resenha - introdução à análise econômica - paul anthony samuelson

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 Introdução à análise econômica Por Paul Anthony Samuelson, 8. ed. Rio de Janeiro, Agir. vinte e sete anos era publica da a primeira edição de Eco- nomics do Prof. Paul A. Sa muelson. Des de então, foram lancadas mais oito edicões desse texto, traduzidas em ~ i s de 20 idiomas, inclusive em portu guês. No Brasil, ess a obra vem sen- do divulgada pela A gir que aca- ba de lançar sua oitava edição, correspondente à nona edição americana. Creio ser d esnece ssá rio entrar em maiores detalhes a respeito da matéria coberta por ela além de lembrar que inclui de forma geral o que é visto nos cursos tradicionais de econo mia: microeconomia, macroeco nomia, comércio internacional, moeda e bancos e crescimento econômico. Acho, porér P mais importante analisar o papel que esse livro desempenhou e con tinua desempenhando na forma ção do pensamento econômico, principalmente dos países capi talistas do Ocidente. Em 1947, ano da publicação inicial da Economics, estavam em franca discussão acadêmica a consistência teórica e a efi- cácia da chamada New E co nomics, isto é, um conjunto de instrumentos de pol ftica eco nômica baseada na hipótese keynesiana de que a única for- ma de as economias de mercado conseguirem funcionar ao nível de pleno emprego seria median te participação dos gastos gover namentais. O leitor não deve se espantar com o fato de esta dú- vida -ocorrer mesmo depois da experiência do New D eal e do efeito benéfico que a li Guerra trouxe para a economia ameri cana. Podemos desculpar os economistas da época se lem brarmos que até hoje Milton Friedman e seus epígonos de Chicago não compreenderam adequadamente esse proble ma Pois bem, o livro de Samuel son teve o grande mérito de ser o primeiro I vro-texto a i ncor porar as idéias keynesianas, sen- do mesmo sua utilização banida em vários estados dos EUA co mo sendo comunizante. Tal não impediu que 3 anos depois Richa r d Nixon afirmasse E u sou keynesiano". Podemos perguntar agora se esse pioneirismo continua sendo a característica das edições p os- teriores dessa obra. Para o pró prio Samuelson, de acordo com o seu prefácio, a resposta deve ser afirmativa. Diz ele: "Para o autor o mais emocionante é o novo Weltanschaung que se d i funde pela nona edição. A com placência com a economia cor rente favorece a economia insí pida e essencia lmente mprecisa. O capítulo novo em i'olha, S  nais de mudança: a evolução das doutrinas econômicas", traz pa- ra o curso elementar - final mente - uma visão do ponto no qual a economia pol fti ca se en- caixa na história das idéias .  Porque a economia é, afinal, muito mais do .:::ue sirnpies geo- metria." Mais adiantE: afirma : É um escânC:alc que, até pouco tempo, mesmo os que fa- ziam um curso especial de eco norn ia não aprendessem nada a respeito de K3rl Marx, exceto que era um indivíduo desequili brado . . . 1\Jesta edição tentei tratar Marx como se ele não fos se nem Deus nem o Diabo, mas como um scholar secular que metade da população considera importante." Acrescenta ainda ter dado "ênfase especial a p ro- blemas da economia moderna que não foram resolvidos: infla ção de custos; qual idade da vida versus um mero aumento no PNB ; zero de aumento da populaçãc, zero de crescimento econômico; e dia do juízo final ecológico; discriminação racial e reconhecimento da discrimina ção sexual; externalidades; bens públicos e considerações sobre a igualdade entre as pessoas e principais críticas à oconomia corrente". I nf el iz:nen te, não me parece que se possa concordar com Sa- muelson. Apesar desses assuntos do momento, o livro nestes 27 anos não foi alt erado em suas linhas básicas, permanecendo apenas como mais um texto a disseminar conceitos banais a respeito do modo de funciona mento dos sistemas econôm i cos. Par a ilu s trar esta opinião tentarei discutir alguns pontos que são desenvolvidos no texto am análise: Um dos problemas b ásicos para a análise econômi ca tradicional diz respeito à efi ciência produtiva, isto é qual a melhor combinação dos chama dos htores de produção - ter ra trabalho e capi tal - para se atingir um certo nível de produ ção. A resposta a esse problema é dada mediante a combinação de um conjunto de gráficos, ou a maximização de uma série de funções que seriam o análogo do que um planejador racional realizaria em uma sociedade so- cialista, ou do resultado do fun cionamento de um mercado competitivo em economias capi talistas. Neste tipo de economia a competição entre os vários produtores os levaria a escolher as técnicas produtivas mais ade quadas. Assim, ao procurar ma- ximizar os seus ganhos ou mini-  esenha bibliográfica 53

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  • Introduo anlise econmica

    Por Paul Anthony Samuelson, 8. ed. Rio de Janeiro, Agir.

    H vinte e sete anos era publica-da a primeira edio de Eco-nomics do Prof. Paul A. Sa-muelson. Desde ento, foram lancadas mais oito edices desse texto, traduzidas em ~ais de 20 idiomas, inclusive em portu-gus.

    No Brasil, essa obra vem sen-do divulgada pela Agir, que aca-ba de lanar sua oitava edio, correspondente nona edio americana. Creio ser desnecess-rio entrar em maiores detalhes a respeito da matria coberta por ela, alm de lembrar que inclui de forma geral o que visto nos cursos tradicionais de econo-mia: microeconomia, macroeco-nomia, comrcio internacional, moeda e bancos e crescimento econmico. Acho, porrP, mais importante analisar o papel que esse livro desempenhou e con-tinua desempenhando na forma-o do pensamento econmico, principalmente dos pases capi-talistas do Ocidente.

    Em 1947, ano da publicao inicial da Economics, estavam em franca discusso acadmica a consistncia terica e a efi-ccia da chamada New Eco-nomics, isto , um conjunto de instrumentos de pol ftica eco-nmica baseada na hiptese keynesiana de que a nica for-

    ma de as economias de mercado conseguirem funcionar ao nvel de pleno emprego seria median-te participao dos gastos gover-namentais. O leitor no deve se espantar com o fato de esta d-vida -ocorrer mesmo depois da experincia do New Deal e do efeito benfico que a li Guerra trouxe para a economia ameri-cana. Podemos desculpar os economistas da poca se lem-brarmos que at hoje Milton Friedman e seus epgonos de Chicago no compreenderam adequadamente esse proble-ma ...

    Pois bem, o livro de Samuel-son teve o grande mrito de ser o primeiro I ivro-texto a i ncor-porar as idias keynesianas, sen-do mesmo sua utilizao banida em vrios estados dos EUA, co-mo sendo comunizante. Tal no impediu que 23 anos depois Richard Nixon afirmasse "Eu sou keynesiano".

    Podemos perguntar agora se esse pioneirismo continua sendo a caracterstica das edies pos-teriores dessa obra. Para o pr-prio Samuelson, de acordo com o seu prefcio, a resposta deve ser afirmativa. Diz ele: "Para o autor o mais emocionante o novo Weltanschaung que se di-funde pela nona edio. A com-placncia com a economia cor-rente favorece a economia ins-pida e essencialmente !mprecisa. O captulo novo em i'olha, "S i-nais de mudana: a evoluo das doutrinas econmicas", traz pa-ra o curso elementar - final-mente - uma viso do ponto no qual a economia pol ftica se en-caixa na histria das idias . .. Porque a economia , afinal, muito mais do .:::ue sirnpies geo-metria." Mais adiantE: afirma : " um escnC:alc que, at h pouco tempo, mesmo os que fa-ziam um curso especial de eco-norn ia no aprendessem nada a respeito de K3rl Marx, exceto que era um indivduo desequili-brado . . . 1\Jesta edio tentei

    tratar Marx como se ele no fos-se nem Deus nem o Diabo, mas como um scholar secular que metade da populao considera importante." Acrescenta ainda ter dado "nfase especial a pro-blemas da economia moderna que no foram resolvidos: infla-o de custos; qual idade da vida versus um mero aumento no PNB ... ; zero de aumento da populac, zero de crescimento econmico; e dia do juzo final ecolgico; discriminao racial e reconhecimento da discrimina-o sexual; externalidades; bens pblicos e consideraes sobre a igualdade entre as pessoas e principais crticas oconomia corrente".

    I nfel iz:nente, no me parece que se possa concordar com Sa-muelson. Apesar desses assuntos do momento, o livro nestes 27 anos no foi alterado em suas linhas bsicas, permanecendo apenas como mais um texto a disseminar conceitos banais a respeito do modo de funciona-mento dos sistemas econm i-cos. Para ilustrar esta opinio tentarei discutir alguns pontos que so desenvolvidos no texto am anlise: Um dos problemas bsicos para a anlise econmi-ca tradicional diz respeito efi-cincia produtiva, isto , qual a melhor combinao dos chama-dos htores de produo - ter-ra, trabalho e capital - para se atingir um certo nvel de produ-o. A resposta a esse problema dada mediante a combinao de um conjunto de grficos, ou a maximizao de uma srie de funes que seriam o anlogo do que um planejador racional realizaria em uma sociedade so-cialista, ou do resultado do fun-cionamento de um mercado competitivo em economias capi-talistas. Neste tipo de economia a competio entre os vrios produtores os levaria a escolher as tcnicas produtivas mais ade-quadas. Assim, ao procurar ma-ximizar os seus ganhos ou mini-

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    mizar suas perdas, o empresrio estaria criando as condices produtivas timas para a s~ciedade.

    Ao propor tal paradigma, Samuelson, no entanto, sufi-cientemente honesto para qual i-ficar as condies para que tal ocorra : "Primeiro, voc deve eli-minar a possibilidade do mono-plio: pois ningum espera que um aproveitador sem freios atinja o timo social. Segundo, voc no pode levar em conside-rao casos em que as curvas de procura das pessoas se desviam da verdadeira utilidade ... , ou acreditar que os homens de pro-paganda da Madison Avenue tm convencido os consumido-res a procurar bugingangas sem valor que no merecem ser cha-madas de uti I idade".

    Acontece que Sarriuelson, ao fazer da competio a regra pa-ra a compreenso do funciona-mento das economias capitalis-tas, est dando uma viso enga-nosa da estrutura atual dessas economias, geralmente mono-plicas e oligoplicas, onde os preos so, em geral, estabeleci-dos sem se obedecer o critrio da maximizao esttica dos lu-cros. Em relao economia americana, esto excludos do modelo competitivo, aut;m-veis, alumnio, borracha, teci-dos sintticos, transporte, latas de conserva, goma de mascar, chocolates, vidro, sabo, ali -mento para o desjejum, cigar-ros, a maior parte dos artigos eltricos, aeroplanos, tratores, computadores, mquinas de es-crever, a maior parte dos produ-tos qumicos, todas as comu-nicaes etc. Alm d isso creio que Samuelson faz pouco da ca-pacidade de seus leitores ao mi-nimizar a influncia de determi-nantes no-racionais no com!-portamento do consumidor das sociedades afluentes. ,

    Mas no s isto. A viso es-ttica da realidade, que se en-contra em tal anlise, impede-

    Revista de Administrao de Empresas

    nos de perceber a verdade i r a mola propulsora do capitalismo que o desenvolvimento tecno-lgico.

    Assim Samuelson, ao reco-nhecer a importncia da tecno-logia e, ao mesmo tempo, ao adotar a posio de que a pro-duo mxima seria dada em si-tuao competitiva, est desco-nhecendo aquilo que deveria ter aprendido com Schumpeter, e que Galbraith formulou clara-mente: "O desenvolvimento tec-nolgico envolve grandes inves-timentos que s so salvaguar-dados pelo planejamento e pelo controle sobre os custos, os pre-os e a procura. O exerccio pe-daggico aprovado, porm, leva concluso de que a utilizaco mais satisfatria dos fatore~ obtida por um mnimo de inter-ferncia com o mercado."

    A falta de perspectiva histri-ca que transparece em todo o texto responsvel pela incom-preenso das limitaes presen-tes da prpria poltica econm i-ca keynesiana, em cujo ensino Samuelson foi pioneiro, e por-que agora ela no pode ser efeti-va seno atravs de tipos espe-ciais de gastos, tal como os mili-tares. Para Samuelson, tal tema afastado sob a alegao de que se no fossem exigidos pela de-fesa nacional, o mesmo efeito de gerao d~ renda e criaco de emprego poderia ser obtid~ pela deslocao desses gastos para propsitos civis ou pelo seu re-torno ao uso privado: no entan-to, ele se esquece que tal objeti-vo s pode ser atingido se o se-tor pblico for suficientemente grande e os recursos liberados e absorvidos forem tambm vul-tosos e, de outro lado, que fo-ram as despesas militares que tornaram grande o setor pblico americano. Sem elas os gastos pblicos seriam menos da meta-de do que so atualmente.

    Alm disso a prpria nature-za da tecnologia moderna res-tringe a eficcia dos gastos subs-

    titutivos. Tais gastos, por exem-plo, deveriam destinar-se para atividades que usassem tecnolo-gia semPihante a dos gastos que estavam sendo substitudos. Co-mo isso pode acontecer com gastos em escolas, estradas, em atendimento aos pobres? Tal no ocorre apenas em relaco indstria blica, mas em reaco toda indstria que em sit,ua-o de crise libera mo-de-obra altamente qualificada que no aceita empregar-se em ativida-des semelhantes s mencio-nadas.

    As poucas observaces crti-cas feitas talvez seja~ suficien-tes para sugerir que os proble-mas que afligem os sistemas econmicos modernos reque-rem que vejamos um pouco mais alm do que nos permitem os esquemas e os rituais didti-cos dos textos tradicionais de economia. E a meu ver o texto de Samuelson em nada contri-bui para isto.

    Luiz Antonio de Oliveira Lima