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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Psicologia AS NARRATIVAS DO JOVEM E SUA FAMÍLIA: TECENDO REDES ENTRE A TERAPIA FAMILIAR SISTÊMICA E A ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL Carolina Ferreira Nogueira Diniz Belo Horizonte 2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Psicologia

AS NARRATIVAS DO JOVEM E SUA FAMÍLIA: TECENDO

REDES ENTRE A TERAPIA FAMILIAR SISTÊMICA E A

ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL

Carolina Ferreira Nogueira Diniz

Belo Horizonte 2007

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Carolina Ferreira Nogueira Diniz

AS NARRATIVAS DO JOVEM E SUA FAMÍLIA: TECENDO

REDES ENTRE A TERAPIA FAMILIAR SISTÊMICA E A

ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-

Graduação em Psicologia da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais

como requisito parcial para obtenção do

grau de Mestre em Psicologia.

Área de concentração: Processos de

Subjetivação.

Orientadora: Professora Doutora Roberta

Carvalho Romagnoli.

Belo Horizonte

2007

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Folha de aprovação.

Carolina Ferreira Nogueira Diniz

Título da Dissertação: As narrativas do jovem e sua família: tecendo redes entre a terapia

familiar sistêmica e a orientação profissional.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós - Graduação em Psicologia da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Psicologia.

Belo Horizonte, 2007.

______________________________________________________ Profa Dra Roberta Carvalho Romagnoli - Orientadora PUC Minas

____________________________________________ Profa Dra Delba Teixeira Rodrigues Barros - UFMG

_________________________________________________ Profa Dra Stella Maria Poletti Simionato Tozo - PUC Minas

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Sérgio Henrique e Elenita, que, com amor, me ensinaram valores humanos

essenciais à minha vida e à minha profissão escolhida e que, de alguma forma, são co-autores

deste trabalho.

À avó Solange, pelo carinho.

Ao Gustavo, meu companheiro, pelo amor, incentivo e por sempre frisar minhas habilidades

para a área acadêmica.

À Profa Dra Roberta Romagnoli, minha orientadora, pela orientação sempre cuidadosa, por

acompanhar meu ritmo de produção e permitir que meu lado ousado pudesse aflorar.

À psicóloga Beatriz Coutinho, minha mestra, que me introduziu na área da terapia familiar

sistêmica.

À psicóloga Clarisdina Elias, por me ouvir e contribuir para a minha construção de narrativas

mais leves e mais divertidas em minha vida.

À Profa Mestre Cláudia Lins, inspiração como professora.

Ao psicólogo Carlos Molina, pelo exemplo no atendimento a famílias.

À Profa Mariza Tavares e à Profa Dra Delba Barros, importantes referências na área da

orientação profissional.

À Profa Mestre Paula Bedran e à Profa Dra Stella Tozo pelas valiosas contribuições para a

dissertação durante o processo de qualificação.

À Irmã Maria, à Imaculada, à Suzana e aos professores e funcionários da escola em que a

pesquisa foi realizada.

À Anna Cláudia, amiga que me incentivou a desbravar a área acadêmica.

À Marina, Laura, Heloísa, Érika, Dani, Lilian, Virgínia, Ana Paula e Lu, irmãs e amigas que,

cotidianamente, me ajudam a dar tempero às narrativas de minha vida.

Aos meus clientes, por me permitirem partilhar histórias tão significativas e com elas

aprender.

A Deus e a meus amparadores, pela vida e pelas aprendizagens.

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“Trabalho é a forma humana de fazer jus à vida, de

produzir, não no sentido exato de criar objetos reificados,

simplesmente, mas no sentido de criar significações [...] Quanto mais

conseguir me colocar no mundo e conseguir estabelecer, nessa

colocação, uma linha que permita um encontro, uma confraternização

com outros homens, seja através de meu imaginário pregresso, da

minha memória, da memória do meu povo, ou através das obras que

faço ou das coisas que transmito, seja de que maneira for que cada

homem faça este trabalho de significação, ele está criando. Está

criando fora dele e, quanto mais cria fora dele, mais constrói dentro de

si próprio.”

Sônia Viegas

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RESUMO

Essa pesquisa tem como tema o estudo das construções de narrativas que são efetuadas

pelos jovens e atravessadas pela família acerca da sua escolha profissional. O objetivo do

estudo foi examinar como se dá a contribuição da família no processo de escolha profissional

do jovem de classe média brasileira e, mais especificamente, como este jovem recebe e

elabora as narrativas familiares no momento já citado. Esta pesquisa qualitativa investiga as

histórias de três jovens de classe média, tendo dois deles participado de processos de

orientação profissional em grupo e um deles de orientação profissional individual. A ênfase

foi dada no diálogo e na conversação como práticas sociais transformadoras e a concepção

dos sistemas humanos como sistemas lingüísticos e geradores de significados por meio da

rede de relações construída na linguagem. A teoria sistêmica é a perspectiva teórica usada

para a análise dos dados coletados. Como resultados, percebemos que grande parte do

conteúdo explorado nos casos clínicos se referiam não às narrativas das próprias famílias, mas

às narrativas dos jovens construídas a partir do que herdaram da família e de sua próprias

elaborações. Assim, cada encontro com os jovens, com as famílias e cada processo de

orientação profissional teve suas características próprias, mesmo que eles tenham seguido um

rumo específico e tenham também características em comum. Neste sentido, em todas as

histórias concluímos que a família tem um papel fundamental, ora oferecendo narrativas que

ensejam a construção de outras também saudáveis, ora trazendo narrativas rigidificadas e

paralisantes. Nas duas situações, a participação do jovem se deu no sentido de receber tais

contribuições e avaliar sua participação própria em sua reconstrução, seja para si ou até

mesmo para o grupo familiar. Também se considerou que o trabalho de orientação

profissional permitiu descrições mais abrangentes, menos paralisantes do problema

compartilhado, promovendo um canal de expressão, co-construindo histórias potencialmente

úteis a estes jovens naquele momento.

Palavras- chave- orientação profissional, família, adolescência, terapia familiar sistêmica.

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ABSTRACT

This research aims to study the narrative constructions made by young people and

traversed by their family concerning their professional choice. The study's objective was to

examine how the family contributes to the professional choice process of Brazilian middle

class youngsters, and, more specifically, how these youngsters receive and elaborate the

family narratives at this moment. This qualitative research investigates the stories of three

middle class young people, two of which attended to group professional orientation process,

the third one had individual professional orientation. We emphasized dialogue and

conversation as transforming social practices and human systems conception as linguistics

systems and meaning generators through language built relations net. Systemic theory is the

theoretical perspective used to analyze the collected data. The results show us that a

considerable part of the clinical cases explored content didn't refer to the families' narratives,

but to the youngsters' narratives which were constructed according to what they've inherited

from their families and to their own elaborations. Thus, each meeting with the youngsters,

with their family and each professional orientation process had their own characteristics, even

though they followed a specific path and also shared common characteristics. In this sense,

we realized that family plays a fundamental part in all cases, either by offering narratives that

lead to other healthy ones, or by bringing up rigidifying and paralyzing narratives. In both

situations, the youngster's participation consisted in receiving those contributions and

evaluating their own participation in their reconstruction, either for themselves of for their

family group. We also considered that the professional orientation work has allowed more

conglobating descriptions, less paralyzing as to the shared problem, promoting an expression

channel, co-building stories which were potentially useful to those youngsters at that moment.

Key words- professional orientation, family, adolescence, systemic family therapy.

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LISTA DE ABREVIATURAS

1 ABOP- Associação Brasileira de Orientação Profissional

2 OP- Orientação Profissional

3 O.V.O.- Orientação Vocacional Ocupacional

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................

09

2 O CAMINHO ESCOLHIDO.............................................................................

13

2.1 Buscando um norteamento metodológico.....................................................

13

2.2 A história da orientação profissional, suas abordagens e a nossa escolha..

17

2.3 Construindo o nosso trabalho de orientação profissional............................

24

3 TECENDO AS NARRATIVAS DA ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL................................................................................................... .........................................................

27

3.1 As narrativas de Breno...................................................................................

27

3.2 A orientação profissional diante do trabalho na contemporaneidade e dos processos de subjetivação..............................................................................

31

3.3 Adolescência e contemporaneidade............................................................... 40

3.4 A família, o adolescente e o trabalho: as novas demandas 43

4 AS NARRATIVAS FAMILIARES E SUAS REDES..................................... 51

4.1 História e mudanças epistemológicas no campo da terapia familiar sistêmica...................................................................................................................

51

4.2 A família como um sistema............................................................................. 58

4.3 O contexto contemporâneo da terapia familiar sistêmica........................... 65

4.4 Construtivismo e construcionismo social...................................................... 66

4.5 A posição narrativa ........................................................................................ 71

5 MARIA E SUAS NARRATIVAS..................................................................... 77

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 92

REFERÊNCIAS ....................................................................................................

97

APÊNDICE.............................................................................................................

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1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como tema o estudo das construções de narrativas que são efetuadas

pelos jovens e atravessadas pela família acerca da sua escolha profissional. O objetivo geral

de nosso estudo é examinar como se dá a contribuição da família no processo de escolha

profissional do jovem de classe média brasileira e, mais especificamente, analisar como este

jovem recebe e elabora as narrativas familiares no momento já citado.

Em nossa experiência profissional, tanto com orientação de alunos em processo de

escolha profissional (em uma escola particular de Belo Horizonte), quanto com a prática com

grupos de orientação profissional e com o atendimento clínico (individual), vimos nos

deparando com várias perguntas, entre elas: como a família participa de escolhas tão decisivas

na vida de seus membros? Como as narrativas são construídas na família e como ecoam na

construção desse projeto específico (profissional)? Qual a repercussão desse momento de

conflitos, construções e elaborações no sistema familiar como um todo? Quais as narrativas

possíveis de serem construídas pelo jovem, buscando maior autenticidade em sua escolha

profissional?

Tais perguntas foram sendo formuladas à medida que observávamos, a partir de nossa

prática, o quanto o momento da escolha desses jovens era carregado de expectativas, seja da

própria família ou da construção que o jovem fazia a respeito da expectativa de sua família.

Ao montar o genoprofissiograma (técnica utilizada para explicitar a história profissional da

família) e no encontro com os pais, muitos dos dilemas expostos pelo jovem eram mais bem

compreendidos, trazendo luz ao processo. Entretanto, esse tema passou a nos instigar, levando

à necessidade de construção de um projeto de pesquisa que nos ajudasse a aprofundar o

assunto e trazer contribuições para a área.

Acompanhando a importância desse tema, consideramos que a preparação para o

trabalho é uma dimensão fundamental da existência humana, já que empenhamos nele grande

parte de nossas vidas. O trabalho permite subjetivação, criação de novas significações,

vivências ao mesmo tempo de sentimentos de prazer e de alienação. Nesse sentido, de acordo

com Viegas (1989), podemos afirmar que o mesmo tem conseqüências tanto em nossa saúde

mental e psicológica quanto na forma como atuamos na sociedade.

Vivemos, hoje, em uma realidade em que grande parte da população não tem acesso à

possibilidade de escolha profissional e nem mesmo tem condições de refletir acerca da relação

com seu próprio trabalho. No entanto, há uma parcela menor da população, em que o ingresso

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no mundo do trabalho se dá, inicialmente, pela escolha profissional. Para Soares (2002),

embora essa escolha seja responsabilidade de cada um, as conseqüências dessa decisão têm

inúmeras implicações sociais. “Uma pessoa que exerce sua profissão com motivação está não

só se realizando como também prestando um serviço de melhor qualidade à sociedade”

(SOARES, 2002, p. 15). Ainda segundo esta autora, escolher o que se quer ser no futuro

implica reconhecer o que fomos, as influências sofridas na infância, os fatos mais marcantes

em nossa vida até o momento e a definição de um estilo de vida, pois o trabalho escolhido vai

possibilitar ou não realizar essas expectativas. E esse processo acarreta, sem dúvida, em um

reconhecimento e um delineamento da subjetividade.

É preciso ressaltar que essa escolha geralmente se dá em um momento da vida já

permeado de abalos, afetando não só os envolvidos, mas também os familiares e o meio

social. Conforme Golin (2000, p.113):

[...] a escolha profissional é, entre outras, uma das grandes geradoras de conflitos no jovem, implicando numa das decisões mais importantes de sua vida. Ela transcende a própria pessoa, pois repercute e sofre diversas influências, inclusive da família e da sociedade.

Atualmente, a escolha da maioria dos jovens tem se dado num clima de urgência,

principalmente pela imposição do vestibular. Somada a isso, a forma atual de organização do

trabalho, cada vez mais competitiva e em rápida transformação, tem propiciado o surgimento

de novas profissões e, de acordo com a demanda do mercado, tem gerado ainda um aumento

do desemprego e, conseqüentemente, adaptações de antigas profissões às necessidades atuais

da sociedade. Tais fatos têm exigido uma definição profissional cada vez mais precoce nos

indivíduos em formação para ingressarem nesse mercado de trabalho. Assim, ao movimento

natural de mudanças, questionamentos e descobertas pelo qual passa o adolescente,

acrescenta-se essa pressão advinda de uma sociedade globalizada sobre a questão da escolha

profissional.

Diante desse panorama, conforme Oliveira (2004), os jovens de hoje têm apresentado

grande dificuldade em escolher um caminho para entrar no mundo do trabalho, movidos pelo

imediatismo e pela dificuldade de pensar em si mesmos. Mas, para essa autora, uma outra

questão vem chamando a atenção dos orientadores profissionais: os pais mostram-se cada vez

mais ansiosos e inseguros face ao momento de escolha profissional dos filhos, e tal ansiedade

parece repercutir na decisão dos jovens.

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O momento da escolha profissional representa um estágio de intensas transformações

para o jovem e a possibilidade de dar prosseguimento ao seu processo de autonomia em

relação à família. Estar atento à participação da família nesse momento é de extrema

importância, pois a família é base do desenvolvimento psicossocial do ser humano. Promover

essa reflexão permite um maior autoconhecimento ao jovem, a descoberta do projeto da

família e a construção do próprio projeto. Além disso, pode permitir um novo posicionamento

em sua família e um desenvolvimento do processo de escolha e de autonomia de forma mais

consciente e satisfatória. Para Dias (1995), a orientação profissional, ao focalizar a vida

ocupacional de um indivíduo, estará se inserindo no universo de representações do orientando

e de seu grupo familiar sobre o mundo do trabalho. Faz-se necessário, então, conceder um

espaço na orientação profissional para se pensar a relação do jovem com a família, a

qualidade dos vínculos estabelecidos e as expectativas parentais.

E em relação à nossa escolha teórica, percebemos uma carência de trabalhos em

orientação profissional com embasamento sistêmico. Sendo essa a perspectiva que nos

fornece a leitura para nossos trabalhos tanto clínicos quanto na escola, surgiu, então, o desejo

de buscar essa articulação. Algumas pesquisas vieram nos comprovar tal carência.

Vasconcelos e Oliveira (2004) citam um levantamento realizado por Melo-Silva e Jacquemin

em 13 instituições brasileiras a respeito da prática em orientação profissional no Brasil, em

que ficou evidenciada a presença do referencial psicodinâmico como sendo o mais utilizado,

tendo como referência Rodolfo Bohoslavsky. As demais linhas teóricas citadas foram a sócio-

histórica em duas instituições, uma no referencial psicopedagógico, uma no psicodramático e

uma no evolutivo-cognistivista. Esperamos, assim, trazer alguma contribuição neste sentido.

Então, para abordar a temática proposta, o trabalho foi dividido em seis partes:

No capítulo 2, após uma breve introdução, apresentamos o caminho escolhido,

compondo-se do norteamento metodológico, a história da orientação profissional e a

construção do nosso trabalho de orientação profissional.

Abordamos as narrativas da orientação profissional, articulando a família, o

adolescente e o trabalho na contemporaneidade no capítulo 3.

No capítulo 4, trazemos a história e mudanças epistemológicas no campo da terapia

familiar sistêmica para chegarmos ao contexto contemporâneo dentro desta área.

A história de Maria, fazendo articulações entre o caso clínico e a proposta de pesquisa

compõe o capítulo 5.

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As considerações finais sobre este trabalho são apresentadas no capítulo 6. As referências

e um apêndice completam esta dissertação.

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2 O CAMINHO ESCOLHIDO

2.1 Buscando um norteamento metodológico

“Não escrevo de uma torre que me separa da vida, mas de um redemoinho que me joga em minha vida e na vida”.

Edgar Morin

Para investigação de nosso tema “as narrativas do jovem e sua família: tecendo redes

entre a terapia familiar sistêmica e a orientação profissional”, acompanhamos as histórias de

três jovens de classe média, com uma proposta de trabalho de pesquisar as construções

narrativas que são efetuadas na família acerca da escolha profissional do jovem, levantando e

analisando como esse jovem recebe e elabora tais narrativas no momento da escolha

profissional.

Nesse acompanhamento, por se tratar de uma produção de conhecimento científico, a

metodologia é essencial. Nesse sentido, podemos afirmar que [...] da forma como tratamos

neste trabalho, a metodologia inclui as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de

técnicas que possibilitam a construção da realidade e o sopro divino do potencial criativo do

investigador (MINAYO, 1994, p. 16).

Essa escolha da metodologia nos exige uma coerência com a proposta teórica descrita

durante o texto. Quando selecionamos a terapia familiar sistêmica de segunda ordem, em suas

teorias construtivista e construcionista social, marcamos algumas mudanças epistemológicas

na ciência e, em especial, na terapia familiar sistêmica 1. Passamos a pensar em um mundo da

linguagem, em que o ser humano vive em meio a realidades narrativas cambiantes construídas

socialmente, que dão sentido à sua experiência e a organizam. Sendo assim, o significado e a

compreensão são construídos pelas pessoas na conversação e no diálogo por meio da

construção de narrativas.

E ainda entre as mudanças, falamos sobre a discussão em torno da indistinção de um

observador e de um observado e sobre a possibilidade de uma troca e uma produção conjunta

de um diálogo no encontro terapêutico. Dessa forma, a pesquisadora do presente trabalho

também faz parte dessa rede de narrativas, ao intervir no processo e ao relatar os casos aqui, a

1 Essas mudanças estão explicitadas no capítulo 4.

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partir da sua interpretação. Hoffman (1996) fala de uma ética da participação, ao invés da

busca da verdade, sendo a troca reflexiva entre ambos a geradora de transformações. O

observador, então, passa a estudar sistemas do qual ele mesmo faz parte. Assim, toda

realidade passa a ser vista como dependente do seu observador, como experiência singular

daquele momento. Então, o terapeuta não é mais um implementador de técnicas, mas busca

compartilhar e acompanhar a visão de mundo trazida pela família ou pelo sujeito para co-

construir realidades alternativas. Cada sistema passa a ter uma lógica de interação que não é

correta ou incorreta, boa ou má em si. Dessa forma, ao tomarmos a fala de Minayo (1994)

acima, chamamos a atenção para a flexibilidade no uso desse conjunto de técnicas,

salientando o potencial criativo do investigador e incluindo o potencial criativo e de

transformação do cliente.

E, nesse sentido, buscamos um norteamento metodológico que nos permita flexibilizar

e dar conta de uma construção proporcionada por esses encontros dialógicos. Embora exista

uma postura tradicional de que há nos processos de construção de conhecimento uma

separação entre sujeito e objeto, optamos por outro viés já percorrido também por muitos

pesquisadores, como, por exemplo, Grandesso (2000). Em nossa perspectiva, um dos aspectos

epistemológicos centrais é a crença na impossibilidade de acesso a um conhecimento objetivo

no qual o objeto de estudo pudesse ser configurado independentemente das subjetividades

tanto do pesquisador quanto do pesquisado (GERGEN e GERGEN; MOON et al.; JACOB

apud GRANDESSO, 2000). Essa postura é essencial, pois diz não somente da implicação da

pesquisadora, mas também do campo da intersubjetividade, em que as narrativas se localizam,

em que os significados são compartilhados e que sustentam os resultados encontrados nesse

estudo.

Para Chizzotti (2003), a abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma

relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o

objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do pesquisador.

Dessa maneira, o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e

interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. Nessa interação, o objeto está

possuído de significados que os sujeitos criam em suas ações e, acreditamos, a partir do nosso

referencial teórico, que a subjetividade do pesquisador deve ser compreendida e incluída no

sistema a partir do qual toda interação com os informantes necessita ser considerada.

Nesse contexto, cabe ressaltar que esse tipo de pesquisa responde a questões

particulares, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, por trabalhar com o

universo de significados, motivos, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço

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mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à

operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994).

O pesquisador é parte fundamental desse tipo de pesquisa, assumindo uma postura

aberta diante de todas as manifestações que observa. Para atingir uma compreensão global dos

fenômenos, adota uma conduta participante que partilha da cultura, das práticas, das

percepções e experiências dos sujeitos da pesquisa. Cria-se uma relação dinâmica entre

pesquisador e pesquisado, em que “[...] o resultado final da pesquisa não será fruto de um

trabalho meramente individual, mas uma tarefa coletiva, gestada em muitas microdecisões,

que a transformam em uma obra coletiva” (CHIZZOTTI, 2003, p.84).

Assim, a escolha da pesquisa qualitativa inclui reconhecer a importância de adequar a

metodologia ao tema de investigação e aos sujeitos escolhidos, valorizando a cientificidade da

pesquisa, mas também pressupõe sensibilidade e criatividade do pesquisador ao saber

flexibilizar-se e permitir que a pesquisa vá se desenrolando, trazendo inovações ou resultados

talvez inesperados.

Para a construção de nosso trabalho, selecionamos três casos clínicos de jovens de

classe média, todos com dezessete anos de idade e cursando o terceiro ano do ensino médio

em escolas particulares de Belo Horizonte. Todos eles tinham, a princípio, a meta de fazerem

vestibular no final do ano e buscaram ajuda para a decisão sobre a escolha do curso

universitário. Dois deles participaram do trabalho de orientação profissional desenvolvido em

grupo na escola onde a pesquisadora trabalha, e um dos jovens foi atendido individualmente

em consultório particular. No momento da construção desta pesquisa, estes jovens já haviam

sido atendidos há uma média de dois a três anos atrás 2.

Quanto aos sujeitos, serão descritos como “[...] convidados a participar”

(GRANDESSO, 2000, p. 308). Eles não fizeram parte de uma amostra e nem foram

escolhidos ao acaso. E aqui, a pesquisadora já se inclui desde a seleção desses convidados por

trazerem histórias que a tocaram, proporcionando co-construções e que foram consideradas

importantes na ilustração e construção de nosso tema de pesquisa.

Quanto ao procedimento, chamaremos de “[...] proposta de diálogo” (GRANDESSO,

2000, p. 308), por ter sido sugerida como uma direção possível de ser seguida. Assim, cada

encontro com os jovens, com as famílias e cada processo de orientação profissional teve suas

características próprias, mesmo que eles tenham seguido um rumo específico e tenham

também características em comum.

2 Esta pesquisa foi aprovada pelo Conselho de Ética em Pesquisa- CEP- e os jovens aqui citados assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido referente à participação neste estudo.

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Em relação à análise dos dados que compreenderiam os resultados, será caracterizada

como “[...] reflexões” (GRANDESSO, 2000, p. 308), pois o que apresentamos é uma

compreensão, a partir de nossa escolha teórica, das conversações que tivemos com os jovens e

famílias a propósito de sua compreensão e elaboração do momento da escolha profissional do

jovem.

Quanto às conclusões,

[...] só poderia concordar com esse rótulo se compreendesse seu conteúdo como uma síntese em aberto para novas teses, novas antíteses e novas sínteses em um contínuo processo dialético. Portanto, estou entendendo conclusão como um contexto heurístico de tensões abertas, portanto para novas indagações (GRANDESSO, 2000, p.308).

As lentes pelas quais buscamos nossa compreensão desta prática se basearam no

modelo de pensamento da pós-modernidade, situando todo conhecimento, “[...] seja ele

teórico ou prático, como histórico, social e culturalmente contingente, trazendo a marca do

sujeito cognoscente que, de forma auto-referencial, co-constrói nas suas relações, seus objetos

de estudo” (GRANDESSO, 2000, p.241) 3. Isso elimina qualquer expectativa de busca de

certezas como no pensamento moderno. As bases epistemológicas são

construtivista/construcionista social, considerando a pessoa como um agente intencional que

se constrói e vive imerso numa linguagem, “[...] juntando na singularidade da sua condição

individual, o eco das vozes de múltiplos contextos por onde espalha sua existência”

(GRANDESSO, 2000, p. 241). Assim, acompanha-se a compreensão das narrativas pelas

quais o sujeito constrói a história de sua existência, como co-autoriadas nos contextos dos

quais faz parte, tendo como ecos as vozes da cultura. A ênfase no diálogo e na conversação

como práticas sociais transformadoras e a concepção dos sistemas humanos como sistemas

lingüísticos e geradores de significados por meio da rede de relações construída na linguagem.

(GRANDESSO, 2000). O modo como trabalhamos em orientação profissional e como

buscamos nossa compreensão do processo de escolha será descrito a seguir.

A forma eleita para expor nosso estudo foi entremear os casos clínicos ao corpo

teórico, gerando conexões entre a teoria e a prática e o surgimento de compreensões e

significados. Então, trabalhamos com três histórias de processos de orientação profissional.

Duas delas foram exploradas da seguinte forma: foram sendo resgatadas em momentos

diferentes do texto, fazendo articulações com o corpo teórico, não expostas cada uma

3 Pensamento da pós-modernidade: assim chamado por GRANDESSO (2000) e explicado no capítulo 4, a partir da página 54.

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separadamente e de forma encerrada. E uma das histórias foi selecionada para ser analisada

separadamente, após toda a construção teórica, marcando a tentativa de uma articulação mais

ampla e mais aprofundada entre a terapia familiar sistêmica e a orientação profissional.

É importante frisar aqui a nossa opção em não apresentar capítulos somente teóricos

ou de contextualização e a análise dos dados em separado. Essa opção se fundamentou em

nossa preocupação de construir durante o texto uma relação dinâmica e de diálogo entre

pesquisador e pesquisado, estabelecendo conexões entre a construção teórica que foi surgindo

e os casos clínicos. A tentativa era perseguir o que de fato acontece em um atendimento desse

tipo, em que se tem a teoria, mas também uma série de outros significados surgindo a partir

das intersubjetividades terapeuta-cliente. Isso acompanha o viés teórico escolhido, a saber, o

construtivismo e o construcionismo social, em que as narrativas e o diálogo tecidos entre

teoria e prática permitem a construção de realidades, gerando significados e se mostrando

como práticas transformadoras. Cabe ressaltar ainda que, no decorrer do processo de escrita,

surgiu a necessidade de aprofundar um dos casos para que houvesse uma correspondência

com a complexidade do trabalho clínico. Isso justifica a utilização de dois casos clínicos como

mais ilustrativos, ao serem misturados ao corpo teórico, e um deles escolhido para ser descrito

separadamente, contendo um aprofundamento e um viés mais clínico.

Assim, a montagem dos casos sob essa perspectiva não se deu ao acaso, como

dissemos, mas inclui também o envolvimento da pesquisadora com cada um deles e será

compreendido durante os próximos capítulos. A seguir, apresentamos um pouco da história da

orientação profissional, seus desenvolvimentos e mudanças paradigmáticas para, então,

posicionarmo-nos quanto à nossa forma de trabalhar dentro dessa área.

2.2 A história da orientação profissional, suas abordagens e a nossa escolha.

O campo da orientação profissional vem fazendo um movimento de transformações

desde seu nascimento, acompanhando mudanças sociais e mudanças paradigmáticas na

própria psicologia.

Gemelli, citado por Carvalho (1995), nos informa que o primeiro centro de orientação

profissional foi criado em 1902, em Munique, com o propósito de identificar pessoas que

eram desprovidas de vocação e de capacidade para determinadas tarefas. O objetivo, nesse

contexto, era evitar acidentes de trabalho. A partir desse momento, novos centros surgiram,

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como na Itália, na França, na Holanda, nos Estados Unidos entre outros. Na América Latina, o

Brasil e a Argentina se destacaram como os pioneiros (CARVALHO, 1995).

Segundo Levenfus et al. (1997), a literatura registra que foi a partir de Frank Parsons

que os esforços dos psicólogos, educadores e profissionais da área do mundo todo se

solidificaram ao redor da tarefa de conhecer os indivíduos e as exigências que as profissões

apresentavam ao homem. Esse autor sugeriu um processo racional de aconselhamento

profissional, considerando que a escolha ocupacional implica um ajuste entre características

individuais e exigências ocupacionais. Para ele, havia um determinismo vocacional, sendo as

aptidões inatas e, assim, bastando apenas instrumentos para identificá-las. Com o advento da

revolução industrial e das proposições de Frank Parsons, associadas à abertura de um novo

mercado de trabalho com oportunidades ocupacionais diversas, os escritórios de orientação

profissional espalharam-se pelo mundo.

A primeira fase da orientação profissional é marcada pela medição e pela utilização de

testes, o que veio a se chamar de modalidade estatística. O momento vivido pela psicologia

trazia uma valorização de instrumentos de medição ou da chamada psicotécnica. Para

Bohoslavsky (1983), a psicologia, condicionada pela demanda do sistema e, munida de

aparelhos, tabelas, perfis e questionários, criou instrumentos para avaliar a inserção dos

sujeitos indecisos entre opções de estudo ou trabalho na estrutura educacional e produtiva.

Assim, os testes de interesses e aptidões eram a garantia de eficácia.

Ainda segundo esse autor, nessa época, aplaca-se o conflito da encruzilhada

vocacional entregando o destino das pessoas nas mãos dos técnicos, os quais garantiriam que

the right man fosse colocado em the right place. Dessa forma, Argentina e Brasil parecem ter

herdado essas concepções.

O taylorismo fora superado nos EUA: suas idéias já não tinham, pois, na metrópole, a vigência de antes. Nas colônias, em contrapartida, não só se comprava material bélico obsoleto ou inúteis porta-aviões, como também se importavam concepções, “modelos teóricos, artefatos, tecnologia também do tipo psicológico” (BOHOSLAVSKY, 1983, p. 9).

Levenfus et al. (1997) marca um segundo momento para a psicologia vocacional a

partir da Segunda Grande Guerra Mundial, quando os EUA passam a selecionar e classificar

homens para as forças armadas. A psicologia vocacional passou, então, a dirigir seu interesse

para as características individuais, embora a preocupação maior fosse para a seleção do

indivíduo para o lugar onde seria mais produtivo e, não, como uma ciência voltada ao

interesse do indivíduo. Essa é a época de crescimento da Teoria dos Traços e Fatores.

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Refletindo sobre esse contexto, Bohoslavsky (1983) relaciona as demandas políticas e

sociais do momento com uma correspondência no desenvolvimento da psicologia, ao dizer

que a proposta era desenvolvimentista no plano político-ideológico, sendo a formação

eficiente de técnicos e cientistas por parte da universidade a garantia do desenvolvimento

econômico. Assim, “ [...] a educação deveria garantir um optimum de cientificidade frente

aos problemas do subdesenvolvimento” (BOHOSLAVSKY, 1983, p. 10).

E a orientação vocacional 4 segue esse caminho da cientificidade e da medição. Mas o

que foi sendo percebido no trabalho principalmente com o adolescente é que a devolução dos

resultados havia se tornado um oráculo que trazia respostas que o sujeito questionava, muitas

vezes, não compreendia e protestava. E assim, “[...] ele não aceita a resposta, o número não o

satisfaz, seu problema não é resolvido.” (BOHOSLAVSKY, 1983, p.10).

Outro marco de mudanças para a orientação vocacional foi a saída da universidade dos

primeiros psicólogos argentinos, fortemente influenciados pela psicanálise. E “[...] isso

estimula um interesse maior pela pessoa que escolhe, e o modo como escolhe substitui o

quanto essa pessoa mede (seja qual for o atributo considerado) ou o que ela escolhe; trata-se,

portanto, de quem e como e não de quanto e o quê.” (BOHOSLAVSKY, 1983, p. 10).

Dessa forma, podemos dividir a história da psicologia vocacional em dois momentos,

sendo de 1900 a 1950 o período da psicometria e, de 1950 até a atualidade, a chegada de

novas teorias. Elas têm sido divididas em quatro categorias: traço-e-fator, psicodinâmicas,

desenvolvimentistas e decisionais. A primeira delas ainda corresponde ao momento da

psicometria, falando-se em determinismo vocacional e não em decisão vocacional. Seu

representante é Frank Parsons. Nesse momento, então, não se considerava a capacidade do

sujeito de fazer escolhas, tomar decisões ou mesmo de se tornar ativo nesse processo.

Aspectos subjetivos, intrapsíquicos, sociais e familiares entre outros não eram considerados.

Podemos dizer de um processo passivo, em que o sujeito só precisava se submeter a testes que

lhe trariam respostas.

Mas novas propostas foram surgindo, dentre elas, o enfoque psicodinâmico,

englobando a psicanálise e a satisfação de necessidades básicas. A fundamentação comum

procede das idéias analíticas da personalidade e da incidência do desenvolvimento qualitativo

a partir das primeiras experiências infantis, mas diferem na forma de pensar a questão

vocacional individual. Nessas teorias, os impulsos desempenham um papel considerável no

comportamento vocacional, havendo uma continuidade entre as atividades instintivas da

4 Termo usado por Bohoslavsky (1983). Mais adiante explicitaremos as diferenças entre orientação profissional, vocacional e vocacional ocupacional.

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criança que produzem gratificações e as que o indivíduo buscará posteriormente, por meio das

ocupações que vier a exercer. Entre os autores citados, estão Bordin, Nachmann e Segall,

Meadow e Anne Roe citados por Levenfus (1997).

Entre os teóricos desenvolvimentistas estão Ginzberg, Super e Tiedman e O’Hara,

citados por Ferretti (1997). A escolha profissional é considerada um processo de

desenvolvimento que se inicia na infância, passa por vários estágios e se estende por um

longo período da vida. Para Ginzberg citado por Ferretti (1997), o processo termina numa

compatibilização entre interesses, capacidades, valores e oportunidades ocupacionais. Para

Super citado por Ferretti, existe um desenvolvimento vocacional individual, em fases, em que

se vai optando entre alternativas ocupacionais, a partir de escolhas anteriores e sucessivas,

chegando-se a uma escolha final via autoconceito. Para Tiedman e O’Hara citados por Ferretti

(1997), o desenvolvimento vocacional é um processo durante o qual se desenvolve uma

identidade vocacional pela diferenciação e integração da personalidade à medida que o

indivíduo desenvolve percepções a respeito do mundo do trabalho.

Nas teorias decisionais, também chamadas de enfoque sociocognitivo, há um foco na

explicação da tomada de decisão. Para Levenfus et al. (1997), tal enfoque resulta de

orientações psicológicas modernas e destacam como chaves do processo o autoconhecimento,

a análise da situação problemática e a busca de informações pertinentes. Procura perceber o

sujeito como alguém que organiza seu problema e age conforme seus interesses e

condicionantes sociais. Entre os autores estão Gellat, Thomas Hilton e Hershenson e Roth,

todos citados por Levenfus et al.(1997).

Para vários países da América Latina e também para o Brasil, Rodolfo Bohoslavsky se

tornou uma importante referência nessa área ao introduzir a estratégia clínica, criticando a

orientação profissional baseada na psicometria e trazendo a proposta de resgatar a

singularidade do sujeito que escolhe e a investigação dos multifatores que influenciam o

momento da escolha.

Sabemos hoje da inviabilidade de propostas de orientação profissional que ainda

mantém o sujeito num lugar de passividade e que desconsideram sua capacidade de construir

projetos, no caso, o profissional. Além disso, essas propostas não trabalham com a noção de

processo, mas apenas consideram que existem características prontas nos indivíduos, bastando

serem medidas ou descobertas. Acreditamos em um trabalho clínico em que o sujeito vá

reconhecendo, descobrindo e construindo sua escolha.

Assim, ao definir sua proposta, Bohoslavsky (1998) salienta o que denomina

modalidade clínica.

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1) O adolescente pode chegar a uma decisão se conseguir elaborar os conflitos e ansiedades que experimenta em relação ao seu futuro. 2) As carreiras e profissões requerem potencialidades, que não são específicas. Portanto, elas não podem ser definidas a priori, nem muito menos ser medidas. Estas potencialidades não são estáticas, mas modificam-se no transcurso da vida, incluindo, por certo, o tempo de estudante e de profissional. 3) O prazer no estudo e na profissão depende do tipo de vínculo que se estabelece com eles. O vínculo depende da personalidade, que não é um a priori, mas se define na ação (incluindo, certamente, a ação de estudar e trabalhar em determinada disciplina. O interesse não é desconhecido pelo sujeito, mesmo que o sejam os motivos que determinaram esse interesse específico. 4) A realidade sociocultural muda incessantemente. Surgem novas carreiras, especializações e campos de trabalho, continuamente. Conhecer a situação atual é importante. Mais importante é antecipar a situação futura. Ninguém pode predizer o sucesso, a menos que seja entendido como a possibilidade de superar obstáculos com a maturidade. 5) O adolescente deve desempenhar um papel ativo. A tarefa do psicólogo é esclarecer e informar. A ansiedade não deve ser amenizada, mas resolvida; e isto somente se o adolescente elabora os conflitos que lhe deram origem (BOHOSLAVSKY, 1998, p. 4).

No Brasil, vários estudiosos acompanharam as obras do citado autor e vêm se

destacando através de releituras, discussões teóricas, pesquisas e produção técnico-prática,

como Soares, Levenfus, Bock, Melo-Silva e Lassance, todos citados por Lassance, Melo-

Silva e Soares (2004). Entre eles, há um consenso de que a orientação profissional deve

trabalhar com alguns pilares, como autoconhecimento (a busca de um maior conhecimento de

seus interesses, habilidades, dificuldades, de sua história de vida), a procura de informações

sobre as profissões e o mundo do trabalho, uma explicitação da história familiar (almejando

um reconhecimento das expectativas desse grupo e uma conciliação com as próprias

expectativas) e também uma reflexão sobre os demais fatores determinantes, como demandas

sociais e influências da mídia entre outros.

Alguns autores brasileiros concordam que, por muito tempo, se trabalhou com

modelos estrangeiros de orientação profissional por falta de uma construção teórica nacional

capaz de responder a tal campo. Para Soares (2002), tais modelos não traziam respostas

satisfatórias por se basearem em momentos socioculturais e históricos diferentes, como

também em aspectos geográficos e de desenvolvimento tecnológico diferenciados. A

Associação Brasileira de Orientação Profissional- ABOP- abriu um importante espaço de

discussão técnico-prática capaz de responder às características de nosso país.

Soares (2002) acredita que a forma mais viável de trabalhar em orientação profissional

é tornando possível a consciência dos multifatores que nos determinam e, a partir disso,

escolher e ser capaz de construir nosso projeto pessoal. Assim, podemos falar em diferentes

fatores: políticos (referem-se especialmente à política governamental e seu posicionamento

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perante a educação, desde o início dos estudos até a universidade); fatores econômicos

(relativos ao mercado de trabalho, à globalização, ao desemprego e a todas as conseqüências

do sistema capitalista neoliberal no qual vivemos); fatores sociais (dizem respeito à divisão da

sociedade em classes sociais, à busca de ascensão social por meio do estudo, à influência da

sociedade na família e aos efeitos da globalização na cultura e na família); fatores

educacionais (compreendem o sistema de ensino brasileiro, a falta de investimento do poder

público na educação, a necessidade e os prejuízos do vestibular entre outros); fatores

familiares (a ideologia vigente gerando busca da realização das expectativas familiares em

detrimento dos interesses pessoais, o que influencia na decisão e na fabricação dos diferentes

papéis profissionais); fatores psicológicos (atinentes aos interesses, a motivações, às

competências pessoais e conscientização dos fatores determinantes versus a desinformação à

qual o indivíduo está submetido).

Tais fatores interferem de uma forma dinâmica e diferenciada. Assim, é função da

orientação profissional ajudar o jovem a encontrar os fatores pessoais que estão dificultando

sua escolha de forma especial, já que cada sujeito apresenta uma estrutura pessoal e familiar

diferenciada e recebe as influências do meio também de forma singular. A autora também

trabalha com a idéia de escolha profissional possível, pois acredita que não existe uma

escolha profissional única e definitiva e sim uma escolha possível, dentro de determinadas

possibilidades e contingências.

Soares (2002) criou a denominação modalidade sociogrupal para o seu trabalho, por

acreditar na possibilidade de os grupos fazerem uma profunda mudança individual e social. E

traz como pressupostos algumas questões.

1) O adolescente pode chegar a uma escolha mais esclarecida se conhecer as influências que sofre, sejam elas sociais, educacionais, econômicas, familiares ou psicológicas. 2) As carreiras requerem potencialidades diversas que podem ser desenvolvidas pelo sujeito, se este tiver um profundo interesse em realizar aquele tipo de atividade. 3) O prazer no trabalho está ligado a um contexto familiar mais amplo, em que o jovem, ocupando um lugar na sua família, responde a desejos e expectativas familiares. Os interesses também estão ligados a vivências infantis e familiares mais ou menos prazerosas. O importante é conhecer essas vivências para poder relacioná-las com o presente. 4) A realidade socioeconômica tem mudado numa velocidade tão grande, sendo praticamente impossível prevermos como estará o desenvolvimento tecnológico e profissional daqui a cinco anos. Por isso, a realidade ocupacional também é imprevisível. O adolescente é responsável por sua escolha, sendo ela a melhor escolha possível para este momento. 5) O papel do psicólogo é de FACILITADOR do processo, devendo oferecer a quem o procura condições de conhecer melhor a si mesmo, assim como o mundo ocupacional, para enfim decidir-se com maior esclarecimento. (SOARES, 2002, p. 139).

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Os novos estudos nessa área trouxeram discussões sobre conceitos que, também por

serem importados, traziam confusões ao serem traduzidos. Alguns deles puderam ser

esclarecidos, e os estudiosos puderam optar por aquele que mais condizia com sua perspectiva

teórica. Foi o que aconteceu com orientação vocacional, orientação profissional e orientação

vocacional ocupacional.

Levenfus (1997) nos informa que o termo vocação vem de vocatio (chamado interior)

e que para Veinstein (citado pela autora), se vocação é algo inato, poderíamos pensar que se

nasce com destino para alguma tarefa determinada. Nesse caso, a tarefa da orientação seria

descobri-la e dizer ao indivíduo. Assim, o vocacional sem o ocupacional seria só fantasia,

sonhos, esperanças. “O ocupacional sem o vocacional é alienação, fazer sem sentido”

(LEVENFUS, 1997, p.229). Para a autora, o termo orientação profissional estaria reservado

aos trabalhos que se limitam a informar e orientar a respeito das profissões e mercado de

trabalho, sem enfatizar as questões intrapsíquicas do sujeito. Ela, então, opta por Orientação

Vocacional Ocupacional- O.V.O.-, significando um processo mais abrangente, que diz

respeito não somente às informações sobre profissões, mas a uma busca de conhecimento a

respeito de si mesmo, influências sociais, familiares e promovendo o encontro das afinidades

do mesmo com aquilo que pode realizar em forma de trabalho.

Soares (2002) concorda que a expressão orientação vocacional está carregada de

estereótipos, incluindo, muitas vezes, a expectativa de aplicação de testes e a indicação final

de uma profissão-vocação. Mas considera que orientação ocupacional ainda é um termo

muito desconhecido do público, sendo usada em referência aos trabalhos dos argentinos

Bohoslavsky, Veinstein e Muller . Sua opção é pela expressão orientação profissional já que

inclui em seu trabalho as dimensões do vocacional (vocare) e do ocupacional (profissão) e

também por ser a expressão orientação profissional mais conhecida no Brasil.

Diante dessas definições, Levenfus (1997) classifica seu trabalho de O.V.O. como um

atendimento clínico breve, e assim o define:

- adoto o referencial psicanalítico, analisando as motivações inconscientes implicadas na escolha profissional. - observo as relações inconscientes presentes nas associações de idéias manifestadas pelo orientando seja na forma verbal, na forma de testes e em manifestações não-verbais. - valorizo a observação dos fenômenos transferenciais e contratransferenciais que emergem no vinculo orientador-orientando, abordando-os quando necessário. - considero sempre a história do sujeito, suas motivações conscientes e inconscientes, diagnosticando o nível de orientabilidade e aplicando as mais diversas técnicas (entrevistas individuais, grupais, técnicas de informação profissional,

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dinâmicas de grupo, testes que ofereçam levantamento de interesses profissionais) dependendo do contexto da orientação (na clínica, na escola, no curso pré-vestibular) 5 . (LEVENFUS, 1997, p.232)

Optamos por salientar o trabalho dessas autoras pelo seu reconhecimento nacional e

pela produção acadêmica na área, trazendo grandes contribuições para a orientação

profissional em nosso País. Nossa escolha se faz pela estratégia clínica descrita por

Bohoslavsky (1998) e pela abordagem de Soares (2002), em especial a modalidade

sociogrupal, já descrita anteriormente. Cabe salientar que esses são autores que nos embasam,

fazendo parte de nossas narrativas, mesmo que estejamos tentando construir novas interseções

entre orientação profissional e terapia familiar sistêmica.

Como já citado na introdução deste trabalho, em relação à prática da orientação

profissional no Brasil, Vasconcelos e Oliveira (2004) citam um levantamento realizado por

Melo-Silva e Jacquemin em 13 instituições brasileiras, em que ficou evidenciada a presença

do referencial psicodinâmico como sendo o mais utilizado, tendo como referência Rodolfo

Bohoslavsky. As demais linhas teóricas citadas foram a sócio-histórica em duas instituições,

uma no referencial psicopedagógico, uma no psicodramático e uma no evolutivo-

cognistivista. Vemos, então, uma carência de trabalhos nessa área com embasamento

sistêmico e esperamos trazer alguma contribuição nesse sentido.

Assim, reconhecemos que a escolha profissional certamente é atravessada por vários

fatores de ordem subjetiva, social, econômica e política entre outras. Nesse contexto e diante

de nossa prática, vamos evidenciar os fatores familiares que influenciam essa escolha e sua

importância para um trabalho de orientação profissional.

2.3. Construindo o nosso trabalho de orientação profissional

O trabalho que realizamos em orientação profissional segue duas vertentes, de acordo

com os dois ambientes - a escola privada e o consultório particular - onde o desenvolvemos.

No consultório, os atendimentos são individuais e, na escola, em grupo. Cada um tem suas

características e singularidades. O trabalho individual permite uma escuta clínica única

5 A autora utiliza o termo orientabilidade, já referido por Bohoslavsky (1982), com a mesma finalidade que a psicanálise refere o termo analisabilidade, ou seja, a título de identificar diagnosticamente a possibilidade (em termos egóicos e estruturais) que o paciente apresenta de submeter-se à determinada técnica- no caso, à O.V.O..

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daquele sujeito, sendo que alguns jovens se beneficiam mais desse tipo de encontro, por

conseguirem se expor mais. Na escola, privilegia-se o trabalho em grupo, pois, além de

permitir atender um número maior de alunos, as sessões coletivas se configuram como um

espaço peculiar que proporciona ao jovem a oportunidade de trazer para o grupo questões que

são cruciais para ele. Ali, ele encontra semelhanças entre suas histórias e a dos colegas, vive a

experiência de pertencimento a um grupo com o qual se identifica, compartilha possibilidades

e aprende com as diferenças. No trabalho grupal, o jovem expõe os conhecimentos que detém

sobre as profissões, reflete sobre suas expectativas e possibilidades reais, confronta fantasias e

realidade, manifesta insatisfações e reflete sobre seu próprio projeto de vida. Além disso,

pode compartilhar sentimentos como angústia, ansiedade e os vários conflitos que podem

fazer parte dessa fase da vida.

Nos dois tipos de trabalho, a proposta é que os encontros se desenvolvam em torno de

um número de dez a doze sessões, sendo que um dos encontros é feito com o jovem e seus

pais. Esse número de encontros tem se mostrado suficiente, na maioria dos casos, para que

exploremos temas de relevância para o processo (autoconhecimento, busca de informações

sobre as profissões e reflexões sobre as influências sofridas e determinantes no momento) e

possamos finalizá-lo 6. Além disso, várias publicações na área sugerem um trabalho com essa

duração, como Soares-Lucchiari (1993), Birk e Silva (2002), Valore (2002). O número

impreciso de encontros se justifica pela singularidade dos jovens que nos procuram. Cada um

deles chega para o trabalho em uma fase e com um posicionamento diferente em relação ao

processo de escolha. Algumas frases desses jovens exemplificam isso: “Não pensei em nada e

não sei o que quero” ou “Falei a vida toda que seria dentista, mas agora, estou confusa” ou

“Estou entre dois cursos e preciso tirar esta dúvida” ou “Acho que sei o que quero e só vim

pra me certificar”. Essas frases iniciais já nos contam sobre jovens com posicionamentos

diferentes diante de sua escolha. Com alguns, o processo se encerrará mais cedo e, com

outros, talvez seja necessário um número maior de encontros. Ainda há aqueles que

demonstrarão a impossibilidade de escolher nesse momento, por trazerem questões mais

relevantes e urgentes de serem elaboradas. Com esses, será feita a avaliação de um novo

direcionamento para o trabalho e um possível encaminhamento para uma psicoterapia.

Assim, existe um conjunto de técnicas (ou dinâmicas, no caso do grupo), previamente

selecionadas que nos embasam durante o processo. Cada uma delas permite que sejam

explorados temas específicos e importantes para tal proposta. Quando dizemos que somos

6 Temas já explicados e mais detalhados no item “A história da orientação profissional e suas abordagens”, p.17.

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embasados por essas técnicas, estamos nos referindo a uma flexibilidade quanto ao processo e

à abertura para que haja mudanças ou propostas de novas atividades. Em alguns momentos,

conversamos com o jovem desvinculados de qualquer técnica. Além disso, cada processo,

como já dito anteriormente, tem seu ritmo e desenvolvimento, o que significa que algumas

atividades são utilizadas para um jovem e não para outro. A mesma atividade pode

proporcionar grandes elaborações para um e não para outro. E, quando estamos falando de um

processo grupal, a disponibilidade do coordenador para acompanhar a produção do grupo é

essencial. Por meio dos casos clínicos que veremos a seguir, perceberemos que algumas

atividades vão sendo propostas pelo grupo ou sendo criadas no campo da intersubjetividade

coordenador/participantes do grupo.

As atividades selecionadas para comporem nosso trabalho de OP estão descritas e

explicadas no apêndice. Durante a exposição dos casos clínicos, não fazemos referência a

todas as atividades e, sim, àquelas que se mostraram mais importantes para a compreensão

dos temas que estavam sendo explorados.

Essas técnicas foram retiradas de cursos feitos pela pesquisadora, de participação em

congressos e de leituras sobre o tema. Nessas interações, nossas narrativas profissionais foram

sendo construídas, atribuindo significados a nossa prática e a nossos clientes. Elas refletem

uma diversidade teórica, por virem de áreas distintas da psicologia e trazem a possibilidade de

diálogo entre esses vários campos. Além de representarem a nossa simpatia com cada uma

delas, foram experimentadas em situações diferentes, mostrando-se válidas por explorarem

temas concernentes ao nosso objetivo e por trazerem importantes elaborações aos sujeitos em

processo de orientação profissional. Enquanto um conjunto e pela forma como foram

dispostas, tais atividades representam uma criação nossa. E apesar de dizerem da flexibilidade

da pesquisadora em beber de várias fontes, não podemos deixar de salientar que a leitura e

compreensão das mesmas e do processo como um todo segue um norteamento teórico já

citado anteriormente e mais explicitado nos capítulos seguintes. Em todas as atividades

propostas, busca-se com o jovem uma compreensão sistêmica do que ele nos apresenta,

enfatizando sua articulação com a família.

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3 TECENDO AS NARRATIVAS DA ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL

3.1 As narrativas de Breno 7

“[...] um homem se humilha se castram seus sonhos

seu sonho é sua vida sua vida é o trabalho e sem o seu trabalho

um homem não tem honra e sem a sua honra se morre, se mata

não dá pra ser feliz não dá pra ser feliz.”

Gonzaga Jr.

Na ocasião do trabalho de orientação profissional, Breno tinha 17 anos, estava

cursando o terceiro ano do ensino médio na escola particular onde a pesquisadora trabalha.

Ele morava com o pai, de 59 anos, a mãe, de 46 anos e com uma irmã, de 22 anos. Seu pai já

era aposentado, tendo trabalhado muito tempo como corretor de imóveis, e sua mãe

trabalhava com confecção de roupas e tinha dois cursos superiores (administração de

empresas e design de moda) e um curso técnico em eletrônica.

Breno participou do trabalho de orientação profissional desenvolvido em grupo. Estar

em grupo lhe causou alguns recuos no processo, por se comparar muito em relação ao ritmo

de desenvolvimento dos colegas, mas também lhe proporcionou grandes aprendizagens.

Ao contar um pouco de sua história, disse ser muito ligado à mãe, mostrando-se

próximo da família e falando dos pais com afeto. Contou de sua admiração por um tio “muito

inteligente, estudioso e genial”, além de sua identificação com uma madrinha que trabalha em

um pronto-socorro e que “não se abate fácil”. Durante o processo, ele não dizia claramente,

mas mostrava cada vez mais sua admiração por pessoas inteligentes, questionadoras, que

gostavam de “descobrir e inventar coisas”.

Relatou seu interesse pelas coisas que podem ser transformadas, por exemplo,

“desmontar um objeto e criar outro”. Ele falava várias vezes de sua vontade de compreender a

vida, as pessoas, a origem da vida... “Eu penso muito; dizem que sou reflexivo. Faço várias

7 Todos os nomes citados nos casos clínicos são fictícios.

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interrogações sobre a vida. Isso às vezes é bom, e às vezes é ruim. Na escola, os colegas

pensam que sou meio louco, por causa das perguntas que faço. Mas tento observar o que cada

situação me traz, mesmo que seja ruim; avaliar e ver o que aprendi.” Segundo ele, as únicas

pessoas que o haviam compreendido era um psicanalista (com quem já não estava mais em

análise) e o professor de história da escola. Sobre este, parece ser uma grande referência para

ele e, assim, ele o caracteriza: “passamos horas divagando sobre coisas da vida; ele é um cara

bacana, diferente e já estudou muita filosofia”.

Breno nos instigava, pois mostrava um grande potencial a ser desenvolvido, mas a

cada encontro mudava sua direção e fazia com que nós também tivéssemos que construir

novas hipóteses, impressões e caminhos em relação ao seu processo. Ele também suscitava

uma angústia no grupo. Nos colegas, era como se tocasse, quase a todo o momento, nas

pequenas certezas que cada um estava tentando construir. Nossas primeiras impressões o

caracterizavam como um jovem interessante, cheio de idéias, criativo, questionador, mas, ao

mesmo tempo, assustado em enfrentar o mundo com suas idéias. Mas que mundo seria esse?

Pensamos que não se tratava apenas do mundo da escola, da família, do mercado de trabalho,

mas de seu “mundo interno”.

Nas falas dos colegas, Breno sempre encontrava um gancho para dizer de seu interesse

por áreas muito diversas. E, no meio do processo, começou a se queixar de que quase todos os

colegas estavam fazendo suas escolhas e ele, não, porque “tinha muitos interesses.” Ele

começava a mostrar sua dificuldade diante da tarefa de escolher e, talvez como fuga, chegava

a cada dia com uma história sobre profissões que havia pesquisado.

Nesse momento, pedimos aos integrantes que escrevessem sobre como estavam se

sentindo em relação à escolha profissional para que pudéssemos perceber o movimento do

grupo e as necessidades individuais. E Breno assim se colocou:

“Eu, particularmente, detesto dizer, mas é fato que os próximos trinta anos da minha

vida serão bem difíceis, pois o meu desejo profissional é inviável ou pelo menos

insignificante para os outros. O fato é que eu gostaria muito de direcionar meus campos

intelectuais para a filosofia, ou resumidamente, pensar. Quero pensar para os outros, como

fizeram os grandes filósofos e quero ficar para a história. Acredito muito em meu potencial,

mas, infelizmente, o mundo que me espera é outro, ele não dá valor ao racionalismo e muito

menos a quem se aventura pela filosofia.

Por isso, resolvi traçar algumas metas para que, quando aposentar, eu possa realizar

meu sonho. Uma dessas metas, e a primeira delas, é estudar biologia para entender a origem e

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outros mecanismos da vida. Assim, ao invés de buscar a verdade na filosofia, buscarei na

biologia. O segundo plano é estudar direito/psicologia e história para aumentar meu nível de

sabedoria e maior embasamento para depois pensar em filosofia. Por último, quero estudar

física para compreender melhor o curso natural das coisas”.

Breno faz um movimento em que marca posições extremas entre seu projeto pessoal

(insignificante) e seu desejo (querer ficar para a história). E tamanha distância parecia

contribuir para seu desânimo. Mas também era como se tivesse se colado à filosofia e ambos

tivessem se tornado insignificantes. Parecia que buscava nosso reconhecimento dele como um

grande sujeito ou de sua insignificância para então desistir de seus projetos. Mas, no grupo,

ninguém se aproximou dessa atitude.

Sua necessidade de reconhecimento se mostra forte ao querer ficar para a história.

Mas esse projeto parece tão longo e quase inatingível que, antes disso, ele se propõe a fazer

muitos outros cursos. E, no grupo, ninguém havia falado em filosofia. Será que por isso

buscava identificações com os interesses mostrados pelos colegas? Algo que nos levava a essa

compreensão era que quanto mais animado um colega se mostrava com uma determinada

profissão, mais ele queria saber sobre ela.

E que idéia é esta de querer pensar para os outros? Ele nos responde que os grandes

filósofos fizeram isso pelos homens, pela humanidade. E questionamos: “será que para isso

não seria importante começar a pensar para você, sobre você e depois poder pensar para os

outros?”. Porque nossa hipótese era de que a grande dificuldade estava em se olhar e, de

repente, poder propor para os colegas, a família ou até a humanidade o que ele realmente

tinha para oferecer, mesmo que isso não fosse tão grandioso e bonito como ele esperava.

E, quando fala do último curso que deseja fazer, física, sua justificativa se mostra

significativa diante de suas dificuldades apresentadas: “quero estudar física para compreender

o curso natural das coisas”. Parece que realmente essa compreensão seria algo importante

para ele, já que estava insistindo em grandes projetos como se, para isso, não houvesse um

processo ou um curso natural das coisas.

Entretanto, vamos pensar que o que Breno traz, a princípio, é uma imensa angústia

diante da necessidade de escolher e da multiplicidade de caminhos profissionais 8. Mas, na

história da humanidade, tais questões nem sempre foram assim...

Escolher uma profissão passou a ser possibilidade para o ser humano a partir da

8 Outros questionamentos e interpretações da história de Breno serão vistas mais adiante.

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modernidade. A multiplicidade de opções, algumas em desuso, outras muitas se gestando, faz

parte da vida do homem moderno. Até então, ter um determinado trabalho não se constituía

algo que passava pela reflexão ou pelo questionamento. Havia um número pequeno de tipos

profissionais e trabalhava-se com o que era possível e necessário para uma determinada

comunidade ou, simplesmente, seguiam-se os ofícios da família.

Quando falamos em Idade Média, estamos nos referindo a um tempo em que

predominava o esquema cosmológico, sendo Deus o centro do universo e os fenômenos

naturais e sociais tendo explicações divinas. O homem se colocava à mercê da natureza, numa

postura de passividade e de submissão da razão à fé. À medida que a sociedade foi se

transformando, novas descobertas trouxeram mudanças no posicionamento do homem diante

do mundo. Na Idade Moderna e Contemporânea, o homem passou, então, a ocupar o lugar de

centro do universo, e a ciência ganhou força por meio do movimento voltado para a razão.

Nesse sentido, os fenômenos naturais e sociais passaram a ter explicações científicas, e o

homem assumiu uma atividade transformativa sobre a natureza. Várias revoluções marcaram

essa passagem, como a científica, a cultural e a que muito nos interessa, a revolução

industrial, tendo a máquina o lugar de centro da produção e, como decorrência, a divisão

racional do trabalho industrial (ROMAGNOLI, 2006).

Em conseqüência de tais mudanças, novas profissões foram surgindo para responder

às demandas desse homem que, então, passou a atuar mais e a querer transformar a natureza.

No Brasil, segundo Romagnoli (2006), com a urbanização, a abolição da escravatura e com a

divisão do trabalho, as famílias também passaram por grandes mudanças e os indivíduos

experimentaram mais opções profissionais, muitas delas desvinculadas das atividades

familiares.

Como um bom exemplo sobre a história das relações sociais de trabalho, temos o

Museu de Artes e Ofícios, em Belo Horizonte, que ilustra de forma bela e poética os poucos

ofícios existentes no Brasil na era pré-industrial 9. A coleção mostra a riqueza da produção

popular na época: os fazeres, artes e ofícios que deram origem às profissões contemporâneas.

Quem entra no museu passa a conviver concomitantemente com o rudimentar e o moderno.

Os ofícios são retratados em sua originalidade, mas fazendo-se uso dos ricos recursos da

tecnologia. Ao conviver com esses dois tempos ou dois modos de vida, compreendemos as

mudanças e a evolução a que chegamos.

A história da Orientação Profissional - OP – nos conta um pouco sobre isso: como dito

9 Para mais informações: www.mao.org.br

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anteriormente, a OP nasceu vinculada aos processos de seleção e treinamento de pessoal e

veio sofrendo modificações a partir de então (FILOMENO, 2003). Como exemplo, vivemos

em um momento em que vem crescendo a demanda pelo trabalho de orientadores

profissionais. E qual é o motivo de tal demanda? O movimento de profissões que surgem ou

desaparecem acompanham o movimento histórico de nossa sociedade e os novos modos de

subjetivação. Então, também nos cabe perguntar que momento é esse em que as pessoas

precisam de ajuda para construírem seus projetos profissionais.

3.2 A orientação profissional diante do trabalho na contemporaneidade e dos

processos de subjetivação.

O homem é capaz de imprimir significados diferentes à sua história dependendo de

sua vivência do tempo e do espaço. Para Araújo (2006), do mesmo modo que o homem se

percebe senhor da natureza, com chances múltiplas de reinventar o mundo natural e social, o

homem se sabe perecível. Mas, diferentemente dos demais seres vivos, estamos condenados a

sobrepor um sentido existencial ou um projeto ao sentido natural do passar. “[...] somos

sujeitos porque somos ou fazemos histórias que se desenrolam no tempo, um tempo histórico

cuja experiência é mediada pelo outro, pela morte e, em especial, pelo trabalho” (ARAÚJO,

2006, p. 12).

E como temos vivenciado esse fazer história num mundo cada vez mais perecível,

rápido e volátil? Parece-nos que as noções de tempo, de trabalho e de subjetividade precisam

ser revistas, acompanhando todas as mudanças que temos vivido. Para Sennett (2005), há

alguns anos, podíamos falar de uma geração que vivenciava o tempo como linear, ano após

ano, trabalhando em empregos que raras vezes variavam de um dia para o outro. Hoje, um

jovem receia estar a ponto de perder o controle de sua vida, devido a um medo embutido em

suas histórias de trabalho. Não há mais longo prazo nesse setor e a carreira tradicional, que

avançava passo a passo pelos corredores de uma ou duas instituições, está fenecendo. Quanto

às qualificações no decorrer de uma vida de trabalho, também se faz necessário trocá-las

algumas vezes durante anos de trabalho. Como exemplo, o setor de força de trabalho

americana que mais rápido cresce é o das pessoas que trabalham para agências de emprego

temporário.

E para termos uma visão um pouco mais ampla, retrocedemos na história para

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alcançarmos as mudanças a que chegamos na contemporaneidade. Ao pensarmos na questão

do tempo, presenciamos uma sociedade que vem brigando com a rotina, como se algo pudesse

paralisar o trabalho, o governo ou outras instituições (SENNETT, 2005). O autor faz uma

comparação, ao dizer que, em meados do século XVIII, na aurora do capitalismo industrial,

parecia que o trabalho repetitivo podia levar a duas direções distintas: uma positiva e outra

negativa. O lado positivo foi descrito na grande enciclopédia de Diderot e o lado negativo do

tempo de trabalho regular foi retratado em A riqueza das nações, de Adam Smith. E completa:

[...] Diderot acreditava que a rotina no trabalho podia ser igual a qualquer outra forma de aprendizagem por repetição, um professor necessário; Smith enfatizava que a rotina embotava o espírito. Hoje, a sociedade fica com Smith. Diderot sugere o que poderíamos perder tomando o lado de seu oponente (SENNETT, 2005, p. 35).

Ainda, segundo esse autor, Adam Smith acreditava que a livre circulação de moeda,

bens e trabalho exigiria que as pessoas fizessem atividades cada vez mais especializadas. E o

surgimento de livres mercados vem acompanhado da divisão do trabalho na sociedade. Mas

Adam Smith se preocupava com o fato de que a rotina se tornaria autodestrutiva, porque os

seres humanos perderiam o controle sobre seus próprios esforços. “O trabalhador industrial,

assim, nada conhece do autodomínio e da expressividade do ator que memorizou mil falas

[...]” (SENNETT, 2005, p.41).

Todas essas preocupações passaram para o nosso século com o nome de fordismo.

Quando Ford industrializou seu processo de produção, favoreceu o emprego dos chamados

trabalhadores especialistas em relação aos artesãos qualificados. Sennett (2005) relata que

Taylor, psicólogo industrial, começou a dizer que não havia necessidade de os trabalhadores

compreenderem a complexidade da fábrica para não se distraírem com a compreensão do todo

e poderem cumprir mais eficientemente seus serviços. Posteriormente, ao observarem

processos depressivos de alguns trabalhadores, psicólogos industriais, como Elton Mayo,

perceberam que a produtividade caía. Então, começaram a adaptar práticas psiquiátricas aos

locais de trabalho.

Assim, encontramos na Terceira Revolução Industrial o que hoje se constitui um

momento de relevância enquanto inquietação para os trabalhadores e para a sociedade. “Esta

se caracteriza pela ruptura do paradigma industrial e tecnológico, pelo advento da

microeletrônica, pelo avanço das telecomunicações e pelo incremento da automação,

acirrando-se a partir das últimas décadas do século XX” (LISBOA, 2002, p. 35). A idéia de

qualidade total surge como uma nova forma de apropriação do saber fazer intelectual do

trabalho pelo capital.

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Para Antunes (2001), o operário deverá pensar e fazer pelo e para o capital,

aprofundando seu estado de subordinação, bem como seu trabalho ao capital. Dessa forma,

criou-se uma contradição, representada, de um lado por uma escala minoritária de

trabalhadores polivalentes ou multifuncionais, que acumulam funções que anteriormente

ficavam sob a responsabilidade de outros pares e, por outro, por um grande contingente de

trabalhadores exercendo seu trabalho precariamente ou no desemprego. Para Sennett (2005),

estamos hoje numa linha divisória na questão da rotina. A nova linguagem de flexibilidade

sugere que a rotina está morrendo nos setores dinâmicos da economia. Contudo, a maior parte

da mão-de-obra permanece inscrita no círculo do fordismo.

Alguns dados explicitam essa realidade. Segundo Mattoso citado por Lisboa (2002),

na década de 90, no Brasil, ocorreu uma redução dos postos de trabalho formal de 3,3 milhões

de empregos. Dois terços da população economicamente produtiva estava alocada no trabalho

formal, enquanto um terço já pertencia ao trabalho informal. Na região metropolitana, a cada

cinco trabalhadores, um está desempregado, dois estão na informalidade e dois no emprego

formal. Paralelamente, segundo estatísticas, 1,5 milhões de jovens potencialmente ingressam

no mercado de trabalho anualmente, o que, em uma década, implica 15 milhões de novos

postos de trabalho que deveriam estar disponíveis. Havendo uma redução dos postos de

trabalho, onde se colocarão esses jovens?

A história de Breno, relatada anteriormente e a de Patrícia, contada alguns parágrafos

adiante, ilustra essa preocupação dos jovens e das famílias. Duas grandes questões: dar conta

de fazer uma escolha, a primeira grande escolha na vida de um jovem e sintonizar-se com o

mercado de trabalho. No caso de Breno, ele escreve algumas frases muito fortes, como “os

próximos trinta anos de minha vida serão bem difíceis, pois o meu desejo profissional é

inviável ou pelo menos insignificante para os outros.” Ou “resolvi traçar algumas metas para

que, quando aposentar, eu possa realizar meu sonho”. E, então, lista uma série de cursos que

gostaria de fazer. Breno mostrou um interesse muito forte pela filosofia, mas não conseguia

assumi-lo por sua preocupação em relação ao mercado de trabalho e por considerar que não

seria valorizado.

Muito foi conversado com ele sobre isso e questionou-se: quer dizer que você

considera que vai passar a maior parte da sua vida tendo que fazer algo que os outros

consideram importante e depois de aposentar, você buscará realizar seus sonhos? Refletimos

sobre uma possível conciliação entre seus desejos e as exigências do mercado. E, em suas

narrativas, fomos percebendo que seus medos advinham de uma real preocupação com o

mercado de trabalho, com a inconstância (ou insatisfação) dos pais em termos profissionais e

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por acreditar pouco em seu próprio potencial 10.

As dificuldades de Breno nos levam a pensar em questões como qualificação e

competição. Quais são os requisitos necessários para que um trabalhador consiga sua inclusão

no mercado de trabalho? Vivemos um momento ideológico que agencia o sujeito trabalhador

em torno de exigências como qualificação, multifuncionalidade e flexibilidade entre outros

termos contemporâneos. As organizações e instituições também vão se modificando. Alguns

sociólogos, como Sennett (2005), falam em estruturas frouxas, em que há brechas e desvios

que apresentam, como possibilidade, trocas de lugar e a facilidade de movimentação dos

indivíduos. A partir disso, também se exige que o sujeito saiba correr riscos, vivendo, assim, a

incerteza e a ambigüidade.

Tal mobilidade ocupacional das sociedades contemporâneas nos leva a pensar em

alguns aspectos positivos e negativos de tais mudanças. Presenciamos profissionais se

qualificando em áreas diversas de sua formação inicial e podendo opinar e transitar por

especialidades diferentes e ainda desenvolver trabalhos multidisciplinares. São profissionais

que podem oferecer um serviço de maior qualidade à sociedade e ainda se satisfazem por

terem oportunidade de desenvolver suas habilidades diversas. Macedo (1999) fez uma

pesquisa em que descobriu que grande parte dos profissionais não trabalham nas

especializações conhecidas ou descritas em manuais sobre as profissões. Muitos deles

partiram para o que ele chama de ocupações.

Quer dizer, se você falasse em um trabalho de orientação: "você vai ser advogado", aí a pessoa acharia que iria defender um réu no tribunal ou ganhar dinheiro com processos na área fiscal ou trabalhista. Ás vezes não encontra nada disso e vai trabalhar em outra área e isso não quer dizer que se sai mal. Depende das oportunidades que procura e das que achou (MACEDO, 1999, p.50).

Mas não esqueçamos que essa possibilidade de trabalhar com habilidades diversas e

de forma multidisciplinar representa uma parcela ínfima da população. E atentemo-nos

também à realidade das práticas organizacionais. Segundo Lisboa (2002), temos observado

práticas de flexibilidade concentradas mais para dobrar as pessoas, no sentido de vergá-las.

“Temos, isto sim, uma busca de flexibilidade que produz novas formas de controle,

diferentemente do que seria a criação de condições libertadoras.” (LISBOA, 2002, p. 41).

Assim, o caráter compatível com a nova ordem do trabalho inclui a falta de apego a longo

prazo e a tolerância com a fragmentação.

Nesse sentido, Oliveira (2001) sugere que o maior desafio para o iniciante no mercado

10 A história familiar de Breno será mais explorada no capítulo 4.

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de trabalho é se desligar de conceitos herdados como a de que um bom trabalho é aquele que

oferece estabilidade e remuneração elevada. A tendência das relações aponta para o desapego

ao conceito de emprego. E quem deseja um bom trabalho deve ser flexível a ponto de abrir

mão da formação inicial para desempenhar outras atividades que o mercado exija. Assim, para

Engelman, Fonseca e Giacomel (2003) além de exigências objetivas, como formação escolar,

aparência física, domínio de informática e idiomas, o mercado de trabalho aponta

competências que passam pelo plano da subjetivação: flexibilidade para reagir a mudanças e

habilidade nos relacionamentos pessoais, como as principais. Ainda para as autoras,

[...] a contemporaneidade propõe, portanto, uma flexibilização em relação ao próprio conceito de trabalho, não fixando apenas o emprego, mas considerando também outras formas de contratos, como o serviço de terceirização, o trabalho autônomo, informal, voluntário, as cooperativas e os estágios. Da mesma forma, a importância de operar como o conceito de “qualidade” em todas as funções- não apenas na produção de trabalho, mas nas relações entre colegas e clientes- mostra-se como outra condição insistentemente marcada. A demanda é que tais conceitos sejam encarnados na maneira de ser e agir dos trabalhadores (ENGELMAN, FONSECA e GIACOMEL, 2003, p. 2).

Assim, há um modo de subjetivação que vem sendo capturado por tais formas de

controle. Engelman, Fonseca e Giacomel (2003) afirmam que o que é valorizado pela

sociedade num trabalhador de sucesso é justamente o perfil do trabalhador que tem sua alma

posta disciplinarmente a trabalhar. E, nesse sentido, completa Marc Ferro citado por

Engelman, Fonseca e Giacomel (2003), ao esclarecer que as faltas no trabalho por greves e as

antigas reivindicações do direito ao trabalho e à saúde do trabalhador vêm sendo substituídas

por um aumento dos dias de falta por doença.

Traçado o contexto do mercado de trabalho atual, passamos a compreender um pouco

mais por que tantas pessoas têm precisado de ajuda para construírem seus projetos

profissionais. A rapidez das mudanças, a necessidade de rever as qualificações, tornar-se

multifuncional, entre outras exigências, faz-nos pensar, inclusive, que esses próprios projetos

precisam ser revistos com muita freqüência. É necessário desapegar-se de um projeto inicial e

ir em busca de um novo. A linearidade deixa de existir e, diante da fragmentação, muitas

pessoas se perdem. Novos modos de subjetivação vêm surgindo, provocando estranhamento,

mas também possibilidades de criação. Assim, apesar de todas as questões levantadas, o

trabalho tem uma dimensão fundamental na vida do homem atual.

Então, qual é o mundo do trabalho que os jovens que hoje escolhem uma profissão

irão enfrentar? Um mundo já com muitas diferenças em relação ao que apresentamos aqui,

devido à velocidade com que vivemos as transformações neste momento, em função,

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principalmente da globalização, dos avanços da tecnologia e da possibilidade de trocas de

informações em alta velocidade.

Isso justifica de alguma forma o motivo de tanta evasão nos cursos universitários.

Presenciamos de jovens que fazem uma escolha conhecendo uma meia dúzia de profissões

tradicionais e idealizando um projeto de carreira que não mais condiz com o momento atual.

Lassance (1997), ao relatar sua experiência junto ao Serviço de Orientação Profissional da

UFRGS, há dez anos atrás, já percebia isso e admitia que os projetos mais complicados eram

aqueles de jovens que faziam uma escolha vocacional para o ingresso em um curso superior

que desse acesso ao mercado de trabalho por meio de um emprego estável, bem remunerado,

em que o sujeito pudesse aposentar-se e retirar-se para uma velhice tranqüila. Ou seja, uma

idealização que foge de nossa realidade. Como já dissemos anteriormente, estabilidade é uma

das palavras menos usadas para o mercado de trabalho atual.

Então, será que podemos continuar orientando jovens sem considerar essas realidades?

Serviços de OP que se pautam pela utilização de testes psicológicos, pela descoberta de

aptidões e pela oferta de informações sobre cursos tradicionais orientam para um mercado que

não mais existe. Macedo (1999) também traz sua preocupação em relação ao sistema

educacional no Brasil, que se mostra rígido diante de um mercado de trabalho cada vez mais

flexível. Segundo ele, os cursos de graduação vêm criando especialistas com pouca amplitude

para um mercado que pede e valoriza o especialista generalizante. "Por definição é o

seguinte: uma pessoa com sólida formação em alguma área, mas com capacidade para

aprender coisas novas nessa área e fora dela, por interesse ou por necessidade" (MACEDO,

1999, p. 53). Ele ainda diferencia esse profissional do generalista, que é um sujeito que sai

fazendo cursos por aí, esperando ver que utilidade poderá ter, perdendo tempo e não

arrumando trabalho algum. "Agora, quando você generaliza, tem que ter um foco, senão você

vira generalista. Você tem que ser generalizante, mas dentro de um determinado objetivo"

(MACEDO, 1999, p. 53).

Percebemos também uma outra tendência diante das possibilidades profissionais, que

é a ocupação de cargos que não constam nos manuais de informação profissional. Nesse

sentido, Macedo (1999) traz o que para ele é um dos grandes equívocos da orientação

vocacional no Brasil: um trabalho orientado por profissões tradicionais como medicina,

direito, engenharia e administração, entre outras, enquanto o mercado vem se regendo por

ocupações que podem ou não coincidir com o nome das profissões. Em uma pesquisa feita

pelo referido autor com vários profissionais, ele encontrou pessoas trabalhando em áreas

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diversas que não constam nos manuais de informação profissional 11. Por exemplo, advogados

trabalhando como analista de recursos humanos e como comprador, jornalista como diretor de

riscos pessoais e de marketing e psicólogos como assistente de vendas e supervisor

administrativo.

E qual é o papel do orientador profissional diante de tantas mudanças? Precisamos

pensar em um profissional cada vez mais inserido nesse contexto, ou seja, alguém capaz de se

informar e levar tais elementos e reflexões ao orientando. E, se falamos de um sujeito inserido

neste contexto, falamos de alguém que também vive as conseqüências enquanto profissional:

precisa ampliar seu conhecimento, navegar por outras áreas, conhecer outras profissões, ter

um conhecimento profundo dos processos mundiais nos âmbitos econômico, político e social,

entender o mercado de trabalho, questões intrapsíquicas, influências familiares e flexibilizar-

se...

Vamos ilustrar essas discussões acompanhando a história de Patrícia.

Patrícia tem 17 anos e participou de um processo de orientação profissional individual

feito em consultório. Ela cursava o terceiro ano do ensino médio numa escola particular de

Belo Horizonte, que atende alunos de classes média e alta. Ela chegou para a primeira sessão

junto com a mãe, que quis participar, justificando sua presença pela preocupação com a filha

“muito sonhadora, indecisa e falando em algumas profissões de que não tem conhecimento

direito”. Desde o início, a presença vigilante da mãe nos chamou a atenção.

Os pais são separados, havendo dois filhos desse casamento, sendo Patrícia a mais

velha. Os filhos moram com a mãe. O pai casou-se novamente, tendo mais um filho desse

novo casamento.

Patrícia começa contando de seu interesse por fisioterapia e terapia ocupacional. Ao

longo de nossa conversa, ressalta que “psicologia também deve ser interessante”. A mãe

retruca em relação às opções de Patrícia, dizendo que é amiga da filha, mas que não tem feito

milagres mais. Quando perguntamos o que ela quer dizer com isso, ela explica que a filha não

tem ouvido mais seus conselhos. Entendemos isso como um desabafo da mãe diante do

crescimento da filha que está, aos poucos, aprendendo a fazer suas escolhas e já não

precisando tanto de seus conselhos.

A mãe (Rita) fala um pouco sobre seu trabalho e aproveitamos o gancho para

pensarmos na noção de trabalho para essa família. Os pais de Patrícia são analistas de

sistemas e a mãe é professora na área. Perguntamos a Rita se ela gosta de seu trabalho.

11 Esta pesquisa é citada em Macedo (1999, p. 51).

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Patrícia se adianta e responde para ela: “Não gosta”. E Rita se justifica: “Gosto sim. É porque

estou dando aulas e me passaram matérias para as quais não estava preparada... Estou tendo

que estudar muito.” E a filha completa: “Ela reclama muito. Não quero ser assim; quero

gostar do meu trabalho”.

E continua dizendo que detesta a área de exatas e que quer mexer com pessoas, com

ajuda e com o cuidar. Diz que adora estudar filosofia na escola, o que a ajuda a “ampliar o

pensamento, questionar, não ter uma resposta pronta e única”.

Ela fala um pouco sobre seu colégio, criticando as pessoas que lá estudam. “São

pessoas ricas, que só valorizam o ter, julgam muito as pessoas e fofocam demais.” E, em

outro momento, comentava que “preciso fazer algo que me dê lucro. Gosto de comprar

minhas coisas, ter meus programas. Tenho jeito para trabalhos comunitários, gosto de ajudar

as pessoas, mas sei que isso não dá dinheiro”.

Essas frases foram trazidas, porque Patrícia falou de seu incômodo em relação aos

seus colegas em quase todas as sessões e também de seu interesse por trabalhos comunitários,

por questões sociais, marcando o que fomos compreender como um grande conflito para ela:

ser e ter pareciam ser sempre coisas separadas, que não podiam se encontrar. E sua mãe

marcou no primeiro encontro que ela realmente teria grandes dificuldades (talvez financeiras)

escolhendo algumas dessas áreas (citadas por ela no início).

Ela contrastava o que chamava de seu lado zen, de gostar da natureza, ser

questionadora, debater sobre política, com o seu desejo de ganhar bem e poder comprar

muitas coisas.

Patrícia, ao fazer pesquisas sobre as profissões e conversar com profissionais de várias

áreas, viu crescer seu interesse pela psicologia, mas voltava atrás ao dizer que tinha que fazer

um curso que lhe desse dinheiro, talvez medicina ou direito. Incentivamos que buscasse

informações sobre essas duas outras áreas também para descobrirmos que interesses

surgiriam. Mas voltava de suas buscas sem demonstrar muito entusiasmo.

Conversamos muito sobre o mundo do trabalho, sobre mudanças atuais e de como,

hoje, fazer um curso tradicional, não é mais garantia de empregabilidade. Na juventude de

seus pais, cursar engenharia, medicina ou direito, por exemplo, eram garantias de emprego,

trabalhos fixos e por uma vida toda. Hoje, o mercado tem novas exigências. Ressaltamos a

possibilidade de se trabalhar com algo que realmente se deseje e poder, a partir disso, crescer,

inovar, ser bom profissional e, assim, cavar seu espaço no mercado de trabalho. Um pouco do

que está descrito anteriormente neste texto (sobre mudanças no mundo do trabalho) foi

conversado com ela.

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No encontro com os pais, esse assunto veio à tona, pela fala da mãe, que não se

conformava com a escolha da filha. E um exemplo importante pôde vir à tona na fala de

Patrícia. Ao contar sobre histórias profissionais dentro de sua família, referiu-se a um tio

formado em ciências sociais que “ninguém dava nada para ele e que foi devagarzinho

crescendo e que trabalha, hoje, em Brasília, num cargo muito bom, sendo o parente que está

melhor na família”. Em contraponto, lembrou-se que a mãe havia se formado como analista

de sistemas, profissão em alta, por causa da era da informática, mas não havia se

desenvolvido na área, por não ter escolhido bem e por não gostar tanto de seu trabalho.

Rita, nesse último encontro, parece ter ficado muito mobilizada e trouxe falas que

mostravam como o processo de escolha da filha estava despertando nela um repensar de suas

escolhas. O pai de Patrícia colocou-se quase todo o tempo em posição de escuta da filha, para,

posteriormente, emocioná-la, dizendo que a filha era uma “menina profunda, inteligente,

responsável e estudiosa e que se daria bem na escolha que fizesse, desde que estivesse

realmente refletindo sobre isso”. Ainda acrescentou que sabia da dificuldade de se escolher

uma profissão e que se ela precisasse repensar, mesmo já estando na faculdade, que ele a

apoiaria.

Vários outros temas foram debatidos com Patrícia para que ela pudesse, ao final do

processo, construir um projeto seu em que ser e ter poderiam caminhar juntos.

Nesse sentido, Lisboa (2000) comenta que, hoje, o orientador profissional está

orientando para a desorientação, ou seja, os caminhos profissionais mostram-se cada vez mais

indefinidos em termos de papéis profissionais circunscritos numa realidade futura

desconhecida. Assim, diante desse quadro, pensamos em um orientador profissional que não

apenas conheça o mercado e as mudanças em processo e os informe a seus orientandos, mas

alguém que o faça criticamente. Se considerarmos que estamos contribuindo para a formação

de profissionais, temos um imenso compromisso social. Para a autora, significa exercitar a

crítica da sociedade para nela intervir. E Patrícia mostrava seu grande interesse em intervir na

sociedade; seus olhos brilhavam ao falar sobre trabalhos comunitários, política, ajuda,

comportamento do ser humano. Não propiciar a ela o questionamento do caminho alienante

que estaria traçando, buscando apenas o ter seria desconsiderar a importância deste papel do

orientador citado anteriormente. Que o ter pudesse vir junto ou em conseqüência do ser. E

esta foi sua escolha após ter oportunidade de se questionar.

Lisboa (2000) ainda nos sugere que aproveitemos a oportunidade para que o sujeito se

reconheça como criativo em outras circunstâncias o mais amplamente possível. Assim, não é

cabível no mundo de hoje trabalharmos em orientação profissional sem que haja uma

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mobilização crítica do que ocorre em nossa sociedade em suas várias dimensões: econômica,

social, política, educacional e assim por diante. “De alienação, já temos o suficiente, por

conta do próprio sistema capitalista que coisifica o ser humano, tornando-o uma mercadoria a

serviço de quem detém os meios de produção e o domínio social” (LISBOA, 2000, p. 19).

Nesse sentido, a orientação profissional não cumpre apenas o papel de ajudar o jovem

a fazer uma escolha saudável, mas exerce um compromisso social transformador. Apontando

também para um posicionamento das subjetividades envolvidas, nesses cenários.

3.3 Adolescência e Contemporaneidade

A escolha profissional estudada aqui se dá em uma fase específica, a adolescência,

estando tanto o sujeito envolvido com uma série de atividades, desenvolvimentos e

características específicos dessa fase, como a família passando por uma mudança de ciclo de

vida: a família na fase adolescente 12.

Vários autores vêm procurando definir adolescência, partindo de critérios diversos.

Cerveny e Berthoud (1997) apontam a definição de Muss de adolescência como “[...] o

período que se estende desde a puberdade (aproximadamente aos 12-13 anos) até atingir o

estado adulto pleno” (CERVENY e BERTHOUD, 1997, p.27). Osório (1989) define a

adolescência, diferenciando-a da puberdade, esta última marcada por processos biológicos de

mudança corporal. Já adolescência é um processo biopsicossocial compreendido por

mudanças de papéis, exigências, interesses e relações dentro e fora da família, em que o

referencial social é mais amplo, incluindo, como grupo de referência, os companheiros. Esse

autor inclui o término desse período como o momento em que o jovem é auto-suficiente

economicamente, podendo assumir seu próprio sustento por meio do trabalho.

Por outro lado, Fishman, citado por Ceverny e Berthoud (1997), parece discordar das

definições da maioria dos autores. Ele defende que a adolescência não deveria ser tratada

como uma entidade especial. Para ele, a adolescência surgiu como entidade psicossocial para

satisfazer uma necessidade e é uma criação das forças sociais que operam em nossa sociedade

contemporânea. Entretanto, mesmo tendo surgido de forças sociais, acreditamos que essa fase

de vida tem suas particularidades, sustentando a necessidade de aprofundarmos em pesquisas

e compreensões sobre o tema.

12 Mudança de ciclo de vida: termo a ser explicado no item seguinte, p. 43.

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Levenfus (2002) se pergunta quando termina a adolescência e sugere que não sabemos

responder mais, já que há muito tempo as fronteiras que marcavam a passagem da infância

para a adolescência e desta para a vida adulta estão ficando difíceis de precisar. Pensando na

atualidade e em nossa realidade socioeconômica, podemos dizer que a adolescência tem se

estendido, já que muitos jovens hoje se formam e ficam desempregados. A possibilidade de se

auto-sustentar e sair da casa dos pais tem sido, então, retardada por essa realidade do mercado

de trabalho.

Para Cerveny e Berthoud (1997), a adolescência é o período de ajustamento sexual,

social, ideológico e vocacional e de luta pela emancipação dos pais. Entretanto,

psicologicamente, o critério de término da adolescência não é tanto uma idade cronológica

determinada, mas o nível de maturidade atingido.

Para Preto (1995), juntamente com a maturação sexual, são acelerados os movimentos

que buscam solidificar uma identidade e estabelecer a autonomia em relação à família.

Sua capacidade de diferenciar-se dos outros dependerá de quão bem eles manejam os comportamentos sociais esperados, para expressar as intensas emoções precipitadas pela puberdade. Para estabelecer autonomia, eles precisam tornar-se cada vez mais responsáveis por suas próprias decisões e ao mesmo tempo sentir a segurança da orientação dos pais (PRETO, 1995, p. 225).

Assim, a qualidade do vínculo estabelecido entre pais e filhos será essencial nesse

processo de autonomia.

Mas, para pensarmos em autonomia na adolescência, é importante buscarmos

compreender o contexto contemporâneo desses jovens, os hábitos e demandas atuais. Alguns

autores têm chamado essa geração de geração zapping. É a geração que nasceu conhecendo o

computador, os jogos eletrônicos e plugada no mundo globalizado, de informações rápidas e

muita tecnologia. Zapear se refere ao comportamento de mudar de um canal para o outro na

televisão sem deter-se praticamente em nenhum. Nesse sentido, sobrepõe-se o uso da internet,

do vídeo, dos CDs musicais e dos telefones com a maior naturalidade (LEVENFUS, 2002;

FERREIRA e LEMOS, 2004).

A internet e os meios de comunicação, hoje, fornecem a esses jovens qualquer tipo de

informação e em rápida velocidade. Uma pergunta a se fazer é: com que profundidade eles

compreendem ou utilizam as informações obtidas? Para Ferreira e Lemos (2004), é admirável

para nós que somos de uma geração diferente, a facilidade com que eles aprendem e

trabalham com os avanços tecnológicos. Por outro lado, principalmente nos momentos de

escolha de vida, podemos dizer que eles sofrem de fragilidade de conhecimento no que diz

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respeito a si mesmos e à realidade.

Assim,

[...] esse jeito zapping de lidar com a informação é superficial, pois, ao se depararem com dificuldades ou com algo que não os agrada, desencantam-se e simplesmente zappeiam em busca de outra informação mais interessante, na fantasia onipotente de tudo poder ter ou descartar (o controle remoto incrementa bem essa fantasia). Esse é também um jeito muito característico de lidar com as angústias na adolescência: narcisismo, onipotência, idealização... (FERREIRA e LEMOS, 2004, p. 52).

É importante ressaltar que essas mesmas atitudes podem ser levadas em consideração

no processo de escolha da profissão. Encontrar informações sobre as diversas profissões é

fácil para o jovem, porém o que fazer com elas e como relacioná-las às suas próprias

vivências passa a ser um problema. E todo processo de escolha envolve uma avaliação

cuidadosa de possibilidades boas e ruins, além de saber lidar com as frustrações, com

ambigüidades, reconhecer dificuldades e facilidades próprias, desejos, anseios... (no caso da

escolha profissional). “É preciso tolerar as frustrações abrindo mão da fantasia onipotente de

que se têm todas as possibilidades, de que se pode tudo” (FERREIRA e LEMOS, 2004, p.52).

Breno nos mostrou esse comportamento de zappear quando, a cada momento, citava

seu interesse em buscar um curso universitário diferente. E, juntamente com isso, não parecia

haver uma avaliação crítica de si em relação a cada uma das profissões, de possibilidades,

dificuldades. No seu texto, ele nos diz que irá, durante sua vida, ser profissional de muitas

áreas, trazendo a fantasia onipotente citada pela autora e tentando evitar o processo inerente a

qualquer escolha: ganha-se uma oportunidade e perde-se outra.

E nossa sociedade consumista também vem estimulando esse comportamento de

pouco vínculo: muda-se de sapato, de parceiro, de ficante, encurta-se a escrita (com o

internetês) e assim por diante. Para Henriques, Féres-Carneiro e Magalhães (2006), temos

sido confrontados com uma gama de identidades diferentes que atraem e se mostram possíveis

como escolha, sendo a difusão do consumismo um fator que contribui para esse efeito de

supermercado cultural.

E as profissões, seguindo essa lógica, também vêm sendo consumidas pelos

adolescentes, acompanhando o movimento da descartabilidade e pouco contato com as

questões mais íntimas e necessárias nesse momento de escolha. O resultado disso aparece nas

universidades, com uma grande porcentagem de alunos abandonando o curso ainda no

primeiro ano. E isso justifica também o número significativo de pesquisas procurando

encontrar as causas da evasão universitária. Segundo Levenfus (2002), depois de arrebatar a

vaga, 40% dos universitários a abandonam ainda no primeiro ano de curso (RODRIGUES e

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RAMOS; LEVENFUS; PACHECO, SILVA, MACEDO e PINTO; HOTZA e SOARES-

LUCCHIARI; AVANCINI apud LEVENFUS, 2002).

Percebemos essas questões em nossa experiência profissional, tanto na clínica quanto

na escola. Na clínica, costumamos ouvir que algumas atividades propostas são difíceis de se

realizar e, durante o processo de orientação profissional, percebemos que são exatamente as

atividades que exigem um movimento de introspecção e de reflexão sobre si próprios, sobre

sua vida, seus desejos, dificuldades, facilidades e objetivos. Sendo, porém, o trabalho

individual, permite que orientador e orientando possam fazer esse movimento com mais

facilidade do que quando esses jovens se encontram em grupo. Nesse último caso, quando

questões que exigem esse esforço psíquico são lançadas, costuma acontecer a partir deles

primeiramente um movimento para evitar a angústia grupal. É como se desejassem

permanecer na idealização das profissões e não quisessem sair desse mundo paradisíaco em

direção ao mundo do trabalho e ao cotidiano real das profissões, envolvendo prazer e

desprazer.

Mas, apesar de problematizarmos a questão, apresentando algo que é realmente uma

realidade contemporânea, que esses jovens desejam ou tendem a zappear, com um trabalho

maior dentro do processo de orientação profissional, percebemos que são capazes de conciliar

o movimento de busca exterior e interior (no sentido reflexivo) e descobrir que podem fazer

escolhas próprias mais pensadas.

E esse processo envolve também um trabalho com o grupo familiar, que se vê às

voltas com questões ainda não vividas e pensadas anteriormente. São situações que ensejarão

a elaboração de novas estratégias da família com o adolescente, um resgate da própria

adolescência desses pais e uma avaliação das escolhas atuais também desses adultos. É o que

veremos adiante.

3.4 A família, o adolescente e o trabalho: as novas demandas

Como pensar todas essas questões vividas pelo adolescente, considerando que ele vive

em família e que suas mudanças têm repercussão no grupo como um todo?

Da sociologia, a teoria sistêmica tomou emprestado o conceito de ciclo de vida da

família, para se falar da divisão do desenvolvimento da família em estágios discretos com

tarefas a serem realizadas em cada estágio. Betty Carter e Mônica Mc Goldrick estudaram

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intensamente esses estágios e enriqueceram essa estrutura acrescentando um ponto de vista

multigeracional (NICHOLS e SCHWARTZ , 1998).

Dessa forma,

[...] a perspectiva de ciclo de vida familiar vê os sintomas e as disfunções em relação ao funcionamento normal ao longo do tempo, e vê a terapia como ajudando a restabelecer o momento desenvolvimental da família. Ela formula problemas acerca do curso que a família seguiu em seu passado, sobre as tarefas que está tentando dominar e do futuro para o qual está se dirigindo. Nossa opinião é a de que a família é mais que a soma de suas partes. O ciclo de vida individual acontece dentro do ciclo de vida familiar, o que é o contexto primário do desenvolvimento humano. Consideramos crucial esta perspectiva para o entendimento dos problemas emocionais que as pessoas desenvolvem na medida em que se movimentam juntas através da vida (CARTER/MC GOLDRICK e cols., 1995, p. 8).

Assim, a família passa por ciclos de desenvolvimento, havendo em cada um deles

temas mais presentes, capazes de mobilizar a família como um todo. A importância de

inserirmos o ciclo vital da família se deve ao fato de que a escolha profissional aqui estudada

acontece em um momento específico do desenvolvimento familiar: a família em sua fase

adolescente. Nessa fase, há modificações e ajustes no sistema para que esse momento seja

vivenciado e resolvido da melhor maneira possível por seus membros.

Segundo Carter/Mc Goldrick e cols. (1995), o estresse familiar é mais intenso nos

pontos de transição de um estágio para outro no processo desenvolvimental familiar, e os

sintomas tendem a aparecer mais quando há uma interrupção ou deslocamento no ciclo de

vida familiar em desdobramento. O esforço terapêutico, nesses casos, é para ajudar os

membros da família a se reorganizarem para prosseguir em seu desenvolvimento.

Durante a fase chamada adolescência, toda a família passa por transformações. Os pais

começam a rever sua própria adolescência e os aspectos que podem ser resgatados de uma

juventude ainda presente diante de si. Para Cerveny e Berthoud (1997), esses pais ficam

divididos entre o cuidado da geração mais velha (pais, sogros) que começa a requerer atenção

diferenciada em sua fase tardia da vida e as tarefas e funções específicas de educar

adolescentes com suficiente flexibilidade.

As demandas dos adolescentes costumam fazer aflorar conflitos não-resolvidos entre

os pais e os avós ou entre os próprios pais, já que eles reativam questões de sua própria

adolescência. “Uma exigência de maior autonomia e independência freqüentemente desperta

nos pais o medo da perda e da rejeição, especialmente se eles se sentiram rejeitados pelos pais

durante a adolescência” (PRETO, 1995, p. 224).

Cabe ressaltar ainda que todas essas mudanças acontecem em um sistema social mais

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complexo.

Enquanto no passado a família era capaz de oferecer treinamento prático para os filhos na forma de trabalho, ela agora precisa proporcionar-lhes capacidades psicológicas que os ajudarão a diferenciar-se e a sobreviver num mundo que muda cada vez mais rapidamente. Em resultado, a maior função da família foi transformada, da função de unidade econômica em um sistema de apoio emocional (PRETO, 1995, p. 223).

Segundo essa autora, para muitas mulheres, essa pode ser a primeira oportunidade de

trabalhar sem as restrições que enfrentavam quando os filhos eram novos. Muitos homens

estão envolvidos com a maximização de suas carreiras. Os estresses vividos pelo adolescente

são exacerbados quando os pais sentem uma profunda insatisfação e são compelidos a fazer

mudanças em si mesmos. Ou seja, toda a família se sente impelida de alguma forma a olhar

para suas escolhas e talvez refazê-las.

E os pais tornam-se geralmente ansiosos para que esse filho adolescente se torne

adulto logo e confira aos pais o certificado de missão cumprida na tarefa de educar. Essa

ansiedade dos pais, muitas vezes, faz com que os filhos pulem etapas e não tenham tempo de

elaborar algumas questões. Podemos citar aqui o momento da escolha profissional,

geralmente carregado dessas ansiedades e de muita pressa. Para dar um exemplo, no trabalho

clínico em orientação profissional, freqüentemente, na primeira sessão, recebemos o jovem e

seus pais ou um dos pais, sendo que estes últimos costumam vir por seu próprio desejo e

desespero para nos dizerem de sua angústia diante do filho que “não tem nem idéia do que

quer fazer”. O recado que nos passam é como se ter dúvidas diante dessa escolha não fosse

permitido ou que talvez pudesse ser reflexo de alguma falha na educação dos pais que não

permitiu que este jovem fosse mais maduro ou mais certo em suas escolhas.

Preto (1995), pensando nas mudanças vividas pela família na fase adolescente, sugere

que é preciso nesse momento flexibilizar-se, ser capaz de rever normas, limites, repensar

papéis e reorganizar-se para permitir ao adolescente maior autonomia e independência.

Entretanto, algumas famílias não conseguem cumprir tal função, resultando em disfunções

familiares e desenvolvimento de sintomas no adolescente. A escolha profissional pode se

tornar um dos objetos de manifestação desses sintomas.

Foi o que pudemos perceber na família de Patrícia. Sua mãe, em especial, demonstrou,

desde o primeiro encontro, uma imensa angústia pelo fato de a filha estar crescendo, buscando

suas próprias escolhas e fazendo com que Rita repensasse sua adolescência, seu

posicionamento e suas escolhas.

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E, ainda pensando nas falas surgidas na história de Patrícia, chamamos a atenção para

a forma como a família recebe, interfere, elabora questões e mudanças sociais e as transfere a

seus membros. É a partir desse convívio que a família irá construir suas narrativas e transmiti-

las, gerando repetições ou construções de novas histórias.

Estudamos aqui a família em uma camada social específica, a camada média, que traz

características próprias e diferenciadas em relação, por exemplo, a famílias de camadas baixas

ou altas. Velho (1981), apesar de trazer um trabalho com alguns anos de distância em relação

a nós, referencia-nos por ter feito importantes pesquisas com as camadas médias

(principalmente cariocas). A noção de projeto, a partir desse autor, vem nos trazer reflexões,

já que estamos pensando em um jovem em busca de construção de seu projeto profissional e

atravessado por muitos outros projetos, entre eles, o da família em relação a ele. Para o autor,

o projeto não é um fenômeno puramente interno e subjetivo, mas é elaborado dentro de um

campo de possibilidades, circunscrito histórica e culturalmente, envolvendo prioridades e

paradigmas culturais existentes. Ele é construído por meio de uma biografia e de uma história

de vida. Além disso, essa noção de projeto procura “[...] dar conta da margem relativa de

escolha que indivíduos e grupos têm em determinado momento histórico de uma sociedade”

(VELHO, 1981, p.107) (grifos do autor).

Assim, ao pesquisar este tema em famílias cariocas de classe média, Velho (1981)

notou que ficava nítido que os pais tinham expectativas e um projeto claro que estendiam a

seus filhos. Basicamente, esperavam que a família continuasse ascendendo socialmente,

prosperando e aumentando seu status. Ele relata que esse processo foi reforçado após o

chamado milagre brasileiro, com uma conjuntura histórica que reforçava o projeto

individualizante de família nuclear, enfatizando o consumo e o sucesso material. Incentivava-

se, nesse momento, o modelo de família que compra, investe, viaja dentre outros. Então,

existia um forte vínculo entre essa ideologia modernizante capitalista e a visão de mundo das

famílias estudadas.

Nesse estudo do autor, os pais eram profissionais liberais de sucesso, o estilo de vida

implicava despesas elevadas com os filhos. Um fato significativo para o nosso tema é que

Velho (1981) percebeu que o desinteresse pelos estudos sempre aparecia como um dos

primeiros elementos a serem detectados como sinal de que algo não vai bem. Em relação à

valorização e ênfase no sucesso individual, o pesquisador encontrou pessoas que se

incorporavam vigorosamente ao mercado de trabalho, internalizando uma exigência de

produtividade, enquanto outros procuravam um estilo hedonista. Entre os mais jovens, havia

uma noção muito tênue de biografia se comparada com os mais velhos de sua família.

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Nardi e Yates (2005) comprovam esses últimos dados em pesquisa mais recente, em

que entrevistaram jovens empregados no setor da nova economia (informática,

telecomunicação e internet), jovens empregados no setor bancário e outros ligados a um

projeto de economia solidária. Eles encontraram, principalmente entre os jovens da nova

economia, uma ruptura com os valores morais associados ao trabalho, característicos da

geração dos pais desses jovens. Assim, muito pouco do que esses pais aprenderam em relação

a trabalho é válido para o cotidiano, diferentemente do que foi pontuado por Velho (1981) na

década de oitenta. O mundo mudou muito e vários desses jovens trabalham em áreas não

imaginadas pelos pais. É um mundo cheio de possibilidades para algumas áreas, mas, ao

mesmo tempo, muito incerto e injusto. Assim, para esses jovens, a solução para a busca da

felicidade está ligada à procura individual de sucesso.

Henriques, Féres-Carneiro e Magalhães (2006) também encontraram essas questões

em seus estudos, observando que as diferenças de percepção do mundo do trabalho entre

jovens e adultos, na classe média urbana, estava produzindo ambigüidades e um terreno de

desconforto entre pais e filhos. A geração dos pais, em relação à dimensão do público, é

fortemente marcada por valores como compromisso e lealdade, noções de durabilidade e

política de longo prazo. Dessa forma, pensa-se em carreira e realização por meio do trabalho.

Já na geração dos filhos, há uma perspectiva de curto prazo e provisoriedade das experiências

sociais. E, ao lidar com essas questões, com o imediatismo e a velocidade de informações e

mudanças, cada vez mais presentes em nossa sociedade, uma das saídas tem sido o

empreendedorismo.

Acrescentando ao que falávamos sobre a geração zapping, Kurz, citado por Henriques,

Féres-Carneiro e Magalhães (2006), reconhece o surgimento de uma nova classe social, a

global, construída a reboque dos avanços da tecnologia. Essa classe, por suas características

flexíveis e desenraizadas, vem sendo cultuada pelos jovens como modelo identificatório

calcado na mobilidade, domínio de informação e construção de um universo virtual de

diversão. E, então, diante das possíveis oposições encontradas no mercado de trabalho, muitos

jovens têm decidido que a melhor maneira de lutar é sair atrás do seu próprio negócio,

empreendendo. E esse passa a ser um ideal. Cabe lembrar que estamos falando de jovens de

classe média. Se nos referíssemos a jovens de classe baixa, levantaríamos outras alternativas

buscadas diante das limitações do mercado de trabalho, como, por exemplo, o

cooperativismo.

Mas, como em qualquer momento de mudanças paradigmáticas, temos a convivência

com o velho, o incerto e com novas saídas e, diante desse universo do trabalho, já bastante

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desconhecido para a maioria dos pais, muitos deles se tornam mais ansiosos ainda em relação

às expectativas depositadas nos filhos no campo profissional.

A família de Patrícia nos mostrou um pouco sobre isso. As mudanças no mercado de

trabalho pareciam atemorizar Rita, a mãe, que, sem soluções ou respostas prontas para a filha,

sugeria a busca de cursos tradicionais como alternativa. Rita ainda nos relatou sobre um

período (a sua juventude) em que não se escolhia muito. Ela não sabia dizer bem se havia

escolhido sua profissão. Dizia que os pais sugeriam e não havia tantas opções assim. “Poucas

pessoas mudavam de curso ou optavam por coisas muito diferentes.” Dessa forma, Rita nos

conta de sua angústia em ter uma filha se lançando em uma busca profissional em um mundo

não tão conhecido por ela. Patrícia vive num momento que traz novos modos de subjetivação

em relação à juventude de sua mãe. A ela, é exigido que se escolha o tempo todo, mesmo que

a sociedade ou a mídia, em muitos momentos, escolha por ela. Na juventude de Rita, as

mulheres estavam começando a buscar o direito de escolher, seja o projeto de vida, o marido,

o tipo de lazer, a profissão dentre outros.

Ainda trazendo mudanças contemporâneas na família e no trabalho, um outro

fenômeno que vem sendo observado é a permanência dos filhos adultos na casa dos pais.

Henriques, Féres-Carneiro e Magalhães (2006) fizeram um estudo para compreender o

fenômeno, percebendo que fatores particulares ao universo da classe média urbana podem ter

tido como conseqüência esse prolongamento da coabitação. E muitas das questões se

relacionam às mudanças no mundo do trabalho.

A esfera do trabalho e as mudanças paradigmáticas que a vêm compondo na

atualidade, associadas à incerteza, à insegurança, às vivências de fragmentação e ao

individualismo repercutem na vida em família e nos relacionamentos sociais. Para as autoras,

tem havido uma oscilação do investimento no mundo privado e um descomprometimento no

mundo público. O último vem se revestindo de impessoalidade e, o primeiro, de intimidade.

Dessa forma, tem-se acentuado a construção do espaço privado da família, por meio de uma

grande separação do domínio público (HENRIQUES, FÉRES-CARNEIRO e MAGALHÃES,

2006).

As instituições contemporâneas tendem a diminuir a possibilidade de experiências de

pertencimento especial, devido à excessiva rapidez das mudanças e fragmentação dos laços

que as unem aos indivíduos. Assim, pertencer passa a ser uma experiência desejada. Diante

disso,

[...] pode-se dizer que o prolongamento da convivência familiar - a permanência dos

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filhos adultos na casa dos pais - afirmar-se-ia como uma atitude de não-enfrentamento da sensação de insegurança que afeta os que vivem no mundo de hoje, visto como imprevisível e incerto. A família entendida como lugar de confiança e da conciliação pode representar um ideal de convivência contemporâneo, um valor seguro a que ninguém quer renunciar, um lugar de resistência face a uma sociedade globalizada, sem fronteiras e caracterizada pela ausência, ou pela morte lenta das referências tradicionais estáveis (HENRIQUES, FÉRES-CARNEIRO e MAGALHÃES, 2006, p. 333).

Ribeiro (2005) também nos traz dados importantes a respeito da importância do

projeto dos pais para os filhos. Ao pesquisar os motivos da evasão universitária, o autor

encontrou, entre vários fatores (como dificuldades financeiras, falta de ajustamento ao curso,

escolha precoce, entre outros), o projeto profissional sociofamiliar como um dos

determinantes. Assim,

[...] existe um discurso social de que o curso universitário é condição sine qua non para a possibilidade de ascensão social, via carreira, e as famílias têm como meta que seus filhos atinjam esse patamar em sua escolaridade, mas que aparece muito mais como um desejo do que como uma possibilidade concreta. Essa contradição se mostrou o tempo todo no discurso dos sujeitos que, por um lado, diziam achar fundamental cursar uma universidade, mas pelo outro apontavam seguidamente as impossibilidades de que isso acontecesse, inclusive naqueles que tinham condição de pagar e acabavam desistindo do curso superior escolhido por algum outro motivo, geralmente associado a idéia de que “a universidade não é feita para nós” (RIBEIRO, 2005, p. 66) (grifos do autor).

Temos que ressaltar que o autor pesquisou famílias em que a maior parte dos pais não

havia feito curso superior e algumas delas apresentavam dificuldades financeiras. Assim, o

referencial da família de origem precisa ser considerado como um elemento importante na

formulação do projeto dos filhos. Para Bordieu, citado por Ribeiro (2005), o indivíduo tende a

reproduzir simbolicamente a estrutura de relações sociais próprias à classe social a que a

família pertence e, ainda, os deslocamentos no espaço social que constituem sua trajetória

social.

Em nossa experiência prática, trabalhamos com jovens de classe média em uma escola

particular de Belo Horizonte e no consultório particular. Nos dois ambientes, presenciamos

realidades diferentes pelo tipo de família que nos procura e pelas características peculiares de

dois bairros geograficamente afastados na cidade. Na escola, na zona oeste da cidade,

convivemos com jovens de famílias que hoje têm condições de pagar uma escola particular

para os filhos, mas que têm uma história de vida de dificuldades financeiras e de ascensão por

meio do próprio trabalho. Grande parte desses pais não pôde estudar e se desenvolveu

trabalhando com comércio na região. Para alguns alunos, pensar em um curso universitário é

algo muito novo em seu meio familiar. Muitos deles apresentam dificuldades de escolha por

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não ter modelos de referência em suas famílias. Em conversas com as famílias no próprio

processo de orientação profissional, algumas manifestam apenas o desejo de que o filho curse

uma universidade, mas não sabem dizer bem que tipo de curso. Muitos dos jovens sentem

carregar uma grande expectativa da família, no sentido de cumprir essa tarefa tão desejada e

trilhada por poucos em seu meio. Ao mesmo tempo, costumam passear mais pelas opções

profissionais, escolhendo também cursos não tão conhecidos e com menor status social.

Já no consultório, recebemos alunos de escolas particulares da região centro- sul. São

jovens com a maioria dos pais com curso superior, sendo que questionar o ingresso numa

universidade nem mesmo passa a ser uma opção. Os pais geralmente conhecem e convivem

mais com a realidade do mercado de trabalho e costumam fazer mais exigências a esses filhos

em relação às escolhas profissionais. Esses jovens, geralmente, escolhem cursos mais

tradicionais ou chegam para iniciar o processo com uma opção tradicional e precisam de um

trabalho maior na orientação para se permitirem e pedirem permissão aos pais para escolher

algo que não esteja em seus projetos.

Dessa forma, percebemos, então, a importância de considerar os multifatores que

envolvem a escolha do jovem, em especial, o projeto familiar profissional construído

conjuntamente pelos membros da mesma. Para isso, abordaremos adiante o eixo familiar,

buscando a fundamentação teórica da teoria sistêmica, que nos permita um aprofundamento e

uma leitura das construções e reconstruções narrativas possíveis ao jovem nessa circunstância

de escolha.

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4 AS NARRATIVAS FAMILIARES E SUAS REDES

4.1 História e mudanças epistemológicas no campo da terapia familiar sistêmica

“Considerei o caso, e entendi que, se uma cousa pode existir na opinião, sem existir na realidade, e existir na realidade, sem existir na opinião, a conclusão é que das duas existências paralelas a única necessária é a da opinião, não a realidade, que é apenas conveniente”.

Machado de Assis

No presente trabalho, temos como marco teórico a terapia familiar sistêmica, cujos

conceitos e bases são utilizados para uma compreensão de família, especificamente da

vivência da família no momento da escolha profissional do jovem.

Para isso, salientamos a importância da base epistemológica da terapia familiar

sistêmica, considerando que toda ciência passa por mudanças em seus conceitos à medida que

eles vão sendo questionados, mais bem compreendidos ou colocados em cheque por

mudanças paradigmáticas. Esteves de Vasconcelos (1995), estudando Khun e Keeney,

considera que o sentido dos termos evolui à medida que o campo atinge graus de

complexidade superior ou quando acontece uma mudança de paradigma 13.

A terapia sistêmica caracterizou-se desde sua origem por uma interdisciplinaridade,

uma troca e uma busca de conceitos, compreensões e discussões com outros campos da

ciência. Dessa forma, as mudanças e questionamentos advindos dessas outras áreas foram se

estendendo ao pensamento sistêmico, o que justifica a importância de explicitarmos a

evolução da ciência dita tradicional para a contemporânea (ou novo-paradigmática), como é

chamada por Esteves de Vasconcelos (1995) 14. Outros autores, como Grandesso (2000),

referem-se a essas mudanças como uma epistemologia da pós-modernidade.

Para Esteves de Vasconcelos (1995), esta mudança se deu “[...] ao longo de três eixos

ou pressupostos da atividade científica: da simplicidade à complexidade do objeto; da

13 Para Capra (1982), o termo paradigma significa a totalidade de pensamentos, percepções e valores que formam uma determinada visão de realidade, uma visão que é a base do modo como uma sociedade se organiza; no caso, como faz a comunidade científica. 14 Como podemos perceber, não há uma unanimidade no uso dos termos no que se refere às mudanças dentro da terapia familiar sistêmica. O uso de termos tais como: epistemologia da pós-modernidade ou ciência novo-paradigmática refere-se a esse processo.

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estabilidade à instabilidade do mundo; da objetividade à ‘objetividade entre parênteses’ ou

intersubjetividade.” (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995, p. xiv).

A ciência tradicional, segundo Morin (1997), é a ciência clássica; aquela que,

fundando suas explicações na ordem e na simplificação, reinou até o início do século XX,

encontrando-se, hoje, em crise. Seguindo essa tradição, o objetivo básico é a busca do

conhecimento fundamental, certo e seguro, de um mundo objetivo existente

independentemente de um sujeito cognoscente. “Por se tratar de um conhecimento

cumulativo, observável, verificável e universal, o discurso filosófico da modernidade é do tipo

unívoco, apoiado em um valor de verdade e estabilidade” (GRANDESSO, 2000, p. 55). Já a

ciência contemporânea traz em seu discurso os aspectos da desordem e imprevisibilidade.

Então, ao se deparar com a complexidade, a função do cientista era reduzi-la a leis

simples que terminavam por fragmentar a natureza. Para simplificar o mundo, partia-se para

uma universalidade das idealizações. As mudanças começaram a se dar a partir do momento

em que se percebeu a insuficiência da observação e se partiu, então, para uma prática

experimental. A realidade, porém, passou a ser mutilada para que fosse possível a

experimentação, a avaliação de hipóteses, de verificação e de controle. Assim,

[...] este foi um legado cartesiano que perpetuou uma dicotomia radical entre um mundo interno das entidades mentais e um mundo externo dos objetos físicos. Independentemente do que está sendo observado, descrito ou explicado, o sujeito cognoscente está sempre separado do seu objeto de conhecimento. Essa tradição de pensamento, portanto, apóia-se no dualismo sujeito e objeto, tendo o sujeito uma posição privilegiada de acesso a uma realidade independente, mas tendo a realidade como contexto de validação de todo conhecimento, a partir de uma espécie de “tribunal dos fatos”, fora de esfera do “simplesmente humano”. (IBAÑEZ, apud GRANDESSO, 2000, p. 56).

Entretanto, os limites desta ciência foram sendo verificados, dando espaço à visão

contemporânea emergente, que é a visão sistêmica da complexidade organizada (ESTEVES

DE VASCONCELOS, 1995). No final do século XVIII, Kant propôs que a experiência é

mediada por categorias, não sendo, portanto, uma representação transparente da realidade. Em

Crítica à razão pura, Kant considerou a mente não como um receptáculo das impressões da

natureza, mas criadora de significado. Portanto, a mente estrutura ativamente a experiência,

interferindo sobre ela. (GRANDESSO, 2000).

A partir disso, alguns pressupostos da ciência tradicional vêm sendo revistos, como,

por exemplo, o da simplicidade. Percebeu-se que descrições de sistemas simples não davam

conta de descrever o comportamento de sistemas muito grandes ou muito pequenos

(PRIGOGINE E STENGERS, 1997). Também, no que se refere à estabilidade do mundo,

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descobriu-se que átomos e astros não eram tão estáveis como se supunha. Então, deixa-se o

modelo de determinismo estrito e passa-se a um modelo de determinismo probabilístico.

Assim, “[...] noções como as de instabilidade, flutuação, perturbação, ruído, acaso, bifurcação,

auto-organização, inovação, criatividade, escolha, ordem e desordem têm tido uso corrente na

literatura científica dos dias atuais.” (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995, p.57).

Mas um dos pontos principais para o abandono do pensamento moderno tem sido a

idéia de que a compreensão humana é uma construção negociada entre as redes conceituais

das pessoas e suas transações no mundo, abandonando, dessa forma, a dualidade indivíduo-

mundo (GRANDESSO, 2000).

Então, a participação do observador também passou a ser incluída. Para Esteves de

Vasconcelos (1995), a Teoria da Relatividade veio nos trazer a idéia de que a descrição

científica deve levar em conta os meios acessíveis a um observador que pertença ao mundo

que descreve e não pressupor um ser totalmente independente das coações físicas, que

contemplasse o mundo a partir do seu exterior. Assim, não é possível descrever a natureza

como simples espectador. Nesse sentido, é preciso ressaltar que os casos apresentados neste

trabalho também dizem respeito à subjetividade da pesquisadora/terapeuta.

A idéia de uma descrição completa e única de algum evento também foi questionada.

Sendo a realidade demasiado rica e cheia de complexidade, nenhum ponto de vista poderia

esgotar a totalidade do sistema, tratando-se, então, da mesma realidade com visões diferentes

e complementares. Além disso, só se conhece parte da realidade, sendo que esta só pode

surgir a partir da pergunta do observador sobre ela. Isso nos leva a falar de uma postura

epistemológica construtivista, em que a realidade científica será uma co-construção dos

diversos cientistas da área (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995).

Nesse sentido, também refletem Maturana e Varella (1995, p. 18),

[...] refiro-me ao fato de que o universo de conhecimentos, de experiências e percepções do ser humano não é passível de explicação a partir de uma perspectiva independente desse mesmo universo. Só podemos conhecer o conhecimento humano (experiências, percepções) a partir dele mesmo.

O observador, então, passa a estudar sistemas do qual ele mesmo faz parte. Já fazia,

mas não se incluía, tentando objetivar sua pesquisa. Assim, toda realidade passa a ser vista

como dependente do seu observador, como experiência singular daquele momento. Dá-se

ênfase ao contexto, ao global e, ao mesmo tempo, ao único dentro da experiência humana. E

esse salto traz implicações importantes também para a psicoterapia, o que veremos mais à

frente.

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Também, nesse sentido, Grandesso (2000) considera que o pensamento pós-moderno

ressalta o conhecimento como resultante do intercâmbio social, numa abertura para a

diferença, sendo a ênfase colocada sobre a multiplicidade de significados e na descrença de

verdades a-históricas.

E fazendo uma articulação, podemos retornar à história de Breno 15. A angústia do

jovem diante da multiplicidade de opções e de sua impossibilidade, naquele momento, de se

posicionar e de fazer escolhas repercutiu nos colegas e na própria coordenadora do grupo.

Estávamos ali fazendo parte de um mesmo sistema, co-construindo projetos profissionais para

esses jovens, compartilhando possibilidades, dificuldades, angústias e caminhos viáveis. Para

a orientadora do processo, ainda havia um dado importante: tratava-se do primeiro ano de

trabalho nesta escola e do primeiro grupo de orientação profissional sob sua coordenação. A

nós, coordenadora, coube a função de acolher a mensagem de Breno de que, naquele

momento, outras questões se sobrepunham e o impediam de escolher. Vários autores, entre

eles, Bohoslavsky (1998) e Levenfus e Nunes (2002) teorizaram a respeito de critérios

importantes para que o sujeito dê conta da tarefa de fazer escolhas e, inclusive, fizeram

pesquisas revelando as dificuldades de jovens diante da não-escolha 16. Mas, curiosa em

conhecer um pouco sobre as narrativas familiares na história de Breno e ir além das questões

individuais, passamos a essa etapa, e o que surgiu trouxe importantes esclarecimentos.

As tarefas propostas para o grupo eram trazidas por Breno sempre pela metade,

faltando algo ou em atraso. E isso chamava a atenção. Era como se quisesse participar, mas

algo o impedia de estar por inteiro, se é que podemos dizer assim. Talvez quisesse nos pedir

para respeitarmos seu ritmo de elaboração do que estávamos trabalhando. Ao propormos a

atividade do genoprofissiograma, Breno foi explicando que observou que, em sua família, as

pessoas são meio autodidatas e muito criativas 17. Contou que sua avó paterna é meio médica

e seu avô paterno, meio filósofo. Pedindo que explicasse melhor, disse que a avó costumava

receitar coisas para todo mundo que adoecia. Fazia uns chás, entendia de plantas e conhecia

várias doenças. Já o avô contava umas coisas fantásticas e tinha umas idéias diferentes de

todo mundo. Parecido com a forma como Breno se descreveu no início do grupo? Sim. Mas

outro dado importante era que nem o avô nem a avó tinham uma formação nessas áreas.

Continuando, referiu-se aos familiares como pessoas meio soltas e que já haviam

trabalhado com um monte de coisas. No lado materno, caracterizou-os como pessoas muito

15 História apresentada no capítulo 3, p. 28. 16 Levenfus e Nunes (2002) escreveram sobre a não-escolha profissional diante de jovens simbiotizados. 17 Genoprofissiograma: técnica explicada no capítulo 2 e mais detalhada no apêndice, p. 106.

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humanas, carinhosas e falou de seu forte vínculo com elas. Ainda disse ser o único neto

homem, reconhecendo um aprendizado por conviver com tantas mulheres: a sensibilidade.

Tentamos levá-lo a se questionar sobre as semelhanças no que estava nos contando

sobre sua família e sobre a forma como se mostrava. E que pudesse salientar valores herdados

que gostaria de levar adiante e outros que não gostaria, talvez por causarem sofrimento. Nesse

momento, ele se fixou muito no que o incomodava e deixou de falar do que gostava, como se

não existisse nada de positivo. Perguntamos se havia percebido quantas vezes usou a palavra

meio (meio médica, meio filósofo, meio solto...). E ele completou: “É, eu sou assim mesmo.

Eu também sou meio algumas coisas”. Quando colocado frente a suas questões, Breno parecia

se render, como se quisesse encerrar o assunto, caracterizando-o como insignificante e cheio

de defeitos. Mas o grupo (colegas e coordenadora) sempre tentava reverter essa posição,

fazendo com que se implicasse e buscasse também pontos positivos ou que, pelo menos,

pudesse transformar sua fala inicial e sair das narrativas rígidas.

Conversamos com ele tentando co-construir uma narrativa que conotasse

positivamente muito do que ele estava trazendo e buscando encorajá-lo a escolher, mesmo

que fosse a decisão de postergar sua escolha profissional. Refletimos sobre o mercado de

trabalho, no sentido de que um profissional que tem tantos interesses e que busca

conhecimento em várias áreas é desejado em várias empresas. E que ele mostrava isso. Mas

que o problema podia estar também em querer fazer várias coisas ao mesmo tempo, talvez de

forma incompleta, meio mais ou menos, e relatamos para ele o que Macedo (1999), chama do

especialista generalizante e do generalista. Dissemos que o primeiro fazia escolha por uma

área, aprofundando nela, mas buscando conhecimento em outras e que o segundo não fazia

uma escolha, vagando por várias sem um rumo certo 18 .

Um encontro com seus pais já era algo programado dentro de nosso projeto de

orientação profissional, mas tornou-se mais significativo quando Breno trouxe um pouco de

sua história familiar.

O pai não pôde vir, mas a mãe, Vanda, veio e contribuiu muito para o nosso trabalho.

Ela disse do posicionamento dela e do marido de tentarem não influenciar Breno nesse

momento para que ele pudesse se decidir sozinho. E contou sobre a trajetória profissional dos

dois. Vanda já havia trabalhado em áreas muito diferentes. Primeiramente, como técnica em

eletrônica, depois como vendedora e, no momento, trabalhando com confecção de roupas.

Questionada se gostava de seu trabalho, respondeu sim sem muito entusiasmo. “Não é bem o

18 Macedo (1999): citado no capítulo anterior, p. 36.

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que eu queria”. Perguntei se conseguia unir em seu trabalho atual os dois cursos superiores

(de administração de empresas e de design de modas) e respondeu positivamente. Sobre o

marido, ela contou que chegou a fazer o curso de Direito até o oitavo período, mas acabou

desistindo. “Não sabia se era realmente o que queria. Acabou trabalhando como corretor de

imóveis”. Conversamos mais sobre sua família de origem, tentando trazer mais compreensões

para o processo de Breno.

Percebemos que, como Breno já havia relatado, tratava-se de pessoas muito sensíveis,

humanas, mas sem um direcionamento em termos profissionais. Questionada sobre isso,

Vanda concordou e disse que não havia modelos prontos para Breno. Observamos na fala de

Vanda como ela relatou o movimento dela e do marido diante das escolhas e da vida

profissional. Sobre ela: Não é bem o que eu queria. E sobre o marido: Não sabia se era

realmente o que ele queria. Percebemos que são pessoas que se lançam na vida profissional,

têm muitos interesses, mas sem um direcionamento e sem uma real tomada de decisão.

Em seu texto, ao passear pelas profissões, Breno dizia que “primeiro queria buscar a

verdade na biologia, depois na física, na psicologia ... para então buscar na filosofia” 19. De

que verdade falava? Parecia estar se referindo a certezas que não estava encontrando em sua

vida e, principalmente, nesse momento de escolha profissional. E, então, por isso, preferia não

escolher.

Com isso, podemos supor que o modelo que estava sendo copiado por Breno era o da

não-escolha. Ele parecia estar repetindo esse padrão aprendido em sua família. Seu pai e sua

mãe demonstraram viver dessa forma no setor profissional. E isso o angustiava por viver entre

colegas que estavam escolhendo e numa sociedade que demanda isso de um profissional.

A própria mãe de Breno nos relatou que “não há modelos prontos para ele” vindos da

família e isso parecia o angustiar muito. Seu interesse pela filosofia se mostrava de forma

nítida, mas dois lados dessa história permaneciam para ele: a filosofia se mostrava como algo

instigante e ao mesmo tempo, assustador. Em um encontro, ele relatou seu medo de

enlouquecer ao estudar filosofia. E nos questionamos: será que é um medo de entrar em

contato com ele, com suas questões, reflexões, com seu interior e com sua filosofia?

No texto que escreveu, ele diz que quer “buscar a verdade” em outras áreas do

conhecimento e, durante as sessões, vai ampliando suas buscas por áreas diversas. Havia uma

necessidade de se cercar de muitas áreas do conhecimento? Será que ele estava nos falando de

19 Descrito no capítulo 1, p.28.

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sua angústia diante de sua fragilidade, de suas dúvidas, do não-saber e dos limites do ser

humano?

Em um dos encontros, uma das colegas de Breno lembra ao grupo de que o vestibular

seria dali a algumas semanas e ele se expressa, dizendo que odeia números, horas, ver os

ponteiros do relógio se movendo... De novo, a questão da angústia parece surgir; dificuldade

com nossos limites, seja de tempo, de escolhas, de profissões... E o que pudemos perceber é

que suas falas realmente angustiavam o grupo.

E a nós, como orientadora profissional, cabia também desejar ou exigir que ele fizesse

uma escolha profissional naquele momento? Certamente não, apesar da cobrança que nos

fazíamos de ajudá-lo a chegar a uma resposta, talvez por estar iniciando um trabalho nessa

área. Além disso, havia questões institucionais, ou seja, estar dentro de uma escola que

esperava resultados vindos de nosso trabalho. Mas tínhamos noção de que não queríamos

reproduzir um modelo de orientação profissional; este das respostas prontas, que não se atenta

tanto às singularidades do jovem, ao seu ritmo e às suas possibilidades no momento. Como já

citado no capítulo anterior, nosso objetivo era trabalhar com a escolha possível para o

momento. Mas tínhamos como função auxiliá-lo a perceber as repetições em relação ao seu

grupo familiar, o que o impedia de caminhar bem para que ele pudesse, então, dizer o que

desejava.

E sua decisão foi não fazer vestibular naquele ano, entrar num curso pré-vestibular e

se dar esse tempo para que pudesse amadurecer e tentar se posicionar mais uma vez diante

dessa tarefa da escolha profissional. Ele se posicionou, pelo menos em relação à filosofia:

“não quero encarar de frente a filosofia por enquanto. Gosto, mas não me sinto pronto para

mergulhar neste mundo”. E fizemos a seguinte leitura: “Preciso mergulhar primeiro em

minhas questões, em minhas dificuldades, fortalecer-me para então dar conta da postura quase

sempre inacabada que a filosofia nos apresenta, uma pergunta que gera outra, uma resposta

que exige mais uma e assim por diante. Aturar a angústia de não poder fechar as questões,

como dois mais dois é igual a quatro”.

Era como se pedisse ao grupo, a nós e à sua família que não o obrigássemos a escolher

num momento em que não conseguiria. E o caminho que pôde construir foi fazer pré-

vestibular, pensar mais, talvez ir para uma área ligada à ajuda, ao contato humano e continuar

lendo, estudando filosofia até que pudesse se sentir maduro para encarar tal área.

Fazer o genoprofissiograma de Breno e conversar com sua mãe nos instigou e,

somando-se aos posteriores encontros que tivemos com outras famílias dos alunos, fomos

compreendendo a importância do conhecimento da história familiar nesse processo. Foram

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esses encontros que nos despertaram para a construção do projeto que deu origem a esta

dissertação.

Então, o que vínhamos trazendo anteriormente em relação à terapia sistêmica se soma

ao caso clínico para nos dizer que o campo também foi se complexizando, passando por

transformações em seus conceitos e atingindo uma visão mais holística das relações humanas.

Essa transição trouxe repercussões tanto no âmbito da explicação do funcionamento e da

dinâmica familiar, como na prática dos terapeutas de família. (RAPIZO, 1996).

Como foi observado, não buscamos um entendimento isolado da história de Breno e

nem uma explicação única e patologizante diante de sua história familiar. A procura foi por

uma leitura sistêmica que redistribuísse no grupo familiar as questões que Breno nos trazia,

ampliando a compreensão, sugerindo hipóteses e proporcionando a construção de novas

narrativas. Vamos trazer a compreensão deste tipo de leitura sistêmica a seguir.

4.2 A família como um sistema.

Optamos neste trabalho pela concepção da família enquanto sistema, ou seja, trazemos

uma compreensão de família sob o viés da teoria sistêmica, como um grupo dinâmico e plural,

em constante movimento. Para isso, consideramos importante acompanhar o início desses

estudos de família e os conceitos formulados desde então.

A partir da década de 50, vários pesquisadores começaram a se interessar pelo estudo

dos esquizofrênicos e suas famílias. Bateson, Lidz, Wynne, Watzlavick, Jackson, e Beavin

entre outros, citados por Cerveny (1994), começaram a ver o grupo familiar sob uma nova

ótica de forma interacional: não só como um conjunto de indivíduos, mas como uma entidade,

uma totalidade que tinha uma estrutura específica. A idéia de sintoma como pertencente a um

indivíduo começa a ser questionada.

Vários conceitos foram emprestados de outras ciências, ampliando uma versão de

família que começava a ser estudada pela psicologia. Gregory Bateson, um antropólogo, foi o

principal por trazer as idéias dos sistemas à terapia familiar. Daqui veio a idéia de que a

função adaptativa de qualquer atividade pode ser encontrada se o comportamento for

examinado no contexto de seu ambiente.

A biologia também trouxe suas contribuições, por meio de Ludwig von Bertalanffy,

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que segundo Nichols e Schwartz (1998), foi um biólogo que começou a ponderar se as leis

que se aplicavam aos organismos biológicos podiam também ser aplicadas a outras áreas,

desde à mente humana à ecosfera global. Ele desenvolveu a Teoria Geral dos Sistemas -TGS.

Bertalanffy foi o pioneiro na idéia de que um sistema era mais do que a soma de suas

partes. Para Nichols e Schwartz (1998), não há nada de misterioso nessa afirmação, “[...]

apenas a idéia de que, quando as coisas são organizadas dentro de um sistema, algo emerge do

padrão e do relacionamento das partes dentro dele que é maior ou diferente, do mesmo modo

que a água emerge da interação de hidrogênio com o oxigênio.” (NICHOLS E SCHWARTZ,

1998, p. 90).

Para Bertalanffy (1973), sistema é um complexo de elementos em interação, um todo

organizado ou ainda, partes que interagem formando esse todo unitário e complexo. Katz e

Kahn, citados por Cerveny (1994), definem qualquer sistema como uma entidade conceitual

ou física, integrada por partes relacionadas interatuantes e interdependentes. Estendendo o

conceito,

[...] pensando nas relações do grupo familiar, segundo a teoria de sistemas, podemos dizer que neste o comportamento de cada um dos membros é interdependente do comportamento dos outros. O grupo familiar pode, então, ser visto como um conjunto que funciona como uma totalidade e no qual as particularidades dos membros não bastam para explicar o comportamento de todos os outros membros. Assim, a análise de uma família não é a soma das análises de seus membros individuais. Os sistemas interpessoais como a família podem ser encarados como circuitos de retroalimentação, dado que o comportamento de cada pessoa afeta e é afetado pelo comportamento de cada uma das outras partes (CERVENY, 1994, p. 24).

A família, dentro dessa concepção, opera com certos princípios como homeostase,

morfogênese, feedback, causalidade circular e não-somatividade. Cerveny (1994) descreve, de

forma sintética e didática, os principais conceitos da família enquanto sistema.

Para a autora, a homeostase é um processo auto-regulador que mantém a estabilidade

do sistema e protege-o de desvios e mudanças. Na família, refere-se à tendência a manter

padrões de relacionamento e mecanismos que impedem que haja mudanças em padrões de

relacionamento já estabelecidos.

A morfogênese refere-se à possibilidade de adaptação e flexibilidade dos sistemas que

permite que se autotransformem de forma criativa. Na família, essas mudanças ocorrem

dentro da ordem estrutural e funcional do sistema, adquirindo uma configuração

qualitativamente diferente da anterior. Já a morfostase designa a capacidade de o sistema

manter sua estrutura em um ambiente mutante por meios de circuitos de retroalimentação.

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Sobre o feedback,

Nos sistemas humanos, o mecanismo de feedback tem duas funções primordiais: a primeira é fornecer informações e a segunda é definir o relacionamento entre os membros do sistema. O feedback positivo aumenta a atividade do sistema enquanto os negativos revertem-no ou pedem correção (CERVENY, 1994,p.26).

Um outro princípio, a causalidade circular, sugere que mudanças em um elemento do

sistema provocam mudanças em todos os outros e no sistema como um todo. Assim,

diferentemente do pensamento linear, em que há uma causa e um efeito, a circularidade

refere-se a um padrão de relacionamento envolvendo uma espiral de feedbacks recursivos.

O princípio da não-somatividade, segundo essa autora, evidencia ser impossível ver

partes do todo como entidades isoladas ou somar características das partes para entender o

todo. Na família, isso significa que os indivíduos só podem ser compreendidos dentro dos

contextos interacionais nos quais funcionam e, que para compreender o sistema familiar,

devemos vê-lo como um todo.

A família vai se sustentando por meio de padrões interacionais que permitem ao

mesmo tempo a conservação de alguns padrões para as futuras gerações e por uma

flexibilidade que permite rearranjos e mudanças para responder a situações novas. Assim, os

eventos e comportamentos em uma família formam, aos poucos, padrões constantes e

repetitivos que equilibram a família e permitem que ela evolua ao longo do tempo.

Pudemos perceber isso na família de Breno e veremos também no caso de Maria, mais

adiante, no capítulo seguinte. De fato, as questões teóricas, não raro se articulam com a

prática e vice-versa. Na história de Breno, a família apresentava um padrão de diversificar em

termos profissionais, mas não escolher ou assumir uma direção. Por muito tempo, foi um

padrão repetitivo que trouxe equilíbrio à família. Falamos, porém, aqui em um equilíbrio

disfuncional, aquele que mantém um padrão, mas às custas de sofrimento para os membros do

sistema. Breno foi quem pôde realçar a repetição e trazê-la como algo que muito o angustiava.

Ele não pôde, a princípio, sugerir algo novo à família, mas provavelmente, mobilizou-os na

busca de novas narrativas e de evoluções para esse sistema.

Para Papp (1992), os membros da família não são vistos como tendo certas

características inatas, mas reagindo ou manifestando comportamento em relação ao

comportamento de outros. “Antes de tentar entender a causa do comportamento, o terapeuta

tenta entender a flutuação do padrão do qual ele tira seu significado” (PAPP, 1992, p. 23).

Assim, o sistema está o tempo todo se retroalimentando e tentando fazer modificações

para manter sua homeostase. Esse conceito de organização circular, em oposição à descrição

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individual e ao pensamento linear, é que se tornou a base sobre a qual a terapia familiar se

apóia. Assim, nenhuma pessoa é considerada detentora de um controle unilateral sobre

qualquer pessoa; o controle está na maneira pelo qual o circuito é organizado e continua a

operar (PAPP, 1952).

Dessa forma, apesar de algumas diferenças de aplicação dos conceitos cibernéticos ao

desenvolvimento da teoria e da técnica do atendimento familiar, foi um avanço a noção da

família como sistema, cujos membros interagem circularmente, atingem um padrão de

funcionamento estável, obedecendo a regras relacionais e entendendo o sintoma como

produto de inter-relações. Cada indivíduo está imerso nesse rede e é dela indissociável

(RAPIZO, 1996).

Passemos então a compreender a cibernética, ciência que embasou construções

teóricas da terapia familiar sistêmica e que também sofreu mudanças juntamente com a

evolução da ciência.

Esteves de Vasconcelos (1995) cita várias disciplinas que se incluem entre as ciências

dos sistemas, estando a teoria geral dos sistemas, a cibernética e a informática entre elas.

A cibernética surgiu como uma disciplina científica no final da década de 40, fundada

pelo alemão Norbert Wiener, em um momento em que o interesse científico se voltava para a

energia e a matéria, via conceitos como a informação e a organização. Ela surge no seio de

um questionamento profundo sobre os pilares da tradição científica, como o mecanicismo e o

objetivismo (RAPIZO, 1996).

Trata-se de uma ciência do controle e a comunicação em sistemas complexos

(computadores e seres vivos) e sua versão moderna passou a se referir a ela como o estudo das

relações que os componentes de um sistema devem ter para existir como uma entidade

autônoma. Ocupa-se basicamente da circularidade no estudo dos mecanismos de causação

circular, retroalimentação e auto-referência em sistemas artificiais, biológicos ou sociais

(RAPIZO, 1996) .

A cibernética pode ser vista como uma filosofia das ciências e como uma metodologia.

Mais recentemente tem sido comum referir-se a ela como uma epistemologia. Ela também é

considerada uma teoria das máquinas e investiga as relações entre os elementos, a forma

como se organizam os componentes para fazer o que fazem, os meios que usam para chegar à

meta, a despeito das perturbações e dificuldades, interessando-se não pelos elementos que a

constituem, mas, sim, por suas características organizacionais (ESTEVES DE

VASCONCELOS, 1995).

Além do estudo das máquinas, seus conceitos se estenderam a sistemas humanos, mas

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alguns problemas e limites foram sendo observados na cibernetização de sistemas vivos. Nas

máquinas vivas e antropossociais, há espontaneidade no agrupamento, na regulação e na

organização; possibilidade de existência e funcionamento na desordem, preconcepção, ordem

e desordem, cópia e criação. E a cibernética não podia responder a muitas dessas questões.

(ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995).

Para a autora, a cibernética quer, portanto, objetivar, calcular, tecnicizar, estando

restrita à simplificação, redução e manipulação e nessas condições, não preencheria os

requisitos para se localizar no paradigma da ciência contemporânea.

Com o conceito de máquina, ultrapassou o reducionismo que decompunha o todo nos seus elementos, mas instalou um outro reducionismo que aborda todos os seres-máquina naturais pelo modelo da máquina artificial: o autômato artificial constitui-se como modelo universal. Ao estabelecer as analogias entre os organismos vivos e máquinas, a cibernética dá ao ser vivo um “esqueleto de organização”, mas retira-lhe a vida (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995, p. 84).

A partir destas limitações, a cibernética passou por mudanças, sendo dividida em dois

momentos, denominados diferentemente por variados autores. Num primeiro momento, desde

seu aparecimento na engenharia da comunicação e nas ciências da automação e computação e

chamada de cibernética de primeira ordem (RAPIZO, 1996; GRANDESSO, 2000) e

simplesmente de cibernética (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995). No segundo

momento, a partir da década de 70, em que a cibernética tomou a si mesma como objeto de

estudo, chamada de cibernética de segunda ordem (RAPIZO, 1996; GRANDESSO, 2000) e

de si-cibernética (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995).

Um dos primeiros autores a introduzir a idéia de que a família podia ser análoga a um

sistema cibernético foi Gregory Bateson, como já mencionado acima. A família passou a ser

considerada análoga a um sistema homeostático. Os comportamentos sintomáticos foram

vistos como recursos do sistema para se reequilibrar, como parte da resistência do sistema à

mudança. “O sistema era, pois, análogo a uma máquina cibernética que buscava estabilidade e

que podia fazê-lo por dispor de ‘circuitos de retroalimentação’ ativados pelos erros”

(ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995, p. 101).

A homeostase familiar é uma das pedras fundamentais desse primeiro movimento da

terapia sistêmica de família.

Dentro deste modelo, o terapeuta dedicava-se a entender os padrões de relação da família que mantinham ou alimentavam o sintoma numa homeostase disfuncional. Observavam seqüências comportamentais recorrentes que deviam ser interrompidas e alteradas. As técnicas destinavam-se a “burlar” a homeostase e induzir uma crise

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na família que reorganizava-se mais funcionalmente sem a necessidade do sintoma. Essas seqüências comportamentais eram entendidas circularmente e o que importava sobre o sintoma era sua função, geralmente estabilizadora, e não o comportamento em si (RAPIZO, 1996, p. 47).

Para Esteves de Vasconcelos (1995), na terapia familiar sistêmico-cibernética, a

família é concebida como um sistema aberto, mantendo estrita dependência com o meio,

sendo susceptível de ser influenciada pelas informações externas (inputs), que são concebidas

como instrutivas. E o sintoma atua como um mecanismo homeostático que estabiliza a

família.

A família é concebida como uma caixa-negra, o que supõe que o terapeuta se situe

fora dela. A atividade terapêutica é nitidamente interventiva, assumindo uma posição de

neutralidade e objetividade. Assim,

[...] a tarefa da terapia é reparar o defeito (disfunção) do sistema familiar e o terapeuta está preparado para essa tarefa, sabendo o que é uma estrutura familiar funcional. Encontra-se, então, em condições de avaliar como o sistema está (diagnóstico) e que perspectivas de mudança apresenta (prognóstico), assim como de selecionar as técnicas adequadas (programa) e de verificar se, de fato, a intervenção levou o sistema na direção pretendida (avaliação) (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995, p. 122).

Num segundo momento, começou-se a pensar nos sistemas vivos, biológicos e sociais

funcionando distanciados do equilíbrio. Assim, eles são auto-organizadores, não-lineares e

não-determinísticos. Dependem do meio para trocas fundamentais, mas adquirem autonomia

na medida em que funcionam segundo leis singulares de sua constituição e sua história de

mudanças descontínuas. A evolução de um sistema se dá numa combinação de acaso e

história, em que a cada patamar surgem novas instabilidades que amplificadas geram novas

ordens e assim por diante. Ilya Prigogine denominou este processo retroalimentação

evolutiva. Então, entraram palavras como indeterminação, instabilidade, complexidade e crise

(RAPIZO, 1996).

Vários nomes foram surgindo para definir o paradigma emergente, como 2ª

cibernética, cibernética da linguagem, visão de 2ª ordem, construtivismo, entre outros.

Esteves de Vasconcelos (1995) sugere que adotemos o termo terapia familiar sistêmica si-

cibernética por comportar um aspecto multidimensional, permitindo que se considere não só a

complexidade (causalidade circular, recursividade), mas também a instabilidade do sistema

(desordem, aleatoriedade), como ainda a participação do observador na construção da

realidade (intersubjetividade, significação da experiência na conversação).

Na terapia familiar sistêmico si-cibernética, desafia-se a noção de que a família se

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assemelha a uma máquina que se auto-estabiliza, como a de que o sintoma atue

homeostaticamente para conservar o equilíbrio familiar. Também foram questionadas as

idéias de causalidade linear e de estrutura familiar disfuncional (que retifica a patologia) e a

objetividade e neutralidade. A família é concebida, então, como um sistema autônomo, capaz

de auto-organização, e a informação é vista em seus aspectos construtivos e, deixando de

servir de controle, entra num contexto de comunicação. Além disso, a subjetividade do

observador passa a ser compreendida e incluída no contexto do sistema, devendo o terapeuta

ao mesmo tempo ser parte do sistema e tomar distância para refletir.

Das escolas em terapia de família que surgiram nesse primeiro momento, a abordagem

estratégica foi uma das que mais se destacou, usando conceitos da cibernética de primeira

ordem e da teoria da comunicação. Entre seus expoentes estão Jay Haley e Paul Watzlawick.

A terapia estratégica caracterizou-se por ser mais diretiva e voltada para a ação. Neste sentido,

o terapeuta assume a responsabilidade de planejar ações (estratégias) a fim de resolver o

problema de seu cliente. Busca-se uma definição clara do problema com o qual se vai

trabalhar, estabelecendo objetivos claros a alcançar, ligados ao problema apresentado. A

função do terapeuta é utilizar sua influência e poder atribuídos pela família para, como expert,

influenciar diretamente no comportamento das pessoas. A mudança passa a ser focalizada no

comportamento e na situação social do cliente. Busca-se um fim, a eliminação do sintoma,

sendo a compreensão sobre o problema não tão significativa (RAPIZO, 1996).

Contrapondo-se a essas escolas, a partir do final da década de 70, surgiram as

chamadas escolas estéticas e construtivistas. Utilizam-se de conceitos da cibernética de

segunda ordem e de sua aplicação aos sistemas sociais feitas por pensadores como Bateson e

von Foerster, da biologia do conhecimento de Humberto Maturana e de conceitos derivados

do estudo da linguagem, da construção social da realidade e do sujeito (RAPIZO, 1996).

O conhecimento passa a ser visto como uma construção social, lingüística, biológica,

feita no seio de uma comunidade de observadores em convivência. E a cibernética de segunda

ordem abre portas para o construtivismo na terapia de família. Assim, passa-se a indagar

sobre como emerge uma dada realidade e que processo gerou determinada definição.

É uma perspectiva interessada no processo, na gênese... Os problemas não estão nas famílias, mas em sua construção da realidade, estão em sua relação e na forma pela qual esta permite a emergência de realidades, sujeitos, crenças e sintomas (RAPIZO, 1996, p. 71).

Na literatura, surgem temas como subjetividade, sentimentos, relação terapeuta-

cliente, ética, cultura. Torna-se fundamental o estudo da linguagem, sendo a atividade

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terapêutica concebida como lingüística e dialógica. O terapeuta não é mais um implementador

de técnicas, mas busca compartilhar e acompanhar a visão de mundo trazida pela família para

co-construir realidades alternativas. Cada sistema passa a ter uma lógica de interação que não

é correta ou incorreta, boa ou má em si.

4.3 O contexto contemporâneo da terapia familiar sistêmica

Como vimos, num primeiro momento, os terapeutas familiares consideravam-se

especialistas que iriam superar as tendências homeostáticas da família e reorganizar sua

estrutura, encontrando um modo melhor de encarar seus problemas. A partir de uma proposta

pós-moderna (de que não há uma única realidade, apenas possíveis realidades), surge um

interesse pelas narrativas que organizam a vida das pessoas.

As psicologias pós-modernas passam a se preocupar com o modo como as pessoas dão

significados às suas vidas e como constroem a realidade. “Uma dessas psicologias, chamada

construtivismo, assumiu a terapia familiar na década de 1980 e exerceu um impacto poderoso

no campo” (NICHOLS e SCHWARTZ, 1998, p. 115).

Vários teóricos construtivistas adotaram a posição kantiana de que a imagem do

mundo que carregamos em nossa mente não é réplica direta do mundo lá fora. E isso injetou

humildade no campo clínico. A abordagem teórica preferida do terapeuta passou a não mais

refletir a realidade, mas apenas uma entre as muitas histórias potencialmente úteis sobre as

pessoas (NICHOLS e SCHWARTZ, 1998).

Para Rapizo (1996), não se trata mais de solucionar problemas, mas de solucionar

impasses na resolução de problemas, por meio da mudança de perspectivas que permita um

melhor agenciamento da família para tomada de decisões e mobilização de um potencial auto-

organizativo. Portanto, a tarefa terapêutica é facilitar o diálogo entre as diferentes vozes,

gerando descrições mais abrangentes, menos antagônicas e paralisantes do problema

compartilhado, promovendo um canal de expressão.

Nesse sentido, tornou-se fundamental o estudo da linguagem, sendo a atividade

terapêutica concebida como lingüística e dialógica. O terapeuta passa a buscar “[...]

compartilhar, acompanhar a visão de mundo trazida pela família, para co-construir realidades

alternativas” (RAPIZO, 1996, p.73).

Os novos desenvolvimentos clínicos trouxeram renovações e reconstruções em escolas

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tradicionais de terapia de família e penetração de outros modelos, que tiveram grande

desenvolvimento e destaque. Entre estes últimos, o construtivismo e o construcionismo social,

nossa escolha teórica. Dessa forma, explicitaremos neste momento, de forma sucinta, os

principais desenvolvimentos clínicos, para nos atermos adiante em nossa escolha

propriamente dita.

Entre os terapeutas estratégicos, o Grupo de Milão, formado por Palazzoli, Cecchin,

Boscolo e Prata, ainda que desenvolvendo um trabalho com fortes elementos estratégicos,

trouxe à tona a atenção ao contexto de significados na família e ao sentido do comportamento.

Suas intervenções passaram a envolver todo o padrão de comportamento à volta do sintoma e

não só a seqüência de comportamentos do qual o sintoma fazia parte. Passaram a utilizar, do

questionamento circular, perguntas que obedeciam a uma lógica circular, favorecendo a

expressão de diferentes versões de um problema e investigando conexões, padrões e relações.

Então, esta passou a ser uma posição construtivista inspirada na obra de Gregory Bateson

(RAPIZO, 1996).

O trabalho do Novo Grupo de Milão influenciou e trouxe à tona, no final da década de

80, um florescimento de modelos clínicos derivados ou não deste passo inicial 20. Todos

passaram a enfatizar a multiplicidade, as diferenças, a linguagem e a conversação,

condenando a excessiva instrumentalização e diretividade dos modelos tradicionais.

A partir de então, assistiu-se ao aparecimento de uma geração de terapeutas dispersos

pelo mundo, como Karl Tomm, do Canadá; Michael White, da Austrália; Mony Elkaim, da

Bélgica; Tom Andersen, da Noruega. Simultaneamente, alguns veteranos na terapia de família

ganham renome por inovarem teoricamente e contribuírem significativamente para a

modificação do panorama da terapia sistêmica de família.

4.4 Construtivismo e construcionismo social

Nossa intenção dentro da terapia familiar sistêmica é trabalhar pelo viés dos enfoques

pós-modernos e, hoje, a manifestação do casamento dessas áreas tem convergido nas

propostas construtivista e construcionista social. Os diversos autores que tratam destes temas

têm apontado diferentes distinções entre elas e questões em comum. Mas o que observamos é

que elas têm sido estudadas e comparadas exaustivamente a ponto de pensarmos na

20 Novo Grupo de Milão: assim chamado por Rapizo (1996).

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importância de cada uma delas e da complementaridade entre ambas.

Uma autora brasileira que se dedicou a esse trabalho de conhecer as diferentes

propostas dentro do construtivismo e do construcionismo social e sugerir uma interlocução

entre elas é Marilene Grandesso (2000). Grande parte de nossa exposição adiante se refere a

trabalhos dessa autora.

O construtivismo, como uma posição epistemológica, emergiu como uma alternativa

para os problemas e as dificuldades derivados das explicações empiristas e racionalistas do

conhecimento que postulavam a separação entre sujeito cognoscente e objeto conhecido. Por

meio dele, procura-se eliminar a presunção do saber na busca de verdades, propondo uma

teoria do conhecimento ativo, de acordo com o qual, sujeito conhecedor e objeto conhecido

são intimamente inseparáveis. Dessa forma, o significado é produto da atividade humana e

não característica inata da mente ou propriedade inerente dos eventos do mundo. Então, “[...]

pode-se dizer que o conhecimento, descartando a possibilidade de descobrir uma realidade

ontológica objetiva, tem como função organizar o mundo experencial do sujeito”

(GRANDESSO, 2000, p. 63).

Fala-se hoje em construtivismo no plural, já que a literatura da área traz versões

alternativas e diversos rótulos, mas não nos ateremos em citá-las nem trazer diferenciações,

tentando, como sugere a autora, oferecer um eixo organizador das diferentes vertentes.

Para von Glasersfeld, citado por Grandesso (2000), o primeiro construtivista foi

Giambatista Vico, filósofo que viveu nos séculos XVII e XVIII. Ele propôs uma doutrina

contrária ao racionalismo cartesiano, dizendo que o homem só pode entender o que ele

mesmo faz e ainda que o conhecimento e o mundo da experiência racional são produtos

simultâneos da construção cognitiva.

Desenvolvendo essas idéias, nesse enfoque, o homem é um indivíduo autônomo,

governado pela sua organização estrutural, seu sistema nervoso, seus constructos e sistema de

crenças, seus significados constituídos no convívio com os outros. Assim organizado, esse

homem, ao descrever seu mundo, o constrói. Várias interpretações da realidade são possíveis.

Assim, enquanto para os construtivistas a validade do conhecimento é dada pela sua coerência e consistência com a experiência compartilhada pela comunidade de observadores, os objetivistas buscam a correspondência entre a representação e a realidade. Para o objetivista, um único significado é válido, enquanto os construtivistas convivem com a diversidade de um mundo polissêmico (GRANDESSO, 2000, p.79).

O construcionismo social também tem suas raízes em debates de longa data entre as

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escolas de pensamento empirista e racionalista. Mas sua proposta vai além desta discussão,

entendendo o conhecimento como construído no processo de intercâmbio social. Ela também

postula a relatividade de perspectivas, a vinculação das perspectivas individuais a processos

sociais, a consideração da possibilidade de múltiplas interpretações, a natureza social do

conhecimento e a reificação por meio da linguagem.

Nos dizeres de Ibañez, citado por Grandesso (2000),

[...] o construcionismo social apresenta-se como uma postura fortemente des-reificante, des-naturalizante e des-essencialista, que radicaliza ao máximo tanto a natureza social de nosso mundo, como a historicidade de nossas práticas e de nossa existência (GRANDESSO, 2000, p.86).

Grandesso (2000) cita vários autores que têm uma postura de aproximação entre estas

duas abordagens, outros que tentam fazer distinções e alguns que preferem transitar pelos dois

campos. Como exemplo, Ibañez, também citado por Grandesso (2000) refere-se ao

construtivismo e ao construcionismo social como equiparáveis. Gergen, citado por Grandesso

(2000) tem uma preocupação explícita em diferenciar as duas posições. Lynn Hoffmann

defendia primeiramente uma posição construtivista, passando depois a assumir uma

identificação com o construcionismo social. Em nossas pesquisas, encontramos Nichols e

Schwartz (1998) que citam o construcionismo social como “[...] uma variante do

construtivismo” (NICHOLS e SCHWARTZ, 1998, p. 115).

Dessa forma, diante do quadro controvertido, a proposta da autora é que possamos

observar que as duas abordagens apresentam uma base paradigmática comum, pós-moderna, e

que existe uma interface entre elas que justifica seu uso confundido ou indiferenciado.

Vejamos.

“Ambas as posições confrontam a pressuposta existência de um ‘mundo real’

passível de ser conhecido com ‘certeza’ objetiva.” (GRANDESSO, 2000,

p.102). O conhecimento é uma construção.

Há compatibilidade metodológica entre elas ao dizerem que o mundo não é,

mas parece ser por meio de nossa experimentação e construção do

conhecimento.

Em ambas, é o observador que cria as distinções do que chamamos de

realidade, não havendo algo criado dentro da mente por meio de observação

imparcial.

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“Ambas desafiam a visão tradicional da mente individual como um dispositivo

para refletir a natureza de um mundo independente” (GRANDESSO, 2000,

p.103)

“Ambas descartam a visão correspondista da linguagem como uma

representação icônica do mundo, assumindo uma postura pragmática”

(RORTY, apud GRANDESSO, 2000).

Ambas questionam princípios e métodos da ciência clássica e sugerem que não

se pode conceber uma distância entre sujeito cognoscente e objeto conhecido.

Conforme Pakman, citado por Grandesso (2000), as duas abordagens

compartilham um território comum porque ambas promovem a reflexão. O

construtivismo permitiu que nos víssemos (os observadores) como partes das

observações que fazemos. Já o construcionismo social ressalta a necessidade

de revisão de nossos próprios vieses, nossas pré-concepções e pressupostos.

Elas ainda compartilham a idéia de que a reflexão se dá em um contexto social

de aprendizagem e observação mútuas (GRANDESSO, 2000).

Mas também é importante salientar as divergências fundamentais entre construtivismo

e construcionismo social. Vejamos como analisa Grandesso (2000).

1. Enquanto o construcionismo enfatiza as práticas sociais de intercâmbio entre as pessoas, o construtivismo coloca sua ênfase no indivíduo, em como esse indivíduo biológico e psicológico opera para construir sua experiência.

2. As formas mais radicais de construtivismo, ao reduzirem o mundo à construção mental, não são compatíveis com a construção eminentemente social de mundo por meio de práticas discursivas, propostas pelo construcionismo social.

3. Para os construcionistas, termos referentes a mundo e mente são constituintes das práticas discursivas e, como integrantes da linguagem, estão sujeitos à contestação e negociação; para os construtivistas, no entanto, a cognição e suas operações funcionam ativamente mediante a reflexão e abstração, cumprindo uma função adaptativa, servindo para organizar a experiência.

4. Enquanto os construcionistas sociais entendem que as idéias, as lembranças e os conceitos surgem no intercâmbio social, os construtivistas vêem-nos como produções do indivíduo, decorrentes de seu operar sobre o mundo.

5. Alguns oponentes, como, por exemplo, Gergen (1994), vinculam o construtivismo à tradição do individualismo ocidental na medida em que relaciona o conhecimento a processos intrínsecos do indivíduo, que só pode operar a partir de dentro; já o construcionismo social vincula as fontes da ação humana aos relacionamentos e a compreensão do funcionamento individual ao intercâmbio comum.

6. Embora o construcionismo social mantenha uma relação intertextual com teorias que postulam uma base social para a vida mental como o construtivismo social, pode-se apontar diferenças entre ambos na medida em que os teóricos do construtivismo social, apoiados por Vygotsky, objetivaram um mundo especificamente mental, enquanto o foco do construcionismo social, conforme

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mencionei anteriormente, é o processo microssocial, compreendendo a ação humana a partir da esfera social.

7. O construtivismo e o construcionismo social divergem também à medida que o construcionismo desconsidera os processos psicológicos como possessões do indivíduo, passando a vê-los como construções histórica e culturalmente contingentes. Enquanto o construtivismo tende a considerar a experiência privada, o construcionismo refere-se ao discurso sobre a experiência privada, enfatizando, principalmente, as conseqüências sociais, em termos de supressão e sustentação de diferentes formas de vida, a partir desse discurso (GRANDESSO, 2000, p. 105 ).

Percebemos, então, que a discussão entre as duas posições se dá essencialmente entre

uma visão de construção do conhecimento centrada no indivíduo, no caso do construtivismo,

e uma centrada na construção social, que é o caso do construcionismo. Para Neimeyer, citado

por Grandesso (2000), essa discussão coloca os diferentes autores em extremos que vão de

uma psicologia self- centrada a uma dissolução de qualquer concepção de individualidade

como uma entidade soberana.

Mas, se permanecemos concordando com esses extremos, podemos cair na disjunção e

no esquema dualístico sujeito/objeto, que pode ser evitado quando nos orientamos para uma

visão do “[...] conhecimento como processo” (GRANDESSO, 2000, p.112). Para a autora,

não parece possível estabelecer territórios distintos entre o sujeito que constrói seu

conhecimento na linguagem dentro da sociedade e a dimensão social construída por ele.

“Insistir no social ou na circunstância significa, no meu entender, desconsiderar a

legitimidade do indivíduo, e insistir no indivíduo implica desconsiderar a legitimidade do

social” (GRANDESSO, 2000, p.112). Assim,

[...] a ênfase no intercâmbio social conformado pelos jogos de linguagem nos espaços interpessoais, conforme propõe o construcionismo social, não pode prescindir de um indivíduo que, na sua idiossincrasia, ao construir-se segundo as convenções de sua comunidade lingüística, também as transforma... Aceitar um self imerso em um multiverso social (parafraseando Maturana) não implica, segundo o compreendo, anular um self idiossincrático. As pessoas são únicas e fazem diferença, muito embora se constituam nas comunidades em que vivem (GRANDESSO, 2000, p.113).

Para a autora, tais considerações têm extrema importância para a prática da psicologia,

em especial, para a psicoterapia e, ousamos dizer, para a prática da orientação profissional.

Trabalhamos com pessoas singulares que constroem as narrativas que definem sua

subjetividade em contextos particulares de sua existência. Mas em seus relatos, apresentam

não só a si mesmas, mas parte de seus universos de vida, de seus momentos da existência, de

suas inserções sociais e familiares dentre outras. Como terapeutas, buscamos com nossos

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clientes uma compreensão não só de suas próprias construções de dramas e triunfos, mas um

entendimento das “[...] vozes canônicas que permeiam suas narrativas” (GRANDESSO, 2000,

p.115).

No caso da orientação profissional, seguindo esse viés, cabem os questionamentos: o

estilo de escolha mostrado pelo jovem reproduz as vozes de sua família ou propõe algo novo?

Ao trazer as narrativas familiares, estas contribuem para sua escolha ou o limitam e o

angustiam? Na história de Breno, pudemos perceber que o processo de OP trouxe à tona um

estilo de repetição desse grupo familiar, apesar de a mãe dizer que não havia um modelo

pronto para ele. Mas havia o modelo da não-escolha. E diante da proposta de construir suas

próprias narrativas, Breno apontou seu medo de não conseguir escrevê-las. Como

exemplificado nesse caso, podemos afirmar que, a partir dessa leitura teórica, cada um de

nossos clientes produz e é produto das narrativas que afloram nas histórias produzidas

socialmente, por meio do compartilhamento de contextos e significados.

4.5 A posição narrativa

Como vimos, a era modernista nas ciências estava preocupada em construir uma

sociedade sobre os cimentos do conhecimento empírico. As narrações terapêuticas, nesse

contexto, traziam a linguagem como transmissora de um conhecimento objetivo. Na

psicologia, usava-se o modelo médico, numa relação em que existia um paciente e um expert

que iria diagnosticar e dizer o que ele tinha. Havia também uma imobilidade das formulações

narrativas; buscava-se a narrativa de base científica (GERGEN e KAYE, 1996).

Num contexto pós-moderno, questiona-se a relação entre a representação e seu objeto,

acreditando que todos os tipos de relatos obedecem a convenções culturais, historicamente

situadas, que determinam, em grande medida, o caráter de realidade que tentam descrever. A

narração do científico passa a se apresentar como uma possibilidade e o que tomamos por

conhecimento é, em realidade, um produto social. Nessa perspectiva, as narrações

modernistas de patologia e cura são trocadas por relatos de mitologia cultural, sendo a

narrativa terapêutica uma das possibilidades entre milhares de outras dentro da cultura

(GERGEN e KAYE, 1996).

Para Fruggeri (1996), os comportamentos passam a ser vistos em função dos

significados que os indivíduos atribuem a seu comportamento e aos demais. Entram em crise

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várias certezas em psicoterapia, e o conhecimento passa a ser compreendido como uma

construção social. O terapeuta sai do lugar de expert, ficando sua observação limitada pelo

ponto-de-vista do cliente e vice-versa. Questiona-se a separação entre observador e observado

e fala-se em uma troca, uma produção conjunta de diálogo. Hoffman (1996) fala de uma ética

da participação, ao invés da busca da causa ou da verdade. Assim, a troca reflexiva entre

ambos é que gerará transformações. Em relação à idéia de patologia, o marco construcionista

traz reconstruções, sendo que o centro da questão deixa de ser a etiologia dos sintomas e passa

a ser os processos sociais e interpessoais e a dinâmica que mantém os sintomas.

Sobre a idéia de eu, passa-se a falar em construção social do eu (GERGEN, apud

HOFFMAN, 1996). Questiona-se a estrutura mesma e concebe-se o eu como uma “[...]

extensão da história em movimento, como o rio numa corrente” (HOFFMAN, 1996, p.28).

Grandesso (2000) considera que, em nossa tradição ocidental, estivemos apoiados durante

dois mil anos em um discurso sobre o self que o considera como uma unidade independente e

autocontida. E sugere que, em um enfoque pós-moderno, passemos a questionar essa visão

tradicional, compreendendo o self como um processo em aberto, construído dentro de espaços

relacionais. Segundo Rorty, citado pela autora, “[...] os seres humanos, ao invés de poderem

ser precisamente descritos de um modo fixo, apresentam-se como contínuos geradores de

novas descrições e novas narrativas” (GRANDESSO, 2000, p.220).

Nesse sentido, a psicoterapia ganha o significado de uma co-construção de um

contexto em que seja possível uma mudança dentro de um conjunto de alternativas dentre as

que se elegem. E a intervenção que introduz diferenças é só aquela que o cliente reconhece

como tal.

O movimento que as teorias em terapia sistêmica vão fazendo segue numa direção

mais hermenêutica e interpretativa. Essa concepção destaca os significados que criam e

experimentam os indivíduos que conversam. Então, a realidade de compreensão que se cria é

a da ação humana compreendida por meio da construção social e do diálogo. Assim, “[...]

segundo esta perspectiva, a gente vive e entende a vida através de realidades narrativas

construídas socialmente, que dão sentido à sua experiência e a organizam. Trata-se de um

mundo da linguagem e discurso humanos” (ANDERSON e GOOLISHIAN, 1996, p. 46).

Estes autores definem o que chamam de posição narrativa e trazem algumas

premissas.

1. Os sistemas humanos são ao mesmo tempo geradores de linguagem e

geradores de significado. O sistema terapêutico é um desses sistemas

lingüísticos.

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2. O significado e a compreensão se constroem socialmente. Um sistema

terapêutico é um sistema dentro do qual a comunicação tem uma relevância

específica para seu intercâmbio de diálogo.

3. Em terapia, todo sistema se consolida no diálogo ao redor de certo problema. O

sistema terapêutico é um sistema de organização do problema e de dissolução

do mesmo.

4. A terapia é uma ação lingüística que tem lugar dentro do que é chamado de

conversação terapêutica.

5. O papel do terapeuta é o de um artista da conversação, sendo um participante-

observador e um participante-facilitador da conversação terapêutica.

6. O terapeuta exercita a arte terapêutica por meio de perguntas conversacionais

ou terapêuticas.

7. Os problemas relatados em terapia são ações que expressam nossas narrações

humanas de tal modo que diminuem nosso sentido de mediação possível.

Assim, os problemas existem na linguagem e são próprios do contexto

narrativo do qual derivam seus significados.

8. O desenvolvimento em terapia é uma criação dialogal da uma nova narração e,

portanto, a abertura de oportunidade de uma nova mediação.

(ANDERSON e GOOLISHIAN, 1996).

E o que viemos chamando de narrativas durante todo esse tempo? Grandesso (2000)

relata que o papel da narrativa em psicoterapia pode ser buscado desde a tradição psicanalítica

iniciada por Freud. Anderson citado por Grandesso (2000) ressalta que Freud se referia ao

poder de cura via construção narrativa do analista por meio das memórias edipianas da

infância. Posteriormente, questionou-se a recuperação por intermédio da verdade arqueológica

da história do paciente, sugerindo-se a verdade narrativa decorrente do trabalho do analista.

Então, o que importava não era a verdadeira história do paciente, mas se a nova narrativa

apresentava uma coerência interna e externa e que se encaixasse com as circunstâncias

correntes do paciente. Assim, a mudança do cliente decorria do contar histórias sobre sua

vida.

A teoria sistêmica vem resgatando esse conceito de terapia narrativa, adequando-a a

sua abordagem própria, dentro de uma epistemologia da pós-modernidade. O sentido

narrativo vem trazendo para o campo a idéia de fluidez do self, de construção, e processo, em

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oposição ao universo essencialista e contido no conceito de identidade. Assim, nesse sentido,

Grandesso (2000) traz algumas reflexões.

Um terapeuta narrativo trabalha como um criador de contextos exploratórios para as histórias vividas pelos clientes, procurando por narrativas de experiência, referendadas pelos clientes, revelando recursos, competências e habilidades veladas pelos recortes feitos na experiência por meio de narrativas dominantes, edificadas em torno dos problemas. Referindo-se a essa prática, Monk (1997) considera que um terapeuta dessa abordagem necessita da paciência de um arqueologista que, com uma capacidade aguçada de observação, persistência, delicadeza e deliberação, favoreça a construção do começo de uma história localizada em uma cultura particular, a partir de algumas poucas peças de informação (GRANDESSO, 2000, p. 249).

Então, fala-se em um processo em duas mãos, em que o cliente participa ativamente e,

ao terapeuta, cabe atuar a partir de uma perspectiva otimista, organizando conjuntamente os

relatos de experiência, buscando competências, novas narrativas e tirando o sujeito do lugar

de vítima patologizada (GRANDESSO, 2000).

A autora relata que grande parte de seus clientes a procuraram com relatos de

narrativas fixas de fracasso e uma perda do sentido de autoria 21. Ao propor a possibilidade de

reconstrução das narrativas, a autora explica que as narrativas que construímos na autoria de

nós mesmos ligam um número indefinido de episódios recortados como recordações de nossa

história, a luz de nossos significados presentes, a uma orientação para projetos futuros. Assim,

“[...] a narrativa do self assegura o futuro relacional, não sendo simplesmente um derivativo

de encontros passados, reunidos nos relatos presentes” (GRANDESSO, 2000, p.226). Então,

falar sobre as narrativas já é de alguma forma se posicionar (por exemplo, assumindo

competências ou vitimizações), e buscar novos significados e projetos. E é por meio do

caráter dialógico do self que as narrativas vão tomando sentido e fornecendo identidade,

mesmo que pensemos no self como processo e movimento.

Dentro dessa perspectiva, cliente e terapeuta se influenciam mutuamente e o

significado se converte em um subproduto da cooperação (ANDERSON e GOOLISHIAN,

1996). Então, “a compreensão não surge de uma análise da estrutura profunda, do material

latente do inconsciente, mas da interação entre os indivíduos” (LAX, 1996, p. 98, tradução

nossa) 22. Ou seja, há um processo de co-construção da compreensão dos significados

atribuídos e partilhados.

21 Gonçalves, citado por Grandesso (2000) substitui a noção de identidade pela de autoria, entendendo a pessoa humana como envolvida em múltiplos projetos e alegando uma fixidez da noção de identidade. 22 “La compreensión no surge de un análisis de la estructura profunda, el material latente o inconsciente, sino de la interacción entre los individuos.”

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Retornando à nossa experiência profissional, percebemos que, na história de Patrícia, o

conflito entre ser e ter não era percebido por ela e trazia narrativas dos pais, principalmente da

mãe. A mãe fez um curso que não desejava muito (segundo ela, “naquela época, não se

escolhia muito”) e parece não ter conseguido refazer sua escolha, não avançando em sua

carreira e não adquirindo a capacidade de poder ter as coisas que desejava. Desde o início do

trabalho de orientação profissional, a mãe aparece como um anti-modelo para Patrícia. A

jovem salienta na frente da mãe que esta não gosta de seu trabalho e ainda relata em várias

sessões que a última coisa que desejaria ser é professora (profissão da mãe). Ao pensar na

possibilidade de cursar ciências sociais e filosofia, repete este incômodo: “não dá, porque eu

cairia na história de ser professora”. Percebemos, assim, que a narrativa familiar que foi sendo

construída e partilhada por elas era a da dificuldade ou até da impossibilidade de se realizar

profissionalmente.

Ao fazer o genoprofissiograma, ampliamos essa compreensão, já que Patrícia emprega

o termo realizado profissionalmente para alguns dos seus tios, mas não o faz para nenhum dos

pais. Parece que os pais não a inspiram enquanto profissionais. E sua mãe, talvez com medo

de que ela também busque algo que não lhe proporcione ter as coisas que deseja, adota uma

postura de vigilância diante da escolha da filha. Comparece à primeira sessão sem ter sido

convidada, faz perguntas à filha após cada sessão (segundo relata Patrícia, mostrando seu

incômodo) e resolve acompanhar a filha em todas as visitas agendadas por nós com alguns

profissionais. Estes encontros foram sugeridos por nós para que Patrícia pudesse conhecer

mais de perto algumas profissões pelas quais estava se interessando.

Após esses encontros, dialogamos com Patrícia sobre suas impressões e sobre o

impacto de conversar com profissionais de áreas diferentes. Ela novamente traz o conflito

inicial, dizendo de como foi instigante e interessante conversar com uma psicóloga e com uma

terapeuta ocupacional, mas que não pretende ralar como elas e ganhar muito pouco. Ao

questionar a presença da mãe e das suas reflexões juntamente com ela, Patrícia diz que ela

sugeriu que não escolhesse nenhum desses cursos e passasse a pensar em direito como uma

possibilidade.

Vemos aqui o oposto de algumas das narrativas de Breno. A família deste não sugere

profissões, o que o deixa muito solto e, no outro extremo, a família de Patrícia dita profissões,

o que a torna muito presa. Nas duas histórias, há narrativas dominantes, criando significados e

impedindo a construção de escolhas por esses sujeitos e até mesmo, por essas famílias.

E quando falamos em desconstrução e reconstrução narrativa referimo-nos à

possibilidade de abrir novos cursos de ação para o cliente que sejam mais satisfatórios e se

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adeqüem melhor às suas experiências. Assim, ele pode modificar ou descartar narrações

anteriores, não porque sejam inexatas, mas porque não são funcionais dentro das

circunstâncias (GERGEN e KAYE, 1996).

Para Breno e Patrícia, foi necessário desconstruir alguns elementos de suas narrativas

para que houvesse espaços para o surgimento de novas e mais funcionais. Para Breno, a

possibilidade de parar, dar-se um tempo, reconhecer suas dificuldades e desejos para depois

escolher uma profissão e para Patrícia, reconhecer que a busca da mãe de que ela não

repetisse sua história de seguir uma profissão indesejada estava paralisando-a e talvez a

impedindo de construir suas próprias narrativas e de, então, ser para poder ter. Em ambas as

histórias, terapeuta e clientes co-construíram palavras, imagens, possibilidades, compreensões

e narrativas.

E, seguindo esse caminho, damos prosseguimento ao tema no capítulo seguinte,

acompanhando as narrativas de Maria.

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5 MARIA E SUAS NARRATIVAS

“Pais suficientemente narradores [...] são capazes de tecer uma teia de sentido em torno das crianças, e ao mesmo tempo deixá-la incompleta para que elas continuem a tarefa de produzir o romance familiar apropriado a suas pequenas vidas”.

Maria Rita Kehl

Em uma tentativa de refletir de forma mais aprofundada acerca da nossa experiência

profissional a partir das questões teóricas apresentadas no capítulo anterior, examinamos a

história de Maria, visando articular a orientação profissional com as novas epistemologias em

terapia familiar sistêmica.

A história de Maria foi escolhida para ser analisada separadamente tanto pela

quantidade significativa de material registrado durante os encontros, quanto pela mobilização

da jovem diante do trabalho de orientação profissional e pela forma como nos instigou e

permitiu nossa co-participação em suas narrativas e nosso desenvolvimento profissional

durante o processo. Nesse sentido, acreditamos, como Chizzotti (2003), que a utilização e o

aprofundamento de um caso permite organizar o material da experiência com grande utilidade

para a pesquisa, e nesse caso, pode contribuir para a prática da orientação profissional

revelando a multiplicidade de aspectos presentes nessas situações.

Para esse autor, pode-se dizer ainda que o caso é tomado como unidade significativa

do todo e, por isso, suficiente tanto para fundamentar um julgamento fidedigno quanto propor

uma intervenção. É considerado também como um marco de referência de complexas

condições socioculturais que envolvem uma situação e tanto revela uma realidade quanto

retrata a multiplicidade de aspectos globais presentes em uma dada situação (CHIZZOTTI,

2003).

E, como nos posicionamos no início deste trabalho, acreditamos que o pesquisador é

parte fundamental desse tipo de pesquisa, assumindo uma postura aberta diante de todas as

manifestações que observa. E buscando uma compreensão global dos fenômenos, adota uma

conduta participante que partilhe da cultura, das práticas, das percepções e experiências dos

sujeitos da pesquisa. Cria-se uma relação dinâmica entre pesquisador e pesquisado, em que

“[...] o resultado final da pesquisa não será fruto de um trabalho meramente individual, mas

uma tarefa coletiva, gestada em muitas microdecisões, que a transformam em uma obra

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coletiva” (CHIZZOTTI, 2003, p.84). É nessa perspectiva que utilizamos o caso de Maria

nesta pesquisa.

Maria participou do trabalho de orientação profissional desenvolvido em grupo na

escola particular onde trabalhamos. Ela tinha 17 anos e cursava o terceiro ano do ensino

médio. Morava com os pais, de 47 anos (o pai) e 45 anos (a mãe) e com duas irmãs mais

novas que ela (15 e 13 anos).

Sua participação marcou-se pelo envolvimento, seriedade com as atividades propostas

e pelo carisma e respeito conquistados em relação aos colegas do grupo. Ela chegou já com

alguns interesses predefinidos, mas relatando uma dúvida que circulava principalmente entre

sua satisfação, possibilidades no mercado de trabalho e uma correspondência ao desejo dos

pais. Ela posicionou sua escolha, desde o início, pela área de biológicas, citando três

possibilidades: ciências biológicas, medicina ou biotecnologia.

Maria tinha um bom desempenho escolar, sendo querida pelos professores e colegas

também por sua educação e delicadeza. Qualidades e funções que, em alguns momentos,

tornavam-se um peso para ela e apareciam, no grupo, em forma de desabafo, angústia e

preocupação em corresponder às pessoas de quem gostava e em assumir suas escolhas para

uma vida adulta. Maria parece ter vivido uma infância muito intensa em termos de

brincadeiras, sensações, aprendizagens e carinho recebido dos pais, algo relatado por ela com

emoção e riqueza de detalhes. Os lutos dessa infância e adolescência foram levados com

freqüência ao grupo, parecendo marcar uma importante passagem para que pudesse elaborar

os conflitos do momento e apoderar-se de sua escolha profissional 23.

Várias atividades foram propostas ao grupo, mas citaremos algumas mais importantes

para nossa compreensão neste momento 24 .

Maria foi embalada por histórias desde seu nascimento. A família a recebeu com

muitas narrativas sobre seu nome, sua missão e sobre as expectativas do grupo. Um

aprendizado que fez de Maria uma pessoa bastante narradora. Como dito anteriormente, suas

atividades desenvolvidas no grupo apresentavam longas e detalhadas narrações.

Aqui é importante relembrar nossa concepção de destaque aos significados que os

indivíduos constroem e a percepção que dão à realidade a partir da conversação. Como na

história de Maria, a realidade de compreensão que se cria é a da sua ação compreendida por

meio da construção social, do diálogo, das relações familiares. E, retomando Anderson e

Goolishian (1996), falamos de uma compreensão da vida por meio de narrativas cambiantes

23 Os conflitos e elaborações vividos na adolescência foram teorizados no item 3.3, a partir da p. 40. 24 As atividades propostas ao grupo em completo estão descritas no apêndice, p.104.

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que organizam a experiência, fornecem sentido e contribuem para a construção da

subjetividade.

Então, em um dos encontros, pedimos aos integrantes que escrevessem um pouco

sobre sua história de vida (uma autobiografia). Ao contar sua própria história de vida, o

sujeito tem a possibilidade de resgatar experiências passadas, trazendo narrativas também

antigas ou renomeando-as; ele pode ainda se localizar no presente e tentar se projetar no

futuro. E o processo de escolha profissional exige que o jovem consiga fazer esse movimento

para se posicionar em relação a essa tarefa da escolha. A narração traz, então, uma atribuição

de sentidos e um senso de continuidade em direção ao futuro. E os interlocutores (aqui, o

grupo e a terapeuta) funcionam como ouvintes e co-estruturadores desse conteúdo.

E Maria assim nos contou sua história.

Narrativa sobre o “Filme da minha vida”

“Quando nasci, creio que fui recebida com muita alegria por meus pais, pelo fato de

ser a primeira filha. Minha mãe cuidava de mim com cuidados excessivos no que diz respeito

à minha saúde, e qualquer dor de barriga era motivo para que ela chorasse. Às vezes, quando

chorava, a única coisa que me fazia dormir e acalmava a minha mãe era me deitar sobre a

barriga do meu pai... No dia do meu batizado, creio que toda a família estava presente, além

dos meus pais e padrinhos.

Quando criança, antes da minha primeira irmã nascer (até os três anos), morava em

outra casa e costumava brincar muito sozinha. Lembro-me de brincar e correr de um cachorro

dálmata que ganhei e do dia em que ganhei uma boneca (Meu Bebê) no Natal com a qual

brincava muito quando minha mãe ganhou minha irmã, imitando-a nos cuidados, colocando

fralda, dando injeções e mamadeira. Minha família (pai e mãe) sempre teve o costume de

viajar pra praia, por isso, sempre gostei de brincar na areia e de nadar no mar.

Após o nascimento das minhas irmãs (que sempre imitavam o que eu fazia), sempre

tive com quem brincar de casinha, Barbie, escolinha, dentista, cabeleireira, bicicleta e

cabaninha. Adorava cantar, nadar, desenhar e que minha mãe lesse par mim revistinhas da

Turma da Mônica. Tinha mania de mandar nas minhas irmãs e era bem egoísta. Nas festas de

aniversário de primos e tios, não parava de correr e aprontar. Juntava ao bando de primos e

primas bagunceiros para brincar de esconde-esconde, pega-pega e fruta.

Nas minhas primeiras aulas no jardim de infância, além de brincar muito, minha

professora costumava perguntar a cada um o que havia comido no almoço. Muitas vezes, não

queria ir à escola por não me sentir feliz no lugar. Lembro-me de quando um colega me jogou

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no chão e penso que fiquei um pouco assustada. Quando comecei a estudar aqui no colégio,

estava no pré. Chorei muito no primeiro dia de aula enquanto os alunos cantavam o hino

nacional. Morria de medo de ter que ler histórias para a supervisora e adorava minha

professora e as brincadeiras no parquinho.

Já por volta dos 10 anos, era uma boa aluna, pois minha mãe havia me ensinado que o

compromisso nos estudos e o capricho é que iriam me garantir um bom futuro e me

possibilitariam ganhar muito dinheiro. Todos os anos costumava escrever um livrinho, e o que

mais me marcou foi que escrevi quando estava na quarta série e dediquei ao meu pai.

Assim como quando era menor, tinha uma casa no interior onde meus pais nasceram

para onde ia todos os fins-de-semana. Chegava lá toda sexta-feira à noite naquele frio, tomava

uma vitamina e me deitava. Adorava levantar com o sol no rosto e tomar café debaixo de um

pé de laranja da terra. Depois, sempre nadava e o final de semana passava entre idas à casa de

minha avó e à venda para comprar chicletes e picolé, brincadeiras com meus primos no

quintal da casa de minha bisavó e sopas que minha mãe fazia nas noites de frio enquanto

minha madrinha jogava baralho comigo ou jogava conversa fora com minha mãe.

Na adolescência, continuei a mesma, sempre estudiosa. Comecei a valorizar mais os

amigos-colegas que tinha a partir do momento em que começaram a sair do colégio, no final

da oitava série. Adorava fazer trabalhos em grupo repletos de idéias malucas e as reuniões em

que ficava batendo papo com minhas colegas eram ainda melhores. As excursões como a do

Caraça, a dispensa e as festinhas no final do ano sempre eram motivo de alegria. Acho que me

tornei uma pessoa mais tímida.

Um dos melhores momentos dessa época foi a comemoração dos meus quinze anos.

Tanto os preparativos quanto a festa foram superlegais. A partir desse dia, percebi que estava

crescendo e que novas responsabilidades e desafios viriam a cada dia.

O meu melhor ano na escola foi o primeiro ano do ensino médio, quando comecei a

fazer verdadeiros amigos e pude conhecer pessoas novas no Encontro de Jovens do qual

participei em outra cidade.

Hoje, não sou muito diferente daquela Maria que era poucos anos atrás. Continuo

estudando muito, sempre preocupada com a escola e com a minha família. Creio, porém, que

cresci muito espiritualmente, no caráter e adquiri mais responsabilidades. Consegui me

aproximar mais das pessoas, deixando um pouco a timidez de lado, bem como fortalecer as

minhas amizades do colégio e fazer novas, principalmente no Crisma, do qual estou

participando.

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Valorizo muito cada pessoa que está ao meu lado. Tenho, porém, como referencial

principal os meus pais. Admiro muito também a profissão do professor e sua capacidade de

ensinar, educar e participar da vida do aluno, assim como a profissão do médico, sua força,

coragem e empenho.

Sei que minha vida ainda tem um longo caminho a seguir e que tenho muitas decisões

a tomar. Quando era pequena, pensava em ser professora. Contudo, hoje penso em ser médica

ou bióloga. E decidir meu futuro é um dos maiores objetivos, além de passar no vestibular da

Federal.

Gosto de estudar biologia, viajar, dormir até tarde, comer, ficar à toa com minha

família, assistir filmes, pintar e desenhar, ir para o sítio, ver fotos antigas e relembrar

momentos da minha vida, ficar de papo pro ar admirando o céu, os pássaros, as plantas e me

sinto bem quando converso com Deus e fico em adoração do Santíssimo. Tenho facilidade

para me expressar em matemática e biologia e, muitas vezes, sou colocada como líder de

grupos por tomar mais iniciativas.

Não gosto muito de ficar ou andar sozinha, receber ordens, ver meus pais tristes, ver

outras pessoas discutindo e de perceber que muitas coisas que vivi não irão voltar mais.

Talvez por isso tenha dificuldades para me adaptar ao que é novo e de fazer novos amigos.

Penso que, às vezes, a mania (herdada de meu pai) de fazer as coisas muito bem feitas seja um

defeito.

Por tudo isso, penso que sou muito privilegiada por estar viva e por ter pessoas tão

importantes na minha vida e pretendo ser sempre feliz...”

Nesse sentido, retomando o aspecto teórico, podemos pensar na subjetividade de

Maria sendo definida como uma autobiografia em constante desenvolvimento, apresentando-

se na expressão de suas narrativas, trazendo repetições e mudanças. Para Grandesso (2000), o

self, definido como narrador, resulta do processo humano de produção de significados por

meio da ação e da linguagem, expressos nas histórias narradas das quais cada um de nós é

apenas um co-autor 25. Assim, a produção narrativa não resulta de uma mente individual, mas

de sua natureza interpessoal e de negociação nas comunidades de pessoas e contextos das

instituições e estruturas sociais.

A narrativa de Maria traz dados importantes para pensarmos em sua história e a

respectiva construção do seu self. Ao relacionarmos os temas mais presentes, podemos citar:

25 Self é um termo usado pela autora. Quando o citarmos, estaremos nos referindo à construção da subjetividade.

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as vivências da infância, com ricos detalhes das brincadeiras e das experiências

sensoriais;

a família como base de seu desenvolvimento, estando os pais como modelos de

regras, de carinho, de amor, de transmissão de valores e de responsabilidades e

fontes de expectativas em relação a ela;

a escola como marco de socialização e de construção de seu percurso como

boa aluna;

os lutos pelas mudanças de ciclo de vida, sempre muito bem descritos e

expondo as dificuldades em abandonar experiências passadas prazerosas para

vivenciar novas delas;

a natureza como uma companheira, capaz de lhe proporcionar beleza e

experiências sensoriais variadas;

a religião que também lhe proporcionou socialização, construção de valores e

sensação de paz;

sua posição de liderança nos meios de convivência;

as profissões voltadas para a educação e para o cuidado com o ser humano.

E antes de entrarmos em uma análise desses pontos, consideramos a importância de

chamar a atenção para a ressonância que tais temas tiveram em relação a um momento da

nossa história de vida; semelhanças em muitos dos valores, das dificuldades, facilidades e

conflitos 26. Ao falarmos sobre a terapia familiar sistêmico si-cibernética, marcamos uma

mudança na percepção do observador, entendida, a partir de então, como um participante na

construção da realidade (intersubjetividade) no processo com as famílias. Assim, a

subjetividade do observador passa a ser compreendida e incluída no contexto do sistema,

devendo o terapeuta ao mesmo tempo ser parte do sistema e tomar distância para refletir. Para

Grandesso (2000), nossas perguntas e intervenções respondem às ressonâncias das histórias

narradas pelos nossos clientes, dentro dos marcos de sentido em que estruturamos nossa

compreensão. E essas ressonâncias vividas por nós, terapeuta, no processo de Maria

permitiram a criação de um vínculo, de conexões e co-construções de significados.

Vamos, então, analisar algumas de suas falas: “Quando nasci, creio que fui recebida

com muita alegria por meus pais, pelo fato de ser a primeira filha”. A recepção dos pais e a

expectativa em relação a ela é marcada em vários momentos. Ela foi uma criança que brincou

muito, divertiu-se, teve um intenso contato com a família, com a natureza, mas assimilou,

26 Para Elkaïm (1990), a ressonância manifesta-se em uma situação em que a mesma regra se aplica ao mesmo tempo à família do paciente, à família de origem do terapeuta, à instituição onde é recebido o paciente etc.

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desde cedo, valores que traz consigo até hoje. “Já por volta dos dez anos, eu era uma boa

aluna, pois minha mãe havia me ensinado que o compromisso nos estudos e o capricho é que

iriam garantir um bom futuro... Na adolescência, continuei a mesma, sempre estudiosa”.

Durante sua descrição, percebemos que este ensinamento da mãe passa a ser incorporado

como uma regra. Ela passou a partilhar com a mãe a idéia de que, para enfrentar a vida, seria

necessário vigiar e guardar esta conduta voltada aos estudos e ao capricho. O pai também

partilhava dessa idéia, pois Maria cita no texto que dele herdou o perfeccionismo.

Maria traz lembranças muito nítidas das mudanças de fases em sua vida, as separações

e tarefas novas advindas de cada etapa. Parecem ter sido momentos vivenciados com

intensidade e trazidos por ela como dificuldade em lidar com o novo. Tais mudanças de ciclo

vital pareciam anunciar a necessidade de talvez adaptar comportamentos e pensamentos,

sendo um deles a rigidez em ser sempre estudiosa e caprichosa. Parecia mesmo uma forma de

se defender da vida, dos imprevistos, do novo e das experiências da adolescência. Uma forma

de controle dela e da família. Em uma de suas falas, revelou que seu pai havia dito às filhas

que, em primeiro lugar, os estudos; namorados, só depois que terminassem os estudos.

A primeira das mudanças, a entrada na escola, marca também a primeira separação em

relação à mãe, uma mãe bastante cuidadora e presente. Então, ela se lembra de que não queria

ir à escola e resgata a lembrança do colega que a jogou no chão. São as primeiras experiências

de desamparo.

Ela também salienta a adolescência como um período de intensas mudanças (apesar de

sempre estudiosa), deixa a criança sapeca um pouco de lado e começa a se achar mais tímida.

Conta que passou a valorizar mais os colegas da oitava série quando viu que eles estavam

indo embora, saindo da escola. E a comemoração dos 15 anos como mais um marco: “A partir

desse dia, percebi que estava crescendo e que novas responsabilidades e desafios viriam a

cada dia”. Vamos retomar a lembrança de que o crescimento das filhas parecia amedrontar o

pai que enfatizava os estudos na vida delas e tentava frear algumas experiências da

adolescência, como o namoro.

Ao falarmos sobre os ciclos de desenvolvimento da família, salientamos a existência

de temas mais presentes em cada uma dessas fases, capazes de mobilizar a família como um

todo. Nessa fase específica, a adolescência, toda a família sofre transformações e isso parecia

estar sendo vivenciado na família de Maria. Os pais passam a rever sua própria adolescência e

os aspectos que podem ser resgatados de uma juventude ainda presente diante de si. Além

disso, precisam desenvolver as tarefas e funções específicas de educar adolescentes com

suficiente flexibilidade. E isso parecia estar sendo difícil para essa família, que buscava com

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muita freqüência formas de controle, mesmo que algumas delas fossem sutis, embutidas em

alguns valores muito fortes para eles 27.

E os estudos aparecem como foco em todos os momentos: “Continuo estudando

muito, sempre preocupada com a escola e com minha família”. Podemos dizer que o estudo e

a família são os grandes temas da história de Maria. Mas ela se refere também à sua

espiritualidade, sua facilidade em se expressar, em coordenar grupos e sua imensa sintonia

com a natureza, descrita com naturalidade no meio de seu texto. “Adorava levantar com o sol

no rosto e tomar café debaixo de um pé de laranja da terra... Gosto de ficar de papo pro ar

admirando o céu, os pássaros, água e plantas...”.

A religiosidade é presente na história dela antes mesmo de seu nascimento, quando os

pais fizeram a escolha de seu nome. Em um dos encontros, ela nos relatou que seus pais

decidiram por ele após assistirem a um filme que contava a vida de um dos personagens

bíblicos. E ela, de certa forma, dá continuidade a esse tema, estando próxima da igreja, das

comemorações religiosas e de valores cristãos. E a religiosidade expressa na fala de Maria

parecia trazer uma sensação de bem-estar, mas novamente, uma forma de controle. Na sua

autobiografia, ela escolhe frisar, em relação ao tema, os encontros de jovens, quando conhecia

pessoas novas e dividia experiências com pessoas que, como ela, estavam passando pelas

vivências da adolescência. Na igreja, ela podia encontrar-se com os amigos, mas ir a festas,

não.

Outra referência para ela ligada a esse tema era a madrinha, solteira, professora de

religião e que, segundo Maria, “cuidava da mãe com muito carinho e consideração”.

Questionada se ela admirava a madrinha, ela disse que sim, mas não foi muito adiante.

Passamos a nos perguntar aqui se havia um desejo da família de que Maria se inspirasse em

seguir algum caminho próximo a este.

Por outro lado, sua posição de liderança aparece desde suas brincadeiras de infância,

em que conta que mandava nas irmãs. Depois, na escola, assume esse papel na condução de

grupos de trabalho e de eventos na instituição.

Hoje, ela não se considera muito diferente da Maria de alguns anos atrás. Apesar de

nos apresentar todas as mudanças sofridas, ela parece querer marcar características que

sempre a acompanharam e que talvez até tenham tomado uma dimensão que a leve ao

sofrimento: “Continuo estudando muito, sempre preocupada com a escola e com minha

família”.

27 As mudanças de ciclo de vida estão mais detalhadas no capítulo 3, p. 44.

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Ao se aproximar das profissões, traz sua admiração pelo professor, pelo médico e pelo

biólogo. É necessário pontuar que seus interesses realmente se voltam para áreas das quais

Maria foi se aproximando e para habilidades que ela desenvolveu durante toda a sua vida:

cuidar e educar. E estes são os dois eixos tecidos na narrativa familiar de Maria. Ainda

podemos agregar a eles a posição de liderança também como uma forma de cuidado. Maria

como líder era preocupada com os colegas, zelosa e cuidava do desenvolvimento de cada um.

Algo aprendido em sua família, que sempre cuidou muito dela e lhe ensinou a expressar amor

por meio do cuidado.

Mas, ao tocar no assunto das profissões em seu texto, ela parece entrar em contato

com todas as mudanças que tem vivido e com as que se aproximam diante da

responsabilidade de crescer. Nesse sentido, finaliza seu texto saudosista pelas coisas que não

mais voltarão (provavelmente sua infância, com tudo que foi relatado) e se queixa pela mania

(herdada do meu pai) de fazer as coisas sempre muito bem feitas.

E parece que ter tido pais tão presentes e significativos gera em Maria uma culpa e

uma necessidade exagerada em retribuir-lhes, acertando em suas tarefas durante a vida. E um

desses momentos que tem sido foco para o surgimento destas questões é quando da escolha

profissional e do vestibular. Isso a faz retroceder em algumas etapas e dizer de sua saudade

pela sua infância. Nesse sentido, retomamos nosso estudo sobre a adolescência, salientando

que a qualidade do vínculo estabelecido entre pais e filhos será essencial no processo de

autonomia, na responsabilidade pela tomada de decisões e, aqui, pelo posicionamento diante

da escolha profissional. Para Preto (1995), a capacidade do adolescente de diferenciar-se dos

outros e abandonar comportamentos infantis dependerá de quão bem ele maneja os

comportamentos sociais esperados para expressar as intensas emoções precipitadas pela

adolescência.

Mas, apesar do peso de ter se posicionado como perfeccionista, ela termina o texto

dizendo: “penso que sou privilegiada por estar viva e por ter pessoas tão importantes na minha

vida e pretendo ser sempre feliz...”. Vemos de novo aqui traços da dinâmica familiar que

preza a vida e incentiva a valorização das pessoas.

Outra atividade que nos trouxe possibilidade de muito conversar e refletir foi o

genoprofissiograma (história profissional da família via três gerações). O objetivo era

conhecer as profissões e interesses de membros significativos e buscar semelhanças,

diferenças, valores transmitidos, repetições e perceber como a escolha de uma profissão pode

dar ao jovem a possibilidade de se projetar no futuro e construir projetos.

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É importante dizer que, mesmo o processo tendo sido desenvolvido em grupo, a

conversa sobre o genoprofissiograma foi feita separadamente com cada um dos integrantes, o

que permitiu um aprofundamento maior.

Maria construiu o genoprofissiograma mais completo e detalhado com que já pudemos

ter contato. Criou uma legenda própria e trouxe características importantes de cada um dos

membros. Pudemos explicitar que ela não tem nenhum parente trabalhando nas áreas

buscadas por ela: medicina, ciências biológicas e biotecnologia. Mas tem várias tias

trabalhando como educadoras, professoras ou em áreas afins (magistério, pedagogia, letras),

sendo esse um dos seus desejos em termos profissionais. Ao pedir para caracterizá-las

profissionalmente, ela usou para essas tias palavras como doação, amor, capricho e

criatividade. Mesmo em relação a outros familiares (distantes em termos das profissões

pretendidas), Maria reconheceu que o que recebe deles são valores importantes que quer levar

para si, independentemente da profissão escolhida. Foram essas as palavras mais citadas:

responsabilidade, dedicação, comunicação, doação, sociabilidade, seriedade, inteligência,

praticidade, capricho, confiabilidade, disponibilidade, bom humor. Na família materna, a

palavra que mais apareceu foi doação e, na paterna, inteligência.

E, assim, percebemos novamente as narrativas familiares construindo significados na

história de Maria e influenciando sua forma de estar no mundo. Para Grandesso (2000), os

significados vão se desenvolvendo nas trocas dialógicas. Assim, os dilemas humanos passam

a ser entendidos como significados estruturados em narrativas mediante as quais a experiência

é organizada, restringindo ou ampliando as possibilidades existenciais. Com Maria, partimos

para um trabalho de compreensão exatamente das narrativas e palavras (como as

características que foram trazidas por ela no genoprofissiograma) que ampliavam e as que

restringiam suas construções naquele momento.

O pai de Maria é técnico em metalurgia e trabalha em uma empresa. Ela o considera

realizado profissionalmente e o caracterizou como perfeccionista, caprichoso, responsável,

sociável, inteligente e criativo. Sua mãe é formada em ciências contábeis, trabalha como

gerente de um banco e também considerada realizada profissionalmente e caracterizada como

extremamente profissional, prática, experiente, responsável e dinâmica.

Podemos perceber que Maria representa uma mescla das características que usou para

descrever o pai e a mãe. Também é importante observar que o peso dos pais como excelentes

profissionais e tão bem caracterizados é sentido por Maria como uma necessidade de

continuação dessa narrativa. Ela diz: “Eu também quero ser muito boa no que fizer. Mas

tenho muito medo de não dar conta. A começar pela minha escolha.” Ela sempre pensa nessa

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possibilidade de ir além da sua história familiar, algo que a instiga, mas, ao mesmo tempo,

assusta-a e a trava emocionalmente, impedindo de se concentrar no presente, em iniciar esse

processo e, em primeiro lugar, escolher um curso.

Ao seguirmos para a parte de informações sobre as profissões, Maria vai revelando um

imenso interesse pelas ciências biológicas, o que vem mesclado a um questionamento sobre

uma maior remuneração na área da medicina e um maior reconhecimento por sua família se

fizer a escolha por essa última.

Em um dos encontros do grupo, o assunto circulou em torno do que cada um desejava

e do que chamaram de o que os outros me fazem desejar. Então, a atividade proposta foi que

escrevessem sobre: 1) o que EU desejo para o meu futuro em termos profissionais; 2) o que os

OUTROS me fazem desejar para o meu futuro em termos profissionais.

Maria assim escreveu.

1) “Na verdade, as minhas vontades dependem em grande parte dos conceitos

que tenho tanto do mercado de trabalho, quanto dos cursos e profissões

desejados, e o que podem estar certos ou não. Assim como todos, espero

construir e ter no futuro uma profissão que me traga primeiramente

realização, bem como sucesso, conhecimentos, experiências, felicidade e

boa rentabilidade. Tendo até o momento determinada a área na qual quero

atuar, gostaria muito de poder ensinar algo relacionado à biologia.

Juntamente a isso, gostaria de ter contato com aquilo que se destina ao

estudo da natureza e da vida, mais especificamente, ao estudo do corpo

humano, que há muito me fascina. Penso que a medicina também me

possibilitaria estar próxima dessa área.”

2) “Preocupando-me com a questão financeira, acredito que as áreas da

medicina e da biotecnologia me trariam mais oportunidades de crescimento,

uma vez que, aos olhos do povo e de suas necessidades, medicina ainda é

uma profissão de renome e importância. E, com base na atualização e

modificação do mercado de trabalho (atualmente mais voltado para a

tecnologia), a biotecnologia apresenta um crescimento importante e oferece

excelentes oportunidades e rentabilidade àqueles que se dedicam a ela com

profissionalismo e competência.”

Percebemos, nesse momento, que Maria começa a se dar conta de seus interesses e

desejos, mas ainda em conflito com as expectativas sociais, familiares e com a representação

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que as profissões apresentam socialmente. A medicina ainda lhe parece como a grande chance

de corresponder a todas essas expectativas.

Em outro encontro, foi pedido ao grupo que cada um tentasse resgatar na memória

frases ditas a eles e que os tivessem marcado em relação à escolha profissional que agora

estavam tentando fazer. Nesse sentido, observaremos a importância também das narrativas

construídas nos contextos sociais (não só familiares) e a importância dos professores e do

grupo de colegas nesse momento. E assim resgatou Maria.

“Tomara que da biologia, você pule para a medicina geriátrica pra cuidar da

gente” (professor de história).

“Eu não sei o que você vai ser no futuro, mas sei que, em qualquer escolha que

fizer, você terá sucesso e mais; será uma pessoa extremamente importante e

influente e que com certeza irá interferir de maneira significativa na sociedade”

(professor de história).

“Você tem uma facilidade enorme para explicar as coisas e o faz muito bem!

Acho que você deveria ser professora” (professora de biologia).

“O mundo é dos espertos!” (mãe).

“Peça pra que Deus coloque no seu coração aquilo que for da vontade Dele.

Faça a sua parte (que é estudar) e Deus fará a Dele” (mãe e pai).

“Espero que você faça medicina pra cuidar bem do padrinho que já tá velho”

(padrinho- tio avô).

“Só você pode escolher aquilo que for melhor pra você” (pai).

A Maria tem um jeito meio mãe, amiga. Sempre tem argumento pra convencer

a gente e toma a frente das coisas. Ela tem uma missão especial” (colegas do

grupo de orientação profissional).

Percebemos que as grandes referências de Maria são principalmente os pais,

professores, mas também os colegas e amigos. Maria se faz presente e significativa nesses

grupos de convivência, em que consegue revelar muitas de suas habilidades. São frisados sua

dedicação, seu empenho, sua função de cuidadora, seu interesse pela área biológicas e sua

missão em ser significativa e marcante na profissão que for exercer. Os pais aparecem como

incentivadores dos estudos, de suas escolhas e não necessariamente, de áreas profissionais

específicas. Mas, mesmo não sendo uma influência explícita, Maria se sente cobrada em

escolher algo realmente muito significativo socialmente e talvez para os pais.

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Ao final do processo, Maria assumiu sua escolha pelo curso de ciências biológicas,

relatando ao grupo sua satisfação. Mas, ao fazer a inscrição para o vestibular, algo de muito

profundo a tocou, gerando um retrocesso no que ela havia construído, justificado por ela

como uma dificuldade em dizer aos pais sobre sua escolha. No último encontro, foi pedido

aos participantes que falassem sobre o seu processo diante da escolha, relatando o que havia

sido possível e o que ainda estava difícil. Maria quis escrever.

“Creio que já escolhi a área na qual quero trabalhar. Contudo, mesmo fazendo a

inscrição na UFMG, estou indecisa entre dois cursos que são a medicina e ciências biológicas,

sobre os quais pensei por muito tempo e não consegui escolher. Na verdade, parte de mim

enfrenta a medicina como um desafio, uma maravilhosa área (profissão) que, apesar de

inúmeras dificuldades, também proporciona maior rentabilidade.

Outra parte de mim, pensa que a biologia me permitirá exercer uma profissão que

muitos dizem ser a minha cara.

Na fila para pagar a inscrição, escolhi ciências biológicas com a intenção de apenas

tentar passar no vestibular e ter mais tempo para pensar na minha escolha e em uma

possibilidade de mudança no ano que vem. Não sei se quero ou devo prestar vestibular em

outra faculdade, mesmo depois das orientações que recebi da minha família.

Minhas idéias ainda estão um pouco confusas, pois ao mesmo tempo em que sei da

enorme necessidade de estudar, sinto um grande desânimo e tenho vontade de deixar tudo de

lado, talvez por discordar de muitas coisas, tais como esse sistema de seleção e a minha

intensa autocobrança”.

Maria marca, nesse momento, uma intensa angústia quanto ao que podemos chamar de

uma mudança de ciclo de vida que implica assumir suas escolhas, suas características

desejadas e indesejadas, posicionar-se diante da família e dos amigos e enfrentar o grande

ritual desse momento, que é o vestibular. Ela, que sempre se saiu bem na escola, teme

fracassar. E esse medo a impede de estudar e também de poder discernir entre os cursos

buscados. Sua autocobrança (assim chamada por ela) passa a ser questionada pelo sofrimento

que vem causando.

Ao receber sua família, pedimos primeiramente aos pais que nos contassem sobre a

Maria que eles conheciam, relatando também características que percebiam nela relacionadas

às profissões. Os pais a caracterizaram principalmente como ótima filha, estudiosa e

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responsável. Disseram de seu interesse pela natureza desde pequena, do interesse pela

biologia, pelo corpo humano e sua forma de explicar e cuidar das pessoas.

Maria, a moça falante no grupo, mostrou-se tímida, com certa dificuldade em

responder ao que os pais diziam. Pedimos que contássemos juntas sobre o seu processo de

orientação profissional e, então, ela começou a chorar, dizendo de seu medo em decepcionar

os pais. Com nosso auxílio, fomos contando (com sua permissão) sobre algumas atividades

desenvolvidas e algumas conversas que tivemos. O seu choro e a frase dita em seguida foram

significativos para que conversássemos com a família sobre as expectativas que Maria tentava

corresponder e que, em muitos momentos, superavam seus limites e a angustiavam muito.

Maria aproveitou para desabafar e dizer das muitas vezes em que a família deixou de se

divertir e fazer programas de lazer, porque ela tinha que estudar. Isso nos mostra o quanto a

família se organizava para permitir que Maria sempre colocasse seus estudos em primeiro

plano. Nesse momento, falamos sobre a importância dos valores que os pais puderam

transmitir à Maria, do quanto era querida na escola, mas de como esses valores eram tomados

em muitos momentos com rigidez, impedindo que ela pudesse também descobrir outros jeitos

seus e construir suas próprias narrativas.

Tudo isso foi dito para que Maria pudesse, ao final, expressar sua escolha. A palavra

leveza foi frisada, no sentido de que pudesse lidar com sua escolha com mais liberdade,

sabendo que os pais gostariam de vê-la feliz, independentemente do caminho profissional

escolhido por ela. Eles puderam dizer a ela que sabiam que a família, no geral, tinha uma

certa expectativa de que ela fizesse medicina, porque as pessoas pensam que não há profissão

melhor para uma moça inteligente, mas que realmente sabiam que ela seria empenhada na

área que escolhesse. E parece que isso pôde ser sentido de alguma forma ao final da conversa.

Maria, hoje, é aluna do curso de ciências biológicas de uma universidade reconhecida

e está de volta à escola que estudou durante sua infância e adolescência, fazendo estágio no

laboratório de biologia do referido colégio e acompanhando o professor de biologia em

algumas de suas aulas.

A forma como Maria se empenhou durante o trabalho de orientação profissional foi

permitindo suas elaborações e construções. Seus avanços eram vividos concomitantemente

com alegria e com culpa, pela preocupação se iria ou não agradar aos pais. Mas, seu

fortalecimento conquistado e o encontro com a família permitiram que algumas narrativas

rigidificadas pudessem ser abertas e desconstruídas, dando espaço a novas delas.

Seguindo este viés de trabalho, Grandesso (2000) chama a atenção para tal fato.

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Portanto, além de fazer sentido, além de configurar novos marcos de significados, as narrativas que emergem do contexto terapêutico, para que possam ampliar as possibilidades existenciais dos clientes, devem também cumprir um sentido nas narrativas sociais dos contextos de vida que lhe são significativos (GRANDESSO, 2000, p. 396).

Assim, percebemos que Maria pôde, durante o processo, reconhecer as narrativas

familiares que estavam fazendo parte do momento de escolha profissional, avaliar os valores e

palavras que gostaria de herdar dessas histórias para poder, ao final, tecer uma narrativa

própria, entremeando ecos familiares e sociais a palavras e cores suas.

E, nesse sentido, após o acompanhamento do caso clínico Maria, pudemos observar a

importância de tê-lo construído separadamente, permitindo um aprofundamento, um

reconhecimento maior da participação das narrativas familiares e uma avaliação clínica desse

processo.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Há nós, realidades, problemas, que não pedem para serem desfeitos e sim... trocados, reinterpretados.” Carlos Arturo Molina-Loza.

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa reflexiva como assim define Grandesso

(2000), neste momento do trabalho, ocupamo-nos em perceber o caminho percorrido e as

narrativas tecidas a partir de vários encontros: com cada um dos jovens e suas famílias, com a

teoria que foi sendo descoberta e foi permitindo novas compreensões, de nosso encontro

posterior com nossos relatos e narrações de cada uma das histórias dos jovens escolhidos e

com o texto que se desenhou a partir de então.

Esse movimento permitiu não só reconhecer construções que haviam sido feitas com

esses jovens, mas também avançar, mergulhar em novos contextos lingüísticos, permitindo

deslocamentos em relação às idéias iniciais e impressões sobre cada uma das histórias.

Sobre essas mudanças que foram surgindo, é importante relatar aqui o processo de

construção do título desta dissertação. A princípio: “As narrativas familiares e suas

influências na escolha profissional do jovem: uma articulação entre a terapia familiar

sistêmica e a orientação profissional”. Ao longo do processo de escrita, a palavra influência

adquiriu um peso não esperado e uma conotação negativa, como se a família apenas

depositasse expectativas difíceis de serem carregadas pelos jovens. A construção da frase

também passou a corresponder a um pensamento linear, de causa e efeito, em que a família

lança as narrativas, e o jovem recebe, lida com as conseqüências e avalia o que pode fazer a

partir disso. Talvez isso fosse fruto de nossas narrativas e nossas lentes construídas por meio

de nossa história pessoal e nossa história enquanto psicóloga e orientadora profissional. Mas

isso foi tomando um novo formato e novos significados foram encontrados a partir de nossa

escrita.

Então, partimos para a busca de outras palavras que trouxessem uma conotação mais

leve e pudessem representar a circularidade da questão trabalhada, ou seja, a percepção de que

as narrativas da família afetavam o jovem trazendo apoio, desconforto, retrocessos e avanços,

da mesma forma que as narrativas do jovem também provocavam mudanças na família e que,

a partir disso, esta também gerava uma nova relação com o jovem e assim por diante. Esse

pensamento sistêmico foi se construindo e se desvelando em cada um dos casos clínicos.

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Então, substituímos a palavra influências por contribuições, no sentido de que as narrativas

familiares podem ser positivas, negativas ou de conotações diferentes dependendo da forma

como o jovem as recebe, as elabora e as reconstrói. E isso se mostrou nas histórias dos três

jovens examinadas ao longo deste estudo.

Resgatando nosso problema de pesquisa que norteou este trabalho, tínhamos uma

proposta de pesquisar as construções narrativas que são efetuadas na família acerca da escolha

profissional do jovem, levantando e analisando como esse jovem recebe e elabora tais

narrativas no momento da escolha profissional. Durante o trabalho, essa frase ganhou um

movimento, no sentido explicado no parágrafo anterior: as narrativas da família e sua relação

com o jovem e as narrativas do jovem e sua relação com a família. Também se percebeu que

grande parte do conteúdo explorado nos casos clínicos se referiam não às narrativas das

próprias famílias (já que com elas estivemos em apenas um ou dois encontros, no caso de

cada jovem), mas às narrativas dos jovens construídas a partir do que herdaram da família e

de sua próprias elaborações. Ou seja, o modo como os jovens deram significados às suas

questões e como estavam construindo a realidade, acompanhando aqui um pensamento

construtivista e construcionista social.

E, nesse sentido, no momento final deste trabalho, um novo e último título surgiu,

correspondendo de forma mais ampla aos nossos objetivos e descobertas durante a escrita do

texto. Optamos por “As narrativas do jovem e sua família: tecendo redes entre a terapia

familiar sistêmica e a orientação profissional”. A participação do jovem no processo foi se

mostrando forte, no sentido de que tínhamos em maior volume como dados as narrativas do

jovem sobre sua família ou sua percepção em relação à opinião da família sobre ele mais do

que a percepção da família sobre o próprio jovem. Então, o jovem precisava aparecer no

título.

Assim, com a proposta da pesquisa qualitativa, não levantamos uma resposta que

abrangesse todos os casos clínicos, num sentido universalizante ou, até mesmo, comparativo,

mas, como dissemos lá no início, respondemos a questões particulares, com um nível de

realidade que não pôde ser quantificado, por trabalhar com o universo de significados,

motivos, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das

relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de

variáveis (MINAYO, 1994).

Assim, cada encontro com os jovens, com as famílias e cada processo de orientação

profissional teve suas características próprias, mesmo que eles tenham seguido um rumo

específico e tenham também características em comum. Nesse sentido, em todas as histórias,

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percebemos que a família tem um papel fundamental, ora oferecendo modelos identificatórios

positivos, narrativas que ensejam a construção de outras também saudáveis, que permitem

avanços, perspectivas, ora trazendo narrativas rigidificadas e paralisantes. Nas duas situações,

a participação do jovem se deu no sentido de receber tais contribuições e avaliar sua

participação própria na reconstrução das mesmas, seja para si ou até mesmo para o grupo

familiar.

Na história de Breno, a narrativa que foi mostrada em vários momentos trazia o

discurso do meio, ou seja, em sua família todos eram meio algumas coisas: meio autodidatas,

meio soltos, meio filósofo, meio médica. E ele também se colocava dessa forma no grupo de

orientação profissional: trazia as atividades pela metade, demonstrava interesse a cada

momento por uma área diferente e se esquivava quando o movimento do grupo pedia um

posicionamento dele. Será que havia uma construção dele de que, como a maioria em sua

família não havia seguido uma determinada área, nenhuma podia ser tão boa ou tão

interessante assim? O que buscamos com ele foi uma desconstrução dessa narrativa de

impossibilidade de escolha quando se tem muitos interesses e a reconstrução no sentido da

possibilidade do uso desses vários interesses a seu favor e não como impedimento. Também

buscamos uma desestabilização quando ele disse que também era meio algumas coisas para

que se responsabilizasse, saísse de uma posição vitimizante e fizesse emergir novos

significados. E o tempo que ele conseguiu pedir ao grupo, à sua família e a nós parece ter

vindo no sentido do reconhecimento da necessidade de um encontro com ele por inteiro e,

então, a possibilidade de construir novas narrativas. E, nesse sentido, ele pôde assumir a

autoria de sua escolha, principalmente porque conseguiu dizer a todos o que planejava para

ele durante o próximo ano.

Na história de Patrícia, havia uma narrativa dominante de que ser e ter são extremos

que nunca podem caminhar juntos. E essa foi a forma como ela compreendeu o percurso dos

pais, principalmente o da mãe. Esta havia feito um curso que não desejava muito (segundo a

mãe, “naquela época, não se escolhia muito”) e parece não ter conseguido refazer sua escolha,

não avançando em sua carreira e não adquirindo a capacidade de poder ter as coisas que

desejava. Então, Patrícia assumiu uma narrativa disjuntiva: "o meu lado zen, de gostar da

natureza, de ser questionadora, debater sobre política é incompatível e nunca vai se encontrar

com ganhar bem e poder comprar minhas coisas”. Então, sua construção foi a de que era

melhor dar um jeito de simpatizar com algum curso que ela achava que podia dar dinheiro e

partir para isso. Mas se ela estava ali pedindo ajuda em um processo de orientação

profissional, certamente acreditava que outras saídas haveriam de existir. Lembrar do tio que

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havia feito ciências sociais e que “ninguém dava nada para ele”, mas que “adora a profissão e

que hoje é o que está melhor financeiramente na família” parece ter desestabilizado o caráter

de verdade de suas primeiras afirmações. Além disso, a necessidade de construir sua própria

narrativa, independentemente das opiniões da mãe, foi se fortalecendo ao longo do processo

para que pudesse revelar sua escolha aos pais e poder buscar uma articulação entre ser e ter.

Nas duas histórias, há narrativas dominantes, criando significados e impedindo a

construção de escolhas por esses sujeitos e, até mesmo, por essas famílias. Para Breno e

Patrícia, foi necessário desconstruir alguns elementos de suas narrativas para que houvesse

espaços para o surgimento de novas delas e mais funcionais. Para Breno, a possibilidade de

parar, dar-se um tempo, reconhecer suas dificuldades e desejos para depois escolher uma

profissão e, para Patrícia, reconhecer que a busca da mãe de que ela não repetisse sua história

de seguir uma profissão indesejada estava paralisando-a e talvez a impedindo de construir

suas próprias narrativas e de, então, ser para poder ter.

Já as narrativas de Maria traziam a necessidade de uma correspondência exagerada a

papéis e funções que lhe foram oferecidos em seu meio familiar e social e por ela aceitos: boa

aluna, boa filha, amiga, estudiosa, responsável, significativa, tem uma missão especial... A

frase da mãe era carregada sem questionamentos: “o seu compromisso nos estudos e o

capricho é que irão garantir um bom futuro e te possibilitarão ganhar muito dinheiro”. E os

ensinamentos e caracterizações das pessoas a seu respeito passaram a ser seguidos como

narrativas fechadas e que levaram a um sofrimento e, inclusive, à dificuldade em assumir sua

escolha profissional. Os valores transmitidos pelos pais de Maria foram de grande importância

e permitiram a formação de uma importante base sobre a qual ela se estruturou. Entretanto, as

dificuldades passaram a surgir pela forma como ela considerou e recebeu tais valores.

Entretanto, ao longo do processo, algumas verdades passaram a ser questionadas pelo

grupo e pela orientadora, abrindo espaço para que Maria nos mostrasse outras características

suas e deixasse de ser prisioneira dessa história construída pelas pessoas com seu

consentimento: a de Maria como quase perfeita. E então, seu fortalecimento conquistado e o

encontro com a família permitiram que algumas narrativas rigidificadas pudessem ser abertas

e desconstruídas, dando espaço a novas delas.

E o que buscamos, então, foi facilitar o diálogo entre as diferentes vozes

(principalmente da família, do jovem, do jovem sobre a família e da orientadora profissional),

gerando, como nos sugeriu Rapizo (1996), descrições mais abrangentes, menos antagônicas e

paralisantes do problema compartilhado, promovendo um canal de expressão, co-construindo

realidades alternativas e buscando histórias potencialmente úteis a esses jovens naquele

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momento.

Com certeza, este estudo não esgota a problemática proposta para ser pesquisada, mas,

com ele, esperamos ter trazido contribuições para as duas áreas: a orientação profissional e a

terapia familiar sistêmica. Buscamos aqui tecer narrativas que entrelaçassem esses dois fios

(representando outros que também estavam embutidos), trazendo uma compreensão menos

individualizante e pragmática (no sentido de um processo de OP que valoriza

demasiadamente a aplicação de testes) do processo de escolha profissional e o considerando

como imerso numa rede de relações e narrativas. Narrativas estas que levem em consideração

a complexa trama que existe na relação entre a teoria e a prática.

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APÊNDICE A

Técnicas utilizadas no processo de orientação profissional.

Estas são as atividades propostas 28:

1o encontro: Entrevista inicial

2o encontro: Facilidades, dificuldades e objetivos

3o encontro: Círculo da vida/ Gosto e faço

4o encontro: Frases incompletas

5o encontro: Pesquisa sobre as profissões

6o encontro: Ficha de interesses, aptidões e traços de personalidade

7o encontro: Genoprofissiograma

8o encontro: LIP 29

9o encontro: Psicodrama das profissões

10o encontro: Colagem de finalização

11o encontro: Sessão de família.

1º Encontro- Entrevista inicial.

Entrevista livre, em que o jovem é convidado a falar sobre o motivo de sua procura

pela orientação profissional.

2o Encontro- Facilidades, dificuldades e objetivos 30

Consigna: distribuem-se revistas e tesouras ao orientando, pedindo que recorte figuras

que representem facilidades, dificuldades e objetivos na sua vida como um todo.

Objetivos: a técnica permite uma projeção e explicitação de dificuldades do

orientando, facilidades (interesses, aptidões), e um vislumbramento de desejos e projetos, via

objetivos. Assim, permite uma primeira leitura e compreensão ao orientador e

autoconhecimento ao orientando.

3o Encontro: Círculo da vida 31 e Gosto e faço 32

28 Sendo substituídas por outras de acordo com a necessidade e a singularidade de cada caso. 29 LIP- Levantamento de Interesses Profissionais- Carlos del Nero- ed. Vetor. 30 Recurso utilizado no módulo Recursos e técnicas do Curso de Formação em Terapia Familiar Sistêmica, coordenado por Beatriz Coutinho (2002).

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Consigna para círculo da vida: entregar folhas brancas e lápis de cor e pedir que o

orientando pense em tudo que é importante na sua vida. Procurar lembrar-se de tudo que

valoriza e fazer uma lista. Em seguida, deverá desenhar um círculo e reparti-lo em quantas

partes forem as áreas em que pensou. Depois, deve colorir cada parte, nomeando-a.

Objetivos: permite que o orientando fale de si, das prioridades em sua vida,

impulsionando o autoconhecimento. O desenho se mostra como possibilidade de expressão do

psiquismo e as cores como expressão/representação da emoção. Também funciona como

instrumento de compreensão ao orientador.

Consigna para Gosto e faço: entregar uma folha em branco e pedir que a divida em

quatro partes, representando um quadro das atividades que realizam em seu cotidiano. As

quatro partes são: gosto e faço, gosto e não faço, não gosto e faço, não gosto e não faço.

Objetivos: levantar as atividades que gosta de executar. Discutir sobre os sentimentos

relacionados com essas atividades e auxiliar a discriminar os vínculos que estabelece com as

diferentes atividades.

4º Encontro- Frases incompletas 33

Consigna: há uma seqüência de frases já iniciadas e a tarefa do orientando é completá-

las da forma mais espontânea possível, com a primeira idéia que vier à mente (por exemplo:

Não consigo me ver fazendo... Meus pais gostariam que eu ...) . Finalizado, é feito um

inquérito de cada frase, explorando melhor os conteúdos das respostas emitidas.

Objetivo: permitir maior compreensão da problemática vocacional, já que cada frase

incompleta elicia a manifestação de conteúdos relacionados a diferentes aspectos desta

problemática.

5º Encontro- Descoberta das profissões 34

A descrição da autora é para trabalho em grupo. No presente processo, foi feita uma

adaptação para trabalho individual.

Consigna: Antes deste encontro, pedir que, em casa, faça uma lista de profissões

universitárias, técnicas e sem requisito. Solicita-se que o orientando escolha, entre as

profissões listadas, aquelas que gostaria de indicar numa folha. As seguintes questões devem

ser comentadas a respeito de cada profissão: o que é? O que faz? Quais as características

31 ( Lima, in Levenfus, 2002) 32 (Soares-Lucchiari, 1993) 33 Baseado no “Teste de Frases Incompletas de Bohoslavsky” (1993), com descrição de Neiva (2002). 34 (Soares-Lucchiari, 1993)

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pessoais do profissional? Adaptação minha: (entregam-se guias do estudante e outros

materiais de informação profissional para que possa fazer uma pesquisa sobre as profissões.)

Pede-se, então, que as profissões sejam reunidas por semelhança em categorias.

Ao final, pede-se que identifique um grupo de profissões que despertou maior

interesse.

Se o trabalho é feito em grupo, há uma discussão sobre o que cada um encontrou e

informações são trocadas entre os integrantes.

Objetivos: permitir um contato com o maior número possível de profissões; ter uma

visão global das profissões; esclarecer semelhanças e diferenças entre as profissões quanto a

fatores como clientela, local de trabalho, horário de trabalho etc. e despertar interesse e

identificações com algumas profissões.

6º Encontro- Interesses, aptidões e traços de personalidade 35

Consigna: entrega-se a cada integrante uma folha contendo uma lista de interesses

(cada um relacionado a uma atividade profissional diferente) e pede-se que assinalem se tem

interesse fraco, médio ou forte em cada um dos itens (por exemplo: decoração de ambientes

de forma criativa, participação em visitas a parques florestais e passeios ecológicos etc.). Em

seguida, entrega-se uma segunda folha, contendo uma lista de aptidões também referentes a

atividades profissionais variadas (por exemplo: capacidade de argumentar e convencer,

capacidade de organizar grupos de viagens e excursões etc.). E a última folha contendo traços

de personalidade (por exemplo: sociabilidade/ desembaraço/ desinibição; capacidade de

perceber e criticar injustiças sociais etc.). Ao terminarem, pede-se que cada participante faça

uma lista do que assinalou como forte e uma lista do que aparece como fraco. Incentiva-se o

orientando a falar sobre cada atividade assinalada e a relacionar as características assinaladas

com determinadas profissões.

Objetivos: explicitar interesses, aptidões e traços de personalidade, auxiliando no

autoconhecimento e na aproximação entre características apresentadas e algumas profissões.

7º Encontro: Genoprofissiograma 36

Pedir que o orientando construa uma árvore genealógica com uma ênfase particular

sobre as profissões das três últimas gerações. Trabalha-se principalmente a dimensão vertical

35 Técnica ministrada por Mariza Tavares Lima na pós-graduação em orientação profissional e de carreira, na Faculdade Estácio de Sá (2005) 36 ( SOARES-LUCHIARI, 1997)

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(pais, avós e bisavós) e a dimensão horizontal (irmãos, primos e tios). Procura-se discutir com

o orientando e responder as seguintes questões.

Conhecendo as profissões familiares das três últimas gerações, podemos

compreender melhor a escolha do jovem?

Como as profissões (e interesses) dos avós e pais influenciam a escolha do jovem?

Qual lugar na filiação a escolha de uma profissão definida vai permitir ao jovem

ocupar?

Como a escolha de uma profissão pode dar ao jovem a possibilidade de se projetar

no presente e no futuro e de se dar um lugar?

Objetivos: investigar a genealogia das profissões familiares a fim de conhecer sua

influência sobre a escolha do jovem e encontrar um sentido para a profissão escolhida ou

auxiliar na escolha do jovem.

8º Encontro: LIP 37

O teste é utilizado de forma psicodinâmica e, não, como uma resposta pronta ao

orientando. Promovem-se um diálogo e uma reflexão entre o jovem e os caminhos sugeridos

pelo teste.

9º Encontro- Psicodrama das profissões38

Consigna: após um aquecimento (em que o jovem caminha pela sala, entrando em

contato com seu corpo, sua respiração, seus pensamentos), pede-se que pense em um número

de duas a quatro profissões desejadas (de interesse). Pensará, então, em cada uma

separadamente: como é o curso universitário (ou tecnológico), as disciplinas, as áreas de

atuação desse profissional e o mercado de trabalho para esta profissão. Em seguida, passará à

dramatização. Com almofadas, ele deverá encontrar um lugar na sala para cada profissão,

considerando também a distância que sente em relação a cada uma delas. Então, aproximar-

se-á de cada uma delas e atuará como um profissional daquela área. Ao terapeuta cabe ir

questionando: "que tipo de profissional você é? Como é o seu trabalho? Com quais

profissionais trabalha? Qual é o lado prazeroso de seu trabalho? E o lado desprazeroso?”

Entre outras perguntas.

Quando tiver dramatizado todas as profissões escolhidas, passa-se ao

37 Levantamento de Interesses Profissionais- Carlos del Nero- ed. Vetor. 38 Técnica ministrada por Maria Inês Tavares Pinto Coelho, no curso de Introdução ao Psicodrama (2001).

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compartilhamento, em que o orientando descreverá sentimentos em relação a cada uma das

profissões (ou de sua atuação como profissional), expressando inclusive onde se sentiu

melhor e se identificou mais.

10º Finalização.

Consigna: pede-se que exponha todo o material produzido, observando e relembrando

tudo que foi trabalhado em cada um. Depois disso, procurar recortes de imagens de revista

que representem o conjunto das atividades desenvolvidas, explicitando descobertas,

sentimentos, reflexões e dúvidas e fazendo um balanço sobre os encontros e o processo de OP

como um todo. As imagens são coladas em uma cartolina.

Objetivo: permitir uma visão ampla e fazer conexão entre as atividades desenvolvidas,

gerando uma síntese e um balanço sobre o desenvolvimento do orientando.

11o Encontro- Encontro com a família

Promove-se um encontro do orientador com o orientando e seus pais, solicitando que

os pais contem um pouco sobre o filho, como o percebem neste momento e relacionem

características pessoais com possibilidades de escolha profissional já levantadas pelo

orientando. Pede-se que os pais contem sobre sua formação profissional e sua relação com o

trabalho. O orientando é incentivado para que conte aos pais sobre o processo desenvolvido e

sobre as reflexões que gostaria de compartilhar com eles. O orientador ainda completa com

informações sobre processo e sobre a evolução do orientando. É importante dizer que em cada

encontro (com famílias diferentes) há um desenrolar, já que estamos falando da singularidade

de sistemas diferentes e da construção que passa a acontecer do encontro da singularidade do

terapeuta com as singularidades dos componentes da família.

Objetivo: incluir os pais na orientação profissional, compreender a dinâmica familiar e

trazer mais dados sobre a escolha do orientando.

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