as commodities ambientais e a financeirização da natureza

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 Quarta, 22 de janeiro de 2014 Foto: teleport2001.ru Entrevistas As commodities ambientais e a financeirização da natureza. Entrev ista especial com Amyra El Khalili “A financeirização da natureza é a ação de tornar financeiro aquilo que é eminentemente econômico. Isso porque a melhora da qualidade de vida também é uma ques tão econômica”, propõe a economista. De acordo com o Ministério da Agricultura, durante o ano de 2013 o agronegócio brasileiro atingiu a cifra recorde de 99,9 bilhões de dólares em exportações. Soja, milho, cana ou carne ganham os mercados externos na forma de commodities: padronizadas, certificadas e atendendo a determinados critérios e valores regulados internacionalmente. Para a economista Amyra El Khalili , no entanto, as monoculturas extensivas não deveriam ser a única alternativa de produção brasileira. A movimentação econômica envolvendo as commodities tradicionais exclui do processo os pequenos e médios produtores, extrativistas, ribeirinhos e as populações tradicionais. Sem grandes incentivos governamentais, sem investimento para atingir os elevados padrões de qualidade nacionais e internacionais ou capacidade produtiva para atingir os mercados, estes permanecem sempre à margem do sistema. Foi com base no raciocínio da inclusão que a economista de origem palestina criou o conceito de commodity ambiental . Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ela aborda a polêmica dos créditos de carbono (uma “comoditização da poluição”), questiona o fornecimento de créditos por Redução de Emissões por Desmatamento (Redd)  para o agronegócio e descreve o conceito inicial criado por ela. “Uma commodity tradicional é a matéria-prima extraída do ecossistema, que é manufaturada, padronizada por um critério internacional de exportação adotado entre transnacionais e governos”. Por outro lado, a commodity ambiental “também terá critérios de padronização, mas adotando valores socioambientais e um modelo econômico totalmente diferente”. Khalili, que durante mais de 20 anos atuou como operadora de ouro no mercado financeiro, relata que o termo commodity é usado como uma provocação. O conceito está em permanente construção, mas atualmente representa o produto manufaturado pela comunidade de forma artesanal, integrada com o ecossistema e que não promove impacto ambiental. A commodity convencional privilegia a monocultura, a transgenia e a biologia sintética, com seus lucros concentrados nos grandes proprietários. A ambiental é pautada pela diversificação de produção, pela produção agroecológica e integrada, e privilegia o associativismo e o cooperativismo. Amyra El Khalili é economista graduada pela Faculdade de Economia, Finanças e Administração de São Paulo. Atuou nos Mercados Futuros e de Capitais como operadora da bolsa, com uma carteira de  Compartilhar  Imprimir  Enviar por e-mail  Diminuir / Aumentar a letra As commoditi es ambientais e a financeiri zaçã o da natureza. Entrevista... http:/ /www .ihu.unisino s.br/e ntrevi stas/5 2751 1-as-c ommodi ties-a mbien... 1 de 6 22/12/2014 11:13

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  • Quarta, 22 de janeiro de 2014

    Foto: teleport2001.ru

    Entrevistas

    As commodities ambientais e a financeirizao da natureza.Entrevista especial com Amyra El KhaliliA financeirizao da natureza a ao de tornar financeiro aquilo que eminentementeeconmico. Isso porque a melhora da qualidade de vida tambm uma questo econmica, propea economista.

    De acordo com o Ministrio da Agricultura, durante o ano de2013 o agronegcio brasileiro atingiu a cifra recorde de 99,9bilhes de dlares em exportaes. Soja, milho, cana ou carneganham os mercados externos na forma de commodities:padronizadas, certificadas e atendendo a determinados critriose valores regulados internacionalmente.

    Para a economista Amyra El Khalili, no entanto, asmonoculturas extensivas no deveriam ser a nica alternativade produo brasileira. A movimentao econmicaenvolvendo as commodities tradicionais exclui do processoos pequenos e mdios produtores, extrativistas, ribeirinhos e as populaes tradicionais. Sem grandesincentivos governamentais, sem investimento para atingir os elevados padres de qualidade nacionais einternacionais ou capacidade produtiva para atingir os mercados, estes permanecem sempre margem dosistema.

    Foi com base no raciocnio da incluso que a economista de origem palestina criou o conceito decommodity ambiental. Em entrevista concedida por e-mail IHU On-Line, ela aborda a polmica doscrditos de carbono (uma comoditizao da poluio), questiona o fornecimento de crditos porReduo de Emisses por Desmatamento (Redd) para o agronegcio e descreve o conceito inicialcriado por ela. Uma commodity tradicional a matria-prima extrada do ecossistema, que manufaturada, padronizada por um critrio internacional de exportao adotado entre transnacionais egovernos. Por outro lado, a commodity ambiental tambm ter critrios de padronizao, mas adotandovalores socioambientais e um modelo econmico totalmente diferente.

    Khalili, que durante mais de 20 anos atuou como operadora de ouro no mercado financeiro, relata que otermo commodity usado como uma provocao. O conceito est em permanente construo, masatualmente representa o produto manufaturado pela comunidade de forma artesanal, integrada com oecossistema e que no promove impacto ambiental. A commodity convencional privilegia amonocultura, a transgenia e a biologia sinttica, com seus lucros concentrados nos grandes proprietrios.A ambiental pautada pela diversificao de produo, pela produo agroecolgica e integrada, eprivilegia o associativismo e o cooperativismo.

    Amyra El Khalili economista graduada pela Faculdade de Economia, Finanas e Administrao deSo Paulo. Atuou nos Mercados Futuros e de Capitais como operadora da bolsa, com uma carteira de

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  • Foto: Clarinha Glock - IPS

    clientes que ia do Banco Central do Brasil Bombril S/A e ao Grupo Vicunha. Abandonou o mercadofinanceiro para investir seu tempo e energia no ativismo. idealizadora do projeto da Bolsa Brasileira deCommodities Ambientais, fundadora do Movimento Mulheres pela P@Z e editora da Aliana RECOs(Redes de Cooperao Comunitria Sem Fronteiras). Khalili ministra cursos de extenso e MBA emdiversas universidades, por meio de parcerias entre a rede, entidades locais e centros de pesquisa. autorado e-book gratuito Commodities Ambientais em misso de paz - novo modelo econmico para aAmrica Latina e o Caribe (So Paulo: Nova Conscincia, 2009).

    Confira a entrevista.

    IHU On-Line - Existe diferena entre comoditizao danatureza e financeirizao da natureza? Quais?

    Amyra El Khalili Existe, mas uma acaba interferindo naoutra. A comoditizao da natureza transformar o bemcomum em mercadoria. Ou seja, a gua, que na linguagemjurdica chamada de bem difuso, deixa de ser bem de usopblico para ser privatizada, para se tornar mercadoria. Afinanceirizao diferente, a ao de tornar financeiro aquiloque eminentemente econmico.

    Isso porque a melhora da qualidade de vida tambm umaquesto econmica. Uma regio onde as pessoas conseguemconviver com a natureza e tem acesso gua limpa, porexemplo, oferece um custo financeiro melhor, onde voc vive melhor e gasta menos. Isso tambm temfundamento econmico.

    IHU On-Line - No caso da financeirizao da natureza, o que se encaixaria nessa descrio?

    Amyra El Khalili - A nossa obrigao de pagar por servios que a natureza nos faz de graa e que nuncaforam contabilizados na economia, como sequestrar o carbono da natureza, por exemplo. As rvoressequestram o carbono naturalmente, mas para ter qualidade de ar daqui para frente preciso pagar pararespirar. Nessa lgica, aquele que respira precisa pagar pelo preo daquele que poluiu, enquanto estedeixa de ser criminalizado e recebe flexibilidade para no ser multado.

    IHU On-Line - Voc foi a criadora do conceito de commodities ambientais, que bem diferente dacomoditizao da natureza. Qual era a sua proposta inicial para o termo?

    Amyra El Khalili Uma commodity tradicional a matria-prima extrada do ecossistema, que manufaturada, padronizada por um critrio internacional de exportao adotado entre transnacionais egovernos. Os pequenos e mdios produtores, os extrativistas e ribeirinhos, entre outros, no participamdessas decises. O ouro, minrio, no uma commodity enquanto est na terra, um bem comum. Eletorna-se uma quando transformado em barras, registrado em bancos, devidamente certificado compadro de qualidade avaliado e adequado a normas de comercializao internacional.

    A commodity ambiental tambm ter critrios de padronizao, mas adotando valores socioambientais eum modelo econmico totalmente diferente. O conceito est em construo e debate permanente, mashoje chegamos seguinte concluso: a commodity ambiental o produto manufaturado pelacomunidade de forma artesanal, integrada com o ecossistema e que no promove o impacto ambientalcomo ocorre na produo de commodities convencionais.

    A convencional (soja, milho, caf, etc.) produzida com monocultura e a ambiental exige adiversificao da produo, respeitando os ciclos da natureza de acordo com as caractersticas de cada

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  • bioma. A convencional caminha para transgenia, para biologia sinttica e geoengenharia; a outra caminhapara a agroecologia, permacultura, agricultura alternativa e de subsistncia, estimulando e valorizando asformas tradicionais de produo que herdamos de nossos antepassados. A convencional tende aconcentrar o lucro nos grandes produtores, j a ambiental o divide em um modelo associativista ecooperativistas para atender a maior parte da populao que foi excluda do outro modelo de produo efinanciamento.

    O Brasil concentra sua poltica agropecuria em cinco produtos da pauta de exportao (soja, cana, boi,pinus e eucaliptos). A comoditizao convencional promove o desmatamento, que elimina abiodiversidade com a abertura das novas fronteiras agrcolas. Ns somos produtores de gros, mas noexiste apenas essa forma de gerao de emprego e renda no campo. Quantas plantas ns temos no Brasil?Pense na capacidade da riqueza da nossa biodiversidade e o que ns poderamos produzir com adiversificao. Doces, frutas, sucos, polpas, bolos, plantas medicinais, chs, condimentos, temperos,licores, bebidas, farinhas, cascas reprocessadas e vrios produtos oriundos de pesquisas gastronmicas.Sem falar em artesanato, reaproveitamento de resduos e reciclagem. O meio ambiente no entrave paraproduzir, muito pelo contrrio.

    IHU On-Line - Como possvel transformar em commodity algo produzido de forma artesanal?

    Amyra El Khalili O termo justamente uma provocao. Na commodity ambiental utilizamoscritrios de padronizao reavaliando os critrios adotados nas commodities tradicionais. Por isso cunheio termo para explicar a descomoditizao. No entanto, diferentemente das convencionais, os critriosde padronizao podem ser discutidos, necessitam de intervenes de quem produz e podem sermodificados. Nas commodities ambientais, o excludo deve estar no topo deste tringulo, pois os povosdas florestas, as minorias, as comunidades que manejam os ecossistemas que devem decidir sobre essescontratos, critrios e gesto destes recursos, uma vez que a maior parte dos territrios lhes pertence porherana tradicional.

    Com objetivo de estimular a organizao social, cito um exemplo de comercializao associativista ecooperativista bem-sucedida. o caso dos produtores de flores de Holambra (SP). Alm de produziremcom controle e gesto adequados s suas necessidades, a fora da produo coletiva e o padro dequalidade fizeram com que o seu produto ganhasse espao e reconhecimento nacional.

    Hoje voc v flores de Holambra at na novela da Globo. Essa produo, porm, ainda est no padro decommodities convencional, pois envolve o uso de agrotxicos. Mesmo assim conseguiu adotar outrocritrio para decidir sobre a padronizao, comercializao e precificao, libertando-se do sistema demonocultura. A produo de flores diversificada, o que faz com que o preo se mantenha acima docusto de produo, auferindo uma margem de lucro para seus produtores.

    Inspirados no exemplo de comercializao da Cooperativa Agrcola de Holambra com o sistema deLeilo de Flores (Veiling), desenvolvemos um projeto de comercializao das commodities ambientais,alm de novos critrios integrados e participativos de padronizao com associativismo. No entanto, ogoverno tambm precisa incentivar mais esse tipo de produo alternativa e comunitria. A Anvisa, porexemplo, exige normas de vigilncia sanitria e padres de industrializao que tornam inacessvel paraas mulheres de Campos dos Goytacazes colocarem suas goiabadas nos supermercados brasileiros (paraalm de sua cidade). Quem consegue chegar aos supermercados para vender um doce? S a Nestl, s asgrandes empresas.

    E o questionamento que est sendo feito justamente esse. Abrir espao para que pessoas como asprodutoras de doces saiam da margem do sistema econmico. Que elas tambm possam colocar o seudoce na prateleira e este concorra com um doce industrializado, com um preo que seja compatvel comsua capacidade de produo. No industrializar o doce de goiaba, mas manter um padro artesanal de

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  • tradio da goiabada casco. Se ns no tivermos critrios fitossanitrios para trazer para dentro essaproduo que feita margem do sistema, elas vo ser sempre espoliadas e no tero poder de deciso. Oque se pretende que se crie um mercado alternativo e que esse mercado tenha as mesmas condies, eque possam, sobretudo, decidir sobre como, quando e o que produzir.

    IHU On-Line O termo commodities ambientais por vezes utilizado de maneira distorcida, comoque fazendo referncia s commodities tradicionais, mas aplicada a assuntos ambientais, como oscrditos de carbono. De que modo foi feita essa apropriao?

    Amyra El Khalili Ele foi apropriado indevidamente pelos negociantes do mercado de carbono. Elesbuscavam um termo diferente da expresso crditos de carbono, uma palavra que j denuncia um errooperacional. Afinal, se voc quer reduzir a emisso, por que creditar permisses para emitir? Contadores,administradores de empresa e pessoas da rea financeira no entendiam como se reduz emitindo umcrdito que entra no balano financeiro como ativo e no como passivo.

    Como o nome crditos de carbono no estava caindo na graa de gente que entende do mercado, elespegaram a expresso commodities ambientais para tentar justificar crditos de carbono. Porque naverdade estavam comoditizando a poluio e financeirizando-a. o que consideramos prtica de assdioconceitual sub-reptcio: quando se apropriam das ideias alheias, esvaziam-nas em seu contedo original epreenchem-nas com contedo esprio. importante salientar que esse modus operandi est ocorrendotambm com outras iniciativas e temas como a questo de gnero e tnicas. Bandeiras to duramenteconquistadas por anos de trabalho e que nos so to caras.

    IHU On-Line - Os defensores da Reduo Certificada de Emisso promovida pelos Crditos deCarbono afirmam que apesar desse recurso oferecer aos pases industrializados uma permissopara poluir, o governo estabelece um limite para estas transaes. Voc concorda com talafirmao?

    Amyra El Khalili Esse controle tanto no feito de maneira adequada, que desde 2012 h umapolmica no parlamento europeu de grupos que exigem que a Comunidade Europeia retenha 900milhes de permisses de emisso autorizadas aps o mercado ter sido inundado por estas permisses(cap and trade). So permisses auferidas pelos rgos governamentais que foram vendidas quando acotao dos crditos de carbono estava em alta e agora caram para quase zero.

    Ento na teoria pode ser muito bonito, mas entre a teoria e a prtica h uma distncia ocenica. Htambm o seguinte: ainda que voc tenha o controle regional, a partir do momento que um ttulo dessesvai ao mercado financeiro e pode ser trocado entre pases e estados em um sistema globalizado, quemcontrola um sistema desses? Se internamente, com os nossos ttulos, s vezes ocorrem fraudes e perda decontrole tanto com a emisso quanto com as garantias, como se vai controlar algo que est migrando deum canto para outro? praticamente impossvel controlar volumes vultosos de um mercado intangvel ede difcil mensurao.

    IHU On-Line - A China e a Califrnia planejam utilizar os arrozais como fonte para crditos decarbono, o que levou a uma reao da comunidade ambiental com o movimento No-Redd Rice. Emque consiste o movimento e por que ele contrrio a este acordo?

    Amyra El Khalili O REDD, a Reduo de Emisses por Desmatamento e Degradao Florestal, a compra de um ttulo em crditos de carbono sobre uma rea de floresta que deve ser preservada.Trata-se de mais um exemplo de financeirizao da natureza, pois vincula a comunidade local a umcontrato financeiro em que ela fica impedida de manejar a rea por muitos anos, enquanto a outra parte docontrato continua produzindo e emitindo poluio do outro lado do mundo.

    No caso do arroz com REDD, acontece o seguinte: com o entendimento de que uma floresta sequestra

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  • carbono, e que possvel emitir crditos de carbono sobre uma rea preservada de floresta, o argumento que a plantao tambm sequestra. O transgnico inclusive sequestra mais carbono do que a agriculturaconvencional, porque a transgenia promove o crescimento mais rpido da planta e acelera o ciclo docarbono. Ento qualquer coisa que voc plantar na monocultura intensiva, como a cana ou a soja, vaisequestrar carbono tambm. E, por isso, o agronegcio deseja emitir crditos de carbono tambm para aagricultura. Podemos dizer que no sequestra? No, realmente sequestra, mas e quanto aos impactosambientais?

    O movimento internacional contra REDD com Arroz est se posicionando porque isso pressionar todaproduo agropecuria mundial, colocando os mdios e pequenos produtores, populaes tradicionais,populaes indgenas novamente refns das transnacionais e dos impactos socioambientais que essemodelo econmico excludente est causando, alm de afetar diretamente o direito soberania alimentardos povos, vinculando o modelo de produo biotecnologia e com novos experimentos bio-geo-qumicos.

    IHU On-Line - O problema que, se o crdito de carbono foi criado com o objetivo de diminuir osimpactos ambientais, no se pode colocar sob uma monocultura que gera impactos da mesmaforma a possibilidade de soluo do problema, correto?

    Amyra El Khalili Exatamente. Outra coisa importante que, mesmo com o conceito commodityambiental estando em construo coletiva e permanentemente em discusso, hoje ns temos a certeza doque no uma commodity ambiental. Elas no so transgnicas, nem podem ser produzidas comderivados da biotecnologia como biologia sinttica e geoengenharia. No so monocultura, no podemse concentrar em grandes produtores, no causam doenas pelo uso de minerais cancergenos (amianto),no usam produtos qumicos, nem envolvem a poluio ou fatores que possam criar problemas de sadepblica, pois estes elementos geram enormes impactos ambientais e socioeconmicos.

    A produo agrcola, como feita hoje, incentiva o produtor a mudar sua produo conforme o valor pagopelo mercado. Ento se a demanda for de goiaba, s se planta goiaba. Nas commodities ambientais, no.No o mercado, mas o ecossistema que tem o poder de determinar os limites da produo. Com adiversificao da produo, quando no temporada de goiaba a de caqui, se no for caqui na prximasafra tem pequi e na seguinte melancia. Se comearmos a interferir no ecossistema para manter a mesmamonocultura durante os 365 dias do ano, vamos gerar um impacto gravssimo.

    IHU On-Line O que a gua virtual e como esse conceito se encaixa na discusso decommodities?

    Amyra El Khalili A gua virtual a quantidade de gua necessria para a produo das commoditiesque enviamos para exportao. No Oriente Mdio, ou em outros pases em crise de abastecimento, comono h gua para a produo agrcola extensa a alternativa importar alimento de outros pases. Quandose est importando alimento, tambm se importa a gua que este pas investiu e que o outro deixou degastar.

    O que se defende na nossa linha de raciocnio que, quando exportamos commodities tradicionais (soja,milho, boi, etc.), se pague esta gua tambm. No entanto, no paga nem a gua, nem a energia ou o sologasto para a produo daquela monocultura extensiva. A comoditizao convencional, no modelo quetemos no Brasil h 513 anos, altamente consumidora de energia, de solo, de gua e biodiversidade, eesse custo no est agregado ao preo da commodity. O produtor no recebe este valor, pois vende a sojapelo preo formado na Bolsa de Chicago. Quem compra commodity quer pagar barato, sempre vaipressionar para que este preo seja baixo.Ainda sobre a gua, se na escassez dos recursos que estes passam a ser valorizados como

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  • mercadoria, quais as perspectivas de uma crise mundial no abastecimento hdrico?

    Amyra El Khalili Eu considero a questo hdrica a mais grave e mais emergencial no mundo. Semgua no h vida, ela essencial para a sobrevivncia do ser humano e de todos os seres vivos. A falta degua morte imediata em qualquer circunstncia. No Brasil no estamos livres do problema da gua.Muita dessa gua est sendo contaminada com despejo de efluentes, agrotxicos, qumicos e com aeminncia da explorao de gs de xisto, por exemplo, onde a tcnica usada para fraturar a rocha podecontaminar as guas subterrneas.

    Os pesquisadores e a mdia do nfase muito grande para as mudanas climticas, que a consequncia,sem aprofundar a discusso sobre as causas. Do destaque para o mercado de carbono como a soluo,sem dar prioridade para a causa que o binmio gua e energia. O modelo energtico adotado no mundocolabora para esses desequilbrios climticos, se no for o maior responsvel entre todos os fatores. Nssomos totalmente dependentes de energia fssil, e no Brasil temos um duplo uso da gua: para produzirenergia (hidreltricas) e para produo agropecuria e industrial, alm do consumo humano e de demaisseres vivos.

    E por que necessrio produzir tanta energia? Porque nosso padro de consumo altamente consumidor.Seguimos barrando rios e fazendo hidreltricas, e quando barramos rios, matamos todo o ecossistema que dependente do ciclo hidrolgico. Caso o binmio gua e energia seja resolvido, tambm ser resolvidoo problema da emisso de carbono. Quando se resolve a questo hdrica, recompomos as florestas, asmatas ciliares, a biodiversidade. O fluxo de oxignio no ambiente e a prpria natureza trabalhar parareduzir a emisso de carbono. Se no atacarmos as causas ficaremos circulando em torno dasconsequncias, sem encontrarmos uma soluo real e eficiente para as presentes e futuras geraes.

    (Por Andriolli Costa)

    Para ler mais:

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