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Sessão temática Imagens - 93 ASPECTOS DA VIDA CULTURAL DE PORTO ALEGRE NAS PÁGINAS DA REVISTA HORIZONTE (19491956) Andréia Carolina Duarte Duprat 1 Resumo A revista cultural Horizonte circulou em Porto Alegre de 1949 a 1956. Artistas e intelectuais ligados à esquerda estiveram entre seus colaboradores, como Carlos Scliar e Vasco Prado, fundadores do Clube de Gravura de Porto Alegre. Seu primeiro diretor foi o escritor Cyro Martins, seguido pela poetisa Lila Ripoll, cuja atuação foi marcada pelo alinhamento do conteúdo da publicação às diretrizes do realismo socialista. O periódico divulgava textos sobre literatura, arquitetura, artes visuais, cinema, arquitetura, política, além de contos e poemas. A Horizonte também tratava dos eventos culturais da capital gaúcha, destacando aqueles promovidos pelo Clube de Gravura e pelo Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz, liderado pelos comunistas. Palavras-chave: revista Horizonte, Clube de Gravura de Porto Alegre, eventos culturais A revista Horizonte e os Clubes de Gravura de Porto Alegre e de Bagé, criados, respectivamente, em 1950 e 1951, surgiram no cenário cultural do Rio Grande do Sul como um espaço alternativo de informação e formação artísticas. Os colaboradores da publicação e os membros das duas entidades eram artistas e intelectuais comprometidos com tendências políticas de esquerda, sendo alguns deles vinculados ao Partido Comunista do Brasil (PCB). A produção dos Clubes de Gravura e a Horizonte foi o objeto de estudo do meu trabalho de conclusão de curso, intitulado Revista Horizonte imagem impressa e questões políticas (2013) e segue como tema da minha pesquisa de mestrado. Nesse artigo, pretendo destacar os eventos da área cultural de Porto Alegre divulgados pelo periódico. Aracy Amaral (2003), em seu livro Arte Para Quê?, constata que o engajamento político dos artistas latino-americanos se fortaleceu na década de 1920, após a Revolução Russa (1917). No Brasil, os artistas, notadamente os ligados ao projeto de 1 UFRGS, bacharel em História da Arte, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRGS, [email protected]

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Sessão temática Imagens ­ 93

ASPECTOS DA VIDA CULTURAL DE PORTO ALEGRE NAS

PÁGINAS DA REVISTA HORIZONTE (1949–1956)

Andréia Carolina Duarte Duprat1

Resumo

A revista cultural Horizonte circulou em Porto Alegre de 1949 a 1956. Artistas e

intelectuais ligados à esquerda estiveram entre seus colaboradores, como Carlos Scliar e

Vasco Prado, fundadores do Clube de Gravura de Porto Alegre. Seu primeiro diretor foi

o escritor Cyro Martins, seguido pela poetisa Lila Ripoll, cuja atuação foi marcada pelo

alinhamento do conteúdo da publicação às diretrizes do realismo socialista. O periódico

divulgava textos sobre literatura, arquitetura, artes visuais, cinema, arquitetura, política,

além de contos e poemas. A Horizonte também tratava dos eventos culturais da capital

gaúcha, destacando aqueles promovidos pelo Clube de Gravura e pelo Movimento

Brasileiro dos Partidários da Paz, liderado pelos comunistas.

Palavras-chave: revista Horizonte, Clube de Gravura de Porto Alegre, eventos culturais

A revista Horizonte e os Clubes de Gravura de Porto Alegre e de Bagé, criados,

respectivamente, em 1950 e 1951, surgiram no cenário cultural do Rio Grande do Sul

como um espaço alternativo de informação e formação artísticas. Os colaboradores da

publicação e os membros das duas entidades eram artistas e intelectuais comprometidos

com tendências políticas de esquerda, sendo alguns deles vinculados ao Partido

Comunista do Brasil (PCB). A produção dos Clubes de Gravura e a Horizonte foi o

objeto de estudo do meu trabalho de conclusão de curso, intitulado Revista Horizonte –

imagem impressa e questões políticas (2013) e segue como tema da minha pesquisa de

mestrado. Nesse artigo, pretendo destacar os eventos da área cultural de Porto Alegre

divulgados pelo periódico.

Aracy Amaral (2003), em seu livro Arte Para Quê?, constata que o engajamento

político dos artistas latino-americanos se fortaleceu na década de 1920, após a

Revolução Russa (1917). No Brasil, os artistas, notadamente os ligados ao projeto de

1 UFRGS, bacharel em História da Arte, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da

UFRGS, [email protected]

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modernização das artes, almejavam transformações sociais que impactariam no campo

artístico. Nos anos 1930, o progresso e as mudanças requeridas pareciam se realizar na

temática social e na militância política, principalmente no PCB (AMARAL, 2003).

O Partido acolhia os intelectuais que se aproximavam, os quais acabavam por colaborar

com seus projetos políticos. Desde o início da história dos movimentos de esquerda, as

organizações se dedicaram a desenvolver veículos de imprensa a fim de difundir seus

ideais, incentivar a mobilização social, além de propagar informações culturais

(MARÇAL, 2004; RUBIM, 1995). Vários impressos contaram com o trabalho de

artistas visuais, tais como Lívio Abramo, Paulo Werneck e Emiliano Di Cavalcanti. Os

vários períodos de repressão aos comunistas tornaram a circulação e a continuidade das

publicações bastante irregulares. Durante o Estado Novo (1937–1945), dissiparam-se

diversas associações e, consequentemente, seus jornais e revistas.

A redemocratização, em meados da década de 1940, trouxe novo fôlego à criação de

periódicos do Partido Comunista. Uma rede de imprensa, contando com sua própria

agência de notícias, lançou publicações por todo o país (MORAES, 1994; RUBIM,

1995). Porém, o cenário político mundial e os novos direcionamentos do PCB alteraram

a linha ideológica de grande parte desses veículos. Os traumas da Segunda Guerra

Mundial ainda se faziam sentir quando novos embates se configuravam devido ao início da

Guerra Fria e ao acirramento do antagonismo entre os blocos capitalista e comunista. Uma

intensa campanha anticomunista, liderada pelos Estados Unidos, teve lugar também no

Brasil – o PCB teve sua ilegalidade decretada em maio de 1947. As ofensivas sofridas pelo

Partido foi uma das razões que o levaram a adotar uma postura mais radical e enrijecer as

orientações de postura dos seus filiados (MORAES, 1994). A doutrina do realismo

socialista tornou-se predominante.

O realismo socialista se consagrou como doutrina oficial do Partido Comunista da União

Soviética durante o I Congresso dos Escritores, em 1934 (STRADA, 1987). O primeiro

secretário do Comitê Central, Andrei Zhdanov, em seu pronunciamento nesse evento,

defendeu que a literatura deveria auxiliar na luta dos oprimidos e promover a igualdade, e

que os escritores deveriam estar atentos às orientações do Partido. A crítica e a literatura

deveriam seguir o método do realismo socialista, que preconizava a busca por uma

representação da realidade apontando para as transformações advindas da Revolução

Socialista. Os temas considerados dignos da produção artística soviética seriam: o

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trabalhador como herói; o surgimento de uma nova sociedade soviética e o banimento do

pequeno-burguês (ARBEX, 2012). Nas artes visuais, a figuração e a expressão positiva das

cenas deveriam vigorar, e as imagens precisariam ter um caráter universal e ser facilmente

entendidas.

A revista Horizonte teve sua primeira edição em março de 1949, dirigida por Cyro

Martins, membro do Conselho de Redação junto com Lila Ripoll Guedes, Juvenal

Jacinto, Flamarion Silva, Edith Hervé e Zaira Martins, todos eles ligados ao PCB. Os

textos são diversificados: contos, poemas, críticas de literatura, cinema e música. Nesse

número inaugural, o editorial explicita a intenção de seus realizadores:

A nossa revista ambiciona ser um reflexo fiel da vida intelectual e artística do

Rio Grande do Sul. Não será um órgão de grupo. Portanto, não procurará

dividir, porém se esforçará por congregar em tôrno de sí todos os nossos

valores, os já reconhecidos como tais e os novos, que estarão certamente à

espera de um veículo como êste para embarcar na sempre atraente aventura

das letras e das artes.

Não tencionamos manter uma atitude de neutralidade aguada, como o fito

único de agradar a todo custo, para prosperar. O nosso objetivo não é

comercial, é educativo. Assim, nos setores que nos interessam, o das letras e

das artes, observaremos uma posição de crítica atenta, procurando contribuir

para uma constante melhora do nível cultural da nossa gente. (Horizonte, n.

1, ano 1, mar 1949, p.1).

O foco era as artes em geral, e não havia, naquele momento, nenhuma declaração

explícita de restrição a um posicionamento político em seus escritos. Evidentemente, a

predileção de seus colaboradores fazia-se notar sobretudo nos acontecimentos

divulgados na seção Notas e Notícias sobre intelectuais comunistas e ações dos

partidários da paz. A linha editorial se modificou quando Lila Ripoll assumiu a direção

e os artistas Carlos Scliar e Vasco Prado ingressaram no Conselho de Redação.

Lila Ripoll era reconhecida como escritora e militante comunista bastante atuante desde

a década de 1930. Ela manteve boas relações com a Editora Globo, uma das mais

importantes de sua época, sendo sua obra publicada e homenageada na Revista do

Globo até o cancelamento do registro do PCB em 1947 (MARTINS, 2012). Vasco

Prado era reconhecido por seu trabalho de escultor e por sua posição política, assim

como Carlos Scliar. Os três artistas iniciaram a Nova Fase da Horizonte em dezembro

de 1950, e a revista se torna um órgão oficial do PC, procurando seguir tendência

estética stalinista do realismo socialista (BALBUENO, 2001).

A fim de compreender melhor a mudança na publicação, é preciso entender os

acontecimentos que a antecederam. Vasco e Scliar nutriam o interesse por questões

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políticas e sociais desde o início de suas trajetórias, mas o momento de fazer uma

produção artística militante parece ter ocorrido na sua estada na Europa no final da

década de 1940. No Velho Continente, eles se envolveram nos debates em voga no

meio intelectual de Paris e eventos vinculados ao Partido Comunista, como os

promovidos pelo Movimento dos Partidários da Paz. Em 1948, os artistas participaram

do Congresso Mundial de Intelectuais em Defesa da Paz, em Wroclaw, Polônia, e

conheceram o mexicano Leopoldo Méndez, fundador do Taller de Gráfica Popular,

uma instituição voltada às artes gráficas e ao trabalho coletivo. O encontro com Méndez

e o conhecimento da tendência estética do realismo socialista, advinda da União

Soviética, motivaram Scliar e Vasco a procurar um veículo para divulgar seus ideais

políticos, que encontraram na Horizonte, e a fundar o Clube de Gravura de Porto Alegre

(AMARAL, 2003), a exemplo do Taller, logo que retornaram a sua terra.

No quarto exemplar da revista, inaugural de sua Nova Fase, pode-se perceber o novo

direcionamento no seu texto de apresentação. Lê-se:

Aqui estamos, em nossa nova fase e, à boa maneira gaúcha, digamos logo

quem somos e o que queremos.

<HORIZONTE> é uma revista de intelectuais de vanguarda. Nossa arte,

portanto, estará a serviço do que, na sociedade humana e em nossa terra,

represente o que há de novo, de progressista, que consulte às mais nobres

aspirações da Humanidade e do nosso povo.

Uma linha, nítida e tensa, divide o mundo de hoje em dois campos. De um

lado, os partidários da Paz, da cultura, de um mundo novo, com o qual

sonharam os grandes pensadores do passado e que já se ergue, a nossos

olhos, na gloriosa União Soviética, na Nova China e nas Democracias

Populares. Em tôrno dêste campo, se reúne o que há de melhor na

Humanidade.

Sustentados pelo rebutalho de uma sociedade em decomposição, agrupam-se

os partidários da guerra, dispostos a afogar todos os valores culturais em uma

nova <doutrina> – a da Bomba Atômica. Em seu desespero de vencidos, não

se conformam em passar à história e se refugiam, por isto, nos cabarés

existencialistas e... nas super-fortalezas voadoras, novos templos da arte e

cultura, por eles erigidos.

[...]

Queremos que nossa arte seja mais uma arma, e poderosa, da Revolução

Brasileira e nos ajude a construir o grande Brasil democrático-popular, que já

antevemos.

Nossa revista estará aberta a todos aqueles que, com sua arte, quiserem

defender a paz e a independência nacional, a todos os que crêm em nosso

povo e se colocam a serviço de suas melhores aspirações. (Horizonte, n. 4,

ano I, 20 dez. 1950, p.1-2).

Logo no início, é possível verificar a estima pelo regionalismo através da expressão “à

boa maneira gaúcha”. Os realizadores da revista se colocaram na situação de vanguarda,

comprometidos com uma produção de arte a favor da sociedade e de caráter

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progressista. No texto, destaca-se a admiração pela União Soviética e pela “Nova

China”, denominados de partidários da paz e da cultura, em contraposição aos

partidários da guerra e da “doutrina da bomba atômica”. Os intelectuais se vinculam à

linhagem artística que incluiria Gregório de Matos, Castro Alves, Alcides Maya,

Simões Lopes Neto e Ramiro Barcelos.

Ao longo de sua existência, a Horizonte trouxe em suas páginas a notícia e a crítica de

eventos culturais de Porto Alegre. No primeiro número da Nova Fase, o artigo de

Fernando Guedes (1950) sobre O Tempo e O Vento, romance recém lançado do mais

caro escritor gaúcho de então, Erico Verissimo. Guedes reclama do pessimismo da obra

da falta de determinação e coragem de vários personagens e que ela “não incute à

grande massa de leitores a crença do valor do homem, antes a leva à descrença” (p.5).

Segundo as recomendações realistas socialistas, o artista deveria retratar o proletário e o

camponês de forma positiva, deveria representar seus sentimentos e problemas

claramente, mas sem negativismo, e sim apontando para a construção de uma nova

sociedade. Havia nisso a mitificação dos personagens, um “romantismo revolucionário”

(MORAES, 1994), e não uma análise crítica da realidade. Ao levar à risca as diretivas

do método stalinista, críticos do partido faziam julgamentos carregados de censura aos

trabalhos em que não transpareciam aspectos da pedagogia revolucionária. O

subjetivismo e a “decadente” cultura burguesa eram repudiados.

Também nesse número, publicou-se o artigo, sem assinatura, Os Povos do Mundo em

Defesa da Paz e da Cultura (1950), no qual encontramos dados sobre o Movimento.

Até aquele momento, 500 milhões de pessoas teriam assinado o Apelo de Estocolmo

pela interdição das armas atômicas. Trata do Congresso de Varsóvia que reuniu

representantes de oitenta países e suas resoluções, entre aqueles um pedido de redução

dos efetivos das forças armadas das grandes potências – Estados Unidos, União

soviética, República Popular da China, Grã-Bretanha e França. Condena-se

enfaticamente a intervenção militar norte-americana na Coreia. Na contracapa desse

exemplar, encontramos um trabalho do mexicano Alfredo Zalce junto às

reinvindicações do Apelo de Estocolmo contra as armas atômicas. Demonstra-se o

empenho que os colaboradores da Horizonte irão dedicar ao Movimento pela Paz,

principalmente no que se refere às petições.

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O Apelo de Estocolmo e o Apelo por Um Pacto de Paz foram grandes campanhas de

recolhimento de assinaturas de âmbito internacional do Movimento pela Paz que

realizara seu primeiro Congresso Mundial dos Intelectuais pela Paz, em agosto de 1948,

em Wroclaw, no qual os participantes foram incumbidos de expor os horrores da guerra

e a fragilidade da paz. Do congresso, surgira um escritório internacional de partidários

da paz alinhado ao Kominform (MILZA, 1987). Os Estados Unidos eram colocados

como o grande promotor de conflitos. O historiador Philippe Buton (1991) aponta para

o caráter instrumental das campanhas pacifistas comunistas, pois elas não eram uma

atividade contínua, mas datada de acordo com os interesses do campo socialista, ou seja,

com os conflitos que aconteciam no momento. No caso do Apelo de Estocolmo, a

guerra da Coreia e o aperfeiçoamento da bomba atômica norte-americana.

O segundo congresso mundial do Movimento pela Paz aconteceu em Varsóvia em

novembro de 1950, no qual foi eleito um Conselho Mundial pela Paz presidido por

Frédéric Joliot-Curie. O Conselho foi estruturado conforme o modelo de organização

comunista contando com comitês de base, conselhos comunitários e departamentais,

conselhos, escritórios e secretarias nacionais (MILZA, 1987).

No quarto número da Nova Fase, Carlos Scliar (1951) escreve sobre a exposição de

Vasco Prado no Auditório do Correio do Povo, no mês de maio de 1951, e analisa,

principalmente, a escultura Negrinho do Pastoreio. As palavras de Scliar apontam seu

comprometimento com a doutrina estética soviética, cita Mao Tse-Tung e o editorial da

revista Bolchevique – “o romantismo revolucionário reproduz nas obras literárias (e na

arte) os fenômenos, os acontecimentos da vida social, que podem ainda não existir na

realidade [...] mas que têm a tendência de tornar-se típico, com caráter de massa, no

futuro” (p.118) . A obra de Vasco é apontada como útil, um instrumento de luta e de

conscientização do público.

A edição de outubro de 1951 destaca o IV Congresso de Escritores e o III Congresso

Gaúcho pela Paz, realizados em Porto Alegre, em setembro e outubro daquele ano,

respectivamente. No evento pela Paz, aproximadamente trezentos delegados

representaram as 260 mil firmas do Apelo por um Pacto de Paz. Glênio Bianchetti

ilustra a capa com uma imagem que conclama a aderir à campanha, apresentando tipos

regionais e populares, provavelmente, visando a identificação do leitor (figura 1).

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Figura 1 – BIANCHETTI, Glênio (1928–2014)

Apelo por Um Pacto de Paz, 1951

Capa da Horizonte, Nova Fase, n. 10, out. de 1951

Fonte: Arquivo João Batista Marçal [registro fotográfico da autora]

O III Congresso Gaúcho pela Paz elaborou diversas resoluções, publicadas na

Horizonte, entre elas: a exigência de solução pacífica do embate coreano, a

contrariedade ao envio de tropas brasileiras para fora do país, o boicote a qualquer

propaganda de guerra, o protesto contra a perseguição aos partidários e coletadores de

assinaturas dos Apelos do Movimento pela Paz. Também há a recomendação de

eleições para os membros dos conselhos do Movimento. A dedicação ao Movimento

Brasileiro dos Partidários da Paz rendeu aos Clubes de Gravura de Porto Alegre e de

Bagé o Prêmio Pablo Picasso da Paz (Premiados Dois Clubes de Gravura Gaúchos,

1952).

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Também na edição de número 10, o Salão promovido pela Associação Francisco Lisboa

recebe cumprimentos pelo conteúdo real e humano dos trabalhos apresentados,

revelando seu viés progressista e independente. Alguns dos artistas premiados foram

Edgar Koetz, Glênio Bianchetti, Carlos Scliar, Vasco Prado e Danúbio Gonçalves.

Segundo o autor da matéria, as obras A Leitura e Soldado Morto de Vasco Prado foram

os destaques do evento.

No final de 1951, a revista apresentou uma retrospectiva dos fatos culturais

considerados mais importantes daquele ano: a exposição História da Gravura, no

Auditório do Correio do Povo, o Salão da Associação Francisco Lisboa e a mostra de

gravuras, ocorrida em razão do IV Congresso dos Escritores.

As várias exposições organizadas pelo Clube de Gravura de Porto Alegre tinham

divulgação garantida na Horizonte. Em 1952, a revista publicou o suplemento Notícias

do Clube de Gravura escrito por Carlos Scliar no qual o artista fala das origens da

entidade e de suas atividades.

A criação de uma organização que levasse aos nossos artistas os meios para

transmitir suas mensagens parecia-nos da maior oportunidade, e com esse

propósito nascia o Clube dos Amigos da Gravura de Porto Alegre. O contato

dos artistas mais experimentados com os mais jovens só poderia trazer os

melhores resultados para o enriquecimento de nossas artes plásticas. Aos que

julgavam, minados por preconceitos, que o trabalho em comum, as

discussões em torno dos problemas mais vivos do nosso povo, neutralizariam

o talento e a personalidade dos diferentes artistas, sabíamos que a prática

responderia decisivamente. Hoje, nessa exposição com cerca de 50 trabalhos,

seleção da obra gravada no curso de pouco mais de um ano, está a resposta

aos preconceitos retrógrados que procuram impedir um real desenvolvimento

da arte nacional. Interpretando a nossa gente, seus costumes e os melhores

anseios de nosso povo, um grupo de artistas plásticos gaúchos marcou-se

com características precisas, e a riqueza de cada um não fez mais do que se

acentuar em contato com os outros.

É o propósito do Clube dos Amigos da Gravura não só o desenvolvimento

dessas técnicas entre os nossos artistas, como a divulgação do gosto pela

gravura entre camadas cada vez mais vastas do nosso povo. Pela sua própria

técnica é a gravura, de todas as artes plásticas, a que está economicamente

mais ao alcance do público. (SCLIAR, 1952, p. I).

O Clube de Gravura expôs no Auditório do Correio do Povo diversas obras naquele ano.

De fato, várias mostras do Clube estavam acontecendo naquele momento, dentro e fora

do país. Seu trabalho se tornou o incentivo para a criação de outros clubes no Brasil,

como o de São Paulo e o de Curitiba.

O Festival Crioulo pela Paz, iniciativa dos partidários da paz, aconteceu nos dias 14 e

15 de novembro de 1953 e teve como lema “Feliz o povo que pode se divertir em paz”.

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A Horizonte apresentou uma generosa reportagem intitulada O Povo no Galpão da Paz

(1953) que tratava do grande público e dos participantes do evento realizado no Parque

Farroupilha. O festival contou com uma exposição de produtos de empresas da região,

uma mostra de gravuras e apresentações musicais. O objetivo principal seria relacionar

a campanha pela paz com a arte e os interesses populares.

A tradição da retrospectiva anual permanece em 1953. No artigo Salões de Porto Alegre

(1953), temos o apanhado desses eventos: o Salão Municipal de Porto Alegre e o IV

Salão da Associação Francisco Lisboa.

Durante o ano de 1954, foram divulgados o VI Salão da Associação Francisco Lisboa,

II Salão da Prefeitura e o V Salão do Instituto de Belas Artes. Na edição de maio, a

reportagem A Greve das Cores abordava a movimentação dos artistas plásticos a

respeito da portaria que dificultava a importação de tintas, o que ocasionou o protesto

no III Salão Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro no qual somente foram

apresentadas obras em preto e branco. Esse acontecimento causou grande comoção no

meio artístico e foi assunto de matérias de outros veículos da imprensa gaúcha – no

Correio do Povo, Quadros? Só em Preto e Branco!; na Revista do Globo, Revolta em

Preto e Branco (DAMATA, 1954).

A retrospectiva do pintor Pedro Weingartner de 1954, na Galeria da Casa das Molduras

foi contemplada em Pedro Weingartner , na Horizonte de número 28. O autor do artigo

exalta as qualidades do pintor e reclama das poucas chances de apreciar seus trabalhos

que, segundo ele, estavam sendo depreciados por seus herdeiros.

Carlos Scliar trata novamente do Clube de Gravura em Das Atividades e Perspectivas

do Clube de Gravura. Nessa matéria, o artista relata a trajetória da instituição, as

diversas mostras realizadas em diversos lugares do mundo e os prêmios obtidos pelos

artistas. Scliar permanece firme na sua convicção de que o trabalho do Clube está a

serviço da democratização da arte e do desejo de que as obras dos gravuristas possam

estar acessível ao maior número de pessoas: “sem contato com a realidade, sem

participação com aqueles temas que desejamos representar, não chegaremos senão a

obras superficiais de curto alcance [...]faremos com que nossas obras possam ser

encontradas em todos os lares: coladas nas paredes pobres, emolduradas nas outras

paredes, transmitindo um conteúdo de confiança na vida e na luta da nossa gente”

(SCLIAR, 1954, p.24).

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Um dos eventos mais marcantes promovidos pelo Clube de Gravura foi a exposição Por

Uma Arte Nacional, dita a primeira realizada a céu aberto em Porto Alegre que teve

lugar no Parque Farroupilha com o apoio da Secretaria de Recreação Pública municipal.

A mostra foi assunto do Correio do Povo, do jornal A Hora e da Horizonte. É

interessante que todos os periódicos apresentaram fotografias acompanhando o texto. A

Arte Submetida ao Julgamento Popular (1955), matéria da Horizonte, indica que

houveram aproximadamente dois mil espectadores que puderam avaliar os mais de

sessenta trabalhos em gravura expostos. A votação resultou na seguinte ordem de

premiação:

- Primeiro Prêmio – Fim de Jornada, de Glênio Bianchetti;

- Segundo Prêmio – Clareira, de Carlos Scliar;

- Terceiro Prêmio – Almoço, de Glênio Bianchetti;

- Quarto Prêmio – Campeando O Boi Barroso, de Nelson Boeira Faedrich;

- Quinto Prêmio – O Galpão, de Carlos Scliar.

O jornal A Hora dedicou quase toda uma página ao primeiro dia da exposição no

artigo denominado Arte em Praça Pública, de 14 de outubro de 1955, que ocorrera nos

domingos dos dias 02 e 07 de outubro de 1955. O diário ressaltou o aspecto popular da

iniciativa e o grande público que compareceu no primeiro dia, cerca de mil pessoas em

oito horas, um recorde para um evento desse tipo na cidade.

Os artistas tinham voz na Horizonte não só através de artigos como também de

entrevistas. Wilbur Olmedo, Carlos Mancuso, Carlos Alberto Petrucci e Gastão

Hofstetter expuseram suas ideias em Artistas Plásticos Falam dos Seus Planos para

1955 acerca do papel do artista, da recepção do público e de seus novos projetos. O

discurso sectário do realismo socialista parecia já ter se enfraquecido. Não se nota mais

a defesa dessa estética partidária, pelo contrário, Petrucci, por exemplo, critica qualquer

tipo de controle sobre o fazer artístico.

Segundo Maria L. B. Kern (1994), os artistas do Clube de Gravura possuíam a

“aspiração utópica de criar uma estrutura social mais justa” (p.62), assim como atentar o

público para os problemas sociais. Isso envolve uma crença na eficácia da arte em seu

papel de transformação da realidade, e, sim, eles acreditavam que poderiam fazer isso

aplicando preceitos do que seria a arte revolucionária pelo realismo socialista.

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O realismo procuraria desvendar a estrutura que condiciona nosso lugar no mundo, sem

que haja um corte profundo da tradição artística (POSADA, 1970). Entre suas

características principais, estaria o alinhamento da forma com o conteúdo. Conforme a

visão marxista do realismo, Adolfo Sánchez Vásquez (2011) elucida que a realidade é

vista com outros olhos e que a arte é considerada uma forma de conhecimento. Desse

modo, o artista de esquerda deve se voltar para a realidade visando expressar a seu

ponto de vista acerca do que vê. O realismo não seria uma imitação da realidade, mas

sim sua apresentação. Já o realismo socialista foi criticado por alguns intelectuais de

esquerda contemporâneos e pela maioria dos que o sucederam. Leandro Konder conclui

que:

...em vez de o combate à mistificação do esteticismo ser realizado pelos

marxistas também em nome da arte, ele foi realizado em nome

exclusivamente da política e, especialmente, em nome das exigências mais

imediatas da ação política revolucionária.

O resultado a que chegaram os marxistas foi o de um empobrecimento, o de

uma autodelimitação do marxismo, que ficou privado de uma teoria estética

convenientemente desenvolvida. (KONDER, 2013, p. 25-26).

O ideal da arte como promotora de mudanças sociais é discutido por Jacques Rancière

no livro O Espectador Emancipado (2012). O estudioso explica que a suposição da

intervenção da arte nas situações supõe a existência de um continuum sensível entre o

artista e o público, e envolve o que denomina de um modelo pedagógico da eficácia da

arte. Isso abarca o princípio de que “a arte nos torna revoltados quando nos mostra

coisas revoltantes” (p.52).

Entretanto, Rancière não é um pessimista que descrê totalmente da capacidade da arte

de alterar os indivíduos e, consequentemente, a coletividade. Porém, para que isso

aconteça, a experiência estética deve ser uma experiência de dissenso, ou seja, tratar da

diversidade de regimes de sensorialidade. Para o autor, “arte e política têm a ver uma

com a outra como formas de dissenso, operações de reconfiguração da experiência

comum do sensível” (RANCIÈRE, 2012, p. 63). A produção de dissenso ocorre por

mudanças nos referenciais a partir de novas formas de experiência. Enfim, Rancière

admite que a alteração do sistema, a desestruturação de seus elos, dar-se-ia com o

rompimento do tecido consensual.

A união de arte e política pelos Clubes de Gravura e pela revista Horizonte não resultou

na revolução socialista, nem em outra mudança significativa da sociedade gaúcha.

Entretanto, sua atuação foi de grande relevância para o cenário cultural local, que

Sessão temática Imagens ­ 104

carecia de espaços que se ocupassem de formar artistas, expor obras e de desenvolver

discussões sobre arte.

Referências

A ARTE Submetida ao Julgamento Popular. Horizonte, Porto Alegre, n. 31, ano VI,

nov. 1955, p.16-17.

A GREVE das Cores. Horizonte, Porto Alegre, n. 28, ano IV, mai.-ago. 1954, p.102-

103.

ARTISTAS PLÁSTICOS Falam dos Seus Planos para 1955. Horizonte, n. 30, Porto

Alegre, ano VI, jan.-abr. 1955, p.16.

AMARAL, Aracy. Arte para quê?: a preocupação social na arte brasileira 1930-1970:

subsídios para uma história social da arte no Brasil, 3 ed. São Paulo: Studio Nobel,

2003.

ARBEX, Luciana B. M. Intelectualidade brasileira em tempos de Guerra Fria: agenda

cultural, revistas e engajamento comunista. São Paulo: USP, 2012. Dissertação

(Mestrado) – Programa de Pós-graduação em História Social Capa da Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012.

Disponível em: < http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-13122012-

095555/pt-br.php> Acesso em: 15 fev. 2015.

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