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J. M. Rolo As relações internacionais e a questão da energia na Europa Na primeira parte deste artigo faz-se uma breve análise critica das principais teorias das relações económicas inter- nacionais: a teoria pura do comércio internacional, a teoria do desenvolvimento internacional (ou teoria da dependência) e a teoria da troca desigual. Todas essas teorias se revelam mais ou menos impotentes para explicar uma realidade cujos aspectos estritamente económicos são indissociáveis dos as- pectos políticos, tecnológicos, etc. Uma reconstrução teórica é, pois, indispensável e urgente. Mas a sistematização da in- formação disponivel acerca dos novos agentes e das novas formas e condições das relações internacionais é também de fundamental importância. É neste sentido que, na segunda parte do artigo, se efectua um inventário critico dos dados que caracterizam presentemente o problema da energia na Europa, situando-o no quadro das relações internacionais. AS TEORIAS DAS RELAÇÕES ECONÓMICAS INTERNACIONAIS: BREVE REFERÊNCIA CRITICA 1. Um ponto de partida cómodo para discutir a teoria do comércio internacional e apreciar da sua importância para a ex- plicação das relações económicas internacionais é o modelo Hecks- cher-Ohlin-Samuelson (H-O-S) das vantagens comparativas e dos ganhos de comércio, cujo aperfeiçoamento foi a grande realiza- ção da investigação levada a cabo neste domínio depois da se- gunda guerra mundial 1. Os pressupostos básicos do modelo em questão são os seguin- tes: existência de dois países capazes de produzir dois bens utili- zando dois factores de produção idênticos num e noutro país; fun- 1 Uma exposição acessível do modelo encontra-se em K. LANCASTER, «The Heckscher-Ohlin Trade Model: A Geometric Treatment», in Economica, vol. 24, 1957, pp. 19-39; veja-se também B. S. MINHAS, «The homohypallagic Production Function, Factor Intensity Reversais and the Heckscher-Ohlin Theorem», in Journal of Political Economy, vol. 70, 1962, pp. 138-196.

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J. M. Rolo

As relações internacionais

e a questão da energia

na Europa

Na primeira parte deste artigo faz-se uma breve análisecritica das principais teorias das relações económicas inter-nacionais: a teoria pura do comércio internacional, a teoriado desenvolvimento internacional (ou teoria da dependência)e a teoria da troca desigual. Todas essas teorias se revelammais ou menos impotentes para explicar uma realidade cujosaspectos estritamente económicos são indissociáveis dos as-pectos políticos, tecnológicos, etc. Uma reconstrução teóricaé, pois, indispensável e urgente. Mas a sistematização da in-formação disponivel acerca dos novos agentes e das novasformas e condições das relações internacionais é também defundamental importância. É neste sentido que, na segundaparte do artigo, se efectua um inventário critico dos dadosque caracterizam presentemente o problema da energia naEuropa, situando-o no quadro das relações internacionais.

AS TEORIAS DAS RELAÇÕES ECONÓMICASINTERNACIONAIS: BREVE REFERÊNCIA CRITICA

1. Um ponto de partida cómodo para discutir a teoria docomércio internacional e apreciar da sua importância para a ex-plicação das relações económicas internacionais é o modelo Hecks-cher-Ohlin-Samuelson (H-O-S) das vantagens comparativas e dosganhos de comércio, cujo aperfeiçoamento foi a grande realiza-ção da investigação levada a cabo neste domínio depois da se-gunda guerra mundial 1.

Os pressupostos básicos do modelo em questão são os seguin-tes: existência de dois países capazes de produzir dois bens utili-zando dois factores de produção idênticos num e noutro país; fun-

1 Uma exposição acessível do modelo encontra-se em K. LANCASTER,«The Heckscher-Ohlin Trade Model: A Geometric Treatment», in Economica,vol. 24, 1957, pp. 19-39; veja-se também B. S. MINHAS, «The homohypallagicProduction Function, Factor Intensity Reversais and the Heckscher-OhlinTheorem», in Journal of Political Economy, vol. 70, 1962, pp. 138-196.

ções de produção idênticas sujeitas a rendimentos constantes àescala e tais que as intensidades relativas dos factores sejam inva-riáveis em relação à modificação dos preços dos factores, ou detal natureza que se tornem invariáveis no intervalo dos preçosrelativos dos factores admitidos pelas dotações em factores decada um dos países, dotações essas que são fixas, por hipótese;gostos idênticos no sentido estrito das funções de utilidade homo-téticas; concorrência perfeita; ausência de direitos aduaneiros;inexistência de custos de transporte.

O modelo demonstra, com base nestes pressupostos, que ocomércio internacional tem origem nas diferenças de dotação emfactores que os dois países possam revelar, o que significa quecada um deles tenderá a exportar o produto que utiliza o factor deprodução relativamente abundante de maneira relativamente in-tensa. Além disso, o modelo demonstra ainda que, se as dotaçõesem factores não forem suficientemente diferentes para que um ouvários países se possam especializar, o comércio conduzirá àigualação dos preços dos factores. A imobilidade destes não seria,assim, um impedimento à maximização da produção mundial nemà da eficiência económica internacional.

Mau grado, porém, todos os refinamentos que comporta, omodelo não representa senão um caso cada vez mais particular edistante da realidade contemporânea. De facto, não só por forçados seus pressupostos básicos, como também por virtude de algu-mas hipóteses teóricas adicionais em que assenta — nomeadamentea da liberdade das trocas, a da estabilidade monetária, a da con-vertibilidade das moedas e a do comportamento tipificado dosagentes económicos portadores de uma racionalidade vazia desentido político-social—, é relativamente fácil apercebermo-nosde que estamos em presença de uma construção teórica demasiadoafastada dos «factos» para permitir algo mais do que um compli-cado exercício intelectual.

Contudo, vários autores estão convencidos de que a teoria docomércio internacional de raiz liberal (neoclássica) encerra aindapotencialidades cujo desenvolvimento é importante para o futurodas relações económicas internacionais, no que se refere tanto àexplicação e previsão da estrutura das trocas entre países, comoao esclarecimento dos problemas de política económica interna-cional que se põem ao mundo contemporâneo. Dentre esses auto-res destaca-se H. Johnson, que opõe à concepção familiar do mo-delo H-O-S uma teoria dinâmica e integrada. Em resumo, essateoria parte de uma análise da criação e difusão dos novos conhe-cimentos tecnológicos e comerciais aplicados em grande parte(mas não inteiramente) pelas grandes empresas multinacionais;ela integra o fenómeno da concorrência monopolística e o dasempresas multinacionais, mantendo, embora, o acento tradicionalque o modelo H-O-S põe sobre a abundância relativa dos factoresde produção, em presença de gostos semelhantes, enquanto causaúltima do comércio internacional2. As principais diferenças entre

3 H. JOHNSON, «La théorie du commerce International», in UAvenir desRelations Êconomiques Internationáles, Paris, Calmann-Lévy, 1971. 447

as duas construções teóricas residem: no tratamento dos gostos,cuja dinâmica implica um processo de aprendizagem em respostaaos rendimentos crescentes, às modificações tecnológicas e aospreços relativos do trabalho e do capital; e no tratamento dinâ-mico paralelo das vantagens comparadas, que, em última análise,são devidas às diferentes vantagens que operam no domínio dainvenção e da inovação, elas próprias baseadas nas diferenças emdisponibilidades de factores.

São várias as críticas que se podem formular a esta recenteconstrução teórica. Uma delas reside no facto de o ataque que oseu autor faz ao sofisticado modelo das intensidades relativas dosfactores se apoiar em certas hipóteses que não figuram entre osfundamentos das teses neoclássicas 3. Além disso, importa fazernotar que, apesar de tudo, a nova teoria não ultrapassa os limitesdo quadro do equilíbrio geral e, nessa medida, não faz mais do queenunciar, de maneira diferente, as consequências da procura domáximo lucro ao nível internacional, o que, tendo em conta acomplexidade crescente dos objectivos dos modernos agentes dasrelações económicas internacionais, a relega para plano idênticoao do modelo H-O-S, cujo afastamento do real é notório, como sesublinhou. Daí a sua incapacidade explicativa (oriunda, aliás, doseu carácter normativo) perante os problemas recentes, que, par-tindo das acentuadas disparidades que se põem ao nível da divisãointernacional do trabalho, se revelam de carácter mais conflitual.

Centrados em perspectivas teóricas algo distintas das ante-riores, outros autores pretendem chamar a atenção para a globali-dade do fenómeno das relações económicas internacionais. Ê nestesentido, por exemplo, que H. Myint, sobremaneira preocupado como problema das relações entre «países desenvolvidos» e «paísessubdesenvolvidos», denuncia a necessidade de recorrer a uma teo-ria da cooperação económica internacional4. Na linha desta su-gestão, e no decurso de algumas críticas que lhe foram feitas, temvindo a esboçar-se uma tendência que, tendo em conta o mundoreal no qual se patenteiam exclusivamente relações globais (eco-nómicas, políticas, etc.) com um grau de complexidade crescente,propõe a construção de uma teoria do desenvolvimento internarcional. O argumento fulcral que enforma esta atitude teóricaperante a realidade das relações entre os países é o seguinte: épreciso admitir, em nossos dias, que existem nações independentesque, ao menos, têm o direito (e, ao que parece, ultimamente, tam-bém poder persuasivo suficiente) de se pronunciar e/ou praticarcertas políticas (de carácter económico, financeiro, político); oque tem acontecido é que, historicamente, a forma adquirida pelainterdependência económica entre os países tem influído sobreessas políticas, do que tem resultado um conjunto de relações de«dominação-subordinação» entre aquelas, inteiramente contráriaao conteúdo aparente da teoria tradicional do comércio interna-

3 R. CAVES, Trade and Economic Structwre, Harvard, 19604 H. MYINT, «Commerce International et Pays en voie de développe-

ment», in UAvenir des Relations Êconomiques Internationales, Paris, Cal-mann-Lévy, 1971.

cional. Com efeito, historicamente, as diversas formas de depen-dência político-económica de uns países relativamente a outrosestão ligadas ao facto de as instituições políticas e o progressotécnico terem feito a sua aparição histórica (não providencial,portanto) em certos países mais do que noutros, o que, posterior-mente, possibilitou as diversas categorias de dominação apoiadassucessivamente no poderio comercial, na colonização e, mais re-centemente, na manipulação do investimento ao nível mundial.A tudo isto acresce o facto da existência de determinado tipo deconflitos (guerras, convulsões políticas) que, tendo começado sem-pre por desencadear mecanismos inicialmente tendentes a desa-gregar as referidas relações, em presença da superioridade defacto dos interesses dominantes, acabaram por se resolver emelementos de rigidificação dos sistemas, o que, na circunstância,mais não faz do que reforçar as relações «dominação-subordinação».De certa forma, a chamada teoria da dependência responde a al-gumas das exigências desta formulação teórica. Contudo, dado ocarácter acentuadamente ambíguo do termo dependência e as pró-prias incertezas da respectiva teoria, julga-se conveniente nãoincluir aqui a sua discussão5.

Finalmente, importa referir um último grupo de teóricos6

para quem o mundo de hoje, no seu conjunto, apresenta pratica-mente a mesma imagem que apresentava a «nação europeia» noauge da sua industrialização, situação que ficou a dever-se aofacto de a evolução desse tipo de sociedades se ter processado comose, em lugar das forças centrífugas previstas pela ciência econó-mica tradicional para difundir o progresso técnico do centro paraa periferia, forças centrípetas imprevistas tivessem aspirado todasas riquezas em benefício de certos pólos de enriquecimento. Empresença destas desigualdades, problemas e interrogações idên-ticas às que se puseram à nação industrial do fim do século XIXpôr-se-iam hoje ao mundo no seu conjunto. Reconhecia-se então,no interior da nação, um dever dos ricos de ajudar os pobres. Con-tudo, e à medida que se afirmava a unidade da economia nacional,a sociedade industrial começou, sob a pressão das reivindicaçõesdas classes deserdadas, a tomar consciência do facto de a pobrezae a riqueza não serem fenómenos contingentes, mas sim estrutu-rais, sendo ambas produtos necessários de um conjunto de rela-ções económicas que constituem um todo. Nada disto é claramentevisível ainda no plano internacional. Mas uma mudança começoujá a produzir-se no sentido de encarar identicamente as relaçõesinternacionais: é que, à medida que avança e se consolida a inte-gração da economia mundial, à semelhança do que se passou coma nação industrial, começa a constatar-se uma tomada de consciên-cia da existência de ligações estruturais e de mecanismos de trans-ferências de riquezas que importa suster. Na verdade, emboraconfusa e intuitivamente, começa-se a perceber que o enriqueci-

5 Um debate interessante sobre esta questão pode ver-se em F. H. CAR-DOSO, P. C. WEFFORT e outros, Sobre Teoria e Método em Sociologia, SãoPaulo, CEBRAP, 1971.

6 A. EMMANUEL, UÊchange Inégál, Paris, Maspéro, 1969.

mento de uma minoria (de países) foi impossível sem o empobre-cimento dos restantes; que, em relação à acumulação efectiva dosmeios de produção, uns são extremamente ricos e outros dema-siado pobres. Não admira, portanto, que também os países maisdeserdados comecem a fazer sentir o eco das suas reivindicações(à semelhança das reivindicações da classe trabalhadora nas «na-ções industriais»), cujo grau tende a distanciar-se cada vez maisdos níveis mais ou menos elevados de subsistência que a chamada«ajuda» lhes tem proporcionado — o exemplo do embargo do pe-tróleo por parte dos países produtores parece-nos claro a esterespeito.

2. Há quase vinte cinco anos, o New York Times afirmava(11-1-1950): «indiscutivelmente, o nível de vida elevado da Eu-ropa e dos Estados Unidos depende [... ] da existência de matérias--primas e de mão-de-obra barata em África e na Ásia.» 7 Factoincontroverso, este, a ele corresponde uma atitude por parte dospaíses industrializados que visou desde sempre a exploração e autilização, ao melhor preço, dos mencionados produtos. A fórmulageralmente encontrada para remunerar essa exploração/utilizaçãodas matérias-primas e da força de trabalho resume-se às diversasformas de ajuda, directa ou indirecta, que só nos nossos dias co-meça a deixar de ser considerada como um acto unilateral e gra-tuito dos países ricos; com efeito, como já se referiu, a ajudainternacional apresenta-se ainda hoje como uma obrigação dospaíses ricos para com os países pobres; resta acrescentar queessa obrigação implica, por definição, um direito de compensação.A questão está em saber: compensação de quê? Se pensarmos queas trocas entre os países se caracterizam por uma acentuadadeterioração das respectivas «razões de troca», que se processasempre em favor dos países ricos, poderemos descortinar alguns ele-mentos susceptíveis de responder à nossa questão. A teoria econó-mica tradicional ignora de facto as trocas não equivalentes, apenascontemplando alguns aspectos que, a este respeito, são relativa-mente dispiciendos (as flutuações dos preços de mercado, o efeitoda concorrência imperfeita); em qualquer dos seus ramos maissignificativos, com efeito, e dada a permanência da necessidade(teórica) do equilíbrio geral, a troca nunca é desigual, pois que,por definição ex post, a equivalência é necessária. Acontece queestudos estatísticos infindáveis demonstram que os termos ou«razões de troca» se deterioram secularmente. Deste modo, ouesta deterioração é considerada como uma miragem estatística,ou será pura e simplesmente rejeitada em função das tendênciasestruturais das elasticidades da procura, que, contudo, acabampor condenar uma certa categoria de produtos a uma baixa perpé-tua e outra a uma alta perpétua. Deste modo, e porque, de facto,a questão da deterioração das razões de troca não pode ser negada,a teoria tradicional limita-se a responder com base no argumentofundamental da teoria dos custos comparativos: a diferença dos

7 A . EMMANUEL, op. cit.

rendimentos é devida à diferença das médias nacionais respectivasdas produtividades comparativas no artigo exportado e no im-portado. Acontece que esta explicação envolve uma enorme con-tradição: se assim fosse, a maior parte dos países subdesenvol-vidos deveriam poder remunerar os seus factores a uma taxa delonge superior à dos países industrializados, dado que a inferio-ridade destes em artigos importados (matérias-primas, combustí-veis) é geralmente maior do que a sua superioridade em artigosexportados (máquinas, veículos), o que apenas quer dizer que émais fácil bloquear o desenvolvimento dos países industrializados,cortando-lhes, por exemplo, o aprovisionamento em combustíveisprimários, do que bloquear o desenvolvimento dos países pobresnão lhes fornecendo viaturas.

E o que devem fazer os países subdesenvolvidos em face dadesigualdade das trocas e da continuada deterioração das razõesde troca ? Excluída, a priori, a hipótese do alinhamento brutal dosseus salários pelos dos países desenvolvidos, parece não lhes res-tar outra alternativa senão encontrar maneira de reter ao máximodentro das suas fronteiras o excedente da actividade produtiva.Mas se, por definição, os empresários nacionais não conseguemtirar partido dessa redistribuição, ainda aqui se oferecem duasalternativas: transferir para o Estado o produto do imposto que in-cide sobre a exportação do excedente, ou diversificar a produçãoatravés da transferência de factores dos ramos de actividade tradi-cionais de exportação para os ramos anti-importação, o que, emprincípio, fará beneficiar o consumidor nacional dos baixos salários.Estas duas alternativas são ambas aptas à canalização do excedentepara fins de desenvolvimento: a primeira, porque permite a utiliza-ção directa dos acréscimos orçamentais no financiamento de pro-jectos de investimento; a segunda, porque facilita uma certa redis-tribuição do rendimento, condição sine quo, non do processo, dada aimpossibilidade —que admitimos por hipótese— de se procedera uma alta dos salários reais a curto prazo, cujo efeito sobre oconsumo poderia cumprir as exigências em questão. Se, contudo,pensarmos que o imposto sobre o excedente exportável não é umacto sem repercussões múltiplas (dadas as relações de interdepen-dência entre os países) e que, portanto, a sua aplicação é difícil,uma vez que a sua agressividade desencadeia fortes reacções erepresálias por parte dos países consumidores, não nos resta se-não a segunda alternativa, isto é, a da diversificação. Esta, emprincípio, seria a arma mais eficaz, que, note-se, poderia actuar deduas maneiras: por um lado, as exportações tradicionais diminui-riam, enquanto as necessidades mundiais se manteriam, o queteria como consequência uma alta de preços; por outro lado, asimportações tradicionais diminuiriam, o que, encontrando despre-venidos os países que habitualmente exportam os respectivos pro-dutos, os levaria a baixar os preços.

É claro que, se a referida alternativa da diversificação daprodução nos aparece assim de tão fácil execução, isso resulta dofacto de uma certa linearidade da teoria que a propõe. É que épreciso não esquecer, desde logo, que o equilíbrio das transacçõesmundiais, no plano concreto, não pode ser conseguido, mantido ou

restabelecido senão à custa de a diversificação da produção deum país (ou grupos de países) não poder deixar de ser acompa-nhada por uma idêntica atitude por parte do resto do mundo. Alémdisso, como a diversificação necessita de um certo lapso de tempopara ser conseguida, isso implica que os países já eventualmenteorientados para uma política idêntica que abarque o mesmo tipode produtos disporão de vantagens adicionais dificilmente ultra-passáveis. Mas, acima de tudo, o importante está em que o resto domundo é constituído por países altamente industrializados, cujasespecializações comportam investimentos demasiado importantespara ficarem à mercê de eventuais políticas proteccionistas ou de«desenvolvimento para dentro»: isto significa, em última análise,que o simples facto do proteccionismo assente na diversificaçãoda produção, se se pode, teoricamente, pensar ser uma condiçãonecessária para a luta dos «países pobres» contra a deterioraçãopermanente e crescente das suas «razões de troca» com os paísesricos, o que é um facto é que não se pode imaginar ser uma con-dição suficiente dessa luta, uma vez que não opera, eficazmente,sem mais. Na verdade, o processo é bastante mais complexo: ospaíses industrializados, conscientes de uma relativa fragilidadeda sua situação de dominação que poderia advir do facto da con-tracção das suas exportações motivadas por políticas proteccio-nistas dos países dependentes, trataram de fazer canalizar asrelações económicas internacionais por organismos financeiros decarácter supranacional (F. M. I., B. I. R. D., A. I. D.) cuja pene-tração nos países subdesenvolvidos, tendo como característicafundamental a instituição de uma apertada rede de compromissos(tratados, acordos, etc), lhes retira largas possibilidades de auto-nomia. Importa prevenir aqui, porém, que a dicotomia teórica«países subdesenvolvidos/países desenvolvidos» é susceptível deser particularmente enganadora na questão em estudo: com efeito,se não pensarmos em termos de um bloco dominador e de um blocodominado, mas considerarmos pelo menos três blocos (o tradicio-nalmente dominador, o tradicionalmente dominado e um outro,cuja necessidade de expansão além-fronteiras seja explosiva), in-troduzimos um elemento de referência adicional para os paísessubdesenvolvidos, com o qual a possibilidade de futuro entendi-mento é susceptível de permitir melhores resultados à estratégiado proteccionismo; na verdade, neste caso, o impacte das represá-lias à restrição às importações dos países pode ser diluído se oterceiro bloco for capaz de absorver as exportações destes países,facilitando assim o florescimento das indústrias neles recém--construídas com vista à diversificação. É evidente que, empresença de produtos com uma élastiddade-preço da procura prati-camente nula (caso do petróleo e de grande número de matérias-primas), o êxito da diversificação é susceptível de operar deper si ainda com mais segurança, uma vez que a manipulaçãoconveniente do fornecimento aos países consumidores daquelesprodutos é susceptível de criar um reequilíbrio entre as relaçõesde força respectivas, que, entre outros efeitos, poderão obviar aoandamento secular da deterioração das razões de troca. Volta-se

a referir, porém, que este processo se não apresenta, pelo menosa priori, irreversível: com efeito, se, como afirmámos, as relaçõesentre países são complexas e, além disso, o seu estudo se tem ba-seado em observações de eventos cuja constância se transformoujá em «normalidade», a presença de um conflito tenderá a serestudada ainda nessa base e as políticas correspondentes não dei-xarão de se orientar no sentido tradicional; deste modo, o resul-tado final dependerá, não só do confronto do poder persuasório dospaíses subdesenvolvidos com os interesses dos países industriali-zados, mas também da natureza e da força das alianças políticasdos primeiros, que, necessariamente, hão-de servir de pano defundo às respectivas políticas de emancipação económica, nomea-damente no caso das políticas de fornecimentos condicionados.

3. Em resumo, podemos concluir que são várias as perspec-tivas teóricas e as teorias (as que referimos não são a totalidade)às quais se pode recorrer para explicar cientificamente as chama-das relações internacionais (relações entre países, ou blocos depaíses, com intuitos económicos, políticos, financeiros, etc). Den-tre estas destacamos, neste trabalho, a teoria pura do comérciointernacional; referimos as adaptações mais recentes a que estafoi submetida; enunciamos o núcleo causal de uma teoria maisampla do que as anteriores, a que chamamos teoria do desenvolvi-mento internacional; expusemos alguns aspectos da teoria da trocadesigual. Como vimos, nenhuma destas teorias nos pareceu intei-ramente capaz de cumprir, com o rigor que se impõe, a tarefa deque em princípio, embora de pontos de vista diferentes, todas estãoincumbidas. Na verdade, seja porque umas estão demasiado presasàs exigências dos pressupostos em que assentam ou às limitaçõesimpostas pela coerência interna dos respectivos modelos, sejaporque outras ainda não têm devidamente consolidados os respec-tivos conceitos e objectos de análise, o que é certo é que nenhumaparece responder convenientemente às cada vez mais complexasinterrogações com que o mundo moderno no domínio em questãoparece desafiar os cientistas sociais.

A chamada teoria pura do comércio internacional, cujas gló-rias remontam ao século passado, pode considerar-se, ainda hoje,fascinante do ponto de vista estritamente teórico, mas, como veri-ficamos, a sua capacidade de aplicação encontra-se fortementelimitada. Com efeito, operando no demasiado amplo quadro doequilíbrio geral, a teoria do comércio internacional limita-se aretirar as consequências, ao nível internacional, da procura domáximo lucro. A sua lógica é, acima de tudo, normativa e o seupoder de previsão exerce-se, sobretudo, em termos de estática com-parada, pois se limita a descrever os reequilíbrios que se sucedemàs perturbações do sistema. E, apesar de modernamente ter sidoobjecto de adaptações, umas no âmbito do quadro tradicional(modelo Heckscher-Ohlin-Samuelson), outras fugindo um pouco àsapertadas exigências metodológicas e teóricas da escola neoclás-sica (Johnson), o que é certo é que a teoria pura do comérciointernacional está de tal modo distante da realidade das relações

internacionais dos nossos dias, que o seu valor explicativo é prati-camente simbólico.

Com efeito, a maior crítica que se pode fazer à teoria purado comércio internacional deriva de ele se ter alheado por com-pleto de um importante facto que, de determinado ponto de vista,se pode enunciar assim: «a instância económica, dominante nosistema capitalista pré-monopolista, é acompanhada pelo carácterpolítico da instância ideológica; a transferência da dominânciapara a instância política no capitalismo monopolista é acompa-nhada por uma transferência paralela da instância ideológicapara a económica que se torna ideologia.»8 Em ligeiro resumo,poderíamos dizer que a teoria pura do comércio internacional,economicista por natureza e alheia, como é, portanto, ao facto de,no tempo do capitalismo monopolista de formas evoluídas (em-presas multinacionais), as relações económicas internacionais te-rem assumido um carácter eminentemente político (no sentido dareferência anterior), se tornou de todo em todo insusceptível deexplicar convenientemente as referidas relações.

Apercebendo-se da transferência qualitativa dos problemasoperada no interior das tradicionais relações económicas interna-cionais e socorrendo-se de esquemas de análise cujo ponto devista se mostrou mais adequado à explicação dos respectivos fenó-menos, surgiram outras correntes teóricas que, entretanto, nãoconseguiram ainda impor-se como se desejaria. De entre estasdestacamos as chamadas teoria da dependência e teoria da trocadesigual. Quanto à primeira, o seu estado de desagregação actualcomeça por resultar, desde logo, do facto de o próprio conceito dedependência não oferecer garantias de se poder constituir emautêntico conceito de carácter inequivocamente científico. A al-guns dos autores mais notados nesta teoria9 põe-se até com umacerta acuidade a questão de saber se o que está em causa é aconstrução de uma teoria da dependência, de cuja possibilidade seduvida, ou se, mais modestamente, sob o eventual comando danoção provisória de dependência, há que proceder ao estudo loca-lizado de casos concretos. Já a teoria da troca desigual parece con-ter um grau de estruturação relativamente elevado. Com efeito,partindo da constatação da tendência secular para a deterioraçãodas razões de troca dos países subdesenvolvidos, a referida teoriaconsegue já enunciar, como vimos, algumas proposições pré--teóricas de valor apreciável. Contudo, quando se trata de definircom mais rigor proposições propriamente teóricas. (leis), não sepassa ainda, ao que parece, de enunciados extremamente vagos,cuja possibilidade de redução e operacionalização se não vislumbra.Isso acontece, nomeadamente, quando a referida teoria diz que setorna necessário, no domínio do estudo das relações internacionais,ir além das relações de mercado mundiais, estudando sobretudoas respectivas relações de produção. Evidentemente que não esta-mos, propriamente, perante uma proposição teórica, mas empresença de uma indicação a seguir no trabalho de teorização.

8 S. AMIN, UAccumulation à 1'Êchelle Mondiale, Paris, Anthropos, 1970.° F. H. CARDOSO, op. cit.

Simplesmente, nos caminhos dessa indicação (o estudo das cha-madas forças produtivas e das relações de produção) é que se nosdepara uma proverbial barreira, composta não só pelo conteúdode cada um dos seus itens, mas sobretudo pela dificuldade imensade estabelecer a sua articulação.

No total, constata-se, portanto, uma certa impotência dasteorias disponíveis para explicar a realidade das relações inter-nacionais em sentido amplo, isto é, abarcando os seus aspectospolíticos, económico-financeiros, técnicos, etc. Põe-se, portanto,o problema de, acolhendo ou não as propostas teóricas já existen-tes, voltar ao princípio, com vista a melhor interrogar os aconte-cimentos, bem como ao isolamento das suas causas fundamentaise à criação de mecanismos que ajudem a prever o futuro das rela-ções respectivas. Nesse sentido, será imprescindível não esquecerque a determinados estádios de desenvolvimento global corres-ponderam determinadas teorias, mas que, ultrapassados que fo-ram esses estádios, as teorias anteriores deixaram de poder incluire traduzir as novas manifestações do concreto, pelo que a suarevisão se impõe. E não se diga que o momento actual não é pro-pício a trabalho de tamanha grandeza. Na verdade, a história de-monstra que as grandes aquisições teóricas se seguiram semprea grandes conflitos sociais. E há quem afirme até que a grandezados conflitos determina, em grande medida, a qualidade, o valorda teoria. Sem querer fazer qualquer espécie de exaltação, que sepoderia julgar incluída nas palavras anteriores, apenas se refereque, em presença de um conflito generalizado que corre o riscode conduzir a uma desagregação irreversível das sociedades con-temporâneas, ou, mais optimisticamente, apenas pode vir a pôrem causa, sem mais, certos valores em que estas sociedades sevinham (talvez acriticamente) consolidando, pois, em tal mo-mento, está lançada, pelo menos, uma condição (histórica) queinclui, implicitamente, um estímulo à actividade científica, que,por sua vez, implica uma crítica total do que nos diversos camposdo saber tem sido impropriamente considerado como adquirido.Partindo embora do princípio de que as teorias disponíveis do do-mínio das relações internacionais, seja qual for a perspectiva teóricaem que nos situemos, são manifestamente insuficientes para respon-der às interrogações que hoje em dia nele se levantam com umgrau de crescente complexidade, constatam-se condições concretasque podem propiciar um fecundo trabalho de reelaboração teórica:de entre estas destaca-se o facto de as relações internacionais seterem vindo ia processar, recentemente, a um ritmo marcada eoriginalmente conflitual, o que se julga susceptível de criar umgrau de interesse adicional por estas questões, que, no limite, pos-sibilitarão um trabalho (interdisciplinar) nunca antes realizadono campo das ciências sociais.

Um ponto obrigatório deste trabalho que se adivinha passaránecessariamente pelo reconhecimento do facto de as relações inter-nacionais, consideradas como objecto de conhecimento, se carac-terizarem por uma multiplicidade de modelos ou quadros teóricosde análise cujo alcance é relativamente curto (de entre esses mo-delos sobressaem o do laissez-faire, o das economias dirigidas, o 455

das economias subdesenvolvidas, o dos espaços integrados e o daseconomias integralmente planificadas). Mas, mais do que isso,passará por uma análise apurada do conteúdo de cada um, bemcomo pelo estudo aprofundado das respectivas inter-relações pos-síveis.

Mas a sistematização da informação de que já hoje se dispõeacerca dos novos agentes significativos das relações internacionaisé também um trabalho fundamental. Com efeito, afastado que estádessas relações o sujeito-tipo tradicional, cujo comportamento é,hoje, mais ficção do que teoria (o homo oeconomicus, o empresá-rio schumpeteriano), resta considerar que àquele se substituiucom espantosa predominância um outro tipo de agentes (empresasmultinacionais, blocos políticos) cujo comportamento é enformadopor uma lógica totalmente diferente da dos agentes-tipo da teoriatradicional. Na verdade, ao comportamento típico (em termos deescalas de preferência, curvas de indiferença, igualação do customarginal ao rendimento marginal, etc.) do agente tradicional deuma certa teoria económica sucede o complicado jogo das estraté-gias dos blocos políticos com peso significativo, bem como o dasempresas multinacionais, estratégias essas sempre enformadaspor conjuntos de vectores de natureza não necessariamente econó-mica, predominantemente, até, de natureza política.

Mas nem só do ponto de vista dos agentes, suporte básico dasrelações internacionais, se deve pôr o problema crítico da teoriaem questão. Com efeito, as próprias relações internacionais, emsi mesmas, são hoje estrutural e funcionalmente distintas daque-las que estiverem na base da criação da teoria tradicional. Importa,por isso, ter em conta, por exemplo, as consequências da guerrasobre a internacionalização do capitalismo, a evolução da «ajudaexterna», mormente nas suas fórmulas mais recentes, a interpene-tração permanente das economias nacionais por decisões oriundasde outros centros de poder, a crescente mobilidade dos factores,o acréscimo espectacular do volume das trocas internacionais, acentralização do núcleo da estratégia global do capitalismo oci-dental nos Estados Unidos, etc.

Finalmente, uma mudança radical que tenha de se operar noseio da teoria das relações internacionais não pode ser alheia aofacto concreto, recentemente tornado significativo, da questão dasmatérias-primas em geral e dos combustíveis primários em parti-cular. Na verdade, as consequências da agudização das dificulda-des que os países industrializados vinham sentindo no que serefere ao aprovisionamento em matérias-primas e em combustí-veis primários parecem de molde a alterar substancialmente ocarácter das relações internacionais. De facto, tendo em conta ocarácter irreversível dessas consequências (nomeadamente a su-bida do preço dos combustíveis, as repercussões negativas destasubida nos processos de industrialização dos diferentes países, atendência ao proteccionismo e ao comércio bilateral, que por viadisso ressuscita), tudo leva a crer que estamos em presença deum conjunto de factores adicionais de rigidificação e alteração daspráticas económicas no domínio do comércio internacional, o que

456 poderá implicar, em definitivo, a procura de uma construção teó-

rica global em que todos estes aspectos (económicos, políticos,técnicos) venham a ser sistemática e globalmente tratados comoindissociáveis de uma realidade inegável e crescentemente confli-tual.

II

A QUESTÃO DA ENERGIA NA EUROPA, NO QUADRO DASRELAÇÕES INTERNACIONAIS EM TRANSFORMAÇÃO

Em qualquer processo de construção ou reconstrução teórica,a recolha de informação recente, a sua arrumação segundo crité-rios apropriados e o seu conveniente tratamento são operaçõesindispensáveis, sem as quais a teoria é insusceptível de progredirsem perder de vista a realidade. Ora nós afirmamos precisamenteno último parágrafo da primeira parte deste trabalho que o pro-gresso da teoria das relações internacionais não nos parecia poderser inteiramente conseguido sem a inclusão de hipóteses, dados eaté proposições relativamente elaboradas acerca da problemáticageral das formas de aprovisionamento em matérias-primas e com-bustíveis, que, julga-se, se virão a processar em moldes diferentesdaqueles em que se processaram até aqui, o que, como vimos, ésusceptível de alterar qualitativamente as causas tradicionalmenteapontadas como estando na base da® relações internacionais (querestas revestissem aspectos exclusivamente económicos, quer polí-ticos, quer outros). Se assim é, há que efectuar todo um trabalhode recolha de informação, até aqui julgado relativamente secundá-rio, no domínio em questão, com vista à aquisição de uma panorâ-mica circunstanciada que sistematicamente possa, em cada mo-mento, fornecer elementos não só integradores da teoria, comotambém testadores quer da sua coerência interna, quer da suautilidade.

Neste domínio, e nesta primeira fase de recolha de dados e seutratamento elementar, o papel a desempenhar pelas grandes orga-nizações internacionais, nomeadamente a OCDE, as diversas comis-sões económicas da ONU (para a Europa a CEE, para a AméricaLatina a CEP AL), o BIT, etc, é de uma inegável importância. Noque se refere à OCDE, constata-se pela leitura do n.° 67, de Dezem-bro de 1973, de UObservateur de VOCDE que há já um largo inte-resse da organização por estas questões; aliás, sabe-se que «o [seu]Comité de Política Científica e Tecnológica criou em meados de1973 um grupo ad hoc para estudo dos aspectos científicos e tec-nológicos dos problemas da energia [...]» (cf. Boletim Informa-tivo, n.° 17, da JNICT). Ainda segundo este boletim, «estão jáconstituídos grupos de trabalho interessados no estudo da energia,cujas actividades podem convergir para uma perspectiva de con-junto». Também a OTAN tem em curso, em diversos países, pro-jectos relacionados com a questão da energia. A própria UNESCO,depois do Congresso Internacional de Energia Solar, «está a pro-ceder a investigações especialmente sobre as necessidades de ener-gia dos países subdesenvolvidos». 457

É precisamente de alguns dos trabalhos efectuados no âmbitode algumas das grandes organizações internacionais anteriormentecitadas que seleccionamos o conjunto de informações sobre a ques-tão da energia na Europa que constituem o grosso desta segundaparte do presente trabalho. A intenção dessa selecção e apresenta-ção visa fundamentar tanto quanto possível um primeiro debateacerca das dificuldades que a Europa já vinha sentindo em maté-ria de energia, dificuldades essas que se agudizaram com os recen-tes acontecimentos relacionados com o embargo do petróleo le-vado a cabo pelos países árabes.

1. Considerações prévias

O crescimento da produção, a evolução das estruturas indus-triais, a importância crescente do comércio internacional e osgrandes movimentos de integração e cooperação económicas en-tre os países são factos que têm tido uma influência decisiva sobrea procura de energia na Europa. Por seu turno, durante as duasúltimas décadas, as crescentes e cada vez mais diversificadas ne-cessidades de energia foram satisfeitas de uma maneira bastantefavorável ao crescimento económico. Esta dependência recíprocado crescimento económico e da produção de energia e a relativamaleabilidade da economia energética europeia podem ser consi-deradas como dois traços bem marcantes da evolução económicaeuropeia do após-guerra.

Segundo a ONU, de 1950 a 1969, o consumo total de energiaaumentou cerca de 5 % ao ano, tanto na Europa como no mundo.Quer na Europa ocidental, quer na oriental, as taxas de expansãodeste consumo foram ligeiramente inferiores às previsões de cres-cimento do conjunto da actividade económica (cfr. quadro n.° 1).

Crescimento do consumo de energia primária e crescimento do PIBentre 1950 e 1969 (percentagens anuais)

QUADRO

Regiões

Europa ocidentalEuropa oriental sem União So-

viéticaUnião SoviéticaEuropaE. U. AResto do mundoMundo . . . .

Consumode energia

4,1

5,26,25,03,67,14,8

PIB

4,6

5,97,55,53,7

Relação entreo crescimentodo consumo

de energia edo PIB

0,9

0,90,80,91,0

Fonte: ONU, E/ECE/814, N. Y., 1973.

As relações entre o desenvolvimento da actividade económica458 em geral e o crescimento do consumo de energia primária são, po-

rém, bastante mais complexas. Importa, por isso, que, além dosimples cotejo entre as taxas de crescimento de um e outro dosfenómenos em questão, se acrescentem algumas considerações adi-cionais, que, nesta sede, não serão mais do que simples decompo-sições da relação entre grandezas agregadas a que nos referimos.Neste sentido, podemos dizer que a procura de energia varia se-gundo os países, nomeadamente por causa das respectivas estru-turas económicas e do seu nível de desenvolvimento económico, e,sobretudo, é função do estádio da evolução das respectivas estru-turas industriais. Além disso, essa procura é diferente de ano paraano e está sujeita a flutuações derivadas da actuação de factoresnaturais, nomeadamente o clima. A oferta de energia está, obvia-mente, condicionada pelas reservas existentes (exploradas, a ex-plorar ou exploráveis) em matéria de combustíveis primários (car-vão, gás natural, petróleo, etc.); depende também do progressotécnico, que é um suporte fundamental da exploração dos combus-tíveis e da sua distribuição, sendo também, em cada momento,uma «chave» fundamental do complicado puzzle que decide do quese explora, do que está para explorar e do que é explorável; mas,acima de tudo, a oferta de energia depende fundamentalmente daoferta de combustíveis primários, sendo esta, em cada momento,determinada em grande parte pelo equilíbrio relativo das relaçõesde força que opõem os grandes blocos políticos mundiais e o seumodo de relacionação com os países tradicionalmente fornecedoresde matérias-primas e combustíveis primários: os chamados paísesdo Terceiro Mundo.

De 1950 a 1969, no que se refere à procura de combustíveisprimários, as disparidades entre os países de economia de mercadoe os países de economia planificada acentuaram-se a tal ponto, queas suas partes relativas na procura total praticamente não se alte-raram (cfr. quadro n.° 2).

Consumo de energia primária por habitante(em quilogramas de equivalente carvão)

QUADRO N.o 2

Regiões

Europa ocidentalEuropa orientalUnião SoviéticaConjunto da EuropaE. U. A

1950

18541826168817836 039

1958

2 3872 4902 8882 6227 628

1969

3 4373 59241873 797

10 768

Fonte: ONU, E/ECE/814, N. Y., 1973.

à parte qualquer juízo de carácter valorativo que se pudessedescobrir nesta constatação, verifica-se, porém, pelo estudo dasdiferenças jentre as estruturas industriais dos dois blocos euro-peus, a razão de ser de tal fenómeno. Com efeito, na Europa orien-tal, à indústria, particularmente à siderúrgica, cabe um consumo 459

de energia bastante mais elevado do que na Europa ocidental;nesta, os transportes ocupam o primeiro lugar. Em 1969, a elec-tricidade cobria praticamente um quarto do consumo de energianas duas partes da Europa e a relativa semelhança das técnicasde produção fazia que as proporções de energia eléctrica consu-mida na indústria em geral e na siderúrgica em particular fossempróximas (cfr. quadro n.° 3). As diferenças sensíveis que se po-diam constatar quanto ao emprego de electricidade no sector dostransportes eram devidas ao facto de os transportes automóveisterem muito mais importância na Europa ocidental. A disparidadedos consumos relativos de electricidade no sector doméstico eraatribuível às diferenças de condições e níveis de vida.

Decomposição do consumo final (em equivalente carvão)de todas as formas de energia em 1969

QUADRO N.° 3

Sectores (a)

Indústria e construção

Donde:Siderurgia, indústria

TransportesDoméstico e outros

Total

Europa ocidental (&)

Total

46

13

1639

100

Parte em per-centagem de

electricidade (d)

28

20

427

25

Europa oriental (<?)

Total

57

16

934

100

Parte em per-centagem de

electricidade (d)

28

18

1316

23

460

(a) Não compreende as indústrias produtoras de energia.(b) Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Holanda, República Federal Alemã e

Reino Unido.(c) Hungria, Polónia, Roménia e Checoslováquia.(d) Consumo convertido à razão de 1000 kWh = 0,385 t. e. c. para a Europa

ocidental e 0,430 t. e. c. para a Europa oriental.

Fonte: ONU, E/ECE/814, N. Y., 1973.

Como dissemos, um outro importante aspecto das relaçõesentre a taxa de crescimento do consumo de energia e a da activi-dade económica em geral reside no facto de esta relação variar deano para ano. Os ciclos económicos assumem aqui um papel funda-mental, na medida em que modificam não só a procura, como tam-bém o rendimento do combustível utilizado: na verdade, nos perío-dos de alta, por exemplo, fazem-se funcionar ao máximo os altos--fornos, as cokeries e as centrais eléctricas.

Também a temperatura influi bastante na procura de energiapor parte do sector doméstico e as condições de hidraulicidade(pluviométricas, etc.) determinam o grau de utilização das cen-trais hidroeléctricas e térmicas.

Um factor adicional que contribuiu ultimamente para o cres-cimento do consumo de combustível privado reside no facto de,

em todos os sectores (desde a indústria aos transportes e ao sectordoméstico), a electricidade tender a substituir os combustíveisutilizados directamente. Convém assinalar, neste ponto, que esta-mos, nesta matéria, perante uma política de centralização qualita-tiva da energia que, na constância de certos eventos, nomeada-mente em face de um equilíbrio prolongado das relações de forçamundiais que acima referimos, poderá constituir um benefício«líquido» para a Europa, mas que, em presença de alterações sig-nificativas nessa malha de poderes (que tutelam interesses alta-mente flutuantes e sujeitos a estratégias cada vez mais imprevisí-veis) que afectem, por exemplo, a produção e a distribuição, anível mundial, dos combustíveis primários, conduz mais facilmenteao estrangulamento da economia dos países europeus que even-tualmente tenham levado ao extremo uma tal política de centrali-zação qualitativa da produção de energia. Ora, como esses paísesserão sempre aqueles que, na Europa, têm um peso relativo global(político, económico) maior, o que poderá acontecer é que àqueleestrangulamento económico possa suceder um sufocamento polí-tico e, consequentemente, uma irreversível perda de autonomia daEuropa no coniunto dos blocos de nações que decidem dos destinosdo mundo contemporâneo.

Do lado da oferta, limitamo-nos a assinalar o facto de a dinâ-mica das relações entre o sector propriamente produtivo e o sectorenergético ter tido, entre outras consequências, uma que, pelasua importância, não pode passar despercebida: o aproveitamentodos combustíveis melhorou bastante graças ao progresso técnico.De assinalar com especial relevância as economias de combustívelprimário que o emprego de métodos modernos permitiu realizarna indústria siderúrgica e mesmo na produção de electricidade(cfr. quadro n.° 4). Além disso, a relativa maleabilidade da econo-

Consumo de carvão e de petróleo nas centrais térmicas(em quilogramas de equivalente carvão por kilowatt-hora)

QUADRO N.° 4

, _ _ ..__, Regiões ^ ^

Europa ocidentalEuropa orientalEuropaUnião SoviéticaE. U. A

1955

0,4940,6950,5430,4600,411

1961

0,4240,5370,4530,3880,376

1967

0,3860,4500,404

0,373

Fonte: ONU, E/ECE/814, N. Y., 1973.

mia energética europeia assentou largamente na ausência de pro-blemas quanto ao aprovisionamento em combustíveis primários, aque os países produtores corresponderam, aliás, de forma bastantesatisfatória (cfr. quadro n.° 6).

Em resumo, como queríamos fazer notar, é difícil prever sea tendência mais profunda da relação entre o consumo de combus-tível primário e a evolução do PIB sofreu variações significativas. 461

Em última análise, o estudo aprofundado da referida relaçãoimpõe a apreciação de outros factores que para ela contribuem.De entre estes destacam-se os que operam pelo lado da oferta deenergia e os que actuam pelo lado da procura respectiva. Mas oproblema em questão não se esgota aí, como veremos, dado quehá todo o interesse em avaliar da previsibilidade possível dos fenó-menos com ele mais estritamente relacionados. Ê o que tentaremosfazer, elementarmente embora, na exposição que se segue.

2. Evolução da estrutura dos recursos de energia

Se se compararem as duas últimas décadas, verifica-se quea estrutura da oferta de energia na Europa evoluiu de diferentesformas. Até 1958, o carvão era a sua grande fonte de energia; comefeito, em 1950, a procura total do carvão ascendia a 89 % daprocura total de energia e esta proporção em 1958 era ainda de75 % (cfr. quadro n.° 5).

Verifica-se, assim, que o consumo total de carvão aumentou,na Europa, 2,7 % ao ano de 1950 a 1958 e dois terços desse au-mento foram cobertos pela própria produção europeia, sendo oresto importado. De notar que o grande papel desempenhado pelocarvão na Europa se deve ao facto de na Europa oriental (excluídaa União Soviética) 90 % da procura de combustível primário em1958 ser satisfeita com aquele produto. Mesmo na Europa ociden-tal, apesar de a procura de carvão não ter aumentado senão 1 %ao ano, em 1958 este produto ainda cobria 70 % da procura total.Na União Soviética, onde o consumo total de energia duplicou noperíodo em questão, o petróleo representava perto de um quartodo mercado de combustíveis, ao mesmo tempo que se preparava agrande expansão da produção de gás natural. Pelo contrário, nosE. U. A., a produção carbonífera baixou 20 % e a sua parte nomercado tombou para cerca de um quarto em 1958; nesse ano, opetróleo cobria mais de 40 % da procura total de energia e o gásnatural mais de 30 %.

A partir de 1960, porém, as tendências que acabámos de des-crever foram outras — nomeadamente dada a baixa sensível doscustos de transporte marítimo que se verificaram a partir de 1958.E se é verdade que a procura total de energia continuou a crescertão rapidamente como na década anterior, já não foi o carvão quesupriu as novas necessidades: em 1969, a parte do carvão no con-junto do mercado europeu de combustíveis desceu para menos demetade. Esta modificação de orientação foi bastante mais marcadana Europa ocidental do que na oriental. Em 1969, a Europa oci-dental era tributária de fontes não europeias — sobretudo do pe-tróleo do Médio Oriente e de África— em mais de metade dassuas necessidades em energia. A produção de gás natural, depetróleo, de hidroelectricidade e de electricidade de origem nuclearnão ia além dos 10 %, o que, no total, não deixava mais do que umterço do mercado para o carvão. A hulha foi, em grande parte, subs-tituída pelo mazute na calafetação e pela nafta na indústria quí-

462 mica, ao mesmo tempo que os caminhos-de-ferro abandonavam

Consumo e produção de energia primária

QUADRO N.° 5

Regiões

Europa ocidental

Europa oriental sem a UniãoSoviética

União Soviética

Conjunto da Europa

E. U. A

Mundo

Anos

195019581969

195019581969

195019581969

195019581969

195019581969

195019581969

Consumototal deenergia

(10« t. e. c.)

562771

1246

154269430

304598

1011

102016392 687

109313352189

2 4993 7556 416

Combustíveissólidos

Percenta-gem deconsumo

887137

939076

737043

847345

412621

635437

Produçãode hulhae de lig-

nite (10« t)

481536394

170250337

223424456

87412101187

502390515

16012 0612 330

Combustíveislíquidos

Percenta-gem deconsumo

122553

56

14

232332

142139

354141

253141

Produçãode petró-leo bruto

(106 t)

41320

61338

38113328

48139388

284347479

537928

2109

Gás natural

Percenta-gem deconsumo

(a)

16

510

46

24

24

14

223137

91420

Produção(IO3 Tcal)

14 (c)72

534

26 (c)86

287

49 (c)262

1689

89 (c)420

2 510

1 969 (c)2 9085 465

2 131 (c)3 5759148

Electricidade hidráu-lica e nuclear

Percenta-gem deconsumo

(b)

34

1

22

112

222

Produção(kilowatts-

-hora

127 (c)194363

2(c)59

14 (c)46

118

143 (c)245490

104 (c)144268

373 (c)608

1182

(a) Conversão: 1 m8 = 1,332 t. e. c.(&) Conversão: 1000 kWh = 0,125 t. e. c.(c) 1959.Fonte: ONU, E/ECE/814, N. Y., 1973.

cada vez mais a tracção a vapor: por exemplo, em 18 países euro-peus (tirando a União Soviética), o número total de locomotivasa vapor desceu de 57 000 em 1955 para menos de 10 000 em 1965,ao mesmo tempo que o número de locomotivas eléctricas e dieselpassou de 8000 para 29 000 (ONU, ECE, BuUetin annueí destattstiques de transparts pour VEwrope). As razões destas evolu-ções sao bem conhecidas: do lado da procura, os factores técnicose o custo de manutenção fazem preterir os combustíveis líquidosaos outros; alem disso, o preço do petróleo tomou-se bastante íavo-ravei em relação ao preço do carvão; por outro lado, a escassez demão-de-obra, o esgotamento dos filões facilmente exploráveis e asdiíicuiaaaes encontradas na elevação da produtiviaa;cie, mais oumenos a partir de 1U60, tinnam reauzido consideravelmente a capa-cictaae ae concorrência da industria carooniíera. O declínio do carvãocriou, em numerosos países, proDiemas regionais e sociais que le-varam os governos a manter esta industria, por exempio, atravésda regulamentação das importações de carvão e de petroieo e sub-vencionando as regiões mineiras, restringindo tampem o empregodo petróleo na proauçao ae electnciaaae. O processo de adaptaçãodurou praticamente toda a década de 60 e continuará, certamente,durante alguns anos, se, entretanto, esta estratégia nao tiver deser revista.

Na Europa oriental e na União Soviética, o aprovisionamentoem energia passou por transíormaçoes semelhantes a partir de1^60. JNa Umao soviética, a parte ao carvão aesceu de Y0 % daprocura global de energia para 43 %; nos restantes países da Eu-ropa oriental desceu de 90 % para 76 %. Simplesmente, estastransformações foram menos marcadas do que na Europa ociden-tal, de tal forma que a produção de carvão continuou a processar--se no conjunto da Europa oriental. As necessidades crescentesde energia, juntamente com as dificuldades que o aumento da produ-ção hulhífera põe, reforçaram a posição da utilização das linhites.Acontece que, de 1960 a 1969, o petróleo e o gás natural foramsuficientes para cobrir metade das necessidades suplementaresde energia de toda a Europa oriental; um terço desse cresci-mento foi coberto pelo rápido aumento da produção de gás naturalna União Soviética, que em 1969 atingia um sexto do consumo deenergia da Europa oriental.

Nos E. U. A., a situação evoluiu de forma bastante diferentedurante a década de 60. A estrutura do consumo pouco se modi-ficou e apenas 5 % do mercado da energia passou dos combustí-veis sólidos para o gás natural de 1958 a 1969. Por volta do inícioda década de 60, o carvão recuperou parte da sua importância.A mecanização e a elevação da produtividade fizeram baixar sen-sivelmente o preço do carvão (pelo menos no período de 1961-67),o que, entre outras coisas, permitiu aumentar as respectivas ex-portações. Durante este tempo, a energia nuclear não correspondeuàs esperanças que nela se haviam depositado e as reservas de pe-tróleo e de gás natural diminuíram manifestamente em consequên-cia do consumo crescente desses produtos.

3. Trocas internacionais de energia: possibilidades de trocas entrea Europa de Oeste e a de Leste

Até 1950, a parte de longe mais importante das necessidadesmundiais de energia era geralmente coberta pela produção de cadapais consumidor. O comercio internacional de combustíveis náoatingia senão um oitavo do consumo mundial em 1U00, 1925, 1937e l^oO. De 1950 a 1959, e ainda mais a partir de 1960, o empregocrescente do petróleo transformou num colossal mercado interna-cional uma grande parte das necessidades de energia no mundo: aparte do mercado internacional no consumo mundial de energiaeievou-se a 16 °/o em Itíú6 e a 26 % em 1969 (ano em que, emequivalente carvão, 90 v/o do comercio mundial de combustíveisera de petróleo).

Antes de 1930, a Europa era exportadora de energia (sob aforma ae carvão). Mesmo em l\)ál, as importações (souretudo depetróleo) nao cooriam senão 4 %> do consumo europeu de energia.Ate lytjO, a evolução que vimos reterindo transíormou a Europanum grande importador: com eleito, a proporção do consumo tocaide energia couerta peias importações (tfò % de petróleo) subiua 21 v/o em laoò-bO e passou para 43 % em 196Y-69 (ctr. quadron.° 6).

Esta evolução é praticamente a da Europa ocidental, onde,durante a decaaa de bO, as importações representavam mais demetade do consumo de energia. Na inuropa oriental, sem contarcom a União soviética, as importações nao passavam de 8 v/o doconsumo no mesmo período, sendo o seu principal fornecedor pre-cisamente a União Soviética. As trocas de combustível entre aEuropa oriental e a Europa ocidental incrementaram-se um poucoa partir de 1960, mas, apesar disso, nunca atingiram níveis muitosignificativos; em 1967-69, esses níveis não representavam maisdo que 3,6 % do consumo total de energia da Europa (sem aUnião Soviética).

Desta forma, o fim da década de 60 coincide com o períodohistórico em que se desenvolveram na Europa dois sistemas ener-géticos profundamente distintos e debilmente ligados entre si: porum lado, o sistema da Europa ocidental, fortemente dependente dopetróleo e constituindo uma fatia muito importante do mercadomundial de energia; por outro lado, o sistema da Europa oriental(sem a União Soviética), fortemente centrado na utilização docarvão como fonte de energia e estreitamente ligado às vastasreservas de petróleo bruto e gás natural da União Soviética.

As vendas de carvão e de petróleo da Europa oriental e daUnião Soviética à Europa ocidental passaram de 22,4 milhões det. e. c. em 1958-60 para 54,7 milhões de t. e. c. em 1967-69, ou seja,tiveram um acréscimo de 10,5 % ao ano. Este período foi marcadopor um aumento da participação relativa do petróleo nessas ven-das (que passaram de 28 % para 70 %), enquadrado, aliás, numaumento geral das exportações da zona oriental da Europa paraa ocidental. Contudo, as entregas de carvão e de petróleo poderãonão progredir, a menos que se tornem excepcionalmente vantajo-

Trocas mundiais de energia (IO6 t)

QUADRO N.° 6

^"\^ Origem das^^importações

Destino das ^ \ .importações \ .

Europa ocidental

Europa oriental ...

União Soviética ... J

Mundo

Períodos

1958-601967-69

1958-601967-69

1958-601967-69

' 1958-601967-69

Carvão e coque

Europaocidental

40,038,0

0,80,7

42,039,2

Europaoriental

12,015,6

15,319,4

4,97,9

32,242,9

UniãoSoviética

4,27,9

14,7

13,425,7

E. U. A.

21,115,1

0,2

39,648,7

Mundo

77,876,9

24,835,0

4,97,9

129,4169,6

Petróleo bruto

MédioOriente

121,1252,3

0,6

193,4487,0

África

4,3164,0

1,5

4,3185,7

UniãoSoviética

4,824,0

5,927,6

13,159,3

Mundo

147,7468,2

5,929,9

1,1

345,8923,3

Fonte: ONU, E/ECE/814, N. Y., 1973.

sas, muito significativamente durante a década em curso; note-se,todavia, que as possibilidades de acréscimo das vendas de carvãode coque à Europa ocidental poderão vir a ser contrabalançadaspor uma baixa das respectivas exportações de petróleo bruto. En-tretanto, a partir de 1973, segundo a ONU, a União Soviéticavenderá provavelmente maiores quantidades de gás natural à Eu-ropa ocidental; as entregas correspondentes poderão atingir o mon-tante de 20 milhões de t. e. c. em 1975-79, o que elevaria paracerca de 75 milhões de t. e. c. o comércio total de combustíveisentre o Leste e o Oeste. A taxa de crescimento, contudo, será maisfraca do que na década anterior (4 % em vez de 10,5 %) e a partedas exportações da Europa oriental no consumo de energia da Eu-ropa ocidental baixará ligeiramente.

Prevê-se que este abrandamento seja temporário. Os recur-sos em gás natural da União Soviética são enormes (no fim de1969, as reservas efectivas eram de cerca de 23 biliões de t. e. c,mas esse número está hoje largamente ultrapassado). As reservasde gás natural da Europa ocidental (5 biliões de t. e. c.) poderão«crescer» nos anos mais próximos, mas é de prever que, a partirde 1975, se não antes, o consumo daquele produto poderá crescermais do que proporcionalmente ao respectivo armazenamento.A Europa será então obrigada a recorrer também ao gás naturalda União Soviética, do Médio Oriente e do Norte de África, paraevitar o acréscimo dos riscos e dos custos das suas necessidadesde energia.

Uma outra possibilidade importante de comércio internacio-nal — tendo em conta a diferença de horas entre as duas regiões —poderia ser criada através da sincronização das diversas redeseléctricas europeias, inclusive da parte europeia da União Sovié-tica. Este ajustamento permitiria reduzir consideravelmente asdespesas de equipamento que terão de ser feitas para aumentar acapacidade de produção eléctrica.

4. O consumo e as fontes futuras de energia

Como vimos atrás, nas duas últimas décadas o consumo to-tal de energia primária aumentou um pouco menos do que o PIBem cada uma das grandes regiões da Europa. Verificou-se tam-bém que as necessidades de energia por unidade de produto tive-ram, recentemente, tendência a aumentar, provavelmente devidoao facto de as possibilidades de economizar combustível teremdiminuído. Esta tendência poderia acentuar-se se a União So-viética e a Europa oriental evoluíssem para um tipo de consumopróximo do da Europa ocidental (por virtude, por exemplo, do pro-gresso da motorização). Tal evolução contrabalançaria as econo-mias ainda possíveis em certos sectores do consumo de energia,que os planos quinquenais em curso em diversos países são unâ-nimes em considerar como podendo ser maciças. Por conseguinte,pode concluir-se que, sob certas condições, o consumo de energiaprimária, nos próximos dez anos, pode vir a crescer, pelo menos,

ao mesmo ritmo do PIB em cada uma das duas grandes parcelasda Europa.

Por outro lado, prevê-se que a taxa de crescimento do PIBpara o conjunto da Europa será um pouco inferior daqui até 1980 doque a que se verificou durante as duas décadas passadas (cfr. ONU,E/ECE/814). A principal razão desta circunstância residirá nofacto de a taxa de crescimento da União Soviética ter sido maiselevada durante a maior parte do período de 1950-59 do que depoisde 1960: para o período de 1970-79, tendo em conta, portanto, oplano de desenvolvimento económico para 1971-75, as projecçõesindicam que a taxa geral de crescimento não será muito diferenteda do período de 1960-69. Para o resto da Europa oriental, pareceque as taxas de crescimento económico serão, no total, bastantepróximas das que se processaram durante todo o período de1960-69, podendo embora verificar-se algumas diferenças entrepaíses. Para a Europa ocidental não há razões para pensar que ataxa média de crescimento será muito diferente da de 1950-69.Desta forma, e de uma maneira geral, parece provável que a taxafutura de crescimento da procura de energia para toda a Europavenha a ser fortemente semelhante à que se verificou durante20 anos, isto é, 5 % ao ano, o que implica que, em 14 anos, a pro-cura duplicará em termos absolutos. Mas, neste quadro geral, im-porta prever as variações referentes às diversas formas de energia.

O quadro n.° 7 mostra qual poderá ser a parte respectiva dasdiversas fontes de energia no total destas por volta de 1975.

Este quadro tem como suporte as estimativas oficiais para osEstados Unidos e União Soviética: para o resto da Europa, a repar-tição entre combustíveis primários repousa sobre: a) as previsõesou planos oficiais referentes à produção de carvão; b) uma pro-dução de gás natural a um máximo técnico; c) uma utilizaçãoacrescida da energia nuclear; d) o facto de a restante procura sercoberta por combustíveis líquidos. Todas estas hipóteses, porém,devem ser acauteladas. Com efeito, por exemplo, no que se refereao carvão, as necessidades da Europa ocidental podem vir a sermuito maiores e as da Europa oriental menores, e isso não estácontido nas previsões; as condições de transporte a longa distânciapodem impedir a utilização ao máximo de gás natural; os progres-sos de energia nuclear podem ser entravados por razões de ordempolítica ou económica; a competitividade relativa dos preços doscombustíveis primários pode modificar-se substancialmente.

Se as hipóteses em que o quadro n.° 7 assenta se verificarem— de notar que elas não apresentam senão ligeiras modificaçõesem relação às tendências recentes —, o petróleo representará pra-ticamente metade da oferta total de energia para o conjunto daEuropa por volta de 1975, mas apenas um quinto para a Europaoriental sem a União Soviética. A parte do carvão, segundo ashipóteses do quadro em referência, na oferta total de energia naEuropa desceria de cerca de metade para cerca de um terço, o quesignifica que as quantidades utilizadas se estabilizariam; o gásnatural, por sua vez, acusaria as mais elevadas taxas de utilização:

468 a sua participação duplicaria. A plena exploração dos jazigos de

Estimativas do consumo de energia primária em 1975

QUADRO N.° 7

Regiões ou países AnosConsumo totalde energia pri-

mária (10« t. e. c.)

Percentagens do mercado

Combustíveissólidos

Combustíveislíquidos Gás natural

611

1021

714

2430

1420

3736

2425

Electricidadehidráulicae nuclear

45

34

12

23

23

23

Europa ocidental

Europa oriental

19691975

19691975

{ 1QAQ

1975

União Soviética í 19691975

Europa (com União Soviética) l * ^1969

E. U. A.

C. B. E.

19691975

19691975

12461640

430590

16762 230

10111434

2 6873 664

21892 940

4 8766 604

3723

7658

4732

4333

4532

2121

3427

5361

1421

4351

3235

3945

4140

4044

Fonte: ONU, E/ECE/814, N. Y., 1973.

gás da Holanda e do mar do Norte e a importação de gás naturalda União Soviética poderão transformar este combustível no ele-mento dominante de mercado de energia da Europa durante a dé-cada de 70. A contribuição da energia nuclear continuará a sernegligenciável. Portanto, é o petróleo e, cada vez mais, o gás natu-ral que cobrirão a totalidade das novas procuras de energia atéque, a partir de 1985, espera-se, a energia nuclear possa ter umpapel económico e intervir substancialmente no balanço energéticoda Europa.

A procura de electricidade crescerá cerca de 7 % a 8 % porano, o que significa que a proporção de energia primária convertidaem electricidade passará de 24 % em 1969 a 34 % em 1985 (cfr.ONU, ST/ECE/COAL/47, p. 106). A capacidade instalada pas-sará portanto, segundo as fontes citadas, de 490 GW a 1400-1500 GW. De notar que a triplicação da capacidade de produçãoda electricidade ficará altamente dispendiosa: as fábricas que setorna, para esse efeito, necessário instalar custarão aproximada-mente 200 biliões de dólares aos preços actuais.

Além disto, prevê-se que a base material da produção de elec-tricidade terá de passar por transformações profundas (cfr. qua-dro n.° 8). Em particular, a energia nuclear, que em 1970 não for-

Fontes primárias para a produção de electricidade na Europa(sem a União Soviética)

QUADRO N.° 8

Recursos

CarvãoMazuteGás naturalEnergia hidráulicaEnergia nuclear

índices 1970

1975

125180170130370

1980

150270280140

1260

= 100

1985

18539041C160

2 800

Percentagens

1970

5215

625

3

1975

4518

722

8

1980

3719

81719

1985

3119

81329

470

Fonte: ONU, E/ECE/814, N. Y., 1973.

necia mais de 3 % da produção de electricidade, poderá vir afornecer cerca de 30 % em 1985, supondo que os jazigos de urânioeconomicamente exploráveis são suficientes para cobrir as neces-sidades dos reactores térmicos. Torna-se também necessário pre-ver que estas reservas se esgotarão ou que os seus preços subirão.Apesar de tudo, espera-se que os rectores-geradores, cujo rendi-mento relativamente à quantidade de combustível utilizado será,provavelmente, 100 vezes mais elevado, se aperfeiçoem, entretanto.A participação do carvão na produção de electricidade, diminuindoembora relativamente, poderá aumentar, em termos absolutos,cerca de 85 % de 1970 a 1980. A contribuição do gás natural au-mentará provavelmente bastante em valor absoluto, mas a suaparticipação relativa só muito ligeiramente será alterada; salvo

nos países que desfrutam dele em grandes quantidades, o gás na-tural continuará a ser mais caro que o petróleo ou que a electrici-dade nuclear. A electricidade hídrica será a fonte de energia quemais demorará a desenvolver-se e acabará por perder a sua impor-tância relativa. Com efeito, sabe-se que as barragens se tornamcada vez menos económicas, não só porque o seu custo de constru-ção e o período de gestação dos respectivos capitais tendem acrescer bastante, mas também porque, além disso, dada a distân-cia a que aquelas normalmente se encontram dos centros de con-sumo, é fácil prever o agravamento dos já vultosos custos de trans-porte do referido produto energético.

5. O problema da energia na Europa nos últimos anos do sé-culo XX: uma questão em aberto

Antes de entrarmos propriamente na exposição de algumasdúvidas e hipóteses que, neste momento, se podem levantar a pro-pósito da evolução do problema da energia na Europa nos próximosanos, talvez importe que recapitulemos e sublinhemos os pontosprincipais que ressaltam do que dissemos anteriormente:

a) As taxas de expansão do consumo de energia na Europaforam ligeiramente inferiores às previsões de crescimentodo conjunto da actividade económica; apesar disso, veri-ficou-se uma dependência recíproca apertada entre o cres-cimento económico e a produção de energia;

b) Tem-se verificado uma relativa maleabilidade da econo-mia enereética europeia perante as exigências crescentesda actividade produtiva global;

c) No que se refere à procura de combustíveis primários, asdisparidades entre os países de economia de mercado e ospaíses de economia planificada são grandes, o que se deve,em grande parte, às diferenças entre as estruturas indus-triais dos dois blocos europeus.

d) Até 1958, o carvão foi a grande fonte de energia da Eu-ropa; em 1969, a parte do carvão no conjunto do mercadoeuropeu de combustíveis desceu para menos de metade;contudo, esta mudança de orientação foi bastante maismarcada na Europa ocidental — em 1969, esta era tribu-tária de fontes não europeias de energia em mais de me-tade das suas necessidades;

e) No mesmo período assiste-se à solidificação de uma polí-tica de energia largamente assente na utilização da elec-tricidade;

/) Até 1950, a parte de longe mais importante das necessida-des mundiais de energia era geralmente coberta pela pro-dução de cada país consumidor — o comércio de combus-tíveis não atingia senão um oitavo do consumo mundial.De 1950 a 1959, e sobretudo a partir de 1960, o empregocrescente do petróleo transformou num colossal mercado

internacional uma grande parte das necessidades de ener-gia do mundo;

g) Antes de 1930, a Europa era exportadora de energia soba forma de carvão. A partir de 1960 transformou-se numgrande importador; a partir desta data, na Europa oci-dental, as importações representavam mais de metade doconsumo de energia, enquanto na Europa oriental não re-presentavam senão 8 % do consumo total, sendo a UniãoSoviética o seu grande fornecedor;

h) As trocas de combustível entre a Europa oriental e a oci-dental incrementaram-se um pouco a partir de 1960, masnunca atingiram níveis muito significativos;

i) O fim da década de 60 coincidiu, assim, com o período his-tórico em que se desenvolveram na Europa dois sistemasenergéticos profundamente distintos e debilmente ligadosentre si: o da Europa ocidental, fortemente dependente dopetróleo e constituindo uma parcela muito significativado mercado mundial de energia; o da Europa oriental,fortemente centrado na utilização do carvão como fontede energia e estreitamente ligado às vastas reservas depetróleo bruto e gás natural da União Soviética;

j) Até há bem pouco tempo previa-se que a parte do carvãona oferta total de energia, na Europa, desceria de metadepara cerca de um terço; além disso, o petróleo devia re-presentar praticamente metade da oferta total de energiapara o conjunto da Europa por volta de 1975, mas apenasum quinto para a Europa oriental; o gás natural acusariaas mais elevadas taxas de utilização (a sua participaçãoduplicaria) e, pensava-se, este produto poderia vir a trans-formar-se no elemento dominante do mercado da energiana Europa a partir de 1970; quanto à produção de energianuclear, apesar de a sua contribuição ser de certo modonegligenciável, previa-se que, em função de importantesalterações a empreender na base material da produção deelectricidade, ela poderia atingir, por volta de 1985, 30 %da produção de electricidade.

É pouco provável que a última parte deste século seja umsimples prolongamento da década que há pouco começou. As es-truturas actuais tornar-se-ão inaceitáveis. Com efeito, a continua-ção das tendências actuais de crescimento a taxas exponenciaisdas diversas fontes de energia conduz a resultados absurdos. Se sepretender prever o que será este período, uma coisa se torna, por-tanto, certa: ele não se poderá fundar numa simples extrapolaçãodo passado. Para não citar senão alguns exemplos, é fácil pensarque é totalmente impossível avaliar das consequências da constru-ção e utilização em massa de automóveis eléctricos; da instalaçãode pipe-lines intercontinentais por onde há-de ser transportadoo carvão; da derução directa do ferro; da evolução dos trans-portes transcontinentais de corrente eléctrica; dos investimentosmultinacionais em sectores tais como o do gás natural, petróleo ecarvão; da gaseificação do carvão; do estabelecimento de uma

rede intensa de circulação ferroviária por toda a Europa; da ob-tenção de petróleo a partir de xistos betuminosos e da construçãode ainda maiores navios-tanques; da transferência para outroscontinentes de indústrias de base que utilizam muita energia (alu-mínio, siderurgia), etc.

Tornar-se-á crescentemente necessário adoptar métodos deestudo cada vez menos exclusivamente centrados nos números erecorrer a uma investigação apurada com vista a tentar prevero encadeamento dos grandes acontecimentos políticos e económi-cos mundiais, relacionados ou não com a questão da energia, e adestacar de entre eles os mais significativos, tentando, ao mesmotempo, avaliar e pôr em prática as estratégias mais convenientes.Até ao presente, nenhum esforço sistemático terá sido feito nestesentido, isto é: à escala intergovernamental e das grandes organi-zações internacionais é manifesta uma total ausência de actoscoordenados tendentes a determinar com o máximo de rigor ainteracção e a probabilidade dos diversos elementos de que de-pende a situação futura da energia na Europa. Nada obsta, porém,a que, e apesar de tudo, se possam desde já pôr algumas questõespertinentes e avançar algumas hipóteses de trabalho.

Uma primeira série de questões respeita ao crescimento daprocura de energia. Ãs taxas actuais de crescimento, as necessida-des de energia primária da Europa quadruplicarão entre 1960 e oano 2000; entre 1994 e 2000, a Europa consumirá praticamentetanta energia quanta consumiu entre 1900 e 1969. Será esta hipó-tese razoável? Que se passará, entretanto, se o crescimento econó-mico deixar de ser um objectivo tão primordial para os paíseseuropeus, ou se as indústrias pesadas, necessitando de grandesvolumes de energia, forem transferidas para fora da Europa?Será que os condicionalismos impostos pelo meio ambiente, amelhoria das condições de vida e a mecanização crescente não irãolevar a melhor sobre a tendência para o afrouxamento que o cres-cimento da procura de energia revela e, favorecendo o empregode electricidade, incrementar o consumo de energia primária porunidade do PIB?

Uma segunda série de questões diz respeito à oferta de ener-gia primária. As taxas actuais de crescimento da produção depetróleo bruto, de gás natural e de electricidade de origem nuclearna sua forma actual não podem ser indefinidamente mantidas,dado que as reservas economicamente exploráveis são limitadas.Entre as «novas» fontes de energia (força das marés, xistos betu-minosos, energia solar, apropriada utilização dos lixos domésticos,etc.) e as «novas» técnicas, somente os reactores-geradores pare-cem oferecer possibilidades suficientes de melhoria da situaçãoda oferta no fim do século. Mas a que outros meios se poderá recor-rer se, por um lado, é sabido que a técnica destes reactores nãoresponde ao que dela se espera, tanto no plano económico e técnicocomo do ponto de vista da segurança, e, por outro lado, em caso desucesso, os resultados práticos consequentes não estarão à vistaantes de 1985-90? Os sistemas de reactores mais aperfeiçoados,juntamente com os combustíveis «tradicionais» (petróleo, carvão,gás natural), permitirão colmatar todas as brechas do sistema

energético? Será que o carvão (sob a forma líquida ou gasosa)virá a ocupar na Europa ocidental uma posição análoga à queactualmente ocupa nos E. U. A. e na União Soviética? As outrasfontes de energia existentes na Europa (linhites, energia hidráu-lica, petróleo e xistos betuminosos da Europa, energia geotérmica)constituirão um complemento suficiente? Ou será que novas fontesnão europeias de energia, tais como os xistos betuminosos, são aúnica solução económica e quantitativamente suficiente para fazerface à escassez do petróleo, do gás natural e do urânio?

É manifestamente difícil calcular o volume possível das re-servas naturais de energia; a este respeito foram cometidos nume-rosos erros no passado, em geral erros por defeito. Não obstante, eapesar das suas limitações, as estimativas mais recentes (cfr.quadro n.° 9) têm um significado que, do ponto de vista de even-tuais políticas a seguir, poderá ser prudente tomar a sério. Elesnão comportam qualquer juízo relativo, por exemplo, à descoberta

Estimativas das reservas mundiais de energia

QUADRO N.° 9

Fontes de energia, por categoriasde reservas exploráveis

1. Combustíveis «clássicos»:PetróleoGás naturalHidroelectri cidade (a)Carvão

Total

2. Combustíveis «novos»:Urânio:

a) Com custo de extracção inferiora 30 dólares por quilograma:Para reactores térmicos

Para reactores-geradores

b) Com custo de extracção até 200dólares por quilograma:Para reactores térmicosPara reactores-geradores

Xistos betuminososAreias asfálticas

Reservas em 1970

IO9 t. e. c.

350233

37 6008186

50

3 750

115086 500

1110001

Percen-tagem

43

93

100

Percentagemconsumida atéao ano 2000

8773342

Reservasesgotadaspor voltade 1995Fraca

FracaFraca

Fraca

(a) Conversão feita à razão de 1000 kWh = 0,125 t. e. c.Fonte: ONU, Êtat des besoins et inventaire des ressources en energie du

monde jusqu'à Van 2000, documento apresentado à quarta conferência internacionaldas Nações Unidas sobre a utilização da energia atómica para fins pacíficos, Genebra,1971 (A/CONF. 49/P. 420).

de novas reservas; contudo, fornecem uma ideia aproximada daevolução provável dos custos e preços relativos das fontes de ener-gia primária.

Ilusões da mais diversa ordem impedem provavelmente de vercom nitidez os problemas ligados ao que será o consumo de energiafinal daqui até ao fim do século. A comodidade do emprego daelectricidade e a necessidade de proteger o meio ambiente pode-riam contribuir para o acréscimo da participação relativa daelectricidade no consumo final de energia ao ponto de, até ao ano2000, atingir 45 % desse consumo. As centrais deveriam, para isso,consumir tais quantidades de combustível que a transformação dosistema seria de ordem não só quantitativa, mas também quali-tativa. Razões várias obrigariam a concentrar espacialmente aprodução e a explorar ao máximo as diversas redes europeias àescala continental. A penúria de água para arrefecimento obriga-ria a adoptar técnicas inteiramente novas.

Segundo a ONU, da produção total de electricidade dospaíses industrializados, metade poderá vir a ser de origem nuclearno ano 2000. De onde virá a outra metade? Supondo que o con-sumo de combustíveis não nucleares nas centrais seria três ouquatro vezes mais forte no ano 2000 do que em 1969, parece quetodas as fontes de energia primária disponíveis na Europa deve-riam ser utilizadas (nomeadamente o carvão); donde existiremenormes possibilidades de trocas entre os países aue ainda têmreservas importantes; em particular a União Soviética, e o restoda Europa. Pode-se ainda perguntar se, por causa dos enormesinvestimentos que o referido crescimento exigiria, e em face doesgotamento acelerado dos recursos explorados a baixo custo, aenergia não vai deixar de ser produzida em abundância e a baixopreço e, portanto, se a exploração das fontes de enersria actual-mente consideradas como não rentáveis se não tornará competi-tiva.

Relativamente à procura de outras formas de energia que nãoa electricidade carece-se de dados precisos, embora se possa pre-ver que ela se situará à roda dos 55 % da procura total de energiano ano 2000. Isso reDresentaria o dobro do consumo total de ener-gia primária em 1969. Será desrazoável de todo esperar que aspropriedades químicas dos diversos combustíveis serão preferi-das ao seu valor calorífico? Não será de pensar que uma partecrescentemente significativa dos combustíveis primários será afec-tada a utilizações não energéticas, como é tão flagrante no casodo petróleo (por exemplo, para a fabricação de matérias plásticase produtos farmacêuticos) ? Pode acontecer que venham a desco-brir-se novos combustíveis secundários e terciários que, químicae fisicamente, sejam adaptados às novas necessidades em matériade energia. Contudo, estará a Europa preparada para fomentar eorientar a investigação científica nesse sentido? Mas será efecti-vamente possível que as nações europeias unam as suas experiên-cias e recursos com vista à obtenção de resultados mais eficazesno interior de uma estratégia conjunta?

No total, podemos verificar sem grandes dificuldades, emboraa traços muito largos, o seguinte:

a) A Europa é o maior importador de energia do mundo;b) Tendo em conta os recentes acontecimentos derivados da

chamada «crise do petróleo», a posição relativa global daEuropa ocidental deteriorou-se sensivelmente: na basedessa alteração está o facto de a sua estrutura produtivaassentar em larga medida na utilização do petróleo comofonte de energia;

c) Deste modo, a industrialização na Europa vê-se grave-mente comprometida, o que se reflectirá negativamenteno peso da sua influência política mundial;

d) As hipóteses ãe recuperação da «crise» que se desenhana Europa ocidental são precárias e de diversa índole:políticas (capacidade de coesão dos diversos países e har-monização dos respectivos interesses; capacidade de ne-gociação directa com os países produtores de petróleo);económicas (controle da inflação, aceleração da integra-ção económica); sociais (atitude compatível perante osproblemas derivados da alteração das relações de tra-balho, consequência da desaceleração da produção); técnicas(a reconversão do sistema energético, a exploração derecursos energéticos próprios);

e) No que diz respeito às acções que podem ser empreendidasno campo da política energética, importa sublinhar quea superação das dificuldades surgidas neste campo passapela resolução de três difíceis problemas: o da possibili-dade de exploração dos próprios recursos, o da reconver-são do sistema energético e o da negociação eficaz com ospaíses produtores de petróleo e gás natural, que pressupõeum elevado grau de coesão entre todos os países europeus;

/) As possibilidades de exploração da maior fonte dos recur-sos europeus em combustíveis primários considerados ex-ploráveis (do ponto de vista do seu custo de exploração)foram já largamente ampliadas devido ao aumento dopreço dos produtos petrolíferos; contudo, os quantitativosdesses recursos são limitados e não chegam para respon-der, durante muito tempo, às necessidades de energia quea indústria europeia manifesta. Além disso, importa nãoesquecer que ao aumento dos preços da energia corres-pondeu um aumento generalizado de preços que pode tor-nar ilusória esta «explorabilidade»;

g) A reconversão do sistema energético é bastante proble-mática, principalmente no que se refere ao «regresso aocarvão» como fonte de produção de electricidade. Contudo,e apesar do elevado custo social que daí advirá, tendo emconta não só as grandes disponibilidades em carvão euro-peu, como também a possibilidade material de transformareste produto em energia (na sua forma natural, em líquidoe em gás), pode pensar-se que ainda assim poderá vir acobrir grande parte das necessidades europeias de energia.No que se refere à energia nuclear, a sua contribuição sig-nificativa, como vimos, demorará ainda largos anos a

476 efectivar-se;

h) As negociações a empreender pela Europa ocidental comos países produtores de petróleo e gás natural são deresultado imprevisível. É certo que alguns países europeusnão terão dificuldades em negociar vantajosos contratoscom aqueles países. Contudo, o problema da Europa oci-dental não se identifica com a salvaguarda dos interesses dealguns dos seus países, mas com a de interesses global-mente atribuídos à realidade política que ela representa,sob pena da sua irremediável deterioração.

No que propriamente se refere ao recente embargo levado acabo pelos países produtores de petróleo contra os principais paísesindustrializados do mundo ocidental e alguns dos seus aliados, érelativamente f5r.il apereebermo-nos das complexas, infindáveise variadas questões que dele decorrem. Importa, porém, notar queas respectivas consequências, observáveis desde iá, embora demaneira bastante nebulosa, dificilmente poderão ser estudadasrigorosamente, com base em instrumentos teóricos que, tal comoos aue vimos na parte I. se revelam pouco propícios ao estudo dosfenómenos internacionais, hoie em dia marcados por uma fortedose de conflitualidade. E das duas uma: ou o desencadear dosconfii+os põe de lado a credibilidade dos instrumentos teóricostradicionais (impotentes para os explicar) e os fa* substituir poroutros; on um certo auantum de conflito nunca é atingido e as«implicaoões» do tiix) da cláusula coeteribus waribus tudo resol-verão como que por encanto, salvando-se, assim, a «honra» dateoria, tradicional.

Como dissemos acima, algumas consequências do embargosão iá «observáveis à vista desarmada». Uma que nos interessasalientar é a vertiginosa subida dos preços dos produtos energé-ticos, que é susceptível de ter duas ordens de implicações: uma, ime-diata, indutora de um generalizado e incontrolável aumento dospreeos dos produtos industriais e de consumo corrente capaz dedesbaratar por completo todo o esquema de industrialização domundo capitalista; a outra resulta do facto de incalculáveis quan-tidades de divisas estrangeiras terem caído, de repente, nas mãosdos países produtores de petróleo, que trataram de as canalizarpara operações especulativas cuias repercussões sobre o complicadoe, neste caso, impotente mecanismo financeiro internacional pare-cem estar a revelar-se desastrosas.

Mas a principal consequência do embargo estará, porventura,no eventual reequilíbrio internacional do poder, que se lhe suce-derá. Aí assumirão particular relevância dois eventos fundamen-tais : o que resulta do novo «peso» do bloco socialista nas relaçõesde força internacionais; e o que parece conferir, finalmente, aospaíses do chamado Terceiro Mundo uma base material (consciênciado controle efectivo das fontes de matérias-primas em geral e decombustíveis primários em particular), sem a qual se lhes tornaimpossível afirmarem-se enquanto realidade política capaz de in-fluir positivamente nos destinos de dois terços da populaçãomundial. -J77