as feiras em cidades médias da amazônia

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www.simpurb2013.com.br AS FEIRAS EM CIDADES MÉDIAS DA AMAZÔNIA: AS RELAÇÕES DESENHADAS A PARTIR DAS EXPERIÊNCIAS DAS CIDADES DE MARABÁ (PA) E MACAPÁ (AP) 1 . Márcio Douglas Universidade Federal do Pará (UFPA) RESUMO O texto tem como objetivo central analisar a inserção das feiras de Marabá (PA) e Macapá (AP) no circuito espacial de produção. De um lado, procura mostrar que as feiras nestas cidades funcionam como alternativa de abastecimento para parcela significativa da população, ao mesmo tempo em que acompanham a lógica de organização espacial das mesmas; de outro lado, mostra que as feiras produzem uma densa rede de relações entre a cidade e a região, não apenas com sua rede de proximidade territorial, mas também com uma rede de proximidade relativa. A hipótese levantada é a de que não se deve desprezar nas análises geográficas, o papel do circuito inferior da economia urbana na estruturação da cidade e de sua rede de relações, bem como não se deve abrir mão de um olhar para as horizontalidades. Palavras-Chave: Circuito espacial de produção, feiras e cidades médias da Amazônia. Grupo de Trabalho nº 3 Reestruturação urbana, cidades médias e pequenas. Processos espaciais, agentes econômicos e escalas urbano-regionais 1 Este trabalho faz parte do projeto de pesquisa “Metropolização e Cidades Médias na Amazônia: as relações estabelecidas entre Belém e Castanhal”, que recebe apoio do Programa de Apoio ao Doutor Pesquisado (PRODOUTOR-212), da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPESP) da Universidade Federal do Pará (UFPA).

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    AS FEIRAS EM CIDADES MDIAS DA AMAZNIA: AS

    RELAES DESENHADAS A PARTIR DAS EXPERINCIAS DAS

    CIDADES DE MARAB (PA) E MACAP (AP)1.

    Mrcio Douglas

    Universidade Federal do Par (UFPA)

    RESUMO

    O texto tem como objetivo central analisar a insero das feiras de Marab (PA)

    e Macap (AP) no circuito espacial de produo. De um lado, procura mostrar que as

    feiras nestas cidades funcionam como alternativa de abastecimento para parcela

    significativa da populao, ao mesmo tempo em que acompanham a lgica de

    organizao espacial das mesmas; de outro lado, mostra que as feiras produzem uma

    densa rede de relaes entre a cidade e a regio, no apenas com sua rede de

    proximidade territorial, mas tambm com uma rede de proximidade relativa. A hiptese

    levantada a de que no se deve desprezar nas anlises geogrficas, o papel do circuito

    inferior da economia urbana na estruturao da cidade e de sua rede de relaes, bem

    como no se deve abrir mo de um olhar para as horizontalidades.

    Palavras-Chave: Circuito espacial de produo, feiras e cidades mdias da Amaznia.

    Grupo de Trabalho n 3

    Reestruturao urbana, cidades mdias e pequenas. Processos espaciais, agentes

    econmicos e escalas urbano-regionais

    1 Este trabalho faz parte do projeto de pesquisa Metropolizao e Cidades Mdias na Amaznia: as relaes estabelecidas entre Belm e Castanhal, que recebe apoio do Programa de Apoio ao Doutor

    Pesquisado (PRODOUTOR-212), da Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-Graduao (PROPESP) da

    Universidade Federal do Par (UFPA).

  • 2

    Introduo

    Um elemento importante para se pensar as cidades na Amaznia e que tem sido

    subvalorizado ou mesmo negligenciado na grande maioria das pesquisas referentes

    temtica, o mercado informal de trabalho, que aqui ser entendido de forma mais

    complexa e ampla por meio da discusso do circuito inferior da economia urbana

    (SANTOS, 2003)2.

    Trabalhar nessa perspectiva do circuito inferior da economia urbana significa

    acreditar que a cidade e o territrio usado no se explicam somente por uma diviso

    territorial do trabalho hegemnica, marcado tambm pela presena de um sistema

    tcnico hegemnico que domina os fluxos do circuito superior sob o discurso do

    crescimento e da segurana. Trata-se de apontar que no h uma nica diviso do

    trabalho na cidade, mas sim que existem sobreposies de capital, tecnologia e

    organizao. Do mesmo modo, busca-se fazer uma interpretao que valorize a cidade

    da perspectiva do espao banal, no somente como condio de produo e reproduo

    econmica, mas tambm como condio de existncia (SILVEIRA, 2012; SANTOS,

    2003).

    Machado (1999), ao abordar em seu texto as tendncias da urbanizao e do

    mercado de trabalho na Amaznia, mostra que, ao contrrio do que se imagina, a

    proporo de empregos informais maior nas pequenas cidades do que nas maiores, o

    que est relacionado, na sua interpretao, ao fato de que uma das caractersticas

    principais daquilo que defini como sendo capitalismo de fundo de quintal, a fuga

    das obrigaes trabalhistas, o que tem diminudo nas maiores cidades em funo do

    maior controle na aplicao da legislao trabalhista, da maior competio por

    trabalhadores qualificados e da maior participao do emprego pblico. Tambm Castro

    (2008) chama a ateno para esse aspecto das cidades da Amaznia apresentarem

    precariedade quanto ao mercado de trabalho, afirmando que nas metrpoles e nas cidade

    mdias o trabalho assalariado vem obtendo maior crescimento, porm nas pequenas

    ainda se verifica um mercado de trabalho assalariado em formao. Deve-se ressaltar,

    2 A preocupao em trabalhar o tema dessa perspectiva dos circuitos espaciais a de no cair numa

    abordagem dualista da questo, desconsiderando a verdadeira totalidade explicativa que o territrio

    nacional e sua forma de uso, bem como suas mediaes, a formao socioespacial e a incorporao

    desigual das variveis do perodo nos territrios e nas cidades (SILVEIRA, 2008).

  • 3

    porm, que diferente da explicao dada por Machado (1999) para a presena desse

    mercado informal de trabalho, Castro (2008) afirma que:

    Uma boa parte da populao que vive nas cidades da Amaznia mantm processos de trabalho que decorrem de usos da floresta com expressivo nmero de produtos transformados pelo trabalho com a madeira, frutas, ervas e sementes. Outras formas de trabalho ocupam pessoas na pesca marinha e fluvial, ou ainda em artesanato que serve ao comrcio nas cidades uso talvez mais generalizado mas

    tambm aos rituais e festas, as trocas simblicas entre comunidades, cidades e parentela distante (...) Muitos trabalhadores que associam sistemas agroflorestais extrativismo e agricultura dependem tambm da biodiversidade da floresta na realizao do trabalho e na continuidade de sistemas tradicionais de uso da terra (CASTRO, 2008, p. 35).

    Mesmo o trabalho de Trindade Jr. e Pereira (2007), que em determinado

    momento faz aluso ao fato de que as cidades mdias da Amaznia tendem a

    acompanhar a baixa qualidade de vida e a pobreza urbana presentes nas metrpoles

    brasileiras, diferenciando-se, portanto, da realidade das cidades mdias do Centro-Sul

    do pas que demandam trabalho qualificado e abriga populao de classe mdia, no

    consegue avanar no entendimento do papel do circuito inferior na estruturao das

    dinmicas urbano-regionais da regio.

    Na realidade estudada, esse circuito inferior da economia muito intenso tanto

    na organizao da relao da cidade com a regio, quanto no suprimento de demandas

    da populao mais carente da cidade e da estruturao interna das mesmas. Ressalte-se

    ainda que o entendimento do papel do circuito inferior permite explicar,

    alternativamente, a permanncia de redes urbanas mesmo em condies adversas de

    carncia de infraestrutura no setor de transporte e a grande proporo de pessoas

    desprovida de recursos materiais e educacionais, como destacam Sathler, Monte-Mr e

    Carvalho (2009) ser a condio da Amaznia.

    1. Distribuio espacial das feiras nas cidades de Marab (PA) e Macap (AP).

    Um primeiro aspecto a ser discutido no texto refere-se distribuio espacial das

    feiras no contexto das cidades mdias analisadas. A inteno mostrar a importncia

  • 4

    desta atividade para cidade a partir da sua localizao em relao organizao da

    cidade como um todo.

    Ao se observar a cidade de Marab verificou-se que as feiras esto distribudas

    quase que equitativamente em todos os ncleos principais da cidade, embora na Marab

    Pioneira essa densidade seja um pouco mais expressiva, com a presena de quatro, dos

    nove empreendimentos identificados (quadro 01). Essa localizao das feiras refora a

    importncia que este tipo de atividade ainda desempenha no abastecimento da

    populao da cidade, bem como reproduz o mesmo padro encontrado para as

    atividades mais gerais de comrcio e servios (AMARAL, 2011).

    IDENTIFICAO LOCALIZAO NCLEO TIPO SITUAO ORGANIZAES

    FEIRA DA VELHA

    MARAB

    Rua Getlio

    Vargas

    Marab

    Pioneira

    Feira livre

    + camels Regular

    Associao dos

    Ambulantes de Marab

    FEIRA DA 28 Folha 28 Nova Marab Feira Regular

    Associao da Folha 28

    Sindicato da Folha 28

    COMRCIO DE RUA DA

    CAIXA ECONMICA Rua 5 de Abril

    Marab

    Pioneira Camels Irregular -

    COMRCIO DE RUA

    DA PRAA SO

    FRANCISCO

    Praa So

    Francisco Cidade Nova Camels

    Parcialmente

    Regular -

    FEIRA COBERTA DA

    LARANJEIRA Cidade Nova Feira Regular

    Associao da Feira da

    Laranjeira

    COMRCIO DE RUA DO

    BANCO DO BRASIL

    Folha 32, Quadra 06

    Nova Marab Camels Parcialmente

    Regular -

    ORLA SEBASTIO

    MIRANDA

    Av. Sebastio Miranda

    Marab Pioneira

    Camels Irregular -

    FEIRA DO AGRICULTOR Rua 7 de Junho Marab

    Pioneira Feira Regular -

    FEIRA MIGUEL

    PERNAMBUCO

    PA 150 com

    Transamaznica

    (Km 6)

    Nova Marab Feira Regular -

    Fonte: Trindade Jr et ali (2010).

    Em Macap a distribuio das feiras no interior da cidade (mapa 1) apresenta um

    padro bem semelhante ao encontrado em Marab, embora a primeira cidade tenha uma

    organizao espacial marcada pelo forte peso de uma rea principal de comercio e

    servios (monocentralidade). De modo genrico, pode-se dizer que a distribuio

    espacial das feiras acompanha a estruturao dos ncleos da cidade, destacando-se uma

    maior densidade de feiras na poro mais central da cidade e, de modo menos denso,

    nas chamadas zonas norte e sul da cidade.

  • 5

    Concretamente, pode-se dizer que a feira do Jardim Felicidade e a do Pacoval

    atendem em grande medida, a populao mais da zona norte da cidade; a feira do

    Perptuo Socorro junto com a feira do Buritizal (numa ponta e noutra) parte do arco que

    contorna o centro da cidade, atendendo a populao tanto do bairro central quanto desse

    arco e da zona sul; a feira de Santana, conhecida pela populao local como feira do

    mete a mo, atende mais a populao desse municpio. Como disse o coordenador da

    feira do Jardim Felicidade, existe uma preocupao em se distribuir, equitativamente, s

    feiras no interior da cidade.

    (...) tem, como eu te falei, antigamente a gente tinha a feira do produtor do Pacoval, de abastecimento, e a cidade cresceu, tnhamos que fazer outra feira aqui, pra atender os moradores aqui do bairro do Jardim, Jardim I, Jardim II, o Infraero e tambm o Novo Horizonte, por causa da distancia que os consumidores iam comprar os produtos

    l na feira do Pacoval, como a feira do Buritizal estava bastante longe, pra que eles fossem comprar l, foi feito aqui, e o ponto estratgico, por que tinha um terreno, o governo conseguiu pra Secretaria de Agricultura (Benedito Barbosa Cruz, Coordenador da Feira do

    Mapa 01: Circuito inferior da economia urbana de Macap

    Fonte: Trabalho de campo, 2010.

  • 6

    Produtor Rural do Jardim Felicidade, entrevista realizada em 17 de maro de 2010).

    Nas cidades mdias analisadas as feiras e sua distribuio no interior da cidade,

    ajudam a entender mais de perto a economia poltica da cidade, isto , a forma como a

    cidade se organiza em face da produo e como os diversos atores da vida urbana

    encontram seu lugar dentro da cidade (SANTOS, 2009). A diferena, porm, que se

    quer destacar, neste texto, refere-se ao fato de que essa materialidade que se organiza

    em face da produo, no definida e/ou determinada apenas pelo circuito superior,

    mas tambm pelo circuito inferior da economia. Deste modo, deve-se considerar no

    somente os agentes hegemnicos no meio construdo, bem como a diviso do trabalho

    hegemnica por eles produzida. preciso ressaltar que os agentes do circuito inferior,

    em geral, utilizando mo-de-obra intensiva, tendo forte escassez de capital e baixo nvel

    de organizao da produo, tambm contribuem para a produo da cidade e de suas

    relaes socioespaciais.

    2. As feiras e a centralidade urbana das cidades de Marab (PA) e Macap (AP)

    As feiras de Marab (mapa 02) por condensarem tanto relaes da cidade com o

    campo (os assentamentos rurais), quanto da cidade com a dinmica regional e extra-

    regional, permitem que se anlise os relacionamentos por ela construda. No que se

    refere s relaes com o campo, por meio dos assentamentos rurais, pode-se afirma que

    as feiras no apenas abastecem a cidade com produtos agrcolas, mas tambm que elas

    ajudam a construir uma alternativa de sobrevivncia, fora da lgica do mercado formal,

    para um grande nmero de pessoas, cujos destinos passam a ser auto-definidos

    (autnomos), sem a mediao de uma empresa, sem aquele processo tradicional

    capitalista de subordinao formal ao mercado.

  • 7

    Em entrevista realizada com os trabalhadores de rua das feiras da Marab

    Pioneira, da Folha 28 (Nova Marab) e da Laranjeira (Cidade Nova), foi possvel

    identificar as principais rotas por eles construdas para aquisio de seus produtos e os

    meios utilizados para faz-los chegar at Marab. Em geral, os produtos, principalmente

    roupas, calados e eletrnicos, so comprados nas cidades de Fortaleza (CE), de Santa

    Cruz do Capibaribe (PE), de Goinia (GO), de So Paulo (SP) e, tambm, do Paraguai.

    Essas viagens so realizadas, semanalmente, atravs do que eles denominam de

    excurses, que so organizadas tanto por empresas de turismo locais, quanto por

    particulares que no tm formalidade ou regularidade empresarial. Para ter uma viso

    dessa dinmica de aquisio dos produtos do circuito inferior, por meio das excurses

    peridicas, pode-se citar a descrio feita pelo feirante Daniel Vilarense, que diz:

    Goinia, Santa Cruz, e Pernambuco tambm a gente compra bastante,

    tem uma excurso que sai semanalmente pra l, a maioria compra l. Faz uma escala, passa em Fortaleza, e vai at Santa Cruz em Pernambuco. [M: A como , sai o nibus com as pessoas?] , a maioria viaja de excurso, ele sai hoje a tarde, no sbado sai vrias excurses aqui de Marab. Sai daqui no Sbado, chega amanh a noite

    Mapa 02: Distribuio espacial das feiras em Marab (PA).

  • 8

    em Fortaleza e dorme l. Na segunda a gente compra em Fortaleza, a quando chega a tardinha a gente segue viagem pro Pernambuco. A quando d tera-feira de manh a gente ta em Pernambuco, l em Santa Cruz do Capibaribe, que a cidade das confeces no Brasil, n? A gente compra na tera e na mesma noite j ta retornando (Daniel Vilarense, proprietrio de barraca na Feira da Getlio Vargas,

    entrevista realizada em 29/01/2010).

    Segundo o informante essa dinmica muito comum no sudeste paraense, pois

    alm de Marab existem outras cidades que participam desse circuito, podendo-se citar

    Bom Jesus do Tocantins, Parauapebas, Rondon do Par e Abel Figueiredo etc. Essa

    informao da presena semanal de excurses para aquisio de produtos para

    comercializar nas feiras foi confirmada na entrevista realizada com duas feirantes, que

    preferem ser identificadas simplesmente como Dona Deusa e Dona Santa, da Feira das

    Laranjeiras.

    O feirante Daniel Vilarense informou ainda que nessas viagens que partem de

    Marab tem a presena de feirantes de toda a cidade, mas tambm de Itupiranga,

    municpio vizinho. Ele conseguiu indicar trs excurses que acontecem semanalmente,

    a excurso da Dona Le, do Z Maria e da Mariazinha. Alm dessas, as informantes da

    Feira das Laranjeiras indicaram, ainda, a realizada por Irene e por Jarletour [nenhum

    dos informantes sabe precisar o nome completo dessas pessoas que organizam as

    excurses].

    Ao ser questionado sobre quem so os principais consumidores de seus

    produtos, o informante indicou pessoas de todos os bairros da cidade, mas tambm dos

    municpios do entorno de Marab. Afirma que seus produtos tm a mesma qualidade

    daqueles que so comercializados em empreendimentos formais, mas destaca como seu

    diferencial o preo cobrado nas mercadorias. Como informou:

    Aqui a gama muito grande, ela abrange muitos bairros da cidade, n, e o municpios vizinhos. Itupiranga, Brejo do Meio, esses municpios vizinhos aqui quase todos a gente t atendendo. Tambm porque ns temos uma mercadoria hoje de qualidade. A nossa mercadoria compatvel com a da loja. Inclusive talvez a nossa mercadoria seja muito melhor do que muitas lojas. Hoje ns trabalhamos com

    mercadoria de Fortaleza, de Goinia. Se voc chegar aqui pra pegar uma pecinha popular de um real voc no consegue, por qu? Porque se trabalha com mercadoria de qualidade. Por exemplo, a gente trabalha com material esportivo, as camisas que tu acha aqui comigo, tu acha (...) na L calado, o mesminho. A diferena de preo. Eu

  • 9

    trabalho com a margem de lucro pequena e eles trabalham com a margem de lucro bem maior.

    Na Feira das Laranjeiras os entrevistados acrescentaram como consumidores

    potenciais e reais de seus produtos, os agricultores que vm toda semana cidade trazer

    seus produtos para serem comercializados nas diferentes feiras da cidade. A presena

    desse tipo de consumidor na feira em questo est associada presena de um terminal

    rodovirio utilizado para o transporte alternativo cooperativas - para os assentamentos

    e povoados da zona rural da cidade e do entorno.

    Como se nota nas entrevistas gravadas, nas observaes empricas e nos

    dilogos informais mantidos com feirantes e frequentadores desses espaos, os produtos

    agrcolas comercializados so em parte provenientes de reas rurais do prprio

    municpio, principalmente assentamentos rurais e vazantes3, e, em parte, obtidos em

    reas rurais de outros municpios da regio e de fora dela. muito comum se encontrar

    caminhes, os chamados caminhes verdureiros, nos arredores das feiras, com

    produtos de reas distantes (Gois, Rio Grande do Norte, Paran etc.). Tambm

    recorrente encontrar nas feiras, grupos de feirantes que se organizam para comprar

    produtos de reas mais distantes da cidade, conforme se pde verificar na Feira da Folha

    28, na Nova Marab, em que alguns feirantes se deslocam at o Municpio de

    Castanhal, no nordeste do Estado do Par, para comprar farinha periodicamente.

    Alm do que j foi apresentado, deseja-se enfatizar que algumas feiras da cidade

    de Marab apresentam-se como alternativa, de iniciativa dos prprios trabalhadores,

    para fazer com que a produo possa chegar cidade sem o controle dos atravessadores

    que, historicamente, dominaram a circulao dentro da regio. Nesse processo de

    circulao fundamental a ao do transporte alternativo, especialmente, aqueles que

    associam a circulao de pessoas de produtos agrcolas das agrovilas e assentamentos

    rurais at a cidade.

    Para ter uma noo mais precisa desse tipo de fluxo, principalmente de pessoas, e

    de sua intensidade entre Marab e as diversas cidades da regio e revelar a importncia

    3 interessante notar que no perodo de menor incidncia de chuvas na regio, principalmente quando as

    guas do rio Tocantins e do Itacainas diminuem seu volume, uma produo proveniente das chamadas

    reas de vazantes comea a abastecer as feiras da cidade com produtos como mandioca, milho e feijo,

    plantados em reas que no perodo das cheias estavam cobertas pelas guas dos rios.

  • 10

    que a cidade cumpre na oferta de atividades de comrcio e de servios, principalmente,

    os mais especializados que no so encontrados nas pequenas cidades, so 22 (vinte e

    duas) cooperativas de micro-nibus e vans presentes nos terminais da cidade,

    principalmente no terminal do KM-064, que realiza viagens dirias para as mais diversas

    cidades do sul e do sudeste paraense.

    Os dados obtidos junto a essas cooperativas e Agncia de Regulao de Servio

    Pblico do Estado do Par (ARCON-PA), em Marab, mostram que a maior parte dos

    trajetos tem como destino cidades que, em geral, localizam-se a uma distncia mxima

    de 300 km da cidade de partida5. Para ultrapassar esse limite, como no caso de viagens

    realizadas diariamente entre Marab e Imperatriz (MA), as cooperativas estabelecem

    parcerias com outras cooperativas que atuam nessa cidade mdia, de modo que o

    passageiro viaja at a cidade de Dom Eliseu (Km-0 da BR-222), e desta, em outro

    micro-nibus/van, chega at seu destino final, Imperatriz (MA) ou outras cidades de sua

    rea de influncia imediata.

    Alm dessas viagens entre as cidades em que grande parte dos passageiros so

    de pessoas que vivem em reas rurais (assentamentos, fazendas, vilas etc.) ao longo das

    rodovias principais que convergem para Marab6, existem ainda aquelas cooperativas

    que fazem viagens diretamente para essas reas rurais (Ex. Terminal das Laranjeiras

    Cidade Nova), como o caso da COOPERVAMI, que tem como destinos vilas e/ou

    assentamentos, definindo duas rotas principais: rota 1 (Santa F, Trs Poderes,

    4 Esse terminal surgiu no final da dcada de 1970 a partir dos fluxos existentes no entroncamento da PA-

    150 com a Transamaznica (Km. 6) devido forte relao da cidade de Marab com os municpios e

    localidades do entorno. Com o tempo, notadamente com a alta produo de ouro em Serra Pelada (dcada

    de 1980), o Km-06 foi-se consolidando como ponto de comrcio informal e como terminal de transportes

    improvisado que, em alguns momentos, chegou a ser mais dinmico que o terminal rodovirio oficial.

    Essa intensidade de fluxos, induziu desde o seu incio formao de uma feira no entorno e de uma

    espcie de sub-centro de atividades, principalmente no regularizadas, que davam apoio a esse intenso

    fluxo, como dormitrios, pequenos hotis, restaurantes, mercearias, barracas de feira, que vendiam os mais diversos produtos, dentre outras. A precariedade da feira e das instalaes comerciais e de servios

    ligadas ao terminal rodovirio improvisado, levaram o poder pblico municipal a conceber, em 1998, uma

    interveno urbanstica na rea, inaugurando, mais tarde (no ano 2000), o Terminal e Feira Miguel

    Pernambuco, que permanece at hoje como o segundo terminal rodovirio urbano de Marab, tornando-

    se, igualmente, uma das mais importantes feiras da cidade (ALMEIDA, 2002).

    5 Os mesmos dados mostram que so mais de 35 (trinta e cinco) cidades e vilas que so conectadas a

    Marab por esse tipo de servio.

    6 importante relembrar que Marab se encontra no entroncamento das rodovias Br-222, que liga essa

    cidade Br-010 (Belm-Braslia), e da PA-150, que, partindo de Belm, chega at os limites com o

    Estado de Tocantins, e da Transamaznica, que articula a cidade com o Nordeste, de um lado, e com o

    sudoeste do Estado do Par, de outro.

  • 11

    Panelinha, Capistrano de Abreu, Cruzeiro do Sul, Cupu, Bandeirante, Plano Dourado,

    Vila Seca); rota 2 (Unio, Piarreira, Capota, Brejo do Meio, Bode, Surubim, Alto

    Bonito, Barro vermelho, So Joo, Cinzeiro, Conquista). De acordo com informaes

    obtidas junto a essa empresa, possvel afirmar que nessas viagens existe, ao mesmo

    tempo, o transporte de pessoas (realizado em vans e micronibus, em geral, bem mais

    precrios do que aqueles que fazem viagens com destino s cidades da regio), e o

    transporte dos produtos agrcolas (realizado em caminhes e nibus antigos e precrios).

    Em Macap as feiras tambm, a exemplo de Marab (PA), mantm relaes

    tanto com o campo dentro do prprio estado do Amap, quanto em reas da Ilha do

    Maraj e do Baixo Amazonas quanto com a regio e outras pores do territrio

    nacional, em que Belm, via sua central de abastecimento (Ceasa), se destaca no papel

    de intermediador de fluxos.

    As feiras que mais promovem essa interao de Macap com a rede de

    proximidade territorial so aquelas voltadas ao comrcio de produtos agrcolas

    produzidos no prprio Estado do Amap, tais como, as feiras do Jardim Felicidade e do

    Buritizal; bem como aquelas devotadas comercializao de madeira, em geral

    proveniente da Ilha do Maraj, a exemplo das feiras das margens de igaraps (Canal do

    Jandi, Pedrinhas e Boieiro), e pescado, principalmente provenientes da costa do

    prprio Amap e/ou do Par, tais como, as feiras do Igarap das Mulheres e da Rampa

    da Santa Ins.

    Conforme dito, anteriormente, as atividades comerciais desenvolvidas nas

    margens de igaraps, como por exemplo, o comrcio de madeira, o comrcio de pescado

    e de produtos agrcolas desenvolvidos nas ilhas, cidades e povoados ribeirinhos, ajudam

    a desenhar a rede de proximidade territorial de Macap. O comrcio de madeira

    realizado em trs reas (o Canal do Jandi, o igarap das Pedrinhas e o Igarap do

    Boieiro). No trabalho de campo, as trs reas foram registradas, sendo possvel realizar

    diversas entrevistas nas mesmas. Pde-se constatar que a madeira que comercializada

    nessas reas, ou seja, nas aproximadamente 120 instncias7 a existentes, provm das

    cidades da mesorregio da Ilha do Maraj (Breves, Afu, Chaves e Gurup). De acordo

    7 Instncias so pequenos comrcios em que se vende madeira, mas tambm tijolo, telha, areia, seixo etc.

    uma rea que comercializa material para construo.

  • 12

    com os entrevistados, a madeira chega at eles por meio de atravessadores, que possuem

    embarcaes e viajam por essas cidades do interior em busca dessa mercadoria. Como

    disse Odair Jos Moraes Costa, Conselheiro Fiscal da Cooperativa do Canal do Jandi e

    proprietrio de instncia:

    Essa madeira produzida no municpio de Breves, tem madeira que produzida no municpio de Afu, no municpio de Gurup. Como daqui, tm muitas daqui que vo comprar, uns tem serraria que trazem de l, chega aqui a gente j negocia com esse pessoal, muito difcil quem tenha propriedade e serraria no interior.

    (...) a gente tem o fornecedor da gente que compra daqui pr l, tem um pessoal que vai daqui e negocia l e renegocia com a gente aqui. A

    gente no tem tempo de ir La comprar. (Entrevista realizada em 20 de maro de 2010).

    Conforme fica evidente na fala de Odair Jos Moraes Costa e da maior parte dos

    entrevistados, em sua atividade a presena do atravessador uma constante. Para eles a

    ao desse agente ajuda no desenvolvimento de sua atividade, pois o mesmo traz e

    entrega a madeira na porta de sua instncia, o que torna estratgico sua localizao s

    margens de igaraps, pois assim no tem custos com transporte do porto at o seu

    estabelecimento. A esse respeito o senhor Raimundo Leo Pereira, proprietrio de

    instncia no Igarap das Pedrinhas (entrevista realizada em 20 de maro de 2010),

    informou que muito comum os ribeirinhos trazerem a madeira pela manh, entregarem

    em sua porta, deixarem a canoa ou barcos estacionado e, logo em seguida, irem comprar

    mantimentos que sero levados para suas paragens , seus locais de moradia.

    importante ressaltar que essas dinmicas apesar de no aparecerem nas

    estatsticas produzidas pelos rgos de pesquisa institucionalizados, tm papel

    fundamental na vida de muitas famlias e se relaciona diretamente com a produo da

    cidade e com as atividades econmicas ditas formais, uma vez que essa produo toda

    comercializada com lojas de materiais de construo, com construtoras de imveis e

    com pessoas que individualmente estejam construindo sua moradia. Segundo os

    informantes, a comercializao comea desde as sete da manh e vai at as dezenove,

    vinte horas sem fechar para almoo. Por mais que as lojas de materiais de construo e

    as construtoras de imveis comprem parte de sua produo, no resta dvida de que

    seus principais consumidores so a prpria populao que est construindo

    individualmente, o que no pouco considerando que, em 2000, 19% de toda a

  • 13

    populao de Macap vivia em reas de ressacas, reas cujas residncias so

    totalmente de madeira, inclusive, o piso e as pontes que lhes do acesso, que com a ao

    das enchentes e o regime de chuvas que atingem essas residncias, precisam

    constantemente de manuteno.

    Ainda discutindo o comrcio realizado nas margens de igaraps pode-se destacar

    quatro reas importantes de comercializao de pescado: o Igarap das Mulheres, a

    Rampa do Santa Ins, o Igarap das Pedrinhas e o Igarap da Fortaleza, embora este no

    esteja plotado no mapa 01.

    De acordo com o senhor Raimundo Mota, o Daia, comerciante do Igarap das

    Mulheres e durante muitos anos Presidente da Associao dessa rea (entrevistado em

    21 de maro de 2010), esses espaos, principalmente o que trabalha, funcionam como

    um segundo Ver-o-Peso. Das ilhas do entorno da cidade de Macap vem o peixe e o

    aa que so entregues ao atravessador que realiza a sua comercializao diretamente

    nas barracas da feira; da Ilha do Maraj e de Belm vm principalmente farinha, mas

    tambm verduras e frutas, que abastecem as redes de supermercados, os mini-box e

    feiras do interior da cidade de Macap.

    Para finalizar a discusso das feiras que desenham redes de proximidade

    territorial, resta falar das feiras dos produtores rurais do Amap. Neste sentido, foi

    possvel identificar cinco dessas reas, a Feira Livre do Pacoval, a Feira do bairro

    Perptuo Socorro, a Feira do Buritizal, a Feira do Produtor Rural do bairro Jardim

    Felicidade e a Feira do Mete a Mo, em Santana. No que se refere s feiras em questo,

    pode-se afirmar que suas relaes so horizontais, servem para reforar o papel de

    centralidade exercido por Macap em seu Estado, mas tambm permite desmistificar a

    ideia de que no se produz absolutamente nada no estado, como graa em vrios

    discursos do senso comum da cidade.

    Com exceo das feiras do Pacoval e do Perptuo Socorro, que so consideradas

    feiras livres, todas as demais funcionam sob a gerncia do governo do Estado do

    Amap, que colocou em cada uma delas um representante, que trabalha na funo de

    coordenador das atividades nelas desenvolvidas. De acordo com um desses

    coordenadores, o senhor Adelson Carlos Corra, da feira do Buritizal, existem 324

  • 14

    comunidades atuando nas quatro feiras indicadas, por mais que a do Pacoval seja

    considerada livre, o governo tem nela o seu espao.

    A feira tem a funo de comercializao desses produtos que os agricultores, de produo familiar, no pra suportar produo de grande porte, uma agricultura familiar, hoje ns temos um entrave entre agricultura familiar e o pessoal que j tem uma produo maior, hoje ns trabalhamos com 324 comunidades, dentro das feiras, onde essas comunidades trabalham em carter de rodzio, ns trabalhamos

    com a feira do Jardim, do Pacoval, de Santana e feira do Buritizal, quatro feiras, s que hoje a feira do Pacoval uma feira livre, onde os prprios empreendedores que so chamados de atravessado (Adelson Carlos Corra, Coordenador da Feira do Buritizal, entrevista realizada em 16 de Maro de 2010).

    A produo dessas feiras so em sua maior parte frutas, verduras e,

    principalmente, farinha, que o produto mais comercializado em todas as feiras do

    produtor. Para que essa produo possa chegar cidade, disponibilizado um caminho

    que transporta a produo em dias especficos da semana e, junto com ele, um nibus

    para o transporte das pessoas8, como informou o senhor Benedito Barbosa Cruz:

    No, a prefeitura no tem um nibus deles, como eu falei o transporte da mercadoria, o governo tem uns caminhes que so alugados pra secretaria de agricultura, e que faz o transporte da mercadoria, ele vai, na segunda, pras comunidades pro interiores, e na tera feira eles retornam j com a produo dos agricultores, isso no tem nenhum custo pro agricultor, j na tera feira quando eles vem, la dos

    interiores pra c pra cidade, ele vem num nibus, que um nibus destacado pra trazer eles, mas ai eles pagam a passagem no nibus, um nibus de pessoas particulares que fazem esse servio de transporte pra eles (Benedito Barbosa Cruz, Coordenador da Feira do Produtor Rural do Jardim Felicidade, entrevista realizada em 17 de maro de 2010).

    importante ressaltar que existem agricultores familiares que conseguiram um

    nvel de produo alta, considerando os padres desse tipo de agricultura, inclusive,

    passando a comercializar mais regularmente com proprietrios de supermercados e

    mercearias da cidade. A dificuldade, contudo, que eles tm que enfrentar o transporte,

    pois no h como trazer toda essa produo no caminho da comunidade, como se pode

    verificar em diversas feiras da cidade. Como disse Adelson Carlos Corra, existem

    casos em que outros produtores no tm muita mercadoria para trazer, o que torna

    8 No trabalho de campo procurou-se constatar com feirantes e com os motoristas de nibus e caminho

    que fazem esse translado a veracidade da informao fornecida pelos coordenadores das feiras.

  • 15

    possvel que aqueles que produziram mais tenham o direito de colocar sua produo no

    caminho, do contrrio eles tem que direcionar parte dos recursos da produo para o

    pagamento de transporte particular, o que acaba onerando os custos de produo do

    produto.

    Um ltimo tipo de feira existente em Macap so aquelas localizadas nas ruas do

    seu bairro central. A coleta de dados desta pesquisa junto ao comrcio de rua (camels),

    foi realizada na rea do entorno do mercado municipal da cidade, devido a importncia

    que tem em termos de quantidade e concentrao desse tipo de atividade. Nessa rea se

    comercializa principalmente confeces e calados, cuja origem pde-se identificar:

    Fortaleza, Caruaru, Pernambuco, So Paulo, Santa Catarina, Goinia. A presena desses

    fornecedores apareceu em diferentes entrevistas gravadas e em dilogos mais pontuais.

    Sobre isto assim se posicionou um proprietrio de barraca:

    Nordeste, sul do pas, sudeste, centro-oeste. [P: Sabe dizer, assim, quais so as cidades que so comprados?] R: Fortaleza, Caruaru, Pernambuco, So Paulo, Santa Catarina, Goinia. [P: Desses a qual o melhor?] R: Eu particularmente trabalho mais com so Paulo, Fortaleza e Santa Catarina, que material esportivo, So Paulo, confeces em geral, Fortaleza tambm, eu trabalho mais Fortaleza (Proprietrio de barraca da feira do mercado municipal, entrevista realizada em 21 de maro de 2010).

    O caminho seguido pelas mercadorias por eles comercializadas, em geral, o

    mesmo de todas as outras, vem de caminho da transportadora at Belm, depois

    embarcada na balsa e/ou no barco, para poder descarregar em Macap. Alm dessa

    forma, foi possvel identificar o uso do transporte areo, para o transporte de pequena

    quantidade de mercadoria, e o uso do carro prprio caminhonete, pick-ups para

    compras realizadas em diferentes lugares, principalmente quando se est falando do

    nordeste.

    s que demora de oito a dez dias, vindo de Fortaleza, porque eles vm parando at encher a carreta. Para em So Lus, para em Belm, at despachar, ir pra balsa, da balsa pra c de dois e meio a trs dias, ela vem carregada, muito lenta, vem bem devagar, vem cheia de carreta dentro, ba fechado, ela vem muito lenta, vem quase

    encostando na gua, vem mais ou menos um palmo da maresia, ela vem bem devagar, vem dois dias e meio de Belm pra c. de 7, 8 a 10 dias no mximo, se tiver imprevisto 10 dias, a chega a tem a fiscalizao, passa mais um dia pra liberar, igual exportao, uma exportadora dessa, vamos dizer, faz um pedido da Premier, de 30 a 40 dia (sic), e pagamento a vista, transportam num container

  • 16

    fechado de l, passa pela Alfndega, para aqui na receita federal (Proprietrio de barraca da feira do mercado municipal, entrevista realizada em 21 de maro de 2010).

    De forma geral, pode-se dizer que a experincia das feiras de Marab (PA) e

    Macap (AP), contribui para ampliar ainda mais o debate tanto do circuito inferior da

    economia urbana, quanto da abordagem das horizontalidades de Santos (1999; 2003). A

    respeito deste ltimo, Santos (1999, p. 225) ressalta que o espao composto tambm

    por (...) extenses formadas de pontos que se agregam sem descontinuidade, como na

    definio tradicional de regio. Por mais que na atualidade os espaos da

    racionalidade nos afastem das solidariedades orgnicas, prprias da definio clssica

    do fenmeno regional, e nos imponham arranjos organizacionais, baseadas em lgicas,

    tambm, organizacionais e definidas distncia, no se pode negar o peso da

    diversidade socioespacial presente nas cidades e nas regies, como aquelas aqui

    estudadas.

    3. A feira como expresso da diversidade socioespacial das cidades mdias da Amaznia

    Ao tratar dos espaos da racionalidade, Santos (1999) afirma que a caminhada

    do processo de racionalizao, depois de ter alcanado a economia, a cultura, a poltica,

    as relaes interpessoais e os comportamentos individuais, atinge no fim do sculo XX,

    os meios de vida dos homens (o meio geogrfico). Neste sentido, aponta que uma nova

    relao entre regies, mediada pelo novo contedo da racionalidade, cuja centralidade

    depende da cincia, da tecnologia e da informao, mas que tambm encontra limites a

    sua realizao na medida em que esse processo no se d de forma homognea e total,

    existindo zonas onde ela menor ou mesmo inexistente, o que permite outras formas de

    expresso com uma lgica peculiar. Como assegura o autor:

    Ante a racionalidade dominante, desejosa de tudo conquistar, pode-se,

    de um ponto de vista dos atores no beneficiados, falar da irracionalidade, isto , de produo deliberada de situaes no-razoveis. Objetivamente, pode-se dizer tambm que, a partir dessa racionalidade hegemnica, instalam-se paralelamente contra-racionalidades.

    Essas contra-racionalidades se localizam, de um ponto de vista social, entre os pobres, os migrantes, os excludos, as minorias; de um ponto

  • 17

    de vista econmico, entre as atividades marginais, tradicional ou recentemente marginalizadas; e, de um ponto de vista geogrfico, nas reas menos modernas e mais opacas, tornadas irracionais para usos hegemnicos (SANTOS, 1999, p. 246).

    Pensar as feiras como espaos contra-racionais no quer dizer apenas que elas

    esto localizadas em espaos pouco modernos do territrio, mas tambm que elas

    representam a diversidade socioespacial, sugerida por Santos (1999). Deve-se deixar

    claro que no se trata aqui da diversidade territorial proposta por Haesbaert (1999), que

    envolve diferenas de grau/intensidade (desigualdade) e diferenas de natureza

    (diferena), e que em certo sentido permitiu a Trindade Jr. (2011) pensar numa

    urbanodiversidade para a Amaznia, mas simplesmente de um olhar que busca capturar

    as feiras como espaos alternativos a lgica racional, como espaos de contra -

    racionalidades.

    Seguindo essa linha de raciocnio, foi possvel encontrar em Marab uma feira

    que tem como objetivo central estabelecer um projeto poltico do campesinato, a Feira

    do Agricultor da rua 7 de Junho. Trata-se de um espao concebido pelos prprios

    produtores rurais como uma forma de driblar as tradicionais teias estabelecidas pelo

    mercado e, assim, poder se inserir por meio de um circuito alternativo e

    insubordinado nas relaes comerciais, como se pode notar explicitamente na fala de

    uma das idealizadoras desse projeto:

    A nossa batalha que antes a gente estragava muito as coisas no nosso projeto de assentamento e hoje, com muita dificuldade, ainda, porque mora longe, tem que pedir ajuda aos prefeitos [...], ns consegue vender nossos produtos. Antigamente a gente vivia mais humilhado, e aqui no, ns faz do jeito que ns quer e d pra tirar o nosso sustento.

    A gente no vende pro atravessador s se sobrar. Se a gente vende ao atravessador a gente no tinha nada pra vender aqui. O transporte pra chegar aqui kombi, micronibus, vans e carros de frete. E a, aqui voc v o cara, traz a verdura, a fruta, traz a galinha, traz o porco, traz o bode, traz o leite no balde (Marilda Alves da Costa, organizadora da Feira do Agricultor, entrevista realizada em 30/01/2010).

    interessante destacar, ainda, da fala da agricultora a referncia que faz a

    presena do atravessador nas relaes. Apesar das feiras serem uma tentativa de romper

    com o controle exercido por esse agente, uma vez que a produo articula-se

    diretamente ao mercado local sem a necessidade de intermediadores, pode-se afirmar

    que essa conquista no tem se dado em todos os assentamentos e com todos os produtos

  • 18

    que so produzidos no campo, como se pode notar na fala do Presidente do Sindicado

    dos Trabalhadores Rurais de Marab:

    Hoje o trabalhador no tem condies de juntar vinte bezerros e engordar. E a ele vai e vende os dois primeiros bezerros que aparecer para o atravessador e a o atravessador quem pode comprar os bezerros e a vende pro grande produtor, que o fazendeiro. E a o vnculo da agricultura familiar com a produo do gado ou do laticnio esse. Nos laticnios mais direto porque ele vai e pega 10, 20, 30, 50

    litros de leite toda semana e leva, mas, no caso do gado, existe o atravessador no meio e ele que ganha. E esse atravessador o grande fazendeiro. Eles vem e saem comprando bezerro: dois, trs, pra formar uma boiada... A eles colocam pra engordar. esse fazendeiro que tem o elo direto com o mercado, porque eles tm condies de colocar 200 bezerros pra se formar e a abastecer o frigorfico (Antnio Gomes, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marab, entrevista realizada em 29/01/2010).

    Conforme se observa na fala do presidente do sindicato, alm da produo

    agrcola, nos assentamentos se produz tambm o leite e o gado, de modo que, se na

    circulao da produo de alimentos os trabalhadores tem conseguido acessar

    diretamente o mercado, o que implica em melhorias em termos de ganhos, como

    destacou a agricultora Marilda Alves da Costa, na produo de leite e de gado no se

    pode dizer o mesmo, uma vez que aparecem como intermedirios entre o produtor e o

    consumidor, a indstria leiteira e os fazendeiros que comercializam com os frigorficos

    que atuam na regio.

    Por mais que em Macap no se possa falar das feiras como um projeto poltico

    explcito para a cidade, no se pode negar sua importncia para pensar a diversidade

    socioespacial da mesma. Primeiro, porque as feiras tm funcionado como uma

    alternativa de abastecimento para cidade: produtos agrcolas provenientes do campo

    (feira do produtor rural), produtos provenientes dos rios, ilhas e cidades ribeirinhas

    (feiras das margens de igaraps) e produtos vindos de outras regies (comercio de rua).

    Segundo, porque as feiras tm acompanhado, embora de forma marginal, a estruturao

    da cidade, como uma relativa centralidade dentro da tradicional rea central e uma

    expanso em direo as zonas de expanso da cidade (zona norte, zona sul e Duque de

    Caxias). Terceiro, porque as feiras tm contribudo para estabelecer a produo de uma

    rede de relaes, via circuito inferior, da cidade de Macap tanto com diferentes cidades

    do nordeste brasileiro, em funo do abastecimento, quanto com as cidades da Ilha do

    Maraj e do baixo Amazonas.

  • 19

    Consideraes Finais

    Para finalizar a anlise considera-se importante apontar alguns elementos

    comparativos entre as feiras de Marab (PA) e de Macap (AP), a fim de busca

    encontrar possveis semelhanas e diferenas entre as mesmas. A ideia propor, ainda

    que preliminarmente, uma tipologia das feiras em cidades mdias da Amaznia, por

    mais que considere os limites dessa proposio, particularmente, o fato de se trabalhar

    com apenas duas realidades geogrficas. De todo modo, no quadro 02, est expresso

    alguns elementos que consideramos importantes para pensar essa tipologia.

  • 20

    ELEMENTOS

    ANALTICOS

    MARAB MACAP

    Localizao - Esto localizadas em todos os

    ncleos principais da cidade,

    com destaque para Marab

    pioneira, rea historicamente

    utilizada para o comercio e os

    servios.

    - Esto distribudas no interior

    da cidade de modo a atender a

    populao de modo geral,

    destacando-se, porm a antiga

    rea central da cidade, mas

    havendo uma expanso em

    direo as reas de expanso

    (zonas norte e sul e av. Duque de

    Caxias etc.).

    Tipos de Feiras - Forte presena de feiras livres,

    feiras formalizadas/legalizadas,

    comrcio de rua (camelos) e

    feira como projeto poltico do

    campesinato.

    - Presena de feiras livres, Feiras

    dos produtores rurais, comrcio

    de rua (camelos) e feira e

    comrcio das margens de

    igaraps.

    Importncia na estruturao da

    cidade

    - Acompanha a estruturao dos

    diferentes ncleos da cidade,

    reforando seu carter

    polinucleado e/ou policntrico.

    - Acompanham a estruturao da

    cidade, com uma forte

    centralidade dentro da

    tradicional rea central, porm

    com tendncia a distribuio ao

    longo das zonas de expanso da

    cidade zona norte, zona sul e

    Duque de Caxias.

    Importncia para pensar a

    relao cidade e regio

    - As feiras funcionam para o

    abastecimento interno da cidade;

    - Fazem a conexo da cidade

    com o campo, particularmente

    na feira do produtor rural;

    - Fazem a conexo da cidade

    com outras regies do pas -

    abastecimento da

    produo/mercadorias.

    - Funcionam como um espao de

    abastecimento alternativo dentro

    da cidade, uma vez que a rede de

    abastecimento do circuito

    superior no consegue suprir

    demanda local/regional.

    - As feiras conectam a cidade de

    Macap com a Ilha do Maraj e

    com o Baixo Amazonas.

    - Fazem a conexo da cidade

    com o campo, principalmente

    atravs das feiras dos produtores

    rurais.

  • 21

    - Conectam a cidade com outras

    regies do pas, no sentido de

    abastecimento, destacando-se

    Belm como intermediador

    regional.

    Dimenso Poltica - Algumas feiras fazem parte de

    um projeto poltico, no sentido

    de que os produtores as utilizam

    como forma de quebrar o

    controle dos atravessadores no

    abastecimento da cidade.

    - No se encontrou uma

    preocupao em pensar a feira

    como uma alternativa poltica,

    embora no se deva desprezar

    sua importncia para demarcar a

    diversidade socioespacial no

    interior da cidade.

    Quadro 02: Elementos para uma tipologia das feiras em cidades mdias da Amaznia

    A apresentao desse quadro 02 no deixa dvidas a respeito da importncia das

    feiras para as cidades mdias da Amaznia, tanto para sua organizao interna, quanto

    para a rede de relaes que produz. De todo modo, antes de finalizar, deseja-se ressaltar

    que o objetivo mostrar que possvel pensar a insero das feiras na lgica da diviso

    do trabalho sem cair no tradicional debate dualista entre setores econmicos (formais e

    informais). De outro lado, quer se deixar claro que a cidade no apenas o territrio de

    uma diviso territorial do trabalho hegemnica e de um circuito superior da econmica

    urbana determinada pelo plano das verticalidades. A inteno mostrar que a cidade o

    reino da prxis (SILVEIRA, 2012), o que impe a necessidade de pensar o espao no

    somente como condio de produo, mas tambm, como condio de existncia. Da o

    necessrio dilogo com as categorias geogrficas propostas por Santos (1999; 2003),

    tais como, homem lento, horizontalidades, circuito inferior da economia urbana,

    solidariedades orgnicas etc.

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