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1 UM ESTUDO ACERCA DO PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO SOCIOPOLÍTICA DA COMUNIDADE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA DO RIO TARUMÃ MIRIM/AM CARVALHO, Vanessa Monteiro de Oliveira. 1 LOPES, Lilian Nogueira.¹ SILVA, Gleyce Kelly Soeiro da. 1 TELES, Gilmara Araújo da Silva.² 1 RESUMO No Amazonas, há um grande quantitativo de comunidades rurais compostas por famílias que tecem seu modo de vida baseado nos recursos naturais disponíveis. Na área rural é notória a banalização na garantia de direitos sociais, pois a concentração de programas e instituições públicas está no âmbito urbano. O presente estudo visou desvendar a forma que os comunitários se organizam e se visualizam dentro do processo de organização sociopolítica, que compreende todas as manifestações de organizações sociais existentes na comunidade, sejam estas formais ou informais. A organização sociopolítica é um meio estratégico na busca por melhorias para um grupo, bem como na luta por direitos sociais e ampliação da cidadania, para tal é necessária à 1 ¹ Discentes finalistas do Curso de Serviço Social do Centro Universitário do Norte - UNINORTE/LAURETE. ² Assistente Social. Docente do Curso de Serviço Social do Centro Universitário do Norte -UNINORTE/LAURETE.

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UM ESTUDO ACERCA DO PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO

SOCIOPOLÍTICA DA COMUNIDADE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA DO

RIO TARUMÃ MIRIM/AM

CARVALHO, Vanessa Monteiro de Oliveira.1

LOPES, Lilian Nogueira.¹

SILVA, Gleyce Kelly Soeiro da. 1

TELES, Gilmara Araújo da Silva.²1

RESUMO

No Amazonas, há um grande quantitativo de comunidades rurais compostas por famílias

que tecem seu modo de vida baseado nos recursos naturais disponíveis. Na área rural é

notória a banalização na garantia de direitos sociais, pois a concentração de programas e

instituições públicas está no âmbito urbano. O presente estudo visou desvendar a forma

que os comunitários se organizam e se visualizam dentro do processo de organização

sociopolítica, que compreende todas as manifestações de organizações sociais existentes

na comunidade, sejam estas formais ou informais. A organização sociopolítica é um

meio estratégico na busca por melhorias para um grupo, bem como na luta por direitos

sociais e ampliação da cidadania, para tal é necessária à participação ativa da população

e a identificação das problemáticas do grupo. Diante disto, o referido artigo tem por

objetivo analisar a organização sociopolítica da comunidade Nossa Senhora de Fátima,

situada às margens do Rio Negro, a partir de suas manifestações no contexto das

relações sociais e espaços coletivos, a fim de contribuir para o fortalecimento dessas

organizações, uma vez que são entendidas como veículos eficazes para a conquista de

direitos sociais.

Palavras-Chave: Organização Sociopolítica, Participação e Comunidade.

1 ¹ Discentes finalistas do Curso de Serviço Social do Centro Universitário do Norte -

UNINORTE/LAURETE.

² Assistente Social. Docente do Curso de Serviço Social do Centro Universitário do Norte

-UNINORTE/LAURETE.

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INTRODUÇÃO

Os ribeirinhos têm uma simbiose ímpar com os recursos advindos da natureza, e

é a partir dessa relação íntima que estes tecem seu modo de vida social, cultural e

econômico (FRAXES, 2011). Compreender esse vínculo é o primeiro passo para

analisar a organização sociopolítica manifestada no contexto das relações sociais e

espaços coletivos da comunidade amazônida.

A supracitada autora pontua que a organização sociopolítica dos homens dos

trópicos se dá de forma ímpar, apesar dos sujeitos experimentarem realidades similares,

tais como o contato com a várzea, os rios e a floresta. Logo, cada comunidade do

entorno de Manaus possui características singulares e culturas distintas.

Os ribeirinhos da comunidade estudada constituíram seu modo de vida baseado

no contato direto com a natureza, onde técnicas no manejo dos recursos naturais foram

constituídas historicamente, norteando sua maneira de agir sobre o meio social ao qual

estão inseridos.

A pesquisa foi realizada na comunidade Nossa Senhora de Fátima/AM,

localizada á margem do rio Negro, onde moram aproximadamente 1130 famílias (de

acordo com o senso feito pela Associação da Comunidade Nossa Senhora de Fátima do

Rio Tarumã Mirim – ACNFRTM, em 2011). O público alvo é composto por lideranças

dos grupos sociais (formais e informais) e comunitários que não pertencem a nenhum

grupo social na referida comunidade.

A principal atividade econômica dos supracitados ribeirinhos é a agricultura e a

pesca, que além de representar uma fonte de renda, acaba sendo o meio de subsistência

dos mesmos.

O procedimento metodológico utilizado na pesquisa foi o método do

materialismo histórico dialético (tese marxista), uma vez que esse método auxilia numa

análise mais complexa do conjunto da vida social e política de um grupo, na reflexão do

seu processo histórico e nas conquistas advindas das lutas sociais, que são elementos

cruciais para uma leitura crítica da realidade. Nessa tese a historicidade é um fator

fundante para determinar a vida social de um grupo, onde a base social é condicionada

por aspectos sociais e econômicos, dentro de um quadro de correlação de forças.

Quanto à forma de abordagem da pesquisa, esta foi quantitativa e qualitativa,

levando em consideração que ambas estão intrinsecamente interligadas, sendo assim são

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indissociáveis para obtenção de dados relevantes para a efetivação da pesquisa e

compreensão crítica da realidade.

Para coleta de dados foi utilizado à aplicação de questionários com perguntas

abertas e fechadas, para colher informações inerentes ao processo de organização social

da comunidade, necessários para a caracterização do perfil dos comunitários. As

entrevistas e a observação participante foram mecanismos utilizados para compreender

os aspectos culturais e a percepção do modo de vida dos ribeirinhos, além de favorecer a

interação entre pesquisador e pesquisado.

Foram utilizados ainda, na coleta de dados, mapas mentais elaborados pelas

crianças da comunidade, com intuito de averiguar a percepção destes sobre o meio em

que vivem, bem como a relação com o meio ambiente que perpassa os limites

geográficos da comunidade em questão diversidade natural, onde rios cortam a região.

A área de estudo é composta por uma grande biodiversidade natural, onde rios,

igarapés, várzeas, igapós e florestas compõem um cenário propício para o

desenvolvimento das atividades agrícolas. Os comunitários utilizam um leque de

saberes que orientam os seus modos de vida e consequentemente as organizações

sociopolíticas que permeiam a comunidade.

1. Aspectos conceituais de organização sociopolítica e participação

Inicialmente, buscou-se explanar os aspectos conceituais de participação e

organização sociopolítica, destacando-se os princípios fundamentais que caracterizam a

discussão do tema proposto. Um dos eixos centrais que norteiam a discussão é a

participação, que consolida o conceito de democracia, que está intrinsecamente ligado à

organização sociopolítica. Evidenciou-se as problemáticas existentes no processo de

organização sociopolítica, salientando a participação como aspecto crucial para

efetivação de mudanças sociais.

1.1. Aspectos conceituais de Organização Sociopolítica

A sociedade já é organizada, tendo em vista que esta é regida por normas de

conduta. Ao explanar sobre organização da sociedade civil, Demo (2001) pontua que

qualquer organização social, possui feições políticas, uma vez que convivem em

espaços coletivos concorrentes, com interesses distintos. E cada organização social

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possui suas ideologias e práticas específicas, assumem a gestão de seus próprios

interesses, e a consciência crítica é o aspecto fundamental para este processo.

Demo (2001) define organização social, como a capacidade histórica da sociedade

assumir formas conscientes e políticas de organização. O processo histórico de

dominação ao qual a sociedade foi submetida desencadeou a assimilação das normas

como forma de costumes e rotina, dificultando o processo de organização sociopolítica.

O Estado tem papel fundamental neste processo, uma vez que este deveria

exercer afunção de representante legal da sociedade civil, lutando pela efetivação de

direitos sociais. Contudo, a realidade se apresenta de forma distinta, pois o Estado acaba

por atuar na defesa dos próprios interesses, contribuindo para com o aumento das

desigualdades sociais. Conforme explicitado por Demo (2001):

O Estado seria a organização da sociedade civil em função dos interesses da

sociedade civil, já que os detentores do poder teriam nada mais que um

mandato de representação a partir da sociedade. Na prática, porém, a

constatação é outra: o Estado tende a tornar-se muito mais representante da

classe dominante da sociedade do que da parte dominada. (p. 29)

Nesse contexto o Estado manifesta lógica similar à do capital, na sua tendência

de exacerbar as desigualdades sociais. Da mesma forma que, o trabalhador precisou se

organizar para lutar contra a exploração do capital, o cidadão também necessita se

organizar para lutar contra a exploração do Estado.

As formas de organização sociopolítica constitui-se como um longo processo de

lutas e acontecimentos históricos que foram delineando a conjuntura vigente, onde os

movimentos sociais configuram-se como principal instrumento de lutas por melhorias e

garantias dos direitos sociais.

Os movimentos sociais começam a delinear-se na passagem da manufatura para

a indústria, onde as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, com a inserção das

máquinas, afetaram drasticamente a vida dos trabalhadores, e os mesmos sentiram a

necessidade em organizar-se em busca de melhorias na condição de trabalho. Conforme

explicitado por Montaño (2011):

Os trabalhadores passaram a ser concentrados em um mesmo espaço

produtivo, sendo denominados de operários (por operarem as máquinas).

Assiste, aqui, à generalização do trabalho assalariado, novas e diversas

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formas de exploração do trabalho, e a concentração de lucro nas mãos dos

proprietários dos meios de produção. (...) Para responder tais situações, os

trabalhadores, criaram diferentes formas de organização e objetivos de luta.

(p. 227)

O processo de organização dos movimentos sociais, bem como a mobilização da

sociedade civil em defesa dos interesses coletivos foi relevante para que os operários se

reconhecessem enquanto coletividade, se fortalecendo enquanto classe social em busca

de garantias de melhor qualidade de vida.

Montaño (2011) pontua que apesar das conquistas adquiridas, os movimentos

sociais foram perdendo força, após algumas derrotas que provocaram um refluxo nas

lutas e no movimento operário.

Um dos fatores que contribuiu para enfraquecimento dos movimentos sociais, na

concepção de Demo (2001) é a sociedade não assimilar a condição do Estado como seu

representante legal, instituído pela legitimação do voto. Os sujeitos compreendem o

Estado como avesso ao bem estar social, ou seja, não reconhecem o mesmo enquanto

instrumento regulador da ordem social, uma vez que o poder emana do povo. Demo

(2001) explicita que:

(...) é preciso chegarmos a um tipo de sociedade, marcada pela constituição

democrática, tão bem tecida em suas malhas associativas, que a própria

democracia se torne oxigênio diário e seja capaz de reagir às intervenções

centralistas e autoritárias. (p. 33)

Nesse contexto, o Estado se utiliza do processo histórico de dominação como

instrumento de manipulação e controle social. Dessa forma os atores sociais não detêm

o nível de organização política necessária para garantia dos direitos sociais frente ao

Estado, tornando-se passível de controle pelo mesmo.

Paoli (1995) pontua que vivemos em um país que não é totalmente democrático,

pois a população nem sempre participa das decisões públicas, apesar do “poder emanar

do povo”. Diante disso, a referida autora pontua que a participação surge como

estratégia fundante para a formação de uma consciência crítica dos sujeitos coletivos no

processo democrático.

Observa-se que a participação dentro do processo de organização política se dá

de forma processual, é conquistado por um grupo envolvido de forma ativa, consciente

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e organizada. Portanto é um desafio para a sociedade contemporânea mudar a ação dos

atores sociais através de práticas de participação política e envolvimento nas decisões

que influenciaram na dinâmica social.

Portanto, a organização sociopolítica é uma forma de traçar estratégias eficazes

na busca por melhorias sociais, sendo necessária a participação ativa da população num

processo gradual e sistematizado, com o intuito de estabelecer de fato uma aliança entre

o Estado e a sociedade civil organizada.

1.2. Participação: mecanismos para o processo de organização sociopolítica.

O processo de participação associa-se ao ato de tornar-se membro de um grupo e

compartilhar interesses comuns, ultrapassando as barreiras da individualidade e visando

o bem estar coletivo. Reconhecer a participação como mecanismo de mudanças sociais

é o ponto de partida para a organização sociopolítica e consequentemente os benefícios

dela provenientes.

Na concepção de Ammann (2005), o ato de participar está associado à superação

de dilemas sociais:

A participação social passa a destinar-se, quase unicamente, às classes

excluídas dando-lhes uma ideia limitada de participação através de algum

acesso aos bens e ao poder da sociedade, ou seja, essa participação propõe-se

a minimizar algumas sequelas do modo de produção capitalistas. (p.03)

A supracitada autora, a participação se apresenta a partir das problemáticas que

se manifestam no tecido social, afetando principalmente a classe subalterna .Isso ocorre

porque o modelo econômico vigente influencia na participação inconsciente dos sujeitos

coletivos, visto que não é interessante para o capitalismo uma sociedade participativa.

Lucas (1985) explicita que a participação sem a ideologia crítica acaba por

atrapalhar o processo político, uma vez que ao isentar-se das discussões que envolvem

todo o processo de tomada de decisões, a população não se reconhece como parte

fundamental desse processo.

Toda discussão envolve interesses, estes podem ser manipulados conforme a

consciência crítica dos envolvidos, quanto mais a população estiver envolvida no

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processo decisório, mais interesses estarão sendo debatidos, contudo a participação

somente no ato do processo eleitoral aumenta as chances de manipulação.

Demo (2001) conceitua participação com um processo gradativo, necessário

para a promoção da cidadania dos agentes inseridos na dinâmica social. O autor afirma,

que: “A participação é o principal instrumento para que haja cidadania, porém é um

processo gradual que acentua a cidadania organizada. A participação é o exercício

democrático e através dela aprendemos a estabelecer o exercício do poder”.

Para Demo (2001), exercer a cidadania é efetivar a participação, visto que isso

contribui para o processo de interação consciente nas tomadas de decisões. Logo,

participar é contribuir para revitalização da democracia.

Lucas (1985) aponta que o processo de participação, não deve ocorrer somente

no processo eleitoral, mas em todas as etapas decisórias:

(...) quanto mais pessoas estiveram envolvidas no poder decisório, haverá

maiores informações e maior troca de ideias. As propostas devem ser

publicadas antes de serem submetidas a uma decisão final, e deve haver uma

oportunidade para que pessoa informe as autoridades de quaisquer fatos ou

considerações que julgar relevantes. (p. 110)

Assim, participar não se limita a escolha de representantes políticos. Pois o

envolvimento da população em todas as decisões que se manifesta no contexto social

implica em benefícios em prol de conquistas sociais.

Desse modo, a participação é apreendida como meio de atuação do indivíduo nas

decisões democráticas, entendendo que nesse processo decisivo não é somente por meio

o voto que se legitima a própria participação.

Conceituar participação é por si um desafio, por se tratar de uma junção de

importantes significados que se complementam. De acordo com Dias (2004):

Participação popular é o processo político concreto que se produz na

dinâmica da sociedade, mediante a intervenção quotidiana e consciente de

cidadãos individualmente considerados ou organizados em grupos ou em

associações, com vistas à elaboração, à implementação ou a fiscalização das

atividades do poder público. (p.46)

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A população tem conhecimento de que é na esfera pública, que se desenrolam as

discussões de interesse de todos, no entanto desconhece que o poder de organização

social é capaz de tornar o Estado seu aliado, através da participação efetiva, seria

possível discutir e fiscalizar. O distanciamento que o termo política cria nas pessoas,

acaba facilitando o não comprometimento do Estado com a nação. Demo (2001)

explicita que:

(...) o Estado é um lugar sumamente estratégico, não marcado exclusivamente

pela concentração tendencial de poder e de abuso por parte das elites

vigentes, mas igualmente pela possibilidade de administração da equalização

de oportunidades, através de sua característica pública. (p. 30)

Apesar de toda dificuldade da mobilização social, a população deve ter

consciência que a participação é a forma de mecanismo da organização sociopolítica

para o exercício concreto da cidadania e a busca pela garantia de direitos sociais.

Diante disso, a participação comunitária se faz necessário porque no âmbito

rural, a escassez de políticas públicas é evidente, uma vez que os serviços públicos em

geral, se concentram nos centros urbanos.

2. Abordagem sociohistórica do conceito de comunidade no contexto amazônico

Inicialmente, buscar-se-á esclarecer os aspectos conceituais de Comunidade,

destacando o processo sócio histórico da mesma a fim de contribuir decisivamente no

entendimento sobre as relações sociais estabelecidas no âmbito comunitário no contexto

amazônico, evidenciando as particularidades que compõem a referida região. Buscar-se-

á ainda demonstrar os desafios experimentados pelas famílias amazônidas, como

ferramenta de compreensão da organização social que se constitui no seu interior.

2.1 Aspectos conceituais de Comunidade

Falar sobre comunidade nos leva a refletir acerca do processo sociohistórico que

esta veio experimentando no decorrer dos séculos a fim de entendermos as

metamorfoses que esta foi concebendo na dinâmica social, sendo influenciada pelo

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processo social, político, econômico e cultural que tangem a vida da sociedade civil

organizada. Assim, Souza (2010) relata que:

O sentido histórico de comunidade guarda relação com a concepção grega de

cidade (polis), ou seja, é uma organização cujos assuntos eram de interesse

coletivo. A polis foi o âmbito de encontro interpessoal, do diálogo e das

celebrações, ela pode estar referida tanto à vida comunitária em termos

políticos, culturais e morais como econômicos. (p. 60)

Nesse sentido, a polis se constitui num modo de vida que moldava a dinâmica social

dos cidadãos (gregos) que compartilhavam a mesma realidade, os mesmos costumes,

crenças, línguas e aspectos culturais, que lhe agregavam um sentido de unidade, algo

comum a todos. Para tal, constituíam entre si leis e regras específicas para tanger a vida

social a fim de gerar uma harmonia entre o grupo.

É relevante destacar que a concepção de polis está interligada ao reconhecimento de

identidade e a valorização dos interesses coletivos de um grupo. Porém, alguns aspectos

acabam por enfraquecer esse processo existente nas comunidades, entre eles destacam-

se os limites do espaço físico, a dificuldade de diálogo entre comunitários e poder

públicos e o pequeno contingente de habitantes.

Muitos estudiosos aderiram a concepção de comunidade à limites geográficos

(espaços físicos) e concentração popular pequena, isso fez com que a concepção de

comunidade se atrelasse a compreensão do meio rural. Porém, segundo Souza (2010) o

conceito de comunidade está intrinsecamente ligado a subgrupos culturais:

Em definitivo, temos que deixar de falar de áreas geográficas como

comunidade, e apesar de que todo grupo social está assentado em uma área,

destacar o âmbito de repercussão social como possível comunidade real. (...)

Comunidade real é o âmbito subcultural dentro do qual é possível obter uma

repercussão participativa. (p. 62/63)

Destaca-se assim o âmbito humano, que ultrapassa limites geográficos, onde são

constituídos subgrupos de uma mesma classe social, que têm objetivos comuns por

enfrentarem e compartilharem a mesma realidade.

Souza (2010) pontua que a identidade rural só foi atribuída ao fenômeno

comunidade mais recentemente (final do século XIX), marcada por um processo

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sociohistórico de grande contradição, uma vez que os centros urbanos iam se

desenvolvendo rapidamente devido a expansão do sistema capitalista de produção,

assim distinguindo o meio rural do urbano, como espaços antagônicos e distintos.

A revolução urbano industrial emergiu no bojo da sociedade civil (em meados 70), e

acabou por influenciar diretamente no conceito de comunidade e nas relações sociais

estabelecidas no âmbito da mesma, deslocando as relações sociais para o âmbito fabril.

O conceito de comunidade veio se metamorfoseando paulatinamente.

Etimologicamente a palavra comunidade vem do latim Comunnitas e significa algo

comum, está relacionado com o que é vivenciado e compartilhado por grupos.

Na concepção de Bravo (1983) comunidade é o “Segmento da população

agrupada em lugar ou atividade com a forma de vida similar, com necessidades e

possibilidades de mudanças similares” visto que é na comunidade que se desenrola as

problemáticas sociais vivenciadas pelo um grupo, com problemas e histórias específicas

que se constituem em uma coletividade una.

Antes a concepção de comunidade estava relacionada ao auxílio mútuo, a

solidariedade para bem comum. Souza (2010) trás a baila a ideia de que temos que

resgatar os primórdios desses valores, porém compreendendo a sua realidade social

global, com o intuito de identificar suas particularidades, pois sabe-se que as ações de

interesses comuns vem sendo prejudicadas e diluídas com o desenvolvimento

exploratórios do capitalismo. Souza (2010) conceitua a categoria comunidade como:

Conjunto de grupos e subgrupos de uma mesma classe social, que tem

interesse e preocupações comuns sobre condições de vivência no espaço de

moradia e que, dadas as suas condições fundamentais de existência, tendem a

ampliar continuamente o âmbito de repercussão dos seus interesses,

preocupações e enfrentamentos comuns. (p. 67)

O conceito atual de comunidade está voltado a uma associação de grupos em

constante interação, que vai além de um espaço físico, muitas vezes precário. É uma

área de vida comum que reunidas em qualquer área geográfica, grande ou pequena,

buscam o bem estar social e a luta por interesses comuns. Assim, desvelar a dinâmica de

uma comunidade é, portanto, a válvula propulsora para estimular níveis de

desenvolvimento, uma vez que estas têm suas particularidade nem sempre aparentes,

para que haja de fato a participação dos que fazem esta realidade.

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No contexto social brasileiro, o Desenvolvimento de Comunidade (DC)

contribui decisivamente para a expansão do sistema capitalista de produção e para a

modernização do meio rural. Ressalta-se que o DC foi introduzido no Brasil por meio

de parcerias entre organizações internacionais e políticas nacionais com o intuito de

desenvolver o país economicamente através das comunidades e auxílio dos sujeitos que

nelas convivem, conforme explicitado por Ammann (2004):

O desenvolvimento de comunidade é então definido como processo através

do qual os esforços do próprio povo se unem aos das autoridades

governamentais, com o fim de melhorar as condições econômicas, sociais e

culturais das comunidades, integrar essas comunidades na vida nacional e

capacitá-las a contribuir plenamente para o progresso do país. (p. 32)

Logo, nota-se que para o DC é necessário dois ingredientes basilares: a participação

comunitária e o apoio técnico do governo. Nesse processo, o objetivo central é o

desenvolvimento econômico, e isso sobressalta o desenvolvimento comunitário. As

comunidades passam a “melhorar” seu nível de vida em prol ao progresso do país.

Assim, há a urgência de modernizar a agricultura, típica do meio rural, pois trata-se de

um âmbito propício para o desenvolvimento e expansão do sistema capitalista.

O conceito de comunidade enquanto unidade de cooperação e ajuda mútua vai se

metamorfoseando paulatinamente, de acordo com os acontecimentos sociohistóricos

que adentram o supracitado âmbito. Portanto, definir comunidade é complexo, visto que

em cada região vêm se configurando de forma distinta.

2.2 O perfil das comunidades Amazônidas

A região amazônica é conhecida mundialmente por sua rica biodiversidade, nela

se encontram a maior coleção de espécies animais e vegetais existentes no planeta

Terra, além de ser banhada pelo maior rio do mundo em volume de água, o Rio

Amazonas.

Diante desse cenário, rico em paisagens exuberantes, encontram-se os sujeitos

da Amazônia, que constituíram suas identidades regionais e singulares nos trópicos

amazônicos. São caracterizados por caboclos, seringueiros, pescadores, ribeirinhos,

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enfim, frutos de um processo históricos de miscigenação entre diferentes sujeitos

(europeus, portugueses, franceses, índios...). De acordo com Chaves (2004):

O Estado do Amazonas é formado por uma diversidade de agrupamentos

rurais de pequeno porte compostos por populações tradicionais que habitam

às margens dos rios e seus tributários, tais agrupamentos são nominados

como comunidades ribeirinhas. Considera-se que há entorno de 200 mil

comunidades na região (dados da pesquisa Programa Trópico Úmido e

Ministério de Ciência e Tecnologia, 2000)

Assim, falar sobre a comunidade amazônida nos remete a intrínseca relação

entre o homem e a natureza. A partir dessa simbiose direta que se direciona a população

ribeirinha, uma vez que estes sujeitos dependem dos recursos naturais não apenas para a

sobrevivência, mas para tecer seus meios culturais, sociais e econômicos que permeiam

esse âmbito com tantas particularidades.

De acordo com Fraxe (2010):

Os ribeirinhos em questão estão incluídos dentro na noção que Williams

(1992) desenvolve sobre as “culturas populares”. Eles construíram um modo

de vida integrado pela agricultura e extrativismo vegetal e animal, vivendo

em função de produtos da floresta, dos rios e das terras molhadas da várzea

amazônica. (p. 20)

Os ribeirinhos desenvolveram uma cultura com profundas relações com a

natureza, que é passado de pai para filho numa corrente tradicional, onde as lendas, os

mitos, as crenças, as festividades originais, as ervas medicinais e os lazeres estão

constituídos em meio a um habitat natural, de relação harmônica. De acordo com

Diegues (2001):

Além do espaço de reprodução econômica, das relações sociais, o território é

também o lócus das representações e do imaginário mitológico dessas

sociedades tradicionais. A íntima relação do homem com seu meio, sua

dependência maior em relação ao mundo natural, comparada ao do homem

urbano-industrial faz com que os ciclos da natureza (avinda de cardumes de

peixes, a abundância nas roças) sejam associados a explicações míticas ou

religiosas. (p. 85)

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Numa sociedade onde a “civilização urbano industrial” desenvolve meios

tecnológicos e científicos, rompendo muitas vezes com alianças entre o homem e a

natureza, as lendas e mitos experimentadas por populações ribeirinhas ainda

sobrevivem. Diante disso, é relevante destacar os sistemas de representações simbólicas,

que as comunidades amazônidas desenvolvem, pois estas são parâmetros para os povos

da Amazônia, é a partir delas que os referidos sujeitos agem sobre o meio em que

vivem. E com base também nessas representações e no conhecimento empírico

acumulado que desenvolvem seus sistemas tradicionais de manejo (DIEGUES, 2001).

Entretanto, não podemos considerar os povos da Amazônia de forma isolada,

apesar das dificuldades de locomoção entre os rios principalmente em épocas da

vazante, a população amazônida necessita de contato com outras comunidades.

Conforme explicita Fraxe (2009):

(...) os povos da Amazônia não vivem isolados no tempo e no espaço,

estabelecem continuamente relação de trocas materiais e simbólicas entre si,

com as comunidades vizinhas e com os agentes mediadores da cultura, entre

o mundo rural e o urbano. As manifestações culturais e sociais dos moradores

expandem-se pelo mundo urbano e vice-versa, assimilando algumas práticas

e rejeitando outras. (p. 32)

O espaço social em que os povos da Amazônia estão inseridos estão vulneráveis

à influências do meio urbano, uma vez que é necessário manter contato com a cidade,

principalmente através da troca de produtos agrícolas e comercialização do pescado e

ervas medicinais. Assim, o meio rural está propício a constantes mudanças, uma vez que

o sistema capitalista de produção acaba por adentrar e influenciar esse meio, sendo que

o homem é produto das relações históricas que este estabelece.

As famílias ribeirinhas desenvolvem suas atividades por meio dos recursos

naturais da floresta, da terra, das águas dos rios que cortam a região, com intuito de

conseguir meios para sua própria subsistência. Dessa forma, adentram na concepção

marxista do valor de uso e valor de troca, onde se produzem mercadorias para a

comercialização e obtenção de renda, necessárias à sua reprodução social. Porém,

segundo Fraxe (2007), através de pesquisas realizadas na várzea, é notória a situação de

pobreza em que se encontram muitas famílias ribeirinhas. Um dos fatores que

contribuem para tal configuração é a ausência de políticas, no âmbito econômico, social,

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político e cultural, de inclusão social voltada a melhor qualidade de vida. Fraxe (2007)

enfatiza ainda que:

As dificuldades enfrentadas pela maioria das famílias ribeirinhas são

praticamente as mesmas em toda área rural do Estado do Amazonas: escassez

de recursos pesqueiros, conflitos de pescas, analfabetismo, baixa

produtividade e pouca qualidade de seus produtos, renda insuficiente e

qualidade de vida com índices preocupantes de desenvolvimento humano. (p.

182)

As problemáticas acima apresentadas constituem a realidade amazônida, porém

cabe ressaltar que esses espaços são constituídos de grandes potencialidades, onde os

ribeirinhos possuem uma capacidade impressionante de produzir suas condições

materiais e simbólicas. Além disso, muitas comunidades ribeirinhas têm um nível forte

de organização sociopolítica, que, uma vez estimulados, facilitariam o envolvimento

político dos povos da Amazônia no enfrentamento e superação dos seus dilemas.

3. A organização sociopolítica na comunidade Nossa Senhora de Fátima/AM: uma

reflexão acerca de suas manifestações no contexto das relações sociais e espaços

coletivos

Na terceira parte desse artigo, buscou-se analisar a organização sociopolítica da

comunidade Nossa Senhora de Fátima, localizada às margens do rio Negro, igarapé do

Tarumã-Mirim em Manaus/AM, caracterizando o perfil socioeconômico, identificando

as diferentes formas de organizações sociais e refletindo sobre os entraves e

potencialidades da organização sociopolítica manifestadas no contexto das relações

sociais e espaços coletivos da supracitada comunidade amazônida. Para desvelar as

formas de organização sociopolítica na Comunidade Nossa Senhora de Fátima, utilizou-

se como metodologia da pesquisa técnicas voltadas para coleta de dados como a

realização de entrevistas, análise documental, mapa mental, aplicação de questionários

com perguntas abertas e fechadas e por meio da observação participante e sistemática.

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15

3.1. Caracterização do perfil socioeconômico da comunidade Nossa Senhora de

Fátima

A Comunidade Nossa Senhora de Fátima situa-se às margens do Rio Negro no

igarapé do Tarumã Mirim, no entorno da cidade de Manaus, capital do estado de

Amazonas, atualmente abrange 250.000 m² de extensão territorial. Trata-se de uma

comunidade ribeirinha composta por aproximadamente 1700 famílias (segundo senso

realizado pela associação de moradores em meados de 2009), que em sua maioria

vieram do interior do Estado do Amazonas (56% dos entrevistados), devido à ascensão

da zona franca de Manaus, que despertou nos ribeirinhos o interesse de migrar para o

centro urbano em busca de emprego e melhor qualidade de vida. Conforme explicitado

pelos moradores mais antigos:

Ouvia-se muito falar sobre a grande oferta de trabalho em Manaus, e isso

despertou nas pessoas a vontade de arriscar a vida na grande cidade(...).

Porém, quando chegamos à procura de melhores condições de vida, nos

deparamos com outra realidade: havia um grande número de pessoas que

também queriam empregos e não conseguiam. (Pesquisa de campo realizada

no ano de 2012, depoimento do Sr. Romildo Gonçalves de Oliveira, 53 anos,

vice- presidente da associação de moradores da Comunidade Nossa Senhora

de Fátima/AM)

De acordo com Chaves (2008) a ascensão da Zona Franca de Manaus (em 1967),

resultou num maior crescimento populacional na capital do Amazonas, cujo quadro

social era marcado pelo forte desemprego, contribuindo para o crescimento desordenado

da cidade. Dessa forma as famílias que chegavam à capital, viam-se obrigadas a ocupar

as áreas que continham igarapés, tanto na cidade quanto no entorno de Manaus. Foi

dentro desse quadro socioeconômico que ocorreu a ocupação na Comunidade Nossa

Senhora de Fátima, em meado de 1969.

Outro fator que agrava a questão do desemprego é a baixa escolaridade que

dificulta o ingresso no mercado de trabalho contribuindo para o subemprego uma vez

que a remuneração é baixa. De acordo com Antunes (2010) o exército de reserva é uma

das estratégias do capital para ter mão de obra barata, visto que a procura de emprego

aumenta e a fragmentação do mercado de trabalho também. Logo, a grande

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16

disponibilidade de mão de obra faz com que ocorra o subemprego ou trabalho informal,

que precarizam o trabalho.

Na comunidade Nossa Senhora de Fátima, observou-se por meio da pesquisa

que a média de escolaridade dos moradores é, em média, ensino fundamental

incompleto. De acordo com relatos, isso ocorre porque grande parte dos ribeirinhos

vieram de comunidades do interior do Estado do Amazonas, onde as escolas eram muito

reduzidas e distantes. Conforme explicita uma das moradoras:

Eu sei lê e escrever, e me orgulho disso, até porque meus estudos foram

poucos e o que importava era assinar o nome. A escola ficava a quilômetros

de distância da cidadezinha em que nasci, e para chegar lá tínhamos que

andar muito. Além disso, não tinha ninguém para ajudar o papai na plantação

de mandioca e na pesca. Acho que por isso parei de estudar. Mas sei que

estudar é importante, e falo isso pros meus filhos. (Pesquisa de campo

realizada no ano de 2012, depoimento da Sr. Sandra Maria, 52 anos,

moradora da Comunidade Nossa Senhora de Fátima/AM)

No depoimento da comunitária acima, nota-se as problemáticas encontradas no

sistema educacional nos lugares remotos. O que contribui para alto crescimento do

analfabetismo funcional, onde as pessoas “alfabetizadas” escrevem e leem mensagens

simples, porém sentem dificuldades para interpretá-la. Freire (2009) enfatiza que a

alfabetização vai além do fato de memorização mecânica de informações visuais, pois

implica numa atitude de criação e recriação. Dados da pesquisa feita pelo IBOPE

(Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), no ano de 2005, apontam que

68% da população brasileira são considerados analfabetos funcionais. Estes altos

índices ocorrem por vários motivos, entre eles, a baixa qualidade do ensino público e

falta de hábito de leitura entre os brasileiros.

Ao trazermos essa realidade para a região amazônica, precisamente para a

comunidade Nossa Senhora de Fátima, observa-se que tais índices se sobressaltam:

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Pesquisa de campo realizada no ano de 2012 na Comunidade Nossa Senhora de Fátima/AM.

Nota-se que 17% dos entrevistados são analfabetos, logo não sabem lê e

escrever; 29% dos entrevistados não concluíram o ensino fundamental, 17% não

concluíram o ensino médio e outro 17% concluíram o ensino médio. Observa-se que por

mais que alguns dos entrevistados possuem o diploma do ensino médio, estes sentem

dificuldade para ler, interpretar e assinar o próprio nome. Logo, a educação é um fator

determinante, uma vez que influencia no processo de organização sociopolítica.

De acordo com Demo (2009) a educação é precisamente condição necessária

para desabrochar a cidadania, com vistas à formação do sujeito do desenvolvimento,

num contexto de direitos e deveres. A educação acaba por se fazer elemento importante

para a participação consciente e ativa dos atores sociais nas mudanças sociais e políticas

de um grupo. A educação incide ainda no perfil socioeconômico da sociedade.

O perfil econômico dos comunitários de Nossa Senhora de Fátima guarda uma

profunda relação com os recursos oriundos da natureza, de acordo com Witkoski (2010)

os camponeses amazônicos desenvolvem suas atividades na terra, na floresta e na

água. Conforme explicitado no gráfico abaixo, observa-se a influência dos recursos

naturais para o desenvolvimento de técnicas que influenciam diretamente na dinâmica

econômica da referida comunidade:

17%

29%

12%

17%

17%

2%5%ESCOLARIDADE

ANALFABETO - 17%

FUNDAMENTAL INCOMPLETO - 29%

FUNDAMENTAL COMPLETO- 12%

MÉDIO INCOMPLETO - 17%

MÉDIO COMPLETO - 17%

SUPERIOR INCOMPLETO - 2%

SUPERIOR COMPLETO - 5%

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30%

10%

6%14%2%

8%

4%

20%

4% 2%

FONTE DE RENDA1 - AGRICULTURA - 30%

2 - APOSENTADORIA - 10%

3 - COMERCIANTE - 6%

4 - COOPERATIVA DE CUPUAÇU - 14%

5 - COZINHEIRO - 2%

6 - DOMÉSTICA - 8%

7 - PEDREIRO - 4%

8 - PESCADOR - 20%

9 - PROFESSOR - 4%

10 - MOTORISTA - 2%

Pesquisa de campo realizada no ano de 2012 na Comunidade Nossa Senhora de Fátima/AM.

Entre as principais fontes de rendas, destacam-se a agricultura que corresponde

30% dos entrevistados, onde o cultivo de caju e de hortaliças se destaca, não apenas

como fonte de renda, mas também como fonte de subsistência das famílias; a pesca que

corresponde a 20% dos entrevistados, onde o Tucunaré, o Pirarucu e o Dourado se

destacam na comercialização, principalmente nas feiras da comunidade e de Manaus; o

emprego na Cooperativa Agro frutas do Tarumã Mirim/AM, localizada na própria

comunidade, que corresponde a 14% dos entrevistados, onde é extraída a polpa do

cupuaçu, que é embalada e comercializada para várias localidades da cidade de Manaus.

As atividades econômicas que permeiam o âmbito da supracitada comunidade se

traduzem como elementos constitutivos do modo de vida, reprodução simbólica e

material da vida comunitária. As práticas adotadas para o manejo de suas atividades

econômicas se desenvolvem historicamente, e são singulares visto que os homens dos

trópicos amazônicos conhecem a natureza de forma ímpar, obedecendo aos tradicionais

ciclos da natureza, onde ora o rio transborda, ora seca.

Os comunitários que se utilizam da extração de atrativos naturais para a

comercialização acabam por utilizá-las ainda como meio de subsistência, fonte de

alimentação para suas respectivas famílias. Dessa forma, observa-se que a renda

familiar dos comunitários é relativamente baixa, conforme informações contidas no

gráfico a seguir:

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34%

24%

24%

10%

2%5%

RENDA MÉDIA

MENOS DE 1 SALÁRIO MÍNIMO - 34%

1 SALÁRIO MÍNIMO - 24%

DE 1 A 2 SALÁRIOS MÍNIMO - 24%

DE 2 A 3 SALÁRIOS MÍNIMO - 10%

DE 3 A 4 SALÁRIOS MÍNIMOS - 2%

ACIMA DE 4 SALÁRIOS MÍNIMOS - 5%

Pesquisa de campo realizada no ano de 2012 na Comunidade Nossa Senhora de Fátima/AM

A maior parte dos entrevistados, que representam o total de 34%, alegaram

possuir renda inferior a um salário mínimo (menos de R$ 622,22);24% reconhecem que

recebem um salário mínimo; e ainda 24% recebem de um a dois salários mínimo ( que

representa de R$ 622,00 a R$1244,00).

Observa-se que estes compartilham de atividades econômicas similares, e não

possuem nenhum direito trabalhista resguardado, que estabeleça horário, condições e

registro na carteira de trabalho. Muitos alegam que os recursos oferecidos pela natureza,

principalmente a pesca, a caça e a criação de animais são cruciais para a sua

subsistência, uma vez que os valores que adquirem em suas atividades econômicas

apenas complementam outros gastos. Dessa forma, os ribeirinhos de Nossa Senhora de

Fátima, se incluem na noção de Diegues (2001):

As culturas tradicionais decorrentes da pequena produção mercantil não se

encontram no entanto isoladas (...) mas articuladas ao modo de produção

capitalista. Essa maior ou menor dependência do modo de produção

capitalista, por outro lado, tem levado a maior ou menor desorganização das

formas pelas quais o pequeno produtor trata o mundo natural e seus recursos.

(p. 94)

Apesar da economia se apresentar de forma mercantil, dentre as comunidades

ribeirinhas amazônicas, reconhece-se que o capitalismo também se apresenta, ainda que

discretamente, uma vez que há uma articulação que transforma o recurso natural em

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mercadoria. Logo, os ribeirinhos acabam por consumir frequentemente os produtos da

cidade, e paulatinamente vão alterando seus modos econômicos de subsistência,

adquirindo algumas práticas e rejeitando outras.

Diante disso, nota-se que a referida comunidade possui características, típicas

das comunidades ribeirinhas do entorno da região amazônica, todavia, é relevante

destacar que a mesma possui também características específicas que constituem a

identidade local. Se enquadrando na concepção de Wagley (1977), que fomenta:

(...) na comunidade a economia, a religião, a política e outros aspectos de

uma cultura parecem interligados e forma parte de um sistema geral de

cultura, tal como são na realidade. Todas as comunidades de uma área

compartilham a herança cultural da região e cada uma delas é uma

manifestação local das possíveis interpretações de padrões e instituições

regionais. (p. 40)

O perfil dos povos tradicionais da Amazônia é representado basicamente por

agricultores familiares, que se utilizam da pesca, da caça e do cultivo da terra. Além da

complexidade cultural, onde os mitos seculares que norteiam os modos de vidas

experimentados pelos amazônidas se configuram como particulares aos habitantes dos

trópicos.Tais fatores são observados na comunidade Nossa Senhora de Fátima, onde a

lógica de organização social, econômica e cultural são compatíveis com as noções dadas

por Diegues (2001) e Wagley (1997). Dentro desse quadro, observa-se ainda a

relevância do fator territorialidade, que se faz necessário para compreender a

abrangência da relação homem x território, responsável por reger o meio social em que

estes estão inseridos.

3.2. Territorialidade

Um elemento fundante para entendermos a complexidade da organização social

de um grupo ou comunidade é a compreensão de territorialidade, que perpassa a

concepção de espaço geográfico. O território é um produto das ações coletivas, uma

construção histórica do homem à medida que esse se organiza culturalmente. Pereira

(2009).

Os símbolos, crenças e costumes que constituem as particularidades amazônicas

são construções históricas que estão intrinsecamente interligadas ao território em que

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estes se estabelecem, onde os rios, as várzeas e a floresta (os recursos da natureza), se

configuram em elementos essenciais na vida dos ribeirinhos que tecem suas relações

sociais, econômicas e culturais, excedendo o seu território geográfico.

Saquet (2009) evidencia que há uma identidade atribuída pelos grupos sociais

aos espaços coletivos em que vivem, e que a referida identidade se constitui por meio

dos signos estabelecidos na simbiose homem x natureza, que se vincula à realidade

concreta experimentada por estes. Logo, o poder simbólico constitui uma identidade

territorial, e para tal não há condicionalidade de limites físicos.

Na comunidade Nossa Senhora de Fátima, essa ampla noção de territorialidade é

evidenciada, visto que o homem da floresta se utiliza o meio ambiente de tal forma e

com tantas técnicas apreendidas de pai para filho, que acaba por romper com

determinismos geográficos. De acordo com uma das comunitárias:

Os rios são que nem as ruas da cidade, porque é lá que agente anda pra ir nas

outras comunidades e pra ir pra lá também [Manaus]. É nesse igarapé aí

[Tarumã Mirim, afluente do Rio Negro] que agente pesca e vê nossos filhos

brincando na água. Não conseguiria morar na cidade, porque lá nem tem

muitas árvore, não daria pra eu montar minha roça porque as casas são tudo

coladinhas umas das outras. Aqui é mais tranquilo de viver e criar as

crianças.(Pesquisa de campo - depoimento dado pela comunitária Maria

Terezinha de Jesus, 59 anos)

Observa-se que apesar da comunidade ser próxima à cidade de Manaus, os

ribeirinhos conseguem manter um contato ímpar com a natureza e com o território em

que estão inseridos, porém ressalta-se que este território perpassa os espaços físicos, a

divisão territorial pré-estabelecida. A noção física não é o suficiente para explicar a

noção de territorialidade. Através do mapa mental abaixo pode-se observar a dinâmica

da questão do território:

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Mapa mental da comunidade Nossa Senhora de Fátima: elaborado por F.S.B, 11 anos. Pesquisa de

campo realizada em 2012.

Evidencia-se, através do supracitado mapa mental, que além dos pontos centrais,

em termos de infraestrutura, apresentados na comunidade Nossa Senhora de Fátima, tais

como: as entidades religiosas, os comércios, as principais ruas, a escola, a quadra

poliesportiva, o campo de futebol o posto policial e o posto de saúde. Há ainda outros

aspectos apontados no mapa, tais como: os rios que cortam o território e as áreas de

florestas do entorno da comunidade.

Logo, enfatiza-se que a questão da territorialidade vai além dos espaços

geográficos estipulados, pois o contato com a natureza que rodeiam o local é um lócus

de reprodução social, econômica e cultural, onde os elementos da natureza despertam o

imaginário mitológico (DIEGUES, 2001). E é com base nas representações simbólicas

constituídas historicamente, que agem sobre o meio em que se inserem e se organizam

socialmente.

O supracitado autor explicita que o território amazônico é definido como uma

porção da natureza e espaço sobre o qual uma sociedade determina direitos estáveis de

acesso e uso sobre a totalidade dos recursos naturais existentes. Nesses complexos

territórios amazônicos se configuram identidades locais, que fogem dos tradicionais

conceitos de território, enquanto lócus delimitado pelo Estado Nacional.

Territorialidade significa tecer seus modos de vida além da área delimitada. É

manter uma estrita relação com a natureza do entorno da área geográfica, relação essa

que resulta no modo de vida experimentado por cada um dos homens dos trópicos.

Na comunidade Nossa Senhora de Fátima, a questão da territorialidade é vista na

concepção dada por Diegues (2009) e Pereira (2009), complexa e ímpar. A intimidade

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do homem com a natureza é indispensável, por mais que isso ultrapasse limites

geográficos, pois é através dessa simbiose que as relações sociais vão se constituindo. O

meio natural, o contato com a terra e com a água, transpassa questões físicas e se

constituem em uma complexa rede cultural que norteia a vida das comunidades

ribeirinhas.

Diante disso, compreender a territorialidade se faz relevante para entender o

processo social, cultural e econômico que os comunitários se inserem, bem como as

relações sociais que determinam em seu habitat natural.

3.3.Manifestações de grupos sociais: o perfil da liderança.

Os grupos sociais são caracterizados pelo conjunto de pessoas que compartilham

interessem comuns, desenvolvendo uma identidade coletiva. “A vida social é uma luta

constante (...) não há possibilidade de relação social sem dominação” (WEBER, 2008) .

Logo, a dominação é inerente a vontade humana, uma vez que os indivíduos já nascem

num processo político emergente.

Na concepção de Weber (2004) os grupos sociais se dividem em duas categorias

centrais: a primária e a secundária. Na categoria primária encontram-se os grupos

informais, geralmente compostos pela família, amigos e vizinhos. Na categoria

secundária destacam-se os grupos formais, regidos por normas e regras que conduzem

um comportamento específico. Os dois grupos sociais, são indispensáveis para análise

da vida social de uma comunidade.

Weber (2004) classifica três tipos de dominação: o poder legal está vinculado a

um estatuto político, regulamentado por uma constituição, tendo características

burocráticas; O poder tradicional está relacionado ao tradicionalismo, ao pioneirismo;

O poder carismático, como o próprio nome já esclarece, diz respeito aos líderes que tem

carisma, qualidades que atraem os membros do grupo, se tornando imprescindível na

tomada de decisão.

Através da supracitada pesquisa, analisou-se que no âmbito da Comunidade

Nossa Senhora de Fátima apresentam-se vários grupos sociais, dentre os quais os

comunitários interagem, se reúnem, trocam informações e compartilham um modo de

vida similar, constituindo uma identidade de classe, fortalecendo o processo de

organização social e política existente na referida comunidade.

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Observou-se que os grupos sociais identificados, estão dentro da concepção de

Weber (2008), onde há grupos formais e informais.

Dentre os grupos informais, destaca-se: O Grupo de Idosos da Floresta, onde as

pessoas acima de 50 anos se encontram todas as sextas-feiras para desenvolver

atividades com músicas, danças e exercícios físicos; O Grupo das Mulheres Católicas,

onde as mulheres da igreja São José se encontram duas vezes por semana para a

confecção de sabonetes artesanais, com o intuito de complementar a renda familiar; O

grupo escolar, da Escola Municipal José Sobreira do Nascimento, onde adolescentes se

reúnem para fins educacionais e desenvolvimento de atividades poliesportivas; e ainda

os grupos das igrejas, de denominação católica e protestantes que se reúnem nos seus

respectivos espaços para fins religiosos e sociais.

Dentre os grupos formais, destacam-se: a Associação da Comunidade de Nossa

Senhora de Fátima do Rio Tarumã Mirim – ACNFRTM, cujo objetivo é tecer

mecanismos que contribuam para o bem estar dos associados, através do

desenvolvimento socioeconômico da comunidade; Cooperativa mista do Tarumã Mirim

- AgroFrutas, que desenvolve atividades econômicas através da extração de polpas de

frutas (caju e cupuaçu).

A comunidade em questão também se inclui na concepção de Weber (2008) no

que diz respeito aos tipos de poderes, uma vez que foram encontradas as três formas por

ele descritas: O poder legal é constituído pelo presidente da Associação da Comunidade

de Nossa Senhora de Fátima do Rio Tarumã Mirim – ACNFRTM; o poder tradicional é

constituído pelo vice presidente da Associação da Comunidade de Nossa Senhora de

Fátima do Rio Tarumã Mirim – ACNFRTM, que é um dos pioneiro na fundação da

comunidade e o poder carismático, que é representado pela líder do Grupo das

Mulheres Católicas, pelo representante da Igreja Assembleia de Deus e pelo pedagogo

da escola Municipal José Sobreira do Nascimento.

Os líderes acima citados regem influência sobre as tomadas de decisões da

comunidade, sendo indispensáveis para a manutenção da ordem social, uma vez que

nenhuma decisão é tomada sem antes passar pelo consentimento desses grupos. Dessa

forma é nítida a relevância dos líderes que compõem cada organização social no

processo de organização sociopolítica da referida comunidade, ainda que não sejam

formais, pois através deles se direcionam os processos políticos, econômico e social

existentes na comunidade.

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Observou-se ainda que alguns líderes legitimados, não possuem certa autonomia

representativa para com os comunitários. É o caso do presidente da associação da

comunidade, que conforme explicitado em alguns depoimentos dados pelos moradores,

não possui autonomia para impor suas ideias perante a comunidade em questão, e isso

se dá por vários motivos, sendo o principal, o fato do mesmo não residi na comunidade,

e não participar ativamente da dinâmica social vivenciada pelos ribeirinhos.

Consequentemente, não consegue visualizar com clareza as problemáticas enfrentadas

por estes.

Evidenciou-se ainda que o líder tradicional, que se caracteriza por ser um dos

moradores mais antigos da comunidade, se destaca entre todas as lideranças

comunitárias, por ser o mais popular e conhecer cada família lá existente. Assim ele é

de fato, legitimado pelos comunitários, que o respeitam por ser o pioneiro no processo

de formação da comunidade. É nesse contexto de lideranças, sejam elas formais ou

informais, que podemos observar os entraves e as potencialidades do processo de

organização sociopolítica da referida comunidade amazônida. Que utiliza-se de sua

organização social para buscar a efetivação de políticas públicas que são mais comuns

no âmbito urbano.

3.4 Entraves e potencialidades da organização sociopolítica no processo político na

comunidade Nossa Senhora de Fátima/AM

A organização sociopolítica se manifesta como mecanismo eficaz na

consolidação de mudanças sociais, uma vez que beneficia o grupo, organizando-o,

identificando problemas e fortalecendo vínculos entre os membros, a fim de propiciar

maior qualidade de vida para os integrantes do grupo (GOHN, 2011).

Na comunidade Nossa Senhora de Fátima, observou-se que há um forte nível de

organização sociopolítica que quando estimulado possibilita aos comunitários

adquirirem melhorias sociais, esse processo de desenvolve através das manifestações

sociais que se desenrolam dentro do contexto social da comunidade. Como exemplo,

tem-se a conquista recente do posto policial da comunidade, adquirida após a realização

de uma audiência pública na cidade de Manaus, onde os comunitários, de forma

organizada, puderam expor suas problemáticas diante do poder público a fim de efetivar

direitos sociais.

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Assim, notou-se que os atores sociais detêm certo potencial organizativo, e se

reconhecem dentro deste processo como detentores de características eficazes para

promover a discussão de resoluções das problemáticas vivenciadas pelos mesmos.

Durante a pesquisa evidenciou-se que os moradores da comunidade se

identificam como ribeirinhos e comunitários de Nossa Senhora de Fátima, que

experimentam e vivenciam um cotidiano similar, com características regionais e locais,

participando ativamente dos grupos sociais que se desenrolam na referida comunidade.

O reconhecimento de pertença a uma comunidade se faz extremamente

relevante, visto que fomenta a autonomia e a união, fatores cruciais para a organização

sociopolítica e busca por direitos sociais. Através desse reconhecimento é que se pode

visualizar as mazelas que vêm se constituindo no tecido social e buscar soluções para os

mesmo, visando mudanças e melhorias que contribuam para melhor qualidade de vida

do grupo.

Logo, o sentimento de pertença social e a participação ativa nas organizações

sociais que regem o meio comunitário se configuram como peças chaves para o

fortalecimento da organização sociopolítica da comunidade Nossa Senhora de Fátima.

Se esse potencial for estimulado, os comunitários conseguiriam maior reconhecimento

para com o poder público e fortaleceria o nível da organização social e política já

existente na referida comunidade, suscitando ainda uma maior autonomia na luta pela

manutenção e consolidação de direitos sociais.

A referida comunidade fica próxima a cidade de Manaus, e se configura como a

maior do entorno do rio Tarumã Mirim em termos de extensão territorial e de

desenvolvimento. Porém muitas características das comunidades amazônidas continuam

a compor a identidade local: o contato com a terra, os rios, os animais, enfim, com os

recursos naturais disponíveis permanecem vislumbrando o cenário social e cultural da

comunidade Nossa Senhora de Fátima.

Dentre os entraves visualizados na comunidade, observou-se a dificuldade de

comunicação, devido à extensão territorial, pois trata-se de uma comunidade grande,

onde as casas possuem uma distância relativa uma das outras, o que acaba atrapalhando

as reuniões comunitárias, visto que as informações sobre as reuniões mensais nem

sempre chegam a todos.

Outro fator que dificulta o processo de organização sociopolítica é a descrença

no processo político. Não apenas no que se refere à comunidade, mas de forma geral.

Nos depoimentos, alguns comunitários alegaram que a política não representa um alto

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grau de importância: “eu não voto nem pra presidente, muito menos pra eleger alguma

chapa deles (da comunidade Nossa Senhora de Fátima). Política não serve pra nada,

não muda nada, por isso eu prefiro nem me meter”(M. S. M, 45 anos).

A descrença política se configura como um grande entrave na organização

sociopolítica, visto que a habilidade política é responsável pela autonomia de um grupo

na identificação das problemáticas e busca por soluções das mesmas. Demo (2006)

pontua que a habilidade política é capaz de superar limites físicos e materiais (...)

sendo a politicidade mecanismo crucial para a tomada de decisões e construção de

uma relativa autonomia. Dessa forma, a descrença política acaba por influenciar

negativamente no processo de organização sociopolítica da referida comunidade, sendo

um fator que atinge vários setores sociais na atualidade.

Apontar os entraves e potencialidades existentes no processo de organização

sociopolítica da comunidade Nossa Senhora de Fátima, a partir de suas manifestações

no contexto das relações sociais e espaços coletivos é uma estratégia para o

fortalecimento do nível da organização social e política experimentados nesse contexto,

além de contribuir para a identificação da identidade amazônida existente nas

comunidades ribeirinhas que compõem o cenário regional local.

Considerações Finais

Os comunitários de Nossa Senhora de Fátima manifestam uma intrínseca relação

com os recursos naturais disponíveis, e esse processo direciona e influencia o tecido

social, cultural e econômico experimentado pelos ribeirinhos da referida região. Apesar

da comunidade esta locada próximo à capital do Estado do Amazonas (Manaus), a

mesma apresenta características típicas das comunidades ribeirinhas existentes em todo

território amazônico. O que revela a grande simbiose entre o homem e a natureza.

A influência da relação homem x natureza também se apresenta no contexto

social da supracitada comunidade, onde a cultura e os símbolos acabam por direcionar

as organizações sociopolíticas nela existentes. Observou-se a mutualidade entre os

comunitários, a grande rede de vizinhança e parentescos influencia positivamente no

envolvimento dos comunitários, fortalecendo as organizações sociais e políticas.

Dessa forma, as potencialidades das organizações sociopolíticas, observadas

durante a pesquisa, se configuram num fator fundante para a participação ativa dos

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membros da comunidade, uma vez que o reconhecimento de pertença corresponde a um

fator preponderante no processo de construção da identidade do homem da floresta,

contribuindo para o fortalecimento de vínculos que auxiliarão na organização

sociopolítica, bem como na consolidação da democracia e da cidadania.

ABSTRACT

In the Amazon, there is a large quantity of rural communities composed of families that

weave their way of life based on available natural resources. In the rural area is

notorious for trivializing the guarantee of social rights, since the concentration of

programs and institutions are in urban areas. The present study aimed to uncover how

the community is organized and visualized within the process of socio-political

organization, which comprises all manifestations of social organizations in the

community, whether formal or notformal. A socio political organization is a strategic

means in the search for improvements to a group, and the fight for social rights and

expansion of citizenship, this requires the active participation of the population and

identification of problematic group. Given this, the article aims to analyze the socio-

political organization of the community Our Lady of Fatima, located on the banks of the

Rio Negro, from their manifestations in the context of social relations and collective

spaces in order to contribute to the strengthening of these organizations , since they are

perceived as effective vehicles for achieving social rights.

Keywords: Sociopolitical Organization, and Community Involvement.

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