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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Adalto Dias Tristão Aspectos relevantes do interrogatório como meio de defesa MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2008

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Page 1: Aspectos relevantes do interrogatório como meio de defesa · sobre os aspectos relevantes do interrogatório como meio de defesa, examinando a relação do instituto com o auto de

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Adalto Dias Tristão

Aspectos relevantes do interrogatório como meio de defesa

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Adalto Dias Tristão

Aspectos relevantes do interrogatório como meio de defesa

MESTRADO EM DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor Antônio Carlos da Ponte.

SÃO PAULO 2008

Page 3: Aspectos relevantes do interrogatório como meio de defesa · sobre os aspectos relevantes do interrogatório como meio de defesa, examinando a relação do instituto com o auto de

Banca Examinadora: _______________________________________ _______________________________________ _______________________________________

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Aos meus genitores Aderlindo e Maria, que me

ensinaram o caminho da retidão, à amada

esposa Rosalina, aos filhos Rodrigo, Rômulo e

Rubens, e ao querido irmão Ademir.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente agradecer ao Criador que me possibilitou ingressar em

tão conceituada instituição de ensino e concluir esta etapa do curso.

Formulo agradecimento a todos os professores do mestrado da PUC-SP com

os quais tanto tenho aprendido. Em especial aos professores doutores Paulo de

Barros Carvalho, Coordenador do Curso de Pós-Graduação da PUC-SP,

Hermínio Marques Porto, da área de Processo Penal, Marco Antônio Marques

da Silva, Cláudio de Cicco e Antônio Carlos da Ponte, o derradeiro, que com

tanta competência e dedicação me orientou nesta árdua tarefa.

A Thiago, Lucas e Ademir, sempre muito eficientes no auxílio e

pesquisa do tema, meu sincero apreço.

Registro meu profundo agradecimento, enfim, a todos que de alguma

forma contribuíram para que esta dissertação pudesse ser levada a efeito.

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PARA REFLETIR:

“Nao reproves antes de teres examinado;

indaga primeiro, depois julga”. (Eclesiástico 11,7) "O fim do Direito nao é abolir nem

restringir, mas preservar e ampliar a liberdade". (John Locke)

"Mais vale arriscarmo-nos a salvar um

culpado do que a condenar um inocente". (Voltaire)

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RESUMO

O objetivo central do presente trabalho, é a reafirmação da natureza jurídica do

interrogatório como meio de defesa, compatibilizando a legislação penal em

vigor com a Constituição e com as garantias e direitos fundamentais nela

elencados. Pretende-se demonstrar a importância do interrogatório no processo

criminal. Inicialmente, discorro sobre o papel do direito penal e processual

penal em relação ao controle social formal e a necessidade destes para a

manutenção do Estado Social e Democrático de Direito, opção política adotada

pelo Poder Constituinte originário. A seguir passo a analisar os princípios

penais e processuais penais formalizados na Constituição Federal relacionados

ao tema, para, posteriormente incursionar na evolução histórica do instituto.

Após passa-se as características componentes do interrogatório, e

consequentemente formular o nosso conceito sobre o instituto. É o

interrogatório o momento que o acusado tem seu primeiro contato com um

magistrado, podendo fazer esclarecimentos que entender importantes ou

simplesmente permanecer em silêncio. Analiso a natureza jurídica do

interrogatório e a divergência doutrinária relacionada, ou seja, se este seria meio

de prova, meio de defesa ou meio de prova e defesa. Ao final, faço uma análise

sobre os aspectos relevantes do interrogatório como meio de defesa,

examinando a relação do instituto com o auto de prisão em flagrante, o inquérito

policial, o uso de algemas, a confissão, o interrogatório por videoconferência, o

interrogatório de menores de 18 anos, o interrogatório na justiça eleitoral, na lei

de combate ao tráfico de drogas, na lei de imprensa, na justiça militar, no

Tribunal do Júri, nas Comissões Parlamentares de Inquérito e nos juizados

especiais. Por fim, falo sobre delação premiada.

Palavras-chave: Interrogatório. Meio de defesa. Devido processo legal. Direito

ao silêncio. Videoconferência.

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ABSTRACT

This study will focus on interrogation as a mean of defense. We have

analysed oral examination inside the individual and fundamental rights

guaranties.The study analyse its history evolutions. The intent is to show the

importance of interrogation durin the criminal process. At first, talk about the

importance of the penal and the processual law for the social control and them

necessity for the maintenance of the Social and Democratic Law State, the

political option chosen for the original constitucional power. At a late time,

study the connection of the penal and processual principles formalized on the

fundamental law, and then, make a concept for interrogation. During the

interrogation, the accused have his first contact with the judge. This is the

moment when he cans explain himself, or simply remain silent. The problematic

juridical nature of the interrogation is examinated carefully. At last, conduct an

analysis on relevant aspects of the interrogation as a means of defense and its

connection with the self imprisonment in flagrant, the use of handcuffs, on

confession, on oral videoconference, on oral examination on minors of eigtheen,

on Statutory Law nº 11.343/06, Statutory Law nº 5.250/67, on the Brazil´s

Electoral and Military Justice, on the Popular Judge, on the Parliamentary

Committees of Inquiry and on small claims courts. To finish, I talk about

“denunciation awarded”.

Key-word: Interrogation. Means of defense. Due process of law. Right to keep

in silent. Videoconference.

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Índice 1 - INTRODUÇÃO...............................................................................................1 2 - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS.................................................................................................................8

2.1. Princípios Fundamentais do Direito Penal Formalizados na Constituição............................................................................................12

2.1.1. O Princípio da Legalidade....................................................12 2.1.2. O Princípio da Igualdade......................................................15 2.1.3. O Princípio da Humanidade da Pena....................................20 2.1.4. O Princípio da Responsabilidade Pessoal.............................25

2.2. Princípios Fundamentais de Direito Processual Penal Formalizados na Constituição Federal...........................................................................28

2.2.1. Do Devido Processo Legal....................................................28 2.2.2. Do Contraditório....................................................................44 2.2.3. Da Ampla Defesa...................................................................54 2.2.4. Da Presunção de Inocência....................................................61

3 - INTERROGATÓRIO....................................................................................71

3.1. Evolução Histórica................... ..........................................71 3.3.1. Direito Hebreu..................................................................72

3.3.2. Direito Grego...................................................................73 3.3.3. Direito Romano................................................................74 3.3.4. Inquisição.........................................................................75 3.3.5. Europa Continental - Idade Moderna..............................78 3.3.6. Direito Anglo-Saxão........................................................79

3.2. Características.............................................................................82

3.2.1. Ato Personalíssimo..........................................................82 3.2.2. Judicialidade....................................................................84 3.2.3. Oralidade..........................................................................86 3.2.4. Publicidade.......................................................................90 3.2.5. Individualidade................................................................92 3.2.6. Probidade.........................................................................92

3.3. Conceito..................................................... ................................93

3.4. Interrogatório e Direito ao silêncio.............................................95

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3.5. Supremacia do Sistema Acusatório..........................................101

3.6. Natureza Jurídica do Interrogatório...............................................102 3.6.1. Interrogatório como Meio de Prova....................................104 3.6.2. Interrogatório como Meio de Defesa..................................107 3.6.3. Interrogatório como Meio de Prova e de Defesa................113

4 - ASPECTOS RELEVANTES DO INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE DEFESA............................................................................................................116

4.1. - Interrogatório no Auto de Prisão em Flagrante...........................116 4.2. - Interrogatório no inquérito policial............................................126 4.3. Interrogatório e confissão: Judicial e extra-judicial......................132

4.3.1. confissão Judicial................................................................134 4.3.2. confissão Extrajudicial........................................................136

4.4. Algemas no interrogatório.............................................................140 4.5. Interrogatório por vídeoconferência..............................................143

4.5.1. Exposição crítica do tema: prós e contras..........................147 4.6. Interrogatório de menores - Disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente referentes ao tema e a presença do curador................161 4.7 Interrogatório na Justiça Eleitoral...................................................165 4.8 Interrogatório na Lei de Combate ao Tráfico de Drogas................166 4.9. Interrogatório na Lei de Imprensa.................................................168 4.10. Interrogatório na Justiça Militar..................................................170 4.11. Interrogatóriono Tribunal do Júri................................................172 4.12. Interrogatório nas Comissões Parlamentares de Inquérito..........175 4.13. Interrogatório no Juizados Especiais Criminais..........................179

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5 - DELAÇÃO PREMIADA............................................................................177 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................187

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1 - INTRODUÇÃO

O ser humano convive em sociedade, neste contexto surge o Estado e seus

mecanismos com a finalidade de se evitar a degradação do meio social por força

dos conflitos, principalmente a estruturação dos sistemas de controle social, sem o

qual uma convivência com um mínimo de harmonia não seria possível.

Desta forma surgiu a necessidade de conformar o comportamento dos

indivíduos integrantes da sociedade a determinadas regras de condutas (positivas

ou negativas) que são feita por estes sistemas de controle.

Estes sistemas de controle podem ser formais ou informais. O controle

formal é feito pelo Ordenamento Jurídico, isto é, pelos vários ramos do Direito, a

partir da Lei Maior; enquanto que o controle informal é levado a efeito por outros

meios, como, por exemplo, a família, a escola, a igreja, a imprensa, etc.

O Direito é instrumento de regulação e controle da sociedade, portanto, para

poder dar uma resposta eficaz às novas situações que se impõem ele deve adaptar-

se à dinâmica social do tempo atual. Isso sempre acontece, porque o direito é um

reflexo do sistema cultural imperante. “O tempo é um fator preponderante nessa

mutação de valores e o homem vai moldando o Direito em consonância com os

interesses e possibilidades do presente”1.

O Direito Penal é a mais rígida das formas de controle social formal, porque

na busca da tutela de bens jurídicos dos mais relevantes, como a vida, o

patrimônio, a liberdade de expressão, etc., sacrifica outros bens igualmente

importantes, no caso do nosso ordenamento principalmente a liberdade, e em

segundo lugar o patrimônio, mas em outros ordenamentos até mesmo a vida.

Destarte percebe-se que o Estado, por meio do controle efetivado pelo

Direito Penal, interfere ora com mais, ora com menos intensidade, nos direitos e

1 1 BARROS, Marco Antonio de. A busca da verdade no processo penal - São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2002.

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garantias fundamentais do cidadão. Desta feita, tal interferência deve ser pautada

em função de outro valor relevante, que é a paz e a tranqüilidade individual e

social, para que seja atribuída eficácia a este tipo de controle, com o menor custo

social possível. A este respeito Alberto Silva Franco:

O fracasso do sistema de controle social informal recomenda o

funcionamento de um social institucionalizado no qual devem estar

previamente definidos os comportamentos provocadores de reação

(norma), o conteúdo desta reação (sanção) e a forma pela qual se

verifica a infração desses comportamentos e se determina a sanção

(processo). Norma, sanção e processo constituem, portanto, o tripé de

suporte do controle social formal.2

No Estado moderno, a resolução de conflitos de interesses através da

autotutela é vedado

Uma vez verificada a existência de conflitos de interesses, e sendo

impossível a autotutela, as partes buscam a proteção de seu direito

através da obtenção da tutela jurisdicional a ser prestada pelo Estado.

A solução desses conflitos é feita de um modo geral através da

sentença,...3

Mais especificamente no campo penal, este controle é exercido formalmente

por dois elementos principais A Legislação, que atua de forma preventiva,

descrevendo condutas negativas, cominando as respectivas sanções para o caso de

transgressão; e a Jurisdição, que atua de forma repressiva, ou seja, não observados

os comandos contidos na Legislação, surge para o Estado a pretensão punitiva,

2 2 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 6. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2007. p. 49. 3 3 JORGE, Flavio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. Rio de Janeiro : Forense, 2003.

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havendo este que, obrigatoriamente, acionar a Jurisdição, para fazer valer sua

pretensão punitiva, respeitados os direitos e garantias fundamentais, dentro do que

se denomina processo. Sua aplicação submete-se a três níveis de formalização:

norma, sanção e processo. O último aparece como o único meio válido ou

instrumento de efetivação dos dois primeiros elementos.

Seja ao legislar ou ao realizar atos de jurisdição, o Estado exerce o seu

poder (poder estatal). E, assim como a jurisdição desempenha uma

função instrumental perante a ordem jurídica substancial (para que

esta se imponha em casos concretos) - assim também toda a atividade

jurídica exercida pelo Estado (legislação e jurisdição, consideradas

globalmente) visa a um objetivo maior, que é a pacificação social. É

antes de tudo para evitar ou eliminar conflitos entre pessoas, fazendo

justiça, que o Estado legisla, julga e executa (o escopo social magno

do processo e do direito como um todo).

O processo é, nesse quadro, um instrumento a serviço da paz social.4

O modelo de sociedade adotado por determinada nação está contido dentro

de sua Constituição, em seu conteúdo material. Atualmente, na maioria dos

ordenamentos de que se têm notícia, ganha destaque o Estado Social e

Democrático de Direito, agregando matizes dos Estados Liberal e Social,

agregando também uma terceira característica constitucional: a democracia. Tal

perfil político constitucional foi o adotado pela Constituição brasileira de 1988,

decorrendo dele os demais princípios fundamentais de nosso Estado.

A ‘democracia’ é o regime político que consente o desenvolvimento

pacífico dos conflitos, e por meio destes as transformações sociais e

institucionais. Legitimando e valorizando igualmente todos os pontos

4 4 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral do processo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 47.

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de vista externos e as dinâmicas sociais que os exprimem, ela legitima

a mudança por meio do dissenso e do conflito. Este nexo entre

democracia e conflito é biunívoco. Não apenas a democracia garante a

luta pelos direitos, mas estes garantem, por sua vez, a democracia:

uma oferece às outras os espaços e os instrumentos jurídicos, que são

essencialmente os direitos de liberdade; as outras asseguram aos

direitos e á democracia os instrumentos sociais de efetiva tutela e

alimentam-lhe o desenvolvimento e a realização.5

O arcabouço do Estado Democrático de Direito tem sua gênese na

Constituição da República, norma esta fundamental para regulamentar as relações

sociais e servir de fundamento também às disposições de ordem penal. Assim, a

substância das normas Penais, suas regras punitivas, sanções e bens jurídicos

sujeitos à sua proteção devem estar a ela conformados.

Os direitos penal e processual penal são subsistemas de controle social

formal, e devem estar condicionados por um modelo social, que no Brasil, segundo

sua Constituição, é o Estado Democrático de Direito. Desta forma, devem eles

obedecer aos limites constitucionais impostos, visto que são formas de controle

que atacam o direito fundamental da liberdade. Esses limites são dados por valores

constantes da própria Constituição.

Desta forma percebe-se que enquanto a lei penal tem por finalidade a

proteção da sociedade, dirigindo-se contra determinados comportamentos eleitos

pela lei como infração, a lei processual penal tem como objeto de tutela a proteção

das garantias constitucionais do acusado e investigado contra o arbítrio estatal, ou

seja, o acusado é o principal ator e o resguardo de seus direitos é a finalidade maior

das leis processuais penais. A este respeito Rogerio Lauria Tucci:

5 5 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. rev. e ampl. - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006.p. 871.

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Esse, sem dúvida, é o motivo do destaque dado ao processo penal

como instrumento de preservação da liberdade jurídica do acusado em

geral: consubstancia-se ele, com efeito, num precípuo direito, não do

autor, mas do Réu, interessado, que este é, em defender sua liberdade

jurídica, mediante a jurisdição, que testa a legalidade da ação do

acusador.6

Reforça este entendimento o escólio de Henrique Ferri:

A lei penal é a expressão social e jurídica da justiça penal, como

norma de conduta para cada indivíduo (direito penal substantivo) e

como regra de processo especialmente para os funcionários (direito

penal processual). Por isso, como para toda a outra lei, o Estado impõe

tanto aos cidadãos como a si próprio, quer dizer, aos próprios

funcionários, a obrigação de agir em conformidade com a mesma lei.7

Antonio Jose Miguel Feu Rosa também discorre sobre este tema:

O Direito Penal Moderno é mais o Direito Penal do autor do que o

Direito Penal do fato. Preocupa-se de preferência com o elemento

subjetivo do crime do que com o lado meramente objetivo. Assim, se

dez pessoas cometerem o mesmo crime, cada uma delas pode ser

condenada a uma pena diferente, dependendo dos motivos, das

circunstâncias e da análise de suas personalidades.8

Havendo a nossa Constituição alçado a dignidade da pessoa humana como

fundamento do Estado, em seu art. 1º, juntamente com a soberania, cidadania, os

6 6 TUCCI, Rogerio Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. 2. ed. rev. e atual., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. 7 7 FERRI, Henrique. Princípios de Direito Criminal. Traduzido do italiano por Luis Lemos D’Oliveira. São Paulo: Saraiva Editores, 1931. p. 105. 8 8 FEU ROSA, Antonio José Miguel. Processo Penal. 2. ed. Brasilia. Ed. Consulex : 2006. p. 341-342.

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valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, garantiu

esta como viga mestra do sistema jurídico, visto dar sustentação e servir de

fundamento de validade a todo o conjunto de preceitos relativos aos direitos e

garantias fundamentais, e também servindo de elo de ligação entre a ordem social

e a ordem jurídica.

A dignidade da pessoa humana alcançou um âmbito de abrangência bastante

largo em seu patamar de atuação, tendo assim uma conotação norteadora quanto

aos demais princípios do Direito. Desta forma, enxerga-se na dignidade um caráter

universal, um valor indispensável e irrenunciável do ser humano, possuindo assim

um teor de princípio matriz do Direito.

E é neste contexto que deve se orientar o legislador quando da eleição de

quais bens jurídicos merecem a tutela específica do direito penal, pois conforme já

mencionado, por ser a forma mais agressiva de controle social, não deve ser

qualquer a conduta humana merecedora de sanção por esta forma de controle, sob

pena de o remédio vir a causar mais mal que a própria doença.

Destarte, a tarefa de interpretação da Lei penal deve necessariamente partir

destas premissas.

O Estado Democrático de Direito é a opção do legislador constituinte

originário, leia-se também, vontade soberana do povo, já que segundo nosso

Preâmbulo constitucional todo poder emana dele e em seu nome é exercido. E o

princípio norteador do Direito Penal é o da dignidade da pessoa humana, de onde

derivam outros princípios mais específicos, que impõem ao intérprete da Lei penal

analisar os comandos legais levando em conta estas opções e princípios contidos

na Constituição, uma espécie de controle de qualidade do tipo penal, exercido

sobre o seu conteúdo nos casos concretos.

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A Dignidade da Pessoa Humana é um fundamento absoluto, intrínseco e

irrenunciável de todo e qualquer ser humano, tenha ele nascido, ou ainda por

nascer.

O princípio da dignidade da pessoa humana ganhou força com os ideais do

movimento iluminista e servia de sustentáculo e fundamento contra o Poder

Absoluto Monárquico em detrimento aos direitos individuais. Desta forma surgiu

como direito fundamental de primeira geração, visando resguardar os direitos e

garantias individuais do cidadão contra o arbítrio estatal. Nos dias atuais podemos

fazer uma releitura e afirmar que o princípio da dignidade humana lançou seus

tentáculos pelos direitos de segunda (direitos sociais) e terceira gerações (direitos

difusos e coletivos), pois não é nenhum exagero afirmar que faz parte de uma

existência digna o direito à qualidade de vida e a um meio ambiente saudável.

A primeira geração de direitos fundamentais, surgidos no século XVII,

exalta os valores fundamentais da pessoa humana, exigindo o reconhecimento de

direitos básicos sem os quais não é possível conceber-se o ser humano como

pessoa. Cuidam da proteção das liberdades públicas, ou seja, os direitos

individuais, compreendidos como aqueles inerentes ao homem e que devem ser

respeitados por todos os Estados, como o direito à liberdade, à vida, à propriedade,

à manifestação, à expressão, ao voto, entre outros.

Os direitos fundamentais de segunda geração enfatizam as novas

conquistas do homem, respondendo a um anseio geral de confirmação do

indivíduo como pessoa cultural, socialmente operante e economicamente ativa.

São os chamados direitos sociais, econômicos e culturais, onde passou a exigir do

Estado sua intervenção para que a liberdade do homem fosse protegida totalmente

(o direito à saúde, ao trabalho, à educação, o direito de greve, entre outros). Veio

atrelado ao Estado Social da primeira metade do século passado.

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A natureza do comportamento perante o Estado serviu de critério distintivo

entre as gerações, eis que os de primeira geração exigiam do Estado abstenções

(prestações negativas), enquanto os de segunda exigem uma prestação positiva.

A terceira geração de direitos fundamentais enfatizam os chamados de

solidariedade ou fraternidade, voltados para a proteção da coletividade. As

Constituições passam a tratar da preocupação com o meio ambiente, da

conservação do patrimônio histórico e cultural, com as relações de consumo, com

a proteção aos mercados econômicos, etc.

A partir destas gerações, vários outros autores passam a identificar outras,

ainda que não reconhecidas pela unanimidade dos doutrinadores.

Os direitos fundamentais de quarta geração resultam da preocupação

política que os avanços tecnológicos impõem ao meio social e que afetam as

estruturas econômicas, culturais e jurídicas vigentes. Os direitos fundamentais de

quarta geração refletem a posição política do homem num mundo globalizado. A

extrema capacidade de "estar" no mundo, sem limitações geográficas, e tendo

como barreiras apenas os valores morais, culturais e tecnológicos, fazem o Direito

redimensionar o valor do homem. Esse redimensionamento do homem agindo

(articulando direitos e deveres, praticando infrações, etc.) num novo espaço

(cibernético globalizado) exige do Direito uma nova construção de princípios,

regras e valores que tenham a capacidade de compatibilizar os direitos

consolidados ao longo desses mais de três séculos de história constitucional e as

novas perspectivas que se apresentam à realidade humana.

Os direitos fundamentais de quinta geração são defendidos por apenas

poucos autores para tentar justificar os avanços tecnológicos, como as questões

relacionadas à cibernética, à internet, à engenharia genética, por exemplo.

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2 - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS

O termo "Princípio", do latim pricipium, significaria, a grosso modo, o

início, o começo, a origem de determinada coisa. Tal noção, segundo a obra de

Paulo Bonavides9, deriva da linguagem da geometria, "onde designa as verdades

primeiras". Todavia, não é este o sentido que adotamos quando nos referimos aos

princípios jurídicos.

Para Norberto Bobbio10, “os princípios são normas como todas as outras”,

segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr.11 “os princípios não possuem caráter

normativo, pois não são elementos do repertório do sistema, mas fazem parte de

suas regras estruturais”, no magistério de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de

Carvalho12 “princípios são idéias fundamentais que constituem o arcabouço do

ordenamento jurídico; são valores básicos da sociedade que podem, ou não, se

constituírem em normas jurídicas”.

Na ótica de Alexy, “princípios jurídicos consistem apenas em uma espécie

de normas jurídicas por meio da qual são estabelecidos deveres de otimização

aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades normativas e fáticas”.13

Interessante conceito de princípio foi o formulado por Crisafulli,

mencionado na obra de Bonavides:

9 9 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. Malheiros, São Paulo, 2006, p. 255.

10 10 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 2006. p. 158.

11 11 FERRAZ Junior, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 247.

12 12 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Processo Penal e Constituição – princípios constitucionais do processo penal. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora . 2006. p. 05

13 13 ALEXY, apud ÁVILA, HUMBERTO. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7. ed. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros Editores. 2007. p.37

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Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada

como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a

pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito

em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam,

e, portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas

efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do

respectivo princípio geral que as contém.14

A despeito desta discussão, o fato é que hoje os princípios possuem papel

fundamental no mundo jurídico, pois é explícita a necessidade da sua existência

em um Estado Democrático de Direito, tendo em vista sua atuação como

instrumentos necessários à estabilidade da ordem jurídica.

Na realidade os princípios tem a função de assegurar a continuidade e a

estabilidade da ordem jurídica e de homogeneizar o sistema jurídico, exprimindo

uma espécie de vontade da sociedade de se ligar a si mesma através da sua própria

história, da sua herança, do seu patrimônio jurídico e constitucional.

Como é cediço, há certa discussão sobre a natureza jurídica dos princípios,

pois, enquanto parte da doutrina afirma tratar-se de normas jurídicas, outra parte

nega tal natureza, todavia, é inegável, como seu traço característico, o caráter da

normatividade de que dispõem os princípios.

Citando novamente Norberto Bobbio, que, debruçando-se sobre o tema

procurou critérios jurídicos científicos para diferenciar os princípios das normas:

Os princípios gerais são apenas, no meu entendimento, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva ao engano, tanto que é velha questão entre juristas se os princípios gerais são normas. A meu ver não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também

14 14 CRISAFULLI apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. Malheiros, São Paulo, 2006, p. 255.

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a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de tudo, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo que servem as normas. E por que não deveriam ser normas?"15.

Segundo Alexy, apesar da infinidade de critérios de diferenciação entre

princípios e regras, o mais freqüente é o da generalidade, e prossegue explicando

que “os princípios são normas dotadas de alto grau de generalidade relativa, ao

passo que as regras, sendo também normas, têm, contudo, grau relativamente

baixo de generalidade”16.

Ao direcionarmos nossos olhares aos princípios penais, verificaremos que

estes possuem importância ainda maior, porque são ferramentas limitadoras do

Poder Estatal, sua fundamentação remonta ao ideário iluminista, estão presentes na

Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, e sem as quais não

haveria bem estar e tranqüilidade social. Sabendo disso, o constituinte originário

fez questão de inserir expressamente na Constituição Federal de 1988 alguns

princípios voltados exclusivamente ao Direito Penal e outros ao Direito Processual

Penal.

Luiz Luisi resume bem o contexto histórico dos princípios:

Ao incorporar os princípios do Estado liberal e do Estado social, e ao

conciliá-los, as Constituições modernas, renovam de um lado, as

garantias individuais, mas introduzem uma série de normas destinadas

a tornar concretas, ou seja, ‘reais’, a liberdade e a igualdade dos

15 15 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 7. ed. Unb, Brasília, 1996, p. 159.

16 16 ALEXY apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. Malheiros, São Paulo, 2006, p. 277.

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cidadãos, tutelando valores de interesse geral como os pertinentes ao

trabalho, a saúde, a assistência social, a atividade econômica, o meio

ambiente, a educação, a cultura, etc...

Certo é também que as Constituições desde o século XVIII até as

contemporâneas contêm uma série de princípios que ou são

especificamente penais, ou pertinentes a matéria penal.17

Marco Antonio Marques da Silva enfatiza a importância dos princípios

especificamente na seara do Direito Penal e Processual Penal:

A importância dos princípios para a interpretação da Lei é reconhecida expressamente no Código de Processo Penal, no seu art. 3º, o que não significa que não sejam observados na elaboração e aplicação da lei penal. São os princípios que proporcionam uma contínua revalidação da lei, não fosse assim, a cada mudança constitucional ter-se-ia que refazer a totalidade da legislação ordinária. Desse modo a lei que não se demonstre absolutamente incompatível com os princípios deve ser interpretada de tal sorte que a norma que dela se extraia seja com eles compatível e afinada. A existência de princípios constitucionais específicos para o processo penal demonstra que a importância do processo supera o fato do mesmo ser também um instrumento de aplicação do direito penal material. O processo penal é, antes de tudo, instrumento de realização da justiça, em um contexto de legalidade e garantia ao respeito dos direitos constitucionais daquele a quem se impute a prática de infração penal.18

2.1 Princípios Fundamentais do Direito Penal Formalizados na Constituição

Federal

2.1.1. O Princípio da Legalidade

17 17 LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor. 2003. p. 12.

18 18 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso á Justiça Penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2001.

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Estrutura básica de todo o sistema penal. Constitui uma real limitação ao

poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais. Estabelece que

nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena pode ser aplicada sem

que tenham sido previamente determinados o tipo delitivo e a pena respectiva.

Desdobra-se em três postulados principais: reserva legal, determinação taxativa e

irretroatividade.

Previsto expressamente no art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição da

República, a reserva legal estatui que “não há crime sem lei anterior que o defina

nem pena sem prévia cominação legal”. Tal comando também foi repetido no art.

1º do Código Penal brasileiro.

Este postulado está incorporado ao nosso ordenamento desde nossa primeira

Constituição, e possui suas raízes na teoria do contrato social do iluminismo,

preconizando limitação do poder do Estado como reação ao Poder Monárquico

absoluto.

Este postulado ganhou força, à época, com a obra de Cesare Bonesana, o

Marquês de Beccaria:

...apenas as leis podem indicar as penas de cada delito e que o direito

de estabelecer leis penais não pode ser senão da pessoa do legislador,

que representa toda a sociedade, ligada por um contrato social.

Ora, o Magistrado que é parte dessa sociedade, não pode com justiça

aplicar a outro partícipe dessa sociedade uma pena que não esteja

estabelecida em lei; e a partir do momento em que o juiz se faz mais

severo do que a lei, ele se torna injusto, pois aumenta um novo castigo

ao que já está prefixado. Depreende-se que nenhum magistrado pode,

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ainda sob o pretexto do bem público, acrescer a pena pronunciada

contra o crime de um cidadão.19

Do postulado da reserva legal decorre a vedação da aplicação da analogia,

exceto quando for para beneficiar o réu. As disposições sobre a execução da pena,

muito embora acalorada discussão doutrinária tenha sido feita neste tema, também

deve respeitar tal princípio.

A reserva legal possui função garantidora do exercício do poder punitivo

estatal dentro dos limites da lei, evitando que o cidadão venha a ser pego de

surpresa e ser incriminado por um arbítrio estatal, visto que somente poderá ser

incriminado alguém se o fato a ele imputado for previamente definido como crime

e com pena previamente prevista.

O segundo corolário lógico do princípio da legalidade é o da taxatividade.

Enuncia que a norma penal deve ser clara, objetiva e precisa. Trata-se de uma

recomendação a ser seguida pelo legislador quando da elaboração da norma penal,

evitando o uso de expressões ambíguas, vagas e imprecisas, principalmente a

utilização de conceitos indeterminados em normas incriminadoras.

O postulado da taxatividade possui finalidade precípua de proteger o

cidadão do arbítrio estatal, visto que a utilização de conceitos vagos daria ao

aplicador da lei a tarefa de interpretá-la conforme melhor lhe aprouvesse, deixando

os cidadãos à margem de interpretações de caráter subjetivo.

O terceiro postulado do princípio da legalidade é o da irretroatividade da lei

penal. Este estipula que a lei penal não pode retroagir para alcançar fatos anteriores

19 19 BONESANA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Deocleciano Torrieri Guimarães. São Paulo: Rideel, 2003. p. 20.

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à sua vigência. Complementando-se com o conceito de reserva legal, integra o

conceito de legalidade.

Também serve de proteção do cidadão contra o arbítrio estatal, evitando que

este venha a ser incriminado, ou incriminado mais severamente, por fatos que não

eram considerados crimes na época em que foram cometidos, evitando desta forma

a criação de Tribunais de Exceção.

Questão interessante ventilada pela doutrina quando cuida deste ponto diz

respeito ao julgamento dos crimes cometidos pelos nazistas pelo Tribunal de

Nuremberg (e também o de Tóquio pelos crimes de guerra cometidos pelos

japoneses). Luis Luisi faz interessante menção ao tema:

“Alguns doutrinadores procuram justificar as sentenças dos Tribunais

internacionais mencionados, alegando que não houve violação dos

postulados da prévia legalidade e da irretroatividade, porque os fatos

cometidos determinantes das condenações atentavam contra

elementares exigências de justiça e eram substancialmente criminosos,

e pois estavam implicitamente previstos como delito. Dizem estes

estudiosos que não houve realmente uma violação da reserva legal e

da irretroatividade da lei penal, à luz de uma perspectiva substancial e

concreta. Data venia se tais condenações se podem talvez justificar

com base em imperativo de justiça concreta, mas é evidente terem sido

postergados o Princípio da Reserva Legal e o da irretroatividade. A

chamada “legalidade substancial” é de notória equivocidade, e enseja

induvidosamente o arbítrio. Se vencedores tivessem sido os nazistas,

talvez as lideranças dos Países seus inimigos teriam sido submetidos a

julgamento com base na mesma “legalidade substancial”20.

Da mesma forma que a aplicação da analogia, a lei penal somente poderá

retroagir em caso de benefício para o réu, conforme expressamente disposto no art.

20 20 LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. 2 ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor. 2003. p. 28.

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5º, XL da Constituição Federal: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar

o réu;”, e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal brasileiro: “A lei posterior, que

de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que

decididos por sentença condenatória transitada em julgado.”

2.1.2. O Princípio da Igualdade

Tem fundamento no art. 5º, caput, da Constituição Federal, estabelece que

não há possibilidade de existirem leis discriminatórias, reclama para sua

completude a igualdade material, ou seja, igualdade através da lei.

Tem-se como um dos maiores desafios de qualquer País democrático o de

criar condições para que todos os cidadãos tenham efetivamente os mesmos

direitos, as mesmas garantias e as mesmas oportunidades de participar da

construção da nação.

No Brasil, a perspectiva universalista de igualdade de direitos não tem se

mostrado suficiente para que o ordenamento jurídico assegure a equidade desejada

entre homens, mulheres, brancos, índios e negros. A raiz do problema está na

desigualdade social e econômica historicamente existente entre estas classes, cujas

conseqüências levam à prática da violência e outras violações aos direitos

fundamentais.

Tal desigualdade está aparente nos dados sócio-econômicos da sociedade

brasileira. Quando considerados à luz de indicadores como raça/etnia, situação

econômica e gênero, essas diferenças ganham novos contornos e as desigualdades

são ampliadas, sobretudo quando se observa a situação de grupos historicamente

excluídos, de que são exemplos as mulheres, os negros, os idosos, os indígenas, as

pessoas portadoras de deficiência física ou mental, etc.

A igualdade deferida na ordem jurídica, garantida pela Constituição, não

significa necessariamente que estes devam ser tratados de modo idêntico, mas que

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sejam observadas e respeitadas as diferenças individuais e sociais. Assim como

afirmado em lição do Filósofo grego Aristóteles, repetida por Rui Barbosa em sua

obra ‘Oração aos moços’: “a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e

desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.”21.

O filósofo grego Aristóteles foi o primeiro a considerar o conteúdo ético-

jurídico da igualdade, vinculado à idéia de justiça.

Para o constitucionalista português J.J. Gomes Canotilho, o princípio da

igualdade é “um dos princípios estruturantes do regime geral dos direitos

fundamentais”22. O professor português ensina que o princípio é o grande

informador de toda a Constituição, expressa ou implicitamente contido, como

pressuposto indispensável às determinações constitucionais, bem como que “a

igualdade jurídica surge, assim, indissociável da própria liberdade individual”.23

O referido princípio consta do artigo 13º da Constituição da República

Portuguesa:

Artigo 13.º (Princípio da igualdade)

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação econômica, condição social ou orientação sexual.

Os critérios de discriminação devem ser legítimos e serem justificados de

maneira clara para que se possa alcançar o ideal da igualdade. Saber estabelecer

quais critérios podem, validamente, ser utilizados é o ponto preliminar do presente

problema. Qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações pode ser

21 21 BARBOSA, Rui (de Oliveira). Oração aos moços/ O dever do advogado. Ed. Campinas: Russell Editores, 2004. p. 33. 22 22 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Ed. Almedina, 2005.p 426. 23 23 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Ed. Almedina, 2005. p. 426.

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eleito pela norma como fator de diferenciação, sendo que, não é no traço de

diferenciação escolhido que se deve buscar algum desacato ao princípio

isonômico:

...as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição.24

Tal entendimento é abraçado pelo Tribunal Constitucional Lusitano,

conforme se verifica em decisão daquela Corte mencionada na obra de Canotilho:

O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça

distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja, proíbe as

diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o

mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios

de valor objectivo constitucionalmente relevantes. Proíbe também que

se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda

a discriminação: ou seja, as diferenciações de tratamento fundadas em

categorias meramente subjectivas...25

O que fez o art. 5º, caput, da Constituição Federal: “Todos são iguais

perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”, estabelecendo o princípio da

igualdade, descrevendo em seus incisos hipóteses de discriminação, seja em

função de raça, sexo, trabalho, credo religioso, foi apenas exemplificar, evidenciar

certos traços que à época da Assembléia Constituinte, seriam as mais desprezíveis

e odiosas formas de discriminação, que em maior ou menor medida vinham sendo

24 24 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed., 10ª Tiragem, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 08.

25 25 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Ed. Almedina, 2005. p. 428.

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praticadas na sociedade. Tais exemplos não podem, por si só, darem azo à

discriminação, todavia, razões de interesse público, dispostos em uma norma geral

e abstrata, sendo validamente justificada pode, mesmo nestes casos, ser um critério

legítimo de discriminação. A este respeito colhemos o escólio de Pimenta Bueno:

“A lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou

prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do

bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania.”26

O princípio da igualdade deve ser interpretado considerando as diferenças

efetivamente existentes entre indivíduos - igualdade material, posto que não há

mais espaço para ideologia jurídica que compreenda a isonomia em termos

puramente formais e abstratos.

Destarte, segundo a doutrina de Celso Antonio Bandeira de Mello: “o

alcance do princípio da igualdade não se restringe a nivelar os cidadãos diante da

norma legal posta, apesar de a própria Lei não poder ser editada em

desconformidade com a isonomia.”27

Também Hans Kelsen, em sua obra mais célebre já se manifestou sobre o

tema:

A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela

Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira

idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na

Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria

absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas

obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer

distinção alguma entre eles, como, por exemplo, entre crianças e

26 26 BUENO, Pimenta. Direito Público brasileiro e Análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro, 1857, p. 424

27 27 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed., 10ª Tiragem, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 09.

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adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e

mulheres.28

A igualdade processual entre as partes, segundo escólio de Antonio Scarance

Fernandes, manifesta-se de duas formas:

1º) exigência de mesmo tratamento aos que se encontrem na mesma

posição jurídica no processo, como, por exemplo, o mesmo tratamento

a todos que ostentem a posição de testemunha, só se admitindo

desigualdades por situações pessoais inteiramente justificáveis e que

não representem prerrogativas inaceitáveis;

2º) a igualdade de armas no processo para as partes, ou par conditio,

na exigência de que se assegure às partes o equilíbrio de forças; no

processo penal, igualdade entre o Ministério público e acusado”

A garantia de acesso à justiça criminal implica na garantia de igualdade

processual que pressupõem acessibilidade econômica e acessibilidade técnica ao

devido processo penal. Como garantia à acessibilidade econômica pressupõe-se a

manutenção de institutos como assistência judiciária gratuita, prevista pela Lei

1.060/50, recepcionada pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LXXIV,

bem como a importância da manutenção do trabalho desenvolvido pela Defensoria

Pública. Como garantia à acessibilidade técnica prevê a legislação a

imprescindibilidade da apresentação da atuação técnica e efetiva e completa

assistência da defesa ao acusado.

Tais institutos são legitimados e tem por fundamento de validade o princípio

da isonomia e também do contraditório conforme veremos mais adiante. Visam

trazer paridade de armas entre acusação e defesa, visto que tal atividade por muitas

28 28 KELSEN, Hans; Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 190.

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vezes é difícil de ser realizada, dado que a acusação conta com todo aparato estatal

a seu favor.

Todavia existem também institutos processuais questionáveis frente ao

princípio da igualdade, e entre eles podemos destacar o foro privilegiado por

prerrogativa de função para determinadas autoridades e agentes públicos, bem

como a necessidade de prisão especial.

2.1.3. O Princípio da Humanidade da Pena

Decorrência lógica e imediata do princípio maior da Dignidade da Pessoa

Humana. Em um Estado Democrático de Direito vedam-se a criação, aplicação e

execução de penas bem como de qualquer outra medida que atente contra a

dignidade da pessoa humana.

A criminalidade e a pena, desde os tempos mais antigos, sempre existiram,

todavia, até meados do século XVIII, preponderava quase que unicamente o

caráter retributivo da pena, sem a menor preocupação com uma pena justa. As

penas aplicadas eram cruéis e totalmente desprovidas de humanidade. Não havia

nenhum tipo de limite legal imposto ao aplicador da pena.

A fase humanitária da pena teve início com a famosa obra, Dos Delitos e

Das Penas, escrita por Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, na segunda

metade do século XVIII. Esta obra surgiu depois da revolta de certos membros da

população com as crueldades das penas aplicadas.

Em sua clássica obra, “Dos Delitos e Das Penas” o autor chamava a atenção

para a utilidade da pena e para a necessidade de uma normatização das condutas

ilícitas, fato que delimitava o poder do aplicador da pena. Além disso, defendia a

proporcionalidade entre o delito e a pena.

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Segundo Cesare Bonesana:

(...) foi, portanto, a necessidade que constrangeu os homens a cederem

parte da própria liberdade: ele está, portanto, certo de que qualquer um

não quer entregar em depósito público senão a menor porção possível,

somente aquela que baste a induzir os outros a defendê-lo. O conjunto

desta mínima porção possível forma o direito de punir; tudo o mais é

abuso e não justiça, é fato, mas não direito.29

Conclui a citada obra com os seguintes dizeres:

Do quanto se viu até agora se pode extrair um teorema geral muito

útil, mas pouco conforme ao costume, o mais ordinário legislador das

nações, que é: para que toda pena não seja uma violência de um ou de

muitos contra um cidadão privado, deve ser essencialmente pública,

rápida, necessária, proporcional aos delitos, e ditada pelas leis”.30

As Escolas Ecléticas ou Mistas, mais modernas, mitigaram as teses

firmadas pela Escola Clássica e pela Escola Positiva, mais arcaicas, defendendo o

pensamento no qual a pena é uma reação e também uma conseqüência do crime,

contudo deve possuir uma função reeducativa do delinqüente.

As três principais teorias mistas foram as Absolutas, as Relativas e as

Mistas. Para os defensores da Teoria Absoluta, dentre eles, Welzel e Mezger, a

pena tem caráter unicamente retributivo-expiacionista. Para os adeptos da Teoria

relativa ou utilitárias, a pena possuía caráter unicamente preventivo, (geral e

específico). Já a Teoria mista, como o nome já diz, conciliava os conceitos das

outras duas teorias, juntando ao objetivo da pena não só o caráter retributivo e de

prevenção, como também a reeducação do delinqüente.

29 29 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Trad. Aléxis Augusto Couto de Brito – Prefácio: René Ariel Dotti – São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.41. 30 30 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Trad. Aléxis Augusto Couto de Brito – Prefácio: René Ariel Dotti – São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 124.

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O entendimento majoritário sobre a finalidade da pena privativa de

liberdade entende que se busca a punição do infrator, juntamente com a

humanização do mesmo.

Ao analisar detidamente o ordenamento jurídico brasileiro, fica clara a

opção do legislador pátrio pela teoria mista da pena. A retribuição e a prevenção

estão expressamente contidas no artigo 59 do Código Penal Brasileiro ao descrever

que:

O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social,

à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e

conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima,

estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e

prevenção do crime: I - as penas aplicadas dentre as cominadas; II - a

quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o

regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a

substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie

de pena, se cabível.

Já a busca pela ressocialização do infrator está contida na redação do artigo

22 da Lei de Execução Penal, lei nº 7.210/76, que descreve o seguinte: “Art. 22 - A

assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los

para o retorno à liberdade.”

Princípio dirigente da execução da pena privativa de liberdade, reafirma a

condição do condenado como pessoa humana. A pena deve possuir caráter

predominantemente de ressocialização do indivíduo, e não consistir apenas em

uma vingança da sociedade contra o infrator. Tal princípio estipula que o Estado

deve, quando da execução da pena, pautar-se pela adoção da estrita legalidade e

observância aos direitos fundamentais, quando inobserva tais comandos se torna

tão ou mais criminoso quanto o próprio réu.

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Na nossa Constituição podemos perceber a consagração do princípio da

Humanidade de Pena esparso em diversos dispositivos. No art. 5º podemos

mencionar o inciso III, que proíbe a tortura e o tratamento cruel ou degradante; o

inciso XLVI, que assegura a individualização da pena; o inciso XLVII, que veda a

pena de morte (salvo para caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX da

CF), as penas de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento ou cruéis; o

inciso XLIX, que assegura ao apenado o respeito à integridade física e moral; o

inciso XLVIII, que garante ao preso o direito de cumprir a pena em

estabelecimentos distintos de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do

apeando; o inciso L, que assegura ás presidiárias o direito de permanecerem com

seus filhos durante o período de amamentação.

Quanto a este último dispositivo é digno de destaque que às presidiárias é

assegurado não somente o direito de permanecerem com seus filhos durante o

período de amamentação, mas que se assegure também ás presas gestantes

condições dignas e salubres durante o período de gestação, reafirmando que a pena

não pode passar da pessoa do apeando e garantindo ao nascituro o direito à vida, e

à mãe o direito a uma gestação saudável, sendo esta posição atualmente assente em

todos os Tribunais do País.

A Declaração Americana de Direitos Humanos, o Pacto de São José da

Costa Rica, ratificado pelo Estado Brasileiro em 25 de setembro de 1992, prevê o

direito à vida desde a concepção, conforme disposto em seu artigo 4º.

Importante frisar que o princípio da humanidade da pena não prega o

abrandamento ou atenuação da natureza das penas; dada sua finalidade, estas

devem possuir o caráter da aflitividade, a pena não deixa de ser uma reprovação da

sociedade à atitude do agressor, o princípio apenas garante que a pena não deve ser

confundida com vingança, respeitando-se as garantias constitucionais do apenado

em conformidade com os Tratados de Direito Internacional referentes ao tema.

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A pena não possui caráter unicamente ressocializador, embora este seja o

mais atualmente propalado pelos meios de comunicação; tal visão seria, no

mínimo, utópica, principalmente diante da atual situação dos presídios no País.

Juridicamente, prevalece o entendimento de que são três as finalidades da pena,

quais sejam, a retribuição, a prevenção, (geral e especial) e a ressocialização.

Este é o entendimento adotado pelo ordenamento brasileiro.

A respeito da função ressocializadora, o princípio da humanidade da pena

ainda informa que a execução da pena deve buscar formas seguras de reinserção do

reeducando no meio social. A pena, ao lado de seu aspecto de retribuição ao

condenado do mal que este cometeu, também deve possuir mecanismos que

incentivem este a buscar um convívio social pleno, e isto deve ser feito de forma

gradual, servindo como incentivo ao segregado, minimizando-se desta forma os

efeitos negativos dessocializadores negativos inerentes a privação da liberdade.

Tal objetivo tem por fundamento dois postulados decorrentes do princípio

da humanidade. Segundo Alberto Silva Franco31 tais postulados seriam o da

compensação ou atenuação e o princípio do nihil nocere. O primeiro dispõe que a

execução da pena privativa de liberdade não deva se resumir pura e simplesmente

à segregação do indivíduo durante o tempo estipulado de cumprimento de pena,

mas que à privação da liberdade correspondam algumas compensações que visem

estimular ao exercício de alguns direitos não atingidos pela condenação,

possibilitando acesso à reinserção social de forma gradual. Quanto ao segundo,

“fundamenta-se na idéia de que os efeitos deletérios da internação forçada devem

ser evitados através de um procedimento prisional que reduza significativamente o

perigo da dessocialização”32.

2.1.4. O Princípio da Responsabilidade Pessoal

31 31 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 6. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2007. p. 60. 32 32 Ob. Cit., p 60.

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A responsabilidade penal tem sempre caráter pessoal, “responde-se apenas

por factos próprios”33. Não há campo fértil no direito penal para responsabilidade

coletiva, subsidiária, solidária ou sucessiva. A Constituição Federal, em seu art. 5º,

inciso XLV dispõe que: “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado...”. “É

princípio pacífico do direito penal das nações civilizadas que a pena pode atingir

apenas o sentenciado”34 , não importando se o condenado se encontra

impossibilitado de adimplir com sua pena, se faleceu, nem mesmo dos vínculos

jurídicos, econômicos ou familiares que se possua com o réu.

O mesmo dispositivo ainda estatui que: “... podendo a obrigação de reparar

o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas

aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio

transferido”.

Não se olvida que muitas das vezes a execução da pena acarrete prejuízos a

terceiros, principalmente às famílias dos condenados que, em grandes parte dos

casos, tem na pessoa do condenado o principal provedor de renda da família; estes

efeitos secundários da condenação devem buscar ser atenuados por medidas de

assistência social e política criminal.

Entretanto apesar de parecer absoluta esta premissa tem uma única exceção

no ordenamento penal brasileiro, que encontra abrigo na vigente Lei de Imprensa,

em seu art. 37. A responsabilidade penal aludida neste Lei é sucessiva, melhor

explicando, em cascata, conforme dispõe o art. 37 da Lei:

Art. 37 - São responsáveis pelos crimes cometidos através da imprensa e das emissoras de radiodifusão, sucessivamente:

I - o autor do escrito ou transmissão incriminada (artigo 28 e § 1º), sendo pessoa idônea e residente no País, salvo tratando-se de

33 33 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 6. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2007. P. 61. 34 34 LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. 2.ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor. 2003. p. 51.

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reprodução feita sem o seu consentimento, caso em que responderá como seu autor quem a tiver reproduzido;

II - quando o autor estiver ausente do País, ou não tiver idoneidade para responder pelo crime:

a) o diretor ou redator-chefe do jornal ou periódico; ou

b) o diretor ou redator registrado de acordo com o artigo 9º, III, b, no caso de programa de notícias, reportagens, comentários, debates ou entrevistas, transmitidos por emissoras de radiodifusão;

III - se o responsável, nos termos do inciso anterior, estiver ausente do País ou não tiver idoneidade para responder pelo crime:

a) o gerente proprietário das oficinas impressoras no caso de jornais ou periódicos; ou

b) o diretor ou proprietário da estação emissora de serviços de radiodifusão.

IV - os distribuidores ou vendedores da publicação ilícita ou clandestina, ou da qual não constar a indicação do autor, editor, ou oficina onde tiver sido feita a impressão. (...)

Logo, tendo sido identificados os autores de uma eventual reportagem

inidônea, estes é que deverão penalmente responder, não podendo, destarte,

atribuir responsabilidade solidária ao Diretor do Jornal ou a quaisquer outras

pessoas que não aquelas.

Do princípio da responsabilidade pessoal decorre o da individualização da

pena. A par disto, temos que a pena deve ser proporcional à culpabilidade do autor,

não deve exceder àquela que responde a necessidade reclamada pelo fato punível.

A individualização, segundo lecionava Nelson Hungria consistiria no processo de:

“Retribuir o mal concreto do crime, com o mal concreto da pena, na concreta

personalidade do criminoso”35.

A individualização da pena ocorre em três situações diferentes, assim,

podemos dizer que a pena seria primeiramente individualizada no momento de sua

35 35 LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor. 2003. p. 52.

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elaboração pelo legislador, posteriormente, no momento da aplicação da pena pelo

magistrado e, por último, no tempo da execução penal.

O momento legislativo está inserido dentro do conteúdo do artigo 5º, inciso

XLVI da Constituição Federal. Este inciso faz referência às individualizações

feitas no momento da elaboração das leis. Desta forma, o legislador irá criar

cominações abstratas, com sanções diferentes para cada tipo de delito, construindo

um mandado de criminalização de acordo com a importância de cada bem jurídico

tutelado. As espécies de penas reguladas pelas leis estão descritas de forma

exemplificativa neste inciso, logo, não há óbice legal para que o legislador crie

novos tipos de penas, desde que não estejam dentro do rol taxativo do inciso

XLVII do mesmo artigo, ou seja, pena de morte, pena de caráter perpétuo, de

trabalhos forçados, de banimento e penas cruéis.

A fase judicial da individualização da pena é aquela feita pelo magistrado.

Este usará como base o artigo 59 do Código Penal Brasileiro. Neste sentido, ao

examinar o contexto do caso, o juiz terá certa margem de discricionariedade, mas

sempre estará vinculado à lei. “É de entender-se que na individualização judiciária

da sanção penal estamos frente a uma ‘discricionariedade juridicamente

vinculada’. O Juiz está preso aos parâmetros que a lei estabelece”36.

A fase de individualização da execução da pena aplicada está expressa no

inciso XLVIII do artigo 5º da Constituição, que se preocupa com a execução da

pena, ou seja, reza que a pena aplicada será cumprida em estabelecimentos

distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.

2.2. Princípios Fundamentais de Direito Processual Penal Formalizados na

Constituição Federal

36 36 LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor. 2003. p. 52.

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2.2.1. Do Devido Processo Legal

Segundo a doutrina majoritária este princípio tem sua gênese na Magna

Carta de 1215, a também conhecida como “Law of the Land”, o momento de seu

surgimento ajuda bastante a entender a finalidade de seu conteúdo, visto que fora

uma reação dos proprietários de terra ingleses contra a perda arbitrária de sua

liberdade ou de seus bens.

O princípio constava expressamente do art. 29 daquele diploma legal, que

traduzido para o português teria o seguinte conteúdo:

Nenhum homem livre será detido, nem aprisionado, nem despojado de

sua propriedade, de sua liberdade ou de seus livres costumes, nem

posto fora da lei (ultragetur), nem desterrado, nem molestado de

qualquer maneira; e não poremos nem permitiremos pôr a mão nela, a

não ser que seja submetido a julgamento legal de seus pares e segundo

a Lei do País.37

Percebe-se uma visão predominantemente individualista do devido processo

legal, surgindo destarte o embrião dos futuros direitos individuais, escudo do

cidadão contra o arbítrio do Estado, e a subjetividade como este lançava as

obrigações sobre seus súditos. Segundo processualista civil Rodrigo Klippel:

O princípio do devido processo legal era, pois, uma proteção contra o

autoritarismo do rei e a instabilidade da forma como os cidadãos eram

por ele regidos. Contra isso se insurgiram a nobreza, os grandes donos

de terra, que exigiram uma tomada de posição de seus governantes no

sentido de oferecer segurança à sociedade.38

37 37 SIDOU, J. M Othon. Habeas Corpus, Mandado de Segurança e Ação Popular - as garantias ativas dos direitos coletivos. 2. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1983. p. 121. 38 38 KLIPPEL, Rodrigo. Teoria Geral do Processo Civil. Niterói, RJ: Impetus, 2007. p. 44.

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Este princípio ganhou força com o movimento iluminista surgido na França,

encontra-se presente na Declaração Universal dos Direitos do Homem e

consolidou-se na Constituição dos Estados Unidos da América do Norte, em suas

Emendas V e XIV, espraiando-se posteriomente pelas demais constituições

européias.

Este princípio teve sua maior evolução jurisprudencial nos EUA, onde

durante o séc. XIX, o “due process of law” foi utilizado como fundamento para

defender o direito de propriedade privada, e, posteriormente, os demais direitos da

pessoa humana. Na Inglaterra a cláusula permanece com seu sentido original, ou

seja, vinculada à defesa da liberdade pessoal.

Este princípio ingressou no ordenamento jurídico pátrio na Constituição

Federal de 1988, era a primeira vez que a Carta Maior nacional agasalhava de

forma expressa este postulado, que possui como princípios decorrentes os

princípios da ampla defesa e do contraditório, devendo estes ser garantidos aos

litigantes em processo judicial ou administrativo e também aos acusados em geral,

conforme reza o artigo 5º, LV do texto constitucional: “ninguém será privado da

liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

Significa que todas as formalidades previstas em lei para que haja

cerceamento da liberdade ou para que alguém seja privado de seus bens devem ser

rigorosamente respeitadas.

É o princípio dirigente de toda a estrutura jurídico-processual, segundo

Nelson Nery, o devido processo legal é “gênero do qual todos os demais

princípios constitucionais do processo são espécies”39, ou seja todos os outros

princípios procedimentais derivam dele. Portanto, sem o devido processo legal,

39 39 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 32. 40

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não há o contraditório não há a ampla defesa, não há descoberta da verdade real,

etc.

O devido processo legal, quiçá pela sua amplitude, comporta todos os

demais princípios, servindo de fundamento a todos eles. Daí os

doutrinadores considerarem que o devido processo legal funciona

como gênero para todas as espécies de princípios ligados ao

processo.40

A garantia constitucional do devido processo legal visa garantir que a

Autoridade, no exercício de suas atividades, faça uso racional do poder de que está

investido, não cometendo arbitrariedades, para que, assim, tenham seus atos

legitimidade ético-jurídica.

Relaciona-se com uma série de direitos e garantias constitucionais, tais

como presunção de inocência, duplo grau de jurisdição, publicidade, juiz natural,

etc.

Segundo o constitucionalista Alexandre de Moraes:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo,

atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade,

quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições

com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa

técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de

provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos

recursos, à decisão imutável, à revisão criminal)41.

41 40 GAMA, Lidia Elizabeth Peñaloza Jamarillo. O devido processo legal. São Paulo: Editora de Direito, 2005. p. 31-32. 42 41 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 93.

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Canotilho, sintetizando a idéia contida nas Emendas relacionadas com o

princípio do devido processo legal, constantes da Constituição Americana,

consegue exprimir bem o conteúdo jurídico do devido processo legal leciona:

...processo devido em direito significa a obrigatoriedade da

observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de

alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade. Nestes

termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a aplicação

de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade. Dito ainda

por outras palavras: due process eqüivale ao processo justo definido

por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação

de sanções criminais particularmente graves.

Esta leitura básica abre a porta para uma outra idéia já atrás acentuada.

É ela a do processo devido como processo justo de criação legal de

normas jurídicas, designadamente das normas restritivas das

liberdades dos cidadãos. Por outras palavras porventura mais

expressivas: o due process of law pressupõe que o processo

legalmente previsto para aplicação de penas seja ele próprio um

‘processo devido’ obedecendo aos trâmites procedimentais

formalmente estabelecidos na Constituição ou plasmados em regras

regimentais das assembléias legislativas. Procedimentos justos e

adequados moldam a actividade legiferante. Dizer o direito segundo

um processo justo pressupõe que justo seja o procedimento de criação

legal dos mesmos processos.42

O Devido processo legal é reflexo da evolução do sistema de controle social

formal, denota a primazia da jurisdição como monopólio estatal, e reforça a idéia

de necessidade do contrato social, fruto do pensamento iluminista, estas teorias

culminaram na idéia de que a privação da liberdade ou da propriedade deva ser

43 42 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Ed. Almedina, 2005. p. 493.

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precedida de um procedimento estabelecido anteriomente ao surgimento do

conflito; esta previsibilidade é fundamental para que possa ser assegurado o

contraditório, a ampla defesa, a isonomia. Antonio Scarance Fernandes leciona:

É o processo o palco no qual devem se desenvolver, em estruturação

equilibrada e cooperadora, as atividades do Estado (jurisdição) e das

partes (autor e réu). Nenhuma dessas atividades deve ser o centro,

impondo-se sobre as outras. O excessivo realce á predominância da

jurisdição sobre as partes é reflexo do valor dado ao intervencionismo

estatal na sociedade e na vida dos indivíduos. Prestigiar a ação é

ressaltar a atividade do autor em detrimento da atuação do Estado e da

defesa. Colocar a defesa como a razão do processo é, também,

valorizar uma das partes da relação jurídica processual em prejuízo da

outra. O processo é o ponto de convergência e de irradiação. É nele e

por meio dele que alguém pode pleitear a afirmação concreta de seu

direito. É mediante o processo que o juiz, como órgão soberano do

Estado, exerce a sua atividade jurisdicional e busca, para o caso, a

solução mais justa.43

Desta forma, apercebe-se a garantia do devido processo legal como a

unidade de fatores sem os quais a jurisdição e o processo não poderiam

legitimamente alcançar seu escopo de composição de litígios. Sendo que tal noção,

com o passar do tempo, evoluiu de direito subjetivo da parte para uma garantia,

constitucionalmente expressa na totalidade dos ordenamentos jurídicos que adotam

o Estado Democrático de Direito, levando-nos a concluir que este não pode existir

validamente sem a adoção de tal princípio.

Quanto ao aspecto substantivo do devido processo legal, é possível ao

aplicador da Lei aferir se a imposição de qualquer medida coativa

processual penal atende ao que reclama a razoabilidade ou a

racionalidade, ou, em outros termos, se a medida processual é

44 43 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 33.

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proporcional, ou seja, se é legal, teleologicamente justificável,

necessária, idônea e preencha os demais requisitos de motivação e

judicialidade.44

O Devido processo Legal apresenta-se sob duas faces; o “substantive due

process of law” e o “procedural due process of law”.

O “substantive due process of law” refere-se ao aspecto material do referido

princípio, expresso no o artigo 5º, LV do texto constitucional pátrio, em essência

serve como limite da atuação do legislador na elaboração de leis que respeitem os

bens tutelados por este dispositivo, imunizando-os contra ataques por via de

legislação desprovida de razoabilidade e proporcionalidade. Essa cláusula tutelar,

ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza

a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição

jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração

normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do

legislador.

A origem do substantive due process teve lugar justamente com o

exame da questão dos limites do poder governamental, submetida à

apreciação da Suprema Corte norte-americana no final do século

XVIII.. Decorre daí a imperatividade de o legislativo produzir leis que

satisfaçam o interesse público, traduzindo-se essa tarefa no princípio

da razoabilidade das leis. Toda lei que não for razoável, isto é, que não

seja a law of the land, é contrária ao direito e deve ser controlada pelo

Poder Judiciário.45

45 44 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal e Constituição - Princípios Constitucionais do Processo Penal. 4. ed. rev. e ampl. - Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006. p. 138-139. 46 45 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 32.

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Já o “procedural due process of law” seria aplicação do referido princípio

ao campo estritamente processual, refere-se à correta e legítima utilização das

garantias decorrentes deste princípio no exercício da tutela jurisdicional. É o

“devido processo” no sentido estrito do termo.

Em sentido processual, a expressão alcança outro significado, mais

restrito, como é curial. No direito processual americano, a cláusula

(procedural due process) significa o dever de propiciar-se ao litigante:

a) comunicação adequada sobre a recomendação ou base da ação

governamental; b) um juiz imparcial; c) a oportunidade de deduzir

defesa oral perante o juiz; d) a oportunidade de apresentar provas ao

juiz; e) a chance de reperguntar ás testemunhas e de contrariar provas

que forem utilizadas contra o litigante; f) o direito de ter um defensor

no processo perante o juiz ou tribunal; g) uma decisão fundamentada,

com base no que consta dos autos.46

Rogério Lauria Tucci que analisa o tema de forma mais específica,

voltada para o Direito Penal, leciona sobre o devido processo penal, afirmando

que:

A pessoa física integrante da coletividade não pode ser privada de sua

liberdade, ou de outros bens a ela correlatos, sem o devido processo

penal, em que se realize a ação judiciária, atrelada ao vigoroso e

incindível relacionamento entre as preceituações constitucionais e as

normas penais - quer de natureza substancial, quer de caráter

instrumental -, e de sorte a tornar efetiva a atuação da Justiça

Criminal, tanto na inflição e na concretização da sanção (pena ou

medida de segurança), como na afirmação do ius libertatis.47

47 46 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 38. 48 47 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro - 2. ed. rev. atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 68.

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Este mesmo autor, e também Antonio Scarance Fernandes, utilizam a

expressão “devido processo penal” para designar a aplicação do referido princípio

no âmbito penal. Esta expressão fora utilizada por Bertolino, em sua obra “El

Debido Proceso penal”:

Claro está que la denominación de ‘penal’ adscripta a la garantía

menta, por cierto, el modo corriente con el cual se indica al derecho

que en el proceso respectivo se actúa. Este es, digámoslo así, el

sentido más apropiado y riguroso de la denominacíon.48

A obra de Tucci especifica o devido processo penal nas seguintes garantias:

a) de acesso à Justiça Penal; b) do Juiz natural em matéria penal; c) de

tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo penal; d) da

plenitude de defesa do indiciado, acusado, ou condenado, com todos

os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos

processuais penais; f) da motivação dos atos decisórios penais; g) da

fixação de prazo razoável de duração do processo penal; e h) da

legalidade da execução penal.49

O sistema acusatório, adotado por nosso sistema processual penal, busca no

princípio da ampla defesa um de seus fundamentos de validade, tendo em vista que

a necessidade de um procedimento previamente estabelecido, onde esteja

assegurada igualdade entre acusação e defesa.

49 48 BERTOLINO apud TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro - 2. ed. rev. atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 68. 50 49 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro - 2. ed. rev. atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 67. 51

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A privação da liberdade individual, ou de qualquer bem correlato, após

cometida uma infração, visando retribuir o mal cometido contra a coletividade,

somente poderá ter incidência após a observância do procedimento prévio e

legalmente estabelecido, respeitadas as garantias mencionadas, consectárias do

devido processo legal. A este respeito Leciona Frederico Marques:

A privação da liberdade, em conseqüência do ilícito penal, somente

será legítima quando precedida de acusação julgada em procedimento

onde a defesa plena não seja comprometida. Se isto não ocorrer, o

status libertatis estará sendo atingido sem o “devido processo legal”, o

que torna írrita e contra jus a ação punitiva do Estado.50

No processo penal, o due process of law ganhou força com as teorias

garantistas, capitaneadas pelo penalista italiano Luigi Ferrajoli, na última década

do século passado, servindo como reação ao movimento positivista “Lei e ordem”

surgido na década de setenta e que atingiu seu ápice nos anos oitenta, e pregava

que “a lei deveria restabelecer a ordem agravando os níveis punitivos e

penalizando, com o rigor até da pena de morte, os criminosos perigosos ou

reincidentes. ‘Quem faz paga’”51, apresentando-se como alternativa promissora a

este movimento de supressão das garantias individuais.

O due process of law é reforçado pelo modelo garantista de processo

penal de Luigi Ferrajoli, onde serve como proteção efetiva aos direitos

fundamentais e à produção de um processo penal justo. Só um

processo penal que, em garantia dos direitos do imputado, minimize os

espaços impróprios da discricionariedade judicial, pode oferecer um

52 50 MARQUES, Jose Frederico. Elementos de Direito Processual Penal - Vol. I - Campinas: Bookseller, 1997. p. 84. 53 51 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 6. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2007. p. 81.

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sólido fundamento para a independência da Magistratura e ao seu

papel de controle da legalidade do poder.52

O incremento de novos tipos de criminalidade, alcançando escalas nacionais

e mundiais, rompendo a barreira regional da violência tradicional até então

reforçou a ideologia do Movimento da Lei e da Ordem. Crimes como a onda de

seqüestros à grandes empresários, surgimento e consolidação dos grandes cartéis

do tráfico de drogas, surgimento de grupos de extermínio, terrorismo, etc., elevava

o preconceito entre classes e etnias. “Nesta perspectiva, o Movimento da Lei e da

Ordem compreende o crime como o lado patológico do convívio social, a

criminalidade como uma doença infecciosa e o criminoso como um ser daninho”.53

Posteriormente percebeu-se que este movimento, mais do que apresentar

uma resposta eficaz à criminalidade crescente da época, era mais uma forma de

dramatização e politização da violência, visava apenas apaziguar os ânimos da

opinião pública e dar uma tranqüilidade transitória ao cidadão comum, visto que

possuía função meramente simbólica, pois a única resposta à onda de

criminalidade era o endurecimento da legislação penal, sem o incremento dos

outros instrumentos de aplicação da lei penal, um claro conflito efetividade X

normatividade.

O avanço das novas tecnologias de comunicação tornou a violência um

fenômeno massificado pela mídia, o que tornou a política criminal uma importante

fonte de captação de eleitores para políticos que atuavam neste segmento.

54 52 FIOREZE, Juliana. Videoconferencia no processo penal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2007. P. 185. 55 53 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 6. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007. p. 85.

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Neste passo, o garantismo penal é um sistema baseado na efetividade das

normas penais e das garantias individuais do delinqüente. Para definir o

garantismo, ninguém melhor que o próprio Ferrajoli ao esclarecer que:

‘Garantismo’, en efecto, significa precisamente tutela de aquellos valores o derechos fundamentales cuya satisfacción, aun contra los interesses de la mayoría, es el fin justificador del derecho penal: la inmunidad de los ciudadanos contra la arbitrariedad de las prohibiciones y de los castigos, la defensa de los débiles mediante reglas del juego iguales para todos, la dignidad de la persona del imputado y por conseguiente la garantía de su libertad mediante el respecto también de su verdad.54

A busca de um processo penal que respeite os direitos constitucionais do

indivíduo, servindo-lhe de escudo contra o arbítrio estatal é pressuposto elementar

do Estado Democrático e Social de Direito, é o mínimo essencial sem o qual não o

regime democrático não poderia existir, todavia, a teoria garantista proposta por

Ferrajoli não consubstancia um modelo pronto e acabado, o autor apenas

demonstra cientificamente os pilares nos quais devem ser assentadas as bases de

um processo penal que respeite os direitos individuais do cidadão, demonstrando

suas relações de causa e efeito que, dependendo do modelo político agasalhado

pelo Ordenamento de determinado Estado conduzam a um processo penal mais ou

menos garantista.

Norberto Bobbio, prefaciando a obra de Ferrajoli procurou sintetizar o ideial

da Teoria garantista:

O garantismo é um modelo ideal ao qual a realidade pode mais ou

menos se aproximar. Como modelo representa uma meta que

permanece tal mesmo quando ela não é alcançada, e não pode ser

nunca, de todo, alcançada. Mas para constituir uma meta, o modelo

deve ser definido em todos os seus aspectos. Somente se for bem

56 54 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón, Teoría del Garantismo Penal. Madrid: Trotta, 1997. p. 192

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definido poderá servir também de critério de valoração e de correção

do direito existente.55

Segundo Adauto Suannes:

A menos que a segurança do Estado se sobreponha aos interesses

fundamentais da pessoa humana - o que já implica em opção política -,

o processo penal somente pode ser considerado, tal qual deve ser nos

regimes democráticos, como garantia do acusado. Garantia porque faz

parte da necessidade de o autor (o Estado) provar a acusação que faz;

garantia porque substitui os processos inquisitoriais e os

procedimentos sigilosos pelo processo público, em que o acusado tem

até mesmo a garantia de inviolabilidade em relação ao seu corpo e sua

mente (habeas corpus); garantia porque o Estado se comprometeu a

designar um técnico, um peritus ars dicendi arc probandi, para falar

pelo réu (ad-vocatus); garantia porque o Estado que acusa não é, por

ficção jurídica, o Estado que julga, donde ser ele obrigado a mostrar as

razões de seu convencimento.56

Em dias atuais, principalmente após a onda de ataques terroristas sofrido

pelas grandes potências mundiais, percebe-se uma certa tendência à que o processo

penal volte a trilhar o caminho oposto à da teoria garantista, teorias como a do

Direito Penal do Inimigo, mais próprias de Estados de Exceção do que Estados de

Direito voltam a ganhar força. Talvez a essência desta Teoria esteja bem ilustrada

nesta passagem da polêmica obra “Direito Penal do Inimigo” de Gunther Jakobs:

57 55 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. rev. e ampl. - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006.p. 09. 58 56 SUANNES, Adalto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais. 1999. p. 219.

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Quem por princípios se conduz de modo desviado, não oferece

garantia de um comportamento pessoal. Por isso, não deve ser tratado

como cidadão, mas deve ser combatido como inimigo. Esta guerra tem

lugar como um legítimo direito dos cidadãos, em seu direito à

segurança; mas diferentemente da pena, não é Direito também a

respeito daquele que é apenado; ao contrário, o inimigo é excluído.57

Neste passo, a grande questão a ser enfrentada é exatamente que dispositivos

do direito penal material e processual devem ser atingidos nesta releitura e de que

forma devem ser compreendidos, de modo a manter o equilíbrio da ponderação

entre os valores sociais. Interessante o ponto de vista de José Carlos Barbosa

Moreira que ao se manifestar sobre assunto diverso concluiu que a “melhor forma

de coibir um excesso e de impedir que ele se repita não consiste em santificar o

extremo oposto”.58

O maior desafio do processualista dos dias atuais consiste em, exatamente,

fazer a ponderação entre as garantias fundamentais inerentes a um processo penal

democrático e a efetividade deste processo, não perdendo de vista que esta também

é uma garantia fundamental, como componente do direito de acesso à Justiça e

que, uma vez completamente sacrificada, pode conduzir a uma impunidade que,

em última análise e a longo prazo, tende a comprometer a própria manutenção do

regime democrático que se pretende preservar.

Nesta perspectiva, o enfrentamento do crime organizado precisa superar um

aparente paradoxo entre não abrir mão do devido processo legal (e seus

consectários), bem como das garantias fundamentais do réu, qualquer que seja seu

status dentro da organização criminosa, e produzir um processo efetivo, que

59 57 JAKOBS, Gunther; MELIÁ, Manuel Câncio. Direito Penal do Inimigo. Org. e trad. Andre Luís Calegari, Nereu José Giacomolli. 2. ed. - Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007. p. 49. 60 58 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Constituição e as Provas Ilicitamente Obtidas. Artigo publicado na Revista Forense, v. 337, jan/mar 1997. p. 134.

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permita a correta aplicação do direito material à espécie. Às demonstrações de

ousadia do crime organizado, não se pode responder com autoritarismo, eis que o

Estado jamais poderia combater o crime se comportando como criminoso. Neste

sentido, como leciona André Luis Callegari e Nereu Jose Giacomolli:

Independentemente da gravidade da conduta do agente, este, há de ser

punido criminalmente como transgressor da norma penal, como

indivíduo, como pessoa que praticou o crime, e não como um

combatente, como um guerreiro, como um inimigo do Estado e da

sociedade. A conduta, por mais desumana que pareça, não autoriza o

Estado a tratar o ser humano como se um irracional fosse. O infrator

continua sendo um ser humano.59

É preciso buscar, dentro de um processo democrático, comprometido com as

garantias individuais das quais em momento algum pode se afastar, a efetividade

necessária ao seu fim último, que é a manutenção da ordem jurídica, com a perfeita

aplicação das normas de convivência que regem as relações humanas, no caso em

foco, as normas do Direito Penal, o que igualmente não pode ser perdido de vista.

O Código de Processo Penal remonta à década de 40, tendo sido escrito sob

a vigência da Constituição de 37, da Era Vargas (Estado Novo), influenciada pelos

ideais fascistas que ecoavam na Europa. É urgente, pois, sua releitura, em face da

Constituição de 1988, de índole completamente oposta àquela que lhe fora matriz

original, ou mesmo sua reforma, ao menos em vários de seus pontos.

Neste cenário, em nossa opinião, segundo as opções políticas tomadas pelo

nosso Poder Constituinte Originário, não há espaço em nosso Ordenamento para

radicalismos, como o abandono do Direito Penal Garantista cedendo espaço a

Teorias como a Direito Penal do Inimigo, uma vez que este mitiga de forma brutal

as garantias fundamentais defendidas pela Constituição de um Estado Democrático

de Direito como o devido processo legal, e o contraditório, criaria a flexibilização

61 59 JAKOBS, Gunther; MELIÁ, Manuel Câncio. Direito Penal do Inimigo. Org. e trad. Andre Luís Calegari, Nereu José Giacomolli. 2. ed. - Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007. p. 17.

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na avaliação das licitudes das provas, o aumento do prazo da prisão cautelar,

inclusive suprimindo o princípio da presunção inocência do ordenamento jurídico.

A este respeito colhemos a lição de Henrique Ferri:

Além disso, a defesa social por meio da justiça penal pode e deve

realizar-se não só com a coerção repressiva do condenado; mas - se

para uma parte dos delinqüentes, pelas suas condições pessoais de

patologia, anomalia ou degeneração não é possível mais do que o seu

seqüestro do convívio civilizado - para a grande maioria deles é pelo

contrário possível também a readaptação à vida livre e honesta e

portanto para esses a defesa social, como sempre tem sustentado a

escola positiva, deve realizar-se com um regime carcerário que seja ao

mesmo tempo de reeducação social. Para a minha defesa pessoal de

um inimigo, eu posso aniquilá-lo ou reduzi-lo à impotência por meio

duma ação violenta, mas posso também persuadi-lo a que me não

moleste mais, quando as circunstâncias a isso se prestem.60

Abordando mais especificamente o devido processo legal com o tema

central de nosso trabalho, temos que o Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária editou a Resolução nº 05 de 30 de Setembro de 2002 que rejeitou a

proposta relacionada à realização de interrogatório “On Line” de presos

considerados perigosos. O Parecer da Conselheira Sofia Schimidt de Oliveira

destacou bem a importância do respeito às garantias e ao devido processo legal no

processo penal:

O sentido do devido processo legal ganha vida na forma como são

executados os atos do processo. Deste modo, o respeito às garantias

processuais e aos princípios informadores do contraditório e da ampla

defesa é o que legitima o exercício da jurisdição. O respeito ao sistema

de garantias não é um atributo do processo penal, mas sua essência. A

62 60 FERRI, Henrique. Princípios de Direito Criminal. Traduzido do italiano por Luis Lemos D’Oliveira. São Paulo: Saraiva Editores, 1931. p. 108-109.

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aplicação da pena criminal é antecedida por uma série de atos

ordenados e realizados conforme a previsão legal e os princípios

informadores do devido processo legal. Estas colocações ficaram mais

robustas desde que o Brasil aderiu ao sistema internacional de

proteção aos direitos humanos e as regras previstas no Pacto

Internacional de Direitos Civis e Políticos (adotado pelo Decreto 591

de 06.07.1992) e na Convenção Americana sobre Direito Humanos

(adotada pelo Decreto 678 de 06.10.1992) passaram a integrar nosso

ordenamento jurídico. O direito do réu preso de ser conduzido à

presença do juiz (art. 9º, 3 do Pacto e art. 7º, 5 da Convenção) não

pode sofrer interpretação que venha a equiparar a condução da pessoa

à condução da imagem por cabos de fibra ótica. Não há pena sem o

devido processo legal e não há devido processo legal sem respeito ao

sistema de garantias. E se existem exigências quanto à forma dos atos

não é por mero apego a um formalismo inútil, não é por obra de uma

mentalidade rigorosa e burocrática, avessa à eficiência e à

modernidade. Neste ponto, há razões que conduzem a outra linha de

argumentação, relacionada às questões de política criminal.61

Todavia, mesmo que a título de nota, pois tal tema será oportunamente

abordado, a lei 10.792/2003, que alterou a disciplina do interrogatório, mesmo não

tendo autorizado tal procedimento, também não o proibiu, o que posteriormente

criou a celeuma na doutrina pátria, discutindo-se se este tipo de inovação

tecnológica poderia ser aplicada em nosso processo penal, e se tal aplicação feriria

as garantias constitucionais do acusado.

63 61 BRASIL. Resolução CNPCP nº 05 de 30 de Setembro de 2002. Publicada no DOU em 04.10.2002, ret. DOU 14.10.2002.

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2.2.2. Do Contraditório

Consectário do devido processo legal. Garante tratamento igualitário entre

as partes do processo, seus componentes essenciais, segundo Scarance Fernandes

agasalhando escólio de Canuto Mendes de Almeida, são a necessidade de

informação e a possibilidade de reação, devendo estes permitir o exercício de um

contraditório Pleno e Efetivo.

Segundo Scarance Fernandes:

Pleno porque se exige a observância do contraditório durante todo o

desenrolar da causa, até seu encerramento. Efetivo porque não é

suficiente dar à parte contrária, sendo imprescindível proporcionar-lhe

os meios para que tenha condições reais de contrariá-los. Liga-se aqui,

o contraditório ao princípio da paridade de armas, sendo mister, para

um contraditório efetivo, estarem as partes munidas de forças

similares.62

Este entendimento justifica-se já que uma defesa eficiente assenta-se no

trinômio informação-opção-reação; somente havendo prévia ciência dos atos da

acusação é que a defesa poderá escolher sua melhor opção e preparar a reação mais

adequada.

Por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar-

se conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo

às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos

que lhe sejam desfavoráveis. Os contendores têm direito de deduzir

suas pretensões e defesas, realizarem as provas que requereram para

64 62 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 61.

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demonstrar a existência de seu direito, em suma, direito de serem

ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos.63

A existência do direito de ação do autor para buscar tutela a uma pretensão

resistida à um suposto direito seu, corresponde em igual e simétrica medida ao

direito de defesa do réu, “tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são

manifestações do princípio do contraditório”64, isto somando-se à todas as

garantias asseguradas no processo e dentro de um lapso temporal razoável para

livrar-se do enfadonho ônus de possuir contra si uma ação penal. Neste sentido “é

evidente que a garantia de defesa importa em garantia ao processo”.65

Destarte, certo que o contraditório constitui o cerne do due process of

law, deverá o juiz dispensar tratamento igual às partes, ouvi-las,

examinar a respeito da pertinência das provas requeridas, deferindo-as

ou indeferindo-as, em decisão motivada.66

Daí porque em nosso sistema processual penal, que possui

constitucionalmente natureza acusatória, veda que o réu seja condenado com base

em provas produzidas unicamente durante o inquérito policial, sem que sejam

ratificados em juízo dada a natureza inquisitorial deste, visto que não se oportuniza

o contraditório e nem a possibilidade da defesa defender-se, contraditando os

elementos de prova colhidos nesta fase. O mesmo entendimento prevalece para as

65 63 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 129-130. 66 64 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 128. 67 65 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal e Constituição - Princípios Constitucionais do Processo Penal. 4. ed. rev. e ampl. - Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006. p. 143. 68 66 VELLOSO, Carlos Mario da Silva. Temas de Direito público. - Belo horizonte: Del Rey. 1994. p. 207.

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provas emprestadas que, para terem validade na instrução processual penal,

deverão ser submetidas ao crivo do contraditório.

Se trata de una manifestación de la garantía del debido proceso. Que

no se agota en la pura bilateralidad entre pretensiones y defensas, sino

que se extiende naturalmente a la prueba. Y así como no si concibe un

proceso sin debate, tampoco puede admitirse que una parte produzca

una prueba sin el riguroso contralor del adversario. El principio

dominante es, pues, que toda la prueba se produce con injerencia y

posible oposición de la parte a la que eventualmente puede

perjudicar.67

Também Luigi Ferrajoli:

Para que a disputa se desenvolva lealmente e com paridade de armas,

é necessária, por outro lado, a perfeita igualdade entre as partes: em

primeiro lugar, que a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos

mesmos poderes da acusação; em segundo lugar, que o seu papel

contraditor seja admitido em todo Estado e grau do procedimento e em

relação a cada ato probatório singular, das averiguações judiciárias e

das perícias ao interrogatório do imputado, dos reconhecimentos aos

testemunhos e às acareações.68

Interessante lembrar que o contraditório não é exigido na fase investigatória,

sendo exigido apenas no processo penal, conforme se depreende do art. 5º, LV da

Constituição Federal

69 67 COUTURE apud MIDÓN, Marcelo Sebastián. Derecho probatorio: parte general. 1. ed. Mendoza: Juridicas Cuyo. 2007. p. 57. 70 68 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. rev. e ampl. - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006. p. 565.

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O exercício do contraditório corrobora e assegura o princípio da isonomia

processual. À época em que ainda não existia jurisdição, e as pretensões resistidas

eram exercidas por meio da autotutela, a defesa era exercida de acordo com as

forças (econômica ou física, etc.) do acusado, quase sempre este não possuía

igualdade de condições com seu acusador.

Esta igualdade é concebida como igualdade de possibilidades, a observância

do princípio do contraditório implica na condução da instrução processual em

condições de igualdade e de simetria às partes, importando na necessidade de

oferecimento de condições reais para a realização do contraditório. Todavia,

segundo escólio de Dalmo Dallari:

...a igualdade de possibilidades não é um critério formal que

desconsidera a existência de desigualdades entre as partes. Estas

existem e são importantes por decorrerem do esforço individual,

prestigiando-se, desta maneira, o empenho pessoal. O que não se

admite é a desigualdade no ponto de partida.69

Destarte resta evidente que a diferença no esforço de atuação bem como da

qualidade técnica da atuação das partes envolvidas no processo pode dar ensejo à

ocorrência de desigualdades geradas a partir do merecimento individual.

A justiça da decisão tomada ao cabo do processo depende em grande parte à

atuação e colaboração das partes envolvidas no processo, e isto requer uma atuação

contundente, isonômica, e simétrica das partes que compõem a lide penal.

O princípio do contraditório de forma alguma colide ou exclui o âmbito de

incidência do princípio da isonomia. A este respeito colhemos o escólio de

Antonio Scarance Fernandes:

71 69 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 259.

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O contraditório põe uma parte em confronto com a outra, exigindo que

tenha ela ciência dos atos da parte contrária, com possibilidade de

contrariá-los. O princípio da igualdade, por outro lado, coloca as duas

partes em posição de similitude perante o Estado e, no processo,

perante o Juiz. Não se confunde com o contraditório, nem o abrange.

Apenas se relacionam, pois ao se garantir a ambos os contendores o

contraditório, também se assegura tratamento igualitário.70

Neste cenário, a oportunização do princípio do contraditório se apresenta

como meio de garantir a igualdade de oportunidades entre as partes constantes do

processo. Canotilho afirma tal posicionamento em sua obra afirmando que “O

acesso à justiça é um acesso materialmente informado pelo princípio da igualdade

de oportunidades.”71 Mais adiante o mesmo autor ilustra sua obra com uma

decisão proferida pelo Tribunal Europeu de Direitos do Homem (sentença Lobo

Machado/Portugal, de 20/02/1996) em que este Tribunal afirmou seu

posicionamento:

Neste caso considerou-se que o direito a um processo eqüitativo deve

compreender o direito a um processo contraditório. Uma das

dimensões fundamentais deste direito consiste na faculdade de as

partes de um processo - penal, civil ou administrativo - tomarem

conhecimento e discutir todos os elementos ou observações

apresentados ao Juiz, visando influenciar a decisão Esta dimensão será

basicamente neutralizada quando, durante o processo, o interessado

não tiver qualquer possibilidade de tomar conhecimento e de

responder ao Parecer do Procurador-Geral-Adjunto antes do

julgamento do Recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça. A própria

presença do mesmo Procurador no julgamento junto do Supremo,

onde teve oportunidade de reiterar a doutrina do parecer anteriormente

72 70 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 66. 73 71 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Ed. Almedina, 2005. p. 501.

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emitido, representaria uma violação não só do princípio do

contraditório mas também do princípio da imparcialidade. Haveria

lesão do princípio do contraditório porque o Tribunal ouvia apenas

uma das partes em confronto. Haveria violação do princípio da

imparcialidade porque mesmo não perturbando, de facto, a

imparcialidade dos juízes, era preciso dar a aparência (“teoria da

aparência”) de que o julgamento era verdadeiramente imparcial. Não

basta fazer-se justiça; deve parecer que ela é feita (“justice must not

only be done; it must bee seen to be done”) .72

Esta idéia de isonomia na participação dos atos processuais deve ser

oferecida não unicamente à defesa, a Constituição assegura tal direito

expressamente às partes, logo, também o Ministério Público, quando atua como

Órgão de acusação e ao querelante na ação penal privada, também são

destinatários desta norma, e tal comando não viola o princípio da isonomia nem da

ampla defesa, visto que é elemento garantidor da legitimidade da atuação

Ministerial como Órgão de acusação, detentor do monopólio sobre a deflagração

da ação penal pública.

Isto garante que um órgão imparcial promova a acusação, sendo que

historicamente a instituição do ministério Público surgiu para separar o órgão de

acusação do órgão julgador.

Não se pode invocar, para repelir essa afirmação, o argumento de que

a norma constitucional se destina garantir apenas ao indivíduo, pois,

ao se exigir o contraditório em relação ao Ministério Público, está-se

também garantindo o indivíduo, dando-se a todos a certeza de um

julgamento imparcial, feito por quem não acusa. A instituição do

Ministério Público surgiu na história justamente para que, mediante

74 72 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Ed. Almedina, 2005. p. 501-502.

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um processo acusatório, fosse superado o período inquisitório, quando

nas mãos de uma só pessoa, se reuniam as funções de acusar e de

julgar. Essa conquista favoreceu o indivíduo e assegurou o

contraditório, propiciando ao acusado o direito de contraditar os atos

formulados pelo órgão diverso daquele que julga. É, assim, necessário

existir no processo penal partes em posições opostas, colocadas em

condições de contrariarem os atos da parte adversa.73

Prosseguindo no mesmo tema, é contundente a crítica de alguns

doutrinadores quanto, na fase recursal, o Procurador de Justiça apresentar seu

parecer após as contra-razões da defesa, opinando o órgão Ministerial por último,

alterando-se a ordem “acusação-defesa” inerente ao nosso processo penal. A este

respeito Tourinho Filho faz uma reflexão levando em conta aspectos históricos:

Àquela época, 1942, o Procurador-Geral era pessoa de confiança do

Executivo e a escolha recaía em alguém alheio aos quadros do

Ministério Público. Com o crescimento populacional e da

criminalidade, com o aumento assombroso de processos. O Ministério

Público também cresceu, tornando impossível ao Procurador-Geral

desincumbir-se de suas funções. Houve, pois, necessidade de serem

criados cargos de Procuradores de Justiça para o auxiliarem naquelas

funções. Por outro lado, com o correr dos anos, o Procurador-Geral

deixou de ser um estranho à instituição, para encarná-la. Um dos

Procuradores passou a ocupar aquele cargo de chefia do parquet. Hoje,

no Estado de São Paulo, por exemplo, o número de Procuradores de

Justiça ascende a duzentos. Trata-se de cargos ocupados, em

decorrência de promoção, pelos Promotores de Justiça de entrância

especial. Mal saídos de uma fatigante atividade combativa, assumem

função completamente imparcial, próprias dos fiscais da lei e, muitas

vezes, com várias e honrosas exceções, o custos legis é traído pelo

75 73 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 66.

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Acusador, quebrando, assim, uma regra decorrente do devido processo

legal, segundo a qual a defesa fala por último...E, para evitar essas

traições, a nosso ver, deveria o Ministério Público, na segunda

instância, limitar-se à análise dos processos sob o aspecto formal,

deixando a apreciação de mérito para os Tribunais.74

Poder-se-ia argumentar que é facultado à defesa fazer sustentação oral em

plenário de Sessão no ato do julgamento. No entanto, mormente os réus pobres

ficam prejudicados, eis que não há número suficiente de defensores para

acompanhar todos os julgamentos nos Tribunais.

É decorrência lógica que a parte que melhor contribuir para a instrução

processual, elaborando alegações mais consistentes e apresentando elementos de

prova e argumentos mais relevantes terá uma situação favorável dentro do

processo, propiciando possibilidades de êxito mais concretas, em detrimento da

parte que quedar-se inerte, ou negligente, deixando de contribuir com a instrução

processual.

A idéia de bilateralidade e dialeticidade está tão intrínsecamente ligada ao

exercício do poder jurisdicional que confunde-se com a própria idéia de processo.

“O Juiz, por força do seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes, mas

eqüidistante delas: ouvindo uma, não pode deixar de ouvir a outra”.75

O princípio do contraditório passou a constar expressamente no

ordenamento jurídico pátrio à partir da Constituição de 1937, que em seu art. 122,

n. 11, segunda parte, mencionava: “A instrução criminal será contraditória,

asseguradas as necessárias garantias da defesa”.

76 74 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. Vol. 2 - 10. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2007. 77 75 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral do processo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 47.

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Na Constituição de 1946 o dispositivo foi mantido conforme a redação do

art. 141, § 25: “É assegurado aos acusados ampla defesa. A instrução penal será

contraditória”.

A Constituição de 1967 dispôs em seu art. 140, § 16: “A instrução criminal

será contraditória, observada a lei anterior quanto ao crime e à pena, salvo

quando agravar a situação do réu”. Tal dispositivo fora renumerado quando da

Emenda de 1969 para art. 153, §16: “A instrução criminal será contraditória,

observada a lei anterior, no relativo ao crime e à pena, salvo quando agravar a

situação do réu”.

Atualmente, encontra-se estampado no art. 5º, inciso LV, da Constituição

Federal: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados

em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e

recursos a ela inerentes”. Interessante notar que foi justamente na Constituição de

1988 que o princípio do contraditório restou abrigado juntamente com o da ampla

defesa. Até então eram abrigados em dispositivos diferentes, o que reforça o

entendimento doutrinário de que ambos os princípios são consectários diretos do

princípio maior do devido processo legal.

Destarte, podemos afirmar que contraditório e ampla defesa são as duas

faces que revestem o princípio do devido processo legal, ousamos afirmar que o

princípio do contraditório atuaria no antecedente e o da ampla defesa conseqüente

da atuação do devido processo legal.

Melhor explicando, a obrigatoriedade de dar ciência a ambas as partes sobre

os atos do processo - necessidade de informação - seria manifestação clara do

princípio do contraditório; todavia a opção tomada pelas partes sobre a melhor

estratégia processual a ser tomada e a possibilidade da parte adotar sua reação,

seria manifestação do princípio da ampla defesa. “Como visto, o princípio da

ampla defesa é uma conseqüência do contraditório, tendo em vista que não haverá

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defesa, muito menos ampla, se primeiro não for estabelecido o direito de

contraditar”76

Daí porque muitos doutrinadores preferem abordar estes dois princípios de

forma unitária, seguindo o exemplo do que fez nossa Constituição.

A Constituição da República Portuguesa alberga o princípio do

Contraditório no item 5 do art. 32º, que trata das Garantias do Processo Criminal:

Artigo 32.º

(Garantias de processo criminal)

1. (...)

(...)

5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.

O Tribunal Constitucional Português acolhe o referido princípio conforme

pode-se ilustrar por trecho do Acórdão n.º 372/98 daquele Tribunal, em que se

ponderou o seguinte:

O princípio do contraditório, referido no n.º 5 do artigo 32º da CRP,

traduz o direito que quer a acusação quer a defesa têm de se

pronunciar sobre os actos processuais da iniciativa de cada uma delas

por forma a que a audiência e os actos instrutórios revistam a forma de

debate ou discussão entre a acusação e a defesa, parificando o mais

possível o respectivo posicionamento jurídico ao longo do processo, o

qual deve ter uma estrutura basicamente acusatória temperada por um

princípio de investigação.

78 76 FIOREZE, Juliana. Videoconferencia no processo penal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2007. p. 193.

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Especificamente no âmbito penal, o princípio do contraditório revela uma

amplitude mais abrangente e mais rígida do que a verificada no processo civil. “O

princípio, para o processo penal, significa contraditório efetivo, real,

substancial”77, ao passo que para o processo civil, como em geral se tratam de

interesses disponíveis, a observância ao contraditório exige apenas que se dê

ciência as partes, sendo que estas escolhem ou não de que forma, e mesmo se vão

querer defender-se dos atos que lhe são imputados, a instrução processual poderá

correr toda à sua revelia, diferentemente do que ocorre no processo penal, o que

será abordado no próximo tópico.

2.2.3. Da Ampla Defesa

Também consectário do devido processo legal. Previsto no art. 5º, LV da

Constituição Federal de 1988. Garante que ninguém seja privado de seus bens ou

de sua liberdade sem que se lhe propicie a produção de ampla defesa, que se

efetiva mediante a participação ativa e contraditória das partes em todos os atos e

termos do processo.

Por certo, ser submetido a um processo criminal configura um ônus contra o

acusado - mesmo que este ônus tenha uma justificação social - na esfera dos seus

direitos fundamentais. Logo, possuir meios de desincumbir-se deste ônus em um

lapso temporal o mais curto possível é fundamental para a pessoa que sofre tal tipo

de agressão.

Esta garantia constitucional impõe ao legislador e ao julgador que, através

da legislação processual penal, seja conferida ao acusado a possibilidade de

defender-se da forma mais ampla possível, sem que todavia inviabilize-se o normal

prosseguimento da persecução penal.

79 77 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 130.

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Destarte, em observância à ponderação de princípios constitucionais, impõe-

se ao legislador ordinário, por meio da legislação processual penal, e ao julgador

quando de sua aplicação, conferir ao acusado a possibilidade de defender-se da

forma mais ampla e completa possível, sem contudo inviabilizar o normal

prosseguimento da ação penal, podendo conceder-se ao acusado um julgamento

em tempo razoável. A este respeito assinala Nicola Carulli:

...la storia del processo penale è la storia della difesa.

Il processo penale, anche nei suoi aspetti più rudimentali, non può

prescindire dalla posizione del soggetto che si giudica, dalle garanzie

che ad esso si attribuiscono, dall'ampiezza dell’intervento che gli si

consente.

E quando si discute di sistemi processuali , sia in relazione a tempi più

antichi, sia in relazione a tempi più prossimi, sia in prospettiva di

riforma degli attuali ordinamenti sia infine nell’esame comparativo dei

sistemi adottati nei diversi Stati, il centro dell’indagine è, in realtà,

sempre costituito dal tema della difesa.78

Destarte, a ampla defesa deve ser compreendida não como no sentido de

possibilidade de apresentação infinitas de defesas, o que configuraria a

procrastinação processual, mas sim na apresentação de todas as defesas possíveis

que possuam conteúdo substancial, tanto de alegações, quanto de provas, como de

recursos, aptas a produzirem resultados eficazes, e dentro de um limite espaço-

temporal igual para as partes, e que redundem em sistemas de preclusão,

respeitando-se a isonomia processual, manifestada na igualdade temporal conferida

às partes.

A concepção moderna do denominado rechtliches Gehor (garantia de

ampla defesa), reclama, induvidosamente, para sua verificação, seja

qual for o objeto do processo, a conjugação de três realidades

80 78 CARULLI, Nicola. Il Diritto Di Difesa Dell’Imputato. Napoli. Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene. Napoli. 1967. p. 3.

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procedimentais, a saber: a) o direito à informação (nemo inauditus

damnari potest); a bilateralidade da audiência (contraditoriedade); e,

c) o direito á prova legitimamente obtida ou produzida (comprovação

da inculpabilidade).79

O sistema acusatório, adotado por nosso sistema processual penal, busca no

princípio da ampla defesa um de seus fundamentos de validade, tendo em vista que

a necessidade de um procedimento previamente estabelecido, onde esteja

assegurada igualdade entre acusação e defesa.

A Constituição Portuguesa também assegura tal garantia ao determinar, no

n.º1 de seu artigo 32º, que “o processo criminal assegurará todas as garantias de

defesa, incluindo o recurso”, condensando todas as normas dos restantes números

do preceito deste artigo referente às garantias no processo criminal, isto sem deixar

de levar em consideração que existe um conteúdo normativo próprio suscetível de

utilização em casos limite.

No processo penal a maior rigidez na observância dos princípios da ampla

defesa e do contraditório fica manifesta em dois dos seus dispositivos, o art. 261,

que teve seu parágrafo único acrescentado pela Lei nº 10.792, de 01.12.2003, que

exige a obrigatoriedade da presença do defensor, bem como defesa técnica

substancial do réu, ainda que este seja revel. O mencionado dispositivo que estatui

que:

Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada.

O art. 497 do mesmo Diploma complementa a norma anteriormente citada,

ainda que constante do capítulo referente à defesa no plenário do Tribunal do Júri,

81 79 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro - 2 ed. rev. atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 67. 82

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vem se entendendo ser aplicável também ao procedimento ordinário do Processo

Penal, e determina ao Presidente do Tribunal do Júri “nomear defensor ao réu,

quando o considerar indefeso”.

Neste sentido é a jurisprudência pacificada pelo Supremo Tribunal Federal,

que editou o enunciado nº 523 da Súmula: “No processo penal, a falta de defesa

constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de

prejuízo para o réu.”

Destarte, caso o advogado do réu no processo penal, ocasionalmente, dê

causa a uma defesa desidiosa, errônea ou insuficiente tecnicamente, deve o

Magistrado condutor da instrução anular o feito, devendo ser nomeado outro

defensor, em garantia ao princípio do contraditório conjugado ao da ampla defesa,

expressos pela Constituição.

O Código de ritos estabelece que, frustrada a citação do réu por mandado

(art. 351 do CPP) ou Carta Precatória (art. 353, CPP), far-se-á a citação do mesmo

por Edital pelo prazo com prazo de 15 dias (art. 361, CPP).

Quanto ao revel no processo penal, a doutrina e jurisprudência dos Tribunais

são uníssonos em afirmar que havendo sido citado o réu por edital, não

comparecendo este ao seu interrogatório, e nem se fazendo representar pelo seu

defensor, deve a marcha processual ser suspensa, bem como o curso do lapso

prescricional, restando ao magistrado a alternativa de determinar a produção

antecipada das provas, conforme a dicção do artigo 366 do Código de Processo

Penal, sendo vedada a realização de qualquer ato, que não o da produção

antecipada de provas, sob pena de configurada nulidade, por inobservância aos

princípios da informação, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo

legal.

A Defesa técnica, que deve ser desenvolvida por quem possua capacidade

postulatória, deve possuir como características a necessidade, a indeclinabilidade e

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a efetividade, importa na atuação contundente e efetiva em prol da melhor tese

argüida em favor do acusado, em benefício de seus interesses, reclamando de seu

procurador empenho efetivo no decorrer da instrução probatória, tendo em vista

que torna-se eivado de nulidade o processo quando a defesa concedida ao acusado

foi apenas aparente ou formal, sem atingir ao fim colimado pela franquia

constitucional e preceitos da legislação processual, evitando-se desta forma que o

feito prossiga somente levando-se em consideração o ângulo da defesa.

Consoante esse enunciado, as cortes de todo o País têm anulado

processos criminais em que a defesa não foi exercida de maneira

substancial. Não se concebe que a defesa tenha sido apenas formal,

mera injunção legal para regularizar a representação processual do

acusado. Consolidando tal tendência jurisprudencial, a Lei nº

10.792/2003 incluiu um parágrafo no artigo 261 determinando que a

defesa dativa sempre se manifeste fundamentadamente.80

E desta forma, até mesmo a Corte Suprema brasileira vem se posicionando

conforme podemos observar em recente decisão publicada em seu boletim

informativo:

ARTIGO A Turma deu provimento a recurso extraordinário para declarar a nulidade de processo, em que condenado o recorrente, a partir da realização do interrogatório sem a presença do respectivo defensor. No caso, a Defensoria Pública da União interpusera recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que assentara que o interrogatório não estaria sujeito ao princípio do contraditório, porquanto ato privativo do magistrado, sendo absolutamente dispensável o comparecimento do defensor. Considerou-se que se aquele que está simplesmente preso deve ser informado dos respectivos direitos, com assistência de advogado, com mais razão tal garantia há de ser conferida àquele que já possui contra si ação penal instaurada. Assim, tendo em conta o princípio de que

83 80 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal e Constituição - Princípios Constitucionais do Processo Penal. 4. ed. rev. e ampl. - Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006. p. 152.

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ninguém pode ser processado sem assistência técnica, asseverou-se que o interrogatório é fase do próprio processo e que cumpre observar a imposição constitucional (CF, art. 5º, LV) e também a legal (CPP, art. 261). Ressaltou-se, ainda, que a edição da Lei 10.792/2003, que alterou a redação do art. 185 do CPP, apenas explicitara algo que já decorreria do próprio sistema legal, qual seja, a exigência da presença do advogado no interrogatório. Precedente citado: HC 83836/RS81

Ressalte-se que a rigidez da norma é tal que se exige, se impõe que a defesa

técnica seja realizada por profissional que possua capacidade postulatória, e não

apenas capacidade técnica para defender o acusado em juízo. Em recente decisão,

o STF concedeu ordem em Habeas Corpus para anular sentença condenatória que

condenou o réu que fora assistido, quando de seu interrogatório, por estagiário:

Considerou-se o paciente indefeso, uma vez que o estagiário não poderia suprir a presença de profissional da advocacia. Assim, estar-se-ia diante de nulidade absoluta não suplantada pela passagem do tempo. Salientando-se a condenação do paciente a 18 anos de reclusão por homicídio qualificado e o fato de que, durante a sessão de julgamento, ocorrera apenas o seu interrogatório, sem inquirição de testemunhas, concluiu-se pela insubsistência do decreto condenatório. (...). HC concedido para declarar a nulidade do processo.82

Embora a atuação do defensor deva fluir conforme seu juízo e melhor

estratégia, não podendo o juiz imiscuir-se na sua atuação, embora não precise a lei

como deve exercer sua missão no processo, sua completa inércia em relação ao

imputado, atenta contra a garantia da Carta Maior que impõe a ampla defesa e o

contraditório.

Além da defesa técnica, decorre da ampla defesa constitucional positivada

no art. 5º, inc. LV, a garantia da autodefesa, dentro da qual se consubstancia nos

direitos de presença e de audiência, sendo o interrogatório o momento do primeiro

84 81 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo nº 485. RE 459518/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 23.10.2007. 85 82 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 89222/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 4.9.2007. (HC-89222).

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contato direto entre a autoridade julgadora e o réu, o momento adequado para que

este traga sua versão a respeito dos fatos da acusação.

A este respeito é digno de menção excerto do Voto do Acórdão no HC

93503, transcrito na sua íntegra no Boletim Informativo nº 494 do Supremo

Tribunal Federal:

Vale referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, o douto magistério de ROGÉRIO SCHIETTI MACHADO CRUZ (“Garantias Processuais nos Recursos Criminais”, p. 132/133, item n. 5.1, 2002, Atlas): “A possibilidade de que o próprio acusado intervenha, direta e pessoalmente, na realização dos atos processuais, constitui, assim, a autodefesa (...). Saliente-se que a autodefesa não se resume à participação do acusado no interrogatório judicial, mas há de estender-se a todos os atos de que o imputado participe. (...). Na verdade, desdobra-se a autodefesa em ‘direito de audiência’ e em ‘direito de presença’, é dizer, tem o acusado o direito de ser ouvido e falar durante os atos processuais (...), bem assim o direito de assistir à realização dos atos processuais, sendo dever do Estado facilitar seu exercício, máxime quando o imputado se encontre preso, impossibilitado de livremente deslocar-se ao fórum.” (grifei) Incensurável, por isso mesmo, sob tal perspectiva, a decisão desta Suprema Corte, de que foi Relator o eminente Ministro LEITÃO DE ABREU, em acórdão assim ementado (RTJ 79/110): “Habeas Corpus. Nulidade processual. O direito de estar presente à instrução criminal, conferido ao réu, assenta na cláusula constitucional que garante ao acusado ampla defesa. A violação desse direito importa nulidade absoluta, e não simplesmente relativa, do processo.

A não-realização do ato implica, havendo o réu comparecido ao processo, na

ausência dos pressupostos de validade do processo, afrontando os comandos

Constitucionais expressos no art. 5º, LIV e LV; induzindo à presunção de prejuízo,

e fundada dúvida quanto a uma possível condenação. Conduzindo,

inarredavelmente a uma presunção de nulidade do processo. “É aliás, o

interrogatório, o momento sublime do exercício da defesa pessoal, pois é a

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oportunidade em que o argüido poderá diretamente emitir sua versão dos fatos

para o julgador, influenciando no seu convencimento”.83

Neste sentido temos que a garantia da ampla defesa comporta tanto a defesa

técnica como a autodefesa. Esta última implica no direito do réu comparecer aos

atos processuais. Ocorre que tal garantia caracteriza-se como um direito e não de

um dever, sendo esta um direito disponível, podendo ser exercida segundo a

conveniência e oportunidade da melhor estratégia de defesa.

Leva em consideração que a parte não necessariamente possui o

conhecimento técnico adequado, podendo ser renunciada pelo acusado, tal

previsão tem por fundamento o direito constitucional ao silêncio e à não auto-

incriminação, o que não ocorre com a defesa técnica, que é irrenunciável.

Neste sentido, temos que “O direito ao silêncio está inserido na defesa

pessoal, ao passo em que é garantida ao argüido a liberdade de

autodeterminação, para decidir se colabora ou não com a persecução criminal ao

ser interrogado”.84

Tal decisão pode derivar de diversos fatores, pode ser em razão de

preservação de segredo inerente à vida privada do acusado ou de terceiros, ou

mesmo a idéia mais elementar, de não possuir uma tese de direito substancial hábil

a ilidir a prova produzida no inquérito policial, preferindo o acusado, por exemplo,

silenciar-se quanto aos fatos deixando para a defesa técnica alguma forma de

defesa processual, materializando-se o direito ao silêncio em verdadeira forma de

estratégia defensiva, porém tal tema será tratado com maior profundidade mais

adiante.

86 83 RISTORI, Adriana Dias Paes. Sobre o silêncio do arguido no interrogatório no processo penal português.Coimbra: Edições Almedina. 2007. p. 69. 87 84 RISTORI, Adriana Dias Paes. Sobre o silêncio do arguido no interrogatório no processo penal português.Coimbra: Edições Almedina. 2007. p. 69.

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2.2.4. Da Presunção de Inocência

Estabelecido no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal. Estabelece que

ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal

condenatória. Entretanto tal presunção não é absoluta, modernamente entende-se

que há apenas uma tendência a um estado de inocência. A presunção de inocência

insere-se dentre os postulados fundamentais que presidiram a reforma do sistema

repressivo empreendida pela revolução liberal do séc. XVIII.

Durante todo o séc. XIX e na primeira metade do séc. XX, a presunção de

inocência passou a ser mais um tema de debate nas Escolas Penais, sendo que os

ataques mais contundentes foram oriundos da Escola Técnico-Jurídica.

A presunção de inocência, enquanto instrumento de repressão dos

abusos de governos tiranos, surgiu como derivação dos ditames

iniciais do devido processo legal, em 1215, na Inglaterra, a fim de

evitar possíveis arbitrariedades daqueles detentores do poder em face

dos menos favorecidos.85

Ilustrou a Constituição do Estado Americano de Virgínia de 1776, o

primeiro texto legal em que tal princípio constou de forma expressa, passando

posteriormente, em 1789, a constar também da Declaração de Direitos da França.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem firmada em Paris no ano de

1948 incluía dentre as garantias de um “justo processo” a presunção de inocência,

assim como, a Convenção Européia sobre Direitos Humanos (1950) e o Pacto

Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos aprovados na ONU em 1996.

88 85 BENTO, Ricardo Alves. Presunção de Inocência no Direito Processual Penal Brasileiro. São Paulo:Quartier Latin, 2007, 152.

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Na França, o preâmbulo da Constituição de 1946, reintroduziu no

ordenamento a presunção de inocência ao reafirmar a adoção dos direitos e

garantias constantes da Declaração de Direitos de 1789 conforme podemos

perceber da segunda parte do primeiro parágrafo do Preâmbulo constitucional

francês:

Il réaffirme solennellement lês droits et libertés de l’homme et du citoyen consacrés par la Déclaration des droits de 1789 et les principes fondamentaux reconnus par les lois de la Republique.

Que em uma tradução livre equivaleria a:

Reafirma solenemente os direitos e liberdades do homem e do cidadão consagrados pela Declaração dos Direitos de 1789 e os Princípios Fundamentais reconhecidos pelas leis da República.

Esta menção colhe expressamente o princípio da presunção de inocência

tendo em vista que se encontra este previsto no artigo IX da Declaração de Direitos

de 1789: “Todo homem deve ser julgado inocente até que seja declarado culpado,

se for indispensável prendê-lo, qualquer rigor que não seja o necessário para

assegurar a integridade de sua pessoa deve ser severamente reprimido por lei.”

Já a Constituição da Itália de 1948, acolheu o mencionado princípio em seu

art. 27, § 2º, mencionando que: “L’imputato non è considerato colpevole sino alla

condanna definitiva”, em uma tradução livre equivaleria a: “O acusado não é

considerado culpado senão após a sentença definitiva”.

A Constituição Portuguesa de 1976 estabeleceu o princípio da presunção de

inocência através de seu art. 32, nº 02:

Artigo 32.º (Garantias de processo criminal)

1. (...)

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2. Todo o argüido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

Aliás, o Tribunal Constitucional Português acolhe o referido princípio

conforme pode-se ilustrar pela doutrina do Acórdão n.º 372/98 daquele Tribunal,

em que se ponderou o seguinte:

O princípio da presunção de inocência está consagrado no n.º 2 do

artigo 32º da CRP, aí se integrando a proibição da inversão do ónus da

prova em detrimento do argüido, a preferência pela sentença de

absolvição em vez do arquivamento do processo, a exclusão da

fixação da culpa em despachos de arquivamento, a não sujeição a

custas do argüido não condenado, etc. Como seu conteúdo adequado.

A atual Constituição espanhola em seu art. 24, item 2, estabelece o aludido

princípio dentre as garantias mínimas do processo penal:

Asimismo, todos tienes derecho al juez ordinario predeterminado por

la ley, a la defensa y a la asistencia al letrado, a ser informados de la

acusación formullada contra ellos, a un proceso público sin dilaciones

indevidas y con todas las garantías, a utilizar los medios de prueba

pertinentes para su defensa, a no declarar contra sí mismos, a no

confesarse culpables y a la presunción de inocencia.

La ley reglará los casos que en que por razón de parentesco o de

secreto profissional, no se estará obligado a declarar sobre hechos

presuntamente delictivos. La presunción de inocencia se viola cuando

la prueba de cargo se ha obtenido con vulneración de derechos

fundamentales substantivos.

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Na América, através do Pacto de São José da Costa Rica em 1969, fora

estatuída a presunção de inocência dentre o rol de garantias processuais, disposto

no artigo 8.º, n.º 2, in verbis: "Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se

presuma sua inocência, enquanto não se comprove legalmente a sua culpa."

Nossa atual constituição consagrou o princípio da presunção de inocência

através do art. 5º, LVII, contudo, similarmente ao que ocorreu na Itália, parte da

doutrina ficou dividida na aceitação plena deste princípio, pois conforme pode-se

perceber, seria mais tecnicamente correto afirmar que os Ordenamentos destes dois

países adotaram o princípio da presunção da não-culpabilidade. Pois não acolhe de

forma expressa o referido princípio, mas sim de forma oblíqua, quando estas duas

Constituições mencionam que nenhuma pessoa poderá ser considerada culpada até

a decisão definitiva de mérito.

A Carta Brasileira teve influência das Escolas Penais Italianas,

incompatíveis com a observância esperada da presunção de inocência,

para declarar expressamente a presunção de não culpabilidade do

indiciado ou acusado face ao exercício da persecução penal estatal86.

No Brasil, esta controvérsia na doutrina extinguiu-se quando foi ratificada,

através do Decreto Legislativo nº 27 de 26/05/1992 a adesão deste País ao Pacto de

São José da Costa Rica.

De fato, o princípio da presunção de inocência consubstancia mais uma

opção política adotada pela Carta constitucional, do que propriamente uma

presunção, no sentido de dedução de um fato, segundo Luis Gustavo Grandinetti

Castanho de Carvalho, “é um princípio político que conecta o processo penal com

89 86 BENTO, Ricardo Alves. Presunção de Inocência no Direito Processual Penal Brasileiro. São Paulo:Quartier Latin, 2007. p. 78.

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as escolhas político-constitucionais que o hospedam e governam”; mais adiante o

mesmo autor arremata:

...não se pode limitar o princípio constitucional, de natureza política, a

uma noção semântica do termo técnico presunção, até porque, como

assinalou Bellavista, trata-se de uma regra-chave do processo penal,

verdadeira diretriz que concretiza a ponderação dos bens de segurança

social e direito à liberdade.

A presunção de inocência deve ser reconhecida como garantia, como

mecanismo de sustentação, proteção ou tutela, ou como classificou Canotilho um

“princípio-garantia” capaz de implicar a predisposição de certos mecanismos pelo

ordenamento jurídico, assegurando os direitos dos cidadãos, e ao mesmo tempo,

limitando a atividade repressiva estatal.

Dentre os limites impostos à atividade estatal, destacam-se: a reserva de

jurisdição, a exigência de prova de culpabilidade para proferir-se uma condenação,

destacando ainda que, aos acusados serão oferecidas certas espécies de tratamento

que poderão restringir provisoriamente sua liberdade.

A primeira e mais abrangente garantia decorrente do princípio da presunção

de inocência é a jurisdicionalidade, através da qual se garante ao cidadão a

apuração de sua culpabilidade através de processo regular.

Assim, presunção de inocência e devido processo legal são conceitos

complementares, devendo atuarem de forma integrada, traduzindo-se que a

culpabilidade será aferida não só através do processo, mas sim, que esse processo

deve ser justo.

Ou seja, esses dois princípios devem indicar ao juiz não apenas uma atitude

em face do acusado, ou a regra de julgamento na hipótese de dúvida sobre os fatos,

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mas sim, o próprio modo pelo qual deve realizar-se a atividade processual,

mediante a integração do direito ao processo com os direitos no processo.

A presunção de inocência também não colide de forma alguma com o

princípio da isonomia, pois conforme vimos este último coloca as partes em

similitude perante o Estado, e ousamos ir mais adiante, acreditamos que na

verdade o princípio da presunção da inocência confirma a isonomia, pois presumir-

se inocente o acusado quando ausentes provas bastantes da acusação apenas coloca

a defesa em uma situação de igualdade no processo, tendo em vista que a ação

penal se inicia de forma desnivelada, impulsionada pelo inquérito policial,

procedimento inquisitório sem a observância das garantias constantes em nosso

processo penal de natureza acusatória.

Há de se ressaltar, ainda, que cerca de a maior parte da prova no âmbito

penal é produzida na fase pré-processual, na fase do inquérito. E estas precisam ser

confirmadas quando da instrução processual penal para poderem dar ensejo a uma

suposta condenação.

Esta garantia diz respeito à impossibilidade de se restringir a liberdade

pessoal de um indivíduo ainda não definitivamente condenado, dada sua evidente

incompatibilidade com as garantias constitucionais, dentre elas, a presunção de

inocência do acusado. Colhendo o escólio de Luigi Ferrajoli:

Se a jurisdição é a atividade necessária para obter a prova de que um

sujeito cometeu um crime, desde que tal prova não tenha sido

encontrada mediante um juízo regular, nenhum delito pode ser

considerado cometido e nenhum sujeito pode ser reputado culpado

nem submetido a pena. Sendo assim, o princípio de submissão à

jurisdição - exigindo, em sentido lato, que não haja culpa sem juízo, e

em sentido estrito, que não haja juízo sem que a acusação se sujeite à

prova e à refutação - postula a presunção de inocência do imputado até

prova contrária decretada pela sentença definitiva de condenação. (...)

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A culpa, e não a inocência, deve ser demonstrada, e é a prova da culpa

- ao invés da de inocência, presumida desde o início - que forma o

objeto do juízo.

Esse princípio fundamental de civilidade representa o fruto de uma

opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda

que ao custo da impunidade de algum culpado.87

Contudo, a prisão processual encontra fundamento constitucional no art. 5º,

LXI, CF/88, e assim, a segregação nesses casos, constituiria uma disfarçada

antecipação de punição, ditada por motivos de ordem substancial e que constituem

muitas vezes resultado da maior atenção dada pela imprensa ao caso, e desta

forma, violaria as garantias constitucionais.

Em síntese, pode-se dizer que somente as formas de prisão anteriores à

condenação que atendam finalidades processuais, de natureza instrumental ou

final, não ofendem a presunção de inocência, são fruto de uma cognição sumária e

só devem ser levadas a cabo quando presentes os requisitos do fumus boni iuris e

periculum in mora, e são consideradas indispensáveis à defesa da sociedade.

Todavia a decretação da prisão preventiva deverá revestir-se das

formalidades legais exigidas pelo art. 312, o Magistrado deverá ponderar interesses

à fim de garantir a incolumidade física da vítima bem como preservar os direitos e

garantias constitucionais do acusado, observando sempre o princípio de presunção

de inocência. A este respeito pondera Ricardo Alves Bento:

A necessidade de preservar a dignidade do cidadão deve ser

tratada com a devida precisão e alcance deste preceito

fundamental, para que possa se preservar a liberdade do cidadão,

havendo a utilização proporcional das prisões cautelares, e

90 87 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. rev. e ampl. - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006.p. 505-506.

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sempre que necessário e de forma fundamentada, a custódia

cautelar do imputado.

A prisão preventiva somente se justifica quando houver uma

justificada necessidade cautelar, não podendo decorrer

exclusivamente com fundamento nas qualidades pessoais do

acusado.

A presunção de inocência não está para impedir a custódia

cautelar do infrator, mas para reforçar os critérios de sua

decretação, dentre eles, perigo á atividade processual ou policial,

como medida extrema, subordinada a requisitos de legalidade.88

O que é certo é que as formas de prisão cautelar só se legitimam quando

respeitam os direitos e garantias individuais, respeitado o devido processo legal e

com a finalidade maior de garantir a paz dentro de um harmônico convívio social.

É da essência do instituto da previsão da não culpabilidade que esta

presunção não seja absoluta mas sim juris tantum, podendo ser relativizada, o que

possibilitaria, preenchidos determinados e restritos requisitos legais, a ensejar

restrições cautelares da liberdade de ir e vir do acusado. O Supremo Tribunal

Federal, neste sentido, já se manifestou:

ARTIGO

É inquestionável que a antecipação cautelar da prisão - qualquer que

seja a modalidade autorizada pelo ordenamento jurídico positivo

(prisão temporária, preventiva ou prisão decorrente de sentença de

pronúncia)- não se revela incompatível com o princípio constitucional

da presunção de não-culpabilidade. (...). Impõe-se advertir, no entanto,

que a prisão cautelar - que não se confunde com a prisão penal (carcer

91 88 BENTO, Ricardo Alves. Presunção de Inocência no Direito Processual Penal Brasileiro. São Paulo:Quartier Latin, 2007, 152.

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ad poenam)- não objetiva inflingir punição à pessoa que sofre a sua

decretação. Não traduz, a prisão cautelar, em face da estrita finalidade

a que se destina, qualquer idéia de sanção. Constitui, ao contrário,

instrumento destinado a atuar 'em benefício da atividade desenvolvida

no processo penal. Precedente citado: HC 80719.89

Para que o princípio constitucional de presunção de inocência seja

fulminado, seria ideal que os acusados ou indiciados pudessem defender-se em

liberdade. Todavia como por muitas vezes isto não é possível, algumas alternativas

interessantes poderiam ser adotadas ao tradicional encarceramento dos

investigados em nossas já superpovoadas cadeias e delegacias.

Entre estas alternativas poderíamos mencionar a substituição da prisão

preventiva por outras providências cautelares, de menor teor coercitivo, como a

custódia em casa com o controle através de meios eletrônicos (pulseiras ou

tornozeleiras com dispositivo de limitação de distância, medida já utilizada nos

Estados Unidos e boa parte da Europa.

Todavia, ao contrário de algumas correntes da jurisprudência (Ada Pelegrini

Grinover, Lenio Streck, L. G. Grandinetti de Carvalho, entre outros) que entendem

que esta garantia deva prevalecer até a ocorrência da coisa julgada material, é

importante salientar que a garantia da não culpabilidade prevalece até o trânsito em

julgado da sentença condenatória, e não abarca os Recursos Extraordinários

(Especial e Extraordinário) nem o Agravo contra decisão que denegou recebimento

a estes recursos

Isto porque o benefício que pode ser concedido ao réu, após a sentença

condenatória, é a de apelar em liberdade, e esta garantia não pode ser elastecida

92 89 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo 221. - HC 80719. Rel. Celso de Mello.

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aos recursos que não possuam efeito suspensivo, conforme já foi decidido pelo

Supremo Tribunal Federal reiteradas vezes:

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. COMPOSIÇÃO DA TURMA JULGADORA. VIOLAÇÃO AO ART. 617 DO CPP. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DAS ALEGAÇÕES. 1 - Inexiste direito a que se tenha abertura de vista de documentação juntada por co-réu, em caso de defesas não-colidentes. 2 - Não comprovada a configuração de prejuízo não há que se falar em cerceamento de defesa (Súmula 523), quando juiz federal integrava a Turma Julgadora como revisor. 3 - Não há que se cogitar de reformatio in pejus já que o juiz assegurou tão-somente o direito de apelar em liberdade, não sendo extensível essa faculdade aos demais recursos porventura cabíveis após o julgamento do apelo. Precedentes. 4 - O princípio constitucional da não-culpabilidade do réu não impede a efetivação imediata da prisão, quando o recurso por ele interposto não possua efeito suspensivo, como ocorre com o recurso extraordinário e o recurso especial. Precedentes. 5 - Habeas corpus indeferido.90

3 - INTERROGATÓRIO

3.1. Evolução Histórica

A evolução histórica do instituto do interrogatório confunde-se não apenas

com a própria história do processo penal, mas também da cultura, dos costumes e

dos valores imperantes entre os diversos povos e momentos históricos vividos.

Isto porque as formas, métodos e técnicas de realização do interrogatório,

bem como a sua finalidade dentro do processo penal evoluiu juntamente com os

sistemas processuais penais e constitucionais.

93 90 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 81.964-SP, 2ª Turma, DJU 28/02/2003, Rel. Min. Gilmar Mendes.

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Interessante é notar que a evolução do instituto não se deu de forma linear,

ou seja, existem resquícios das garantias consideradas modernas, como direito ao

silêncio e proibição do uso da tortura, empregadas nos dias de hoje, e que são

identificados pelos doutrinadores como presentes em épocas bastante remotas.

Traço mais ou menos característico do processo penal na Idade Antiga era o

caráter defensivo do interrogatório, pois vigia um modelo arcaico de sistema

acusatório.

Sem dúvida o maior reflexo do interrogatório no processo penal no tempo

refere-se ao modelo gestor do processo penal empregado. Até o Século XII o

processo penal (pelo menos no mundo ocidental) era acusatório, a partir do Século

XIII, com a maior intervenção da Igreja no Estado, para a manutenção do poder

dos senhores feudais e concentrar maior parcela de poder nas mãos dos monarcas é

que o processo passou a ser inquisitório. Seu marco fora o Concílio de Latrão em

1215, passando-se a utilizar a tortura ilimitadamente como meio de obter-se

confissões.

Fato histórico curioso refere-se ao fato de que o processo penal inquisitivo

foi estabelecido em toda a Europa Continental, não chegando à Inglaterra, tendo

em vista que esta não mais adotava a Religião Católica Romana como oficial, mas

sim a Anglicana. Neste mesmo ano, no Reino Unido, nascia o primeiro Documento

que instituía o Devido processo legal, como visto anteriormente, a Magna Carta,

acolhendo a “Law of the land” que dizia que ninguém poderia ser privado dos seus

bens, nem da sua liberdade, sem um julgamento justo por seus pares.

Este País foi o único da Europa a não adotar o sistema inquisitivo e a não

utilizar a tortura, nos termos em que era utilizado no resto do continente europeu,

como método de extrair a confissão do acusado.

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3.1.1 Direito Hebreu

O povo Hebreu foi, muito provavelmente, o primeiro que via o

interrogatório como meio de defesa. A confissão era considerada um ato contrário

à natureza, algo que uma pessoa em sã consciência não realizaria, pois implicava

em chamar para si o flagelo da condenação e do castigo pela condenação,

presumindo que esta estaria dispondo do próprio corpo, e da própria vida, que

segundo os escritos antigos daquele povo, estes não pertenciam à pessoa, mas sim

à Deus, eqüivalendo ao suicídio, condenado pela religião: “...as confissões, bem

como as provas circunstanciais foram alijadas dos procedimentos criminais,

sendo privadas de todo valor probatório que pudesse incriminar o imputado”.91

Visando a legitimação dos julgamentos da época: “Alguns tem visto na

‘regra das duas testemunhas’ do direito hebraico o antecedente remoto do

princípio ‘nemo tenetur se ipsum accusare’”92.

Entretanto a doutrina traz à colação um famoso julgamento onde houve

burla à esta regra: “Jesus foi interrogado em seu julgamento perante o Sinédrio e

condenado em razão de suas palavras”93, havendo o Conselho dispensado o

depoimento de testemunhas, conforme descrito na Bíblia nos Evangelhos:

Quando se fez dia, reuniu-se o Conselho dos anciãos do povo, príncipes dos sacerdotes e escribas, os quais O levaram ao seu tribunal. Disseram-Lhe: “Declara-nos se Tu és o Messias”. Ele respondeu-lhes: “Se vo-lo disser, não Me acreditareis e, se vos perguntar, não Me respondereis. Mas o Filho do Homem sentar-Se-á, doravante, à direita do poder de Deus”. Disseram todos: “Tu és o Filho de Deus?”. Ele respondeu: “Vós, o dizeis, Eu sou”. Então,

94 91 RISTORI, Adriana Dias Paes. Sobre o silêncio do arguido no interrogatório no processo penal português.Coimbra: Edições Almedina. 2007. p. 20. 95 92 COUCEIRO, João Claudio. A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 29. 96 93 RISTORI, Adriana Dias Paes. Sobre o silêncio do arguido no interrogatório no processo penal português.Coimbra: Edições Almedina. 2007. p. 20.

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exclamaram: “Que necessidade temos já de testemunhas? Nós próprios o ouvimos da Sua boca”94

3.1.2. Direito Grego

No processo penal Grego, ainda na Idade Antiga, o interrogatório, na forma

como era realizado, possuía natureza dúplice, tanto probatória como defensiva,

“vigoravam o princípio da oralidade e o princípio dispositivo no processo penal;

às partes cabia a carga de produzir a prova, e só em casos especiais se permitia

ao Juiz ter iniciativa para decretá-la ou praticá-la de ofício”.95

Vigia também uma espécie de ‘princípio da presunção da culpa’, devendo o

acusado trazer ao processo provas de sua inocência, e fazer o juramento quando de

seu julgamento. Todavia, como vimos, somente os cidadãos podiam prestar

juramento, o que dava crédito aos depoimentos dos escravos, quando colocado em

dúvida, era o suplício causado pela tortura, “a tortura era empregada para extrair

a confissão do acusado em relação ao crime perpetrado, bem como para obter a

delação de seus cúmplices. A priori, apenas os escravos eram torturados”.96

3.1.3. Direito Romano

Talvez muito mais difícil do que conquistar, fosse a tarefa de manter a paz e

equilíbrio social interno em um Império tão vasto como chegou a ser os domínios

de Roma. Para tanto não bastava apenas o seu numeroso e disciplinado exército,

mas também um sistema policial eficiente e um sistema jurídico capaz de ser justo

e dar a resposta esperada pelos seus cidadãos. Muito provavelmente, sem um

sistema jurídico avançado e eficiente para aquela época, Roma não conseguisse

97 94 Evangelho segundo São Lucas 22, 66-71. 98 95 ROSSETTO, Enio Luis. A confissão no processo penal. São Paulo : Ed. Atlas. 2001. p. 18. 99 96 RISTORI, Adriana Dias Paes. Sobre o silêncio do arguido no interrogatório no processo penal português.Coimbra: Edições Almedina. 2007. p. 21.

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alcançar a grandiosidade que teve, e nem passar pelo longo período da chamada

‘Pax Romana’.

No processo penal Romano, também ainda na Idade Antiga, assim como na

Grécia, também vigorava uma espécie de princípio de presunção da inocência às

avessas, “Uma vez que o acusado adquiria a qualidade de parte, sua atividade de

defesa consistia, fundamentalmente, em contestar a acusação”.97

Em Roma, a licença para acusar dependia do denunciante não ser

Magistrado, mulher, caluniador julgado como tal, e indigente, do

caráter delituoso do fato argüido contra o denunciado e de ter a

imputação vários subscritores, cautelas essas que precediam à

inscrição do libelo, baseada na nominis delatio, fórmula declaratória

do nome do acusado, do crime e das questões do processo. Era,

depois, o acusador investido de uma comissão - legem -para proceder

às investigações: dirigia-se aos lugares necessários, apreendia

documentos, notificava e inquiria testemunhas sob fiscalização

permitida ao acusado, que podia interrogá-las e contraditá-las.98

O Direito romano admitia a tortura, pois o processo baseava-se na auto-

acusação e na confissão do acusado, “...se o réu se confessava culpado era

condenado sem maiores indagações”99.

Caso o acusador não lograsse êxito em provar suas acusações, e sucumbisse

sua demanda, era submetido a severas penas como caluniador.

100 97 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O interrogatório no processo penal. Belo Horizonte, Del Rey, 2000. p. 59. 101 98 ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de Almeida. Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 1973. p. 47. 102 99 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O interrogatório no processo penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 60.

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3.1.4. Inquisição

Tendo por marco inicial o ano de 1215, com o Concílio de Latrão;

Etimologicamente, o termo "Inquisição" é sinônimo de inquirição, que significa “o

ato de a autoridade competente indagar da testemunha o que ela sabe acerca de

determinado fato”100. O termo “Inquisição” significa significa inquérito,

interrogatório; significa também “Antigo Tribunal Eclesiástico instituído com o fim

de investigar e punir crimes contra a fé Católica”101.

João Claudio Couceiro resume bem a gênese deste período:

O processo de formação do Estado Moderno implicava um poder

absoluto e centralizador, para fazer frente ao poder disseminado dos

senhores feudais. A inquisição, criada em 1216, por Inocêncio III,

como instituição oficial e permanente para toda a Igreja, com a

finalidade de combater a heresia cátara, passará a ter papel

fundamental na consolidação do poder absoluto do rei, que a utilizará

para aniquilar qualquer tipo de manifestação que possa a ele se opor.

Ademais, recebendo o rei sua legitimação do papa, a heresia contra a

igreja passa a ser vista como um crime não só contra esta, mas

também contra o próprio Estado.102

As regras do direito canônico eram aplicadas pelos “Tribunais do Santo

Ofício da Inquisição”, estas regras baseavam-se nos preceitos da Sagrada

Escritura. O procedimento destes Tribunais é bem relatado pelo autor retrocitado:

103 100 FERREIRA, Aurelio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. rev. e aum.- Rio de Janeiro: ed. Nova Fronteira S/A. 1986. p. 950. 104 101 FERREIRA, Aurelio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. rev. e aum.- Rio de Janeiro: ed. Nova Fronteira S/A. 1986. p. 950. 105 102 COUCEIRO, João Claudio. A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 45-46.

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O Tribunal se compunha do inquisidor, de seus assistentes, de um

conselheiro espiritual, de alguns guardas e um escrivão. Quando se

instalava em certa cidade, o primeiro ato consistia em apregoar a sua

presença e reunir os fiéis, exortando-os, sob juramento, a se

comprometerem em indicar os suspeitos de heresia que conhecessem.

Passava-se, depois, ao “Tempo da Graça”, com duração de 15 a 30

dias, quando os culpados tinham a possibilidade de se purificar.

(...)

Escoado o período sem o comparecimento espontâneo do suspeito, o

mesmo era citado para se apresentar pessoalmente perante o Tribunal.

Exigia-se dele o juramento de dizer a verdade (juramentum de veritate

dicenda), de obedecer à Igreja, submetendo-se à penitência que

poderia ser imposta, e de apontar os hereges que fossem ao seu

conhecimento. A recusa a prestar esse juramento (mantendo-se por

exemplo, em silêncio) significava implícita admissão de culpa,

passando a ser considerado como confessus.

Submetiam-no, depois, a minucioso interrogatório, que era tomado por

termo pelo escrivão. Ao ato deviam estar presentes, como garantia de

seriedade, duas pessoas imparciais, que a tudo assistiam sob a

promessa de manter segredo. Se o acusado confessava sua heresia e

dava mostras de regeneração, o inquisidor se despia da qualidade de

juiz para assumir a de confessor. Ele não receberia mais pena, e sim

penitência.103

A tortura foi amplamente utilizada neste período, o interrogatório tinha

natureza unicamente probatória, e seu objetivo ultrapassava o de se extrair a

confissão, mas também servia para obter o arrependimento dos acusados, ou seja, a

tortura já era uma antecipação da pena.

106 103 COUCEIRO, João Claudio. A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 44-45.

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No sistema inquisitório, o interrogatório era meio de prova, pois servia

à única finalidade do processo penal da época: a imediata punição do

acusado. Durante o processo inquisitório, o interrogatório se converteu

no centro do procedimento e a confissão na prova por excelência.104

Apesar da crueldade dos meios empregados o sistema inquisitivo trouxe

alguns avanços que permaneceram como parte do processo penal moderno:

Apesar dos aspectos obtusos, não podem ser desconhecidos os méritos

do sistema inquisitório naquele momento da evolução do processo

penal; méritos que se vislumbram na avaliação mais rigorosa das

provas, na separação da fase instrutória da fase dos debates, na

importância dada ao elemento psicológico do crime e que configuram

progressos que permanecesem adquiridos para a ciência penal.105

O regime inquisitorial teve fim juntamente com o fim do Estado Absolutista,

noticia Haddad:

O processo inquisitório morreu no preciso momento em que morreu a

ideologia jurídico-política do Estado de polícia ou do Estado absoluto,

que dominou a Europa continental nos séculos XVII e XVIII e à qual

se encontrava indissoluvelmente ligado, só podendo reviver em

regimes totalitários.106

107 104 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O interrogatório no processo penal. Belo Horizonte, Del Rey, 2000. p. 62. 108 105 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O interrogatório no processo penal. Belo Horizonte, Del Rey, 2000. p. 64. 109 106 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O interrogatório no processo penal. Belo Horizonte, Del Rey, 2000. p. 65.

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3.1.5. Europa Continental - Idade Moderna

A insatisfação do povo com perseguição implementada no período

inquisitorial, juntamente com o surgimento de uma nova e influente classe social, a

burguesia, foram decisivos no surgimento do ideal iluminista, que teve sua gênese

na Europa Ocidental, tendo como fator decisivo na sua evolução os ideais

agasalhados na independência dos Estados Unidos.

As legislações dos Estados europeus continentais que eram inspirados,

pois, no métodos inquisitório canonista, a partir da Revolução

Francesa, começam a modificar-se, sob as críticas de pensadores como

Hobbes, Voltaire e Beccaria.107

“Na França, não se pode falar em ‘direitos e garantias individuais’ antes do

fim do Anciém Régime”108. Este foi o marco decisivo para o rompimento com as

idéias absolutistas imperantes até então, a doutrina iluminista fora decisiva para

criar as condições propícias para o surgimento das idéias e princípios que norteiam

processo penal moderno.

Com efeito, é a partir da revolução francesa que se começa a sistematização

das regras processuais penais e das garantias e princípios estampados na maior

parte das Constituições dos Países que adotam o sistema de direito romano-

germânico.

Conforma já relatado, foi contra essa insatisfação que os pensadores

iluministas insurgiram-se. Neste contexto surge a Obra do aristocrata italiano

Cesare Bonnesana, o Marquês de Beccaria, “Dos delitos e das penas”, marco

decisivo para o direito penal e processual penal moderno, “...foi Beccaria, em seu

110 107 RISTORI, Adriana Dias Paes. Sobre o silêncio do arguido no interrogatório no processo penal português.Coimbra: Edições Almedina. 2007. p. 45. 111 108 COUCEIRO, João Claudio. A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 48.

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Dos delitos e das penas (1764), quem revelou de forma incontestável, todo o

fracasso do sistema vigente...”.109

...o direito de não auto incriminar-se esteve no centro da cultura

iluminista que forneceu a base para a construção do processo penal

moderno. A reação contra o processo inquisitório fez nascer o sistema

misto na França, inaugurado pelo Code d’Instruction Criminelle em

1808, seguindo-lhe os passos todas ou quase todas as legislações da

Europa continental110.

3.1.6. Direito Anglo-Saxão

Por não ter sido submetido à Igreja Católica Romana, o direito canônico não

chegou a influenciar na evolução do direito inglês. A Inglaterra foi o único país

europeu onde a inquisição não deitou raízes. Tal característica, somada com o fator

geográfico, o isolamento em relação ao continente europeu, foram determinantes

para o nascimento de um sistema de direito completamente diferente do resto do

continente, o sistema da Common Law.

A feição inglesa do princípio contra a auto-incriminação é muito

complexa, transbordando as fronteiras legais e refletindo os aspectos

religiosos, políticos e constitucionais que assolaram a Inglaterra

durante os séculos XVI e XVII: as lutas pela supremacia entre

catolicismo e protestantismo, entre anglicanismo e puritanismo, entre

rei e parlamento, entre regras arbitrárias e limites constitucionais do

governo, entre a supressão da heresia e da sedição e a liberdade de

consciência e de imprensa.111

112 109 COUCEIRO, João Claudio. A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 53. 113 110 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O interrogatório no processo penal. Belo Horizonte, Del Rey, 2000. p. 65. 114 111 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. Conteúdo e contornos do princípio contra a auto-incriminação. Campinas: Bookseller, 2005. p.107.

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Os acusados por crimes não eram julgados pelos Tribunais Eclesiásticos,

surgiu neste País a instituição do Tribunal do Júri.

Talvez porque a Inquisição, como instituição organizada, jamais se

implantou na Inglaterra, ali se desenvolveu, dentro do Common Law,

um procedimento criminal com características próprias - o Tribunal do

Júri - que acabará modelando todas as legislações que surgiram na

esteira do liberalismo.112

O silêncio não se interpretava contra o acusado, nem era prevista

formalmente a tortura para se obter confissões, todavia o acusado que se negasse a

responder as perguntas em seu interrogatório era submetido ao procedimento

denominado “peine forte et dure”.

A finalidade da peine forte et dure era forçar o prisioneiro que teimava

em permanecer em silêncio a emitir uma declaração, não era torturar,

e tampouco teria qualquer relação com o direito a não se auto-

incriminar. Tal punição não teria sido usada jamais para se obter uma

confissão, apenas buscava-se obter do acusado uma declaração, de

culpa ou inocência, pouco importava seu teor.113

Nos Estados Unidos da América, a preocupação com a perseguição

religiosa, tendo em vista que os colonos eram pessoas que foram perseguidas na

Europa, norteou as idéias e princípios que capitanearam a Constituição e as leis

penais e processuais, conferindo aos acusados em processos criminais garantias e

direitos notadamente avançados se comparados com as legislações da Europa

115 112 COUCEIRO, João Claudio. A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 63. 116 113 LEVY apud COUCEIRO, João Claudio. A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 63.

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Continental naquele momento, rompendo com o poder Absoluto dos Monarcas.

Vale lembrar que o primeiro texto legal com caráter liberal fora a

Constituição do Estado de Virgínia, de 12 de junho de 1776, que serviu de

inspiração para as Constituições dos demais estados bem como para a Carta

Federal dos Estados Unidos da América, que foi discutida pela Convenção

Constitucional da Filadélfia e aprovada em 17 de setembro de 1787, havendo sido

promulgada dois anos antes da Revolução francesa.

Em relação ao processo penal, fora marco decisivo a edição da Quinta

emenda da Constituição dos Estados Unidos da América que assegura aos cidadãos

norte-americanos o direito ao silêncio, “nemo tenetur se detegere”, acolhendo,

destarte o princípio da não auto-incriminação. Em sua redação original dispõe a

Quinta Emenda:

No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the Militia, when in actual service in time of War or public danger; nor shall any person be subject for the same offense to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public use without just compensation.

Que em um tradução livre equivaleria a dizer:

Ninguém será detido para responder por crime capital, ou outro crime infamante, salvo por denúncia ou acusação perante um Grande Júri, exceto em tratando de casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar. ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá pelo mesmo crime ser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde; nem ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo; nem ser privado da vida, liberdade, ou bens, sem processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização.

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3.2. Características

3.2.1. Ato Personalíssimo

O interrogatório é a primeira oportunidade de contato do acusado com o

processo penal ao qual está sendo submetido, daí a necessidade de ser um ato

personalíssimo, sua primeira característica não admitindo representação,

substituição nem sucessão, não podendo ser realizado por outrem mediante

procuração nem mesmo do defensor do acusado maior ou curador do acusado

menor.

Acerca da questão da pessoalidade do ato, o Código brasileiro não

estabeleceu tal característica expressamente, diferentemente do Código de

Processo Penal Português, ao referir-se á inquirição do argüido, bem com da

testemunha, em seu art. 138º, nº 1, estabelece que: “O depoimento é um acto

pessoal que não pode, em caso algum, ser feito por intermédio de procurador.”

É, senão o mais, um dos atos mais importantes da instrução processual

penal, todavia, sem desconsiderar a sua importância, não é ato indispensável,

podendo o processo prosseguir à revelia do réu, todavia manda Diploma

Processual penal, em seu art. 185 que “o acusado que comparecer perante a

autoridade Judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e

interrogado...”; ou seja, comparecendo o réu ao processo até o trânsito em julgado,

deverá este necessariamente ser interrogado, mesmo que após a sentença

condenatória, aproveitando-se os atos já praticados.

Melhor explicando, comparecendo o réu na fase recursal, deverá este ser

qualificado e interrogado, mantendo-se a sentença de primeiro Grau já proferida;

eventual julgamento em esfera recursal onde não se realize o interrogatório nestas

circunstâncias é considerado nulo, conforme dispõe o art. 564 do CPP:

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: (...) III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: (...) e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa;

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Em inúmeros precedentes a Corte Suprema tem entendido desta maneira,

citamos três:

HABEAS CORPUS - PACIENTE INIMPUTAVEL - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA IMPOSIÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANCA - PRETENDIDA ANULAÇÃO DO PROCESSO-CRIME POR AUSÊNCIA DO INTERROGATORIO JUDICIAL - NULIDADE RELATIVA – ATO PROCESSUAL NÃO REALIZADO EM FACE DAS CONDIÇÕES PESSOAIS DO ACUSADO - INOCORRÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL - ORDEM DENEGADA.O interrogatório judicial, qualquer que seja a natureza jurídica que se lhe reconheça - "meio de prova, meio de defesa ou meio de prova e de defesa" - constitui ato necessário do processo penal condenatório, impondo-se a sua realização, quando possível, mesmo depois da sentença de condenação, desde que não se tenha consumado, ainda, o trânsito em julgado.(...).114

HABEAS CORPUS – CRIME DE SEQÜESTRO SEGUIDO DE MORTE (§ 3º DO ART. 159 DO CP) – PROCESSO PENAL – NULIDADE – RÉU REVEL – ADVOGADO CONSTITUÍDO – CAPTURA DO ACUSADO – REABERTURA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL – IMPOSSIBILIDADE – A norma do art. 185 do CPP (seja em sua redação anterior, seja na redação posterior à Lei nº 10.792/2003), que prevê o interrogatório do acusado que comparece a juízo "no curso do processo penal", não gera a total reabertura da instrução criminal, com novo prazo de defesa prévia e nova oitiva testemunhal. Em casos tais, o interrogatório configura instrumento do Juízo, para que se estabeleça um contato pessoal entre julgador e acusado, tudo em busca da verdade real. A legislação processual penal veda que a captura de acusado favoreça este, a ponto de motivar a reabertura da instrução criminal de processo já pronto para sentença, especialmente em caso como o dos autos, nos quais o paciente constituiu advogado e se defendeu ativamente da acusação que lhe era movida. Ordem denegada.115

- Interrogatorio: réu preso antes da sentença: nulidade. E nulo o processo. A jurisprudência do STF, a vista do art. 185 C. Pr. Pen., exige o interrogatorio do réu preso antes do trânsito em julgado, ainda que posteriormente a sentença (precedentes): com mais razão, se a prisão se da antes dá decisão de primeiro grau.116

117 114 BRASIL. Supremo Tribunal Federal – HC 68131- DJU 18/09/1990 relator: Celso de Mello. 118 115 BRASIL. Supremo Tribunal Federal– HC 84858 – RJ – 1ª T. – Rel. Min. Carlos Britto – DJU 23.03.2007.

119 116 BRASIL. Supremo Tribunal Federal- HC 69321 - SP - 1ª T. - Rel. Min. Sepúlveda Pertence - DJU 04.09.1992.

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Isto porque é justamente neste primeiro contato com o processo que o réu

pode dar ao Magistrado a sua versão a respeito dos fatos que estão sendo

imputados pelo acusador e pelas provas colhidas durante o inquérito, escusando-se,

desculpando-se ou mesmo admitindo os fatos da imputação, e muito embora não

seja esta sua finalidade, pode acabar por ser o momento propício para o acusado,

querendo, praticar o ato da confissão, em razão dos questionamentos feitos pelo

Magistrado acerca dos elementos da infração penal.

3.2.2. Judicialidade

O interrogatório judicial também é a primeira oportunidade que possui o

Magistrado de conhecer pessoalmente o acusado, cabendo ao juiz, e somente a ele,

presidir o interrogatório, daí deriva a sua segunda característica, a da judicialidade,

pois deve ser tomado respeitando os consectários do devido processo legal.

Reforçando o caráter da Judicialidade, temos que na prisão em flagrante, o

correto é afirmarmos que o Delegado toma as declarações do acusado, o termo

“interrogatório”, constante do art. 304 do CPP, fora inserido no dispositivo de

forma equivocada, todavia acreditamos que mesmo sem intenção possa ter

acertado o legislador. Melhor explicando, acreditamos que na verdade, o que o

Legislador do Código de Processo Penal na verdade quis dizer que no momento de

se tomar as declarações do acusado, a Autoridade competente deverá respeitar o

procedimento referente ao interrogatório, bem como as garantias do acusado

durante a realização deste ato, tal recomendação consta do art. 6º, inciso V do CPP

que dispõe que a Autoridade policial deverá “ouvir o indiciado, com observância,

no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, ...;”.

Acerca da prisão em flagrante diz o artigo 304 , in verbis:

Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o

condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia

do termo e recibo de entrega do preso.

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Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem

e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita,

colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a

autoridade, afinal, o auto.

Acerca dessas duas primeiras características, tomemos o escólio de Helio

Tornaghi:

...o interrogatório é a grande oportunidade que tem o juiz para, num

contato direto com o acusado, formar juízo a respeito de sua

personalidade, da sinceridade, de suas desculpas ou da negligência

com que agiu, da sua frieza e perversidade ou de sua elevação e

nobreza; é o ensejo para estudar-lhe as reações, para ver, numa

primeira observação, se ele entende o caráter criminoso do fato para

verificar tudo mais que lhe está ligado ao psiquismo e á formação

moral. Como então admitir que o interrogatório não fosse judicial e

personalíssimo?117

Deriva desta característica a presidencialidade do interrogatório, pois

incumbe somente ao Magistrado presidir e conduzir o interrogatório, e inquirir o

acusado, formulando as perguntas discricionariamente, em contraposição à

inquirição cruzada, realizada pelas partes (direct-examination e cross-

examination), que vigoram no Direito anglo-americano, com raiz na Common Law.

Tal característica também encontra menção expressa no Código de processo

penal português, que em seu art. 141, nº 2 e 6, estabelecem:

2 - O interrogatório é feito exclusivamente pelo juiz, com assistência

do Ministério Público e do defensor e estando presente o funcionário

de justiça. Não é admitida a presença de qualquer outra pessoa, a não

ser que, por motivo de segurança, o detido deva ser guardado à vista.

120 117 TORNAGHI. Helio. Curso de Processo Penal. 6. Ed. São Paulo. Saraiva: 1989. p. 359.

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6 - Durante o interrogatório, o Ministério Público e o defensor, sem

prejuízo do direito de argüir nulidades, abstêm-se de qualquer

interferência, podendo o juiz permitir que suscitem pedidos de

esclarecimento das respostas dadas pelo argüido. Findo o

interrogatório, podem requerer ao juiz que formule àquele as

perguntas que entenderem relevantes para a descoberta da verdade. O

juiz decide, por despacho irrecorrível, se o requerimento há-de ser

feito na presença do argüido e sobre a relevância das perguntas.

3.2.3. Oralidade

Outra característica do interrogatório é a da Oralidade. A oitiva do acusado

é de suma importância para os fins alcançados pelo processo penal,

consubstanciando o primeiro contato do acusado com um juiz e com o processo

pelo qual responde.

É por meio da linguagem que o acusado transmite ao Juiz e ao processo as

evidências, as provas. A realidade será retratada por meio da linguagem. Segundo

o doutrinador Tarek Moussallem:

Mediante determinado ato de fala, Deus criou a realidade. Com o homem, sua imagem e semelhança, não se dá diferente. Partindo do mito, não é difícil constatar que a linguagem tornou o homem “igual” a Deus, pois não há nada que o homem não possa fazer com a linguagem (criar monstros, lugares maravilhosos, imaginar o seu time campeão do mundo, etc.). Também é certo que os acontecimentos físicos exaurem-se no tempo e no espaço. O homem só consegue (re)construir ditos eventos por meio da linguagem. Os eventos não provam nada, simplesmente porque não falam. Sempre uma linguagem deverá resgatá-los para que eles efetivamente existam no universo humano.118

Inicialmente interessante conferir o alcance e sentido desta expressão:

Num primeiro momento, pode-se atribuir ao termo ‘oralidade’ o

significado de ‘comunicação do pensamento por meio do

121 118 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo : Noeses, 2006. p. 26-27.

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pronunciamento de palavras destinadas a serem ouvidas’. Em

contraposição à oralidade, está a escrita, vale dizer, a forma de

comunicação do pensamento por meio de sinais visíveis, alfabéticos

ou ideográficos. O escrito deve ser lido e, nesse sentido, pode ser

expresso oralmente, assim como pode ser reproduzida uma gravação;

mas trata-se de uma oralidade fictícia. Aquele que escuta pode ouvir

um monólogo ou um diálogo, mas não pode “participar”, não pode

fazer perguntas nem obter respostas da pessoa que, anteriormente,

prestou as declarações escritas ou gravadas. Portanto, tem-se

‘oralidade’, em sentido amplo, somente quando aqueles que escutam

podem formular perguntas e obter respostas diretamente do

declarante.119

Justifica-se tal característica pelos objetivos e finalidades do instituto. O

interrogatório não se presta somente para que o Magistrado colete os dados do

acusado acerca do fato delituoso, fosse assim bastaria que este enviasse um

questionário previamente elaborado para que o acusado respondesse, evitando

assim um suposto desperdício de tempo e do dinheiro do erário público com

deslocamentos, escolta, etc., para o caso de réus presos. Todavia, a tomada de

declarações desta forma possibilitaria ao acusado maior probabilidade de

dissimular as suas respostas, este poderia camuflar seu depoimento tendo em vista

que possuiria tempo pra poder premeditar suas respostas.

Todavia não é esta sua única finalidade. “O interrogatório enseja ao

Magistrado tomar contato com aquele contra quem se propôs a ação penal,

conhecendo-lhe a personalidade, ouvindo-lhe a confissão. Suas escusas, etc.”.120

Este instituto visa também possibilitar ao Magistrado o contato sensorial e

visual com o acusado, escutar o que este tem a dizer bem como a carga emocional

122 119 TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. Tradução de Alexandra Martins, Daniela Mróz. - São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais. 2002. p. 87-88. 123 120 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. Vol. 3 - 10. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2007. p. 277.

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contida em suas palavras ao descrever os fatos narrados, seu tom de voz, sua

expressão corporal, sua firmeza ou sua hesitação, perceber seu estado anímico bem

como a percepção das nuances de sua personalidade. Estes elementos são de

importância ímpar na formação da convicção do Juiz.

O interrogatório é ato que se realiza pela palavra oral. A palavra

falada, que nasce e morre com a voz humana, apresenta-se

originalmente em relação imediata com a pessoa física que a recebe,

além de mostrar-se ligada com a pessoa cujo o pensamento através

dela se exterioriza.121

Também Helio Tornaghi:

O interrogatório é oportunidade concedida ao Juiz para formar opinião

sobre o réu. Para isso ele necessita do contato direto, vivo. A palavra

do acusado, circundado de sua atitude, de seus gestos, de seu tom de

voz, de sua espontaneidade, pode dar ao juiz um elemento de

convicção insubstituível por uma declaração escrita, morta, gélida,

despida dos elementos de valor psicológico que acompanham a

declaração falada.122

Com efeito, “...as declarações orais, que permitem a observação direta do

interrogando, são o meio mais natural, mais simples e rudimentar para apreciar a

sinceridade das respostas”123.

Antonio Jose Miguel Feu Rosa, discorrendo sobre esta necessidade e os

resultados que o contato mais estreito do Magistrado com o acusado já afirmava:

A sentença penal justa exige que o julgador tenha a noção mais ampla

possível de todo o drama humano que se desenrola nas páginas

124 121 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O interrogatório no processo penal. Belo Horizonte : Del Rey, 2000. p. 95. 125 122 TORNAGHI. Helio. Curso de Processo Penal. 6. Ed. São Paulo. Saraiva: 1989. p. 361. 126 123 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O interrogatório no processo penal. Belo Horizonte, Del Rey, 2000. p. 96.

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daquele processo, sabendo quem é o acusado, sua personalidade, suas

origens, seu passado, seu cinismo, sua hediondez ou sua obediência,

caindo, por desgraça momentânea, por uma cilada imprevisível da

vida, nas teias da justiça criminal; qual o meio de onde saiu; onde

viveu; sua família; suas origens sociais e sua higidez física e mental.

Só de posse desses dados é que o Magistrado, com o auxílio da ciência

jurídica, ficara habilitado a proferir uma decisão correta, ponderada,

equilibrada, humana, afinada com o Direito e a justiça.124

Todavia exige o artigo 195 do Código de Processo Penal que tudo o que for

dito pelo acusado, bem como informações relevantes percebidas pelo magistrado

sobre as reações do interrogado, deverão ser registradas, reduzidas a termo para

fins de documentação, que deverá ao final do interrogatório ser lido e rubricado

pelo escrivão em todas as suas folhas, assinado pelo juiz e pelo réu, e também pelo

promotor e o defensor, se presentes.

Todavia, a par da importância desta característica a mesma não é absoluta,

pois situações concretas podem reclamar a adoção de medidas excepcionais. A

legislação processual prevê duas exceções nos artigos 192 e 193 regras para o

interrogatório de surdo, mudo, surdo-mudo e de estrangeiro.

Art. 192. O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma seguinte: I - ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá oralmente; II - ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito; III - ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mesmo modo dará as respostas. Parágrafo único. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo.

127 124 FEU ROSA, Antonio José Miguel. Processo Penal. 2ª ed. Brasilia. Ed. Consulex : 2006. p. 341. 128 .

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Art. 193. Quando o interrogando não falar a língua nacional, o interrogatório será feito por meio de intérprete.

Ao imputado surdo serão apresentadas perguntas por escrito e ele as

responderá oralmente. Ao mudo, as perguntas serão feitas oralmente, e as respostas

dadas por escrito. No caso de surdo-mudo as perguntas e respostas serão escritas.

No caso da pessoa portadora de deficiência auditiva, ser também analfabeta.

Deverá uma pessoa habilitada servir de intérprete, sob compromisso de seriedade e

idoneidade.

No caso do argüido que não souber falar a língua nacional (geralmente

estrangeiros), o interrogatório será realizado por meio de intérprete. Neste caso é

bom observar que, mesmo que o Magistrado domine a língua falada pelo acusado,

não poderá interrogá-lo diretamente sem intérprete.

3.2.4. Publicidade

O interrogatório, via de regra, é público, eis que é ato processual, encontra

seu fundamento de validade no art. 792, caput, do CPP. O objetivo maior da

publicidade é garantir que as declarações prestadas pelo réu decorreram

espontaneamente, sem a utilização de métodos vedados pelo ordenamento para

obtenção da verdade, meios ilegais ou coercitivos.

Garantir a publicidade em todos os atos do processo penal é o primeiro

passo no sentido à um processo penal garantista, a este respeito Luigi

Ferrajoli leciona:

...a publicidade - é aquela que assegura o controle tanto externo como

interno da atividade judiciária. Com base nela os procedimentos de

formulação de hipóteses e de averiguação da responsabilidade penal

devem desenvolver-se à luz do sol, sob controle da opinião pública e

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sobretudo do imputado e seu defensor. Trata-se do requisito

seguramente mais elementar e evidente do método acusatório.125

Esta característica é restringida somente em casos excepcionais, quando da

publicidade do ato puder resultar escândalo, perigo de perturbação da ordem ou

inconveniente grave, devendo então o Juiz condutor do interrogatório determinar

que este seja feito em segredo de justiça, o número de pessoas presentes será

limitado, sendo necessário que dentre elas esteja o defensor, de acordo com o

artigo 792, §1º do Código de Processo Penal:

Art. 792. As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados. § 1º. Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.

As declarações prestadas na fase do inquérito policial possuem publicidade

limitada, devendo estar presentes durante sua execução o declarante, podendo estar

acompanhado de seu defensor e a Autoridade que o interroga.

3.2.5. Individualidade

Deve o interrogatório, seguindo o que determina o art. 191 do CPP, ser

realizado de forma individual. Havendo mais de um acusado sobre uma infração

penal, devem ser inquiridos separadamente cada um deles, aguardando os demais

fora da sala de audiências.

Justifica-se esta providência para que o inquirido não se sinta constrangido

ou intimidado em relatar a participação dos demais comparsas na prática delituosa,

129 125 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2ª Ed. Rev. e ampl. - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006.p. 567.

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e nem mesmo que consigam de alguma forma combinar suas respostas, evitando

desta forma contradições entre as versões apresentadas pelos acusados, de forma a

ludibriar o convencimento do Magistrado.

3.2.6. Probidade

Elemento de fundamental característica do ato do interrogatório, nem

sempre lembrado pela doutrina como componente necessário deste é o da

probidade. Aliado à judicialidade e presidencialidade do ato, informa que a

Autoridade interrogante, investida dos poderes que lhe confere a legislação, deve

utilizar estes respeitando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Na condução do interrogatório a autoridade deve pautar-se pela probidade,

ter conduta séria, respeitosa e compatível com o mister que desenvolve bem como

com a parte argüida. As perguntas devem ser feitas de forma clara e concisa,

facilitando a percepção, e não de forma intimidatória ou agressiva.

A clareza da pergunta possibilita o esclarecimento maior das questões,

reflectindo-se em igual atitude por parte do julgador. Como resposta a

perguntas claras pode o inquiridor exigir do depoente também repostas

claras, objectivas e inequívocas.126

Neste sentido estão vedados as práticas coercitivas e ilegais que visem

extrair a confissão do acusado, bem como ameaças ou promessas de vantagens não

existentes na legislação visando obter a cooperação do acusado. O código de

processo penal português foi analítico neste ponto, estabelece seu art. 126º:

Artigo 126.º Métodos proibidos de prova

130 126 OLIVEIRA, Francisco da Costa. O interrogatório de testemunhas. Sua prática na advocacia. 2. ed. Coimbra : Almedina. 2007. p. 44.

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1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.

2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:

a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;

b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;

c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;

d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;

e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.

3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

4 - Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.

3.3. Conceito

O termo interrogatório deriva do latim “interrogare” prefixo inter (entre)

mais sufixo rogare (pedir), no Código de Processo Penal brasileiro aparece no

Título VII (das provas), Capítulo III (do interrogatório do acusado), art. 185: “O

acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo

penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou

nomeado”.

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Para Helio Tornaghi, “Interrogatório, por antonomásia, é a inquirição do

réu. Em sentido um pouco mais amplo é também a do indiciado, no inquérito”.127

José Frederico Marques entende que “Consiste o interrogatório em

declarações do réu resultantes de perguntas formuladas para esclarecimento do

fato delituoso que se lhe atribui e de circunstâncias pertinentes a este fato”.128

Huertas Martín define-o como:

un acto procesal mediante el cual se procede a la identificacion del

sujeto, a la notificación de la acusación, a la recogida de elementos de

descargo y de pruebas, perfilándose así como un acto complejo que

tiende a tutelar intereses diversos, y que se dirige a la obvtención de

diferentes finalidades paritariamente representadas por la exigencia de

alcanzar el descubrimiento de la verdad y de garantizar la defesa del

imputado.129

Analisando estes conceitos dos diversos autores apontados, podemos extrair

elementos comuns. Percebe-se que é da essência do instituto ser: a) um ato

processual; b) ser presidido pelo Juiz Criminal (no interrogatório judicial praticado

para a instrução de processo criminal, na fase do inquérito é realizado pelo

Delegado de Polícia); c) realiza-se através de perguntas dirigidas ao acusado ou ao

indiciado; d) objetivar a coleta de dados acerca do fato delituoso; e e) oportunizar

que o acusado apresente a sua versão dos fatos, e querendo, deles se defenda.

Logo, buscando sintetizar as idéias contidas nestes conceitos doutrinários,

nas disposições legais referentes ao tema e nos demais componentes do instituto,

131 127 TORNAGHI. Helio. Curso de Processo Penal. 6. Ed. São Paulo. Saraiva: 1989. p. 357. 132 128 MARQUES, Jose Frederico. Elementos de Direito Processual Penal - Vol. 2 - Campinas: Bookseller, 1997. P. 297. 133 129 Huertas Martín apud RISTORI, Adriana Dias Paes. Sobre o silêncio do arguido no interrogatório no processo penal português.Coimbra: Edições Almedina. 2007. p. 114.

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procuramos apresentar nosso conceito de interrogatório que poderia ser formulado

nos seguintes termos:

Interrogatório judicial é o ato processual, personalíssimo, presidido pelo

Juiz Criminal, realizado através de perguntas dirigidas ao acusado, objetivando a

coleta de dados acerca do fato delituoso e que oportuniza ao acusado apresentar a

sua versão dos fatos que lhe estão sendo imputados, defendendo-se deles, caso

queira.

3.4. Interrogatório e Direito ao silêncio

Ilustrada pela expressão latina nemo tenetur se detegere, o direito do

acusado ao silêncio, lentamente, foi ganhando espaço, passando a ser previsto em

grande parte das legislações penais modernas. Atualmente, pode-se falar que foi a

5ª Emenda da Constituição americana o momento marcante para deste instituto.

Com o tempo este direito passou a criar raízes em vários tratados

internacionais, dentre eles a Declaração Universal dos Direitos do Homem e

Convenção americana dos direitos humanos.

No Brasil o direito ao silêncio também está expresso na Constituição

Federal, que consignou em seu artigo 5º, LXIII: “o preso será informado de seus

direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a

assistência da família e de advogado”.

Uma leitura afoita deste dispositivo constitucional pode levar o intérprete a

pensar que somente o preso possui o direito ao silêncio, todavia, a doutrina e

jurisprudência, levando-se em conta o princípio da inocência, ou não culpa,

entendem que este direito é estendido também ao investigado acusado e indiciado.

O Código de Processo Penal também dispõe em seu art. 186:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o

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interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

Este direito está ligado ao princípio da não auto-incriminação. Logo, o réu

pode optar por não responder determinadas perguntas da Autoridade, Judicial ou

policial, que o incriminem, ou mesmo não emitir declaração nenhuma, ou até

mesmo mentir sobre o objeto de sua inquirição, sendo que tal atitude não pode ser

interpretada em seu desfavor.

O réu possui assim o direito de não confessar, o direito de não declarar nada

contra si mesmo, direito de não praticar nenhum comportamento ativo

incriminador, como participação em reconstituição de crime, direito de não ceder

material gráfico, e por fim, não é obrigado a produzir prova incriminatória que

envolva o corpo humano, como sangue, urina, fezes, bafômetro, etc.

Alguns autores entendem que o direito ao silêncio deve ser exercido de

forma plena, livre, e por isto, os artigos 186 e 198 do Código Penal não teriam sido

recepcionados pela Constituição Federal de 1988, pois seria uma forma de

pressionar o interrogado. O STJ, todavia, entende que somente haverá nulidade do

processo se ficar provado o efetivo prejuízo ao interrogado.

Da mesma forma, extrai-se do princípio do devido processo legal (CF, art.

5º, LIV), dos princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV) e do

princípio da não-culpabilidade (CF, art. 5º, LVII) que não se pode admitir que o

direito ao silêncio lhe seja vedado ou que venha a ser interpretado em seu prejuízo.

É entendimento dominante, porém, que o réu tem direito de mentir sobre os

fatos criminosos, mas não pode fazer auto-acusação falsa, sob pena de incidir no

artigo 342 do Código Penal. Recusando-se à identificação ou mentindo sobre sua

identidade, estará, segundo posição doutrinária dominante — visto não se tratar de

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ato de defesa —, incidindo nas infrações do artigo 68 da LCP e 307 do CP. Mas a

questão não é pacífica, visto que já existem vários julgados, inclusive do Superior

Tribunal de Justiça, que garantem ao réu e ao investigado o direito de mentir sobre

a própria identidade para escapar da responsabilidade penal.130

Estando ao dispor do acusado falar ou calar-se, dizer a verdade ou mentir,

percebe-se que é ele, o réu, o ator principal do interrogatório, podendo usá-lo como

instrumento de defesa pessoal. Daí, muitos autores enfatizarem a natureza de meio

de defesa.

Por outro lado, estando situado no início do feito não permite ao réu

conhecer os fatos já comprovados contra si, para somente então dar sua versão do

crime, o que atenua a natureza jurídica até então manifestada.

Em verdade, quando se estuda o objetivo do ato, inafastável resta sua

natureza híbrida. Como bem leciona Eduardo Espínola:

A finalidade do interrogatório é tríplice: a) facultar ao magistrado o

conhecimento do caráter, da índole, dos sentimentos do acusado: em

suma, compreender-lhe a personalidade; b) transmitir ao julgador a

versão, que, do acontecimento, dá, sincera ou tendenciosamente, o

inculpado, com a menção dos elementos, de que o último dispõe, ou

pretende dispor, para convencer da idoneidade da sua versão; c)

verificar as reações do acusado, ao lhe ser dada diretamente, pelo juiz,

a ciência do que os autos encerram contra ele. Aí está porque se

costuma dizer, e muito razoavelmente, que o interrogatório é uma

fonte de prova. (ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo

Penal Anotado, Volume III. Campinas: Ed. Bookseller, 2000, p. 61).

134 130 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. RESP 471252 / MG. Relator Min. GILSON DIPP. Data da Decisão 18/09/2003. DJ Data:20/10/2003 pg.:00289.

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100

Das palavras ditas pelo réu e de todos os demais elementos colhidos,

formará o juiz sua convicção.

Optando o réu por confessar, afirmando inverdades ou mesmo se calando,

ofertará ao juiz elementos instrutórios, seja sobre seu caráter e personalidade, seja

sobre os fatos apurados (quando não se cala). Daí a conclusão de que o

interrogatório também é meio de prova.

Com as modificações em comento, reforça-se o caráter de prova, visto que

as partes também poderão indicar ao juiz indagações complementares, estando, por

via indireta, permitido, inclusive ao acusador, formular indagações.

Restando, portanto, induvidoso que, segundo a Constituição de 1988, o réu

não é obrigado a falar e que seu silêncio não pode ser interpretado em seu prejuízo,

foi com atraso que a Lei 10.792/03 corrigiu o equívoco constante do superado

artigo 186 do Código que afirmava que o silêncio poderia ser interpretado em

prejuízo da defesa, para corretamente constar, no novo parágrafo único do mesmo

artigo 186, que o silêncio, que não importará confissão, não poderá ser interpretado

em prejuízo da defesa.

Ocorre, porém, que apesar do acerto da modificação, restou ao legislador

harmonizar outro dispositivo igualmente violador do direito ao silêncio e do

princípio da presunção de inocência, que é o artigo 198, onde, lamentavelmente,

ainda consta, in verbis: "O silêncio do acusado não importará confissão, mas

poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.”

Ora, se a Constituição assegura o direito ao silêncio e, na ausência de prova

em contrário, determina que a presunção deve ser feita a favor do réu, é totalmente

incompatível que se assegure o direito ao silêncio e seja o mesmo utilizado na

formação do convencimento do juiz quando ao fato criminoso apurado.

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101

Se o réu confessa ou nega a conduta delituosa, sem dúvida, colocará à

disposição do juiz informações que serão levadas em consideração. Se mente, da

mesma forma, permite ao juiz aferir, diante da contradição com as demais provas,

como se deram os fatos. Quando se cala, entretanto, não está fornecendo qualquer

elemento instrutório, portanto, seu silêncio não deve ser levado em consideração

para absolvê-lo, nem para condená-lo.

Diante do princípio constitucional irrestrito quanto ao silêncio, essa parte do

dispositivo está revogada.

Melhor seria a adoção da redação sugerida pela Comissão de Reforma do

Código de Processo Penal, presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover, que,

no projeto de lei nº 4.204/2001, afirmava que "o silêncio, que não importará em

confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa e tampouco poderá

influir no convencimento do juiz".

Nesse ponto, conclui-se, então, que andou mal o legislador reformista ao

corrigir um dos dispositivos maculadores dos princípios constitucionais da

presunção de inocência e do direito ao silêncio, sem contudo corrigir artigo

referente ao mesmo tema, devendo o intérprete ignorar as regras ali constantes por

não terem sido recepcionadas pela Carta Magna.

São cinco as alterações mais significativas sobre o tema: necessidade de

citação pessoal do réu preso; modificação quanto à regra do local de realização do

ato do interrogatório; adequação constitucional à interpretação quanto ao direito de

silêncio; necessidade da presença do advogado, com possibilidade de entrevista

prévia e reperguntas pelas partes; e, extinção definitiva da figura do curador ao réu

menor de 21 anos. Interessante também a repercussão das alterações do

interrogatório judicial, na esfera policial.

A testemunha, ao contrário, possui a obrigação de dizer a verdade perante a

autoridade, Judicial ou policial, sendo que se faltar com a verdade durante seu

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102

interrogatório pode responder por crime de falso testemunho, tipificado no art. 342

do Código Penal: “Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como

testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou

administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.”

Todavia, caso durante o interrogatório da testemunha a Autoridade o

questione sobre fatos que possam o incriminar, esta pode se reservar a se valer do

direito ao silêncio, não respondendo a perguntas incriminatórios ou não sendo

necessário que diga a verdade sobre estas. “As testemunhas podem invocar o

direito ao silêncio, quer para não se auto-incriminar, quer para escapar da

responsabilidade civil e administrativa”131.

de forma diferente trata a legislação processual civil, conforme cuide de

valores completamente diferentes dos valores tutelados pela legislação processual

penal, o Código de Processo Civil admite a confissão ficta do acusado.

Conquanto a finalidade do depoimento pessoal seja a obtenção da

confissão da parte quando da realização do referido meio de prova, é

possível que a pena de confesso também seja obtida quando a parte é

intimada a depor, se recuse a fazê-lo ou não compareça em juízo.132

Todavia há uma exceção, a esta regra “A testemunha perderá o direito, no

entanto, se decidir prestar depoimento que lhe incrimine, de forma que não mais

poderá alegar, em outros processos, seu ‘direito ao silencio' sobre fatos em que já

admitiu sua participação criminosa”.133

135 131 COUCEIRO, João Claudio. A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 220. 136 132 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. V. 2. - 2. Ed. rev.; atual. e ampl. - São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais. 2003. p. 394. 137 133 COUCEIRO, João Claudio. A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 223.

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103

3.5. Supremacia do Sistema Acusatório

A supremacia do sistema acusatório assegurado pela Constituição Federal

hodiernamente, se apresenta como a divisão de três figuras diferentes umas das

outras, são estas as funções de acusar, julgar e defender. O direito de defesa surge,

com maior clareza, com o nascimento do devido processo legal e as garantias do

contraditório e ampla defesa, e o decorrente surgimento do sistema acusatório. No

sistema inquisitivo existia a defesa, entretanto esta não se constituía em defesa

efetiva do réu, tendo em vista que as funções de acusar e julgar eram entregues ao

mesmo órgão, o acusado haveria de se defender de seu próprio julgador.

Acerca do tema, existe um dito popular europeu medieval que diz que:

“aquele que tem um juiz por acusador, precisa de Deus como defensor. E, às

vezes, isso não é suficiente.”

Neste contexto, inexistem dúvidas de que a Constituição de 1988 consagrou

o sistema acusatório como único gestor do processo penal, não havendo mais

espaço para o inquisitorialismo originário do período medieval e típico dos

regimes de exceção.

Acerca disto vale transcrever a advertência de Tourinho Filho, abordando o

sistema inquisitivo e suas impropriedades: “Nenhuma garantia se confere ao

acusado. Este aparece em uma situação de tal subordinação, que se transfigura e

se transmuda em objeto do processo e não em sujeito de direito”.134

Acerca do papel da defesa no sistema acusatório bem asseverou o penalista

italiano Luigi Ferrajoli:

A defesa, que por tendência não tem espaço no processo inquisitório,

forma, portanto, o mais importante instrumento de solicitação e

controle do método de prova acusatório, consistente precisamente no

138 134 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1990. p.83.

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contraditório entre hipótese de acusação e hipótese de defesa e entre as

respectivas provas e contraprovas.135

Com efeito, o exame dos próprios princípios do devido processo legal, e

seus consectários, mormente contraditório e ampla defesa, pronunciados como

direitos fundamentais do cidadão, não deixam dúvidas quanto à opção

constitucional pelo sistema acusatório, eis que inconciliáveis tais princípios com o

sistema inquisitivo, onde o réu tem que se defender de seu próprio julgador, o qual

funciona também como acusador.

3.6. Natureza Jurídica do Interrogatório

Ponto central do presente trabalho, acreditamos que a fixação da natureza

jurídica do interrogatório, levando-se em consideração a evolução histórica do

instituto, bem como suas características, possui implicações relevantes que

extrapolam o âmbito apenas do interrogatório, gerando reflexos em todo o

processo penal.

Da própria definição e também da localização do instituto dentro do Código

no Capítulo referente às provas, observa-se a dificuldade em definir-se a natureza

jurídica do interrogatório, se meio de prova ou meio de defesa.

Doutrinariamente, enquanto os autores mais tradicionais, Adalberto

Camargo Aranha, Hélio Tornaghi e José Frederico Marques, defendem sua

natureza probatória, os autores contemporâneos, tais como, Tourinho Filho, Ada

Pellegrini Grinover, e Scarance Fernandes, dentre outros, destacam sua índole

defensiva; havendo ainda seguidores de uma teoria mista entre essas duas

correntes, enxergando o instituto do interrogatório como meio de prova e de defesa

concomitantemente.

139 135 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2.ed. Rev. e ampl. - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006.p. 564.

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105

Observando-se a evolução histórica do instituto, paralelamente à evolução

dos sistemas penais, percebe-se que, no passado, talvez fruto da herança

inquisitória do processo penal arcaico, a principal, senão única, finalidade do

interrogatório era a de extrair a confissão do réu.

Todavia tal feito não era de fácil alcance, haja vista ser inerente à natureza

humana a dificuldade psicológica em admitir os próprios erros, contrariando seus

instintos autodefensivos, mormente quando esta admissão era pública e importaria

na imposição de severos castigos ao acusado, lhe custando talvez a própria vida.

Mas a tomada de declarações do acusado não se fazia em seu

interesse. Sendo a confissão a rainha das provas, era indispensável sua

obtenção, valendo-se o inquiridor de métodos atentatórios à

integridade física e mental do acusado para decidir sem vacilos de

consciência.136

Destarte, lançava-se mão dos expedientes mais espúrios visando extrair,

tendo em vista que obter não seria aqui o verbo mais correto, a confissão do

argüido. Entre estes expedientes merece menção a tortura (física ou psicológica),

hipnotismo, narcointerrogatório, interrogatório sub-reptício, interrogatórios

cavilosos, polígrafo (lie detector), third degree entre outras espécies de métodos de

obtenção da verdade. A este respeito leciona Eugenio Florian:

La confesión fué objeto de constante estudio de los juristas de los

obscuros tiempos de la prueba legal, que no dejaron ningún punto por

tratar, hasta llegar a las más sutiles y detalladas conclusiones. La

preocupación fundamental de los magistrados de la época era la de

obtener una confesión porque se la consideraba como reina de las

pruebas, como la única bastante - al menos formalmente - para dar al

140 136 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O interrogatório no processo penal. Belo Horizonte : Belo Horizonte, Del Rey, 2000. p. 29.

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juez la tranquilidade de conciencia. Y así, por un extraño constraste,

para conseguir la confesión, la manifestación mas libre del

interrogatorio, se empleaba la tortura, el medio más bárbaro y

vejatorio.137

A confissão era objetivada a qualquer custo, enquanto hoje permite-se ao réu

optar por prestar ou não declarações. Portanto, o acusado era objeto de prova,

sendo agora sujeito do processo.

3.6.1. Interrogatório como meio de prova

Nosso Código de Processo Penal remonta à década de 40, tendo sido escrito

sob a vigência da Constituição de 37, da Era Vargas (Estado Novo), influenciada

pelos ideais fascistas que ecoavam na Europa, com forte influência do Código de

processo penal italiano da época, também denominado de “Código Rocco”, de

1930, bem como dos Códigos de processo penal português e espanhol vigentes,

quando estes países eram governados de forma autoritária por Franco e Salazar,

respectivamente.

Daí justifica-se a adoção da visão do interrogatório através da corrente

puramente probatória, pois esta era a visão conveniente para um poder centralizado

como era àquela época. O que nos faz concluir que a adoção de uma ou outra

corrente extrapola critérios jurídicos, indo buscar na ideologia política

predominantemente no momento social em que a legislação referente ao tema fora

adotada.

141 137 FLORIAN, Eugenio. Elementos de derecho procesal penal. Traduzido para o espanhol por L. Prieto Castro. Barcelona: Bosch casa editorial.1934. p. 336.

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Helio Tornaghi, buscando solucionar o questionamento ventilado pela

doutrina acerca da natureza jurídica do interrogatório, sendo este árduo defensor da

natureza probatória deste instituto lecionava:

Note-se que se trata de questão de política processual. O interrogatório

do acusado tanto pode ser aproveitado por lei para servir como

expediente de prova quanto para ser instrumento de defesa. No

primeiro caso (meio de prova), o juiz pondera tudo aquilo que o réu

afirma, a seu favor ou contra si. As alegações do acusado podem

demonstrar alguma coisa; podem, até, convencer o juiz e, embora isto

seja raro, é possível que o réu, por sua sinceridade, pela

verossimilhança do que afirma, pela firmeza e convicção com que

fala, consiga não deixar qualquer dúvida no espírito do julgador. Na

segunda hipótese (meio de defesa), interrogatório é apenas uma

oportunidade que a lei dá ao réu para fazer alegações e citar fatos que

possam exculpá-lo. Claro que, também aqui, pode o réu citar fatos que

possam exculpá-lo. Claro que, também aqui, pode o réu indicar

elementos de convicção, mas o juiz terá de ir buscá-los, terá que

colher a prova dos fatos alegados em depoimentos de testemunhas,

documentos, indícios, etc. O interrogatório, usado como meio de

defesa, serve, entretanto, como fonte de prova; mas ele próprio não

prova nada, não é meio de prova.

Em outras palavras, o interrogatório é instrumento de prova quando a

lei o considera fato probante (factum probans) e o é de defesa (além de

fonte de prova) quando ela entende que ele por si nada evidencia, mas

apenas faz referência ao tema probando e, por isso mesmo, é preciso ir

buscar a demonstração de tudo quanto nele foi dito pelo réu.138

Frederico Marques, um dos maiores defensores da corrente probatória, ao

discorrer sobre o tema, já ventila talvez o argumento mais utilizado por esta

142 138 TORNAGHI. Helio. Curso de Processo Penal. 6. Ed. São Paulo. Saraiva: 1989. p. 356-357.

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corrente: “O interrogatório do acusado é, atualmente, meio de probatório, pois

que, entre as provas, o arrolou o Código de Processo Penal”139.

Todavia, rogando venia ao doutrinador mencionado, adotar o critério da

posição topográfica como único definidor da natureza jurídica de um instituto tão

complexo é na nossa visão demasiado simplista.

Outros argumentos são ventilados pela doutrina que defende esta corrente,

entre eles de que o Magistrado leva em consideração os dados colhidos quando da

realização do interrogatório segundo seu livre convencimento, das características

da presidencialidade do ato, possuindo liberdade para dirigir o ato

discricionariamente; e por fim que caso o acusado confesse, o interrogatório

servirá de prova favorável à acusação.

Sobre a finalidade do interrogatório Marques entende: “Ao interrogar o réu,

busca-se obter a confissão do crime de que ele é acusado”140. Visão esta já

ultrapassada no processo penal atual.

Mais adiante em sua obra o mesmo autor arremata:

Aplausos merece, portanto, o Código de Processo Penal, no tocante à

regulamentação que deu a esse meio de prova, que é, sem dúvida,

quando dirigido com perspicácia e inteligência, um dos mais fecundos

e úteis para a elucidação do fato delituoso.141

O penalista italiano Malatesta, também defensor da corrente probatória,

assim se manifestava sobre o tema:

...os críticos que negam qualquer valor probatório à confissão, porque

fundada, como dizem, numa impossibilidade moral, que é a vontade

de inculpar-se, repugna à natureza humana; os sustentados desta

143 139 MARQUES, Jose Frederico. Elementos de Direito Processual Penal - Vol. I - Campinas: Bookseller, 1997. p. 296. 144 140 MARQUES, Jose Frederico. Elementos de Direito Processual Penal - Vol. I - Campinas: Bookseller, 1997. P. 296. 145 141 MARQUES, Jose Frederico. Elementos de Direito Processual Penal - Vol. I - Campinas: Bookseller, 1997. p. 296.

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opinião não se deram acordo por prejudicar o próprio acusado, quando

pretendiam favorecê-lo. Portanto é claro: tolhido o valor da confissão,

não resta valor à escusa; se a palavra do acusado que se acusa não

vale, a do que se desculpa também não deve valer, pois do momento

em que se afirma não poder valer a confissão, já que repugna à

natureza humana o acusar-se, toda desculpa aparecerá também, não

como manifestação da verdade, mas como escapatória necessária para

não confessar: e se a palavra do acusado não deve ter nenhum valor,

nem a favor, nem contra ele, é melhor obrigá-lo ao silêncio, não

podendo sua palavra senão enganar ou fazer perder tempo. Eis a triste

condição, em que, com esta teoria filantrópica, coloca-se o pobre

inocente, que, se encontrando sob o peso de uma acusação, tem

necessidade de se desculpar. O negar valor probatório à confissão

eqüivale, portanto, a negar o valor probatório a todo testemunho do

acusado. Ter-se-á razão? É lógico negar todo valor probatório ao

testemunho do acusado? Parece-nos que não.142

Destarte, entendemos que a mencionada corrente não se adequa aos

institutos e princípios garantidos pela atual Constituição, tornando-se necessário,

para uma correta interpretação, uma releitura adaptada aos princípios e opções

políticas adotadas pelo Constituinte originário de 1988, de índole diametralmente

oposta àquela que lhe fora matriz original, ou mesmo sua reforma, ao menos em

alguns de seus pontos.

3.6.2. O Interrogatório como meio de defesa

146 142 MALATESTA. Nicola Flamarino dei. A lógica das provas em matéria criminal.Tradução de Paolo Capitanio. 6ª ed. Campinas: Bookseller. 2005. p. 414.

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A visão probatória, predominante do processo penal à época da promulgação

do CPP, encontra-se ultrapassada, a Constituição Federal de 1988, apelidada de

“Constituição cidadã”, não só consagrou as diversas garantias inerentes a um

processo acusatório, mas sobretudo assegurou expressamente o direito ao silêncio,

em seu art. 5º, LXIII, a presença do defensor no interrogatório, garantiu a

autodefesa e a obrigatoriedade da defesa técnica, apontando para uma mudança de

paradigma no Processo Penal, enxergando o interrogatório como meio de defesa.

Tal mudança vem ao encontro das modernas tendências enxergadas no

processo penal nos ordenamentos jurídicos alienígenas, tendo em vista que tal

instituto está presente na totalidade dos ordenamentos estudados, tendo em vista a

primazia do Estado Democrático de Direito sobre os Estados autoritários,

defluindo na observância e respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, o

que compactua com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu art.

7º, nº 5, que contempla hipótese de acesso à jurisdição penal:

...toda a pessoa detida tem direito de ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz. Não é mais possível alguém ser preso, preventiva ou temporariamente, sem ser levado à presença do juiz que decretou a prisão, sem demora.

A natureza jurídica do interrogatório como meio de defesa fora reforçada

com a edição da Lei 10.792/2003 que previu o que há muito já vinha sendo

confirmado pelos Tribunais, da obrigatoriedade da presença do defensor no

momento do interrogatório, reforçando a defesa técnica do acusado, garantindo a

este o devido processo legal sob o prisma da ampla defesa.

Representa também, uma das facetas da ampla defesa, a autodefesa, que se

completará com a defesa técnica a ser produzida pelo advogado do acusado. “O

interrogatório é peça fundamental na formação do convencimento do julgador.

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Entretanto, a participação do argüido precisa ser totalmente livre, voluntária e

consciente, já que não tem o dever de colaborar com a justiça”.143

A defesa sempre foi considerada como um dos mais importantes institutos

do direito processual penal brasileiro, tanto é assim, que a garantia de defender-se

esteve presente em todas as constituições brasileiras.

A garantia da defesa é de vital importância em um Estado democrático de

Direito, por meio do qual se busca sentença respeitadora do princípio do devido

processo legal.

A defesa é uma limitação imposta ao Estado-Administração no exercício do

seu ius puniendi.

Logo, para o Estado-Administração levar a efeito sua pretensão punitiva,

antes, deve submeter-se às garantias impostas em nosso ordenamento, como o

princípio devido processo legal e conseqüentemente, o direito de defesa, que está

contido naquele.

Segundo Antônio Scarance Fernandes define defesa da seguinte forma:

Em suma, a defesa, vista no caso concreto e sob uma ótica

individualista, é direito do acusado de reagir à pretensão acusatória na

preservação de seus direitos, principalmente o direito de liberdade,

mas, encarada em face do direito público, ressurge como garantia

necessária da pessoa acusada e da própria sociedade, para que num

Estado de Direito seja legítimo o exercício da função jurisdicional.144

147 143 RISTORI, Adriana Dias Paes. Sobre o silêncio do arguido no interrogatório no processo penal português.Coimbra: Edições Almedina. 2007. p. 115-116. 148 144 FERNANDES, Antônio Scarance. A Reação Defensiva à Imputação. São Paulo: RT. 149

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A defesa no processo penal surge como um confronto, uma oposição, ou

uma resistência ao direito de ação. Ou seja, com o nascimento de uma ação que se

revela por meio de uma tese de acusação, também deve surgir uma tese de defesa,

ou uma antítese, que se denomina contraditório.

Há portanto, uma garantia de contraposição, todavia, esta deve ser eficiente,

ou de nada valerá. Assim, sempre que a que o advogado ou defensor atuar da

defesa do acusado de forma deficiente ou desatenciosa, o juiz, velando pelo

princípio da igualdade entre as partes, deverá declarar o acusado indefeso e

aplicará o comando dos artigos 263 e 497, V, do CPP, ou seja, na omissão do réu

em escolher novo defensor, o magistrado irá declarar o réu indefeso e nomeará

novo defensor.

É também chamada de condições de procedibilidade. As condições da ação

são divididas doutrinariamente em condições genéricas, que devem estar presente

em todas as ações penais, e as condições específicas.

São condições genéricas:

1 - Possibilidade Jurídica do pedido - dever haver um fato punível e culpável, pois

se não for punível não há ação, como, por exemplo, o filho que furta o pai.

2 - Legitimidade para agir - São legitimados ativos o Ministério Público, nas ações

penais públicas, a vítima, nas ações penais privadas e eventualmente nas ações

penais privadas subsidiárias da pública. Já no polo passivo encontra-se qualquer

ser humano com dezoito anos ou mais.

Há também a legitimidade Extraordinária que ocorre na substituição processual.

Um bom exemplo é quando o Ministério Público entra com uma ação defendendo

interesse da vítima pobre.

3 - Interesse de agir - É um interesse presumido, ou seja, na essência do pedido

deve haver necessidade, adequação e utilidade.

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Há doutrinadores que colocam a justa causa como uma quarta condição da

ação, alegando que a ação precisa ter o mínimo de seriedade, de prova.

São condições específicas:

1 - A representação da vítima na ação penal privada;

2 - Requisição do Ministro da Justiça na ação penal pública condicionada;

3 - Novas provas para reabrir Inquérito Policial arquivado;

4 - Licença da Assembléia Legislativa para processar governador.

Portanto, havendo a falta de um destes requisitos, incidirá o instituto da

carência da ação, e conseqüentemente a rejeição da peça introdutória, que poderá

ser feita a qualquer momento.

A defesa técnica é garantia constitucional, e está insculpida no artigo 5º,

inciso LXXIV da Carta Magna, que possui o seguinte teor: "o Estado prestará

assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de

recursos".

Há esta previsão expressa, porque é fundamental haver uma defesa técnica,

porque, só assim, ocorrerá um julgamento justo, com paridade de armas, uma vez

que o juiz só tomará sua decisão após analisar a tese de acusação e a tese de defesa.

Também os artigos 133 e 134 da Carta Federal estão assim:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV.

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Além disso, a falta de defesa poderá causar a nulidade do processo, pois

haverá infração ao texto constitucional. O Supremo Tribunal Federal em sua

súmula 523 corrobora este entendimento: "No processo penal, a falta da defesa

constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de

prejuízo para o réu".

Parte da doutrina entende que a defesa técnica deve estar disponível não só

ao preso, como também ao indiciado. Segundo Rogério Lauria Tucci:

Em suma, não há como restringir-se a acessibilidade técnica à Justiça

Criminal à defesa do direito subjetivo material em juízo, num processo

regularmente formado e desenvolvido. Insta, também, a que ela

compreenda a denominada consultoria técnica preventiva, com a

possibilidade, portanto, de prévias informação e orientação jurídica,

determinantes, sobretudo, da prevenção da criminalidade, com

inegáveis vantagens, não só para o interessado, como para o próprio

Estado na consecução do bem comum.145

Já a autodefesa é a possibilidade dada ao réu ou acusado de comparecer à

audiência, dando oportunidade para que ele participe, e influencie o seguimento do

processo. É a participação do acusado de forma direta em quase todos os atos do

processo.

O artigo 360 do Código de Processo Penal lhe garante este direito, verbis:

"Se o réu estiver preso, será pessoalmente citado".

Ocorre quando um mesmo advogado defende duas defesas colidentes,

antagônicas, ou seja, não poderá haver sobre um mesmo fato, duas versões que

150 145 TUCCI, Rogerio Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. 2. ed. rev. e atual., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004.

151

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colocadas uma ao lado da outra não fazem sentido, pois uma destas defesas sempre

será desfavorecida, quando não as duas, ocorrendo desta forma, a o

enfraquecimento do direito de defesa.

Há colidência de defesa, por exemplo, em um processo onde um réu atribui

uma conduta criminosa ao outro que somente poderia ter sido imputada a um

deles. Desta forma, a condenação de um importaria na absolvição do outro.

Pode ocorrer também de haver colidência entre a defesa técnica e a

autodefesa, ou seja, o defensor pode ignorar os argumentos apresentados pelo réu.

Nesta hipótese caberá ao juiz avaliar se as providências tomadas pelo defensor

causaram prejuízos à defesa efetiva do réu, pois, ocorrendo tal prejuízo, então terá

que declarar a nulidade absoluta do processo.

A Jurisprudência entende que havendo esta colidência, ou aparente

conflito entre a autodefesa do réu e a defesa técnica, prevalecerá a vontade daquele

que quer recorrer, ou se não for caso de recurso, prevalecerá a mais benéfica ao

réu.

Em interessante artigo sobre o tema, uma das maiores defensoras da corrente

defensiva do interrogatório arremata:

Finalizando, pode-se afirmar, sem temor de erro, que a nova disciplina

do interrogatório vem corrigir o engano clamoroso do Código de

Processo Penal de 1940, que o configura como meio de prova e previa

sanções indiretas para o exercício do direito ao silêncio no Código de

Processo Penal de 1940 (sic). Com isto, o direito positivo brasileiro

começa a se alinhar entre os mais avançados do mundo, em termos de

garantias. Outros passos deverão ser dados e a aprovação dos demais

projetos de lei que se encontram no Congresso Nacional pode

configurar a trajetória rumo a um processo penal que, sem descurar da

efetividade e sem dar margem à impunidade, venha representar um

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116

instrumento que, antes de tudo, há de ser moldado sobre a dignidade

da pessoa humana.146

3.6.3. Interrogatório como meio de defesa e de prova

Conforme possa o acusado, durante seu interrogatório, apresentar relevantes

indícios e provas ao Magistrado, influenciando em larga medida seu

convencimento e sendo momento propício até mesmo para a confissão, o que,

mesmo assim, não lhe retira o caráter de meio de defesa, tendo em vista que o

acusado poderá alegar algumas das excludentes de culpabilidade ou de ilicitude em

seu favor, acreditamos ser possível concluir que o interrogatório também pode, em

alguma medida, se mostrar como meio de prova.

Logo, pode-se concluir que o instituto do interrogatório possui natureza

dúplice, tanto de meio de prova, como de meio de defesa, e que de acordo com

nosso sistema constitucional de garantias, a primeira natureza possui primazia

enquanto a índole probatória ficaria em segundo plano. A respeito da natureza

dúplice do interrogatório bem assinalou Guilherme de Souza Nucci:

Em verdade, o interrogatório é fundamentalmente, um meio de defesa.

Em segundo plano, trata-se de um meio de prova.

Meio de defesa, essencialmente, porque é a primeira oportunidade que

tem o acusado de ser ouvido, garantindo a sua autodefesa, quando

narrará a sua versão do fato, podendo negar a autoria e indicar provas

em seu favor. Poderá, ainda, calar-se, sem que se possa extrair daí

qualquer prejuízo à sua defesa ou, então, é possível que assuma a

prática do delito, alegando em sua defesa alguma excludente de

ilicitude ou de culpabilidade.

Por outro lado, não deixa de ser, para a lei brasileira, em segundo

lugar, meio de prova. Note-se as várias perguntas que o Juiz fará ao

152 146 GRINOVER, Ada Pelegrini. O interrogatório como meio de defesa (Lei 10.792/2003). Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 53, mar/abr 2005. Ed. Revista dos Tribunais. 2005.

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117

réu que se disponha a falar: se a acusação é verdadeira; onde estava ao

tempo da infração; se conhece as provas contra ele apuradas; se

conhece a vítima e as testemunhas; se conhece o instrumento com que

foi praticada a infração; se, não sendo verdadeira a imputação,

conhece a razão pela qual está sendo acusado; todos os demais fatos e

pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e

circunstâncias da infração, além de dados sobre a vida pregressa (art.

188 do CPP).147

Muito embora entenda que o interrogatório consubstancie meio de prova, a

natureza dúplice vem assinalada obra de Eugenio Florian:

Pero el interrogatorio puede adoptar la forma de medio de defensa y

medio de prueba. De una parte, el inculpado busca con su declaración

defenderse y exculparse; de otra, narra los hechos y todos los

particulares que a los mismos se refieren y que constituyen el delito

que se le imputa.148

Destarte, a opção constitucional pelo sistema acusatório necessariamente

denota a preponderância da natureza jurídica de meio de defesa do interrogatório,

dentro do sistema constitucional-processual-penal brasileiro.

Todavia parte-se do princípio que, assim como toda natureza, esta não é

absoluta. Melhor explicando, o interrogatório possui natureza jurídica tanto de

meio de prova como de meio de defesa, com carga preponderante de uma ou outra

natureza jurídica, a pedra de toque está no sistema constitucional de garantias que

são conferidas ao acusado para vislumbrar-se maior carga de uma ou outra

natureza. “Com esse cenário, a posição híbrida do interrogatório como meio de

153 147 NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1999. p. 163. 154 148 FLORIAN, Eugenio. Elementos de derecho procesal penal. Traduzido para o espanhol por L. Prieto Castro. Barcelona: Bosch casa editorial.1934. p. 335.

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118

defesa e meio de prova, afigura-se a mais consentânea com a sua roupagem,

formato, e relevância no processo penal,...”149

Segundo Eugênio Pacelli:

Que continue a ser uma espécie de prova, não há maiores problemas,

até porque as demais espécies defensivas são também consideradas

provas. Mas o fundamental, em uma concepção de processo via da

qual o acusado seja um sujeito de direitos, e no contexto de um

modelo acusatório, tal como instaurado pelo sistema constitucional

das garantias individuais, o interrogatório do acusado encontra-se

inserido fundamentalmente no princípio da ampla defesa.

Trata-se, efetivamente, de mais uma oportunidade de defesa que se

abre ao acusado, de modo a permitir que ele apresente a sua versão

dos fatos, sem se ver, porém, constrangido ou obrigado a fazê-lo.150

O que nos leva a concluir que esta teoria, talvez seja a que melhor represente

o respeito aos direitos e garantias constitucionais com as vicissitudes e

características próprias do instituto do interrogatório.

4 - ASPECTOS RELEVANTES DO INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE

DEFESA

4.1. - Interrogatório no Auto de Prisão em Flagrante

Antes de examinar detalhadamente o interrogatório na prisão em flagrante é

pertinente ter uma visão geral sobre o instituto da prisão em flagrante, analisando

suas peculiaridades.

155 149 SILVA, Amaury. Interrogatório: panorama segundo a lei 10.792/2003. Leme: Mizuno. 2006. p.15. 156 150 OLIVEIRA. Eugenio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey. 2007. p. 330.

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Ao estudar a etimologia da palavra “flagrante”, verificaremos que ela é

proveniente do latim flagrante e significa “ato ou fato que se observa e/ou

comprova no momento em que ocorre”.151

Para o lexicógrafo Ivan Horcaio, flagrante “é o que se constata no próprio

instante em que a ação se verifica; é aquilo que se tem certeza, ou que é

evidente”.152

Segundo Pacelli de Oliveira “por flagrante deva-se entender a relação de

imediatidade entre o fato ou evento e sua captação ou conhecimento”.153

A prisão em flagrante, portanto, será a prisão efetuada no momento do ato,

ou nos momentos imediatamente posteriores ao delito praticado pelo agente.

A prisão em flagrante está plasmada no artigo 5º, LXI da Constituição

Federal de 1988, senão vejamos:

Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

Antonio Scarance Fernandes leciona sobre o significado da palavra

“flagrante” e sobre a prisão em flagrante:

O próprio significado da palavra “flagrante” indica uma situação de

atualidade que justifica a prisão do agente surpreendido no

cometimento de fato supostamente criminoso, pois “flagrante” é o que

arde, o que está em chamas. Não bastaria a atualidade para justificar a

prisão, exigindo-se que alguém, por ter assistido ao fato, possa atestar

a sua ocorrência, ligando-o a quem venha a ser surpreendido na sua

157 151 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário aurélio da Língua Portuguesa. 2 ed. rev. e ampl.- Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira SA, 1986. p. 785. 158 152 HORÁCIO, Ivan. Dicionário jurídico referenciado, São Paulo: Primeira Impressão, 2007. p. 428. 159 153 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. e ampl. - Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 423.

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prática. É algo externo que se junta à situação de flagrância. Soma-se,

assim, ao elemento da atualidade o da visibilidade154.

José Geraldo da Silva assevera que:

Flagrante, do latim flagrans, que significa ardente, inflamado, o que

está no calor da ação. Na linguagem jurídica, o flagrante delito ocorre,

quando alguém vê o crime ser cometido, ou quando acaba de cometê-

lo155.

O artigo 8º do Código de Processo Penal prescreve que “ havendo prisão em

flagrante, será observado o disposto no Capítulo II do Título IX deste Livro”.

Como é cediço, o artigo citado se refere ao Livro I. O Título IX do Capítulo

II deste livro tem início com o artigo 301 cuja previsão dispõe que “Qualquer do

povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer

que seja encontrado em flagrante delito”.

Conforme os preceitos do artigo 304 do CPP, aquele que for preso deverá

ser apresentado à autoridade competente, responsável pelo auto de prisão em

flagrante.

O Artigo 304 do Código de Processo Penal prescreve o procedimento da

prisão em flagrante. Prevê os atos que deverão ser praticados pelo condutor, pelas

testemunhas e pelo conduzido. Além disso, traz as formalidades que a autoridade

competente deverá seguir.

A redação do artigo 304 do Código de Processo Penal Brasileiro foi

modificada pela Lei 11.113/05.

O caput do artigo 304 era o seguinte:

160 154 FERNANDES, Antonio Scarance. processo penal constitucional. - 4. ed. rev. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p.317. 161 155 SILVA, José Geraldo da. O inquério policial e a polícia judiciária.4.ed.- Campinas: Millennium, 2002. p. 208.

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“Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e as testemunhas que o acompanharam e interrogará o acusado sobre a imputação que lhe é feita, lavrando-se o auto, que será por todos assinado”.

Já a nova redação está da seguinte forma:

“Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto”.

Ao ler o artigo 304 do Código de Processo Penal com a devida atenção,

verificaremos a presença indispensável de quatro figuras para que a prisão em

flagrante seja possível. São eles o condutor, o conduzido, as testemunhas e a

autoridade competente.

O condutor é aquele agente que efetua a prisão do autor do delito. Nas

palavras de Guilherme de Souza Nucci, condutor é a pessoa (autoridade ou não)

que deu voz de prisão ao agente do fato criminoso.156

Conduzido é aquele que é preso em flagrante, a lei usa o termo acusado,

porém a doutrina majoritária entende que essa não seria a melhor forma de se

dirigir ao conduzido, uma vez que a figura do acusado só surge com a existência

da ação penal.

A autoridade competente geralmente é o Delegado de Polícia, mas o termo

“autoridade” tem certa abrangência. Em certas situações há outras autoridades

como o juiz de direito, o promotor de justiça, etc. Até mesmo os membros da

Câmara dos deputados e do Senado Federal poderão efetuar a prisão em flagrante

se estiverem no exercício de suas funções.

Vale citar a Súmula 397 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual:

162 156 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 596. 163

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O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito.

Na lição do doutrinador Edilson Mougenot Bonfim o termo “autoridade”

deve ser entendido da seguinte forma:

A autoridade mencionada pelo CPP é, em geral, a autoridade policial.

Entretanto, aplicam-se os dispositivos da lei processual também nos

casos em que o preso seja apresentado a outras autoridades, que, por

lei, façam-lhe as funções (art. 4º, parágrafo único, do CPP).

Referências à autoridade, portanto, dizem respeito também:

a) à autoridade judicial, nos casos de contravenções penais (Lei n.

1.508/51);

b) aos agente florestais (Lei n. 4.771/65); e

c) aos deputados e senadores. Com efeito, a teor da Súmula 397 do

STF: “O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado

Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências,

compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado

e a realização do Inquérito”. 157

Já as testemunhas, são as pessoas que acompanharam o cometimento do

crime ou aquelas que estavam presentes no momento da prisão do conduzido.

Sempre bom lembrar que a lei impôs a necessidade de testemunhas, portanto, mais

de uma.

A novidade neste caso é que não é mais necessária a presença do condutor e

das outras testemunhas, até o final do procedimento. Na prática a intenção do

164 157 BONFIM, Edilson Mougenot. Código de processo penal anotado. - São Paulo: Saraiva, 2007, p.470.

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legislador foi dar maior dinâmica ao procedimento ao dispensar aquelas pessoas

que já contribuíram efetivamente para o caso.

Desta forma, o condutor, por exemplo, poderá prestar depoimento e voltar

ao trabalho, sem ter que acompanhar o procedimento da prisão em flagrante até o

ato final, como ocorria antes. A sociedade ganha com isso, pois ficará menos

tempo sem a proteção de um policial.

Guilherme de Souza Nucci afirma que:

a nova redação do caput do art. 304 teve uma finalidade prática:

liberar o condutor (em regra, trata-se de um policial), para cuidar de

seus afazeres, assim que terminar de prestar o seu depoimento. Antes,

era preciso aguardar o término do auto de prisão em flagrante (que

pode levar muitas horas) para a dispensa do condutor; atualmente,

terminadas suas declarações, assinado o termo e com o recibo de

entrega do preso em mãos, o condutor pode ir embora. O mesmo

ocorrerá no tocante às testemunhas. Cada uma, assim que for ouvida,

assina o termo e é dispensada.158

Portanto, o primeiro a prestar depoimento será o condutor que logo depois

de prestar depoimento assinará seu depoimento do qual terá uma cópia. Além

disso, o condutor ainda receberá o recibo da apresentação do conduzido. Bom

lembrar que este depoimento também deverá ser assinado pela autoridade e pelo

escrivão.

Ao abordar o tema o doutrinador Tourinho Filho ensina que “essa

declaração deverá ser, também, subscrita pelas testemunhas presentes e pelo

conduzido. Soleniza-se mais o ato e se empresta maior garantia para o

cidadão”.159

165 158 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 597. 166 159 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. Volume 1 - 10. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2007, p.746.

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Depois das declarações prestadas pelo agente condutor, será a vez das

testemunhas. O depoimento será feito de forma separada, ou seja, cada testemunha

será ouvida individualmente logo que seja feita a qualificação destas. Da mesma

forma, ao final de cada depoimento testemunhal, estes, após colhidas as assinaturas

necessárias, serão dispensados.

Fato importante que não pode deixar de ser mencionado é a necessidade de

imediata comunicação da prisão ao juiz competente. Esta é uma garantia

constitucional, insculpida no artigo 5º, LXII, “a prisão de qualquer pessoa e o

local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à

família do preso ou à pessoa por ele indicada” e, apesar de não ocasionar a

nulidade da prisão, pode gerar responsabilização da autoridade policial160.

Esta previsão da Constituição Federal foi enfatizada pelo Código de

Processo Penal que em seu artigo 306, modificado pela Lei 11.449/07 prescreve o

seguinte:

A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada § 1º Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. § 2º No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemunhas.

Outra mudança ocorrida e que vale ser mencionada foi o fato de que na

prática o inquérito policial era iniciado pelo auto de prisão em flagrante, o que não

ocorrerá mais. Agora, a primeira peça do inquérito é o depoimento prestado pelo

167 160 BONFIM, Edilson Mougenot. Código de processo penal anotado. - São Paulo: Saraiva, 2007, p.471.

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agente condutor, o auto de prisão em flagrante virá somente depois de todas

oitivas.

O artigo 304, § 1º não foi modificado pela lei 11.113/05, portanto, este

dispositivo de lei ainda prevê que:

Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja.

A regra, pois, é que o conduzido seja recolhido à prisão, salvo se livrar-se

solto, ou prestar fiança. Todavia, nas duas hipóteses o inquérito seguirá seu trâmite

normal.

Não são raros os casos em que não há interrogatório por conta do estado de

saúde do conduzido, que pode ter se machucado durante a perseguição. Nestes

casos, ou seja, quando não houver qualquer possibilidade do conduzido ser ouvido,

o auto de prisão em flagrante não será anulado.

Amaury Silva aborda o assunto com muita autoridade:

Sem se pretender imiscuir-se pelas causas de nulidade daquela peça de

constrição à liberdade do autuado, na esteira de diversificado

entendimento jurisprudencial, se possibilita a captação desse

interrogatório em momento diverso, se justificado o impedimento

naquela ocasião, como embriaguez ou outra restrição psíquica ou

física do autuado.161

O § 2º do artigo 304 do Código de Processo Penal prescreve que “a falta de

testemunha da infração não impedirá o auto de prisão em flagrante; mas nesse

168 161 SILVA, Amaury. Interrogatório: panorama segundo a Lei 10.792/2003. - Leme: Mizuno, 2006.p.106.

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caso, com o condutor, deverão assiná-lo pelo menos duas pessoas que hajam

testemunhado a apresentação do preso à autoridade”.

O § 3º do artigo 304 também foi modificado pela lei 11.113/05. Este

dispositivo legal prevê uma solução para os casos de falta de assinatura do

indiciado no auto de prisão em flagrante, fato que poderá ocorrer pela recusa deste

ou quando o mesmo não souber ou não puder fazê-lo. Com a inovação, não é mais

necessária a permanência das testemunhas antes ouvidas, mas apenas a assinatura

de duas testemunhas que tenham ouvido a leitura do auto de prisão na presença do

indiciado.

O doutrinador Tourinho Filho afirma que o novo § 3º prevê a necessidade

das testemunhas ouvirem não somente a leitura do auto, mas também das

declarações prestadas pelo conduzido e também pelas outras testemunhas:

Como se vê, na hipótese do § 3º do art. 304, haverá a necessidade de o

auto ser assinado por mais duas testemunhas, e estas deverão fazê-lo

após a sua leitura, não apenas do auto, como deixa transparecer o § 3º

do art. 304, com a nova redação que lhe foi dada, mas, inclusive, dos

depoimentos do condutor e das testemunhas.162

Após as declarações das testemunhas e do condutor, o conduzido será então

interrogado. O interrogatório policial irá seguir os ditames dos artigos 185 a 196

do Código de Processo Penal dentro do que for possível, porque o auto de prisão

em flagrante possui natureza inquisitiva, portanto, não precisa respeitar o princípio

da ampla defesa e do contraditório, como ocorre na fase judicial.

O indiciado tem direito a um advogado e também possui direito de

assistência familiar. Todavia, a jurisprudência e doutrina majoritárias sustentam a

tese na qual a ausência do advogado não gera a nulidade do auto de prisão em

169 162 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. Volume 1 - 10. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2007, p.747.

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flagrante, quando o paciente é informado de seus direitos constitucionais e

expressamente declara que se reserva no direito de só falar em juízo163.

Além disso, como foi dito, trata-se de procedimento inquisitorial, logo, não

há que se falar em desobediência aos princípios da ampla defesa e do contraditório

no momento da lavratura do auto de prisão em flagrante164. Importante lembrar que

a obrigatoriedade da presença do defensor durante o interrogatório, determinada

pela Lei 10.792/03, não reflete no auto de prisão em flagrante.

Válido lembrar também que no auto de prisão em flagrante, o interrogatório

do indiciado não é obrigatório, da mesma forma que no inquérito policial, como

será visto no tópico seguinte, pois a Constituição Federal garante o direito de

permanecer calado.

O artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal prescreve o seguinte:

O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

Conforme salienta Guilherme de Souza Nucci: Consagrado pela Constituição Federal de 1988, no art. 5º, LXIII, o direito de permanecer calado, em qualquer fase procedimental (extrajudicial ou judicial), chocava-se com a antiga redação do art. 186, em sua parte final, que dizia “o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa”. A doutrina majoritária posicionava-se pela não recepção desse trecho do referido art. 186 pelo texto constitucional para formar seu convencimento acerca da imputação. Com a modificação introduzida pela Lei 10.792/2003, torna-se claro o acolhimento, sem nenhuma ressalva, do direito ao silêncio, como manifestação e realização da garantia da ampla defesa. Sempre sustentamos que a necessidade de permanecer calado, muitas vezes, é

170 163 BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. HC 24510 / MG. Rel. Min. Jorge Scartezzini - Quinta Turma. DJ 02.06.2003 p. 310.

171 164 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo: RT 802/576.

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uma conseqüência natural para pessoas frágeis, emocionalmente perturbadas ou que não possuem a devida assistência jurídica.165

O autor afirma ainda que o direito ao silêncio possui certos limites:

Em relação à qualificação, não cabe direito ao silêncio, nem o fornecimento de dados falsos, sem que haja conseqüência jurídica, impondo sanção. O direito ao silêncio não é limitado, nem pode ser exercido abusivamente. As implicações, nessa situação, podem ser graves, mormente quando o réu fornece, maldosamente, dados de terceiros, podendo responder pelo seu ato.166

Merece registro a lição da doutrinadora Maria Elizabeth Queijo:

Em todos os interrogatórios deverá ser respeitado o direito ao silêncio, mesmo que, em algum deles, ele tenha respondido às indagações. Assim, nos interrogatórios a cargo da polícia ou do Judiciário, deverá ser observado o direito ao silêncio. Tal observância impõe-se com maior rigor ainda nos interrogatórios realizados pelas autoridades policiais. É que, nas dependências policiais, o indivíduo fica mais vulnerável, quer pelo ambiente, quer pela proximidade temporal em relação ao fato (no caso de prisão em flagrante), quer pela ausência do defensor.167

Nas palavras de Eugênio Pacelli de Oliveira:

O direito ao silêncio, cuja origem deita raízes na Idade Média e início da Renascença (HADDAD, 2000, p. 141), é a versão nacional do privilege against self-incrimination do Direito anglo-americano. O princípio do direito ao silêncio, tradução de uma das manifestações da não auto-incriminação e do nemo tenetur se detegere (ninguém é obrigado a se descobrir), foi uma das grandes conquistas da processualização da jurisdição penal, consolidada no século XVIII, com a queda do Absolutismo. No Brasil, com a Constituição de 1988 (art. 5º, LXIII) e com o art. 8º, I, do Pacto de São José da Costa Rica (Decreto n. 678/92), há regra expressa assegurando ao preso e ao acusado, em todas as fases do

172 165 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal. - 3. ed. rev., atual. e ampl.2. tir. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.p.399. 173 166 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal. - 3. ed. rev., atual. e ampl. 2. tir. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.p.398. 174 167 QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: o princípio nemo tenetur se detegere e sua decorrências no processo penal). - São Paulo: Saraiva, 2003. p.194-195

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processo, o direito a permanecer calado. Embora não haja previsão expressa do direito à não auto-incriminação, pode-se, contudo, extrair o princípio do sistema de garantias constitucionais. Beccaria, no idos de 1.764, já se batia contra a exigência de juramento do réu, afirmando que “uma contradição entre as leis e os sentimentos naturais do homem nasce dos juramentos que se exigem do réu, para que seja um homem veraz, quando seu maior interesse é mentir; como se a religião não se calasse, na maioria dos homens, quando fala o interesse” (BECARRIA, 1997, p. 78). O direito ao silêncio tem em mira não um suposto direito à mentira, como ainda se nota em algumas doutrinas, mas a proteção contra as hostilidades e as intimidações historicamente desfechadas contra os réus pelo Estado. Primeiro nas jurisdições eclesiásticas; depois, no Estado Absolutista, e, mesmo na modernidade, pelas autoridades responsáveis pelas investigações criminais.168

4.2. - Interrogatório no Inquérito Policial Mais uma vez se faz imperioso traçar linhas gerais sobre o instituto do

Inquérito Policial, para então analisar as peculiaridades do interrogatório durante o

Inquérito Policial.

Foi o Decreto 4.824/71 que trouxe o inquérito policial para o ordenamento

jurídico brasileiro. O artigo 42 deste decreto trazia um conceito para este instituto

jurídico, ao prescrever que “o inquérito policial consiste em todas as diligências

necessárias para o descobrimento do fato criminoso, de suas circunstâncias e dos

seus autores e cúmplices”

Atualmente o inquérito policial está previsto no Título II do Livro I do

Código de Processo Penal. Sua previsão inicial está insculpida no caput do artigo

4º, segundo o qual “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais

no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das

infrações penais e da sua autoria”.

175 168 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. e ampl. - Belo Horizonte: Del Rey, 2007.p. 336-337.

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Inquérito policial para o doutrinador Tourinho Filho é:

o conjunto de diligências realizadas pela Polícia visando a investigar o

fato típico e a apurar a respectiva autoria. Como o Estado autolimitou

o seu poder de punir, quando alguém transgride a norma penal

incriminadora, sua punição somente se efetiva por meio do

processo.169

Guilherme de Souza Nucci ensina que:

É um procedimento preparatório da ação penal, de caráter

administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita

preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua

autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do

representante do Ministério Público, mas também a colheita de provas

urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime, bem

como a composição das indispensáveis provas pré-constituídas que

servem de base à vítima, em determinados casos, para a propositura da

ação privada.170

No magistério de Eugênio Pacelli de Oliveira:

Como regra é a iniciativa (legitimação ativa) da ação penal a cargo do

Estado, também a fase pré-processual da persecução penal, nos crimes

comuns, é atribuída a órgãos estatais, competindo às autoridades

administrativas, excepcionalmente, quando expressamente autorizadas

por lei e no exercício de suas funções, e à Policia Judiciária, com

regra, o esclarecimento das infrações penais.171

176 169 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. Volume 1 - 10. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2007, p.33. 177 170 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 73. 178 171 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. e ampl. - Belo Horizonte: Del Rey, 2007.p.38.

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Edilson Mougenot Bonfim, ao abordar o tema ensina que:

Com base nas características reconhecidas atualmente pela doutrina e

pela jurisprudência, pode-se conceituar o inquérito policial como o

procedimento administrativo, preparatório e inquisitivo, presidido pela

autoridade policial, e constituído por um complexo de diligências

realizadas pela polícia judiciária com vistas à apuração de uma

infração penal e à identificação de seus autores.172

Com o advento da Lei 10.792/03 a matéria sobre interrogatório judicial foi

sensivelmente modificada.

Apesar desta lei alterar a parte do Código de Processo Penal direcionada ao

interrogatório judicial, há certas controvérsias sobre a aplicação das regras do

interrogatório judicial ao interrogatório feito em sede de inquérito policial.

Como é cediço o inquérito policial possui natureza inquisitiva e não precisa

obedecer os princípios do contraditório e da ampla defesa.

O artigo 6º, V do Código de processo penal prescreve que:

logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade

policial deverá:

V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura. (Grifei).

O entendimento da doutrina e jurisprudência dominantes é que as regras do

interrogatório judicial relacionadas à ampla defesa não devem ser aplicadas ao

inquérito policial, porque este possui natureza inquisitiva.

Um bom exemplo disso é a atual necessidade do indiciado estar

acompanhado do advogado dele durante o interrogatório. O caput do artigo 185 do

Código de Processo Penal que determina que “o acusado que comparecer perante

179 172 BONFIM, Edilson Mougenot. Código de processo penal anotado. - São Paulo: Saraiva, 2007, p.23.

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a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e

interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado”.

Guilherme de Souza Nucci faz a seguinte explanação sobre o assunto:

Com a edição da Lei 10.792/03, os arts. 185 a 196 sofreram alterações,

embora a maioria delas somente seja aplicável em juízo, pois

concernente à ampla defesa, que não ocorre na fase inquisitiva. Assim,

não é obrigatória a presença de defensor no interrogatório feito na

polícia (art. 185), nem tampouco há o direito de interferência, a fim de

obter esclarecimentos (art. 188).173

O doutrinador Amaury Silva lecionando sobre esta matéria aduz que:

O inquérito policial continua sendo peça sem cunho contraditório e o seu valor assume grau de relatividade para o desfecho da causa penal, sempre confrontado com a prova jurisdicionalizada. Inviável se cogitar em sentido contrário, porque ainda no inquérito há uma tradução de acontecimentos que podem ou não chegar à categoria de imputação penal. Sem que isso ocorra, é tremendamente temerário se falar em contraditório, porque não está vivo ou estanque a consolidação da narrativa da acusação, que assim o será a partir do momento que for deduzida em juízo, cabíveis as modificações previstas nos arts. 383 e 384, CPP, sempre obedecendo-se ali o contraditório.174

Para Tourinho Filho,“como não se trata de instrução, afigura-se-nos

desnecessária a presença de Advogado”.175

A doutrinadora Adriana Dias Paes Ristori, assim discorre sobre o tema:

É possível, como se denota da redação do art. 64º., n. 3, que, durante o inquérito policial, o argüido permaneça sem advogado e somente ao final, caso deduzida a acusação, o ministério público nomearia o defensor. Quer dizer, então, que os interrogatórios levados a efeito nesta fase poderiam ser realizados sem a presença do defensor?

180 173 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.p.96. 181 174 SILVA, Amaury. Interrogatório: panorama segundo a Lei 10.792/2003. - Leme: Mizuno, 2006.p.97. 182 175 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. Volume 1 - 10. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2007, p.54.

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Sustentar tal tese é ferir a CRP e também o CPP. Se bem é verdade que inexiste contraditório no inquérito policial, o mesmo não ocorre com a ampla defesa, que deve ser assegurada efetivamente durante todas as fases do processo penal. Consideramos, pois, que nenhum interrogatório, não somente o primeiro interrogatório judicial do argüido detido (art. 64.º, n.1, al. A, CPP), deve ser realizado sem a presença do defensor. É um direito constitucional que assiste ao argüido e que as autoridades devem zelar pela sua observância. Principalmente, devem zelar para que o argüido se entreviste com o defensor anteriormente ao ato, a fim de que este possa assistir tecnicamente o argüido. Entretanto, a assistência obrigatória somente vigora no primeiro interrogatório judicial do argüido detido. Nos outros interrogatórios, principalmente na fase do inquérito policial, vemos que o argüido poderia dispensar a defesa técnica, mas desde que lhe informado sobre os seus direitos. Não concebemos que a atuação do ministério público ou da polícia judiciária possa ser sorrateira e ladina, desejando que o argüido esteja fragilizado, para dele colher em depoimento elementos auto-incriminatórios. Tal comportamento não condiz com a ética e a lisura que deve permear a atividade dessas instituições. Combater o crime, sempre; mas com estrita observância dos parâmetros legais.176

L.G. Grandinetti de Castanho de Carvalho, demonstra que a natureza

inquisitiva do inquérito policial é motivo de controvérsias, senão vejamos:

A natureza inquisitiva do inquérito é tolerada por parte da doutrina, que reivindica que o princípio do contraditório deve a ele se estender. Nesse sentido, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho sustenta que o processo penal só será verdadeiramente democrático quando avançar “em direção da efetivação plena do contraditório, em um processo penal de partes que cubra toda a persecução penal e, portanto, veja, excluído, no nosso caso, o malfadado Inquérito Policial.177

Portanto, ainda que haja certa discussão doutrinária, prevalece a corrente de

pensamento que entende não ser obrigatória a presença de um advogado durante o

interrogatório prestado em fase policial. Porém, vale lembrar, não é proibida a

183 176 RISTORI, Adriana Dias Paes. Sobre o silêncio do argüido no interrogatório no processo penal português. Coimbra: Edições Almedina, SA, 2007. p. 137-138.

184 177 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal e Constituição – princípios constitucionais do processo penal. 4 ed. ver. e ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora . 2006. p. 151. 185

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presença deste. A Lei 10.792/03 também permite a presença do promotor de

justiça durante o interrogatório policial.

O que deve ficar claro é que tanto o advogado do interrogado, como o

promotor de justiça exercerão um papel diferente daquele permitido na fase

judicial, uma vez que ficarão limitados a acompanhar a regularidade do

interrogatório.

Na lição de Amaury silva:

Necessário apontar, que a par da impossibilidade de intervenção do

defensor no ato de interrogatório na fase policial, a presença do

advogado não se circunscreve a uma catatônica apreciação do ato,

devendo estar atento para eventuais irregularidades na captação

daqueles dados, pugnando pelas providências junto à autoridade

policial e, não havendo atendimento, socorrer-se da jurisdição penal,

seja para registrar a nódoa que manche o ato, antecipando-se a um

indiciário juízo de valor sobre o ocorrido.178

O indiciado, assim como em juízo, tem o direito ao silêncio garantido. Como

foi dito no tópico anterior (interrogatório na prisão em flagrante), o direito de ficar

em silêncio é uma garantia constitucional e deve ser respeitada se o indiciado

preferir ficar calado.

O artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal prevê o seguinte:

O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

Faz mister ressaltar as palavras do artigo 186 do Código de Processo Penal,

senão vejamos:

Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o

186 178 SILVA, Amaury. Interrogatório: panorama segundo a Lei 10.792/2003. - Leme: Mizuno, 2006.p.99.

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interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa."

Deveras preciosa a lição do doutrinador João Cláudio Couceiro sobre o

assunto:

O direito ao silêncio abrange não só os interrogatórios formais, como também toda a oitiva do imputado realizada informalmente, perante qualquer autoridade com atribuição para investigar (delegado de polícia, promotor de justiça, ou qualquer outra autoridade administrativa, além do juiz de direito, evidentemente): sempre que for dada ao imputado a oportunidade de se manifestar, deve ser ele advertido de seu direito ao silêncio. O direito ao silêncio abrange tanto o interrogatório extrajudicial, como aquele realizado em juízo, excluindo-se a hipótese das declarações espontâneas dadas pela pessoa. Assim, quando alguém, fora dos casos de interrogatório, admite espontaneamente, perante policiais ou outras autoridades, a prática de um delito, tal declaração pode ser empregada contra ele, ainda que não tenha sido advertido de seus direitos.179

Interessante situação é aquela a respeito da possibilidade da condução

coercitiva do indiciado para interrogá-lo na fase pré-judicial.

O artigo 260 do Código Processual Penal dispõe que:

Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.

Pequena parcela da doutrina afirma que o delegado de polícia pode fazer

esta determinação, enquanto a corrente dominante da doutrina entende que apenas

a autoridade judiciária tem competência legal para determinar a condução

coercitiva de uma pessoa.

187 179 COUCEIRO, João Claudio. A garantia constitucional do direito ao silêncio. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. - (Coleção estudos de processo penal Joaquim Canuto Mendes de Almeida; v. 8). p.192-194.

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Guilherme de Souza Nucci salienta que:

Atualmente, somente o juiz pode determinar a condução coercitiva, visto ser esta uma modalidade de prisão processual, embora de curta duração. E a Constituição é taxativa ao preceituar caber, exclusivamente, à autoridade judiciária a prisão de alguém, por ordem escrita e fundamentada (art. 5.º, LXI). O delegado, quando necessitar, deve pleitear ao magistrado que determine a condução coercitiva do indiciado/suspeito ou de qualquer outra pessoa à sua presença.180

Na lição de Edílson Mougenot Bonfim:

Havendo necessidade de comparecimento do acusado para o interrogatório ou qualquer outro ato, a autoridade poderá mandar conduzi-lo a sua presença (art. 260). Entende a doutrina, entretanto, que, tratando-se de ato constritivo ao direito de liberdade, apenas o juiz poderá ordenar a condução coercitiva do acusado.181

O doutrinador Amaury Silva possui a seguinte visão sobre o tema:

Da mesma forma que sustentamos a possibilidade de que o magistrado possa no andamento da ação penal determinar a condução coercitiva do acusado para, comparecendo em juízo, ser qualificado e, pretensamente, interrogado se não optar pelo silêncio, cremos que também a autoridade policial poderia fazê-lo, se, intimado, não comparecer de maneira justificada, respeitadas de maneira plena as prerrogativas do acusado.

Assim é posicionado, porque embora o art. 260, CPP, não esteja naquela previsão do seu art. 6º, V, para aplicação do cabível do procedimento judicial no interrogatório policial, aquela diretriz que encerra a possibilidade da condução coercitiva mesmo não contida no capítulo pertinente a provas, descerra providências para a concretude probatória, possibilitando, assim, que no âmago do inquérito que visa a coleta de informações, entendidas como esboço ou indício, se possa agir da mesma maneira, utilizando-se da interpretação analógica pela simetria das incidências, com basilar apoio no art. 3º, CPP. E como já dito, nenhuma garantia constitucional será conspurcada pelo mero deslocamento do indiciado ou acusado até o local do interrogatório, e registrado no feito aquela presença para responder ou não aos

188 180 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.p.546. 189 181 BONFIM, Edilson Mougenot. Código de processo penal anotado. - São Paulo: Saraiva, 2007, p.23.

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questionamentos, guardando-se o respeito às suas prerrogativas, sobretudo, o direito ao silêncio, situando o constrangimento que a situação enseje, como preço pela necessidade de se utilizar dos sistemas de investigação e imputação penal imperfeitos aos olhos humanos, mas imprescindíveis para a condução da estabilidade civil, sendo que a adoção desses mecanismos deve sempre se orientar pela necessidade estrita ou justa causa.182

4.3. - Interrogatório e confissão: Judicial e extrajudicial

Ao analisar o instituto jurídico da confissão, verifica-se a dificuldade para

encontrar o momento exato de sua gênese. Muitos historiadores afirmam que o

Código de Manu, legislação antiga do povo indiano e um dos códigos mais antigos

da humanidade, já previa a confissão em seu bojo.

Acredita-se também que a confissão estava disposta no ordenamento do da

antiga civilização egípcia. Além disso, há indícios de que esta entidade jurídica

estava presente no arcabouço jurídico da Grécia Antiga, e ainda no Direito

Romano183.

A verdade é que dificilmente se descobrirá em que momento surgiu para a

humanidade o instituto jurídico da confissão.

Como é cediço, o Código de Processo Penal Brasileiro reservou o Capítulo

IV, do Título VII do Livro I, para discorrer sobre a confissão.

O artigo 197 determina que:

“o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros

elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la

190 182 SILVA, Amaury. Interrogatório: panorama segundo a Lei 10.792/2003. - Leme: Mizuno, 2006.p.103-104. 191 183 ROSSETO, Enio Luiz. A confissão no processo penal. São Paulo: Atlas, 2001 - Coleção temas jurídicos). p. 36.

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com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas

existe compatibilidade ou concordância.

Confessar, no âmbito do processo penal, é admitir contra si, por quem seja

suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento, voluntária, expressa

e pessoalmente, diante da autoridade competente, em ato solene e público,

reduzido a termo, à prática de algum fato criminoso.184

Na lição de Enio Luiz Rosseto:

A palavra confissão vem diretamente do latim - confessio -, que se

deriva de fari e hinc, porque confessio era empregada como afirmação,

testemunho ou reconhecimento. No dicionário de PLÁCIDO E

SILVA, consta ser o vocábulo confissão derivado do latim confessio,

de confitri; possui na terminologia jurídica, seja civil, seja criminal, o

sentido de declaração da verdade feita por quem a pode fazer; em

matéria penal, é o reconhecimento da culpabilidade pela própria

pessoa a que o crime ou contravenção é atribuída.185

O doutrinador Marco Antonio de Barros entende que:

Havendo confissão, convém ressaltar que ela sempre será tida como

um meio de prova. Quando feita na fase extrajudicial é prova indireta,

ou seja, um indício. Se ofertada em juízo é meio de prova direta,

porém não absoluta, ou seja, seu valor é relativo186.

192 184 NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de proiva no processo penal. 2. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.80. 193 185 ROSSETO, Enio Luiz. A confissão no processo penal. São Paulo: Atlas, 2001 - Coleção temas jurídicos). p. 36. 194 186 BARROS, Marco Antonio.A busca da verdade no processo penal. - São paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 169.

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A confissão no processo penal pode ser compreendida como uma

modalidade probatória, consistente na admissão pelo acusado quanto a

veracidade dos fatos e circunstâncias que estruturam a imputação.187

O indiciado, ou suspeito, muitas vezes durante o interrogatório entende

melhor confessar o ato ilegal cometido. Esta confissão, pode ocorrer na esfera

judicial, na esfera extrajudicial, ou até mesmo em ambas.

4.3.1. - Confissão Judicial

Como será visto, esta modalidade probatória, tem como características a

retratabilidade, a divisibilidade, e a relatividade probatória. Estas peculiaridades

estão presentes no artigo 200 do Código de Processo Penal.

Diz o texto do artigo 200 do CPP que “a confissão será divisível e retratável, sem

prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em

conjunto”.

Não podemos olvidar que a confissão, deixou de ser a rainha das provas,

portanto, é notório que as características conferidas à confissão demonstram que ao

final, é o livre convencimento do juiz da causa, fruto do exame de todas as provas

coligidas aos autos do processo que irá preponderar no feito. O artigo 157 do

Código de Processo Penal corrobora este entendimento, pois determina que “o juiz

formará sua convicção pela livre apreciação da prova”.

Para Marco Antonio de Barros:

Pelo sistema da livre convicção o juiz procede um exame crítico,

racional e psicológico do conjunto probatório, sem descartar o

emprego de leis científicas e regras de experiência comuns a todo

homem, compondo, no entanto, um processo intelectivo que firma-se

na avaliação das provas produzidas no processo e respeita os critérios

195 187 SILVA, Amaury. Interrogatório: panorama segundo a Lei 10.792/2003. - Leme: Mizuno, 2006.p.195.

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traçados pelos princípios processuais e gerais de Direito, que dão

substância ao moderno processo penal.188

A retratabilidade é a possibilidade que o acusado possui de retirar a

confissão feita anteriormente. Como foi dito, o juiz formará seu conhecimento

livremente ao apreciar todas as provas do caso concreto, portanto, a retratação é

um direito do acusado.

Adriana Dias Paes Ristori salienta que:

Quando o argüido confessar, na fase do inquérito ou da instrução, é

obviamente necessário que a coleta das provas atinentes ao fato

delituoso seja realizada, pois a confissão não é mais a “rainha das

provas” e há sempre a possibilidade de o argüido, em novos

interrogatórios, alterar suas declarações, por exemplo, negando a

autoria do fato.189

A divisibilidade, nada mais é do que a possibilidade dada ao magistrado de

dividir a confissão em duas partes, a parte não confiável e a parte crível, exercendo

seu livre convencimento, ao levar em consideração todas as provas dos autos.

A relatividade probatória significa que a confissão não é uma prova

absoluta, plena, mas, relativa. Como é cediço, nem sempre que há uma confissão

há realmente culpa do confesso. Mais uma vez devemos levar em conta a livre

apreciação das provas pelo juiz.

O item VII da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal

demonstra a vontade e grande preocupação do legislador em demonstrar que o

convencimento do magistrado deve ser livre e que não há mais hierarquia entre as

provas:

Vale transcrever trecho do item VII:

196 188 BARROS, Marco Antonio.A busca da verdade no processo penal. - São paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 129.140 197 189 RISTORI, Adriana Dias Paes. Sobre o silêncio do argüido no interrogatório no processo penal português. Coimbra: Edições Almedina, SA, 2007. p. 124.

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Não serão atendíveis as restrições à prova estabelecidas pela lei civil,

salvo quanto ao estado das pessoas; nem é prefixada uma hierarquia

de provas: na livre apreciação destas, o juiz formará, honesta e

lealmente, a sua convicção. A própria confissão do acusado não

constitui, fatalmente, prova plena de sua culpabilidade. Todas as

provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou

necessariamente maior prestígio que outra.

O acusado também poderá permanecer em silêncio perante o juiz, pois como

foi visto ao longo deste trabalho, este direito está prescrito pelo artigo 198 do CPP,

no qual está previsto que: “O silêncio do acusado não importará confissão, mas

poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz”. E, além

disso, é uma garantia Constitucional assegurada pelo artigo 5º, LXIII.

4.3.2. - Confissão Extrajudicial

Diz Guilherme de Souza Nucci que:

Se produzida diante da autoridade judicial competente para julgar o

caso, trata-se de confissão própria. Se for produzida perante qualquer

outra autoridade judicial, incompetente para o deslinde do processo

criminal, trata-se de confissão judicial imprópria. No mais, quando a

admissão de culpa é formulada diante de autoridades policiais,

parlamentares ou administrativas, competentes para ouvir o depoente

em declarações, trata-se da confissão extrajudicial.190

198 190 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.p.96.

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A confissão extrajudicial pode ocorrer de várias formas, todavia, “a grande

concentração de confissões extrajudiciais e de produção de provas para o

processo penal dá-se na polícia”.191

O valor da confissão obtida na fase policial não possui grande força

condenatória no sistema jurídico brasileiro, e um dos motivos é que não são raros

os casos em que a polícia é acusada de usar a violência para obter a confissão do

interrogado.

Em muitos casos a confissão obtida acaba gerando grandes dúvidas quanto

sua veracidade, porque os métodos usados pela polícia criam tamanho medo e

sofrimento ao interrogado que este fala tudo que a autoridade policial quer ouvir

para se livrar logo do interrogatório a que está sendo submetido.

Luís Antônio Francisco de Souza192, contribui de maneira brilhante para a

matéria em questão ao lecionar que:

A corrupção e a tortura, correntes e interligadas na ação da Polícia

Civil, passaram a ser entendidas como forma de investigação policial.

O suposto criminoso é levado à delegacia, às vezes sem saber qual é a

acusação, é interrogado, sem direito a um advogado, e é forçado a

confessar o cometimento de um ou mais crimes.

O autor ao seguir esta linha de pensamento, aduz que:

A nossa tradição jurídica reconhece que o inquérito policial é

desprovido de valor condenatório. As provas testemunhais -

inquirições, interrogatórios, confissões - realizadas pelas autoridades

policiais devem ser refeitas em juízo para reproduzirem o desejado

efeito legal. Já as provas materiais, os indícios técnicos do crime -

autoria, exame de corpo de delito, perícia em armas ou objetos

recolhidos no local do crime - não necessitam ser refeitas. A polícia

199 191 NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de proiva no processo penal. 2. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.187. 200 192 SOUZA, Luís Antônio Francisco de. Polícia, direito e poder de polícia: a polícia brasileira entre a ordem pública e a lei. In Revista Brasileira de Ciências Criminais. v. 11. fasc. 43. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 304.

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não só elabora uma verdade sobre as ocorrências criminais, na fase

inicial do inquérito, pois a investigação é sua atribuição privativa,

como também depende dela parcela substancial do levantamento dos

fatos que incriminarão ou não um indivíduo. Essa situação permite o

surgimento de um persistente conflito entre a esfera policial, que

valoriza a rapidez e a convicção da culpabilidade, e a judicial, que

valoriza as garantias legais, a presunção da inocência e os prazos para

a defesa. Cabe ao Ministério Público e ao juiz a responsabilidade de

avaliar se a investigação foi conduzida dentro da lei.193

Enio Luis Rossetto afirma que a prova extrajudicial possui presunção

relativa de veracidade, senão vejamos:

Presume-se séria a confissão extrajudicial enquanto não demonstre o

contrário; todavia, admite-se que a seriedade é mais evidente quando o

documento é público, mas alerta para a insuficiência do valor

probatório da solitária confissão extrajudicial, de onde se requer a

investigação sobre a personalidade do confitente, e os motivos que o

levaram a confessar.194

Todavia, o autor faz as ressalvas sobre o valor da confissão obtida na esfera

policial:

As organizações de Polícia do mundo inteiro têm suas mazelas

sobrias; mesmo a norte-americana viu-se acusada de empregar o

método violento de interrogatório na investigação, denominado de

terceiro grau (thrird degree); é enescondível a prática de ilegalidades

de parcela de agentes e de autoridades atrabilárias na persecução

201 193 SOUZA, Luís Antônio Francisco de. Polícia, direito e poder de polícia: a polícia brasileira entre a ordem pública e a lei. In Revista Brasileira de Ciências Criminais. v. 11. fasc. 43. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 306. 202 194 ROSSETO, Enio Luiz. A confissão no processo penal. São Paulo: Atlas, 2001 - Coleção temas jurídicos). p. 223.

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144

criminal, que submetem suspeitos a métodos verdadeiramente

medievais, para deles obter a confissão.

Analisou-se e enfatizou-se que, infelizmente, tortura é o método de

trabalho policial eficiente pra obter a confissão. Há uma crença de que

só é possível conhecer a verdade mediante a violência, em flagrante

desprezo aos outros meios de prova, notadamente, a prova pericial e a

testemunhal.195

Fato atual que chamou atenção do mundo a vedação feita pelo presidente

dos Estados Unidos da América, George W. Bush, de uma lei que limitava os

métodos de interrogatórios utilizados pelas autoridades americanas. O texto de lei

proibia, dentre outros, o método chamado “simulação de afogamento” ou

“waterboarding”, que consiste em pendurar o suspeito de cabeça para baixo e

descê-lo para dentro de um recipiente de água, até a altura do pescoço.

Por tudo isso, a confissão feita pelo suspeito poderá ser retratada

posteriormente sem problema algum. Mesmo que a confissão tenha se dado em

juízo, o suspeito, poderá posteriormente retratar suas declarações perante o

magistrado.

Todavia, o que ocorre na prática é que na maioria dos casos os suspeitos

confessam exrajudicialmente, muitas vezes por estarem desamparados de

orientação técnica de um advogado e, posteriormente, em juízo, fazem a retratação

das declarações prestadas.

Como foi dito esta retratação, está amparada pelo artigo 200 do Código de

Processo Penal determina que “a confissão será divisível e retratável, sem prejuízo

do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto”.

203 195 ROSSETO, Enio Luiz. A confissão no processo penal. São Paulo: Atlas, 2001 - Coleção temas jurídicos). p. 225.

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Tanto a doutrina como a jurisprudência dominante convergem para o mesmo

entendimento, ou seja, entendem que a confissão feita na esfera policial possuirá

valor probatório, desde que esteja amparada pelo contexto probatório de todo o

processo.

Tourinho Filho ao lecionar sobre a retratabilidade da confissão, ensina que:

o valor da retratação, entretanto é relativo. Tanto na confissão como

na retratação, o Juiz tem absoluta liberdade de pôr em confronto a

confissão ou retratação com os demais elementos de prova carreados

para os autos a fim de constatar sua veracidade.196

Guilherme de Souza Nucci assevera que:

É fato que uma confissão vale, sobretudo, pelo conteúdo de verdade

que consegue transmitir a quem a conhece. O magistrado pode até crer

na versão oferecida na fase extrajudicial e não naquela que lhe foi

dada em juízo. Mas, ainda assim, é preciso que haja outras provas,

diretas ou indiretas, roborando a admissão de culpa.

E, embora o conteúdo de verdade da confissão seja importante, é

indispensável analisar o modo pelo qual ela foi obtida. De nada

adianta à segurança e à imparcialidade do sistema judiciário atingir a

verdade, através de uma admissão de culpa, se o método para sua

extração foi violento e criminoso. Estar-se-ia acobertando um crime

para solucionar outro.197

No magistério de Enio Luiz Rosseto:

Sob o enfoque do sistema acusatório e afastada a incidência sobre o

réu da regra do ônus da prova, basta que o acusado se retrate, não

estando obrigado a produzir prova da alegação. Ademais, cumpre

sublinhar que o efeito da retratação será maior tanto quanto coloque

204 196 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. Volume 1 - 10. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2007, p.563. 205 197 NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de proiva no processo penal. 2. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.242-243.

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em dúvida ou sob suspeita os requisitos intrínsecos da confissão, já

analisados. Ainda que o juiz suspeite da veracidade da versão do

retratante, não pode, por conta disso, afastar preconceituosamente as

alegações exculpatórias do retratante. Se as declarações posteriores do

acusado contradizem suas afirmações iniciais, o juiz deve interrogá-lo

sobre os motivos de sua retratação.

Se a confissão extrajudicial é recebida sempre com reservas pelos

Tribunais brasileiros, conforme aponta a jurisprudência, também não é

menos dificultoso avaliar a retratação, notadamente com afirmação do

acusado que se empregou violência na obtenção da confissão,

pugnando com isso pela invalidade da confissão pela retratação. A

jurisprudência inclina-se em aceitar a confissão extrajudicial, mesmo

após a retratação do confitente, desde que harmônica com outras

provas.198

Logo, mesmo que o acusado não confirme em juízo a confissão feita no

âmbito extrajudicial, caberá ao juiz analisar todas as demais provas coligidas aos

autos do processo e verificar qual das declarações possui maior poder de

credibilidade em cada caso, se a confissão feita extrajudicialmente ou se a

retratação feita em juízo.

4.4. - Uso de algemas no interrogatório

Tema polêmico, cujo debate reiteradamente volta à tona diz respeito à

utilização de algemas durante o interrogatório. O Código de Processo Penal não se

manifestou sobre o tema, que encontra previsão na Lei de Execuções Penais, que

206 198 ROSSETO, Enio Luiz. A confissão no processo penal. São Paulo: Atlas, 2001 - Coleção temas jurídicos). p. 240.

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em seu artigo 199, dispõe que: “O emprego de algemas será disciplinado por

decreto federal”.

O Código de Processo Penal, no artigo 284 estabelece ainda: “Não será

permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de

tentativa de fuga do preso”. Havendo disposição semelhante no Código de

Processo Penal Militar, em seu artigo 234, §1º.

Todavia tal regulamentação não fora levada a efeito até o momento, na

ausência de regulamentação expressa sobre o tema, entendemos que o mais correto

é o Magistrado agir com bom senso e cautela, respeitando-se o princípio da

proporcionalidade, levando-se em consideração a agressividade demonstrada pelo

acusado

Tudo se resume na boa aplicação do princípio da proporcionalidade, que exige adequação, necessidade e ponderação da medida. Em todos os momentos em que (a) não patenteada a imprescindibilidade da medida coercitiva, ou (b) a necessidade do uso de algemas, ou, ainda, (c) quando evidente for seu uso imoderado há flagrante violação ao princípio da proporcionalidade, caracterizando-se crime de abuso de autoridade. Cada caso concreto revelará o uso correto ou o abuso. Lógico que muitas vezes não é fácil distinguir o uso lícito do uso ilícito. Na dúvida, todos sabemos, não há que se falar em crime. De qualquer modo, o fundamental de tudo quanto foi exposto é atentar para a busca do equilíbrio, da proporção e da razoabilidade.199

Se por um lado o réu apresentar-se algemado para o interrogatório não

configura nenhuma afronta ao Estado de inocência, também a exposição simbólica

do réu portando este apetrecho deve ser evitada, quando não se revele necessário.

Algema é sinônimo de culpabilidade, e a percepção visual do réu maniatado pode influenciar negativamente os juízes leigos incumbidos de analisar a causa penal a eles submetida. No julgamento em plenário do Júri, a visão do acusado algemado previne e desconforta os jurados,

207 199 GOMES, Luis Flavio. Uso de algemas e contrangimento ilegal. Revista juris Síntese nº 65 - mai/jun 2007

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motivo pelo qual, nessa oportunidade, maior a necessidade de evitar a supérflua aplicação precautória de quaisquer que sejam os grilhões.200

Interessante uma recente decisão do STF que, mesmo ausente

regulamentação sobre o tema, procurou sinalizar acerca de alguns critérios que

merecem ser levados em consideração quanto ao uso de algemas no interrogatório:

No tocante à necessidade ou não do uso de algemas, aduziu-se que esta matéria não é tratada, específica e expressamente, nos Códigos Penal e de Processo Penal vigentes. Entretanto, salientou-se que a Lei de Execução Penal (art. 199) determina que o emprego de algema seja regulamentado por decreto federal, o que ainda não ocorreu. Afirmou-se que, não obstante a omissão legislativa, a utilização de algemas não pode ser arbitrária, uma vez que a forma juridicamente válida do seu uso pode ser inferida a partir da interpretação dos princípios jurídicos vigentes, especialmente o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade. Citaram-se, ainda, algumas normas que sinalizam hipóteses em que aquela poderá ser usada (CPP, arts. 284 e 292; CF, art. 5º, incisos III, parte final e X; as regras jurídicas que tratam de prisioneiros adotadas pela ONU, nº 33; o Pacto de San José da Costa Rica, art. 5º, 2). Entendeu-se, pois, que a prisão não é espetáculo e que o uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional e que deve ser adotado nos casos e com as finalidades seguintes: a) para impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; b) para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. Concluiu-se que, no caso, não haveria motivo para a utilização de algemas, já que o paciente não demonstrara reação violenta ou inaceitação das providências policiais. Ordem concedida para determinar às autoridades tidas por coatoras que se abstenham de fazer uso de algemas no paciente, a não ser em caso de reação violenta que venha a ser por ele adotada e que coloque em risco a sua segurança ou a de terceiros, e que, em qualquer situação, deverá ser imediata e motivadamente comunicado ao STF.” (STF, HC 89.429/RO, Relª Min. Cármen Lúcia, J. 22.8.2006)

A este respeito o STJ decidiu:

Não há que se falar em constrangimento ilegal em decorrência da manutenção das algemas do paciente durante o seu interrogatório, pois, nos termos da Lei Processual Penal, ‘ao juiz incumbirá prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos

208 200 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O interrogatório no processo penal. Belo Horizonte : Belo Horizonte, Del Rey, 2000. p. 122.

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atos, podendo, para tal fim, requisitar força pública’. Se o Magistrado reputou necessária a manutenção das algemas para melhor regularidade do ato, não há nulidade no interrogatório do réu. (HC 25856/PB – 5ª T. – Rel. Min. Gilson Dipp – j. 17.06.03 – DJ 25.08.03, p. 336)

Portanto, o uso de algemas, que ainda não foi objeto de regulamento por lei,

desde que utilizadas com fundado receio que a justifique, não ofende o princípio

da presunção inocência; deve esta opção ficar ao prudente arbítrio do juiz-

presidente do Júri, a quem compete a polícia das sessões, sendo aconselhável que

este ouça informalmente os acompanhantes do réu, responsáveis por sua

segurança.

4.5. - Interrogatório por meio de videoconferência - interrogatório ‘on-line’

Em relação ao interrogatório, talvez o tema que tenha causado os debates

mais acalorados seja em relação à utilização da videoconferência, ou interrogatório

‘on-line’.

É certo que as novidades tecnológicas causaram uma significativa mudança

de paradigma no setor jurídico, a legislação processual civil foi pioneira ao abraçar

certas inovações. Desta forma foi pensando na ótica do processo civil que se

passou admitir recursos e petições interpostos via fax, por exemplo.

A legislação penal e processual penal talvez seja o ramo do direito em que

mais lentamente se incorpore as transformações sociais, justifica-se pois, conforme

já dito, o direito penal é a forma mais agressiva de controle social formal, devendo

atuar em ‘ultima ratio’.

Melhor reflexo deste raciocínio é o de que não há, em nenhum outro ramo

do direito, a utilização de um instituto tão tradicional e tão carregado de

simbolismos do que o Tribunal do Júri.

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150

Podemos lembrar como grande parte dos profissionais, muitas vezes nós

mesmos, relutamos ao final do Século passado a substituir a saudosa máquina de

escrever pelo computador. É da natureza humana um certo receio às

transformações, que, depois de implementadas e utilizadas, ao olharmos para trás,

questionamos a nós mesmos como conseguíamos viver sem aquela ferramenta.

Esta nova e polêmica ferramenta consiste na tentativa de se implantar o

interrogatório virtual, ou on line, ou videoconferência. Trata-se de um

interrogatório à distância, ou remoto, no qual o juiz, da Sala de Audiências do

Fórum (ou outro local designado para esta finalidade), através de equipamentos de

som e vídeo, de um canal de comunicação reservado e softwares específicos para

conferência, poderá inquirir o réu, encontrando-se este em uma sala específica para

este fim na carceragem onde se encontra.

Trata-se de um interrogatório realizado à distância, ficando o juiz em

seu gabinete no fórum e o acusado em uma sala especial dentro do

próprio presídio, onde há uma interligação entre ambos, por meio de

câmeras de vídeo, com total imagem e som, de modo que um pode ver

e ouvir perfeitamente o outro.201

Para a realização do interrogatório nesta modalidade iriam tomar assento na

sala reservada do presídio, o acusado, seu defensor, um servidor do Poder

Judiciário devidamente treinado para esta finalidade (em regra um Oficial de

Justiça, sem impedimento que outro funcionário exerça essa tarefa), enquanto que

na Sala de Audiências ficaria o juiz, sendo que este teria total controle sobre o

equipamento, podendo mover a câmera como melhor achar conveniente, tendo a

faculdade de fazer enquadramentos e aproximações da imagem para melhor poder

perceber as reações do acusado ou o que se passa na outra sala.

209 201 FIOREZE, Juliana. Videoconferencia no processo penal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2007. P. 107.

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Destaque-se que também se requer a utilização de um canal de comunicação

exclusivo para a comunicação entre defensor e acusado.

Como conceito desta nova modalidade de interrogatório podemos

mencionar:

O interrogatório on-line é um ato judicial, presidido pelo juiz, em que

se indaga ao acusado sobre fatos imputados contra ele, advindo de

uma queixa ou denúncia, dando-lhe ciência, ao tempo em que oferece

oportunidade de defesa, realizado através de um sistema que funciona

com equipamentos e softwares específicos.202

Todavia a adoção da utilização da videoconferência para realização do

interrogatório, para que venha a ser levada a efeito, deve superar entraves muito

mais complexos do que a simples aversão ao novo.

Como já explicitado, o interrogatório é o momento do primeiro contato do

acusado com o processo, também o primeiro contato do Magistrado com aquele

que será julgado, conforme nosso sistema constitucional de garantias tenha

conferido a este instituto a natureza de meio de defesa, torna-se necessário aferir se

esta alteração drástica na forma de procedimento não irá colidir ou restringir as

garantias constitucionalmente asseguradas ao acusado, notadamente o

contraditório e a ampla defesa, consectários do devido processo legal.

4..2.1. Exposição crítica do tema: prós e contras.

O primeiro e mais óbvio argumento favorável à adoção do sistema, porém

não menos relevante, é que o interrogatório através de videoconferência irá

proporcionar, economia no transporte dos presos e liberação de mais policiais

militares, para vários outros serviços.

210 202 PEDROSA apud FIOREZE, Juliana. Videoconferencia no processo penal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2007. P. 187.

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É inegável que não mais se necessitando transportar presos haverá

considerável economia do Estado com combustível, utilização de viaturas, trabalho

e diárias de policiais, será preservado o ambiente e a rotina carcerários, isto sem

contar na vantagem para a segurança pública, pois evitando-se o deslocamento de

contingente policial para efetuar a escolta de presos (função anômala) estes ficam

liberados para atuar na sua atividade-fim, que é a segurança pública.

Exemplo recente da economia e segurança que a implantação deste sistema

poderia proporcionar foi relatado no noticiário nacional em tempos recentes sobre

as viagens do famoso traficante Fernandinho “Beira-Mar”:

Um exemplo dos gastos e da insegurança, gerados com o transporte de

presos dos presídios em que se encontram até os fóruns, ocorreu

recentemente (01.03.2007), aqui mesmo, no Paraná, mais

precisamente no Presídio Federal de Segurança Máxima, da cidade de

Catanduvas, com o transporte do famoso traficante Luiz Fernando da

Costa (o “Fernandinho Beira-Mar”) para os Estados do Espírito Santo

e Rio de Janeiro. Beira-Mar conquistou, em dezembro do ano passado

(2006), no Supremo Tribunal Federal (STF), o direito de assistir

pessoalmente aos depoimentos das testemunhas de acusação em

processos nos quais ele é réu, nos respectivos estados supracitados. O

traficante deixou o presídio de segurança máxima de Catanduvas no

Paraná, no dia 01 de março deste ano e foi levado de carro até o

aeroporto de cascavel, onde embarcou em um avião da Força Aérea

Brasileira (FAB), sob a vigilância de policiais federais.

O Ministério da Justiça informou que os custos da viagem de Beira-

Mar chegaram a R$ 17,4 mil, sendo R$ 12 mil com o uso do avião e

R$ 5,4 mil com as diárias dos policiais. Fora isso, há os custos do

aluguel de hangar (a aeronave é mandada de Brasília para pegá-lo),

manutenção da aeronave e deslocamento de homens de suas atuais

funções para acompanhar o traficante. Uma operação desse porte não

se faz com menos de 40 policiais, que foram desviados de suas

funções. A diária de cada policial é de R$ 5.200,00. Só para

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acompanhar beira-Mar à sede da Justiça Federal do Rio de Janeiro,

foram necessários cinco carros da Polícia Federal e 25 agentes.

(...)

A Associação Nacional dos Policiais Federais estima que as 14

viagens que Beira-Mar fez sob a custódia federal desde que foi preso

(em 2001) custaram á União R$ 195 mil.203

Quanto à segurança, é inegável que o sistema atual abre muitas brechas tanto

para a fuga do preso quanto para que este se mostre exposto à ação de seus

eventuais desafetos. A permanência do réu no presídio, desnecessitando

locomoção preservaria a integridade física, bem como evitaria o risco de fuga

deste, evitando desta forma risco para os policiais envolvidos na operação de

transporte, para a sociedade e para os próprios presos.

Ressalte-se também que a determinação contida no parágrafo primeiro do

art. 185 que recomenda que o interrogatório seja feita dentro do presídio não vem

sendo respeitada:

Art. 185 (...)

§ 1º O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento

prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que estejam

garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a

publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito

nos termos do Código de Processo Penal.

Tal determinação veio à tona através da Lei 10.792/2003, sendo a intenção

do legislador evitar gastos com o transporte dos presos e primar pela segurança dos

envolvidos com o sistema penitenciário, inclusive do réu. Podemos perceber a

211 203 FIOREZE, Juliana. Videoconferencia no processo penal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2007. p. 166.

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“mens legis” do referido dispositivo na redação da mensagem nº 842 de 2001, que

encaminhou o Projeto da referida lei posteriormente sancionada ao Congresso

Nacional:

Por fim, altera-se também o Código de Processo penal para permitir

que o interrogatório de acusados presos seja realizado no próprio

estabelecimento penitenciário no qual o mesmo se encontra recolhido.

Tal medida, que já vem sendo adotada em alguns Estados, será um

fator que dará mais agilidade aos processos e maior segurança tanto à

população em geral, quanto às pessoas que diariamente freqüentam os

fóruns. Sem a necessidade do transporte dos presos haverá maior

segurança, evitando-se fugas ou resgates nos itinerários. Haverá

economia de dinheiro e de policiais, com o fim de inúmeras escoltas

que são realizadas diariamente. Haverá maior agilidade nos processos,

visto que muitas vezes, por falta de escolta, os presos não são

apresentados em juízo, sendo necessário remarcar as audiências, com

atraso na marcha processual. De outro lado, não haverá prejuízo ao

preso, tendo em vista que fica assegurado, expressamente, que o

interrogatório será realizado em sala própria, garantida a presença do

defensor e a publicidade do ato. Ao mais, o juiz deverá assegurará

(sic) o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor e,

durante a audiência, deverá manter um ambiente imparcial e isento de

pressões sobre o interrogando.204

Outro argumento igualmente relevante seria que desta forma se poderia

conferir maior rapidez e agilidade ao processo. Ora, nos casos de prisão em

flagrante ou temporária, é praxe da maioria dos juízes somente conceder a

liberdade provisória ao acusado após este ser ouvido em interrogatório, desta

forma, a adoção deste tipo de procedimento poderia ser bastante eficaz na

efetividade do processo, mormente para os acusados que façam jus ao benefício da

liberdade provisória.

212 204 BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. 05.04.2003, p.6155.

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155

Outro benefício bastante significativo deste novo sistema consiste em

eliminar o envio de ofícios e precatórias para outras Comarcas, visando ao

interrogatório. Este procedimento é bastante burocrático e consome um tempo

precioso para o processo, mas principalmente para o próprio réu.

É corriqueiro vermos pedidos de liberdade provisória de réus presos, com

fundamento no excesso de prazo na instrução processual, serem negados sob o

fundamento de que é necessária a expedição de cartas precatórias, e como o

sistema é demorado, o réu permanece preso, observando-se os princípios da

razoabilidade e proporcionalidade para uma correta instrução processual.

Com o interrogatório via videoconferência elimina-se, também, a

conhecida burocracia da expedição de cartas precatórias para a tomada

de interrogatórios em outras comarcas (e de rogatórias em outros

países), instrumentos de tramitação demorada e que não se coadunam

com o moderno processo penal e com as necessidades de rápida

resposta à criminalidade. Um processo penal mais célere é um direito

reconhecido aos réus no Direito Internacional humanitário, em quadro

inteiramente compatível com os ideais democráticos.205

Certamente entendemos ser mais condizente com o princípio da ampla

defesa, nesta modalidade, a presença de dois defensores, um junto ao acusado,

assistindo-lhe em sua defesa e nas respostas à inquirição, e outro junto ao

Magistrado, fiscalizando a regularidade dos atos do interrogatório, caso isto seja

possível.

Este procedimento suscita duas dúvidas igualmente relevantes. Onde

permaneceriam os autos do processo? E também, onde permaneceria o Ministério

público?

Respondendo a primeira questão podemos ter duas soluções, uma primeira

consistiria em remeter-se cópia, fazer traslado dos autos. Todavia esta não nos

213 205 FIOREZE, Juliana. Videoconferencia no processo penal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2007. p. 171.

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156

parece uma solução condizente com a sistemática deste procedimento, motivo pelo

qual preferimos a segunda resposta.

A adoção deste novo tipo de procedimento significa uma quebra de

paradigma, significa enxergar o interrogatório e o processo de uma outra maneira,

de forma que acolher soluções antigas para novos problemas não nos parece a

melhor escolha. Entendemos que a adoção do processo virtual, onde haveria acesso

das partes por meio digital seria a melhor solução, pois além de mais condizente

com este novo sistema, ainda abarcaria a primeira resposta.

Quanto à questão de onde permaneceria o representante do Ministério

Público, entendemos igualmente que podem ser adotadas duas soluções. Ou se

procede como a defesa, que melhor seria haverem dois defensores, um junto à

parte e outro junto ao juiz, ou na impossibilidade desta opção, que o Promotor se

localize junto à parte.

Em nosso entender o que não pode acontecer é, havendo somente um

defensor, junto ao acusado, haver um Promotor junto ao Juiz. Melhor explicando,

o representante do Ministério Público somente toma assento ao lado do juiz

quando atua na função de fiscal da lei, como neste caso será parte, será o órgão que

promove a acusação, entendemos que deverá ficar em pé de igualdade com a parte,

junto com a defesa, nunca ao lado do Magistrado.

Talvez um dos pontos de maior tensão a respeito do tema seja a colisão entre

celeridade processual e presença física do Juiz na audiência do interrogatório. A

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),

que ingressou em nosso ordenamento através do Decreto 678/97, em seu art. 7º, nº

5, estabelece que:

5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

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157

A necessidade da apresentação perante à Autoridade judiciária fora repetida

no art. 185 do CPP: “O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária,

no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu

defensor, constituído ou nomeado.”

Ou seja, a dicotomia existente entre a maior agilidade e celeridade que pode

ser conferida à instrução processual caso adotado o interrogatório através de

videoconferência, e a necessidade de se deliberar se estes dispositivos

mencionados determinam que a apresentação do réu perante o Juiz seja feita de

forma necessariamente física, presencial.

Primeiramente devemos ter em mente que quando estes dispositivos

recomendam que o réu deva ser levado o mais rápido possível à presença do

judiciário, possui dois fundamentos. O primeiro é o temporal, é justamente para

evitar que o acusado permaneça mais tempo do que deveria preso. O segundo,

dependendo da interpretação adotada, pode ser considerado um requisito espacial,

ou seja, deverá o réu ser levado “à presença da autoridade judiciária”.

A ausência da presença física do acusado perante o juiz, argumenta-se,

poderia retirar da percepção do juiz os aspectos subjetivos do interrogatório, este

não poderá perceber as nuances e traços da personalidade do acusado, seu gestual,

sua expressão corporal, sentir as variações do seu tom de voz, enfim, todos os

elementos que fazem do interrogatório um ato personalíssimo e judicial. Todavia

este é um argumento, em nossa visão, frágil, não se sustenta pois como sabemos,

vige no nosso processo penal o princípio do livre convencimento motivado, o

magistrado não pode decidir segundo aspectos subjetivos e relativos, fora das

provas que se apresentam aos autos.

Outro argumento contrário a esta tese também é que em nosso sistema

processual não vigora o princípio da identidade física do juiz. Não necessariamente

(para não dizer raramente), o juiz que procede ao interrogatório será o mesmo que

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158

irá sentenciar no processo, como exemplos podemos citar o interrogatório de réu

que se encontra em comarca diversa, realizado através de precatória.

Voltando os olhos para o entendimento contrário, alguns doutrinadores,

entre eles Nucci e Haddad, defendem a idéia de que o que se garante é o direito de

ir á presença de um juiz, não necessariamente do juiz natural, ou do juiz que irá

sentenciar. E que este direito é inerente ao princípio da ampla defesa não podendo

ser retirado do réu.

Segundo Guilherme de Souza Nucci:

Sendo o interrogatório primordialmente um direito de defesa, não se

pode admitir que seja possível tal forma de inquirição. Não importa o

que o réu vai dizer ao julgador, se vai confessar ou não, se pretende

invocar o direito de permanecer calado ou não, enfim, qualquer que

seja a hipótese, ele (acusado) tem o direito a avistar-se com o

Magistrado. Que meio de defesa seria esse que não permite ao réu

nem mesmo ver e ouvir pessoalmente, o órgão jurisdicional que vai

julgá-lo? Não importa que no processo penal não vige o princípio da

identidade física do Magistrado, pois o fato em jogo é a possibilidade

do acusado estar em contato com a pessoa de um juiz (e não do juiz).

Ele pode querer fazer alguma denúncia de maus-tratos ou de tortura

(fará esta acusação estando dentro da cadeia, sob a fiscalização das

autoridades penitenciárias?); pode desejar sentir a posição do juiz para

saber se vale a pena confessar ou não (algo que somente o contato

humano pode avaliar); pode ter a opção de contar ao interrogante

alguma pressão que sofreu ou esteja sofrendo para dizer algo que não

deseja (de outro preso, por exemplo, pleiteando inclusive a mudança

de cela ou de presídio), entre outras tantas hipóteses possíveis.

Subtrair do réu essa possibilidade, colocando-o de um lado da linha

telefônica, enquanto o juiz fica do outro, conectados por um

computador, frio e distante, sem razão especial (a não ser

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159

comodidade), é ferir de morte os princípios do devido processo legal e

ampla defesa.206

E segundo Carlos Borlido Haddad:

O réu confesso, o mero acusado, o inocente erroneamente denunciado

- sobretudo este - após as agruras das investigações policiais, em que

os métodos de perquirição dos fatos nem sempre são tão inofensivos,

vêem na figura do juiz o último bastião, capaz de respeitar seus mais

elementares direitos. É perante o magistrado que o acusado pretende

narrar uma verdadeira versão dos fatos, relatar os padecimentos

sofridos no cárcere, enfim, tentar convencer da falsidade das

imputações aquele que vai julgá-lo, mesmo que nem tão inexatas

sejam. O princípio da imediatidade que assegura o contato direto do

juiz com as partes e com a prova é a resposta aos anseios do acusado,

permitindo-lhe postar-se face a face com alguém que respeita sua

integridade física e moral. Mas qual não é a surpresa do réu aos e

deparar com um computador e uma câmera de vídeo, substitutos da

figura do juiz que se encontra em local distante.

(...)

Sempre que alguma novidade é introduzida no meio social, justificam-

se críticas contra ela erigidas como aversão à modernidade. Mas, no

caso do interrogatório on-line, não é nenhum receio ao novo que

legitima as censuras. Afora as razões acima expostas, cumpre ressaltar

que mesmo que o processo penal se modernize, os autos se tornem

peças de museu e a apuração da verdade se faça com avançadas

técnicas científicas, não cremos aceitável que o acusado seja obrigado

a submeter-se a um interrogatório digital. O homem que condena não

se pode esquecer de que o faz em relação a seu semelhante.

214 206 NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1999. P. 234-235.

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Recomendável que as condenações sejam impostas aos réus cujos

semblantes forem antevistos pelo magistrado. Ainda que não registre

na sentença a impressão subjetiva do contato com o acusado, é no

interesse deste que o juiz deve agir de forma humana e conceder-lhe a

oportunidade da entrevista pessoal direta.207

O que, argumentos à parte, deve necessariamente ser observado é que ao

acusado seja conferido, no mais curto espaço de tempo, poder exercer sua ampla

defesa. Aí está talvez o ponto mais sensível na adoção desta novidade tecnológica,

pois o que se está a enfrentar aqui não é apenas uma questão de aversão ao novo,

mas sim de observância às garantias constitucionalmente expressas.

A questão consiste em saber se a adoção do interrogatório via

videoconferência afronta, ou mesmo restringe de alguma forma, o princípio da

ampla defesa, durante a realização do ato do interrogatório.

À parte os relevantes argumentos doutrinários acerca da questão, em recente

decisão, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concluiu pela

inadmissibilidade do interrogatório através de videoconferência. Vejamos a

ementa:

AÇÃO PENAL. Ato processual. Interrogatório. Realização mediante videoconferência. Inadmissibilidade. Forma singular não prevista no ordenamento jurídico. Ofensa a cláusulas do justo processo da lei (due process of law). Limitação ao exercício da ampla defesa, compreendidas a autodefesa e a defesa técnica. Insulto às regras ordinárias do local de realização dos atos processuais penais e às garantias constitucionais da igualdade e da publicidade. Falta, ademais, de citação do réu preso, apenas instado a comparecer à sala da cadeia pública, no dia do interrogatório. Forma do ato determinada sem motivação alguma. Nulidade processual caracterizada. HC concedido para renovação do processo desde o interrogatório, inclusive. Inteligência dos arts. 5º, LIV, LV, LVII, XXXVII e LIII, da CF, e 792, caput e § 2º, 403, 2ª parte, 185, caput e § 2º, 192, § único,

215 207 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O interrogatório no processo penal. Belo Horizonte : Belo Horizonte, Del Rey, 2000. p. 110-114.

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193, 188, todos do CPP. Enquanto modalidade de ato processual não prevista no ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o interrogatório penal realizado mediante videoconferência, sobretudo quando tal forma é determinada sem motivação alguma, nem citação do réu.208

Todavia está em tramitação no Congresso Nacional um Projeto de Lei (PLS

139/2006 E PLC 7227/2006), de autoria do Senador Tasso Jereissati, que prevê

como regra a realização da videoconferência na realização dos interrogatórios no

processo penal brasileiro, o referido projeto acrescenta mais quatro parágrafos ao

art. 185 do CPP, diz a redação do referido projeto:

Art. 1º O art. 185 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação: “ 185. .............................................................................................. § 1º Os interrogatórios e as audiências judiciais serão realizadas por meio de videoconferência, ou outro recurso tecnológico de presença virtual em tempo real, assegurados canais telefônicos reservados para a comunicação entre o defensor que permanecer no presídio e os advogados presentes nas salas de audiência dos Fóruns, e entre estes e o preso; nos presídios, as salas reservadas para esses atos serão fiscalizadas por oficial de justiça, funcionários do Ministério Público e advogado designado pela Ordem dos Advogados do Brasil. § 2º Não havendo condições de realização do interrogatório ou audiência nos moldes do § 1º deste artigo, estes serão realizados no estabelecimento prisional em que se encontrar o preso, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. § 3º Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor. § 4º Será requisitada a apresentação do réu em juízo nas hipóteses em que não for possível a realização do interrogatório nas formas previstas nos §§ 1º e 2º deste artigo.” (NR) Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.209

216 208 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. HC 88.914-SP, rel. Min. Cezar Peluso, j. 14.08.07. 217 209 BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 07.03.2007.

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Destarte, em que pesem os relevantes argumentos para os dois lados da

questão, acreditamos que este trabalho não alcançaria o objetivo desejado se não

registrássemos, ao menos neste tópico, a nossa opinião.

Acreditamos que com a adoção do sistema de interrogatório através de

videoconferência realmente há uma certa restrição, ao exercício da ampla defesa,

seria ingênuo afirmarmos que o acusado terá a mesma liberdade ou o mesmo

conforto em se expressar e narrar todos os fatos de que tenha conhecimento, em

uma sala preparada dentro do presídio, perante um funcionário da Justiça e os

agentes penitenciários (e muitas vezes o próprio Direito do Presídio) ou na Sala de

audiências do Fórum, perante o Juiz.

Todavia, conforme vimos ao início do trabalho, nenhum princípio possui

caráter absoluto, deve ser interpretado dentro de um sistema e de um conjunto de

princípios.

Acreditamos que interrogatório através de videoconferência pode ser uma

importante ferramenta do processo penal no combate à criminalidade se esta

restrição for sopesada com outros princípios de ordem constitucional. A pedra de

toque que resolveria a questão desta colisão de direitos, e que garantiria

constitucionalidade ao tema seria a aplicação da teoria da proporcionalidade.

Desenvolvida na Alemanha, esta teoria sustenta que quando houver conflito

aparente entre garantias individuais, estes interesses deverão sofrer uma avaliação,

uma ponderação, e, ao final um irá preponderar.

É dever ressaltar que este termo "proporcionalidade" não é consenso entre os

juristas, pois como é cediço o Supremo Tribunal Federal utiliza o termo

"razoabilidade", expressão utilizada pelos americanos, entretanto, este termo é

muito abrangente e, nem sempre revela o sentido jurídico correto da questão.

Como foi dito, o princípio da proporcionalidade é chamado pelos juristas

alemães de proporcionalidade ou proibição de excesso. Proibição de excesso seria

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a atuação do legislador além dos limites delineados pela Constituição, o que

caracteriza um excesso e, logo, uma inconstitucionalidade.

Revela-se de grande importância no Estado Democrático de Direito, pois o

exercício do poder do Estado está limitado pela ordem jurídica, que desta forma,

impede que o Estado atue de forma arbitrária.

O princípio da proporcionalidade é constituído pelos seguintes elementos:

adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Ou seja, Tem que haver adequação da medida, assim, deve-se mensurar qual

a medida adequada a ser adotada para reprimir, caso a caso, as ações ilegais, e ao

mesmo tempo alcançar o objetivos visados por ela.

A pena restritiva deve ser realmente necessária para a conservação dos bens

fundamentais pertencente ao ramo do direito penal, já a proporcionalidade em

sentido estrito deve estar presente nas ocasiões em que há conflito de direitos, ou

seja, a garantia de um direito acaba ferindo outro direito protegido pela

constituição. Nestas hipótese deve-se fazer uma ponderação entre os interesses

protegidos.

O professor Marco Antônio Marques da Silva, afirma que "é

necessário que se verifique se a intervenção do direito penal é própria para a

defesa do bem jurídico e se compensa a utilização do poder punitivo do Estado

para o fato ocorrido".210

Esta teoria defende a idéia segundo a qual nenhuma liberdade pública é

absoluta, assim, em caráter excepcional, pode-se limitar ou restringir o âmbito de

incidência de determinado princípio para garantir a funcionalidade do sistema ao

218 210 SILVA, Marco Antônio Marques da; Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito. Juarez de Oliveira, 2001. 219

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se levar em consideração os vários princípios e garantias que atuem no caso

concreto.

Desta forma, o interrogatório de criminosos perigosos, ligados ao crime

organizado, à criminalidade transnacional, ou para os interrogatórios de acusados

que necessitem da mobilização de um grande aparato policial poderiam ter fim,

utilizando-se desta valiosa ferramenta. Desta forma:

Não veríamos problema em utilizar o interrogatório on-line em

ocasiões especiais, por exemplo, se o transporte do preso viesse a

provocar transtornos de tal monta que fosse recomendável a inquirição

via computador. Mas substituir o juiz pela tela de computador, em

toda e qualquer situação, é fazer da exceção regra, e tornar o incomum

a solução das questões que se resolvem com simples medidas.211

Pensamos que o uso deste novo instrumento não deva ser a regra, como esta

mencionado no Projeto de Lei mencionado, realmente o contato do acusado com o

juiz é importante, o interrogatório é o momento mais sublime do processo penal,

devendo esta ferramenta ser reservada para situações especiais, e com claros

requisitos definidos em lei, a serem colocados ao prudente arbítrio do magistrado

para sua efetiva utilização, devendo esta opção ser tomada através de decisão

motivada.

Ressalte-se também que nestes casos, nem mesmo há que se falar na

impossibilidade de defesa pelo ônus de a defesa ter de se apresentar com dois

procuradores, a uma porque em geral nestes casos o acusado quase sempre possui

vários advogados que patrocinam sua defesa, e caso não seja possível, conforme,

em nosso entendimento, esse procedimento se justificar em casos excepcionais,

não configuraria ônus ao Estado disponibilizar dois defensores públicos para o

220 211 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O interrogatório no processo penal. Belo Horizonte : Del Rey, 2000. p. 114.

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momento do interrogatório, tendo em vista que tal medida será até mais econômica

do que o transporte tradicional do preso até o fórum.

Desta forma acreditamos que seja possível a adoção do interrogatório por

meio de videoconferência, compatibilizando-se todos os princípios referentes ao

processo penal, garantindo-se efetiva proteção ao acusado.

4.6. - Interrogatório de menores - Disposição do Estatuto da Criança e do

Adolescente referentes ao tema e a presença do curador.

Nas precisas palavras do doutrinador Antonio Carlos da Ponte:

Em termos puramente lingüísticos, a imputabilidade pode ser

designada como a qualidade de quem é imputável, ao passo que será

considerado imputável todo aquele a quem se possa responsabilizar

por algo. Para Carrara, a diferença entre imputabilidade e imputação

estabelece-se no campo meramente formal. Afirma, com efeito, que a

imputabilidade.212

Preliminarmente vale lembrar que a menoridade mudou com o advento do

Código Civil de 2002. A partir de 16 anos o jovem é relativamente capaz e sua

capacidade absoluta agora não é mais aos 21 anos de idade, mas aos 18 anos.

A Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente foi criada para a

proteção desses. Dessa forma, ao mesmo tempo em que esta lei prevê medida

sócioeducativa para os menores a partir de 12 anos de idade e medidas protetivas

para os menores de 12 anos, também prevê formalidades que garantam o respeito

às garantias processuais. O interrogatório é um dos direitos protegidos por este

221 212 PONTE, Antônio Carlos da. Inimputabilidade e processo penal - São Paulo: Quartier Latin, 2007. p.30.

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estatuto, pois engloba não só a obediência ao princípio do contraditório e da ampla

defesa, como também ao princípio do devido processo legal, no qual os outros dois

estão inseridos.

O artigo 110 da Lei 8.069/90 reza que “nenhum adolescente será privado de

sua liberdade sem o devido processo legal”.

Já o artigo 111 da mesma lei prescreve o seguinte:

São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:

I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional,

mediante citação ou meio equivalente;

II - igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa; III - defesa técnica por advogado; IV - assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei; V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; VI - direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.

Sempre, portanto, deverá haver a oitiva do menor infrator. Pertinente

lembrar os dizeres da Súmula 265 do Superior Tribunal de Justiça:

É necessária a oitiva do menor infrator antes de decretar-se a regressão da medida sócio-educativa.

O interrogatório previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é quase

que idêntico ao interrogatório previsto pelo Código de Processo Penal, aliás, o

artigo 152 do Estatuto prevê a aplicação subsidiária do CPP ao determinar que

“aos procedimentos regulados nesta lei aplicam-se subsidiariamente as normas

gerais previstas na legislação processual pertinente”.

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Não vislumbro na Lei 8.069/90 nenhum traço específico do ato de oitiva do

menor em cotejo com o interrogatório do processo comum, a não ser pelo plus da

oitiva dos pais no procedimento relativo ao adolescente.213

Segundo as regras do interrogatório do menor, no Estatuto ocorre a

audiência de apresentação do menor para oitiva, que possui previsão no artigo 186

da Lei 8.069/90.

O Ministério Público terá o dever de se manifestar somente se o magistrado

conceder a remissão prevista no artigo 186, §1º do ECA.

Não podemos deixar de ressalvar que, mesmo com o passar do tempo, a

discussão sobre a necessidade de curador para as pessoas com idade entre 18 e 21

anos, ainda existe no meio doutrinário. Como foi dito, o artigo 5º do Código Civil

de 2002 determina que “a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a

pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. Por esta razão a

corrente de pensamento majoritária, à qual me filio, defende a tese na qual não há

mais necessidade de curador nestes casos.

Além disso, esta linha de raciocínio ainda leva em conta a revogação do

artigo 194 do Código de Processo Penal, no qual havia a previsão da necessidade

de curador para menores no interrogatório. O artigo 194 do Código de Processo

Penal previa o seguinte: “se o acusado for menor, proceder-se-á ao interrogatório

na presença de curador”.

Vale consignar as palavras do professor Tourinho Filho:

Observe-se que o art. 185 do CPP, com sua nova roupagem, exige a

presença do Defensor, constituído ou nomeado, ao ato do

interrogatório, e essa regra já seria suficiente para revogar tacitamente

o art. 194... O legislador, contudo, preferiu fazê-lo expressamente.214

222 213 SILVA, Amaury. Interrogatório: panorama segundo a Lei 10.792/2003. - Leme: Mizuno, 2006.p.250. 223 214 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. Volume 1 - 10. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2007, p.557-558.

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Guilherme de Souza Nucci segue a mesma linha de pensamento:

A norma revogada trazia a seguinte redação: “Se o acusado for menor,

proceder-se-á ao interrogatório na presença de curador”. Vínhamos

defendendo, assim que a Lei 10.406/2002 (novo Código Civil) entrou

em vigor, a inaplicabilidade desse dispositivo, uma vez que o maior de

18 anos, sendo apto para todos os atos da vida civil, não mais

necessitava de assistência de curador. Com a edição da Lei

10.792/2003, eliminando este artigo, cada vez mais consolida-se essa

tendência, faltando, reparos nos arts. 15, 262, e 564, III, c, parte final,

do CPP.215

No magistério de Amaury Silva:

A ausência de nomeação de curador ao acusado menor de 21 anos,

quando ouvido na fase policial ou em juízo no interrogatório, a

pretexto de nulidade no processo penal, não mais ocorre.

Anote-se. No ambiente da vigência do novo Código Civil, Lei

10.406/2002 tem-se como razoável e escorreita a interpretação de que

restou desnecessária a nomeação de curador ao réu menor de 21 anos,

quando do interrogatório, isso porque, houve sinonímia entre

maioridade civil e penal no que tange ao fator etário pela estipulação

do art. 5º, caput, CC dizendo maiores civilmente aqueles que

completarem 18 anos.216

224 215 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.p.420. 225 216 SILVA, Amaury. Interrogatório: panorama segundo a Lei 10.792/2003. - Leme: Mizuno, 2006.p.103-104.

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A Súmula 154 do Supremo Tribunal Federal corrobora todo o entendimento

exposto, ao rezar que “não é nulo o processo penal por falta de nomeação de

curador ao réu menor que teve a assistência de defensor dativo”.

4.7. - Interrogatório na Justiça Eleitoral

No processo penal eleitoral o instituto jurídico do interrogatório era

inexistente até o final do ano 2.003. Muitos alimentam a tese na qual defendem

que a falta de previsão do interrogatório pela Lei 4.737/65, estava diretamente

ligada ao regime militar que vigorava no Brasil, portanto, seria um esquecimento

proposital.

Muitos doutrinadores sustentavam a inconstitucionalidade desta lei por

entender que ela não respeitava alguns princípios consagrados pela Carta Maior,

dentre eles o devido processo legal e conseqüentemente, os princípios do

contraditório e da ampla defesa. Veja, o direito a uma defesa ampla estaria

prejudicado porque o réu acabaria ficando desprovido de um dos meios de defesa

legais existentes que é justamente o interrogatório. O que afetaria também o

contraditório.

Parte da doutrina entende que não havia a infrigência aos princípios

mencionados, uma vez que era dado ao réu a oportunidade de elaborar sua defesa

por escrito, nos moldes artigo 359 do Código Eleitoral, que previa o seguinte:

“Recebida a denúncia e citado o infrator, terá êste o prazo de 10 (dez) dias para

contestá-la, podendo juntar documentos que ilidam a acusação e arrolar as

testemunhas que tiver”. No TSE há vários julgados afirmando que o antigo artigo

359 do Código Eleitoral, só causará a nulidade do processo se for comprovado

prejuízo do réu.217

226 217 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. - HC 511 - Rel. Min. Carlos Augusto Ayres de Freitas Brito - j. 06.02.2007. 227

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Após muitas críticas, no final do ano de 2003, o interrogatório surge no

processo eleitoral com o advento da Lei 10.732/2003, mas com um nome diverso,

já que o artigo 359 usa o termo “depoimento pessoal”. Com isso, o teor do artigo

359 foi modificado, pois passou a dispor o seguinte: “Recebida a denúncia, o juiz

designará dia e hora para o depoimento pessoal do acusado, ordenando a citação

deste e a notificação do Ministério Público”.

O novo artigo 359 veio acrescido do parágrafo único, no qual há a seguinte

determinação: “O réu ou seu defensor terá o prazo de 10 (dez) dias para oferecer

alegações escritas e arrolar testemunhas”.

Vale lembrar que o Código Eleitoral não prevê procedimento para o

interrogatório, desta forma, o interrogatório na Justiça Eleitoral deve seguir os

regramentos estabelecidos para o interrogatório no Código Processo Penal.

Esta conclusão é retirada da leitura do artigo 364 do Código eleitoral. Este

dispositivo determina que “no processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos

comuns que lhes forem conexos, assim como nos recursos e na execução, que lhes

digam respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ou supletiva, o Código de Processo

Penal”.

Portanto, no que tange ao processo e julgamento dos crimes eleitorais, o

CPP será aplicado subsidiariamente. Isso quer dizer que as garantias protegidas

pelo CPP também irão vigorar no processo eleitoral, ou seja, deve haver uma

defesa técnica durante o interrogatório, o réu terá direito ao silêncio, etc.

4.8. - Interrogatório na Lei de combate ao tráfico de drogas

A lei de drogas, Lei 11.343/06, prevê em seu artigo 57, o procedimento dado

ao interrogatório do réu, senão vejamos:

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Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do

acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra,

sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor

do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos

para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz.

Parágrafo único. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.

Luiz Flávio Gomes e outros, ao discorrer sobre o artigo 57 da Lei 11.343/06,

ensina que:

Na audiência de instrução, debates e julgamento será observada a

seguinte ordem processual: (a) interrogatório do acusado (que será

feito se ele comparecer; caso não compareça, embora citado

pessoalmente, a audiência terá andamento normal, declarando-se revel

o acusado); (b) inquirição das testemunhas (primeiro as arroladas pela

acusação; depois as arrogadas pela defesa) e (c) debates orais (será

dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério

Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de

20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a

critério do juiz).218

O doutrinador Sérgio Ricardo de Souza chama atenção para a semelhança

existente entre o interrogatório previsto pela nova lei de drogas e interrogatório do

processo comum modificado pela Lei 10.792/03. O autor faz referência ao

contraditório colaborativo e usa os novos artigos 188 e 189 do Código de Processo

Penal para esclarecer:

228 218 GOMES, Luiz Flávio... (et al). Nova Lei de Drogas Comentada artigo por artigo: Lei 11.343/2006, de 23.08.2006. Luiz Flávio Gomes coordenação. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 239.

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O artigo 188 passou a dispor que: “Após proceder ao interrogatório, o

juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido,

formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e

relevante”, complementando-se pelo art. 189, vazado nos seguintes

termos: “Se o interrogando negar a acusação, no todo ou em parte,

poderá prestar esclarecimentos e indicar provas”. Agora, o legislador

segue a mesma linha no que diz respeito ao ato de interrogatório a ser

realizado nesta Lei, adotando um contraditório colaborativo, que,

embora não tenha a amplitude daquele realizado em relação à prova

testemunhal, possibilita que haja esclarecimento de fatos ainda

obscuros, desde que “pertinentes e relevantes”.219

Muito pertinente ainda as palavras do mesmo autor ao comentar os possíveis

prejuízos causados aos réus quando há a extensão indiscriminada para todas as

defesas em processos onde há concurso de pessoas. Argumenta o autor:

O deferimento de repergunta aos advogados dos co-réus é uma prática

que se mostra desastrosa quando a questão é analisada sob o ângulo de

cada réu em particular, até porque ele se encontra no exercício de sua

autodefesa e resguardado pelo direito de não contribuir com a

produção de provas contra si, sendo de ressaltar o risco para esse

direito, uma vez que se permita que os advogados dos co-réus, os

quais não raro, têm conhecimento de detalhes não inseridos nos autos,

possam aproveitar a oportunidade para apresentar questionamento

como intuito de levar o interrogando a contradições ou mesmo

confissões que impliquem possível benefício para outro co-réu, mas

também em prejuízo para o acusado que naquele ato encontra-se sob

interrogatório.220

229 219 SOUZA, Sérgio Ricardo de. A nova lei antidrogas: Lei nº 11.343/2006: comentada e anotada. Niterói: 172Impetus, 2006. p.136. 230 220 SOUZA, Sérgio Ricardo de. A nova lei antidrogas: Lei nº 11.343/2006: comentada e anotada. Niterói: Impetus, 2006. p.137.

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4.9. - Interrogatório na Lei de Imprensa

A Lei 5.250/67, prevê o interrogatório no artigo 45.

O artigo 45 é composto de quatro incisos e o parágrafo único, neles está todo

o conteúdo a respeito do procedimento adotado para a feitura do interrogatório

pela Lei de imprensa. Senão vejamos:

Recebida a denúncia, o juiz designará data para a apresentação do réu em juízo e marcará, desde logo, dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, observados os seguintes preceitos: I - se o réu não comparecer para a qualificação, o juiz considerá-lo-á revel e lhe nomeará defensor dativo. Se o réu comparecer e não tiver advogado constituído nos autos, o juiz poderá nomear-lhe defensor. Em um e outro caso, bastará a presença do advogado ou defensor do réu, nos autos da instrução; II - na audiência serão ouvidas as testemunhas de acusação e, em seguida, as de defesa, marcando-se novas audiências, se necessário, em prazo nunca inferior a oito dias; III - poderá o réu requerer ao juiz que seja interrogado, devendo, nesse caso, ser ele ouvido antes de inquiridas as testemunhas; IV - encerrada a instrução, autor e réu terão, sucessivamente, o prazo de três dias para oferecerem alegações escritas. Parágrafo único. Se o réu não tiver apresentado defesa prévia, apesar de citado, o juiz o considerará revel e lhe dará defensor dativo, a quem se abrirá o prazo de cinco dias para contestar a denúncia ou queixa.

Diferentemente do que o ocorre no processo comum, na Lei de imprensa o

interrogatório é ato facultativo. Esta facultatividade é um dos argumentos usados

pela parte doutrinária que classifica o interrogatório como um meio de defesa. Esta

corrente doutrinária tenta fortalecer sua tese ao alegar em sua linha de raciocínio

que se o interrogatório realmente fosse um meio de prova, não estaria disposto na

Lei de imprensa como uma faculdade.

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174

A faculdade do réu ser interrogado está inserida no inciso III do artigo 45,

segundo o qual “poderá o réu requerer ao juiz que seja interrogado, devendo,

nesse caso, ser ele ouvido antes de inquiridas as testemunhas.

A despeito da facultatividade demonstrada pelo inciso III do artigo 45, o

magistrado, apresentando bom senso, deverá ofertar ao réu esta possibilidade,

porque assim, evitaria qualquer chance de nulidade processual por desobediência

ao direito fundamental da ampla defesa.

Pertinente lembrar que segundo a previsão do artigo 48 da lei em comento,

“em tudo o que não é regulado por norma especial desta Lei, o Código Penal e o

Código de Processo Penal se aplicam à responsabilidade penal, à ação penal e ao

processo e julgamento dos crimes de que trata esta Lei”.

4.10. - Interrogatório da Justiça Militar

O Código Castrense possui previsão para o interrogatório em partes

diferentes, ou seja, no Título XV - Dos Atos Probatórios, Capítulo II, prevê, do

artigo 302 até o artigo 306 a qualificação e o interrogatório do acusado. Além

disso, prevê o procedimento do interrogatório do acusado do artigo 404 até o artigo

410, na Seção IV, cujo título é:“ Da qualificação e do interrogatório do acusado.

Das exceções que podem ser opostas. Do comparecimento do ofendido”.

Diz o artigo 302 que “o acusado será qualificado e interrogado num só ato,

no lugar, dia e hora designados pelo juiz, após o recebimento da denúncia; e, se

presente à instrução criminal ou prêso, antes de ouvidas as testemunhas.

O magistrado ao interrogar o acusado fará as perguntas contidas no artigo

306 e seus incisos. Há previsão de curador para o acusado menor de idade, todavia,

como foi visto, a maioridade após o advento do Código Civil de 2002 passou a ser

atingida com 18 anos de idade, portanto, desnecessária a presença de um curador

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175

quando o acusado estiver entre 18 e 21 anos de idade, e contar com a presença de

um advogado para acompanhar todo o procedimento.

Alguns pontos do interrogatório na justiça militar chamam atenção, por isso

merecem ser lembrados e examinados.

Como foi visto, com o advento da Lei 10.792/03, o interrogatório deixou de

ser ato privativo do juiz na justiça comum, pois o artigo 188 do Código de

Processo Penal possibilita que as partes participem do interrogatório colaborando

com o juiz, ao lembrar de perguntas que deveriam ter sido feitas e ao tirar dúvidas.

Já na justiça militar, o interrogatório é ato exclusivo do Conselho de Justiça,

segundo o artigo 303 “o interrogatório será feito, obrigatòriamente, pelo juiz, não

sendo nêle permitida a intervenção de qualquer outra pessoa”.

Cláudio Amim Miguel e Nelson Codibelli, afirmam que:

Trata-se de ato exclusivo do Conselho de Justiça, cabendo somente a

este formular perguntas ao réu. Essas perguntas serão feitas

primeiramente pelo Juiz- Auditor e, posteriormente, pelos demais

membros por ordem de hierarquia, sempre através do Juiz-Auditor, ou

seja, o juiz militar formula a pergunta oralmente e, caso o Juiz-Auditor

entenda ser pertinente, perguntará ao réu.221

Além disso, o artigo 305 afronta a Constituição Federal de 1988 ao

determinar que “antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao acusado

que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem

formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria

defesa”. Veja, a doutrina e jurisprudência são unânimes e afirmar que este

dispositivo não foi recepcionado pela Carta Magna de 1988.

231 221 MIGUEL, Claudio Amim & Coldibelli, Nelson. Elementos de direito processual militar. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2000. p. 155.

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176

O artigo 406 também é severamente criticado pela doutrina, sob a alegação

de infrigência ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois determina que

“durante o interrogatório o acusado ficará de pé, salvo se o seu estado de saúde

não o permitir”.

o acusado deverá ficar de pé durante o interrogatório, salvo se não puder fazê-lo

por motivo de saúde.

O Código de Processo Penal, será usado de forma supletiva, em seu artigo

3º, alínea “a”, o CPPM reza que:

Os casos omissos neste Código serão supridos:

a) pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso

concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar;

Por fim vale lembrar que o acusado, ao confessar o crime, será

especialmente interrogado para averiguação da coerência da sua declaração. Caso

negue a imputação também terá que esclarecer suas declarações indicando a prova

da verdade dessas. Segundo o artigo 300, §§ 1º e 2º do CPPM, respectivamente:

§ 2º Se o acusado confessar a infração, será especialmente interrogado:

a ) sôbre quais os motivos e as circunstâncias da infração;

b) sôbre se outras pessoas concorreram para ela, quais foram e de que modo agiram.

Negativa da imputação

§ 3º Se o acusado negar a imputação no todo ou em parte, será convidado a indicar as provas da verdade de suas declarações.

4.11. - Interrogatório no Tribunal do Júri

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O artigo 645 do Código de Processo Penal aduz o seguinte:“Em seguida, o

presidente interrogará o réu pela forma estabelecida no Livro I, Título VII,

Capítulo III, no que for aplicável”. Portanto, o interrogatório do réu perante o

Tribunal do Júri seguirá as mesmas regras estabelecidas para o processo comum,

no que for possível.

O interrogatório é ato processual indispensável, sob pena de nulidade

absoluta do processo.

Guilherme de Souza Nucci leciona sobre a matéria da seguinte forma:

Trata-se de ato processual inafastável. Além de formalidade legal

expressa, há de se destacar que o interrogatório do réu, na presença

dos jurados, enaltece o princípio da oralidade e, via de conseqüência,

os princípios da imediatidade e identidade física do juiz, vigentes

nesta fase do julgamento pelo Tribunal do Júri. A sua ausência é

nulidade absoluta.222

Para Hermínio Alberto Marques Porto “é o interrogatório ato não

dispensável e que não comporta a simples e restrita indagação para a

confirmação ou repulsa sobre o afirmado em interrogatório anterior”.223

Como é cediço, no Tribunal do Júri, os jurados exercem papel de juiz, pois

são eles que irão julgar os fatos apresentados. Dessa forma, no interrogatório feito

perante o Júri, os jurados poderão perguntar e esclarecer suas dúvidas para

poderem exercer seu papel de forma justa e embasada.

232 222 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 465. 233 223 PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri: procedimentos e aspectos do julgamento: questionários. 11. ed. ampl. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2005. p. 120.

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Alguns doutrinadores entendem que os jurados podem perguntar

diretamente ao interrogado, sem o intermédio do juiz presidente do júri, porém

deve o juiz, ficar atento e chamar atenção para que o julgamento siga sempre de

forma imparcial, evitando qualquer tipo de manifestação antecipada do jurado que

quiser fazer perguntas ao acusado.

O direito do interrogado ao silêncio também serve perante o Tribunal do

Júri, todavia, o juiz presidente deverá chamar atenção dos jurados para o fato de

que este é um direito do acusado e que não poderá ser considerado confissão ficta.

O doutrinador Hermínio Alberto Marques Porto, que de maneira precisa

lembra sobre a importância do Juiz neste interrogatório:

A postura do Juiz Presidente do Tribunal do Júri, na realização do

interrogatório em Plenário, deve estar voltada, e centralmente, para a

informação do jurado, que é leigo e, em regra, sem experiência de tais

momentos, por isso competindo ao Juiz Presidente não olvidar que

está sendo o instrumento informativo de terceiros, também juízes,

além de um especial policiamento de suas expressões, pois podem

então, indevidamente, refletir o convencimento pessoal e crítico sobre

a versão defensiva ou parte dela.224

Segundo o doutrindor Amaury Silva:

É imperativo que o conselho de sentença durante o interrogatório

possa fazer suas indagações ao acusado, mesmo diante da omissão

legal, aplicando-se, por analogia, o disposto nos arts, 467 e 468, CPP,

que permitem reperguntas às testemunhas arroladas pela acusação ou

defesa, sempre e após a intervenção do juiz presidente e das partes.225

234 224 PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri: procedimentos e aspectos do julgamento: questionários. 11. ed. ampl. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2005. p. 120. 235 225 SILVA, Amaury. Interrogatório: panorama segundo a Lei 10.792/2003. - Leme: Mizuno, 2006.p.167.

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Guilherme de Souza Nucci lembra que os jurados estão juízes naquele

momento e que por este motivo podem e devem fazer perguntas ao acusado:

São eles juízes, tanto quanto o magistrado togado, motivo pelo qual

têm direito de fazer perguntas ao réu. Aliás, é melhor esclarecer

alguma dúvida do jurado do que do juiz presidente, uma vez que não é

este e sim aquele a apreciar o mérito da causa.226

Quando houver mais de um acusado, estes devem ser ouvidos

separadamente, todavia, após suas declarações poderão acompanhar a oitiva do

outro, sem se manifestar, salvo se o defensor do interrogando entender não ser

conveniente a presença do co-réu e pleitear sua retirada da sala.

A confissão feita perante o Tribunal do Júri possui conotação diferente

daquela feita no processo comum, porque os jurados, por serem juízes leigos,

podem interpretar a confissão como uma prova absoluta e não como mais um meio

de prova, que deve ser confrontada com as demais provas dos autos do processo.227

4.12. - Interrogatório nas Comissões Parlamentares de inquérito

As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s), são instrumentos da

função primordial fiscalizatória do Poder Legislativo, que ingressaram no

ordenamento jurídico brasileiro a partir da Constituição de 1934.

Atualmente, a Constituição Federal exige como requisito que a CPI tenha

por objeto de investigação um fato determinado e prazo certo de existência,

236 226 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.p.465. 237 227 NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de proiva no processo penal. 2. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.179.

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podendo, todavia, ser aditado o requerimento de objeto da investigação surgindo

fatos novos e relevantes relacionados com o fato principal, e podendo, também, ser

prorrogado o prazo da CPI.

O requerimento de CPI deve ser subscrito por no mínimo um terço dos

membros de cada Casa Legislativa, ou das duas casas, caso em que irá se chamar

Comissão Parlamentar ‘mista’ de Inquérito. Encontra sua previsão constitucional

no § 3º do art. 58 da Constituição Federal:

§ 3º. : As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

A CPI tem os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais,

todavia, os poderes que são conferidos a ela são apenas poderes instrutórios, ou

seja, os poderes para obtenção de provas, já que a Comissão Parlamentar de

Inquérito não processa, não julga e não condena. Tanto é assim que o resultado de

suas investigações devem ser encaminhadas ao Ministério Público para que este,

segundo seu juízo, promova se entender cabível a responsabilização civil ou

criminal.

Entre os poderes instrutórios conferidos às CPI’s incluem-se: quebra de

sigilo bancário, fiscal e de dados, oitiva de testemunhas, inquirição de indiciados,

realização de perícias e exames, bem como requisição de documentos e de

determinar buscar e apreensões.

Entretanto este poder investigatório não é absoluto e encontra certos limites,

como bem pontua Alexandre de Moraes:

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181

As Comissões Parlamentares de Inquérito, portanto e em regra, terão

os mesmos poderes instrutórios que os Magistrados possuem durante a

instrução processual penal, inclusive com a possibilidade de invasão

das liberdades públicas individuais, mas deverão exercê-los dentro dos

limites constitucionais impostos ao Poder Judiciário, seja em relação

ao respeito aos direitos fundamentais, seja em relação à necessária

fundamentação e publicidade de seus atos, seja, ainda, na necessidade

de resguardo de informações confidenciais, impedindo que as

investigações sejam realizadas com a finalidade de perseguição

política ou de aumentar o prestígio pessoal dos investigadores,

humilhando os investigados e devassando desnecessária e

arbitrariamente suas intimidades privadas.228

As Comissões Parlamentares de Inquérito foram disciplinadas na Lei

1.579/1952, e em seu art. 2º estabeleceu-se a prerrogativa de ouvir-se os

indiciados. “O indiciado é aquele sobre o qual recaem indícios de ter cometido um

ato delituoso”229. Todavia este indiciamento não é ato fundamental da CPI, tendo

em vista que esta tem por objeto investigar fato determinado, e não o ato de um

suspeito específicamente.

Indiciados e testemunhas possuem o direito de se fazerem acompanhar por

advogado, todavia não é obrigatório.

Ao serem ouvidos os indiciados estes possuem a garantia constitucional

contra a auto-incriminação, nemo tenetur se detegere, o direito ao silêncio,

podendo inclusive, mentir sobre fatos objetos de sua inquirição, quando feitas a

estes perguntas cujas respostas possam incriminá-los, isto porque quando o art. 2º

da lei 1759/1952 fala em ‘ouvir’ o acusado, na verdade quer dizer que ‘deverá se

238 228 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 19ª ed. - São Paulo : Atlas. 2006. p. 390. 239 229 SIQUEIRA JUNIOR, Paulo Hamilton. Comissão Parlamentar de Inquérito. Rio de Janeiro: Elsevier. 2007. p. 108.

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proceder o interrogatório do acusado’, ou seja existe uma impropriedade técnica na

redação do dispositivo, que foi concebido anteriormente à Constituição de 1988

A lei que regulamentou o funcionamento das CPI’s é de 1952, e tal qual o

Código de Processo Penal de 1941, deve ser lida de modo a compatibilizar-se com

a atual Constituição Federal, norma hierarquicamente superior, realizando o que a

doutrina constitucionalista chama de ‘filtragem constitucional’. Desta forma,

conforme já mencionamos anteriormente, os dispositivos relacionados com o

interrogatório do acusado, seja em sede de processo judicial ou administrativo,

devem ser interpretados integrando-se com o princípio da ampla defesa e

contraditório, corolários do devido processo legal.

O interrogatório como ato de defesa pessoal, gera conseqüências no

mundo jurídico. Por certo, a Constituição Federal de 1988 consagrou

expressamente o direito à ampla defesa ao estabelecer no art. 5º, inc.

LV, que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos

acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,

com os meios e recursos à ela inerentes”. Com o advento da referida

norma constitucional, o interrogatório passa a ser um ato de defesa

pessoal, consubstanciando-se como uma garantia ao direito de ampla

defesa. Da nova natureza jurídica do interrogatório, verificam-se

conseqüências. O interrogatório, com a nova roupagem constitucional,

torna-se garantia, e como tal assegura direitos, que em último plano

assegura o direito à ampla defesa.230

Quanto ao depoimento das testemunhas, estas assinam um Termo de

Compromisso antes de seus depoimentos, ficando cientificadas de que estarão

incidindo em crime de falso testemunho caso não prestarem declarações

verdadeira; segundo o art. 4º, II, da Lei 1.579/1952: “Fazer afirmação falsa, ou

240 230 SIQUEIRA JUNIOR, Paulo Hamilton. Comissão Parlamentar de Inquérito. Rio de Janeiro: Elsevier. 2007. p. 108.

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negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor ou intérprete, perante

a Comissão Parlamentar de Inquérito”, todavia é posicionamento pacífico na

Corte Suprema de que, se forem inquiridos quanto a fatos que possam lhe

incriminar, podem estes também se valer do direito ao silêncio.

PENAL – PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS – COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – CPI – DIREITO AO SILÊNCIO – TESTEMUNHA – AUTO-ACUSAÇÃO – LIMINAR DEFERIDA PARA DESOBRIGAR A PACIENTE DA ASSINATURA DE TERMO DE COMPROMISSO – PREJUDICIALIDADE SUPERVENIENTE – I. É jurisprudência pacífica no Supremo Tribunal Federal a possibilidade do investigado ou acusado permanecer em silêncio, evitando-se a auto-incriminação. II – Liminar deferida para desobrigar a paciente da assinatura de Termo de Compromisso. III – A realização da oitiva, garantidos os direitos da paciente, implica a prejudicialidade do feito. IV – HC conhecido e julgado prejudicado. (STF – HC 89269 – DF – 1ª T. – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – DJU 15.12.2006 – p. 96)

4.13. - Interrogatório nos Juizados especiais criminais

A Lei 9.099/95 previu o procedimento sumaríssimo para os crimes de menor

potencial ofensivo, concentrando a instrução probatória para uma única sessão, a

presença do defensor é obrigatória conforme estabelecido no art. 72, primeira parte

deste diploma legal: “Na audiência preliminar, presente o representante do

Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil,

acompanhados por seus advogados”. O

interrogatório no âmbito dos Juizados Especiais Criminais foi disciplinado no art.

81 da Lei 9.099/95:

Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença.

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Esse reposicionamento do interrogatório para após a ouvida da vítima e após

a colheita da prova testemunhal, dentro de um procedimento que concentra os atos

e toda a produção probatória em uma audiência única, ao final dela somente

podendo haver a prolação de sentença (§ 1º), reforça a natureza do interrogatório

como meio de prova.

...uma das mais importantes novidades do procedimento sumaríssimo

regulado pela Lei 9.099/95 está relacionada ao momento da realização

do interrogatório. Nos procedimentos regulados pelo CPP, tal ato é o

primeiro na ordem da instrução, deixando evidente a orientação

inquisitória do legislador, que o concebe preponderantemente como

meio de prova. Na lei nova prevalece outra orientação: o

interrogatório é o momento mais importante da auto-defesa; é a

ocasião em que o acusado pode fornecer ao juiz a sua versão pessoal

sobre os fatos e sua realização após a colheita da prova permitirá, sem

dúvida, um exercício mais completo do direito de defesa, inclusive

pela faculdade de permanecer em silêncio (art. 5º, LVIII, CF).231

Tal medida justifica-se para que o acusado possa melhor exercer seu direito

de defesa, pois como não houve inquérito policial, a defesa se apresenta ao

processo sem saber os fundamentos da acusação, o que poderia redundar em

cerceamento de defesa.

Considerando que a lei não foi analítica quanto a este procedimento,

aplicam-se supletivamente as regras do CPP.

A simplificação do procedimento adotado nesta lei não mitigou o princípio

da ampla defesa, eis que o oferecimento de resposta à acusação antes do

recebimento da denúncia ou queixa e a inversão na ordem do interrogatório para

após a colheita probatória reforçaram tal princípio.

241 231 GRINOVER. Ada Pellegrini...(et al.). Juizados especiais criminais : comentários à Lei 9.099, de 26.09.1955. 5. Ed. rev., atual. e `ampl. - São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais.

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Por força dos princípios que regem os Juizados Especiais, também é

possível o interrogatório por carta precatória. Este foi o entendimento do

enunciado 17 atualizado até o XXII encontro Nacional de Coordenadores de

Juizados Especiais do Brasil - outubro de 2007 - Manaus - AM, reza que: “É

cabível, quando necessário, interrogatório por carta precatória, por não ferir os

princípios que regem a Lei 9.099/95.”

5 - DELAÇÃO PREMIADA

O Instituto da Delação Premiada surgiu como um polêmico, porém eficiente,

instrumento de combate ao Crime Organizado. Entretanto, sua utilização somente

é recomendável quando confirmada por outros elementos de convicção que lhe

confira caráter de certeza, requerendo que a confissão do réu seja verdadeira. A

narrativa na confissão deve ser completa para que o réu faça jus a premiação,

possibilitando-se examinar a sua veracidade à partir das minúcias expostas quando

da realização do interrogatório.

A matéria é controvertida, e está longe de ser achada uma solução pacífica

na doutrina e jurisprudência. Entretanto sua eficácia no combate á criminalidade

não pode ceder espaço a sacrifício de direitos individuais expressos, por isso é

recomendável a fixação da natureza jurídica da delação premiada, sua definição e,

em seguida, a fixação de requisitos legais para que esta surta seus efeitos no

processo penal.

A delação premiada é meio de prova que se externa necessariamente durante

a confissão do réu, é acusação formulada por co-autor ou partícipe, delatando

outros participantes do crime e revelando o local e as circunstâncias em que se

encontram bens, direitos ou valores objetos de uma infração penal.

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Malgrado a sua utilidade no âmbito do processo penal, do ponto de vista

ético, o instituto não é visto com bons olhos, pois se trata de consagração legal da

traição que rotula, de forma definitiva, o papel do delator. A carência de eticidade

repercute na judiciaridade da delação premiada, devendo o processo penal observar

tal princípio sob pena de afronta ao contraditório e ampla defesa.

Diversas normas prevêem a delação premiada no ordenamento jurídico

brasileiro, entre elas:

A Lei dos Crimes Hediondos, Lei 8.702/90, que estabelece que o co-réu

colaborador pode receber o benefício desde que possibilite o desmantelamento da

quadrilha ou bando (art. 8º, parágrafo único).

A Lei de crimes contra a ordem tributária, Lei 8.137/90, que trata da

lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.

Lei 9.613/98, estabelecendo que o benefício pode ser concedido quando

levar à apuração do crime a autoria, a localização de bens direitos ou valores

objeto do crime (art. 1º, § 5º);

A Lei que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção

e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, Lei 9.034/95, que

estabelece que o benefício pode ser deferido se a contribuição possibilitar o

esclarecimento de infrações penais e respectivas autorias nos delitos praticados por

organizações criminosas (artigo 6º);

A Lei 9.080/95, que estabelece benefícios quando o agente revelar a trama

criminosa nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (art. 1º, caput).

Lei de proteção às vítimas e testemunhas, Lei 9.807/99, estabelece que o

benefício pode ser concedido quando as declarações do delinqüente tornar possível

a identificação de autores ou partícipes, localização da vítima e recuperação do

produto do crime.

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Lei de combate ao tráfico de drogas, Lei 11.343/06, estabelece benefícios ao

acusado quando suas declarações possibilitarem a recuperação total ou parcial do

produto do crime (art. 41).

Também o Código Penal incluiu a delação premiada na hipótese de extorsão

mediante seqüestro, através da alteração do art. 159, § 4º, feita pela Lei 9.269/96,

que estabelece que o acusado pode ser beneficiado se facilitar a libertação do

seqüestrado.

Somente a autoridade judiciária é competente para realizar tal premiação,

devendo o colaboração ser efetiva e voluntária. Parece mais adequado exigir-se o

requisito da voluntariedade, excluindo-se o da espontaneidade, presente no texto

legal.

Estas normas são aplicáveis na fase de conhecimento, mas nada obsta que o

delator seja premiado no julgamento da revisão criminal com base em pedido de

redução da pena.

A delação premiada é um instrumento oficial de combate a criminalidade,

devendo observância às garantias constitucionais do indivíduo, ocorre na fase do

interrogatório sob a forma da chamada do co-réu, é confissão, meio de prova,

acusação formulada por co-autor ou partícipe, e deve obedecer aos requisitos

legais.

As diversas normas lançadas sobre o tema ainda não guardam coerência

sistêmica, não tendo alcançado, até o presente momento, seus objetivos.

A diferenciação entre Organização Criminosa e quadrilha ou bando, esta é

definida pelo Código Penal (art. 288), enquanto aquela ainda não possui definição

penal, mas pressupõe estrutura, inter-relacionamento dos participantes, sendo

unidade de composição e atividade complexas.

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O instituto possui natureza jurídica de causa especial de redução da pena,

não se considerando excludente da criminalidade, muito embora possa caber até

mesmo a isenção da pena; possui caráter personalíssimo, somente pode ser

realizado por um dos agentes do ilícito penal investigado; e sua repercussão é

restrita á aplicação da pena, sendo mero incentivo à colaboração com a

investigação. Para a efetivação da delação premiada requer-se: espontaneidade do

delator e identificação da autoria, sendo que tal instituto também foi inspirado na

legislação italiana Anti-Máfia.

Comentando acerca do tema o penalista italiano Luigi Ferrajoli o critica de

forma contundente:

Infelizmente, a prática da negociação e do escambo entre confissão e

delação de um lado e impunidade ou redução de pena de outro sempre

foi uma tentação recorrente na história do direito penal, seja da

legislação e mais ainda da jurisdição, pela tendência dos juízes, e

sobretudo dos inquiridores, de fazer uso de algum modo de seu poder

de disposição para obter a colaboração dos imputados contra eles

mesmos. A única maneira de erradicá-la seria a absoluta vedação

legal, o que a longo prazo acabaria por se tornar uma regra de

deontologia profissional dos magistrados, de negociar qualquer

relevância penal ao comportamento processual do imputado, também

aos fins da determinação judiciária da pena dentro dos limites legais.

O legislador italiano, sugestionado pelos aspectos decadentes da

experiência americana, seguiu, ao invés a estrada oposta, legitimando

a transação primeiro com as leis de emergência sobre os

“arrependidos” e depois, de maneira ainda mais extensa, com a recente

reforma do Código de Processo Penal. O resultado, como mostrarei

nos parágrafos 45 e 54, é inevitavelmente a corrupção da jurisdição, a

contaminação policialesca dos procedimentos e dos estilos de

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investigação e de juízo, e a conseqüente perda de legitimação política

ou externa do Poder Judiciário.232

A despeito das críticas, trata-se de um importante instrumento. O delator é

visto como traidor. Não é visto como um delinqüente arrependido que através de

importantes informações presta serviço a toda a sociedade, possibilitando a

apuração de graves delitos. Visa apenas benefício próprio.

O acusado que passa a integrar o processo após ter sido alvo da delação não

pode, nem deve ter acesso ao acordo de delação homologado pelo Juiz, isto porque

este é um documento sigiloso, o segredo de justiça visa preservar o co-réu

colaborador e garantir o sigilo das investigações, não se vislumbra nenhuma

afronta a ampla defesa e contraditório neste procedimento, pois a delação pura e

simples não tem força probatória para ensejar uma condenação, a delação só surte

seus efeitos desejados quando condizentes com outros meios de prova que podem

ser apontados pelo colaborador, e estas provas devem necessariamente serem

submetidas ao crivo do contraditório e ampla defesa para legitimarem sua

integração ao processo.

A delação premiada deve ser utilizada com cautelas, não pode ser uma

comodidade colocada à disposição da instrução processual. Deve se fundar em

fatos relevantes e para crimes graves, conforme vemos em uma recente decisão do

STJ a respeito deste tema:

HABEAS CORPUS. PEDIDOS DE ACESSO A AUTOS DE INVESTIGAÇÃO PREAMBULAR EM QUE FORAM ESTABELECIDOS ACORDOS DE DELAÇÃO PREMIADA. INDEFERIMENTO. SIGILO DAS INVESTIGAÇÕES. QUESTÃO ULTRAPASSADA. AJUIZAMENTO DE AÇÕES PENAIS. ALGUNS FEITOS JÁ SENTENCIADOS COM CONDENAÇÃO, PENDENTES DE JULGAMENTO APELAÇÕES. FALTA DE

242 232 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. rev. e ampl. - São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006.p. 561.

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INTERESSE. MATERIAL QUE INTERESSAVA À DEFESA JUNTADO AOS AUTOS DAS RESPECTIVAS AÇÕES PENAIS. FASE JUDICIAL. MOMENTO PRÓPRIO PARA O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Se havia algum interesse dos advogados do réu no inteiro teor das declarações prestadas pelos delatores na fase preambular meramente investigatória, ele não mais subsiste neste momento processual, em que já foram instauradas ações penais – algumas delas até sentenciadas e com apelações em tramitação na correspondente Corte Regional – porque tudo que dizia respeito ao Paciente, e serviu para subsidiar as acusações promovidas pelo Ministério Público, foi oportuna e devidamente juntado aos respectivos autos. E, independentemente do que fora declarado na fase inquisitória, é durante a instrução criminal, na fase judicial, que os elementos de prova são submetidos ao contraditório e à ampla defesa, respeitado o devido processo legal. 2. Além disso, conforme entendimento assente nesta Corte, "O material coligido no procedimento inquisitório constitui-se em peça meramente informativa, razão pela qual eventuais irregularidades nessa fase não tem o condão de macular a futura ação penal" (HC 43.908/SP, 5.ª Turma, de minha relatoria, DJ 03/04/2006). 3. Ordem denegada.233

Interessante, acerca do tema, também, a posição do ministro Gilson Dipp,

encartada em seu Voto no mesmo processo:

Agora, o réu não tem direito a ter acesso a esse acordo, que é homologado pelo juiz e na garantia do próprio co-réu colaborador. O teor das informações, no momento do procedimento da ação penal, seja pelo depoimento do co-réu colaborador como testemunha, ou pelos fatos narrados que foram decorrentes do acordo de delação premiada, estes sim são objeto do crivo do contraditório e da ampla defesa, como foi feito, no presente caso, pelo que deduzi da leitura do voto da Ministra Relatora. Então, aquilo que foi informado no acordo e que interessa à sociedade. Acordo de delação premiada é para crimes graves, não só do co-réu colaborador como daquele co-réu delatado, porque acordo de delação premiada não foi feito para furto de galinha, não pode ser banalizado nem pode ser objeto de intermediários, de "corretores" de delação premiada. Por isso, cabe o controle jurisdicional. Neste caso, se as provas, se as informações prestadas, seja pela forma de depoimento testemunhal, seja por fatos narrados por interceptações telefônicas, se esses dados obtidos em decorrência de acordo de

243 233 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. - HC 59.115/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 12.12.2006, DJ 12.02.2007 p. 281.

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delação premiada foram objeto na ação penal do crivo do contraditório e da ampla defesa, não há nada a ser sanado.

É essencial que o instituto da delação premiada venha a ser devidamente

disciplinado, normatizado para sua utilização efetiva possibilitando resultados

práticos e eficazes.

6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

1- Durante a evolução do nosso trabalho procuramos apresentar nosso conceito de

interrogatório que poderia ser formulado nos seguintes termos: “Interrogatório

judicial é o ato processual, personalíssimo, presidido pelo Juiz Criminal,

realizado através de perguntas dirigidas ao acusado, objetivando a coleta de

dados acerca do fato delituoso e que oportuniza ao acusado apresentar a sua

versão dos fatos que lhe estão sendo imputados, defendendo-se deles, caso

queira”;

2 - O Devido processo legal é reflexo da evolução do sistema de controle social

formal, denota a primazia da jurisdição como monopólio estatal, e reforça a idéia

de necessidade do contrato social. Contraditório e ampla defesa são as duas faces

que revestem o princípio do devido processo;

3 - O interrogatório é ato que possui como características ser ato personalíssimo,

judicialidade, oralidade, publicidade, individualidade e probidade;

4 - O direito ao silêncio está ligado ao princípio da não auto-incriminação. Logo, o

réu pode optar por não responder determinadas perguntas da Autoridade, Judicial

ou policial, que o incriminem, ou mesmo não emitir declaração nenhuma.

5 - A visão probatória, predominante do processo penal à época da promulgação

do CPP, encontra-se ultrapassada, a Constituição Federal de 1988, que consagrou

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as diversas garantias inerentes a um processo acusatório, mas sobretudo assegurou

expressamente o direito ao silêncio, em seu art. 5º, LXIII, a presença do defensor

no interrogatório, garantiu a autodefesa e a obrigatoriedade da defesa técnica,

apontando para uma mudança de paradigma no Processo Penal, enxergando o

interrogatório como meio de defesa.

6 - A confissão judicial tem como características a retratabilidade, a divisibilidade,

e a relatividade probatória, sendo que a realizada na fase policial possui pouca

força probatória. Estas peculiaridades estão presentes no artigo 200 do Código de

Processo Penal.

7 - O uso de algemas, que ainda não foi objeto de regulamento por lei, desde que

utilizadas com fundado receio que a justifique, não ofende o princípio da

presunção inocência; deve esta opção ficar ao prudente arbítrio do juiz que preside

o ato.

8 - O interrogatório realizado através do sistema de videoconferência pode ser

uma valiosa ferramenta quando se tratar de casos de delinqüentes perigosos,

ligados ao crime organizado, à criminalidade transnacional, ou para os

interrogatórios de acusados que necessitem de mobilização de um grande aparato

policial para deslocamento do preso.

Todavia, pensamos que o uso deste novo instrumento não deva ser a regra, esta

ferramenta ser reservada para situações especiais, e com claros requisitos definidos

em lei, a serem colocados ao prudente arbítrio do magistrado para sua efetiva

utilização, devendo esta opção ser tomada através de decisão motivada.

9 - A Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente foi criada para a

proteção desses. Dessa forma, ao mesmo tempo em que esta lei prevê medida

sócioeducativa para os menores a partir de 12 anos de idade e medidas protetivas

para os menores de 12 anos, também prevê formalidades que garantam o respeito

às garantias processuais.

10 - No processo penal eleitoral o instituto jurídico do interrogatório era

inexistente até o final do ano 2.003. Muitos alimentam a tese na qual defendem

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que a falta de previsão do interrogatório pela Lei 4.737/65, estava diretamente

ligada ao regime militar que vigorava no Brasil, portanto, seria um esquecimento

proposital. O que foi corrigido.

11 - Diferentemente do que o ocorre no processo comum, na Lei de imprensa o

interrogatório é ato facultativo. Esta facultatividade é um dos argumentos usados

pela parte doutrinária que classifica o interrogatório como um meio de defesa.

12 - Como foi visto, com o advento da Lei 10.792/03, o interrogatório deixou de

ser ato privativo do juiz na justiça comum, pois o artigo 188 do Código de

Processo Penal possibilita que as partes participem do interrogatório colaborando

com o juiz, ao lembrar de perguntas que deveriam ter sido feitas e ao tirar dúvidas.

Já na justiça militar, o interrogatório é ato exclusivo do Conselho de Justiça,

segundo o artigo 303 do Código de Processo Penal Militar.

13 - Nos Juizados Especiais Criminais houve um reposicionamento do

interrogatório para após a ouvida da vítima e após a colheita da prova testemunhal,

tal medida reforçou a natureza do interrogatório como meio de prova, e justifica-se

para que o acusado possa melhor exercer seu direito de defesa, pois como não

houve inquérito policial, a defesa se apresenta ao processo sem saber os

fundamentos da acusação.

14- A delação premiada é meio de prova que se externa necessariamente durante a

confissão do réu, é acusação formulada por co-autor ou partícipe, delatando outros

participantes do crime e revelando o local e as circunstâncias em que se encontram

bens, direitos ou valores objetos de uma infração penal. A delação premiada deve

ser utilizada com cautelas, não pode ser uma comodidade colocada à disposição da

instrução processual. Deve se fundar em fatos relevantes e para crimes graves,

sendo essencial que o instituto da delação premiada venha a ser devidamente

disciplinado, normatizado para sua utilização efetiva possibilitando resultados

práticos e eficazes.

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7 - REFERÊNCIAS

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