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1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ JULIANE DE MOLINER AS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS EM SAÚDE MENTAL DE UMA EQUIPE DE ESTRÁTEGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Itajaí 2011

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

JULIANE DE MOLINER

AS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS EM SAÚDE MENTAL DE UMA EQUIPE DE

ESTRÁTEGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

Itajaí

2011

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JULIANE DE MOLINER

AS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS EM SAÚDE MENTAL DE UMA EQUIPE DE

ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho, da Universidade do Vale do Itajaí, com requisito para a obtenção do título de mestre.

Orientador (a): Dra. Stella Maris Brum Lopes.

Itajaí

2011

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Dedico esse trabalho aos meus pais, que sempre

possibilitaram e me apoiaram na busca das minhas

realizações profissionais. O meu eterno obrigado!

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AGRADECIMENTOS

A minha mãe Eunice, pelo seu carinho, dedicação e apoio.

A meu pai Volni, pelo seu constante incentivo nessa jornada.

As minhas irmãs, Emanuele e Franciele, pela sua amizade e companheirismo.

Aos meus sobrinhos, Luiz Felipe e Julia, por alegrarem minha casa e minha vida.

A professora e orientadora Stella Maris Brum Lopes, pelo seu cuidado, carinho e

acima de tudo paciência durante todo o percurso.

Aos profissionais da Equipe de Saúde da Família de Lages, que prontamente se

dispuseram a colaborar com esse trabalho, o meu muito obrigado.

Ao professor e amigo Marcos Aurelio Maeyama, pela sua disponibilidade para

conversar durante longas horas, acolhendo minhas duvidas e sugerindo novos

olhares para a construção do trabalho.

Aos professores Luiz Roberto Agea Cutolo e Rodrigo Otávio Moretti Pires, por

aceitarem participar da banca de defesa.

A grande amiga Natalia que ganhei nesse percurso! Saudades!

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RESUMO

Partindo da ideia de que a Atenção Básica,não só visa à ampliação das ações de saúde, como também, que o modelo de atenção esteja organizado e funcionando de forma integral e ampliada, e que os usuários se tornem participantes do processo de saúde. No que tange ao campo das práticas em saúde mental, esta contempla os princípios da integralidade, interdisciplinaridade, intersetorialidade e da territorialidade.Esta pesquisa teve como objetivo investigar como a atenção básica compreende e vem atuando na atenção em saúde mental, através de uma equipe de Estratégia Saúde da Família (ESF). A pesquisa foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas e individuais, com dez profissionais da equipe de ESF, esses tinham entre 20 e 50 anos de idade, sendo todas mulheres. A partir da análise de conteúdo dos dados foram definidas algumas categorias e subcategorias. Entendimento de saúde mental, com as subcategorias: saúde mental igual à doença mental, saúde mental entendida de forma ampliada, saúde mental entendida como um aspecto emocional e da cabeça e saúde mental relacionada à capacidade de resoluções dos problemas.Quem são os usuários de saúde, com as subcategorias: o usuário que tem necessidade da medicação, o usuário atendido pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), o usuário confuso (por serem desligados e não compreenderem, como também os “barraqueiros”) e o usuário com a doença mental (diagnosticado ou ainda sem diagnostico). As práticas da equipe de ESF, com as subcategorias: as possibilidades de ações, atendimento preferencial aos usuários de saúde mental, a família e medicação. Dificuldades para a efetivação de práticas, com as subcategorias: família não envolvida, o preconceito, o CAPS que cuida da saúde mental e tempo e espaço físico. Os resultados indicaram concepções voltadas à doença mental. Sendo a saúde mental não percebida como um aspecto presente em todos os usuários, por conseguinte, as práticas não se voltam para todos. As práticas também se apresentam voltadas a medicalização, não primando por ações pautadas na atenção integral. Os resultados mostraram que há necessidade de que as concepções acerca da saúde, e da saúde mental, tenham espaços nos momentos de compartilhamento e de capacitação das equipes de ESF, assim como as práticas sejam voltadas mais para o cuidado integral.

Palavras-chave: Saúde Mental, Atenção Primária à Saúde, Saúde da Família.

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ABSTRACT

Based on the idea that primary healthcare seeks not only to widen health actions, but also to ensure that the healthcare model is organized and functioning in an integral and expanded form, and that the users become active participants in the healthcare process. In relation to the field of mental health practices, this includes the principles of comprehensiveness, interdisciplinary and inter-sector actions, and territoriality. This research investigates how primary healthcare understands mental healthcare, and how it has been working in this area, through the Estratégia Saúde da Família (ESF- Family Health Strategy). The survey was conducted through semi-structured and individual interviews with ten professional staff of the ESF aged between 20 and 50 years, all women. Based on the content analysis of the data, some categories and subcategories were defined. “Understanding of mental health”, with the subcategories: “mental health the same as mental illness”, “mental health understood in its broader sense”, “mental health understood as an emotional aspect and in the head” and “mental health-related decision-making and problem-solving ability”. “Who are the health users” with the subcategories: “the user who needs medication”, “the user served by the Centro de Atenção Psicossocial (CAPS - Psychosocial Care Center)”, “the confused user” (because they are disconnected and do not understand, and also "scene makers") and “the user with mental illness” (whether diagnosed or undiagnosed). “Practices of the ESF team”, with the subcategories: “the possibilities of actions”, “preferential service for mental healthcare users”, and “the family and medication” and “Difficulties in implementing the practices” with the subcategories: “family not involved”, “prejudice”, “CAPS, which takes care of mental health”, and “physical time and space”. The results strongly indicate the interviewee’s concepts of mental illness. Because mental health is not perceived as an aspect that is present in all users, the practices, as a consequence, are not geared towards everyone. The practices are also focused on a perspective of medical interventions, rather than on actions based on comprehensive care. The results show that in relation to concepts of health and mental health, there is a need for spaces in moments of sharing and empowerment of the ESF teams, and that the practices need to be focused more on comprehensive healthcare.

Keywords: Mental Health, Primary HealthCare, Practices

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LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS

ACD – Atendente de Consultório Dentário.

ACS – Agente Comunitário de Saúde.

CAPS – Centro de Atenção Psicossocial.

CNS – Conselho Nacional de Saúde.

ESF – Estratégia Saúde da Família.

MRSM – Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental.

NAPS – Núcleo de Atenção Psicossocial.

NASF – Núcleo de Apoio a Saúde da Família.

NOAS – Norma Operacional de Assistência a Saúde.

OMS – Organização Mundial de Saúde.

PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde.

PSF – Programa Saúde da Família.

RMSFC- Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade.

SRT – Serviço de Residências Terapêuticas.

SUS – Sistema Único de Saúde.

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

TDH – Técnico em Higiene Dental.

USF – Unidade de Saúde da Família.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...........................................................................................09

2. FUNDAMENTAÇÃO TEORICA.................................................................15

2.1 História da assistência saúde mental...................................................15

2.2 O Sistema Único de Saúde e a Política de Saúde Mental...................18

2.3 Atenção Básica.....................................................................................23

2.4 Saúde Mental e Atenção Básica..........................................................27

2.5 Apoio Matricial......................................................................................29

3. MÉTODO....................................................................................................33

3.1 Caracterização da pesquisa..................................................................33

3.2 Caracterização do local e dos participantes..........................................33

3.3 Procedimento de coleta de dados.........................................................37

3.4 Procedimento de análise dos dados e como serão

apresentados..............................................................................................39

3.5 Aspectos éticos....................................................................................40

4. RESULTADOS...........................................................................................41

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................60

REFERÊNCIAS..........................................................................................63

APÊNDICE.................................................................................................69

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1 INTRODUÇÃO

A concepção de saúde mental que norteou a formação profissional desta

pesquisadora era delineada na ideia de que saúde mental significava ausência de

doença mental.

Por meio de leituras a respeito do modelo de Atenção Básica em Saúde essa

concepção inicial foi sendo modificada.

A pesquisadora passou a entender que a saúde, na sua totalidade, deve ser

pensada e praticada em prol da saúde mental e não da doença mental. Dessa

forma, os sofrimentos psíquicos, que perpassam a vida de todas as pessoas,

precisam ser compreendidos pelos profissionais da saúde, antes mesmo que os

sintomas apareçam e que o atendimento tenha que ser realizado pelo profissional

especialista.

Essas questões, que por um longo tempo envolveram as reflexões desta

pesquisadora, levaram-na a um novo repensar, embora ela não tivesse experiências

no contexto de trabalho da Atenção Básica.

Com o ingresso da pesquisadora no curso de mestrado profissionalizante em

Saúde e Gestão do Trabalho, o qual desencadeou a presente pesquisa, ela teve

oportunidades para discutir as suas inquietações em relação à temática Saúde

Mental na Atenção Básica.

Foi na função de preceptora da Residência Multiprofissional em Saúde da

Família e Comunidade (RMSF) em 2010, na Universidade do Planalto Catarinense

(UNIPLAC), que pode ter experiências em saúde coletiva e perceber que as suas

concepções sobre a Atenção Básica e sobre Saúde Mental, construídas

anteriormente, não eram condizentes com as práticas ali realizadas. O que

acontecia era uma prática assistencial, realizada tanto nas ações da saúde coletiva

quanto da saúde mental, pois essas eram fragmentadas e centradas no cuidado

curativo e medicalizante. Portanto, contraditório ao princípio da integralidade.

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Por meio de conversas informais com profissionais da saúde e de uma vasta

leitura1, foram surgindo muitas perguntas sobre como a saúde mental é

compreendida e praticada pelos profissionais da saúde no âmbito da atenção básica

e, assim, a presente pesquisa foi sendo configurada.

Na medida em que este estudo foi se desenvolvendo, a pesquisadora foi

modificando sua concepção sobre saúde mental na atenção básica. Inicialmente, ela

se deparou com a dificuldade em definir o conceito de saúde mental, até mesmo

pela Organização Mundial de Saúde (OMS). De forma não oficial, a definição de

saúde mental dessa Organização é sustentada na ideia de qualidade de vida

cognitiva e emocional dos sujeitos.

Nesse processo de indagações sobre a saúde mental na atenção básica, a

história sobre saúde mental foi revisitada e revelou que por um longo período ela foi

considerada ausência de transtorno mental. As práticas dessa época se pautavam

nas questões emergenciais que envolviam os usuários de saúde mental, os quais

eram tratados exclusivamente por internações, tendo como lógica a exclusão e o

isolamento.

A pesquisadora deste estudo entende que a entrada da Saúde Mental na

Atenção Básica teve, inicialmente, como pano de fundo todo o processo de

desistitucionalização, o qual trouxe a regulamentação e reestruturação do modelo de

atendimento até então conhecido2, e também dispôs dos direitos dos sujeitos há

muito tempo institucionalizados.

A atenção básica não visa apenas a ampliação das ações de saúde, mas

também um modelo de atenção organizado e que funcione de forma integral e

ampliada, cujos usuários se tornem participantes do processo de saúde. No que

tange ao campo das práticas em saúde mental, essa contempla os princípios da

integralidade, interdisciplinaridade, intersetorialidade e da territorialidade.

1Alguns dos autores lidos que evidenciam a necessidade de aprofundamento da temática Saúde

Mental na Atenção Básica foram, Lancetti e Amarante (2006); Campos, Furtado e Marçal (2007); Dimensteinet al. (2005); Mattos (2001); Carvalho e Cunha (2006) entre outros.

2 Institucionalização da loucura (AMARANTE, 2007).

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Na atenção básica ocorre a prática em vigilância da saúde3 no modelo de

atenção preconizada pela legislação do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo

exercida pela Estratégia Saúde da Família (ESF).

Em termos de políticas públicas, a saúde mental na atenção básica foi se

definindo inicialmente com os movimentos da Reforma Psiquiátrica e pela Lei Paulo

Delgado, os quais foram firmados pela Lei nº 10.216/20014. O número crescente de

usuários com sofrimento psíquico que buscavam as Unidades de Saúde da Família

(USF) também contribuiu. Em meados de 2002 as discussões em torno da saúde

mental ganharam forças no nível de atenção básica quando o Ministério da Saúde

começa a monitorar as equipes ESF, identificando que 51% dos atendimentos

dessas equipes eram em saúde mental, sobretudo os transtornos leves (LYRA,

2007).

Antes disso, a Organização Mundial de Saúde (OMS), em seu relatório de

2001, informou o número de 450 milhões de pessoas acometidas de perturbações

mentais ou neurológicas, ou de problemas psicossociais, tais como abuso de álcool

ou drogas, problemas esses que acabavam não recebendo a mesma relevância

dada à saúde física (OMS, 2001).

No mesmo ano, a OMS revelou a estimativa de que 12% das doenças

mundiais eram transtornos mentais e de comportamento5, constatando-se que as

verbas para saúde mental, na grande maioria dos países, tinham uma representação

de 1% dos gastos totais. Mostrou, ainda, que 40% dos países careciam de políticas

de saúde mental e mais de 30% não possuíam programas nessa área.

No Brasil, em 2003, foi constatado que 56% das demandas que chegavam à

atenção básica eram demandas de saúde mental. Em relação ao cuidado em

saúde mental, 3% da população necessitavam de cuidados contínuos, e 9% de

3Esse texto assume vigilância da saúde como colocado pelo Ministério da Saúde, a partir da

legislação do SUS, como o modelo de atenção, tendo no seu conceito contemporâneo, relacionado com o cuidado em saúde.

4 Política Nacional de Saúde Mental.

5 Transtornos mentais e do comportamento, segundo o CID-10 (10ª Revisão da Classificação

Internacional de Doenças), o termo “transtorno” não é um termo exato, mas é usado para indicar a existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível associado, na suamaioria dos casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais. O CID- 10 classificam os Transtornos mentais e do comportamento, em leves, moderados e graves (OMS, 1997).

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atendimento eventual, tendo-se uma perspectiva de que 6 a 8% da população

necessitavam de algum cuidado, decorrente do uso de álcool ou outras drogas

(BRASIL, 2003).

A partir da relevância dos dados apresentados anteriormente, as ações de

saúde mental começaram a se efetivar na atenção básica, e em 2005, a saúde

mental começou a fazer parte dos indicadores de atenção básica. Em 2008

constatam-se as ações de saúde mental na atenção básica nas diretrizes da

Programação Pactuada e Integrada em Assistência à Saúde (PPI) (VECCHIA e

MARTINS, 2008).

A partir daí, outras discussões foram colocadas em pauta, destacando que a

grande maioria das doenças, mentais ou físicas, podem ser influenciadas por uma

série de combinações quem envolvem fatores biológicos, psicológicos e sociais.

Com isso, a lógica da atenção biomédica bem como da verticalização da assistência

- que privilegiava as técnicas e o curativo sem olhar para o sujeito e para as relações

que o envolvem - até então instalada nas práticas de saúde e também no âmbito da

saúde mental, começam a preocupar os envolvidos que passam a buscar a

identificação dos usuários na sua totalidade, considerando todas as dimensões

prováveis de se intervir (CARVALHO, BOSI e FREIRE, 2008).

No entanto, para que isso aconteça é necessário consolidar e ampliar a rede

de atenção básica, com preceitos de base comunitária e territorial, através do

atendimento integral e ampliado, tendo como prioridades as ações promocionais e

preventivas nos transtornos leves e moderados. Fazem-se também necessários os

serviços assistenciais para os transtornos moderados e graves, com vistas a

reintegrar os usuários, evitando que esses não sofram mais com a exclusão e com a

violência social.

Outro desafio que também se faz presente na Política Nacional de Saúde

Mental6 é o de aumentar o orçamento anual do SUS para a saúde mental e,

consequentemente, a saúde mental se efetivar na Atenção Básica (BRASIL, 2009).

No Brasil, a estimativa de gastos orçamentários do SUS para a saúde mental

é de 2,3%, considerando-se a prevalência de 3% da população que sofre de

transtornos mentais graves e persistentes, 6% da população que apresenta

6Disponível em: http://portal.saude.gov.br

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transtornos psiquiátricos graves decorrentes de abuso de álcool e outras drogas

e12% da população que necessita de algum atendimento em saúde mental, seja ele

contínuo ou eventual (BRASIL, 2007).

O atendimento a saúde mental, sendo cuidado no nível de atenção básica,

possibilita um acesso mais fácil e mais rápido aos serviços, pois o atendimento

primário além de proporcionar melhores cuidados, também reduz a realização de

exames - algumas vezes supérfluos - e ainda evita tratamentos muitas vezes

impróprios ou não especificados. E, principalmente, desenvolve ações do tipo

preventivas e promocionais de saúde mental (NUNES, JUCÁ e VALENTIM, 2007).

Para uma prática ampliada e integral na saúde mental é importante a

proposta de um olhar para além da doença, com vistas a olhar a saúde através das

situações que ampliam o risco ou vulnerabilidade dos usuários, criando um grau de

autonomia e capacidade para que eles consigam lidar com sua própria rede ou

sistema de dependência (CAMPOS e AMARAL, 2007).

Assim, para que a saúde mental aconteça na atenção básica, com práticas

exercidas de forma ampliada e integral, faz-se necessário que os profissionais da

saúde em geral sejam preparados a ouvir e acolher, além da doença, os sofrimentos

trazidos pelos usuários. Requer também a comunicação entre os profissionais da

saúde e família e entre os serviços de saúde mental.

Para ampliação e abrangência das ações da atenção básica, bem como para

sua resolubilidade – por meio da inserção da ESF na rede de serviços e do processo

de territorialização e regionalização - foram estabelecidos os Núcleos de Apoio a

Saúde da Família (NASF). Eles irão atuar em parceria com os profissionais das

equipes da ESF, compartilhando as práticas em saúde nos territórios de

responsabilidade delas e atuando através do apoio matricial7 a essas equipes

(BRASIL, 2008).

Essa proposta, se bem realizada, permitirá o desenvolvimento de

investigações na interface entre atenção básica e saúde mental, a qual permanece

ainda quase inexplorada e, potencialmente, uma área emergente de máxima 7 Antes de se configurar o NASF, pela Portaria nº 154/2008, a perspectiva do matriciamento foi

trazida como um arranjo institucional pelo Programa Paidéia de Campinas (SP) em 2001, dentro da organização em equipes de referência para famílias, como uma possibilidade de ampliar a clínica, na realização de projetos Terapêuticos, facilitando então a vinculação e a responsabilização das equipes, evitando-se a lógica do encaminhamento (GOMES, CAMPOS e FURTADO, 2006).

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relevância social. O estabelecimento de interlocução sistemática entre esses dois

campos poderá trazer significativo avanço para ambos, conforme apontam

experiências exitosas nesse sentido (CAMPOS e AMARAL, 1997).

Diante de todo o contexto apresentado, o presente estudo teve como objetivo

geral investigar como a equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF) compreende e

vem atuando na atenção em saúde mental. E os objetivos específicos foram os

seguintes:

Identificar as concepções dos profissionais da ESF acerca da saúde mental e

dos usuários de saúde mental.

Verificar as demandas de saúde mental na Atenção Básica.

Identificar as práticas dos profissionais da ESF em saúde mental.

Reconhecer o processo de trabalho das equipes de saúde mental em relação

à Atenção Básica.

A apresentação deste estudo está dividida nas três partes descritas a seguir:

na primeira encontra-se a fundamentação teórica, que serviu também de base para

a apresentação e discussão dos resultados; em seguida, a metodologia que foi

adotada para a realização da coleta, análise dos dados e discussão dos resultados;

e, na terceira está a apresentação e a discussão dos resultados.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Esta fundamentação teórica foi dividida em cinco grandes tópicos: história da

assistência a saúde mental, fazendo um aparato do histórico da saúde mental no

Brasil, Sistema Único de Saúde (SUS) e a Política de Saúde Mental, Atenção

Básica, Saúde Mental na Atenção Básica e o Apoio Matricial.

Com vistas a problematizar os temas circundantes do objetivo deste trabalho -

investigar como a atenção básica compreende e vem atuando na atenção em saúde

mental -, nos dois primeiros tópicos buscou-se apresentar o modo pelo qual a

história e as políticas que permeiam a assistência à saúde mental tem se

configurado como sendo a única possibilidade de prática em saúde mental; nos

demais, há reflexões para um novo fazer.

2.1 História da Assistência a Saúde Mental

A história da assistência à saúde inicia-se com o surgimento do hospital. Esse

surge anteriormente a Idade Média, como um lugar para os pobres e doentes,

excluídos e isolados do convívio social. O hospital estava relacionado ao

assistencialismo e ao caráter religioso, e no seu início era gerenciado pela igreja,

que não tinha no seu cunho o caráter terapêutico de suas práticas.

Para Foucault (1979, p.102),

o hospital permanece com essas características até o começo do séc. XVIII e o Hospital Geral, lugar de internamento, onde se justapõem e se misturam doentes, loucos, devassos, prostitutas, etc. é ainda, em meados do séc. XVII, uma espécie de instrumento misto de exclusão, assistência e transformação espiritual, em que a função médica não aparece.

A forma como a assistência aos usuários de saúde mental vem sendo

prestada hoje, vem de consequências históricas da assistência à saúde, que sofreu

importantes transformações ao longo do tempo.

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O transtorno mental, conhecido como loucura até o início da Idade Média, não

era visto como algo que merecesse grande atenção por parte das pessoas e das

organizações. Foi com a Revolução Industrial que o processo de institucionalização

da “loucura” ocorreu. Os hospitais passam a ser asilos para os “loucos” e

marginalizados, com um grande número de internações, sem que esses recebessem

medicamentos e nem mesmo o acompanhamento do médico (AMARANTE, 2001).

Um dos primeiros movimentos em torno de reformas nesse contexto ocorreu

em 1793, na França, com Pinel, um dos primeiros estudiosos a tratar da loucura e a

instalar ações comunitárias. Mas foi com a Reforma Psiquiátrica, no período pós-

segunda grande guerra, que as críticas e as reformas posteriores a Pinel

questionam o papel e a natureza das instituições e do saber psiquiátrico. Tais

críticas são levantadas por Amarante (2001) e passam pelas tentativas de reforma

por meio das instalações de estratégias diferenciadas de atendimento, denominadas

de comunidades terapêuticas e psicoterapia institucional, psiquiatria de setor e

psiquiatria preventiva.

Segundo Laing (1985) citado por Amarante (2001, p. 44) “a loucura é um fato

social, político, e, até mesmo, uma experiência positiva de libertação, uma reação a

um desequilíbrio familiar, não sendo assim um estado patológico, nem muito menos

o louco o objeto passível de tratamento”. A partir dessa perspectiva o autor defende

a ideia que só será possível sair dessa “alienação universal” quando ocorrer uma

revolução interior.

No Brasil os hospitais psiquiátricos começam a surgir no final do século XIX,

influenciados pela psiquiatria francesa e pelo tratamento moral. Os hospitais eram

nomeados por Santas Casas de Misericórdia, e tinham como principal finalidade

limpar as cidades, ou seja, retirar das ruas os mendigos e os ditos loucos

abandonados pelas suas famílias. Portanto, pode-se afirmar que a psiquiatria no

Brasil foi instalada em um modelo massificado, de acordo com o modelo econômico

social vigente no período militar da década de 50 e 60 (RESENDE, 1987), e que

teve como influência a psiquiatria democrática Italiana de Franco Basaglia no

movimento pelos direitos desses pacientes psiquiátricos.

Segundo Amarante (2007), Franco Basaglia considerou a psiquiatria como o

estudo que fragmentou “a doença” da existência global e complexa que envolve os

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sujeitos e do corpo social, pois por muito tempo considerou-se a doença o objeto

natural e externo ao sujeito, deixando esses a margem do esquecimento.

Segundo Amarante (2007), em meados dos anos 70, algumas denúncias de

maus-tratos e de falta de humanidade nos hospitais psiquiátricos brasileiros

começaram a ganhar voz. Para ele tal fato foi consequência dos movimentos que

vinham acontecendo nas diversas partes do mundo: na França, François Tosquelles

iniciou discussões acerca dos ideais e das funções das instituições psiquiátricas; nos

Estados Unidos, a Psiquiatria Preventiva, conhecida também como Saúde Mental

Comunitária, com Gerald Caplan teve início uma verificação detalhada das

condições de assistência dos hospitais psiquiátricos; e, na Itália, o movimento

antipsiquiatria, que teve como seu grande precursor Franco Basaglia.

Contudo, foi a partir do ano de 1978, que se iniciou o Movimento da Reforma

Psiquiátrica no Brasil, com o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental

(MTSM) formado por trabalhadores integrantes do movimento sanitário, de

associações de familiares, sindicalistas, membros de associações de profissionais e

de pessoas com uma longa história de internações psiquiátricas (BRASIL, 2005). O

MTSM surgiu com o objetivo de construir um espaço de luta contra o modelo

institucional vigente da época.

Vários foram os fatores sociais e econômicos que fizeram todo o país

construir uma nova política de saúde mental, com uma atenção mais humanizada e

efetiva, e com possibilidades de tratamentos extra-hospitalares e de retirada do

médico como o único profissional da atenção aos portadores de transtornos mentais

(MACHADO e MOCINHO, 2003). Mas foi com a promulgação da Constituição de

1988 e com a criação do SUS que a atenção e as políticas de saúde mental

começaram a ser formuladas de fato.

Com a Constituição Brasileira recentemente promulgada, criaram-se as condições de um grande salto da saúde mental brasileira: ela propugnou que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado (LANCETTI e AMARANTE, 2006, p. 626).

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2.2 O Sistema Único de Saúde (SUS) e a Política de Saúde Mental

As possibilidades de mudança no Brasil ocorreram com o processo de

abertura política do país, tendo em seus principais momentos a promulgação da

Constituição de 1988, que instituiu os princípios do Movimento da Reforma Sanitária.

A partir daí, ocorre um avanço nas demandas políticas e sociais, e é proposto

um sistema de proteção social que reformulou e transformou toda organização do

setor saúde como, por exemplo, a saúde mental. Desse modo a saúde passa a ser

um direito de todos e dever do estado, e assim nasce o Sistema Único de Saúde

(SUS).

A participação social, não apenas na saúde mental, mas nas políticas de saúde de forma geral, teve impulso decisivo com a introdução do capítulo da saúde na Constituição de 1988 e, posteriormente, com a instituição do SUS, regulamentado pela Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990. Logo após, em 28 de dezembro do mesmo ano, a Lei 8.142 estabeleceu a participação da comunidade na gestão do sistema [...] (AMARANTE, 2007, p. 79).

O SUS começou a ser estruturado com a Constituição de 1988. Antes disso, a

saúde no Brasil, além de ser pensada apenas em termos biológicos, não era vista

como direito de todos os cidadãos, mas sim de uma pequena parcela da população

contribuinte da previdência social. Já em termos de tratamentos psiquiátricos, o

isolamento social, a submissão e a discriminação dos indivíduos eram

predominantes.

Destacam-se os princípios e diretrizes do SUS, quais sejam: universalidade

de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; integralidade de

assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e dos

serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em

todos os níveis de complexidade do sistema; preservação da autonomia das

pessoas na defesa de sua integridade física e moral; igualdade de assistência à

saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; direito à informação das

pessoas assistidas sobre sua saúde; divulgação de informações quanto ao potencial

dos serviços de saúde e a utilização pelo usuário; utilização da epidemiologia para o

estabelecimento de prioridades para a alocação de recursos e a orientação

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programática; participação da comunidade; descentralização político-administrativa,

com direção única em cada esfera do governo; integração, em nível executivo, das

ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; conjugação dos recursos

financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, do Distrito Federal e dos

Municípios, na geração de serviços de assistência à população; capacidade de

resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e, organização dos

serviços públicos de modo a evitar a duplicidade de meios para fins idênticos.

Segundo o Ministério da Saúde (2005, p. 06):

O Sistema Único de Saúde, instituído pela Constituição de 1988 e regulamentado pela Lei 8080/1990 e 8142/1990, é o conjunto de ações e serviços de saúde que têm por finalidade a promoção de maior qualidade de vida para toda a população brasileira; no intuito de garantir o acesso de todos a uma assistência integral e equitativa à saúde. Avança de forma consistente na consolidação de rede de cuidados que funcione de forma regionalizada, hierarquizada e integrada.

Em sintonia com o SUS, em 1989 surge o processo de desistitucionalização

com o projeto de Lei nº 3657/1989 que é apresentado e recebe o nome de Lei Paulo

Delgado. Essa lei propõe uma mudança radical no sistema de saúde, sendo

proibidas, a partir de sua aprovação, novas construções de leitos em hospitais

psiquiátricos, bem como uma previsão de que toda rede de hospitais do tipo seria

extinta em cinco anos. O projeto também propôs tratamentos substitutivos e a

interferência de uma autoridade judiciária em internações involuntárias. O projeto

teve uma longa tramitação e foi muito alterado no senado, sendo posteriormente

promulgado, em 06 de abril de 2001, sob o cunho da Lei nº 10.216 (SCHNEIDER,

2008).

A Lei nº 10.216/2001, conhecida como a lei da reforma psiquiátrica brasileira,

teve como objetivo regulamentar e reestruturar o modelo de atendimento até então

conhecido e de dispor dos direitos das pessoas ditas portadoras de transtornos

mentais. Discorre que esses cidadãos devem ser tratados, preferencialmente, em

serviços comunitários “com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de

beneficiar a saúde, visando alcançar sua inserção na família, no trabalho e na

comunidade” (Art.2º, II - BRASIL, 2004).

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Contudo, outras medidas governamentais foram tomadas no sentido de

estabelecer ações e de oferecer as garantias dadas por meio da Lei nº 10.216/2001.

A partir daí, outras legislações foram organizadas no cumprimento dos direitos das

pessoas com transtornos mentais.

Exemplo disso foi o serviço criado oficialmente a partir da Portaria GM

224/1992. Nessa mesma portaria foram criados os Centros de Atenção Psicossocial

(CAPS) e os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), que são definidos como

unidades de saúde locais/regionalizadas e que contam com uma população adscrita

definida pelo nível local. Essas unidades oferecem atendimento de cuidados

intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois

turnos de quatro horas, por equipe multiprofissional (BRASIL, 2004). Atualmente

esses serviços são regulamentados pela Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de

2002, integrando a rede do SUS.

A Portaria nº 336/GM temo intuito de prevenir e tratar a doença mental de

forma mais humanizada. Essa portaria ampliou o funcionamento e a complexidade

dos CAPS, que têm o objetivo de oferecer atendimento diuturno às pessoas que

possuem transtornos mentais severos e persistentes, num dado território, cuja

severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência em um regime de cuidado

intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida. O CAPS oferece cuidados

clínicos e de reabilitação psicossocial, evitando as internações e favorecendo o

exercício da cidadania e inclusão social, bem como visa promover o fortalecimento

do vínculo familiar (BRASIL, 2004).

[..] no Artigo 3º desta Portaria, e deverão estar capacitadas para realizar prioritariamente o atendimento de pacientes com transtornos mentais severos e persistentes em sua área territorial, em regime de tratamento intensivo, semi-intensivo e não-intensivo, conforme definido adiante (BRASIL, 2002, p. 1).

O CAPS é um nível intermediário entre o hospital e o ambulatório de saúde

mental, e acabou sendo previsto também como a porta de entrada em saúde mental.

Esse serviço deve também capacitar e supervisionar as equipes de atenção básica e

outros serviços de saúde mental, bem como contribuir na elaboração de programas

nessa área. O CAPS atende uma clientela de 15 pacientes por turno de 4 horas e

abrange uma população com cerca de 200.000 habitantes (BRASIL, 2004).

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O CAPS é constituído das seguintes modalidades (BRASIL, 2002, p. 3):

CAPS I (20.000 e 70.000 habitantes);

CAPS II (70.000 e 200.000 habitantes): são CAPS para atendimento diário de

adultos, em sua população de abrangência, com transtornos mentais severos

e persistentes;

CAPS III (mais de 200.000 habitantes): são CAPS para atendimento diário e

noturno de adultos, durante sete dias da semana, atendendo à população de

referência com transtornos mentais severos e persistentes;

CAPSi (mais de 200.000 habitantes): CAPS para infância e adolescência,

para atendimento diário a crianças e adolescentes com transtornos mentais,

tendo destaque em suas atividades o desenvolvimento de ações inter

setoriais, principalmente com as áreas de assistência social, educação e

justiça;

CAPSad (mais de 100.000 habitantes): CAPS para usuários de álcool e

drogas, para atendimento diário à população com transtornos decorrentes do

uso e dependência de substâncias psicoativas. Esse tipo de CAPS possui

leitos de repouso com a finalidade exclusiva de tratamento de desintoxicação.

As características que compõem o CAPS I, II e III são: responsabilizar-se, sob

coordenação do gestor local, pela organização da demanda e da rede de

cuidados em saúde mental no âmbito do seu território; possuir capacidade

técnica para desempenhar o papel de regulador da porta de entrada da rede

assistencial no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial, definido

na Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS), por determinação do

gestor local; coordenar, por delegação do gestor local, as atividades de

supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas no âmbito do seu território;

supervisionar e capacitar as equipes de atenção básica, serviços e programas

de saúde mental no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial;

realizar e manter atualizado, o cadastramento dos pacientes que utilizam

medicamentos essenciais para a área de saúde mental regulamentados pela

Portaria/GM/MS nº 1077 de 24 de agosto de 1999 e medicamentos

excepcionais, regulamentados pela Portaria/SAS/MS nº 341 de 22 de agosto

de 2001, dentro de sua área assistencial. Inclui as seguintes atividades:

atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre

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outros); atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de

suporte social, entre outras); atendimento em oficinas terapêuticas

executadas por profissional de nível superior ou nível médio; visitas

domiciliares; atendimento à família; atividades comunitárias enfocando a

integração do doente mental na comunidade e sua inserção familiar e social.

Existem no país 618 CAPS I implantados, 382 CAPS II, 39 CAPS III, 101

CAPSi e 186 CAPSad (BRASIL, 2009).Apenas 74 municípios com mais de 300.000

habitantes não possuem o serviço tipo CAPS em sua rede de atenção a saúde. O

número de serviços teve um aumento muito grande nos anos que se antecederam a

pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde e descrita no Relatório de Gestão 2003-

2006, mas ainda assim foi constada uma concentração maior nas regiões do Sul e

Sudeste (BRASIL, 2007).

Segundo Saraceno, Asioli e Tognoni (2001) a integração do serviço de

atendimento em saúde deve estar de acordo com as realidades da comunidade, ou

seja, de acordo com a população, com as redes de atenção básica, com os serviços

de educação, com as instituições do Estado e do município e das demais

organizações sociais.

Mas para que isso aconteça é necessário que as equipes básicas de saúde

se comuniquem e trabalhem juntas aos CAPS, uma vez que esses não são os

únicos tipos de serviço de atenção em saúde mental, pois nessa atenção estão

também incluídos: a atenção básica; os serviços de residências terapêuticas (SRT) -

que são casas localizadas no espaço urbano, constituídas para responder às

necessidades de moradia de pessoas com transtornos mentais graves,

institucionalizadas ou não e tendo suporte interdisciplinar dos CAPS ou da

Estratégia Saúde da Família (ESF); os ambulatórios que prestam assistência,

sobretudo às pessoas com transtornos mentais menores e apresentam, em sua

grande maioria, um funcionamento pouco articulado à rede de atenção à saúde; e,

os centros de convivência, clubes de lazer e outros.

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2.3 Atenção Básica

Na Conferência de Alma-Ata, em 1978, a atenção primária foi entendida como

atenção a saúde essencial, baseada em tecnologias e métodos práticos,

cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis. O acesso à atenção à saúde

deveria ser para todos os sujeitos da comunidade e para as suas famílias, levando-

se em consideração a plena participação de todos e o local onde os sujeitos vivem e

trabalham com vistas à concretização de uma atenção continuada a saúde.

Ao ser implementado o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, a atenção

primária8 ficou conhecida pelas práticas em saúde individuais ou coletivas, sendo

esses preceitos adotados pela saúde coletiva brasileira através da Atenção Básica e

organizados por meio de equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF).

A Atenção Básica, através da Política Nacional de Atenção Básica,

promulgada pela Portaria nº 648 de 28 de março de 2006, adota um conjunto de

ações de saúde que englobam as estratégias de intervenção, de promoção e de

proteção da saúde, a prevenção de agravo, o diagnóstico, o tratamento, a

reabilitação e a manutenção da saúde. O exercício das práticas gerenciais e

sanitárias ocorre de forma democrática e participativa, através do trabalho em

equipe, dirigidas a populações de território9 bem delimitadas. Seus princípios são a

universalidade, a acessibilidade e coordenação do cuidado, do vínculo e da

longitudinalidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da

equidade e da participação social (BRASIL, 2006).

A diretriz conceitual do Ministério da Saúde em relação à Atenção Básica

surgiu em 1994 com o Programa de Saúde da Família (PSF) com o intuito de

expandir e qualificar a atenção básica, estando efetuadas atualmente pelas

8Segundo Giovanella e et al. (2008), a atenção primária representa o primeiro nível de contato com o

sistema de saúde, estando a atenção a saúde mais próxima possível do ambiente onde as pessoas trabalham e residem.

9Entende-se por território o espaço onde grupos sociais vivem, além de suas relações e condições de

subsistência (trabalho, renda, habitação, acesso à educação e o seu saber preexistente, como parte do meio ambiente, possuidor de uma cultura, de concepções sobre saúde e doença, de família, de sociedade, entre outros).

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Unidades de Saúde da Família (USF), e realizadas pelos Programas de Agentes

Comunitários de Saúde (PACS) e pelas equipes ESF.

Segundo a Política Nacional de Atenção Básica, a atenção básica deve ser a

porta de entrada do sistema de saúde e para que isso venha acontecer, é

necessário que essa seja acessível à população, desde o aspecto geográfico ao

organizacional e pessoal. Outro atributo importante é a longitudinalidade, ou seja, a

continuação da relação profissional/equipe/unidade de saúde ao longo da vida das

pessoas, mesmo na ausência ou presença de doença. È importante considerar que

para que uma boa relação se estabeleça entre equipe e usuários, é necessário que

a unidade de saúde saiba identificar sua população, através da adscrição territorial

de clientela ou pela inscrição voluntária dos usuários.

Para Starfield (2002) citado por Cunha (2007), a atenção básica também

exige recursos muito especiais, considerando como características típicas da

atenção básica: ser geral, não tendo restrições a faixas etárias e tipos de problemas

ou condições; ser acessível, em relação ao tempo, lugar, financiamento e cultura;

ser integrada, ou seja, curativa, reabilitadora, promotora e preventiva; ser

longitudinal; utilizar do trabalho em equipe; ter uma perspectiva do físico, psicológico

e social dos sujeitos e da comunidade; ser a atenção centrada no sujeito e não na

doença; ser orientada para a família e comunidade e ser coordenada e confidencial.

Assim, a equipe de ESF passa a ter como um dos seus atributos, a

abordagem à família e ao seu espaço social, e não mais apenas o individual. Nessa

proposta, a família é escolhida em seu contexto sociocultural, como núcleo básico

no atendimento à saúde. Partindo desse princípio, fica para a equipe a ideia de se

aliar à família, fortalecendo e incentivando no desempenho de suas

responsabilidades, e ainda no auxílio de descobertas e desenvolvimento de suas

potencialidades individuais e coletivas (SARACENO et al., 2001).

A saúde com enfoque na família veio para desconstruir práticas tradicionais e

a abordagem apenas individual ou de relação com os grupos comunitários. Porém

essa nova configuração sugerida em 1994 pelo Ministério da Saúde vem até hoje

apresentando dificuldades de distinção do que deve ser abordado no nível individual,

da família e dos diferentes grupos comunitários, estando o termo família perdido na

sua especificidade (VASCONCELOS, 1999).

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Ainda se torna difícil para as equipes e seus profissionais que fazem parte

dela, perceber as situações de risco vivenciadas pelas famílias ou ainda os

problemas de saúde que se situam nos contextos familiares. Como aponta

Vasconcelos (1999) isso ocorre, pois o eixo que orienta as intervenções com a

família é pautado pelos programas de saúde pública, definidos e padronizados nas

instancias hierarquizadas do setor saúde, assumidos pelos programas, sejam eles

de hipertensão, diabetes entre outros. Que levam nas abordagens possíveis do

contexto familiar focar apenas nas especificidades sugeridas pelos programas.

Para Ribeiro (2004), a inserção da família como parte da política construída

através da equipe de ESF gerou multiplicidade de abordagens tais como: família-

indivíduo; família-indivíduo-domicílio; família-comunidade; família-risco social;

família-família. Essas abordagens, por não dialogarem entre si, acabam por compor

um quadro insuficientemente identificado, o que dificulta a atenção, sugerindo um

exame das condições apontadas como forma de dar, efetivamente, espaço para a

inserção da família no campo de intervenção da saúde.

O trabalho em equipe através da ESF é organizado de forma multiprofissional,

compostas por, no mínimo, médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem ou técnico

de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS). As ações de saúde bucal

também estão organizadas na ESF, com o cirurgião-dentista, o atendente de

consultório dentário (ACD) e o técnico em higiene dental (THD). As equipes de ESF

atendem no máximo 4.000 habitantes, sendo a média recomendada de 3.000

habitantes e tendo na sua jornada 40 horas semanais (BRASIL, 2006).

Segundo Mendes (1996) e Teixeira (2003) citado por Assis et al. (2007), o

modelo de equipe multiprofissional na ESF, passa a definir os problemas e um

conjunto de prioridades, além de obter recursos para atendimento das necessidades

da comunidade em relação a sua saúde.

Diante das práticas das equipes de ESF, a atenção básica emprega

tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, devendo essas resolver os

problemas de saúde de maior presença e relevância no território. Para Merhy10

(1998), as tecnologias leves se encaixam no enquadramento apontado pela política

diante as práticas e o encontro entre o profissional da saúde e o usuário deve estar

10

Merhy (1998) classifica as tecnologias de trabalho em saúde, como duras (inscritas nas máquinas e instrumentos); leves-duras (presentes no conhecimento técnico estruturado) eleves (estabelecidas pelas relações).

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pautada nos momentos de falas, escutas e interpretações, viabilizadas através do

acolhimento e do vínculo com o usuário que busca pelo serviço.

Por meio de uma das diretrizes do SUS, a integralidade, pode-se efetuar

práticas de saúde na atenção básica que vão além do princípio da organização

contínua das práticas dos profissionais da saúde. Essa diretriz contribui para que o

trabalho deles seja voltado à compreensão das necessidades de ações e serviços

que o usuário procura. O trabalhador da saúde irá olhar não apenas para as

demandas pontuais que concernem à prática biomédica. Ao contrário, ele buscará

ampliar a compreensão das necessidades dos usuários de modo articulado, e irá

ofertar ações e procedimentos promocionais e preventivos à saúde (MATTOS,

2001).

Os sentidos adotados pela integralidade, segundo Silva e Mascarenhas

(2004), envolvem o acolhimento, como um dispositivo para reflexões e mudanças

sobre a forma como se organizam os serviços e sobre os saberes que acabam não

sendo utilizados para a melhoria das práticas de saúde e, ainda, um dispositivo para

o resgate da humanização das relações entre profissionais e usuários.

Para Franco e Mehry (1999, p. 32) o acolhimento deve acontecer:

ao usuário, através da escuta qualificada, o compromisso em resolver seu problema de saúde, a criatividade posta a serviço do outro e, ainda, a capacidade de estabelecer vínculo formam a argamassa da micropolítica do processo de trabalho em saúde, com potência para a mudança do modelo.

O acolhimento se configura então, como uma tecnologia das relações, dos

territórios próprios e das tecnologias leves (FRANCO, BUENO e MERHY, 1999). A

partir da visão das tecnologias, Merhy (1998) apresenta as tecnologias leves em

saúde, que de uma maneira ou de outra podem ser exercidas por todos os

profissionais que fazem clínica. Entende-se por fazer clínica, uma prática que, além

de diagnosticar, prognosticar e curar os problemas de saúde, busca a construção de

espaços de produção de relações e intervenções, de forma partilhada.

Carvalho e Cunha (2006) propõem um novo olhar para clínica, para que essa

não seja mais voltada para a doença, mas sim para uma prática que busque

prolongar e melhorar a qualidade de vida dos sujeitos, evitando e aliviando a dor e o

sofrimento. Assim, a clínica ampliada tem no seu escopo possibilitar um espaço de

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produção compartilhada, através do encontro entre o profissional da saúde e o

usuário.

Nesta mesma perspectiva, Cunha (2007) ressalta que a clínica ampliada na

atenção básica deve considerar a atuação no plano biológico e, também, nas

intervenções que busquem, junto aos usuários, produzir e abrir caminhos para as

questões terapêuticas dos usuários.

Para um novo fazer da clínica ampliada na atenção básica, será necessário

ao profissional de saúde desenvolver capacidades para ajudar as pessoas não

apenas no combate da doença, mas na transformação das ideias que envolvem as

noções de saúde e doença como limitantes.

2.4 Saúde Mental e Atenção Básica

A VIII Conferência Nacional de Saúde indicou que a atenção básica deve ter

responsabilidade de 80% a 90%, em países com experiência histórica, das

necessidades da população, pensando na integralidade das ações e tendo o sujeito

e a comunidade como foco. A partir do enfoque integral das práticas, a saúde mental

passou a fazer parte dos indicadores da atenção básica (CAMPOS, FURTADO e

MARÇAL, 2007).

A saúde mental na atenção básica foi se responsabilizando pela assistência

de certas demandas, inicialmente identificada nos transtornos leves e nos

transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Porém, atualmente já se

apresentam na saúde mental na atenção básica outras demandas, a saber: de

sofrimento psíquico subjetivo relacionado a outros problemas de saúde, ou também,

de adoecimentos relacionados a situações socioeconômicas e de desigualdade,

entre outros, como fatores resultantes de sofrimento (CAMPOS, FURTADO e

MARÇAL, 2007).

A atenção básica deverá também servir de porta de entrada e de acolhimento

ao sofrimento psíquico. Experiências de atendimento mostram que o acolhimento

das demandas de saúde mental na atenção básica é algo constatado por 56% das

equipes de saúde da família. Nessa perspectiva, as ações de saúde mental na

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atenção básica devem obedecer ao modelo de rede de cuidados, de base territorial

e de atuação transversal com outras políticas específicas que busquem o

estabelecimento de vínculos e acolhimento (BRASIL, 2003).

Segundo Lyra (2007), para que as relações de vínculo e o acolhimento se

estabeleçam é preciso que o usuário confie no profissional ou na unidade de saúde,

para ajudá-lo nos seus sofrimentos. Para que isso aconteça, faz-se necessário que

os profissionais estejam dispostos a acolher as demandas apresentadas pelo

usuário ou comunidade sem preconceito ou julgamento prévio.

Para tanto é necessário profissionais capacitados as atividades de escuta e

de acolhimento. No entanto isso só será possível se os profissionais que atuam na

atenção básica estejam dispostos e sejam capacitados para tal postura.

Se a saúde mental for considerada na atenção básica como uma

especialidade, a prática profissional será sustentada apenas no diagnóstico, sem

questionar a multicausalidade que envolvem os eventos, os quais estão

relacionados tanto com as condições de vida quanto com as de produção social.

A saúde mental não deve também ser pensada apenas para os casos mais

clássicos em que a doença já esteja instalada. Ela deve ser pensada como um

auxílio no tratamento de qualquer adoecimento que um usuário venha a ter

(CAMPOS, et al., 2007). Ou seja, se a saúde mental for pensada como saúde geral,

e não como uma especialidade, poder-se-á garantir uma atenção mais integral aos

sujeitos, inclusive nas ações de prevenção e promoção de saúde.

Segundo o Ministério da Saúde (2003) os princípios de atuação da atenção

básica na saúde mental são os seguintes: a noção de território, a organização da

atenção à saúde mental em rede, a intersetoralidade, a reabilitação psicossocial, a

multiprofissionalidade/interdisciplinar, a desistitucionalização, a promoção da

cidadania dos usuários e a construção de autonomia possível de usuários e

familiares.

Nesse contexto, a atenção básica torna-se importante na realização dos

cuidados da saúde mental. Além de auxiliar no enfrentamento de agravos

vinculados ao uso abusivo de álcool e drogas, ela também presta o acolhimento

inicial para as queixas que se relacionam ao sofrimento psíquico e aos

componentes subjetivos das doenças, além de preconizar práticas preventivas e de

promoção da saúde (AFONSO e MACHADO, 2008).

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Autores como Franco et al. (1999) e Schimith e Lima (2004) ressaltam nos

resultados de suas pesquisas, na área da saúde mental na Atenção Básica, que o

investimento na reorganização das práticas ampliará não só a resolubilidade, como

também favorecerá a integralidade do cuidado, possibilitando relações de

acolhimento, que são estabelecidas ao longo do processo de trabalho.

Desde 2003, o Ministério da Saúde, através do documento “Saúde Mental e

Atenção Básica: o vínculo e diálogo necessários”, prioriza o apoio matricial como a

forma de organização das ações de saúde mental junto à Atenção Básica.

A assistência na rede básica deve ser realizada através do apoio matricial as equipes da atenção básica explicitando, que a responsabilização compartilhada dos casos exclui a lógica do encaminhamento, pois visa aumentar a capacidade resolutiva de problemas de saúde pela equipe local (BRASIL, 2003, p. 03).

Segundo Lyra (2007), a proposta do apoio matricial, é de qualificar as

equipes da ESF, tendo os profissionais especialistas como consultores. Ainda que

tenha importância no sentido de modificar a cultura segregacionista vigente, essa

estratégia não tem trabalhado no sentido de transformar o paradigma biocartesiano

vigente da medicina moderna, o qual reduz o sujeito a um corpo biológico e os

transtornos mentais, apenas como uma alteração no metabolismo cerebral.

Portanto, desafios no âmbito da saúde mental na atenção básica permeiam a

reflexão acerca do sofrimento psíquico cada vez mais presente na sociedade, o

olhar para a subjetividade dos sujeitos e, também, as diretrizes da política de saúde

mental vigente no país (LYRA, 2007).

2.5 Apoio Matricial

O apoio matricial se configura como suporte técnico especializado, ofertados

por equipes interdisciplinares de saúde, que deverão ampliar o campo de atuação e

qualificar as práticas de saúde na atenção básica (FIGUEIREDO e CAMPOS,

2009).

O surgimento do apoio matricial se deu quando foi constatado que para a

reforma psiquiátrica tivesse avanços seria necessário que a atenção básica fosse

incorporada nesse processo (DIMENSTEIN et al., 2009). Assim, além do apoio

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matricial capacitar os profissionais responsáveis das equipes de referência,

também busca matriciar as equipes, criando outras ofertas de atendimentos,

estendendo o cuidado de saúde mental para todos os níveis de assistência,

principalmente em nível de atenção básica.

Uma das primeiras experiências de apoio matricial aconteceu na década de

70, em Campinas (SP), durante a construção da saúde mental na atenção básica.

Nessa ocasião houve a instalação do modelo de atenção primária, no qual, além de

médicos generalistas e auxiliares de saúde, equipes de saúde mental também foram

colocadas nos então postos de saúde. Já em 2001, inicia-se a implantação do

Programa Paidéia. Esse, na sua organização, tinha as equipes de referência para

famílias de um determinado território geográfico, estando as especificidades, tal

como a saúde mental, organizadas como equipe de apoio. Isso fez surgir o apoio

matricial como arranjo institucional no auxilio da assistência à saúde mental na

atenção básica (GOMES, CAMPOS e FURTADO, 2006).

Atualmente essas ações vêm sendo propostas pelos Núcleos de Apoio à

Saúde da Família (NASF), os quais foram efetivados por meio da publicação da

Portaria GM nº154, em 24 de janeiro de 2008. Eles têm o objetivo de ampliar a

abrangência e o escopo das ações da atenção básica e a resolubilidade, por meio

do apoio às ESF na rede de serviços e no processo de territorialização e

regionalização. O NASF é composto por diferentes profissionais da área da saúde

que irão atuar em parceria com os profissionais das ESF, compartilhando as

práticas em saúde nos territórios sob a responsabilidade das ESF no qual o NASF

está cadastrado (BRASIL, 2008).

Segundo a Portaria GM nº154, os NASF estão classificados em duas

modalidades NASF 1 E NASF 2.

O NASF 1 deverá estar vinculado a Equipes de Saúde da Família, num total

de oito a vinte Equipes, e ser composto por um número mínimo de cinco a treze

profissionais de nível superior, tais como: psicólogo, assistente social,

farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, profissional da Educação Física,

nutricionista, terapeuta ocupacional, médico ginecologista, médico homeopata,

médico acupunturista, médico pediatra e médico psiquiatra.

O NASF 2 deverá estar vinculado a no mínimo três ESF e ser composto por

um mínimo de três a oito profissionais de nível superior de ocupações não-

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coincidentes, tais como: assistente social, profissional de Educação Física,

farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo e terapeuta

ocupacional. Independente da classificação do NASF, esse deverá ter pelo menos

um profissional da área da saúde mental, em virtude da demanda apresentada.

A definição quanto aos profissionais que irão compor os núcleos é de

responsabilidade dos gestores municipais, e espera-se que os critérios sejam

seguidos conforme as prioridades identificadas a partir das necessidades locais e

da disponibilidade de profissionais de cada uma das diferentes ocupações

(BRASIL, 2008).

Segundo Gonçalves (2002) citado por Machado e Mocinho (2003), o grande

desafio do NASF é capacitar as equipes para pensar e agir em saúde mental sem

recorrer às velhas estruturas, buscando a construção do trabalho com as famílias e

com a comunidade, e procurando desconstruir rótulos e estigmas. Também é

necessário ampliar a capacidade de escuta das equipes, para que elas valorizem as

intervenções que preparam as famílias para a superação de dificuldades, e para que

removam a ideia do transtorno mental.

O apoio matricial pode também ser uma possibilidade para os Centros de

Atenção Psicossocial (CAPS) ou ambulatórios de saúde mental. As ações de apoio

matricial estão permeadas pela responsabilidade compartilhada, pela construção de

uma agenda integrada - na qual deverá ocorrer o atendimento conjunto, a discussão

dos casos com supervisão, a criação de estratégias comuns para abordar as

questões de violência, o abuso de álcool e outras drogas, entre outras -, pela

elaboração de um projeto terapêutico singularizado, pela formação continuada e

pelo fomento de ações intersetoriais.

Segundo o documento apresentado na Conferência Regional de Reforma

dos Serviços de Saúde Mental, em 2005, o apoio matricial:

é um arranjo organizacional que viabiliza o suporte técnico em áreas específicas para equipes responsáveis pelo desenvolvimento de ações básicas de saúde. Nesse arranjo, a equipe de saúde mental compartilha alguns casos com as equipes de Atenção Básica. Esse compartilhamento se produz em forma de corresponsabilização pelos casos, que podem se efetivar através de discussões conjuntas de casos, intervenções conjuntas junto às famílias e comunidades ou em atendimentos conjuntos, e também na forma de supervisão e capacitação (BRASIL, 2005, p.34).

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O apoio matricial é um arranjo institucional, em que uma equipe de

referência deve ser responsável pelo matriciamento de seis até nove equipes de

ESF ou de atenção básica geral. Juntas, essas equipes desenvolverão ações

conjuntas, discutirão acerca de casos identificados pela equipe, criarão estratégias

de abordagem, evitarão práticas que levem à psiquiatrização e à medicalização,

desenvolverão ações de mobilização de recursos comunitários, priorizarão

abordagens coletivas e de grupos, adotarão estratégias de redução de danos nos

grupos de maior vulnerabilidade, e buscarão trabalhar o vínculo com as famílias,

fazendo dessa parceira no tratamento e na busca de se constituir redes de apoio e

integração (BRASIL, 2003).

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3 MÉTODO

3.1 Caracterização da pesquisa

A presente pesquisa teve como objetivo investigar como a atenção básica

compreende e vem atuando na atenção em saúde mental, por meio da

compreensão das concepções e práticas que permeiam uma equipe de Estratégia

de Saúde da Família (ESF). Para tanto, optou-se pela realização de uma

investigação de abordagem qualitativa e exploratória.

Segundo a classificação de Gil (1999), este estudo se caracteriza como uma

pesquisa exploratória, que tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e

modificar conceitos e ideias, com vistas à formulação de problemas mais precisos,

buscando proporcionar uma visão mais geral, diante de um determinado fato.

Também é uma pesquisa de caráter qualitativo por essa abordagem ser uma opção

adequada para se entender a natureza de um fenômeno social (RICHARDSON et

al., 1999).

Para Minayo (2010), a metodologia de pesquisa qualitativa é entendida

como aquela que é capaz de incorporar as questões de significados, de

intencionalidade, de aprofundamento da complexidade dos fenômenos, fatos e

processos, na investigação de crenças, valores, representações, hábitos, opiniões e

atitudes que se expressam na linguagem comum do cotidiano. Nessa abordagem os

seres humanos sentem, pensam, agem e se relacionam a partir da sua maneira de

definir e interpretar os acontecimentos.

A fala torna-se reveladora de condições estruturais, de sistemas e valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles), e ao mesmo tempo, possui a magia de transmitir, através de um porta-voz (o entrevistado), representações de grupos determinados em condições históricas, sócio- econômicas e culturais especificas (MINAYO e SANCHES, p. 245, 1993).

Segundo Minayo (2010), o número de participantes, assim como os critérios

de participação na pesquisa qualitativa, vão sendo definidos durante o processo de

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investigação, e o número maior ou não de participantes não irá implicar na riqueza

dos dados. A “reincidência de informações” indica que o fenômeno está

suficientemente caracterizado em relação aos objetivos propostos da pesquisa.

A descrição, a compreensão e a explicação dos fenômenos da pesquisa, na

análise de conteúdo e na abordagem qualitativa, acontecem a partir da

contextualização e integração das abordagens conceituais do pesquisador. O rigor

científico deve correlacionar a perspectiva teórica do pesquisador com a

contextualização e a caracterização dos recortes específicos do objeto estudado e

do procedimento escolhido para acessá-lo e analisá-lo.

3.2 Caracterização do local e dos participantes

A referida pesquisa teve como local de coleta de dados o município de Lages

(SC). O município possui 161.583 habitantes11, faz parte da mesorregião (política) e

região (geográfica) serrana do estado de Santa Catarina. No âmbito da saúde, essa

se caracteriza como um pólo regional que atende mais de 40 municípios, estando

listado como um dos programas que recebe destaque a Estratégia Saúde da Família

(ESF). A cidade possui 29 equipes, abrangendo mais de 70% da comunidade12. A

ESF foi implantada em outubro de 2001, nos três primeiros anos segundo dados

municipais, foram realizadas mais de 1 milhão de visitas domiciliares e atualmente

cerca de 114 mil usuários estão cadastrados e recebem algum tipo de serviço da

ESF.

No inicio de 2010, foi implantado no município o Núcleo de Apoio a Saúde

Família (NASF), composto por quatro equipes, tendo no seu quadro profissional o

psicólogo, assistente social, nutricionista, educador físico e farmacêutico, porém

apenas uma das equipes dispõe do farmacêutico. Sendo que cada equipe fica

responsável por 6 (seis) a 7 (sete) unidades de saúde.

O município também conta como uma rede de atenção psicossocial,

composta pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) modalidade II, o CAPSi e o

11

http://www.lages.sc.gov.br/perfil.php

12http://www.lages.sc.gov.br/prefeitura/saude.php

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CAPSad. O CAPS II foi implantado em 2002, e segundo dados fornecidos pela

coordenação atende em media 290 pessoas/mês, já o CAPSi foi implantado no ano

de 2007, atendendo um media de 170 pessoas/mês e o CAPSad em 2010,

atendendo a media de 280 pessoas/mês.

Em termos de gestão tanto o NASF como o CAPS II, CAPSi e CAPSad, são

coordenados e geridos pela mesma coordenação da Atenção Básica.

Os participantes da pesquisa foram dez pessoas, profissionais da saúde

inseridos em uma equipe de Estratégia Saúde da Família (ESF) de uma referida

Unidade de Saúde da Família (USF) na cidade de Lages (SC).

Fazem parte da referida equipe de ESF: um médico de saúde da família, um

enfermeiro, um técnico de enfermagem, cinco agentes comunitário de saúde (ACS),

um cirurgião- dentista e uma atendente de consultório dentário (ACD).

No Quadro 1, estão apresentadas as informações gerais referentes a

caracterização dos participantes, tal como a faixa etária, o sexo, a escolaridade e o

tempo de trabalho na Unidade de Saúde da Família (USF).

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Quadro 1. Referente às informações para a caracterização dos participantes.

n(10)

Faixa etária

20- 30 anos 4

31- 40 anos 3

41- 50 anos 3

Sexo

Feminino 10

Masculino 0

Escolaridade

Ensino Médio 5

Ensino Superior 5

Tempo de trabalho na USF

01 mês 6

09 meses 1

3- 7 anos 3

Quanto à faixa etária, os profissionais que compuseram a amostra têm entre

20 (vinte) e 50 (cinquenta) anos. Todos eles são do sexo feminino. No que diz

respeito ao predomínio do sexo feminino, Moreira (1999) pressupõe que isso se

deve ao fato de algumas profissões ter o cuidado como sua natureza de atuação.

Ele relaciona essas profissões às escolhas que as mulheres fizeram quando da sua

entrada no mundo do trabalho, tendo em vista que o cuidar é um papel tipicamente

exercido pela mulher.

Percebe-se que a maioria dos profissionais está há pouco tempo atuando na

equipe de ESF. Esse fato pode ser justificado pela realização da coleta de dados ter

acontecido quando o processo de entrada de novos profissionais ocorria devido ao

concurso público, realizado em novembro de 2009.

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3.3 Procedimento de coleta de dados e aspectos éticos

A coleta de dados foi realizada por meio de duas técnicas: observação de

campo e entrevista semiestruturada (apêndice I). As entrevistas foram gravadas e

transcritas.

Os dados coletados na observação de campo foram utilizados para a

caracterização do local de pesquisa, e esse foi um aspecto central no processo de

coleta, análise e interpretação dos dados.

A observação de campo consiste na observação dos fatos percebidos

diretamente no seu local e das atividades habituais dos participantes da entrevista,

sem que haja qualquer intermediação. Para essa observação, portanto, a

pesquisadora fez uso do diário de campo, que é um instrumento que permite o

registro sequencial do que está sendo observado. Esse instrumento permitiu a

pesquisadora familiarizar-se com as rotinas da unidade e com a contextualização da

comunidade, a qual se encontra inserida no território adscrito da Unidade de Saúde

da Família (USF).

Durante o mês de setembro de 2009, a pesquisadora entrou em contato

com a coordenação da Estratégia de Saúde da Família (ESF) do município de Lages

(SC) e foi sugerido, por essa coordenação, uma Unidade de Saúde da Família (USF)

para participar da pesquisa. Vale ressaltar que, nesse período, essa USF contava

com duas equipes com o quadro completo de profissionais estabelecidos pelo

Ministério da Saúde para a ESF, justificado assim pela coordenação a sua escolha

pela referente USF. Outras questões também foram colocadas como relevantes para

a escolha da referida USF pesquisada, pois segundo os mesmosessa se localiza em

um bairro estratégico da cidade, e por ter no seu quadro profissional, um profissional

há muito tempo inserido e que segundo os mesmos “sabe fazer saúde da família”.

Na sequência, buscou-se o contato com a USF e com os profissionais que

ali atuavam. Isso aconteceu em outubro de 2009. Nessa ocasião as enfermeiras das

equipes informaram que esse seria um período delicado para qualquer tipo de

pesquisa, pois poderia haver modificação em toda a estrutura organizacional da

Secretária Municipal de Saúde de Lages (SC), e consequentemente, das Unidades

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de Saúde da Família (USF), em decorrência de um concurso público que estava

para acontecer.

Diante dessa situação, esperou-se a efetivação do processo de concurso

público, cujas provas ocorreram no dia 08 de novembro de 2009, e a chamada dos

concursados, no início de janeiro de 2010. No final de fevereiro de 2010, novo

contato foi realizado com a coordenação da ESF e com a USF participante da

pesquisa. A partir disso, a pesquisadora buscou conhecer os profissionais que

atuavam na Unidade e informá-los sobre a pesquisa e seus objetivos.

Quando a proposta da pesquisa foi apresentada e houve o esclarecimento

sobre a forma de coleta de dados, a enfermeira responsável pela USF alertou a

pesquisadora que o trabalho com grupos focais, nas duas ESF, seria inviável. Isso

porque apenas uma equipe estava com o seu quadro completo e que, portanto, a

utilização desse instrumento demandaria muito tempo.

A partir dessa constatação, o método de pesquisa foi revisto e adaptado às

possibilidades do local de pesquisa e de seus participantes. Sendo assim, em março

de 2010, foi iniciada a coleta dos dados por meio da observação e da entrevista

semiestruturada. A observação e a entrevista ocorriam no mesmo dia, e a utilização

do tempo variava em cada um.

As entrevistas foram realizadas no período de março a abril de 2010,

conforme a disponibilidade dos participantes. As dificuldades encontradas nesta

pesquisa sinalizam a situação das Unidades Saúde da Família (USF), dispositivos

centrais desse nível de atenção, as quais vêm atendendo uma demanda excedente,

uma vez, que conforme relatado, as equipes não possuíam o quadro completo de

profissionais.

A entrevista era realizada em locais reservados como a sala de vacina, a

sala de acolhimento e a sala de atendimento médico, com o consentimento dos

profissionais que ali trabalhavam. O contato inicial se deu com a realização do

rapport13 com os profissionais da saúde participantes, a fim de estabelecer uma

13

Rapport é uma estratégia de acolhimento do sujeito, abordagem inicial muito utilizada na prática

clínica (OCAMPO, ARZENO, PICCOLO et al., 2001).

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atitude de empatia e respeito, sem que esses se sentissem avaliados perante suas

atuações.

A entrevista semiestruturada se desenvolveu a partir de uma lista de

perguntas, cuja ordem de realização dependia da interação entre a pesquisadora e o

informante. Os horários para realização da entrevista foram agendados de acordo

com a disponibilidade dos profissionais da USF. As entrevistas duravam em torno

de 30 minutos à uma hora, eram gravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra.

Para participar da pesquisa, os sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE), documento que garante a condução ética do estudo.

Para o sigilo dos participantes da pesquisa, os entrevistados foram

identificados, ao longo do trabalho, por algarismos arábicos, de 1( um ) a10 (dez),

cuja ordem não seguiu a mesma das entrevistas.

3.4 Procedimento de análise e de apresentação dos dados

A análise dos dados foi realizada de acordo com a metodologia de análise

de conteúdo temática, conforme proposto por Minayo (2010).

A análise temática traz a noção do tema afirmando determinado assunto. O

tema é a unidade de significação que se destaca do texto, sendo esse analisado a

partir de teorias pertinentes que embasam a leitura ao longo do trabalho. O tema

passa a ser utilizado como uma unidade de registro no estudo de valores, atitudes,

crenças, tendências e opiniões. A partir da análise temática se descobre núcleos de

sentido que compõem a comunicação, cuja presença ou frequência indicam sua

pertinência aos objetivos do estudo.

Segundo Minayo (2010), a análise de conteúdo é composta de três fases:

pré-análise, exploração do material e, tratamento dos resultados obtidos e

interpretação.

A pré-análise consiste na escolha dos documentos a serem analisados e a

retomada das hipóteses e dos objetivos iniciais que nortearam a pesquisa,

possibilitando assim, a construção de indicadores que irão orientar a interpretação.

Essa fase é realizada por meio de leituras flutuantes do conjunto do material, tendo

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como objetivo se deixar impregnar pelos dados e pela constituição do corpus, para a

seleção e organização do material para análise.

Já na exploração do material compilam-se os dados brutos na busca de

núcleos para a compreensão do texto.

Na fase de tratamento dos resultados obtidos e interpretação realiza-se a

descrição e análise dos dados, tendo como objetivo a compreensão dos conteúdos

manifestos e latentes, integrando-os com o aporte teórico escolhido pelo

pesquisador.

3.5 Aspectos éticos

O projeto que deu origem a presente pesquisa foi aprovado pelo Comitê de

Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Vale do Itajaí, com

parecer favorável (Protocolo nº 457/09) conforme as diretrizes da Resolução 196/96

e suas complementares, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

A Secretária Municipal de Lages (SC), representada pela Coordenação de

Atenção Básica, também autorizou a realização da pesquisa após a apresentação

do projeto, permitindo o acesso da pesquisadora à Unidade de Saúde da Família

(USF) e o contato com os profissionais da equipe da Estratégia de Saúde da Família

(ESF). A pesquisadora ofereceu explicações verbais aos participantes sobre os

objetivos e o método da pesquisa, além da leitura do Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE) (apêndice 2).

Os participantes não tiveram benefícios diretos nem qualquer tipo de ônus

financeiro para participar da pesquisa.

Espera-se que os resultados deste estudo possam auxiliar a aperfeiçoar o

atendimento prestado na Atenção Básica em Saúde Mental. Sendo assim uma cópia

da dissertação será disponibilizada junto ao Programa de Atenção Básica do

município e outra copia junto a USF a qual teve a equipe de ESF participante.

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4. RESULTADOS

Os resultados da pesquisa vieram a parti da análise dos dados, foram

construídas quatro grandes categorias: 1-Entendimento de Saúde Mental, com as

seguintes subcategorias: Saúde mental igual à doença mental, Saúde mental

entendida de uma forma mais ampliada, Saúde mental entendida como um aspecto

emocional e da cabeça, e Saúde mental relacionada à capacidade de resoluções

dos problemas; 2- Quem são os usuários de saúde mental, com as subcategorias: O

usuário que tem necessidade da medicação, O usuário atendido pelo Centro de

Atenção Psicossocial (CAPS), O usuário confuso (por serem desligados e não

compreenderem, como também os “barraqueiros”), e O usuário com a doença

mental (diagnosticado ou ainda sem diagnóstico); 3 - As práticas da equipe da

Estratégia da Saúde da Família, com as subcategorias: As possibilidades de ações,

Atendimento preferencial aos usuários de saúde mental, Ações futuras e Medicação;

4- Dificuldades para a efetivação das práticas, com as seguintes subcategorias:

Família não envolvida, Preconceito, O CAPS quem cuida da saúde mental e Tempo

e espaço físico.

A partir dessas categorias ouve uma compilação de dados e desse resultou

um artigo científico, sendo que outros resultados relevantes encontrados na

pesquisa, podem gerar outros artigos científicos.

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O artigo científico esta em avaliação na Revista Saúde e Sociedade (ID-

SAUSOC-957).

Saúde Mental na Atenção Básica: desafios e possibilidades para uma prática

voltada para a ampliação e integralidade da saúde mental14.

Mental Health in Primary Care: challenges and possibilities for a practice

focused on the expansion of mental health and integrity.

Resumo

O presente estudo buscou conhecer como vêm se configurando as práticas em

saúde mental na atenção básica, de uma equipe de Estratégia Saúde da Família

(ESF), a fim de que novas reflexões sejam despertadas acerca da temática. A

pesquisa foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas e individuais, com

dez profissionais da equipe de ESF, cuja faixa etária estava entre 20 e 50 anos de

idade, sendo todas mulheres. A partir da análise dos dados foram identificadas as

seguintes práticas: o atendimento diferencial, os grupos e as visitas domiciliares, a

responsabilização da família e a medicalização. Os resultados indicam que as

práticas assistenciais refletem a concepção de saúde mental como

doença/transtorno mental e raras vezes houve referência as práticas de caráter

promocional e preventivo à saúde mental. Com isso pode-se constatar que os

princípios da integralidade e de um fazer para a clínica ampliada ainda não se fazem

presentes na referida equipe de ESF. Para a concretização de uma clínica ampliada

e integral faz-se necessário equipes de ESF dispostas a assumir seu papel

estruturante na rede de cuidados, construindo novas concepções e práticas. Estas

pautadas nas necessidades e subjetividades que envolvem os usuários que buscam

14

O texto é inédito, resultado do trabalho de dissertação de mestrado do programa de mestrado em

Saúde e Gestão do Trabalho da UNIVALI. Grupo de Pesquisa em Educação na Saúde e Gestão do

Trabalho.O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade do Vale do Itajaí,

processo nº 457/2009.

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o serviço, primando por articular a rede de serviços e as práticas promocionais e

preventivas à saúde mental.

Palavras-chave: Saúde Mental, Atenção Primária à saúde, Assistência Integral à

Saúde.

Abstract

This study investigates practices in primary healthcare, through a Estratégia Saúde

da Família (ESF- Family Health Strategy) team, in order to prompt reflection on the

subject. The survey was conducted through semi-structured and individual interviews

with ten professional staff of the ESF age between 20 and 50 years, all women.

Through content analysis of the data, the interviewees’ concepts were divided into

categories, namely “mental illness the same as mental health”, “mental health

understood in its broader sense”, “mental health as an emotional aspect”, and

“mental health as problem-solving”. Healthcare practices appeared as “differential

treatment”, “groups and home visits”, “accountability of the family”, and “over-

emphasis on medical interventions”. The results indicate that the interviewees’

concepts reflect practices that are heavily geared towards mental health as mental

disease/disorder, which is the main focus of the healthcare practices, with practices

only rarely focusing on promotional and preventative mental healthcare. Thus, it is

seen that the principles of comprehensiveness and a practice for the wider clinical

practice are still not present in the ESF team studied. For the implementation of a

comprehensive and expanded healthcare practice, the ESF teams need to be willing

to assume a pivotal role in structuring the healthcare network, building new concepts

and practices that are governed by the needs and subjectivities of the users who

seek the service, and striving to implement, within the network of services, practices

aimed at promotion and prevention in mental healthcare.

Key words: Mental Health, Primary Care Health, Comprehensive Health Care.

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Introdução

Este artigo resulta de uma pesquisa na rede de atenção básica de um

município de Santa Catarina, que buscou identificar as práticas e concepções dos

profissionais da atenção básica acerca da saúde mental e dos usuários de saúde

mental. Justifica-se tal investigação pelo fato de se entender que é na atenção

básica que ocorrem as práticas em vigilância da saúde no modelo de atenção

preconizado pela legislação do Sistema Único de Saúde (SUS), as quais são

exercidas pela Estratégia Saúde da Família (ESF).

A articulação entre saúde mental e atenção básica é o desafio que vem sendo

enfrentado pelos profissionais da atenção básica. Pois, a atenção básica, através da

ESF, vem sendo postulada como o campo de práticas e produção de novos modos

de cuidado em saúde mental, sendo exigido destas melhorias da assistência e

ampliação do acesso.

Contudo, a lógica que está instalada nas práticas de saúde, assim como no

âmbito da saúde mental, ainda está voltada para a atenção biomédica e para a

verticalização da assistência, privilegiando, deste modo, a técnica e o curativo, sem

olhar para o sujeito e para as relações que podem ser construídas entre profissional

e usuário (Carvalho e col., 2008).

Historicamente no Brasil, a saúde mental foi se configurando por meio da

especificação de pessoas acometidas por doenças/transtornos mentais, sendo estas

simplesmente internadas em hospitais psiquiátricos e excluídas da sociedade.

O processo de mudança da prática começou a ser discutido com a Reforma

Psiquiátrica, na década de 80, a qual partiu do princípio do resgate da cidadania, do

direito e da reinserção das pessoas acometidas de doenças/transtornos mentais.

Para que isto se tornasse possível, fez-se necessário substituir os atendimentos

referenciados na internação para outros tipos de atendimentos extra-hospitalares e

não exclusores. Mas, foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e com

a criação do SUS que as políticas de saúde mental começaram, de fato, a serem

formuladas.

O modelo de atenção as pessoas com doença/transtorno mental previsto pelo

Ministério da Saúde para o SUS busca garantir os direitos conferidos pela Lei nº

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10.216/2001, pela Política Nacional de Saúde Mental15. Tal modelo tem como

objetivo reduzir progressivamente os leitos psiquiátricos e, qualificar, expandir e

fortalecer a rede extra-hospitalar através dos Centros de Atenção Psicossocial

(CAPS), dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e das Unidades

Psiquiátricas em Hospitais Gerais (UPHG). Além destes, inclui ainda: ações da

saúde mental na atenção básica buscando implementar uma política de atenção

integral aos usuários de álcool e outras drogas; implantar o programa "De Volta Para

Casa"; manter um programa permanente de formação e de recursos humanos para

reforma psiquiátrica; promover direitos de usuários e familiares, incentivando a

participação no cuidado que garanta tratamento digno e de qualidade ao usuário16

de saúde mental; e avaliar continuamente os hospitais psiquiátricos por meio do

Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares - PNASH/ Psiquiatria

(Brasil, 2009).

Inúmeros são os desafios para que se concretizem as políticas de saúde

mental. Para tanto, é necessário consolidar e ampliar a rede de atenção básica com

preceitos de base comunitária e territorial e, ainda, que o entendimento dos

profissionais que atuam na atenção básica esteja voltado para a ideia de saúde, pois

se entende que as concepções definem as práticas. Também se prevê que, nos

casos da doença/transtorno mental já instalada, a atenção básica busque reintegrar

as pessoas acometidas, para que não sofram mais com a exclusão e com a

violência social.

O atendimento da saúde mental no nível primário de atenção possibilita um

acesso mais fácil e mais rápido aos serviços quando necessário, pois este

atendimento, além de proporcionar melhores cuidados, reduz a realização de

exames algumas vezes supérfluos e ainda evita tratamentos muitas vezes

impróprios ou não especificados. Também é possível pensar no desenvolvimento

das ações do tipo preventivas e promocional de saúde mental, no nível primário de

atenção básica (Nunes e col., 2007).

15

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10216.htm

16 O termo usuário foi introduzido pelas leis 8.080/90 e 8.142/90 (Legislação do SUS), com o objetivo

de que esses passassem de pacientes a protagonistas sociais, utilizando dos recursos públicos (Amarante, 2007).

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Para que o atendimento à saúde mental aconteça em nível primário da

atenção básica é importante que os profissionais sejam preparados para ouvir e

reconhecer que a demanda em saúde mental vai além da doença/transtorno mental

instalado, além de reconhecer a importância da comunicação entre os profissionais

de saúde com os serviços de saúde mental.

Segundo o Ministério da Saúde (2003) os princípios de atuação da atenção

básica na saúde mental são: a noção de território, a organização da atenção à

saúde mental em rede, a intersetoralidade, a reabilitação psicossocial, a

multiprofissionalidade/interdisciplinaridade, a desistitucionalização, a promoção da

cidadania dos usuários e a construção de autonomia possível de usuários e

familiares.

A saúde mental na atenção básica responsabilizou-se pela assistência de

certas demandas, inicialmente identificada nos transtornos leves e nos transtornos

decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Porém, atualmente outras demandas

já se apresentam na saúde mental na atenção básica, a saber: de sofrimento

psíquico subjetivo relacionado a outros problemas de saúde, como também, de

adoecimentos relacionados a situações socioeconômicas e de desigualdade, entre

outros, como fatores resultantes de sofrimento (Marçal, 2007).

Desde 2003, o Ministério da Saúde, através do documento “Saúde Mental e

Atenção Básica: o vínculo e diálogo necessários” prioriza o apoio matricial como a

forma de organização das ações de saúde mental junto à atenção básica.

Contudo, a demanda nas unidades de atenção básica é elevada e o número

de profissionais ainda é restrito. Para tanto, a perspectiva que se apresenta como

uma forma de melhor atendimento e abrangência é a dos Núcleos de Atenção a

Saúde da Família (NASF) 17, que tem como objetivo ampliar a abrangência das

ações de atenção básica bem como sua resolubilidade. Tal vinculação deve permitir

o aprimoramento da conceituação da terminologia saúde mental, desenvolvendo

investigações e aperfeiçoamento na interface entre atenção básica e saúde mental,

17

Antes de se configurar o NASF, pela Portaria nº 154/2008, a perspectiva do matriciamento foi trazida como um arranjo institucional pelo Programa Paidéia de Campinas (SP) em 2001, dentro da organização em equipes de referência para famílias, como uma possibilidade de ampliar a clínica, na realização de projetos Terapêuticos, facilitando então a vinculação e a responsabilização das equipes, evitando-se a lógica do encaminhamento (Gomes e col.,2006).

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que permanece ainda quase inexplorada, e que é, potencialmente, uma área

emergente de máxima relevância social. O estabelecimento de interlocução

sistemática entre esses dois campos poderia trazer significativo avanço para ambos,

conforme apontam experiências exitosas nesse sentido (Campos e Amaral, 1997).

Frente a isto, este trabalho pretende reunir subsídios que contribuam para a

prática da saúde mental na atenção básica, pois se entende que conhecer as

práticas dos profissionais em relação saúde mental neste nível de atenção, permitirá

que ações e práticas se tornem mais viáveis na perspectiva apresentada à atenção

básica da promoção e prevenção da saúde mental.

Método

Este estudo utilizou como metodologia a pesquisa qualitativa, que, segundo

Minayo (2010), é entendida como aquela capaz de abordar os seres humanos, o que

esses sentem, pensam, como agem e como se relacionam, a partir da sua maneira

de definir e interpretar os acontecimentos.

A pesquisa foi realizada em um município do estado de Santa Catarina,

tendo como cenário uma Unidade de Saúde da Família (USF) onde atuam duas

equipes multidisciplinares, conforme Portaria GM/648/2006, sendo que apenas uma

das equipes estava com seu quadro completo de profissionais. Esse estudo foi

encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), com parecer favorável

(Protocolo nº 457/09) conforme as diretrizes da Resolução 196/96 e suas

complementares, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Quanto à faixa etária, os profissionais que compuseram a amostra têm entre

20 (vinte) e 50 (cinquenta) anos. Todos eles são do sexo feminino. Sobre a

escolaridade, cinco possuem curso superior completo e cinco o ensino médio.

Quanto ao tempo de atuação na equipe de ESF, seis profissionais responderam que

atuam há um mês, um profissional há nove meses e três afirmaram atuar entre três a

sete anos. A maioria dos profissionais está há pouco tempo atuando na equipe de

ESF. Tal fato se justifica, pois a coleta de dados realizou-se no momento da entrada

de novos profissionais, aprovados no concurso público realizado em novembro de

2009.

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A coleta de dados foi realizada por meio de duas técnicas: observação de

campo e entrevista semi-estruturada. As entrevistas foram gravadas e transcritas.

Para participar da pesquisa, os sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE), documento que garante a condução ética do estudo.

Os dados coletados na observação de campo foram utilizados para a

caracterização do local de pesquisa, e esse foi um aspecto central no processo de

coleta, análise e interpretação dos dados.

Antes da entrevista, foi realizado um processo de aproximação com o

campo por meio de visitas à comunidade e à unidade de saúde. Nestas visitas

realizou-se observação indireta para registrar a dinâmica da comunidade e da USF,

viabilizando uma maior interação do pesquisador com o campo.

Os dados foram analisados seguindo o seguinte percurso: inicialmente as

entrevistas foram transcritas, seguidas de uma leitura flutuante que permitisse a

apreensão das práticas. Num segundo momento, assinalamos palavras e

expressões que poderiam dar significado a estas práticas. O terceiro momento

caracterizou-se pela análise inferencial, na qual se procurou articular as práticas as

concepções dos profissionais em relação à saúde mental e ao usuário da saúde

mental (Bogdan e Biklen, 1994; Minayo, 2010; Trivinos, 1987; Ludke e Andre, 1986).

Resultados e discussão

As práticas que permeiam o dia a dia dos profissionais da ESF, quando

remetidos as questões que envolvem saúde mental, compreenderam: atendimento

diferencial, os grupos e as visitas domiciliares, a responsabilização da família e a

medicalização.

O atendimento diferencial é uma de suas práticas, quando identificam

demandas em saúde mental.

Mas como eu te falei quando chegam essas pessoas a gente

atende de uma maneira, não seria mais eficaz, mas mais

diferenciada (Entrevistado 5).

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O acolhimento aqui, mesmo para as pessoas “ditas não

normais” que a gente acha que são mais normais que a gente,

é bem atendida, dão prioridade para essas pessoas

(Entrevistado 1).

Este usuário, segundo os profissionais, necessitaria de um atendimento

diferenciado por ser uma pessoa não normal, existindo vários elementos que

marcariam esta diferença, desde a necessidade de medicamento ou atendimento no

CAPS até um comportamento diferenciado ao chegar à unidade.

Assim, o usuário de saúde mental em relação à medicação, seria aquele que

faz uso de medicação contínua, indicada pelo médico, como aparece na

representação das falas dos Entrevistados 1 e 7.

Para mim, é essa a forma que eu te falei, a pessoa que

realmente precisa estar fazendo o uso de certas

medicações que venha periodicamente no psiquiatra

(Entrevistado 1).

Os que fazem uso de medicamento controlado,

psicotrópico, que tem suas crises, que tem seus problemas é

um monte (Entrevistado 7).

Estes usuários já estariam condicionados ao uso contínuo de psicotrópicos,

muitas vezes relacionados à necessidade de medicamentos para as tristezas e

angústias que afligem suas vidas diárias, acreditando no medicamento como a

possibilidade única de melhora e de ajuda. Como apresentado nas falas dos

Entrevistados 8 e 6.

Eles vêm atrás de um psiquiatra, como um cardíaco vem atrás

do cardiologista. Ele vem atrás dos remédios dele né, para a

síndrome dele, que ele usa, do mesmo jeito que o hipertenso

vem atrás. Então, eu não tenho muita diferença (Entrevistado

8).

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E já vem quando estão com alguma dificuldade ou tristeza, já

vem condicionando necessidade de remédio, já fazendo o

pedido e achando que isso é o mais importante e tendo aquela

ansiedade que a gente vê (Entrevistado 6).

E o que a gente lida mais assim, dona de casa, aposentado,

pessoas que já saíram do mercado de trabalho, que nunca

tiveram, procuram muita medicação, sempre estão com uma

dor que nunca cura, uma angústia que nunca cura, com insônia

que não tem remédio (Entrevistado 8).

Segundo os entrevistados 5 e 8, esses usuários são confusos muitas vezes

diante da procura pela USF e perante suas queixas, ou seja, não sabem o motivo

que os levou até o serviço, não corresponde a busca deste com o que o profissional

identifica.

São pessoas que não têm noção do que dizem, eles vem no

posto fazer alguma coisa, mas quando chegam aqui não

sabem mais o que querem, não sabem se vieram pegar

receita, eles falam uma coisa, mas na mesma hora mudam

(Entrevistado 5).

Outro dia as dores não se relacionam, mas eles dizem o que

eles estão sentindo, mas não se encaixa no contexto da

conversa do que você esta vendo (Entrevistado 8).

Diante das falas apresentadas os profissionais identificam os usuários de

saúde mental nos moldes que se assemelham aos dos portadores de /transtornos

mentais. No discurso dos profissionais de saúde identifica-se ainda um olhar

rotulado para aquele sujeito “diferente”.

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Na identificação do usuário de saúde mental, como aquele “confuso”, também

é destacado pelos entrevistados a confusão que esses usuários fazem quando lhes

é explicado ou repassado alguma informação pelos profissionais, como pontua o

entrevistado 8. Apesar da dificuldade de entendimento isto não os impede de

receber e de “acolher” este usuário.

A gente tem um pouco mais de dificuldade de explicar, de

fazer eles entenderem o que a gente que dizer, mas no fundo,

no grosso da coisa eles são atendidos no acolhimento igual a

todos (Entrevistado 8).

Você conversa com ele, ele não te dá muita atenção, ele te

responde, ele me identifica, me conhece, mas assim, tem

coisas assim (Entrevistado 4).

Segundo Dimenstein e col. (2005), muitos ainda são os entraves para a

acessibilidade dos usuários de saúde mental nas USF, que vem respondendo por

menos de 10% da demanda, quando deveria ser o local privilegiado de acolhimento

dos usuários, evitando, desta forma que tanto os hospitais psiquiátricos como os

CAPS assumam o papel de porta de entrada em saúde mental.

Nos dias de hoje ainda nota-se a tendência hospitalocêntrica e das

especialidades quando se trata de saúde mental. Tal fato é relatado nas falas dos

entrevistados quando referem sobre os usuários de saúde mental ser atendidos pelo

CAPS, não sendo então de responsabilidade da USF.

Neste contexto, a proposta de acolhimento diferenciado limita-se à agilidade

do encaminhamento e à atenção para o evitamento de “confusões”. Percebe-se

então, que ao atender o usuário não faz parte da prática o acolhimento na

perspectiva de acolher a subjetividade e as questões que permeiam o usuário. Pelo

contrário, ainda se tem na prática o atender a demanda que se torna explicita e

emergencial.

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O acolher entra em uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), o

da integralidade, que busca atender a todos os cidadãos que procuram os serviços

de saúde, e que seja garantido a esses a acessibilidade de forma universal e

igualitária.

Para Franco e col. (1999), o trabalho entre o profissional da saúde e o usuário

deve visar a produção de relações de escuta e de responsabilização, sendo

articuladas com o estabelecimento de vínculos e do compromisso no projeto de

intervenção. Buscando, desse modo, a produção de algo que possa representar a

conquista do controle do sofrimento ou da produção de saúde.

As possibilidades de atuação com este grupo de usuários com questões

relacionadas à Saúde Mental, identificadas pelos profissionais, aparecem como

práticas não voltadas à medicalização ou ao encaminhamento para as atividades em

grupo e à visita domiciliar.

Estas práticas foram assinaladas e relacionadas reflexivamente como práticas

advindas para um fazer na atenção básica, porém quando trazidas para atuação

acabam sendo distorcidas, por um modelo que ainda permeia as concepções e

práticas de profissionais e gestores de saúde.

Os grupos apresentam-se segmentados como grupos de hipertenso, de

gestantes, de diabetes, entre outros. Estando a saúde mental incluída nos grupos

realizados com as famílias, e ainda pouco apropriado pelos profissionais em sua

atuação.

Tem né, são feito os grupos né, tem feito grupos, grupos

separados, agora o doente mental, entra no da família

mesmo, tem o de gestante, de idoso, tudo separado e o

doente mental vai no da família, que é geral né, tem reunião

com esse grupo (Entrevistado 3).

Quanto à visita domiciliar, esta é referida para os casos de usuários que não

buscam a USF, tornando, portanto, necessário o profissional, mais especificamente

o médico, realizar a visita ao domicílio.

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Porque tem uns que são doente mental, mas não vem até aqui,

a médica vai na casa deles (Entrevistado 1).

[...] ela não vem muito aqui, mas a médica vai lá ver ela

(Entrevistado 2).

A visita domiciliar e os grupos podem ser usados como um instrumento

facilitador, tanto no que tange à abordagem ao usuário como a sua família. Pois no

âmbito da saúde mental, a família é compreendida como um dos pontos chaves a

serem trabalhados. Mas para isso, se faz necessário que a proposta a essas

atividades ultrapassem a compreensão do individual e busquem compreender a

dinâmica que envolve os usuários e a família (Reinaldo e Rocha, 2002).

No entanto, para os profissionais aqui pesquisados, a família é envolvida

nas práticas quando há a necessidade de responsabilização destas diante dos

cuidados e das dificuldades, as quais os profissionais não incluem como sendo de

sua competência.

Quando os problemas envolvem a esfera do mental, as sensações de

impotência e incapacidade tornam inviáveis as construções de alternativas para o

cotidiano e para o manejo delas, diante dos eventos do dia a dia. Severo e col.

(2007) observou que a ausência e os bloqueios da família passam a ser reforçados

pelos profissionais que atendem o membro doente, e indiretamente a família.

Quando são pacientes que precisam de um responsável,

daí sim, a gente vai atrás do responsável, não tem como

entregar uma medicação para eles (Entrevistado 5).

Quando tem algum problema com o paciente e não

consegue resolver, a gente chama a família, chama o

responsável para ajudar [...] (Entrevistado 7).

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Podemos relacionar esse papel definido às famílias, relembrando os

momentos históricos que foram definindo o lugar da família em saúde mental.

Constatou-se que, por um longo período de negociações, a família foi sendo

rediscutida, para que uma nova relação fosse firmada no convívio do usuário de

saúde mental junto a ela. A importância da família foi considerada não apenas como

responsável pelo membro doente, mas também a ser cuidada, pois quando um dos

seus membros está doente, seja física ou mentalmente, apresenta-se uma

atmosfera de tensão no sistema familiar.

Outra modelo de prática exercido pela equipe de ESF é a medicalização. Para

estes suas práticas entram no acompanhamento e controle para que o uso do

medicamento seja feito de forma correta e contínua.

A gente só procura saber informações sobre remédio, se ele ta

tomando remédio, que remédio eles estão tomando, a Dra.

N. passa o fichário dos remédios que eles estão tomando até

para saber (Entrevistado 5).

Tudo que eles precisam a gente faz, se precisa buscar o

remédio a gente vai, fazem visitas, as pessoas vão lá e vêm

se ta tomando remédio, faz injeção, vacina né, ele é bem

cuidado né (Entrevistado 2).

A medicalização é relatada pelos profissionais como sendo a prática

principal e mais importante a ser realizada, quando se identificam as demandas em

saúde mental. Este enfoque, que acaba sendo privilegiado, muitas vezes irá impedir

que o profissional olhe e cuide das outras questões que permeiam os sujeitos e seus

sintomas.

Entretanto, em contrapartida a um processo que se instalou como

medicalizante, aparece a reflexão acerca do papel que as equipes de ESF vem

exercendo como estratégia. Estas se percebem cumprindo o pedido do usuário,

cuidando apenas da medicalização, que na sua reflexão trata-se da medicalização

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do sofrimento, ou seja, não se escuta, não se acolhe, não se tenta buscar uma

resolução para os problemas, apenas se medicaliza.

Vem aqui e pede o remédio, e a gente da o remédio, esse que

é o pior problema, porque se fala em medicalização do

sofrimento a gente já esta na medicalização do conflito

(Entrevistado 6).

Identifica-se o quanto a medicalização permeia as práticas em saúde

mental, pois esses são apresentados como a prática mais recorrente e de maior

demanda aos profissionais. Contudo, alguns dos entrevistados já conseguem

perceber que o medicar, por mais que seja um pedido do usuário e que se

apresenta, talvez, como a prática mais imediata e resolutiva, pode estar gerando o

efeito de tornar-se a única possibilidade em saúde mental na atenção básica.

Considerações finais

O desafio que vem sendo enfrentado pelos profissionais da atenção básica é

a articulação entre saúde mental e atenção básica. Esta articulação, através da

Estratégia Saúde da Família (ESF), vem sendo postulada como o campo de práticas

e produção de novos modos de cuidado em saúde mental.

Nesta pesquisa identificou-se que concepção de saúde mental perpassa as

práticas é o conceito de saúde igual à doença, sendo este ainda um conceito

biologista e objetivo, sem olhar para as questões subjetivas e a dimensão social que

envolve os usuários.

A concepção saúde mental igual à doença mental se apresenta por meio de

uma prática de atendimento diferenciada pelos profissionais, que a definem através

da tecnologia do acolher e priorizando o então reconhecido usuário de saúde

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mental. Contudo o acolhimento deve ser uma ferramenta usada de forma igualitária

com a finalidade de constituir uma relação entre o profissional e o usuário.

O acolher na atenção básica, se bem realizado nas práticas de saúde, assim

como sugere Franco e Merhy (1999), vai atender e olhar para as questões que

permeiam a saúde mental, pois se buscará no acolhimento produzir ferramentas

para o controle do sofrimento junto do usuário.

É imprescindível ainda, que o enfoque à saúde mental não venha apenas

ligado à doença mental, pois assim só se cuidara da saúde mental quando existir a

doença/transtorno mental instalado, sem pensar nos sofrimentos que permeiam

antes a doença/transtorno mental ou até mesmo no momento da doença biológica

se instalar.

Para uma nova concepção e, consequentemente, uma nova prática, faz-se

necessário que a temática saúde mental, tenha um novo enfoque, tanto em termos

de formação dos profissionais como também dos programas de saúde, que por

vezes enfocam a saúde mental apenas na prática assistencial da doença/transtorno

mental. A atenção básica deve atender tanto as ações de assistência como de

promoção e prevenção da saúde mental, devendo estas ser articuladas. Portanto,

para que isso se faça possível, é necessário a ampliação do olhar para a saúde do

usuário.

A medicalização também se apresenta como uma prática recorrente que

remete as concepções que permeiam a saúde como doença. Esta se apresenta

como uma das práticas mais referidas no âmbito da atenção básica em saúde

mental, quando novamente o olhar da atenção básica se volta para a assistência até

mesmo do sofrimento, pois se assiste o sofrer através do medicamento.

A prática que envolve a realização de grupos e visitas domiciliares aparece

pouco estruturada pela equipe de ESF. Os grupos seguem ainda a lógica

segmentada e as visitas domiciliares são apropriadas apenas nos casos de maior

dificuldade. Entretanto, estas práticas carregam um potencial para o

estabelecimento de novas maneiras de se relacionar com os usuários e o território.

As atividades grupais podem ser tanto terapêuticas como operativas, pois estes dois

modelos no seu desenvolvimento trazem questões relacionadas à subjetividade dos

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usuários e potencialização de suas ferramentas pessoais, para lidar com situações

adversas e vulneráveis.

Outra possibilidade são as visitas domiciliares, que quando bem empregadas

e realizadas pelos profissionais da saúde, pode resultar no conhecimento do sistema

do qual os usuários fazem parte, envolvendo não apenas o olhar para o sujeito, mas

para toda a sua família. Em relação à família, não apenas responsabilizando-a pelos

cuidados, mas também cuidando dela para que o cuidado seja mais efetivo.

Tanto os grupos como as visitas se configuram como uma das possibilidades

para um fazer em saúde mental na atenção básica, sendo necessário, para a

concretização deste, um olhar integral e ampliado acerca da clínica e das práticas

que lhe concernem.

Neste contexto é fundamental o processo de educação permanente que vá

além da caracterização dos transtornos, mas aborde tecnologias de atuação em

grupo, visitas domiciliares e abordagem ao contexto familiar e comunitário. A

implantação das equipes do NASF e a atuação destas baseada na perspectiva do

matriciamento e clinica ampliada também serão fundamentamentais para

consolidação de práticas que auxiliem a implementação das ações voltadas a saúde

mental.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de desenvolvimento desta pesquisa contribuiu não apenas para

o crescimento profissional como também pessoal desta pesquisadora, pois por

meio do estudo e aprofundamento da temática saúde mental na atenção básica,

novos conceitos foram sendo construído se aprofundados para uma prática mais

integral na atenção básica.

Para os entrevistados participantes, acredita-se, que apenas o fato de toda a

equipe de Estratégia Saúde da Família (ESF) ter contribuído para a realização da

pesquisa, e estarem discutindo acerca da saúde mental, possibilitou a esses

perceberem que essa temática compete a todos que trabalham na vigilância da

saúde no modelo de atenção hoje preconizado pelo do Sistema Único de Saúde

(SUS).

O estudo também permitiu conhecer as concepções e práticas em saúde

mental de uma equipe de ESF. Os objetivos foram satisfatoriamente alcançados,

entretanto alguns questionamentos foram suscitados a partir da análise dos

resultados.

O entendimento de saúde mental, ainda esta fortemente relacionada à

doença mental, ou seja, aos casos onde a doença/transtorno mental já esta

instalado. Consequentemente esses são entendidos como devendo estar aos

cuidados do especialista e da atenção secundária.

Não se percebe que a saúde mental esta presente em todos os aspectos

que envolvem os usuários, por conseguinte, não se percebe suas práticas

envolvendo a saúde mental.

As concepções também se apresentam em como a equipe de ESF identifica

os usuários de saúde mental, estando esse ligado ao protótipo da figura até então

conhecida do louco, que faz barraco, que não compreende, que esta sempre

desligado e que é atendido pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).

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Os entrevistados também trazem na identificação dos usuários de saúde

mental, aquele usuário que vem até a unidade pedindo pelo medicamento, se

ressaltando a necessidade desenfreada em que os usuários da atenção básica

assim como a grande parte da população pela busca imediata e resolutiva dos seus

problemas.

Mas mostrou-se predominante nas práticas da equipe de ESF, o foco na

medicalização, onde a atenção se volta ao individual e se intervém de forma

curativa. Deixando-se de planejar ações onde a atenção integral fosse contemplada,

ou seja, onde a ações predomina-se a promoção, prevenção e quando necessária

as ações curativas.

As dificuldades para a efetivação das práticas em saúde mental na atenção

básica foram apresentadas pela falta de envolvimento da família, estando essas

compreendidas pela equipe de ESF, como a responsável e cuidadora do usuário. E

ainda pela falta de espaço físico e de tempo da equipe de ESF.

Apresentando-se para as práticas da equipe de ESF a possibilidade de

ações futuras, estando o Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF), contemplado

nas expectativas das equipes de ESF, que esses venham dar conta de atender a

saúde mental, por terem em sua equipe a presença do psicólogo.

Assim, ainda se faz necessário que pesquisas busquem conhecer acerca das

expectativas das equipes de ESF diante as equipes matriciais, e também das

concepções das equipes matriciais acerca das suas práticas, pois as equipes

matriciais através do NASF devem servir como apoio na efetivação da atenção

integral diante da organização de uma clínica ampliada. Lembrando que esses

princípios não só devem permear as equipes que possuem as equipes de apoio

matricial, mas a todas as equipes de ESF, através do compartilhamento das práticas

e da desconstrução de concepções enraizadas nos profissionais de saúde.

Diante a realização desta pesquisa pode-se verificar a necessidade de que

asconcepções acerca da saúde, e da saúde mental, tenham espaços nos momentos

de compartilhamento e de capacitação das equipes de ESF. Que as práticas das

equipes de ESF, sejam voltadas mais para o cuidado, que tenham na sua prática

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diária a escuta, o vínculo, que busquem conhecer aonde vive o usuário que vem em

busca de atendimento.

Que os profissionais das equipes de ESF estejam dispostos a conheceras

especificidades dos sujeitos, as dificuldades que os rodeiam, o contexto em que

esses vivem, assim como suas crenças e suas potencialidades em lidar com as

dificuldades e principalmente com os problemas de saúde. A partir daí se

possibilitara uma atenção integral, ou seja, uma atenção a saúde mental dos

usuários da atenção básica.

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APÊNDICE

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APÊNDICE 1

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário (a), em uma

pesquisa de mestrado. Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no

caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final do documento, que está em

duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de

recusa você não será penalizado (a) de forma alguma.

Título do projeto: As concepções e práticas em saúde mental de uma Equipe de

EstratégiaSaúde da Família.

Pesquisadores responsáveis: Juliane de Moliner e Stella Maris Brum Lopes

Contato: (49) 9919-9689 – email: [email protected]

Este trabalho pretende reunir subsídios que venham a contribuir na discussão

acerca da Saúde Mental sendo pensada e trabalhada na Atenção Básica, numa

perspectiva de apoio matricial a ESF, pois assim espera-se gerar um aumento da

capacidade resolutiva das demandas e do processo de trabalho das equipes. Essa

investigação não só colaborara para a saúde coletiva, como também buscara uma

relevância para os profissionais que atuam na área como também para os usuários

e seus familiares. Também se espera que a partir da pesquisa uma síntese

propositiva venha a ser elaborada sobre o processo de trabalho da saúde mental e

atenção básica na perspectiva da clínica ampliada e da integralidade.

Sua contribuição com a pesquisa será com a entrevista semiestruturada.

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As entrevistas serão gravadas em data, local e horários previamente marcados de

acordo com a sua disponibilidade. As informações serão analisadas, classificadas e

categorizadas. Esta pesquisa garante o caráter sigiloso de identidade, bem como o

seu direito de retirar o consentimento de participação a qualquer tempo. O

participante poderá entrar em contato com a pesquisadora para solicitar

esclarecimentos, dar sugestões e fazer contribuições. Após o término da pesquisa,

todos os participantes da pesquisa serão convidados para um encontro, onde os

resultados serão divulgados.

________________________________

Pesquisadora: Juliane de Moliner e Stella Maris Brum Lopes

CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO

Eu,___________________________,RG__________,CPF________________,

concordo em participar do presente estudo como sujeito. Fui devidamente informado

e esclarecido sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os

possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me garantido

que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a

qualquer penalidade ou interrupção de meu acompanhamento.

Local e data: _______________________________

Nome: ____________________________________

Assinatura: ________________________________

Contato: __________________________________

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APÊNDICE 2

Roteiro de entrevista

Dados de identificação

Nome:

Idade:

Sexo:

Escolaridade:

Ocupação:

Quanto tempo na UBS:

Qual é sua rotina de trabalho?

Quais os maiores desafios junto aos usuários?

Roteiro de Entrevista semiestruturada

1. O que você entende por saúde mental?

2. Você tem conhecimentos de usuários de saúde mental na área de

abrangência da UBS?

3. Os usuários de saúde mental são atendidos na USF? Se sim, falar sobre

esses atendimentos.

4. Como é para você o contato com esses usuários?

5. Você se sente preparado para atendê-los?

6. Existe um planejamento em saúde mental na USF?

7. Ações de acolhimento são desenvolvidas aos usuários de saúde mental.

Quais?

8. São desenvolvidas ações de integração para os usuários de saúde mental e

família?

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9. É feita alguma intervenção a partir do contexto familiar, ou seja, a família se

torna parceira no tratamento?

10. Quais as possibilidades de ações em saúde mental na USF?

11. Há motivos que os impedem de realizar outras ações?

12. Quais os serviços de referencias utilizados pela UBS em relação à saúde

mental?

13. Quais os serviços de referencia a UBS utilizam com maior frequência?

14. Como é feito o acompanhamento aos usuários encaminhados aos serviços de

referencia?

15. Já teve caso de internação psiquiátrica? Se sim, houve ações de reintegração

ao usuário de saúde mental internado?

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