gestores da administração municipal mantinham-se alheios aos acontecimentos. Em 1991, em pleno mandato da 1a mulher nordestina (Luiza Erundina, eleita em 1989) a exercer o cargo de prefeita de São Paulo, uma comissão nomeada pelo pre-feito de Guarulhos, Paschoal Thomeu (1988–1992), composta de um historiador, um heraldista, um lati-nista e outros interessados em repor os valores históri-cos e heráldicos suprimidos da última versão (1971) do Brasão de Armas, realizou um trabalho exaustivo que passou pelo crivo do Legislativo, melhorando o aspecto visual da última versão, mas preservando os mesmos elementos do símbolo original, de 59 anos antes.

Em 1995, por ocasião dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares, um veículo da grande imprensa

repercutiu as transformações em curso. O jornal Folha de São Paulo, em sua edição de 25 de junho, publicou um caderno especial intitulado “Racismo cordial”, – resultado de um investimento significativo de recursos (dinheiro, tempo e pessoal) iniciado mais de seis meses antes – que trazia uma pesquisa de abrangência nacio-nal, na qual 5.081 pessoas de todos os níveis e classes sociais foram entrevistadas. Foi o maior esforço jamais feito por qualquer instituição, pública ou privada, vi-sando quantificar e qualificar o preconceito de cor no País da propagandeada democracia racial.

Os 300 anos de Zumbi coincidiram com o pri-meiro ano de mandato do presidente Fernando Hen-rique Cardoso que, a partir da realização, em Brasília, de uma marcha em homenagem a data, tão importan-te para marcar a posição do Movimento Negro diante da abolição, criou um Grupo de Trabalho Intermi-nisterial para a Valorização da População Negra, uma das primeiras iniciativas de ação afirmativa do Poder Público brasileiro.

Em 2001, foi realizada na cidade de Durban, na África do Sul, a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, da qual participaram governo e entidades negras brasileiras, o que resultou nas conquistas hoje

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em destaque no debate nacional. Só no ano de 2003, já sob o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Sil-va, houve três ações fundamentais para a consolidação dessas conquistas: a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), a promul-gação da Lei no 10.639 – que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática história e cultura afrobrasileira, entre outras providên-cias – e a proposição do Estatuto da Igualdade Racial, considerado constitucional por votação unânime dos ministros do Supremo Tri-bunal Federal (STF), em votação ocorrida no dia 26 de abril de 2012.

A realização da Con-ferência de Durban coinci-de com o início das ações institucionais voltadas para o “20 de novembro – Dia da Consciência Negra”, em Guarulhos. Em 2006, foi instituída a Coordenadoria da Mulher e da Igualdade Racial. Dois anos depois, com a criação do Centro de

Edna Roland, coordenadora da Igualdade Racial na Prefeitura de Guarulhos, durante a Conferência de Durban, na África do Sul, em 2001, na qual atuou como relatora geral. Do seu lado direito está o então presidente da República (1999-2008),

Thabo Mvuyelwa Mbeki, sucessor de Nelson Mandela.

No começo da década de 1970, a capoeira em Guarulhos teve início, respectivamente, com os mestres Leopoldina, Mirão e Lobo.

Referência da Cultura Negra e Igualdade Racial Xike-lela – negro, em quimbundo, a língua mais falada em Angola – e do desmembramento, em 2009, das duas coordenadorias, a da Mulher e a da Igualdade Racial, o “Dia da Consciência Negra” ampliou-se para “Semana da Consciência Negra” e, em seguida, para “Novem-bro Negro”, mês em que uma série de ações realizadas em várias regiões da cidade reúne, por assim dizer, o resultado de seminários, workshops, encontros, oficinas e cursos desenvolvidos ao longo de todo o ano.

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:: MANIFESTO – NOVEMBRO NEGRO 2011 ::

Marchamos, mais uma vez, pelas ruas de Guarulhos, neste 20 de novembro. Há 318 anos, Zumbi, comandante da República de Palmares (a maior experiência de enfrentamento ao sistema escravista nas Américas), foi emboscado, morto e projetado para a eternidade.

Ao marcharmos, assumimos o nosso papel como sujeito da história, reescrevendo-a nos li-vros abertos das ruas de Guarulhos. Diante da Escola Estadual Conselheiro Crispiniano, que home-nageia um símbolo dos homens livres e letrados do Brasil Império, e da Rua Dom Pedro II, armamos a existência de mulheres e homens pretos, escravizados e analfabetos, segregados na igreja hoje reduzida a uma marca gravada no chão do Calçadão.

Abolida a escravidão, demolido o nosso patrimônio, restou-nos a tarefa de reconstruir a nossa identidade. Por isso marchamos, todos os anos, sob o olhar misterioso da mãe negra, cuja cabeça repousa num pedestal da Praça Getúlio Vargas. Quem sabe ela guarda em segredo o nome dos seus filhos, enterrados no mesmo Cemitério São João Batista de tantos munícipes ilustres?

Por isso marchamos. Seguimos pela antiga Rua 13 de Maio, hoje chamada Luiz Gama. É, tam-bém, em sua homenagem que marchamos, este ano lembrando outros herdeiros, como nós, de sua trajetória: Abdias do Nascimento, Ruth de Souza, Mãe Menininha, Milton Santos, Kabenguele Munanga, André Rebouças, aos quais se reuniram aos guarulhenses Babá Tereza, Mestre Mirão e Pedro Moisés.

Seu exemplo ilumina nossos corações e mentes, enriquecendo a marca de nossa memória gravada no chão do Calçadão. Revigorados por essas presenças, alcançamos o trecho final da nossa marcha de 2011, o Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes. É nessa condição que avançamos pela Avenida Monteiro Lobato, cobrando dignidade para a Tia Nastácia e Tio Barnabé.

Derrotado o gigante Adamastor em águas africanas, fomos transplantados para as Américas, temperando com o nosso sangue as águas do “mar português” e ampliando as trocas culturais en-tre os povos do Planeta. Por isso, em 20 de novembro de 2011, afrodescendentes de todo o Brasil marcharam pelas ruas, reivindicando as políticas previstas pelo Estatuto da Igualdade Racial, para o devido reconhecimento da nossa contribuição e superação das profundas desigualdades raciais.

Por conta de todas essas discussões em andamento na cidade e no País, o então prefeito Elói Pietá efetuou, em 2008, último ano de seu segundo mandato, a mais recente modificação do Brasão de Armas do Município, acrescentando às figuras do indígena, do bandeirante e do coloniza-dor português o rosto de uma mulher e o de um negro. No mesmo ano, a Secretaria Municipal da Educação promoveu, entre os seus educadores e educadoras, o curso de formação “Metodologias de enfrentamento do racismo”, na perspectiva da implementação da Lei no 10.639, de 2003.

Um dos pontos altos do “Novembro Negro” é a “Marcha da Consciência Negra”, organizada no dia 20 de novembro, percorrendo um itinerário represen-tativo da relação dinâmica que vem se estabelecendo no espaço urbano guarulhense, através de constantes

negociações entre sujeitos e incorporações de signifi-cados de um segmento social pelo outro, um fenôme-no bem exemplificado pelos manifestos que todo os anos são distribuído à população durante a “Marcha da Consciência Negra”.

O BRASÃO GANHA AS FIGURAS DE UM NEGRO E DE UMA MULHER

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7 - GUARULHOS, CIDADE SÍMBOLO: RELEITURA

Esta obra é mais do que a simples história de uma cidade, explica Adolfo de Vasconcelos Noronha, na introdução de seu livro Guarulhos – Cidade símbolo. É, antes de tudo, o retrato de um símbolo!

Isso porque, continua o autor, a história quadris-secular de Guarulhos se presta a exempli ficar, de modo fidelíssimo, o que foram os aldeamentos jesuíticos ins-talados ao redor de São Paulo de Piratininga; como se formaram os povoados, ao tempo da Capitania de São Vicente; qual a vida das paróquias e distritos, ao tempo da Capitania de São Paulo. Como funcionavam as vilas, no tempo do Império.

Os historiadores quase sempre se inspiram nos fa-tos mais importantes, que adornam a cúpula da vida político-social de um povo. Mas, para se fazer a análise microscópica de uma sociedade, põe-se em foco uma cé-lula. Requer-se uma unidade bem típica, que se preste a modelo, por trazer, no curso de sua vida, a estampa fi el de todas as fases evolutivas do corpo social.

Por preencher tais condições, Guarulhos merece o quali ficativo de Cidade Símbolo.

Eis aqui, portanto, uma das iniciativas pioneiras no sentido de estabelecer uma identidade para o muni-cípio. A atitude de Noronha tem signi ficado especial, pelo fato de não ser isolada, mas ocorrer no interior de um conjunto de ações o ficiais, narradas no último capítulo do mesmo livro, em comemoração ao aniversário de 400 anos da cidade, completados em 1960. Foi naquela ocasião que, ao Brasão de Armas, primeiro símbolo ofi cial do município, instituído em 1932, juntaram-se o Hino e o símbolo do IV Centenário da cidade.

No que diz respeito ao Hino, note-se que a mensagem contida nas entrelinhas de sua letra apresenta noção de símbolo bem diferente da de Noronha. Sua autora, a professora e poeta Nicolina Bispo, associa as

Livro Cidade Símbolo (História de Guarulhos) 1560-1960.

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“chaminés”, símbolo da fase intermediária da indus-trialização, a “lanças erguidas”, instrumentos de caça e de guerra, usados em certa fase da história. Além disso, ao comparar as praças da cidade a “livros abertos”, Ni-colina explicita a sua noção de símbolo, determinada pelas possibilidades de interpretação, de abstração, de leitura, en fim, que ele encerra, oferecendo entre essas possibilidades uma perspectiva de “futuro e glória”. Tal noção destoa por completo da ideia de que a ci-dade é símbolo, porque “se presta a exempli ficar, de modo fi delíssimo”, uma realidade, servindo de “célu-

Primeiro Brasão de Armas de Guarulhos, instituído em 1932.

:: HINO A GUARULHOS ::

Sob o céu desta Pátria querida Mais cem anos de luta e labor

Cingem hoje teu nome, Guarulhos Que se ergueu por seu próprio valor.

Chaminés, como lanças erguidas, Nos apontam o caminho a seguir.

Trabalhando, vencendo empecilhos, Desfraldando o pendão do porvir.

Tuas praças são livros abertos, Onde lemos futuro e glória.

Crispiniano e Bueno fulguram Como vultos eternos na História.

Que teu nome em mais um centenário, E na língua Tupi proclamado,

Seja um hino de paz, de esperança, Por teu povo feliz entoado.

Pequenina nasceste, João Álvares, Jesuíta, benzeu-te com fé

Tu és hoje cidade progresso, Uma terra que vence de pé,

Eia, pois, guarulhenses, avante, Com bravura na luta febril,

Por São Paulo e por tudo o que é nosso, E, acima de tudo, o Brasil!

la” para “a análise microscópica de uma sociedade”, “unidade bem típica”, “modelo”, “estampa fiel”.

Já o símbolo do IV Centenário, escolhido por meio de um concurso em que concorreram mais de 300 desenhos apresentados por 107 pessoas, explora ao máximo os recursos expressivos da linguagem. A despeito da descrição verbal e escrita oferecida pelos vencedores – uma equipe de três estudantes da Facul-dade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo –, o símbolo do IV Centenário de Guarulhos é um texto não verbal em aberto, colocado à disposição da imagi-nação dos seus leitores.

Instalado em frente ao prédio onde funcionou a Prefeitura entre os anos de 1958 e 1976, na Praça Getúlio Vargas – região central o símbolo é um íco-ne formado por tetraedros, cada face representando um século. Formam-no quatro triângulos iguais, dois unidos por suas bases menores e dois justapostos por Centro Municipal de Educação Adamastor.

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seus vértices, sendo estes dispostos segundo um eixo vertical. Assim, cada triângulo representa um século. O conjunto é um sigma estilizado, representando uma integral de valores, traduzindo os dias atuais. O tri-ângulo recorda as três raças que povoaram a região: a dominante é a vertical, representando o progresso; o vértice comum é a união em busca do progresso.

Progresso. Parece ser esse o caminho que as “chaminés, como lanças erguidas”, apontam. O lema, herdado do positivismo de August Comte, tem for-te presença no imaginário brasileiro desde o fi nal do século XIX – veja-se a divisa “Ordem e Progresso” presente na bandeira nacional – e passa pelo desen-volvimentismo dos “50 anos em cinco” de Juscelino Kubitschek – presidente da República entre 1956 e 1961 –, alcançando a Guarulhos dos anos 1960, cujo território era então marcado por um vertiginoso cres-cimento da atividade industrial.

Nesse sentido, tais manifestações – a cidade sím-bolo de Noronha, a letra do Hino e o símbolo do IV Centenário – têm pelo menos um traço em comum, qual seja, a consciência de que a história local está inevitavel-mente entrelaçada à história de São Paulo e do País. En-quanto Noronha vê a cidade como exemplo do que foram os aldeamentos jesuíticos instalados ao redor de São Paulo de Piratininga, da formação dos povoados, ao tempo da Ca-pitania de São Vicente, da vida das paróquias e distritos, ao tempo da Capitania de São Paulo e do funcionamento das vilas, no tempo do Império, Nicolina Bispo conclama os guarulhenses a lutarem com bravura na luta febril / Por São Paulo e por tudo o que é nosso, e, acima de tudo, o Brasil!

Já os estudantes de Arquitetura e Urbanismo Nival Lima Prado, William Munfard e Maurício Frie-dmam, ao elaborar um símbolo que recorda as três ra-ças que povoaram a região e que hoje estão unidas em busca do progresso, reproduzem no cenário micro uma preocupação da elite intelectual e política brasileira das primeiras décadas do século XX, isto é, o entendimen-to do que poderia ser uma identidade brasileira. Esse é o estado de coisas que, a nosso ver, justifica melhor o título de cidade símbolo dado a Guarulhos em 1960.Símbolo do IV Centenário na Praça Getúlio Vargas.

Certidão de criação da Vila de Santo André da Borda do Campo, 1556, depois transferida para São Paulo de Piratinga.

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A EPOPEIA LUSO-AFRICANAEM GUARULHOS

Originalmente, a etimologia do termo “epopeia” remete à narrativa de um feito: epos/narração e peia/ato de fazer alguma coisa. Segundo esse conceito, no entan-to, a notoriedade dos quatro mais conhecidos poemas épicos produzidos ao longo dos últimos 28 séculos – Ilíada, Odisseia, Eneida e Os lusíadas –, o primeiro deles considerado o marco de fundação da literatura ociden-tal, acabou por consagrar o significado hoje cristaliza-do no senso comum, algo como um poema de longo fôlego acerca de assunto grandioso ou heroico. Distor-ções como essa apenas reforçam um questionamento que vem sendo feito por certa corrente de historiadores,

:: GREGOS E ROMANOS ::

Os gregos fixaram para a eternidade os fatos relacionados à guerra de Troia, por meio da Ilíada e da Odisseia, textos épicos de auto-ria atribuída ao poeta Homero, escritos no século VIII a.C. Eneias, herói sobrevivente da guerra de Troia, incumbido de encontrar uma terra para o povo romano, seria lembrado sete séculos depois como protagonista de outro poema épico, Enei-da, escrito por Públio Virgílio Maro a pedido do imperador Cesar Augusto, seu amigo de infância.

O governo de Augusto (31 a.C. a 14 d.C.) foi caracterizado pela prosperidade, coroando um período de 200 anos de conquistas territoriais do Império Romano, o que provocou uma formidável canalização de riquezas e ao mesmo tempo uma intensa migração do Oriente para a capital do Im-pério. Já no fim da vida, com mais de 80 anos de idade, o imperador assistia à progressiva diluição dos valores tradicionais dos romanos em meio ao caldeirão cultural em que se transformara a cidade.

Decidiu, então, que Roma precisava de uma obra que representasse para ela o mesmo que a Ilíada e a Odisseia eram para a Grécia, que codificasse todos os valores morais essenciais e despertasse no povo o desejo de viver de forma que honrasse suas origens gloriosas. Para isso, ninguém melhor que Virgílio, já então um reno-mado poeta, além de seu amigo de toda a vida.

nossos contemporâneos: a divisão entre Pré-história e História, simbolizada pelo momento em que se desen-volveu a escrita por volta do ano de 4.000 a.C., é uma elaboração discursiva construída entre os séculos XV e XVI para justificar a dominação da Europa expansio-nista – que, afinal, por meio dos poemas épicos, poten-cializou o discurso escrito – sobre os povos indígenas e africanos, que valorizam muito mais o discurso oral.

A divisão em questão não é apenas periódica, mas também hierárquica: o período histórico representaria um estágio mais avançado do desenvolvimento da hu-manidade, superior, portanto, ao período pré-histórico, assim como, ainda hoje, a expressão escrita gozaria de maior credibilidade, em detrimento da expressão oral.

Ainda pouco estudada pela historiografia, a presença negra na Grécia Antiga era bastante significativa, a ponto de ser representada em afrescos, vasos, braceletes e máscaras. Um exemplo é essa ânfora “atribuída a Execkias, do século V a.C., que está no Museu da Uni-versidade de Filadélfia” – EUA (CAMARGO:

1987, ps. 17 e 18).

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Não por acaso, foram os indígenas e os africa-nos os povos que tiveram suas terras saqueadas e que foram escravizados no processo de expansão europeia ocorrido a partir do século XV. Em favor de um equi-líbrio maior entre as modalidades verbal e não verbal da linguagem que, aliás, favorece também um maior equilíbrio na convivência entre os diferentes povos no Planeta, cabe notar que a cidade pode ser vista tam-bém como um texto. É evidente o paralelismo que existe entre a possibilidade de empilhar tijolos, defi-nindo formas geométricas, e agrupar letras, forman-do palavras para representar sons e ideias. Essa noção pode ser claramente percebida, como já dissemos, na letra do Hino a Guarulhos (vencedor de um concurso realizado em 1960 como parte das comemorações ao aniversário de 400 anos de fundação da Aldeia de Nos-sa Senhora da Conceição dos Maromomi em 1560; o hino, cuja letra é de autoria de Nicolina Bispo, profes-sora e poeta sergipana que viveu até o fim da vida em Guarulhos, foi oficializado, em 1971, como um dos símbolos oficiais do município, ao lado do Brasão de Armas e da Bandeira), em especial nos versos que se referem às praças da cidade.

Vemos, portanto, que as possibilidades da lin-guagem não se limitam à escolha entre as modalida-des escrita e oral, verbal e não verbal. Ao contrário, potencializam a construção de sentido se houver uma combinação entre os diferentes sistemas de símbolos à nossa disposição: a arquitetura, o urbanismo e as di-versas formas de expressão artística, sem contar as con-quistas tecnológicas da comunicação de massa, como a fotografia, que reafirma no nosso cotidiano a velha máxima de que mais vale uma imagem que mil pala-vras, frase atribuída a Confúcio, filósofo chinês que viveu no século V a.C..

Além disso, é fundamental observar que os dois fenômenos – escrita e cidade – ocorrem quase simul-taneamente (há cerca de seis mil anos), impulsionados pela necessidade de memorização, medida e gestão do trabalho coletivo. Daí se depreende que os grupos hu-manos que convivem num mesmo território chamado cidade competem entre si pelo domínio desse território, por meio não só da sua apropriação material, mas tam-bém da sua apropriação ritual, vale dizer, simbólica.

Encontro dos povos indígenas em Guarulhos em 2012.

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O MITO DO GIGANTE ADAMASTORMais recentemente, durante a Renascença euro-

peia, foi a vez de o povo português construir a sua ver-são da história. Em Os lusíadas, publicado em 1572, Luís de Camões narra as aventuras marítimas dos na-vegadores portugueses, com destaque para a viagem de Vasco da Gama às Índias, ocorrida em 1498. Nação mais ocidental da Europa, líder do progresso das técni-cas de navegação, Portugal começou a explorar as ilhas próximas no início do século XV. Progressivamente, foi conquistando a extensa costa africana, obtendo ali ouro, pimenta, marfim e pessoas para escravizar, mas tendo como principal objetivo contornar o continente e atingir a Ásia pelo Oceano Índico.

Fiel às principais características da epopeia como gênero literário, Camões estruturou a sua narra-tiva em dez cantos (partes), com estrofes de oito versos decassílabos, seis rimas cruzadas e duas em paralelo, e tratou de associar os feitos dos heróis lusitanos a atri-butos quase sobrenaturais, próprios dos deuses, quali-

dades que lhes teria possibilitado, inclusive, explorar outros continentes em nome de Deus. Interessa-nos especialmente o Canto V, uma das passagens mais fa-mosas do poema, momento em que a embarcação de Vasco da Gama alcança o encontro entre o Atlântico e o Índico, na ponta sul do continente africano. Ali vive a figura mitológica do gigante Adamastor, guardião daquela área marítima, representação do promontório cercado por águas revoltosas e apelidado pelos portu-gueses de Cabo das Tormentas.

Segundo nos conta Camões no poema, Ada-mastor é uma figura “robusta e válida, de disforme e grandíssima estatura”. Tem “o rosto carregado, a bar-ba esquálida, os olhos encovados e a postura medonha e má”. Os cabelos “crespos” estão cheios de terra, “a boca, negra, os dentes, amarelos”. Adamastor é, enfim, uma criatura-ameaça, símbolo dos obstáculos que só valorizam as conquistas lusitanas.

O que os navegadores de 1498 ou o poeta de 1572 não podiam prever é que naquele mesmo cabo,

Centro Municipal de Educação Adamastor em 2011.

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no continente, haveria no futuro um país de nome África do Sul, lembrado mundialmente como íco-ne do apartheid, responsável pelo episódio inspirador do Dia Inter-nacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. No dia 21 de março de 1960, no bairro de Sha-perville, em Joanesburgo, capital da África do Sul, 20 mil jovens e crian-ças negras protestavam contra a lei do passe, que os obrigava a portar uma identificação especificando os locais por onde eles podiam circu-lar. Mesmo sendo uma manifesta-ção pacífica, o Exército atirou sobre a multidão, matando 69 pessoas e ferindo outras 186. Essa ocorrência ficou conhecida como o “Massacre de Shaperville”, e o dia 21 de março, como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, instituído pela Organiza-ção das Nações Unidas (ONU). A África do Sul revelou para o mundo personagens como Desmond Tutu, arcebispo negro sulafricano notabi-lizado por sua luta contra o regime do apartheid, motivo pelo qual foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 1984) e Nelson Mandela. A libertação de Nelson Mandela, preso na África do Sul desde 1964, foi uma das principais bandeiras do Movimento Negro Brasileiro no fi-nal dos anos 1970. Mandela foi sol-to em 1989, venceu a luta contra o regime e se transformou no primei-ro presidente negro (1994 a 1999) pós-apartheid. Considerado o mais importante líder da África negra, Mandela também é Nobel da Paz, em 1993), tão ou mais ameaçadores

que o gigante mitológico, já que são pessoas reais que impõem, como a história tem demonstrado, obstá-culos reais, mais poderosos que as águas revoltas do oceano.

As possibilidades interpreta-tivas dessa passagem de Os lusíadas estão devidamente representadas no cenário urbano de Guarulhos, par-ticularmente na releitura, feita em 2003, do antigo prédio da Fábrica de Casimiras Adamastor, localizado na Avenida Monteiro Lobato, no centro expandido. Inaugurada em 1946, no local onde até 1941 ha-via uma chácara e olaria, a fábrica ocupou o prédio da Cerâmica Bra-sil, que funcionara ali entre 1941 e 1946. O prédio, tombado por meio do Decreto Municipal no 21.143, de 26 de dezembro de 2000, foi adaptado para receber o Centro Municipal de Educação, que man-teve o nome da fábrica de casimiras.

A adaptação, pelo arquiteto Ruy Ohtake, estabelece um interes-sante contraste entre a arquitetura moderna do início do século XXI e as técnicas construtivas do prédio original, cuja base é o tijolo cozido, ciclo econômico que fez proliferar em Guarulhos, principalmente nas várzeas do Rio Tietê, as olarias ex-ploradas sobretudo por imigrantes italianos, incentivados a se estabe-lecer no Brasil exatamente no mo-mento em que o trabalho escravo era substituído pelo assalariado. Ohtake instalou, ao lado do antigo prédio, uma estrutura em vidro verde sobre concreto armado e em forma de nau, que atualmente abriga a Secretaria Municipal de Cultura.

Desmond Tutu.

Nelson Mandela.

Abdias do Nascimento.

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O nome do gigante mítico da epopeia de Ca-mões representa, assim, o elo entre as tradições escrita e oral e a modernidade urbana, que afinal são, como vimos, elementos fundamentais para se compreender a cidade símbolo. Adamastor é também o fio que costura o século XV, narrado em Os lusíadas, ao período da in-dustrialização guarulhense e à chegada do terceiro milê-nio. No saguão do Centro Municipal, há uma placa de inauguração, onde se lê: Remodela-se a antiga tecelagem para abrigar os sonhos e os meios, permitindo ao professor tecer as tramas do saber, unindo os fios do passado ao presente para a construção do futuro.

É evidente, nesse texto de autoria não identifi-cada, a consciência em relação à importância também metafórica do equipamento público então entregue à população. Ao se falar em abrigar os sonhos e os meios, considera-se não apenas o aspecto prático ou literal do ato, mas também o simbólico. Expressões como tecer as tramas do saber e unir os fios do passado ao presente, que exploram o duplo sentido da construção linguística, parecem convidar os futuros usuários do equipamento para que façam dele uma interpretação ativa e integral, que lance mão das diversas linguagens em jogo, exatamente como fazem as sociedades de tradição oral, como nesta frase: A palavra vem acom-panhada de outras linguagens além da linguagem verbal – a gestualidade, a microgestualidade, a entonação, a linguagem plástica e outras.

SANGUE PAULISTAAinda no ano 1400 da Era Cristã, o território

que hoje conhecemos como cidade de Guarulhos já era frequentado pelos Maromomi, povo coletor e nômade pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê, que por sua vez era um conjunto de línguas então faladas pelos ha-bitantes da imensa região situada entre a Serra do Mar, o Vale do Rio Paraíba do Sul e a Serra da Mantiqueira.

O primeiro nome da atual cidade de Guarulhos, portanto, foi “Aldeia de Nossa Senhora da Conceição dos Maromomi”, fundada pelo padre jesuíta Manoel de Paiva em 1560, ao mesmo tempo em que, por or-dem de Mem de Sá, terceiro governador-geral do Bra-sil, a estrutura administrativa da Vila de Santo André

da Borda do Campo, com os seus moradores, era trans-ferida para a povoação que se formava em torno do Colégio dos jesuítas e que a partir de então foi transfor-mada em núcleo político-administrativo da Vila de São Paulo dos Campos de Piratininga.

Estudos recentes evidenciam a possibilidade de os Maromomi estarem etnicamente mais próximos do chamado “homem de Lagoa Santa”, povo negroi-de que chegou ao território brasileiro por volta de 14 mil anos atrás, constituindo-se nos nossos primeiros povoadores. Seu processo migratório os teria levado

Indígenas Purí aparentando Maromomi. Obra de JohannMoritz Rugendas, 1835.

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a ocupar, bem antes da chegada dos povos de língua Tupi-Guarani, determinadas regiões do litoral, como a atual cidade de Caraguatatuba, onde existe inclusive uma localidade chamada “Enseada dos Maromomi”. Sua semelhança física com os Guarulhos, indígenas da região do Rio de Janeiro, fez os portugueses, entre 1630 e 1640, lhes trocarem a identidade, assim como o nome da aldeia.

A formação do aldeamento de Nossa Senho-ra da Conceição, em 1560, e o desenvolvimento da atividade da mineração de ouro na atual Serra do Ita-beraba, a partir de 1597, são processos fundadores de um ideal identitário para a cidade de Guarulhos, nos quais é possível encontrar os principais elementos re-produzidos no Brasão de Armas do Município, insti-tuído em fevereiro de 1932 como seu primeiro sím-bolo o ficial. Ali estão o escudo português, a Lua cres-cente representativa de Nossa Senhora da Conceição, a cruz que simboliza a presença da Igreja Católica, as três cabeças que homenageiam os indígenas, os ban-deirantes e os colonizadores portugueses, as anhumas que viviam às margens do Rio Tietê e a frase latina

vere pavlistarvm sangvis mevs (meu sangue é verdadei-ramente paulista).

Como se vê, o Brasão de Armas de Guarulhos tem o mito bandeirante – o sangue paulista – como base de sua representação simbólica, reproduzindo uma criação discursiva implantada no Brasil a partir da proclamação da República e vigente até a atualidade, ainda que venha sofrendo questionamentos por parte da historiografi a mais recente.

A ideia romântica, triunfalista, do bandeirante herói e benfeitor, responsável pela expansão da civili-zação contra o atraso primitivo, serviu como uma luva aos interesses dos cafeicultores paulistas que, com o su-cesso do movimento republicano por eles engendrado, acrescentavam, assim, ao seu poder econômico, tam-bém o poder político. Como recurso simbólico para a consolidação e manutenção desse poder, havia o papel dos bandeirantes, indivíduos independentes que desa-fiaram tanto a Igreja Católica como a Coroa portu-guesa no processo de colonização do Brasil. Isso serviu como sugestão histórica de que o poder deveria emanar de São Paulo, já que seu povo seria descendente de co-

Combate contra botocudos. Obra de Jean Baptiste Debret, 1827.

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mandantes natos, a firma a historiadora Luíza Volpato, especialista no tema.

Esse sistema encontrou adeptos entre a elite in-telectual, que se dispuseram, na condição de formado-res de opinião, a reproduzi-la por meio da exploração dos potenciais expressivos da linguagem, levados a efeito por ações frequentemente o ficiais – conforme abaixo –, num processo cumulativo de mensagens que, ao longo de quase todo o século XX, acabaram por transformar em verdade absoluta o que é apenas o ponto de vista de um grupo social.

•1903–BeneditoCalixtocriaafiguraaltivadeDomingos Jorge Velho.

•1917–Ao assumir adireçãodoMuseuPau-lista, o engenheiro e historiador Affonso D’Escragnolle Taunay, descendente de importante família de políticos e intelectuais franceses, reconfigura a decoração da institui-ção e, em nome de um projeto ideológico voltado para a relação entre memória e poder, encomenda a elaboração de várias obras de arte que enaltecem o bandeirantismo.

•1930–AfonsoTaunayencomendaobrasso-bre os bandeirantes.

•1932 – É instituído o Brasão de Armas deGuarulhos, de autoria do mesmo Affonso Taunay.

•1940–Comoiníciodasobrasdeconstrução,sob a gestão do interventor do Estado Novo Adhemar

Pereira de Barros, do seu tre-cho São Paulo–Campinas, passa a se chamar Anhangue-ra – como ficou conhecido o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva – a antiga rodovia que era denominada Estrada Velha de Campinas.

• 1953 – No dia 25de janeiro, quando se come-morava o 399o aniversário da cidade de São Paulo, foi inaugurado, na Praça Ar-mando Salles de Oliveira, no Ibirapuera, o “Monumento às Bandeiras”, escultura de 12 metros de altura, 50 de

extensão e 15 de largura que o artista Victor Brecheret iniciara quase trinta anos antes, com o apoio dos mo-dernistas Oswald de Andrade e Di Cavalcanti.

•1954–ARodovia SP-270, que liga obair-ro do Butantã, na zona oeste da cidade de São Paulo, ao município de Presidente Epitácio, na divisa com o estado do Mato Grosso do Sul, recebe o nome de Raposo Tavares, em homenagem ao bandeirante.

•1961–OtrechoentreomunicípiodeGuaru-lhos (SP) e a Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG) da BR-381 recebe o nome de Fernão Dias, ban-deirante famoso pela procura obstinada de esmeraldas, responsável pela abertura do caminho cujo traçado foi quase totalmente acompanhado pela atual rodovia.

•1963–Éinaugurada,naconfluênciaentreasavenidas Santo Amaro e Adolfo Pinheiro, na zona sul da cidade de São Paulo, uma estátua de 10 metros de altura, de autoria do artista santamarense Júlio Guer-ra, em homenagem ao bandeirante Manuel de Borba Gato (1649–1718).

•1967–OpoemaHinodosBandeirantes,deGuilherme de Almeida, é adotado como letra do Hino do Estado de São Paulo.

•1976–ÉinauguradooatualPaçoMunici-pal de Guarulhos, onde funciona a Prefeitura. Nos jardins do Paço, foi instalado um monumento de

Monumento às Bandeiras. Obra de Victor Brecheret. Inaugurado em 1954.

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pedra com uma placa onde se lê: “Este é o marco do novo centro administrativo de Guarulhos que erigimos em homenagem à grandeza deste povo que trabalha para glória da Nação, honrando a memória dos ancestrais bandeirantes.”

•1978–ÉinauguradaaRodoviadosBandei-rantes, pelo então presidente Ernesto Geisel e pelo go-vernador Paulo Egídio Martins.

Em relação a todos essas homenagens, cabe destacar uma “coincidência” – se é que em história isso é possível – ocorrida ainda nos momentos iniciais do Período Colonial brasileiro. Em 1597, ao mesmo tempo em que os bandeirantes Afonso Sardinha, pai e fi lho, encontravam ouro na Serra do Jaguamimbaba – atual Serra do Itaberaba, em Guarulhos –, um grupo de 40 africanos escravizados se rebelava num engenho de cana-de-açúcar em Pernambuco, refugiando-se na Serra da Barriga, lugar de difícil acesso, distante do litoral e protegido por precipícios e matas intocadas, para dar início ao Quilombo de Palmares. Quase um século depois, Domingos Jorge Velho, o bandeirante reinventado por Benedito Calixto em tela de 1903, destruiria Palmares (1694), depois de quase sete anos

de batalha, e mataria o seu líder Zumbi numa embos-cada (20 de novembro de 1695). Jorge Velho e Zumbi tiveram seus nomes eternizados na História. Foram transformados em heróis, por motivos diferentes, sob pontos de vista opostos.

Foram assim estruturados os elementos fun-damentais sobre os quais se baseia a construção do espaço de disputa da memória coletiva em Guarulhos, num processo de produção, apropriação e semantização do espaço urbano globalizado. De um lado os bandei-rantes, representando a conquista de terras, o domí-nio sobre os outros povos, a busca por riquezas, o progresso e a civilização; de outro, os quilombos, que proliferaram por todo o Brasil onde quer que tenha havido escravidão, funcionando como abrigo para os fugitivos da opressão – no caso de Palmares, não só negros escravizados, mas também indígenas e brancos marginalizados –, além de ameaça aos interesses do colonizador na exploração dos recursos da terra, vale dizer, no Nordeste do século XVI, da cana-de-açúcar e, na Guarulhos dessa mesma época, do ouro, ciclos econômicos a que se seguiram o ouro mineiro e o café paulista como culturas principais.

Carregadores de sacas de café no cais do porto de Santos.

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:: A APARÊNCIA INVENTADA DE DOMINGOS JORGE VELHO ::

O pintor santista Benedito Calixto, ten-do recebido do Governo do Estado de São Paulo a encomenda de duas telas para orna-mentar o Museu Paulista, teria pedido a orien-tação de alguns pesquisadores, entre eles o engenheiro e historiador negro Teodoro Sam-paio, que teria respondido, em carta de 27 de novembro de 1892: Num quadro histórico, porém, não há só a considerar a verdade ou realidade do fato; há também a parte pro-priamente artística ou de efeito estético, há a lição de coisas. Caracterizando o vulto de Domingos Jorge Velho como trajava qualquer sertanejo mais abastado ou “o bandeirante”, não se conseguirá do quadro a demonstra-ção ou a ideia que se tem em vista alcançar. É mister, portanto, sacrificar um tanto a re-alidade à ficção, no intuito de se conseguir maior força de expressão. Acho, pois, acerta-da a sua resolução de caracterizar o famoso vencedor dos Palmares pelo modo pelo qual m’o descreveu. Benedito Calixto, Retrato de Domingos Jorge Velho, 1903, óleo sobre tela, 140 x 100 cm. Coleção Museu Paulista da Universidade de São Paulo.Domingos Jorge Velho. Obra de Benedito Calixto, 1903.

Praça Conselheiro Crispiniano em 2013. Demarcação da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (nome atual), demolida em 1930. Marca inaugurada no dia 8 de dezembro de 2008.

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:: LEIS ABOLICIONISTAS ::

Lei Diogo Feijó – Lei Imperial de 7 de no-vembro de 1831; declarava livre todos os escra-vos vindos de fora do Império e impunha penas aos seus importadores.

Lei Euzébio de Queirós – Lei Imperial no 581, de 4 de setembro de 1850. Proibia o tráfico de negros africanos para o Brasil. O tráfico inter-no de escravos permaneceu legal até a promul-gação da Lei do Ventre Livre.

Lei do Ventre Livre (também chamada de Lei Rio Branco).

Lei Imperial, de 28 de setembro de 1871 –

Declarava livres os filhos de mulheres escravas nascidos a partir da data da sua promulgação.

Lei dos Sexagenários (também chama-da de Lei Saraiva Cotegipe)

Lei Imperial no 3.270, de 28 de setembro de 1885 – Mandava fazer a matrícula de todos os escravos existentes no Império do Brasil, ex-cluídos os maiores de 60 anos.

Lei Áurea – Lei imperial no 3.353, de 13 de maio de 1888, composta de um único artigo, que declarava extinta a escravidão no Brasil.

:: LEIS DE COMBATE AO RACISMO E AO PRECONCEITO ::

Lei Afonso Arinos – Lei Federal no 1.390, de 3 de julho de 1951. Incluía entre as contra-venções penais “os atos resultantes de precon-ceito de raça ou de cor”. Foi revogada pela Lei no 7.716, de 5 de janeiro de 1989, também conheci-da como Carlos Alberto (Caó).

Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988. Art. 216 (...) inciso 5o – Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

Ato das disposições constitucionais transitórias. Art. 68 – Aos remanescentes das comunidades dos quilombolas que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a proprie-dade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos.

Lei CaóLei federal no 7.716, de 5 de janeiro de

1989 – Define como crimes os preconceitos re-sultantes de raça ou de cor.

:: LEIS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL ::

Lei Federal no 10.639, de 2003 – Altera a LDBN 9.394/1996, para incluir a obrigatoriedade de inclusão no currículo oficial da rede de ensino da história e cultura da áfrica e dos afro-brasileiros.

Lei do feriado do dia 20 de novembro (Art. 79-B da Lei no 10.639) – Inclui o dia 20 de no-vembro como Dia Nacional da Consciência Negra.

Lei Municipal no 5.950, de 2003 (Câmara de Vereadores de Guarulhos) – Institui no municí-pio de Guarulhos o dia 20 de novembro como fe-riado civil municipal – Dia da Consciência Negra.

Lei Federal no 11.645, de 2008 – Altera a LDBN, 9.394/1996, para incluir no currículo da

rede de ensino a obrigatoriedade da história e cultura afro-brasileira e indígena.

Lei Municipal no 6.494, de 2009 – Torna obrigatório o tema história e cultura afro-brasi-leira e indígena no programa de ensino dos es-tabelecimentos de educação infantil, públicos e privados do município de Guarulhos.

Lei no 12.288 – Estatuto da Igualdade Racial de 2010 – Tem por objetivo “combater a discriminação racial e as desigualdades raciais que atingem os afro-brasileiros, incluindo a di-mensão racial nas políticas públicas desenvolvi-das pelo Estado”.

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:: AÇÕES DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PARA PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL ::

As ações da Secretaria da Educação para Promoção da Igualdade Racial teve início em 2002, a partir da Semana de Consciência Negra, considerada um importante marco inicial. Com o desafio de avançar nas políticas educacionais sobre a temática, em 2008 constituiu-se o Grupo de Trabalho da Promoção da Igualdade Racial (GTPIR).

Ao longo dos anos, o GTPIR vem desenvolvendo diversas ações com vistas a implementação das Leis Federais: no 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira no currículo escolar e a no 11.645/2008 que amplia a obrigatoriedade para a temática indígena; além destas, destacamos a Lei Municipal no 6.494/2009, que estabelece esse ensino tam-bém para a educação infantil, nas escolas públicas e privadas do município de Guarulhos.

Na perspectiva de ampliar as políticas educacionais em consonância com essa legislação, no dia 27 de outubro de 2009 foi criada na estrutura organizacional da Secretaria da Educação a Divi-são Técnica de Políticas para Diversidade e Inclusão Educacional, composta por quatro sessões, das quais destacamos a Seção Técnica de Ações Educativas para Igualdade Racial e de Gênero, que, dentre as várias atribuições, tem como maior meta realizar ações formativas que favoreçam o desenvolvimento de uma cultura de respeito à diversidade e de garantia de direitos a todos e todas.

Cabe ressaltar que o GTPIR teve continuidade, então como um braço das ações dessa Se-ção, visto que se caracteriza como uma importante estratégia para favorecer a articulação entre os diferentes segmentos e modalidades da Secretaria da Educação.

Neste cenário várias ações formativas foram desenvolvidas, como: Projeto Babassá – Danças e Cultura Afro-brasileira, Semanas da Consciência Negra, Cursos – Educação Africanidades – Brasil/MEC, Metodologia de Enfrentamento do Racismo e Promoção da Igualdade Racial, oficinas temáti-cas desenvolvidas tanto com educadore(as), como com educandos(as), Seminário Internacional de Diálogos Políticos sobre o Ensino de História e Cultura da África, Curso de História e Culturas Africa-nas e Afro-brasileiras, Prêmio Akoni de Promoção da Igualdade Racial, Curso Diversidade e Direitos Humanos, Oficinas nas Escolas – Articulação de Saberes e Práticas de Enfrentamento das Discri-minações e de Promoção da Igualdade Racial/Étnica e de Gênero, Curso de Relações Raciais na Educação: 10 anos da Lei no 10.639/2003, Curso de Literatura Negra ou Afro-brasileira? Uma ques-tão e muitas vozes, Seminário 10 anos da Lei no 10.639/2003 “O quanto caminhamos pela igualdade racial na educação?”. Publi-cações: Revista Ashanti de Promoção da Igualdade Ra-cial e Afro-brasileiros(as) e Currículo – Olhar para trás para seguir em frente...(Sín-tese do Relatório da pes-quisa: Compreensão e efe-tivação das Leis Federais no 10639/03 e no 11645/08 e da Lei Municipal 6494/09 na Rede Municipal de Gua-rulhos), além das análises e indicação para aquisição e compra de livros recursos didáticos sobre o tema.

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:: PERSONALIDADES NEGRAS DA NOSSA HISTÓRIA ::

João do Pulo (in memoriam), atleta de Guarulhos,recordista mundial de salto triplo em 1973. Babá Tereza (in memoriam), sambista guarulhense.

Conceição Geremias, ex-atleta da seleção de Guarulhos, participante de três olimpíadas. Mestre Mirão (in memoriam), capoeirista guarulhense.

Jaú (in memoriam), jogador de futebol guarulhense que atuou no Corinthians, no Vasco e na Seleção Brasileira. Adriana Lessa, atriz guarulhense.

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Meus avós foram queimadospelo sol da Áfricaminh’alma recebeu o batismo dos tamboresatabaques, gonguês e agogôs.

Contaram-me que meus avósvieram de Loandacomo mercadoria de baixo preçoplantaram cana pro senhor do engenho novoe fundaram o primeiro maracatu.

Depois meu avô brigou como um danadonas terras de Zumbi.Era valente como quê.Na capoeira ou na facaescreveu não leuo pau comeu.Não foi um pai Joãohumilde e manso.

Mesmo vovónão foi de brincadeira.Na guerra dos Malêsela se destacou.

Na minh’alma ficouo sambao batuqueo bamboleioe o desejo de libertação...

SOU NEGRO

Cantares a meu povo. Autoria de Solano Trindade.São Paulo: Fulgor, 1961.

Francisco Solano Trindade (1908-1974).

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GALERIA DE PREFEITOS DE GUARULHOS

Capitão GabrielJosé Antônio1908 a 1915

Felício Antônio Alves1915 a 1916

Zeferino Pires de Freitas

1917 a 1919

José Maurício de Oliveira Sobrinho

1919 a 19301940 a 1945

João Eduardoda Silva

1930

Delezino de Almeida Franco

1930 a 1931

Dr. Alberto Cardoso de Melo

1931

Major AriovaldoPanadés

1931 a 1933

Dr. Alfredo Ferreira Paulino Filho

1932

Carlos Panadés1933

Guilhermino Rodrigues de Lima

1933 a 1938

Gentil Bicudo1936, 1938 e 1945

José Saraceni1936

Major José Moreira Matos

1938 a 1940

Dr. Heitor Maurício de Oliveira1945 a 1947

Vasco Elídio Egidio Brancaleoni

1945

Dulce InsueloMacedo

1947

João MendonçaFalcão1947

Dr. Olivier Ramos Nogueira

1947 a 1948

Fioravante Iervolino1948 a 19521957 a 1961

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Antônio Prátici1952 a 1953

Rinaldo Poli1953 a 1957

Dr. Mário Antonelli1961 a 1966

Francisco Antunes Filho1962

Waldomiro Pompêo1966 a 19701973 a 1977

Alfredo Antônio Nader1970

Jean Pierre Hermann de Morais Barros

1970 a 1973

Prof. Néfi Tales1977 a 19821997 a 1998

Dr. Rafael Rodrigues Filho

1982 a 1983

Dr. Oswaldo de Carlos

1983 a 1988

Paschoal Thomeu1988 a 1992

Vicentino Papotto1993 a 1996

Jovino Cândidoda Silva

1998 a 2000

Elói Pietá2001 a 20042005 a 2008

Sebastião Almeida2009 a 20122013 a 2016

Obs.: Não constam nesta galeria as fotos do intendentes (cargo correspondente ao de prefeito) – Capitão Joaquim Francisco de Paula Rebello; Antônio José Siqueira Bueno; Junta de Intendentes (Vicente Ferreira de Siqueira Bueno, Felício Marcondes Munhoz, Antônio Dias Tavares e Luiz Dini); Jesuíno José de Souza; Lúcio Francisco Pereira Paiva; Lúcio Francis-co Pereira; João Francisco da Silva Portilho; Dr. Leonardo Valardi; Capitão João Teófilo de Assis Ferreira. Fonte: Noronha, 1960, p. 65, 66 e 67.

Ata de instalação da Vila de Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos (Município):

“Aos vinte e quatro dias do mês de janeiro de 1881, nesta Vila de Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos, co-marca da imperial cidade de São Paulo, na casa destinada para sessões da Câmara Municipal da mesma, ao meio-dia, comparecerão os Srs. Presidente e Vereadores da Câmara Municipal da Capital, D. João Mendes de Almeida Junior, Américo Brasiliense, Almada Melho, Antônio Francisco Aguiar Castro, Augusto de Souza Queiróz, TTE Cel. Antônio José Fernandes Braga, para a instalação da Câmara Municipal da Vila de Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos, e dar juramento e posse aos vereadores eleitos (...)”

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DICAS DE LEITURA

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História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: Distrito Federal, 2005.CEMA/IGEO. Como nos tornamos humanos: uma história de adaptação e sobrevivência. Documentário.

Ediouro – Duetto Editora.Revista Nova Escola, edição 217, out/2008. Título original: Bandeirantes – heróis ou vilões?Revista Ashanti, edição única, nov/2010. Prefeitura de Guarulhos.Afrobrasileiros[as] e currículo. Olhar para trás para seguir em frente. Síntese do Relatório da pesqui-

sa “Compreensão e efetivação das Leis Federais no 10.639/2003 e no 11.645/2008, e da Lei Municipal no 6.494/2009 na Rede Municipal de Educação de Guarulhos.

Grupo de capoeiristas: alunos do Mestre Lobo, no Bosque Maia, em Guarulhos, s/d.

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Elton SoarES dE olivEira Eu sou daqui, mas vim de longe¹. Nasci no distrito de Irundiara, município

de Jacaraci, Bahia. Sou filho de José de Oliveira Neto e Juvencília Soares de Oli-veira; chegamos a Guarulhos em 1973. Meu pai era carpinteiro e logo ingressou na obra de construção do parque CECAP. Minha mãe sempre foi costureira.

Estudei em escola pública e me tornei historiador formado pelas Faculda-des Integradas de Ciências Humanas, Saúde e Educação de Guarulhos (Figui-nha). Como pesquisador de história local desde 1980, dedico meus dias e partes das noites para conhecer os lugares e o modo de vida das pessoas, especialmente em Guarulhos.

Sou professor de história local, de oratória e apresentador do programa Destaque Repórter, TV Destaque de Guarulhos. Além de militante das áreas de história, cultura e meio ambiente, sou autor e coautor de vários livros, pesquisas e artigos sobre a história de Guarulhos–SP e de Jacaraci–BA.

Contato: [email protected].

¹Música Cravo Vermelho, it. de Geraldo Azevedo.

AUTORES

JoSé abilio FErrEira

Iniciei as minhas atividades literárias em 1984, quando ingressei no Qui-lombhoje-Literatura, grupo de escritores responsável pela edição da série Cadernos Negros, que por sua vez é uma antologia anual publicada ininterruptamente desde 1978, e que reúne poetas e contistas de todo o Brasil. Deixei o grupo em 1990.

Jornalista graduado em 1986, combino literatura e jornalismo em minha produção, que inclui um livro de poemas e contos (Fogo do olhar – 1989), uma novela (Antes do carnaval – 1995), participações em antologias de ensaios (Refle-xões sobre a literatura afro-brasileira – 1986; e Criação crioula, nu elefante branco – 1987), além de publicações de pesquisa historiográfica sobre cidades brasileiras.

Como ativista do processo de formação da Literatura Negra Brasileira, autor de poemas e contos publicados em Cadernos Negros, participei também dos três Encontros Nacionais de Poetas e Ficcionistas Negros Brasileiros ocorridos entre 1985 e 1988.

Sou um dos 100 escritores estudados na antologia crítica Literatura e afrodescendência no Brasil, publicada em quatro volumes pela editora da Uni-versidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2011. Estudos críticos sobre o meu trabalho literário também podem ser conferidos em http://www.letras.ufmg.br/literafro.

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