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1 QUINTAIS AGROFLORESTAIS E SEUS SISTEMAS PRODUTIVOS NO ASSENTAMENTO TARUMÃ MIRIM, MANAUS – AM Breno Campos Amorim Laboratório de Estudos Sociais Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (LAES/INPA) [email protected] Guilherme Oliveira Freitas Laboratório de Estudos Sociais Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (LAES/INPA) [email protected] Resumo Criado a partir de políticas públicas de Reforma Agrária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Assentamento Tarumã-Mirim está localizado entre as bacias hidrográficas Tarumã-Mirim e Tarumã-Açu. Foi idealizado em 1992, mas os assentados só tiveram posse da terra no ano de 1997, devido litígio entre o INCRA e o Governo do Estado do Amazonas para definir qual instância do poder poderia administrar e fazer a gestão do território. Está divido em 1.042 lotes e 3 reservas florestais, numa área de 42.910,7601 ha. O acesso acontece por via terrestre através do Ramal do Pau Rosa, no km 21 da BR-174 ou por via fluvial, chegando a Comunidade São Sebastião, por via fluvial – pelo conhecido como igarapé - Tarumã-Açu. Palavras chave: Quintais agroflorestais. Sistemas produtivos. Tarumã Mirim. Resultados e discussões Criado para suprir as necessidades de produção agrícola do município de Manaus, os 1.042 lotes receberam as informações de que seriam ajudados com a instalação necessária para permanecer no lote com infra-estrutura adequada para manter a produção de mercadorias. Legalmente, cada assentado receberia 25 hectares (250x1000), como posse de terra, tendo desta área, apenas 2 hectares para o cultivo de roças, canteiros e a construção de sua casa. A área restante não poderia ser desmatada sem a licença legal por meio dos órgãos competentes que representam o poder público, como IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) e IPAAM (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas). O fato de estar localizado entre duas bacias hidrográficas com nascentes em lotes do assentamento serviu de argumento para a criação da APA (Área de Proteção Ambiental) Margem Esquerda do Rio Negro – Setor Tarumã Açu e Tarumã Mirim (Souza, 2008). Entretanto, ao passo que estes dois Igarapés servem para abastecer os cultivos com

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QUINTAIS AGROFLORESTAIS E SEUS SISTEMAS PRODUTIVOS NO ASSENTAMENTO TARUMÃ MIRIM, MANAUS – AM

Breno Campos Amorim Laboratório de Estudos Sociais

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (LAES/INPA) [email protected]

Guilherme Oliveira Freitas

Laboratório de Estudos Sociais Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (LAES/INPA)

[email protected] Resumo Criado a partir de políticas públicas de Reforma Agrária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Assentamento Tarumã-Mirim está localizado entre as bacias hidrográficas Tarumã-Mirim e Tarumã-Açu. Foi idealizado em 1992, mas os assentados só tiveram posse da terra no ano de 1997, devido litígio entre o INCRA e o Governo do Estado do Amazonas para definir qual instância do poder poderia administrar e fazer a gestão do território. Está divido em 1.042 lotes e 3 reservas florestais, numa área de 42.910,7601 ha. O acesso acontece por via terrestre através do Ramal do Pau Rosa, no km 21 da BR-174 ou por via fluvial, chegando a Comunidade São Sebastião, por via fluvial – pelo conhecido como igarapé - Tarumã-Açu. Palavras chave: Quintais agroflorestais. Sistemas produtivos. Tarumã Mirim. Resultados e discussões Criado para suprir as necessidades de produção agrícola do município de Manaus, os

1.042 lotes receberam as informações de que seriam ajudados com a instalação

necessária para permanecer no lote com infra-estrutura adequada para manter a

produção de mercadorias. Legalmente, cada assentado receberia 25 hectares

(250x1000), como posse de terra, tendo desta área, apenas 2 hectares para o cultivo de

roças, canteiros e a construção de sua casa. A área restante não poderia ser desmatada

sem a licença legal por meio dos órgãos competentes que representam o poder público,

como IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis)

e IPAAM (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas).

O fato de estar localizado entre duas bacias hidrográficas com nascentes em lotes do

assentamento serviu de argumento para a criação da APA (Área de Proteção Ambiental)

Margem Esquerda do Rio Negro – Setor Tarumã Açu e Tarumã Mirim (Souza, 2008).

Entretanto, ao passo que estes dois Igarapés servem para abastecer os cultivos com

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água, não foi levado em consideração que algumas localidades do assentamento o solo

possui maior fertilidade natural, enquanto outras não apresentam a mesma qualidade

necessária para manter a agricultura.

Muitos dos atuais assentados já viviam na área do assentamento muito antes de ser um

projeto da reforma agrária, onde viviam como posseiros. Após a implementação do

projeto, eles passaram a ser legalizados e continuaram com o mesmo propósito que era

o cultivo agrícola, até porque o INCRA dá prioridade à regularização fundiária ao

produtor que já vivia na terra como posseiro primitivo ou colono da terra.

Atualmente, quem presta o serviço de técnica e extensão rural são os órgãos como

IDAM (Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Amazonas), a SEPROR

(Secretaria de Produção Rural) e a SEMPAB (Secretaria Municipal de Produção e

Abastecimento).

A necessidade de se criar um assentamento reflete a pressão sobre a terra, que é o

principal meio de produção para os camponeses. Além de ser a base para a satisfação de

suas necessidades, eles produzem alimentos que são vendidos nas feiras de Manaus.

Nem todas as comunidades possuem sistemas de produção agrícola, algumas possuem

problemas pela falta de acesso ou porque não há produção devido às condições do solo

que não são atendidos pela extensão técnica e rural. O ambiente físico do Tarumã

Mirim é caracterizado por Floresta Densa, com condições climáticas e de solo bem

diferentes da estimativa natural para a produção agrícola encontradas em outros estados,

visto que muitos dos assentados vieram de várias regiões do país onde a cultura está

estreitamente ligada a agricultura, o que causou um descontentamento nos assentados

para lidar com as dificuldades encontradas, sem ajuda imediata da técnica. Isso fez com

que muitos deles desistissem do lote ou utilizassem apenas para passar os fins de

semana, já que a forma mais fácil de garantir sustento imediato seria proletarizar-se, ou

seja, vender a mão-de-obra em troca de salários, no caso do homem na indústria e para

as mulheres se empregarem em serviços domésticos, principalmente para as menos

instruídas. Para outros que não possuíam perfil de agricultor, passaram a fazer da terra

destinada à produção agrícola um comércio, o qual prevaleceu à especulação

imobiliária.

Há uma associação que cuida dos interesses dos assentados chamada de ASSAGRIR

(Associação dos Agricultores do Ramal do Pau Rosa) e diversas associações

independentes em todas as comunidades do Assentamento Tarumã Mirim.

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A consolidação do projeto de assentamento trabalha com a idéia de propriedade legal da

terra aos agricultores, mas para que aja produção é necessária continua assistência

técnica e extensão rural, que fazem parte dos meios que garantem a produção. Mas este

serviço não é oferecido a todas as comunidades, algumas por falta de acesso ou

produção comunitária que leve um volume esperado de mercadorias para que o estado

cumpra o papel da técnica e supra as demandas do mercado existente, principalmente

nas feiras de Manaus.

Parte da técnica utilizada para fazer a distribuição e circulação da produção é feita pela

SEPROR (Secretaria de Produção Rural), por meio do “Formigão”, um ônibus que leva

os produtores e suas mercadorias até as feiras, principais pontos de comercialização.

Também são disponibilizados caminhonetes, carros e caminhões para esta técnica.

Entretanto, quando o ônibus que faz o translado dos assentados até as feiras e os leva de

volta até o Tarumã Mirim está com problemas, muitos dos assentados precisam pegar

caronas ou pagar preços altos para os transportes particulares que circulam nas vicinais

e ramais do assentamento.

São identificados os produtos agrícolas que seguem a preferência alimentar para suprir

primeiramente as necessidades da família, como por exemplo, a Macaxeira, Mandioca,

Açaí, Abacaxi, Cupuaçu, Pupunha, Coco, Manga, Limão, e a criação de animais como

Galinha, Pato, Picote, Porco, Codorna, e cultivo de hortaliças diretamente no solo com

ajuda de adubos orgânico ou químico ou em canteiros suspensos, como por exemplo,

Cebolinha, Cheiro-verde, Alface, Couve, Chicória, etc. Além da produção de plantas

medicinais que são utilizadas para a manutenção da saúde, com finalidade de cuidar e

curar doenças. Relacionado a este processo como estratégia para o desenvolvimento na

Amazônia, Fearnside (1997) enfatiza que os extrativistas e outros povos da floresta na

Amazônia necessitam desesperadamente de algo que possam vender. A venda de

mercadorias materiais vindas da floresta constitui o foco da maioria das tentativas de

incentivar o “desenvolvimento sustentável” para essas populações, mas a fonte de valor

realmente preciosa não é a mercadoria material e sim os serviços ambientais da Floresta.

Toda essa produção é realizada principalmente nos Quintais, nos entornos da casa. Área

onde desde a ocupação do território existe uma reordenação dos recursos naturais, onde

a variação dos cultivos possui diferentes relevâncias e são decididas a partir das

preferências de cada família. Isso porque dentro do Assentamento existem dois

principais sujeitos sociais, o Agricultor Familiar e o Camponês, podendo o camponês

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ser um agricultor familiar, mas não o agricultor familiar um camponês. A lógica da

produção do camponês é a venda do excedente físico para o mercado existente

(Rementería, 1980). Existe nestes quintais uma grande biodiversidade cultivada, que

não possui apenas papel estético, mas um papel funcional, sendo produtor de uma

unidade de paisagem. Esses quintais são criadores de espaços diferenciados, portadores

de uma biodiversidade cultural, onde possui trabalho territorializado, nexo do trabalho

familiar e sua cultura. Mas toda essa produção é pautada por um Modo de Vida que

segundo Marx é o que e como fazem que depende primeiramente da natureza existente

dos meios que constatam como existente e precisam produzir. É uma forma definida de

produção, fruto da organização camponesa e da prática social histórica. Sobre esse tipo

de produção, Amorozo apud Souza afirma:

Vários espaços de cultivo articulam-se, e combinam-se com áreas de vegetação natural em diferentes estágios de sucessão ecológica, de modo que um mosaico de diferentes ambientes coexiste (Amorozo, 2002, p.1).

Fig. 1 – Cultivo de planta medicinal – Arruda, num pote com adubo orgânico, solo e cinzas de carvão vegetal para proporcionar componentes minerais como NPK para o crescimento da planta, ainda que temporariamente.

Fonte: Trabalho de Campos LAES/INPA, 2011.

O Brasil possui a maior biodiversidade do mundo estimada em cerca de 20% do número

total de espécies do planeta, segundo Calixto (2003). O uso de plantas medicinais está

associado à aplicação do etnoconhecimento que segue diversas técnicas alternativas dos

moradores que as utilizam, visto que, as soluções mais utilizadas no Séc. XXI por

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consequência do avanço da tecnologia são os produtos farmacológicos. Algumas

comunidades organizam parte da produção destas plantas medicinais para comercializar

nas principais feiras de Manaus. Compreende-se então que há uma relação econômica

denominada M-D-M (Mercadoria - Dinheiro - Mercadoria).

Para os camponeses, a produção é pautada na conservação de seu ambiente, retirando a

vegetação nativa, mas cultivando o que poderá ser utilizado como alimento para abastecer

a família e é programado vender parte do cultivo nas feiras da Manaus Moderna,

Expoagro, CIGS etc., a fim de obter outras mercadorias que serão consumidas no lote

com a família, como por exemplo, vestimenta e material escolar, ou seja, o que não pode

ser produzido no lote é comprado. Como parte de estratégia de permanência no lote

(Unidade Territorial de trabalho familiar) para sua reprodução como classe social, existe a

preservação dos ecossistemas conforme o sistema produtivo. Isso porque não existe

somente o cultivo diretamente no solo do Assentamento, são encontrados tanques de

piscicultura, criação de animais e meliponicultura (prática de criação de abelhas sem

ferrão). A morfologia do relevo, clima, vegetação e a pedogênese (processo de formação

de solos) designa em partes cada sistema produtivo nos quintais do Tarumã Mirim. A

seguir, será exibido com ajuda dos estudos de Nascimento (2009) a correlação dos fatores

naturais com os sistemas produtivos implementados pelos agricultores no Assentamento.

O Clima As massas de ar quente predominante na região tem origem no Noroeste da Amazônia,

sendo denominadas de Equatorial Continental, que atual na Amazônia Ocidental e em

várias regiões do Brasil. Essas massas de ar quente provocam nuvens, criando na

Amazônia zonas de instabilidade permanente que geram chuvas de convecção. Fazendo

parte do município de Manaus, o clima no Tarumã Mirim tem estações bem definidas,

uma estação chuvosa que começa geralmente em Novembro e vai até maio, e uma

estação de estiagem que geralmente vai de junho a outubro. Na região predomina o

clima quente e úmido, com média anual de 26,6°C, pequena amplitude térmica,

umidade relativa do ar variando entre 76 a 86%, e precipitação anual variando de 1750 a

2500 mm. É identificado Clímax Climático no assentamento Tarumã Mirim, onde:

os fatores edáficos (solo fértil, profundo, bem drenado, com boa retenção de água entre as chuvas), responsáveis pelo crescimento das plantas, são os mais favoráveis possíveis de maneira que a vegetação reflete o clima, em um

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inflúvio onde não vem água de terreno mais alto (Glossário de Ecologia, 1987)

Solos Os tipos de solos predominantes identificados são Latossolo: “Latossolo Amarelo Álico

com textura argilosa, muito argilosa a média nas áreas de relevo suave ondulado a

ondulado, nas imediações do Igarapé Tarumã-Açú; Latossolo Amarelo Álico com

textura argilosa nas áreas de relevo plano com bordos dissecados do platô central;

Latossolo Amarelo Álico com textura média na área de relevo suave ondulado e plano

próximo do igarapé do Tarumã - Mirim. A textura do solo é argilosa nos platôs, nas

encostas varia de argilosa a arenosa (próximas ao platô) e areno argilosa, próximos aos

baixios, e nos baixios é arenosa, caracterizando como solos muito ácidos com pH

variando de 3,7 a 4,3.”

Quanto ao solo, combinado com a taxa de precipitação anual gera na região

consequentemente alta lixiviação do solo, predominando a caulinita, uma argila com

baixa capacidade de absorção e troca de cátions, ou seja, de reter de forma que possam

reverter os nutrientes minerais para as plantas, como consequência, dá poucas condições

naturais à produção agrícola.

Concomitantemente, por conta da acidez encontrada nos solos predominantes, alguns

camponeses optam por cultivos de espécies nativas ou domesticadas onde não é

necessário aplicar adubo químico ou orgânico, mas se for necessário é aplicado, e

também é utilizado calcário.

Vegetação O assentamento Tarumã Mirim é definido como Floresta Densa de terra firme, onde são

encontrados quatro habitats identificados por Nascimento:

• Floresta de Platô – Fisionomicamente apresenta uma

paisagem homogênea; solos com textura argilosa bem drenada;

elevada diversidade de espécies; as árvores apresentam altura

média entre 25-30 metros; com muitas árvores emergentes de

grande biomassa; no sub-bosque muitas palmeiras;

possivelmente o lençol freático é muito mais baixo que em

relação a outras tipologias.

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• Floresta de Vertente – Aparentemente não apresenta uma

paisagem uniforme; algumas espécies só ocorrem neste

ambiente; solos argilosos nas partes mais altas e areno-,

argilosos nas mais baixas; as árvores apresentam porte mais fino

que as dos platôs; dossel entre 25 a 35 metros.

• Floresta de Campinarana – Vegetação é relativamente

contínua; solos areia branca (podzólicos); dossel 15-25 metros e

poucas árvores de grande porte; menor biomassa, menor

diversidade; alta densidade de epífitas; alta penetração 72 de luz;

sub-bosque denso de arvoretas e arbustos; o nível do lençol freático

atinge níveis que estão fora da rizosfera da vegetação local.

• Floresta de Baixio – Fisionomia varia muito de acordo com

o nível e tempo de encharcamento; dossel 20-35 metros; com

poucas árvores emergentes; muitas espécies gregárias; solo do

tipo hidromórfico muito profundo, extremamente arenoso; solos

apresentam baixíssimos índices de fertilidade natural devido á

textura excessivamente arenosa e a intensa lixiviação; lençol

freático mais próximo superfície durante a maior parte do ano.

A técnica utilizada para abertura de novas áreas para o cultivo é a coivara, que consiste

na derrubada e na queima da vegetação que também intencionalmente é utilizada para

dar maiores condições à produção agrícola, visto que a queima da vegetação libera

instantaneamente, em forma de cinzas, os nutrientes que estavam armazenados na

biomassa da floresta, aumentando assim a fertilidade química do solo (Shubart, 1983),

aumentando a possibilidade de implementar os sistemas produtivos já mencionados. A

forma de cultivar hortaliças é em canteiros suspensos com adubo orgânico e cinzas de

carvão, que fornecem temporariamente NPK para que a planta se desenvolva.

Geomorfologia Segundo RADAMBRASIL apud Nascimento: “Quanto à geomorfologia e relevo, a área

apresenta interflúvios tabulares e relevos do tipo aplainado, separados por vales de

fundo plano e eventualmente por vales em “V”. A intensidade de aprofundamento da

drenagem é fraca. A área tem origem geológica em sedimentos terciários que formam o

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Grupo Barreiras, caracterizado por intercalações de arenitos, argilitos e

subordinadamente conglomerados.”. A topografia segue de platô, vertente e baixio.

Fig. 2 – Quantidade de solo argiloso e solo arenoso conforme a topografia e sedimentação. – Conforme a inclinação e o encontro com o curso d’água a quantidade de solo arenoso vai aumentando, predominando espodossolos de areia quartzosa.

Fonte: Ribeiro apud Nascimento (2009).

Conforme a topografia, os sistemas produtivos nos quintais vão se diferenciando. Na

Campinara e Baixio predominam cultivos de palmeiras, como Açaizeiro, Buritizeiro,

Cajueiro, Coqueiro, criações de animais, e produção de hortaliças apenas em canteiros.

Como alternativa por não conseguir produzir grandes variedades agrícolas aonde possui

muita areia quartzosa, existem tanques de piscicultura onde são criados diversos tipos

de peixes para a venda local no lote e para consumo das famílias. Por estar próximos de

Igarapés (definição amazônica de curso d’água estreito que se liga ao rio principal), são

aproveitados os cursos d’água para construção de tanques e barragens nos quintais dos

lotes, o que possui maior possibilidade para se administrar este sistema produtivo.

A estrutura da barragem é feita com madeira e telas, apesar disso é inviável represar o

igarapé por conta da areia que facilmente irá contribuir para desfazer a barragem.

Segundo técnicos e engenheiros da SEMPAB (Secretaria Municipal de Produção e

Abastecimento), que prestam serviço técnico e extensão rural nas comunidades do

Assentamento Tarumã Mirim, foi identificado que não é possível represar o igarapé

desta forma, tanto pela forma técnica rudimentar, isso porque a prática mais comum é

construir represas com barro (argila) e cimento, quanto à legislação, que para ter

criadouro de peixes e represar igarapés, rios e etc, é necessário ter a Licença Ambiental,

documento que regulariza a prática do manejo. Entretanto, uma série de burocracias

deve ser enfrentada para que o documento seja expedido. Ao início do processo, é

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necessário tirar a Licença de Instalação, depois a Licença de Operação e por fim, a

Licença Ambiental, o documento é expedido pelo IPAAM. Um dos engenheiros

informou ainda, que é possível expedir a DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf),

documentação fornecida pelo INCRA a fim de ter financiamento e assistência técnica

no projeto de piscicultura, em todo caso, este processo é demorado e em termos gerais,

leva o assentado a desistir do projeto antes que ele se conclua.

No ramal do São José, o projeto de barragens com madeira e telas é feito em todos lotes onde

o assentado tem interesse pela piscicultura. Outros assentados reclamam que precisam utilizar

a água do Igarapé, mas que ela passou a estar poluída pela ração dada aos peixes. Apenas um

dos entrevistados, na comunidade, possuía Licença Ambiental para operar o manejo.

Fig. 2 - Areais próximos a Igarapés, em geral, possuem espodossolos (areia quartzosa), em suas proximidades, o que contribui para que a barragem se desfaça com o fluxo da água.

Fonte: Trabalho de campo LAES – INPA, 2011.

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Fig. 3 - Exemplo de barragem no Ramal da Prosperidade para piscicultura, feita com madeira e telas para represar o Igarapé.

Fonte: Trabalho de campo LAES – INPA, 2011. Para os donos de lote que mantém agricultura familiar, predominam os sistemas

produtivos mencionados, mas em especial, a produção de carvão, que vai contrária a

lógica do modo de produção camponês que também tem como principal fator, a

preservação de seu ecossistema.

Dentro de certos limites, o próprio solo condiciona a distribuição da vegetação. A

produção de carvão geralmente é encontrada na Campinarana e Baixio, principalmente

porque é onde é mais difícil a fiscalização de técnicos do IBAMA e IPAAM. A vegetação

é cortada e depois queimada por 4 dias a fim de produzir o carvão vegetal, que será

ensacado e vendido em média de R$10,00 a R$20,00, cerca de 7 kg a 20 kg por saca.

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Fig. 4 - Produção de carvão vegetal no Assentamento do Tarumã Mirim, comunidade Pau Rosa. Nota-se um forno de carvão bem ao meio da paisagem, e toda a vegetação ao redor desmatada e degradada. O forno de carvão é feito a partir de argila de forma artesanal, geralmente localizado no quintal.

Fonte: Trabalho de campo LAES/INPA, 2010.

A derrubada e queima da vegetação implica em perturbações nos Estágios de Sucessão

Ecológica, que neste caso, ocorre à sucessão secundária onde a mata que cresce tende a

ocupar a área devastada, geralmente com vegetação de pequeno porte “a tendência é a

reconstituição, visto o solo não estar inteiramente degradado e haver sementes nas

circunvizinhanças. Assim, as próprias plantas da floresta, acrescidas de espécies

heliófilas vulgares, constituem uma matinha fina conhecida como capoeira” (Rizzini

apud Souza, 2008).

Conclusão A criação de assentamentos rurais, como o Tarumã Mirim, permite a conservação da

biodiversidade a partir de diversas formas de uso seguindo cada sistema produtivo, a

partir da natureza constatada como existente pelos sujeitos sociais que precisam

produzir meios para sua reprodução social apesar das dificuldades encontradas

principalmente com o solo e a infraestrutura. Com o estabelecimento da relação

sociedade-natureza cria-se diversificadas paisagens, com níveis de domesticação de

espécies e populações, como é o caso dos Quintais que são unidades paisagísticas, que

não possuem apenas valor estético, mas funcional, já que ao entorno da casa há uma

grande biodiversidade cultivada, logo uma biodiversidade cultural que segue as

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preferências e relevâncias alimentares que vão além de obter calorias, proteínas etc.

Bem como a programação para a venda de parte da produção nas feiras de Manaus. A

diversificação dessa paisagem mostra que essa agricultura com base familiar, pautada

no modo de vida camponês vai além do ideário de produtivismo, oriundo do ideário do

agronegócio que orienta a produção de commodities, logo, é identificada uma

agricultura multifuncional, onde os recursos naturais são utilizados para suprir as

necessidades materiais, econômicas, políticas e culturais.

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