ambientalização dos bancos e financeirização da natureza

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A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais apresenta esta publicação com o objetivo de contribuir para o debate sobre a atuação e as políticas socioambientais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no contexto da fianaceirização da natureza e ambientalização dos bancos. Outro propósito que se busca alcançar aqui é a valorização das experiências de resistência nos territórios, desenvolvidas pelas organizações-membro e pelas parceiras da Rede, diante dos megaempreendimentos financiados pelo BNDES. Esperamos que as diversas contribuições deste estudo aportem à reflexão das organizações, academia, redes e dos movimentos sociais brasileiros no controle social e redirecionamento de um dos maiores bancos públicos de desenvolvimento do mundo na busca por justiça econômica, social e ambiental.

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Ambientalização dos Bancos e Financeirização da Natureza

Um debate sobre a política ambiental do BNDES e a responsabilização das Instituições Financeiras

Organizado por:

João Roberto Lopes Pinto

Brasília 1a edição

2012

Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

Organizado por João Roberto Lopes Pinto

Brasília, 1a edição, 2012.

ISBN 978-85-88232-05-1

Ambientalização dos Bancos e Financeirização

da Natureza - Um debate sobre a política ambiental do BNDES

e a responsabilização das Instituições Financeiras

1. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES

2. Salvaguardas socioambientais 3. Financeirização da natureza

4. Ambientalização das Instituições Financeiras

5. Violações de Direitos Humanos

6. Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)

Edição: Patrícia Bonilha

Revisão: Daniela Lima

Projeto Gráfico e Capa: Guilherme Resende - [email protected]

Apoio:

Ambientalização dos Bancos e Financeirização da Natureza

Um debate sobre a política ambiental do BNDES e a responsabilização das Instituições Financeiras

Organizado por:

João Roberto Lopes Pinto

Brasília 1a edição

2012

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Contexto Internacional

Contexto Territorial

SUMÁRIOApresentação - Coordenação RB

Introdução - João Roberto Lopes Pinto

BNDES e violações de direitos - Marilda Teles Maracci

Ambientalização dos bancos: da crítica reformista à crítica contestatária - Fabrina Furtado e Gabriel Strautman

Banco Mundial: um exemplo para o BNDES? - Lucia Ortiz

A responsabilidade do BNDES pelas violações de direitos humanos - Jadir de Anunciação de Brito

Considerações e Recomendações - João Roberto Lopes Pinto

A história se repete como farsa - Diana Aguiar

BNDES e violações de direitos: fichário dos casos - Marilda Teles Maracci

Caso TKCSA – Companhia Siderúrgica do Atlântico

Caso UHE Belo Monte

Caso UHE Santo Antônio e UHE Jirau

Caso Veracel Celulose

Caso Megaeventos esportivos (Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016)

Caso Vale Moçambique

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6

O Estado brasileiro tem financiado a destruição da natureza: impactos em suas populações

7

ApresentaçãoCoordenação Nacional da Rede Brasil*

Teles Maracci, aprofundadas em um fichário apresentado no

final da publicação, colocam em xeque a abordagem da política

socioambiental do BNDES.

As contradições do modelo de desenvolvimento, promovido

pelas IFMs e defendido pelo Estado brasileiro, capturado pelas

corporações que compõem os blocos hegemônicos de poder no

cenário nacional, são abordadas nos textos de Fabrina Furtado e

Gabriel Strautman, ex-secretários executivos, e por Lúcia Ortiz e

João Roberto Lopes Pinto, membros da Coordenação Nacional

da Rede Brasil. Estes autores explicitam as semelhanças das

políticas socioambientais em desenvolvimento pelo BNDES

vis-à-vis o processo de ambientalização do financiamento ao

desenvolvimento acompanhado de estratégias de financeirização

da natureza promovidas pelo Banco Mundial.

Na sequência, o estudo aponta perspectivas baseadas em uma

estratégia política de abordagem jurídica sobre a responsabilidade

subsidiária dos agentes financeiros, apresentada por Jadir Brito,

e apresenta recomendações para a atuação da Rede Brasil e dos

movimentos sociais que, de forma mais ampla, convergem para

uma maior e necessária incidência da sociedade organizada sobre

o BNDES e os rumos de desenvolvimento do país.

O texto complementar de Diana Aguiar apresenta uma análise do

contexto internacional de fortalecimento e reconfiguração das IFMs

no período pós-crise financeira de 2008. Fruto de um projeto apoiado

pela Fundação C.S. Mott, este artigo integra a proposta da Rede Brasil

de atualizar-se sobre o novo papel das IFMs e a atuação do G20.

Como parte do processo de incidir sobre o tema do

financiamento ao desenvolvimento e, especialmente, sobre

o BNDES, a Rede Brasil participou de debates regionais,

organizou oficinas e publicou duas revistas Contra Corrente

Com um acúmulo de quase duas décadas na articulação e

luta contra-hegemônica no campo do monitoramento

crítico das Instituições Financeiras Multilaterais (IFMs), a

Rede Brasil apresenta esta publicação com o objetivo de contribuir

para o debate sobre a atuação e as políticas socioambientais

do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

(BNDES). Outro propósito que se busca alcançar aqui é a

valorização das experiências de resistência nos territórios,

desenvolvidas pelas organizações-membros e pelas parceiras da

Rede, diante de projetos e políticas destas instituições.

Desafiada a aportar na análise sobre as salvaguardas

socioambientais do BNDES, como estratégia potencial de controle

social de um dos maiores bancos públicos de desenvolvimento

do mundo, a Rede Brasil desenvolveu este estudo com o apoio

financeiro da articulação de fundações CLUA (Climate and

Land Use Alliance). Aliando conhecimentos e a expertise de

pesquisadores de diversas áreas, a Rede buscou fortalecer o

debate interno, apresentado aqui por ex-secretários executivos

e membros da sua Coordenação, articulado ao acúmulo de

redes parceiras, como a Plataforma BNDES e a Rede Brasileira

de Integração dos Povos (Rebrip), e à valiosa colaboração

acadêmica de especialistas na área jurídica e de análise de

conflitos socioambientais. São textos autorais que não expressam

necessariamente o posicionamento da Rede Brasil, mas que

convergem e contribuem para as conclusões e recomendações

deste processo de debates empreendido pela Rede.

O primeiro artigo é fundamentado em casos concretos que

explicitam os impactos socioambientais e as violações de direitos

humanos de projetos financiados pelo BNDES, tanto dentro

como fora do Brasil. As evidências elencadas no texto de Marilda

8

com os temas da ambientalização do financiamento e da

financeirização da natureza. Nesse contexto, merece destaque a

oficina “Serviços Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES:

Salvação da Amazônia ou Armadilha do Capitalismo Verde?”.

Realizada em Rio Branco, no Acre, em outubro de 2011, esta atividade

foi promovida com o apoio do Fórum da Amazônia Ocidental

(Faoc), do Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação

Popular (CDDHEP), da CLUA e da Fundação Heinrich Boell.

Antecipada por visitas a campo, a oficina priorizou os

testemunhos de organizações, pesquisadores, trabalhadores e

trabalhadoras das diversas regiões da Amazônia. A partir dessa

perspectiva, o debate abordou, principalmente, o distanciamento

entre os anseios e propostas populares para a sustentabilidade

na Amazônia e a real possibilidade de resguardo de direitos

diante da implementação de projetos definidos pelas políticas

de aceleração do crescimento econômico, financiadas pelos

bancos de desenvolvimento. Esta oficina também trouxe à tona o

questionamento sobre a efetividade da estratégia de salvaguardas,

especialmente quando são definidas pelas instituições financeiras,

sem adequadas condições de participação e controle social e de

respeito e incorporação das visões locais de desenvolvimento.

A Rede Brasil, com base de definições de suas Assembleias de

2007, 2010 e 2012, como membro fundador da Plataforma BNDES

e integrante do Grupo Operativo desta articulação, decidiu

focar sua contribuição nas estratégias de responsabilização do

BNDES. Neste sentido, ancora-se em sua própria experiência

no monitoramento crítico das políticas e salvaguardas

socioambientais das IFMs, na articulação regional e internacional

com organizações sociais e redes parceiras para a denúncia dos

impactos da atuação nacional e internacional do BNDES e no

papel deste Banco e das IFMs na geração de dívidas e violações

de direitos sociais e ambientais na implementação de projetos

relacionados à infraestrutura e aos megaeventos esportivos.

A tese da responsabilização subsidiária do BNDES, fortalecida

nos debates realizados na IX Assembleia Geral da Rede Brasil, que

contou com a presença do Ministério Público Estadual do Pará,

além dos pesquisadores desta publicação, é defendida aqui a partir

de todo este acúmulo e dos diversos ângulos de análise brindados

pelos autores. Ela também é reforçada em um contexto em que as

estratégias e políticas socioambientais das instituições financeiras,

longe de garantir os direitos das populações ou reconhecer

os direitos da natureza, representam novas formas de impor a

velha ideologia neoliberal e implementar, ao mesmo tempo que

mascarar, um novo ciclo de acumulação do capital. Tendo como

base o aprofundamento da apropriação dos espaços e serviços

públicos, este ciclo também se fundamenta na financeirização

dos bens comuns e da vida num sentido mais amplo.

Neste momento de reconfiguração da economia, as mesmas

instituições financeiras geradoras das crises se fortalecem,

apresentando-se como uma “solução”, a ponto de lograrem

em substituir a política e os direitos por suas condicionantes e

salvaguardas. Enquanto atuam para garantir privatizações, demissões

massivas, redução dos benefícios e perda dos direitos conquistados

pelos trabalhadores no Norte Global, avançam, no Sul, suas políticas

de privatização da gestão ambiental e de apropriação do intangível.

Através de reformas políticas e novas leis, permite-se classificar os

componentes da natureza como “capital natural” para que os bancos

e as corporações os transformem em títulos financeiros que podem

ser especulados em bolsas de valores.

É, portanto, mais do que nunca necessário rever os velhos

discursos e formas de atuação das instituições financeiras e

fortalecer a resistência e a mobilização social no questionamento

do papel do Estado no atual modelo de desenvolvimento.

Esperamos que as diversas contribuições deste estudo aportem na

reflexão das organizações, redes e movimentos sociais para além

do âmbito da Rede Brasil e animem ações da Plataforma BNDES

no controle social e redirecionamento de um dos maiores bancos

públicos na busca por justiça econômica, social e ambiental.

* A partir de 17 de agosto de 2012, data de encerramento da IX Assembleia Geral da Rede Brasil, a sua Coordenação Nacional passou a ser composta das seguintes organizações: Amigos da Terra Brasil, Fórum da Amazônia Ocidental (Faoc), Fórum da Amazônia Oriental (Faor), Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará e Instituto Mais Democracia. No entanto, é importante ressaltar que esta publicação foi concebida e produzida pela Coordenação anterior, composta por: Amigos da Terra Brasil, Centro de Pesquisa e Assessoria - Esplar, Fórum da Amazônia Ocidental (Faoc), Fórum da Amazônia Oriental (Faor), Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (Inesc), Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) e Rede Alerta Contra o Deserto Verde.

9

Introdução

Opresente estudo se inscreve no contexto de

monitoramento e incidência sobre o Banco Nacional

de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),

realizado, desde 2007, tanto pela Rede Brasil sobre Instituições

Financeiras Multilaterais como pela Plataforma BNDES,

articulação de organizações e movimentos sociais brasileiros

voltada a democratizar o referido Banco, da qual a Rede Brasil é

membro fundador.

Em sua última reunião geral, ocorrida na Escola Florestan

Fernandes em junho de 2011, as organizações que compõem

a Plataforma BNDES reafirmaram que “a crítica ao padrão

de financiamento do BNDES que sustenta o modelo de

desenvolvimento em curso é o ponto central de unificação

da Plataforma”. Após estes cinco anos de atuação, percebe-se

que as questões levantadas pela Plataforma não apenas

permanecem justas e necessárias, mas ganharam um

sentido de urgência dadas a escala alcançada pelo BNDES no

financiamento ao desenvolvimento e as resistências do Banco,

ainda muito fortes, em se abrir para um debate mais amplo com

a sociedade organizada.

Como um dos eixos prioritários de seu plano de ação, as

organizações da Plataforma defendem a “corresponsabilização

e responsabilização judicial do BNDES: a Plataforma reunirá

argumentos para comprovar a responsabilidade judicial do

BNDES pelas violações de direitos dos trabalhadores e das

populações atingidas pelos empreendimentos financiados

pelo Banco”. Nesse sentido, a Rede Brasil assumiu a tarefa

de subsidiar o processo de aprofundamento das discussões

sobre salvaguardas socioambientais e corresponsabilização

do BNDES como via de controle social e de pressão pública a

João Roberto Lopes Pinto*

democratizar e transformar as práticas do banco em prol do

desenvolvimento com justiça social e ambiental.

O BNDES, um dos maiores bancos de desenvolvimento

do mundo, não possui política de transparência, de acesso

à informação, não aplica critérios de gênero e raça nem

salvaguardas socioambientais que tenham sido construídas

sob o controle ou com participação da sociedade civil. Ao

mesmo tempo, o Banco viabiliza projetos controversos, de alto

risco socioambiental e com elevada concentração dos fluxos

financeiros a grandes empresas nacionais atuando dentro e

fora do Brasil.

A partir da exigência de um empréstimo do Banco Mundial

direcionado às políticas de gestão ambiental - aprovado em 2008

e um dos maiores recebidos na história das relações do Brasil com

o Banco - o BNDES comprometeu-se com o desenvolvimento de

uma política de salvaguardas sociais e ambientais, sem ter tornado

público e transparente o processo ou os procedimentos resultantes

deste compromisso.

Através de um projeto apoiado pelo consórcio Climate and

Land Use Alliance (CLUA), a Rede Brasil contratou este trabalho

com três objetivos/hipóteses, assim descritos no termo de

referência que orientou o presente estudo:

“1) Demonstrar, através de estudos de caso concretos que

envolvam a violação de leis nacionais e acordos internacionais

e a aplicação de instrumentos jurídicos por parte do Ministério

Público ou da sociedade civil organizada, que o fortalecimento

e aplicação das leis nacionais constituem uma via passível de

corresponsabilização do BNDES e de pressão pela adequação

das suas políticas sociais e ambientais.

2) Analisar os êxitos, falhas e desafios das políticas de critérios

10

e salvaguardas ambientais e dos instrumentos de compliance

por parte de Instituições Financeiras Multilaterais como o Banco

Mundial vis-à-vis o processo de construção de políticas e

salvaguardas socioambientais no BNDES.

3) Explicitar as contradições nas políticas de salvaguardas

sociais e ambientais do Banco Mundial e sua incorporação

nas políticas do BNDES, sem transparência e por meio de

empréstimos que impliquem o ajuste estrutural das políticas

ambientais nacionais, no sentido de sua flexibilização e não de

sua salvaguarda”.

Para dar conta destes objetivos, o estudo foi subdividido

em quatro partes, que ficaram a cargo de diferentes

pesquisadores. Na primeira parte, a pesquisadora Marilda

Maracci sistematiza casos de violações de direitos associadas

a empreendimentos financiados pelo BNDES. O estudo

se baseia nos seguintes casos de megaprojetos: Usinas

Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Porto Velho (RO),

e de Belo Monte, em Altamira (PA); Polo Siderúrgico da

ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA),

no Rio de Janeiro (RJ); monoculturas de celulose da Veracel,

na Bahia; Megaeventos esportivos (Copa do Mundo 2014 e

Olimpíadas 2016); e o projeto da Vale de extração de carvão no

distrito de Moatize na província de Tete, em Moçambique. Na

sistematização, além das características do empreendimento

e da participação do Banco, foram levantados os impactos

sociais e ambientais, bem como ações judiciais existentes.

Na segunda parte, os pesquisadores Fabrina Furtado e Gabriel

Strautman contextualizam e analisam a efetividade do processo

de construção e aplicação de salvaguardas socioambientais e de

mecanismos de participação e resolução de conflito pelas IFMs,

particularmente pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamericano

de Desenvolvimento (BID), e sua relação com o BNDES. Na terceira

parte, a pesquisadora Lúcia Ortiz recupera e avalia a influência

recente do Banco Mundial, através de empréstimos, estudos

e cooperação técnica, na formulação das políticas públicas na

área de meio ambiente no Brasil, bem como a reprodução deste

modelo e receituário pelo BNDES.

Já na quarta seção, o pesquisador Jadir Brito empreende

uma análise, partindo do caso do BNDES, do processo de

ambientalização das instituições financeiras, bem como

do marco legal da “responsabilidade solidária” do agente

financeiro por danos sociais e ambientais associados aos

projetos financiados. Por fim, o pesquisador João Roberto Lopes

apresenta um conjunto de Considerações e Recomendações a

partir do estudo realizado, no intuito de responder não apenas

aos objetivos/hipóteses inicialmente propostos, mas também

de contribuir para a atuação da Rede Brasil no monitoramento e

incidência sobre o BNDES.

Para que se possa melhor contextualizar este estudo, é

importante descrever, mesmo que brevemente, sobre o

histórico da Rede Brasil, o papel e a importância do BNDES,

a trajetória da Plataforma BNDES e, por fim, a “Política

Socioambiental do BNDES”.

Histórico da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras

Multilaterais

A Rede Brasil tem como tema central de sua atuação uma

perspectiva crítica sobre o financiamento ao desenvolvimento.

Dentre suas 80 organizações filiadas, estão movimentos sociais,

entidades sindicais, institutos de pesquisa e assessoria, associações

profissionais e ONGs de todas as regiões do país, com atuação

em âmbito local, regional e nacional. Essas organizações

trabalham em diversos temas e setores das políticas públicas,

como educação, saúde, trabalho, seguridade social, infância,

infraestrutura, gênero, meio ambiente, agricultura, reforma agrária,

urbanização, planejamento econômico, entre outros.

O objetivo geral da Rede Brasil é ser articuladora da sociedade

civil brasileira, através de suas representações, para atuarem

como sujeitos no monitoramento, na elaboração e execução

das políticas públicas e no acompanhamento de ações pontuais

do setor privado, garantindo, principalmente, os interesses da

sociedade diante das Instituições Financeiras.

A constituição da Rede Brasil, em 1995, foi resultado de dois

11

anos de debate e avaliação crítica entre diversas organizações e

movimentos sociais sobre a atuação das Instituições Financeiras

Multilaterais (IFMs) no Brasil. Foram identificadas a amplitude,

a diversidade e a complexidade do conjunto de problemas

em diferentes setores compreendendo políticas e projetos

do governo brasileiro com financiamento e assistência de

IFMs, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID).

Ao mesmo tempo, identificou-se a ausência de mecanismos

que favorecessem o enfrentamento destes problemas através de

processos nacionais. Era necessário compreender o tratamento

de políticas e projetos financiados pelas IFMs no país como uma

questão de interesse nacional, com ênfase nas responsabilidades

das várias partes direta e indiretamente envolvidas, no governo e

nas IFMs. Alguns dos marcos históricos da atuação da Rede Brasil

estão referidos nos artigos dos pesquisadores Fabrina Furtado,

Gabriel Strautman e Lúcia Ortiz.

Tal percepção levou à avaliação de que ações conjuntas

ou articuladas da sociedade civil junto às IFMs e ao

governo brasileiro poderiam contribuir para a formação

de tais mecanismos e apresentar resultados mais amplos e

eficazes para o enfrentamento e a superação dos problemas

identificados do que iniciativas individuais, fragmentadas e

dispersas, como vinha ocorrendo até aquele período.

A Rede Brasil foi concebida basicamente para:

::. Propiciar a socialização de informações sobre políticas

e projetos, fortalecendo o engajamento de grupos sociais

interessados, afetados ou beneficiados, seus representantes e

organizações da sociedade civil em geral;

::. Servir como um fórum coletivo de discussão sistemática e

permanente e facilitar a formação de consensos sobre as várias

problemáticas identificadas;

::. Subsidiar a articulação entre organizações da sociedade civil

no país para ações e intervenções diante do governo e das IFMs;

::.Contribuir para o estabelecimento de canais de interlocução

com o governo e as IFMs sobre questões relativas a políticas e

projetos de desenvolvimento.

Desde a VII Assembleia Geral, realizada em 2007, a Rede

Brasil passou a monitorar também as ações do BNDES, que,

atualmente, ocupa a posição de segundo maior banco de

fomento do mundo. Vale dizer que foi durante a referida

Assembleia que Luciano Coutinho, presidente do BNDES,

comprometeu-se com a agenda da Plataforma BNDES. Em

2010, a Rede Brasil criou, no âmbito da sua coordenação, o GT

BNDES, responsável por cuidar da agenda de acompanhamento

do Banco por dentro da Rede e fazer a interlocução com a

Plataforma BNDES.

O papel e a importância do BNDES

Ao longo da sua história, o BNDES não assumiu apenas o papel

de vultoso financiador. Devido à qualificação técnica do seu

corpo burocrático e do acesso às informações sobre os agentes

econômicos, este Banco contribuiu na modelagem das diferentes

etapas do desenvolvimento brasileiro.

O BNDES foi peça-chave no fomento ao nacional-

desenvolvimentismo, patrocinando a investida do Estado em

projetos de infraestrutura, insumos básicos e indústria de base,

voltados a dar suporte à industrialização do país, valendo-se do

modelo de “substituição de importações”. Com o esgotamento

deste modelo, no contexto de liberalização econômica dos anos

1990, o Banco tornou-se formulador, gestor e financiador do

programa de desestatização, voltado a assegurar a “inserção

competitiva” do Brasil na economia global. Atualmente, o BNDES

tem contribuído, na esteira das privatizações, para a formação

de grande grupos econômicos privados, sob o discurso dos

“campeões nacionais”, centrados no setor de commodities

(agropecuária, etanol, papel e celulose, mineração e siderurgia,

petróleo e gás), com participações cruzadas nos setores de

construção civil, hidroeletricidade e telecomunicações.

É importante ressaltar que o BNDES foi o condutor oficial

e fornecedor de crédito para as privatizações no Brasil, que

alienaram centenas de companhias públicas a preços abaixo

do mercado. Juntamente com consultorias internacionais,

12

o Banco elaborou os editais de privatização de estatais

e disponibilizou recursos públicos subsidiados para os

vencedores dos leilões de desestatização.

Como o modelo brasileiro das privatizações priorizou

a venda das estatais em blocos, estimulou a formação de

consórcios entre empresas, contando com a participação

também do BNDES no capital das empresas privatizadas.

Vários conglomerados dos setores de construção civil,

agricultura, extrativismo e energia, que hoje se expandem

internacionalmente graças ao crédito facilitado do BNDES,

ganharam escala internacional exatamente a partir da

incorporação do patrimônio público, via privatizações.

Nos anos 2000, com esses capitais já tendo alcançado

internamente ao Brasil taxas de lucro e esquemas de acumulação

expressivos, foi ainda mais aprofundada a aliança histórica das

elites com o Estado brasileiro, que, com o impulso creditício

do BNDES, dedicaram-se com vigor à internacionalização

das empresas brasileiras. A concentração dos investimentos

destes grandes grupos no setor de commodities responde,

particularmente, à explosão de demanda por estes produtos na

esteira do vigoroso e continuado crescimento chinês1.

Desde 2003, primeiro ano do governo do ex-presidente Lula

da Silva, os desembolsos do BNDES aumentaram em quatro

vezes, tendo passado de R$ 35,1 bilhões (US$ 12,15 bilhões) para

R$ 139,7 bi (US$ 74,5) no final de 2011, segundo ano do primeiro

mandato de Dilma Roussef, sucessora e membro do Partido dos

Trabalhadores (PT), o mesmo de Lula (ver Tabela 1).

Esse crescimento da centralidade do BNDES pode ser bem

exemplificado na participação do Banco no financiamento dos

quase 400 projetos de infraestrutura que constavam da primeira

etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado

em 2007, que simboliza os governos Lula e Dilma e que está

centrado em obras físicas – aquelas mais visíveis à população.

Os financiamentos do BNDES na primeira parte do PAC

somavam, em março de 2010, R$ 117,5 bilhões (US$ 66 bilhões)

de um total de R$ 208 bilhões (US$ 116 bilhões) nos setores de

energia elétrica, petróleo e gás, rodovias, ferrovias e marinha

mercante, saneamento, urbanização e metrôs. O PAC 2, lançado

naquele mesmo mês, previa investimentos de R$ 958,9 bilhões

até 2014 e de mais R$ 631,6 bilhões em obras a partir de 2015 –

totalizando R$ 1,59 trilhão (US$ 886 bilhões), para os quais o

BNDES, a se manter a tendência atual, deve contribuir com

mais de 50%.

Os beneficiários preferenciais do crédito do Banco têm sido os

grandes grupos econômicos, forjados no contexto anteriormente

descrito. Destacam-se aí os grupos Bradesco, Itaú, Votorantim/

Aracruz, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Grupo Vicunha, Queiroz

Galvão, Camargo Corrêa, Grupo EBX, Gerdau, Perdigão/Sadia,

JBS/Bertin, Vale/Bradesco.

Tabela 1 - Desembolsos do BNDES

Ano Valores (em R$ bilhões)

2003 35,1

2004 40

2005 47,1

2006 52,3

2007 64,9

2008 92,2

2009 137,4

2010 168,4

2011 139,7

Fonte: sítio do BNDES na internet.

Com este volume de desembolsos, o Banco é responsável

por 20%, em média, de todo o crédito no país. Sem dúvida, esta

expressiva participação tem ajudado nas taxas positivas de

crescimento da economia, mas com expressivos custos sociais

e ambientais não apreciados ou contabilizados. Os grandes

projetos agropecuários,minerossiderúrgico, hidroelétricos e

extrativos têm gerado, por todo o país, graves impactos sobre

os territórios e o mundo do trabalho. No caso destes grandes

empreendimentos, o Banco se compromete, normalmente,

13

com o financiamento de 60 a 80% do valor total do projeto,

tornando-se desta forma fiador e viabilizador dele.

Os recursos do Banco têm origem em quatro fontes principais:

repasse do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), voltado para

financiar atividades de geração de trabalho e renda e qualificação

de mão de obra; o retorno dos créditos concedidos; os ganhos

com aplicações e participações; e repasses do Tesouro. A

participação do FAT na receita do Banco é, em média, de 44%,

sendo, portanto, sua principal fonte de recursos. Sobre o peso

dos repasses do Tesouro, vale assinalar que, de 2008 (no quadro

da crise financeira internacional) até 2011, foram repassados R$

230 bilhões por meio de emissões de títulos da dívida pública,

segundo dados do Relatório Gerencial do BNDES, de janeiro de

20122. Desse modo, os repasses do Tesouro já têm se constituído

na segunda fonte mais importante de receita do Banco.

O Banco trabalha com diferentes taxas, sendo elas fortemente

subsidiadas e com períodos de carência e pagamento dilatados

nos empréstimos de longo prazo. Normalmente, o BNDES

trabalha com a taxa de juros de longo prazo, atualmente em 5,5%

ao ano, acrescida da sua taxa de remuneração (spread) e taxa

de risco de crédito. Segundo um estudo produzido pelo próprio

Banco, a taxa média anual de remuneração, com maior peso na

composição da taxa final, caiu de 2,3%, em 2005, para 1,2%, em

2008 (GIAMBIAGI; RIECHE; AMORIM, 2009). No caso da Usina

Hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, a previsão é que o consórcio

vencedor tenha cinco anos de carência e vinte para pagar.

Segundo as estatísticas operacionais do BNDES, nos últimos

dez anos, os desembolsos se concentraram,

em média, 75% em empresas de grande

porte e 55% na região Sudeste. No caso do

porte das empresas, verifica-se, a partir

de 2010, uma tendência de elevação dos

desembolsos para as micro e pequenas

empresas, mas que permanecem abaixo

dos 20% do total desembolsado no período.

Sobre a distribuição regional, verifica-se

uma elevação importante, a partir de 2009,

dos desembolsos para a região Nordeste, mas sem, contudo,

alterar o perfil desigual da distribuição regional: em 2010, o valor

dos desembolsos para o Sudeste foi de mais de cinco vezes o

valor destinado para o Nordeste (ESTATÍSTICAS, 2012).

A presença do BNDES no setor de micro e pequenas empresas

é ainda menor se considerarmos que o Banco classifica como

microempresas empreendimentos com faturamento anual de

até R$ 2,4 milhões e pequena empresa com até R$ 16 milhões,

um valor dez vezes maior do que o que estabelece o Estatuto

da Microempresa, R$ 244 mil e R$ 1,2 milhão, respectivamente.

Estes dados revelam, de um lado, o reforço da desigualdade

regional e, de outro, o insuficiente apoio aos setores mais

geradores de empregos.

O Banco também atua comprando ações no mercado de

capitais por meio de sua subsidiária, o BNDESPar, cujo volume

de participações societárias em 2010 somava R$ 103 bilhões.

Com participações no capital dos principais grupos econômicos

privados do país, o Banco participava, em 2009, no capital de 22

das 30 maiores multinacionais brasileiras (ALMEIDA, 2009).

São também conhecidos os casos de envolvimento direto do

Banco no financiamento e formatação das fusões e aquisições,

como nos casos da Votorantim e Aracruz, Perdigão e Sadia, Itaú

e Unibanco, Brasil Telecom e Oi, JBS e Bertin e na malfadada

tentativa de aliança entre o Pão de Açúcar e o grupo francês

Carrefour. O nível de concentração da economia patrocinado

pelo Banco tem efeitos diretos sobre a vida dos brasileiros. No

caso, por exemplo, da Perdigão/Sadia, tal fusão representou, em

Tabela 2

Comparativo Desembolsos - US$ bilhões

Ano BNDES BID BID/Bird

2005 19,34 9,72 15,05

2006 24,03 11,83 18,32

2007 33,32 11,06 18,18

2008 50,26 10,49 18,1

2009 68,78 18,56 30,42

Fonte: Demonstrativos de desembolso BNDES, BID e Bird

14

alguns segmentos de produtos alimentícios, um controle de até

80% do mercado, como alertado pelo Conselho Administrativo

de Defesa Econômica (Cade), órgão responsável pela defesa da

concorrência no país.

A internacionalização de empresas brasileiras patrocinada

pelo BNDES é notável, particularmente, na América Latina,

Caribe e África Lusófona. Nesse sentido, o Banco vem

constituindo diferentes e agressivos mecanismos institucionais

e financeiros para ampliar os investimentos destas mesmas

empresas em outros países. É importante chamar a atenção

para o fato de que a entrada do BNDES no financiamento

a projetos de empresas brasileiras no exterior não tem se

limitado à operação de linhas específicas de financiamento para

comércio exterior. Assiste-se, com efeito, a um processo rápido

de internacionalização do próprio Banco, que hoje já supera

em muito, em termos de desembolsos, o Banco Interamericano

de Desenvolvimento (BID) e o Banco Internacional para

Reconstrução e Desenvolvimento (Bird),um braço do Grupo

Banco Mundial (ver Tabela 2).

A partir de 2002, o Banco passa a financiar projetos fora

do país, com a contrapartida de que sejam contratados bens

e serviços de empresas nacionais. A carteira do BNDES no

exterior, somava US$ 13 bilhões em 2010. Segundo matéria

publicada na imprensa, 80% dos seus financiamentos no

exterior tinham como beneficiários as “quatro irmãs”: as

empreiteiras Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e

Queiroz Galvão.

O Banco abriu, em 2009, um escritório de representação

em Montevidéu, no Uruguai, e, em 2010, a “BNDES Limited”,

na cidade de Londres. Esta nova subsidiária em território

europeu tem como objetivos captar recursos e fortalecer

os investimentos brasileiros no exterior. Além disso, ela

foi indicada pelo próprio Luciano Coutinho como possível

administradora do Fundo a ser constituído com os recursos

gerados com a venda do petróleo da camada Pré-Sal. Ainda

em 2010, o BNDES abriu outra subsidiária, a Agência de

Crédito à Exportação do Brasil SA – Exim Brasil, bem como um

Fundo Garantidor do Comércio Externo. No final de 2011, o

governo brasileiro autorizou o Banco a patrocinar processos de

aquisição e fusões de grupos brasileiros no exterior. Também

em 2011, o BNDES fechou, no âmbito dos BRICS (Brasil, Rússia,

Índia, China e África do Sul), um acordo de cooperação com

os bancos de desenvolvimento dos países do bloco. Nele,

preveem-se a facilitação de transações e projetos em comum e

a formulação de um arcabouço que possa prover financiamento

a projetos de interesse comum, visando à constituição de uma

entidade interbancária no futuro.

Se a escala alcançada hoje pela atuação do BNDES já

nos obriga a falar de uma nova centralidade do Banco, no

cenário que se projeta para a próxima década, seu papel

tende a se agigantar em conexão com a oligopolização da

economia brasileira. Sem dúvida alguma, tal oligopolização,

com todos os seus passivos sociais e ambientais, vem sendo

concebida e fomentada deliberadamente como condição da

internacionalização dos grandes grupos econômicos. Cabe

ressaltar, portanto, que a centralidade não se refere apenas

ao seu papel de financiador ou de mero executor de políticas

definidas pelo governo federal. O Banco é também formulador

e compõe o centro decisório do governo sobre as políticas

de desenvolvimento.

As populações têm seus direitos sistematicamente violados: em nome do lucro

15

Trajetória da Plataforma BNDES

Em julho de 2007, a Plataforma BNDES nascia com o objetivo

de incidir sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro, a

partir da atuação sobre o BNDES, órgão do Estado que exerce,

historicamente, papel central no fomento e na formulação do

desenvolvimento da base produtiva e financeira do país. O

documento “Plataforma BNDES”, encaminhado ao presidente do

Banco, Luciano Coutinho, em junho de 2007, traz um diagnóstico

crítico sobre a atuação desta instituição financeira, bem como

proposições no sentido da sua reorientação.

O diagnóstico já destacava a reorientação do Banco, a

partir das privatizações dos anos 1990, como “agente de um

desenvolvimento que persegue a ‘inserção competitiva‘ do País

no contexto global (...) no sentido de priorizar o atendimento

dos mercados externos; favorecer setores exportadores, em

geral com baixa agregação de valor; e internacionalizar capitais

de origem nacional”.

A crítica dirigia-se ao papel do BNDES no financiamento à

concentração econômica, viabilizando grandes conglomerados

empresariais e financeiros, prioritariamente nos setores de

mineração e siderurgia, papel e celulose, agropecuária, petróleo

e gás, hidroelétrico e etanol, com intensos e extensos impactos

sociais e ambientais.

As proposições contidas no documento apontam para a

necessidade de se estabelecer mecanismos de controle social

sobre a atuação do Banco, bem como sua reorientação em

favor de uma maior diversificação produtiva e descentralização

econômica. Tais proposições foram formuladas em quatros

eixos: publicidade e transparência; mecanismos de participação

e controle social; critérios sociais e ambientais a serem

observados na análise, aprovação e acompanhamento dos

projetos; e políticas setoriais voltadas à inversão de prioridades da

política operacional do Banco.

Até o final de 2009, a Plataforma estabeleceu uma interlocução

direta com o gabinete da presidência do Banco, concentrando-se

em duas agendas prioritárias: a adoção pelo Banco de uma

política pública de informação e a adoção de critérios sociais

e ambientais em seus financiamentos, particularmente

para os setores de etanol e hidroelétrico. A forma como o

Banco recepcionou estas duas agendas revela o seu papel na

viabilização da concentração da economia brasileira.

Após muitas pressões, o BNDES abriu, pela primeira vez na sua

história, de modo parcial, as informações sobre a sua carteira

de projetos. Em 2009, o Banco criou o “BNDES Transparente”.

No entanto, os dados constantes no sítio eletrônico do Banco

cobrem apenas os projetos contratados a partir de 2008; antes

disso não se tem informação acerca dos projetos. Isso fere não

apenas o princípio da publicidade na administração pública,

assegurado pelo Art. 37 da Constituição Federal, como também

contraria a lei de acesso à informação pública (Lei No12.527/2011),

que entrou em vigor no dia 16 de maio de 2012.

Já no caso dos critérios sociais e ambientais, o Banco vem

assumindo o “discurso verde” e a “prática cinza”. Às investidas da

Plataforma no sentido de contribuir para a adoção de critérios e

salvaguardas sociais e ambientais nos procedimentos e contratos,

o Banco foi evasivo, quando não refratário. As resistências do

Banco em mudar procedimentos e práticas conduziram as

organizações da Plataforma BNDES a chamar atenção para o fato

de que, ao não assumir sua responsabilidade social e ambiental,

o Banco agia como corresponsável pelas violações de direitos

geradas pelos projetos por ele financiados.

Dessa forma, a Plataforma organizou no final de 2009 o I

Encontro Sul-Americano de Populações Atingidas por Projetos

Financiados pelo BNDES. Uma carta, resultado do Encontro,

em que a Plataforma reafirmava suas reivindicações, foi

encaminhada a Luciano Coutinho, em 25 de novembro de 2009.

Ele limitou-se a dizer, diante de uma delegação de representantes

de populações atingidas pelas Hidrelétricas de Jirau e Santo

Antonio, no Rio Madeira, e de Belo Monte, em Altamira, pelas

plantações de eucalipto no sul da Bahia e norte do Espírito Santo

e pelas intervenções brasileiras na Bolívia e no Equador, que não

se preocupassem porque medidas já estavam sendo tomadas

16

para a adoção de uma política socioambiental pelo Banco. Após

esta conversa, a interlocução da Plataforma com a presidência

do Banco foi totalmente interrompida. No final de 2010 foi

formalmente aprovada a “Política Socioambiental do Sistema do

BNDES”, sem que o Banco tivesse feito uma consulta ampla com

setores organizados da sociedade.

Política Socioambiental do BNDES

Embora já dispusesse de uma nomeada “política ambiental”

desde os anos 1980, foi somente em novembro de 2010 que o

BNDES incorporou, em um capítulo específico de sua Política

Operacional, a “Política Socioambiental”. De acordo com o

próprio Banco, “a decisão por essa nova forma de organização

da Política Operacional reforça tanto a aplicação das diretrizes

socioambientais para elaboração de produtos, linhas,

programas e fundos do BNDES, como a prática mais alinhada

à incorporação das questões social e ambientais no principal

macroprocesso operacional do BNDES: o fluxo de concessão

de apoio financeiro”. Tal fluxo compreende o que também

se chama, na linguagem do Banco, de “ciclo do projeto”,

compreendendo as etapas de enquadramento, análise,

aprovação, contratação e acompanhamento das operações.

A “Política Socioambiental do Sistema BNDES” foi instituída

como contrapartida do Empréstimo Programático de Política

para o Desenvolvimento em Gestão Ambiental Sustentável

Brasileira (SEM DPL, na sigla em inglês) do Banco Mundial,

no valor de US$ 1,3 bilhão – em que a política ambiental desta

instituição serve de referência para o BNDES. Os empréstimos

do Bird, historicamente associados às malfadadas políticas

de ajuste fiscal, apresentam-se agora em sua versão soft de

condicionalidades socioambientais.

Vale dizer que este empréstimo foi precedido, como

contextualiza a pesquisadora Lúcia Ortiz, por outro

empréstimo do Bird para o Ministério do Meio Ambiente

(MMA), intitulado Projeto de Assistência Técnica para a

Agenda de Sustentabilidade (TAL SAL, na sigla em inglês),

que já indicava a necessidade de maior eficiência, leia-se

celeridade, nos processos de licenciamento ambiental. Como

se verá ao longo deste trabalho, o SEM DPL apresenta outras

condicionalidades que também apontam para a flexibilização

da legislação e gestão ambiental e para a criação de um

mercado do clima no país.

Diferentemente do que a formalização da iniciativa faria

supor, persiste no BNDES, mesmo depois de instituída a

sua Política Socioambiental, a situação reconhecida em um

documento do próprio SEM DPL, do Bird, de que “um problema

que o Departamento Ambiental e Social do BNDES reconhece e

que luta para resolver é que a maioria dos projetos financiados

diretamente pelo BNDES não passaram pelo pleno processo de

avalização ambiental e social” (grifo nosso).

Nas diretivas da Política Socioambiental está o

comprometimento formal do Banco com o que determina a

legislação ambiental brasileira, seja a observância das devidas

licenças (prévia, de instalação e operação), seja o compromisso

com a avaliação e correção de impactos esperados nos projetos.

Mas, como se verá adiante, se o Banco avança em instrumentos

de avaliação de riscos socioambientais, ele não deixa claro os

mecanismos contratuais de que se vale para a mitigação e/

ou correção de impactos esperados, nem tampouco de que

instrumentos e procedimentos de acompanhamento das

operações dispõe para a correção de tais impactos. Dito de outro

modo, o Banco avalia os riscos socioambientais dos projetos

que financia, mas não parece, de fato, levá-los em conta na

operacionalização de seus financiamentos.

Para além da exigência do licenciamento, na fase de

enquadramento e análise dos projetos, o Banco vem

estabelecendo alguns mecanismos de aferição e avaliação

dos riscos socioambientais dos projetos. Já em 2008, o Banco

anexou ao Roteiro de Informações para a Consulta Prévia dois

questionários, com a finalidade de avaliar o impacto ambiental

e social esperado do projeto (Anexos 6 e 7, respectivamente).

O Banco se comprometeu, igualmente, em produzir “guias

socioambientais setoriais” a fim de “apoiar tecnicamente as

17

unidades operacionais do BNDES na análise socioambiental

de projetos”, com a indicação de “diretrizes de desempenho

socioambiental”, bem como de “riscos socioambientais

relacionados com a operação” por setor. Os primeiros guias

produzidos foram para os setores de açúcar e álcool, soja

e pecuária. Segundo consta na própria política, “os guias

têm caráter orientador e seu conteúdo não cria obrigações

adicionais às decorrentes da legislação brasileira e das

resoluções da Diretoria do BNDES” (grifo nosso).

Na etapa do enquadramento das operações, o Banco realiza,

com base na avaliação dos aspectos sociais e ambientais

dos beneficiários, a “Classificação da Categoria Ambiental”

do empreendimento:

A – “atividades intrinsecamente relacionadas a riscos

de impacto ambiental significativos, em que o licenciamento

requer estudos de impacto, medidas preventivas e ações

mitigadoras”;

B – “atividades envolvendo impactos ambientais mais leves

ou locais e requer avaliação e medidas específicas”;

C – “atividade não apresenta, em princípio, risco ambiental

significativo”.

Segundo o que determina a Política Socioambiental, “a

Categoria Ambiental estabelecida para o empreendimento

determina procedimentos distintos nas fases de Análise

e Acompanhamento da operação”. Embora a Plataforma

BNDES tenha reclamado sem sucesso de que o Banco desse

publicidade ao enquadramento dos projetos pelas categorias

ambientais, pode-se constatar, valendo-se dos casos de

megaprojetos apresentados neste estudo, que tal classificação

não tem redundado em procedimentos distintos nem de

análise, muito menos no acompanhamento da operação. As

informações sobre impactos ambientais esperados não se

transformam em condicionantes ou salvaguardas nos contratos

de financiamento, caracterizando-se como mero levantamento

de informações a respeito dos projetos financiados e não, como

deveria ser, de instrumentos efetivos de qualificação ambiental

dos desembolsos do Banco.

18

Na etapa de análise, aprovação e contratação dos projetos, o

Banco afirma realizar a “avaliação do beneficiário sobre a sua

regularidade junto aos órgãos de meio ambiente, pendências

judiciais e efetividade da atuação ambiental”. Considerando

novamente os casos aqui tratados, em que ocorrem graves e

recorrentes irregularidades e violações de direitos associadas a

projetos financiados pelo Banco, fica também evidente que esta

avaliação, caso efetivamente ocorra, não tem efeitos práticos.

O Banco afirma, ainda, que nesta etapa empreende a “avaliação

dos empreendimentos quanto aos principais impactos sociais e

ambientais, inclusive no seu entorno, sua correspondência, quando

for o caso, com as ações preventivas e mitigadoras propostas no

licenciamento ambiental”, bem como a “inclusão de possíveis

condicionantes de natureza social e/ou ambiental estabelecidas a

partir da análise realizada (do cliente e do empreendimento), em

complemento às exigências previstas em lei, quando for o caso”.

Embora nos faltem os termos dos contratos de financiamento

firmados pelo Banco e os empreendimentos estudados, pode-se

afirmar, tomando mais uma vez os casos deste estudo, que tais

avaliações e condicionantes ou não são praticadas ou são nulas.

Mas, talvez, o que mais chame a atenção na descrição da Política

Socioambiental do BNDES seja a forma como o Banco descreve a

etapa de “acompanhamento das operações”, onde se lê que “são

verificados: o cumprimento de eventuais medidas mitigadoras,

obrigações em termos de ajuste de conduta e condicionantes

presentes no contrato e nas licenças ambientais, quando for o

caso”. Restaria perguntar, à luz dos casos aqui estudados, quando

é que o Banco entende ser o caso de ele verificar o cumprimento

de condicionantes, pois, novamente, parece tratar-se de letra

morta. Tal percepção é ainda mais reforçada pelo fato de que não

há nenhuma menção do Banco sobre se há e quais seriam os

mecanismos de acompanhamento dos projetos intrinsecamente

impactantes em termos sociais e ambientais.

Somente para três setores específicos o BNDES estabelece

obrigações adicionais ao que determina a lei, o que o Banco chama

de “diretrizes e critérios socioambientais setoriais específicos”. Este é

o caso das salvaguardas estabelecidas para os setores de etanol, que

não poderiam ser beneficiados em áreas dos biomas da Amazônia

e do Pantanal; de termelétrica a combustíveis, que estabelece

restrições na emissão de partículas na atmosfera; e da pecuária/

frigoríficos, que determina o cadastramento dos fornecedores e

a exigência da rastreabilidade progressiva do gado. Vale dizer que

a aplicação de tais salvaguardas está baseada, invariavelmente,

na autodeclaração do tomador do empréstimo, não contando

novamente o Banco com instrumentos de monitoramento e

fiscalização do seu cumprimento.

Além da revisão de suas práticas operacionais, a Política

Socioambiental do BNDES inclui mudanças na estrutura

organizacional do Banco. Foi instituída, também em 2010, a área

ambiental, que elevou o status da temática ambiental, anteriormente

limitada a um departamento para uma superintendência

do Banco. Tal superintendência compreende hoje o antigo

Departamento Ambiental do Banco e o Fundo Amazônia.

A regulamentação do Fundo Amazônia, em 2008, também

consta como uma das contrapartidas do empréstimo SEM

DPL, do Banco Mundial. A gestão pelo BNDES de novos fundos

ambientais voltados a estruturar um mercado do clima no país,

como o Fundo Amazônia e o Fundo Nacional sobre Mudança

do Clima, será tratada no artigo de Lúcia Ortiz. Outro aspecto

da Política Socioambiental a ser abordado pela pesquisadora

diz respeito à abertura de uma linha de crédito pelo Banco para

qualificar órgãos estaduais de licenciamento, no contexto de

avanço das reformas no sistema de concessão de licenças e

gestão ambiental, avaliado pelo Banco Mundial como um dos

principais entraves para o desenvolvimento brasileiro.

1 Para uma análise mais detida sobre o papel do BNDES nos últimos vinte anos, ver TAUTZ, C. Et alli, 2011.

2 Segundo o economista Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), “até 2008, o estoque de empréstimos do Tesouro ao BNDES era de R$ 10 bilhões, e hoje está em R$ 311,8 bilhões (dados de fevereiro de 2012). Com os R$ 45 bilhões a mais que o governo vai emprestar ao BNDES [provavelmente, entre 2012 e 2013], o volume chegará a quase R$ 360 bilhões” (O ESTADO, 2012).

* Responsável pela organização desta publicação, João Roberto Lopes Pinto é Coordenador do Instituto Mais Democracia e desde a IX Assembleia Geral da Rede Brasil, realizada em agosto de 2012, é membro da Coordenação Nacional da Rede Brasil.

19

Marilda Teles Maracci*

Os estudos de caso apresentados nesta publicação abordam

quatro setores e se aprofundam em oito megaempreendimentos,

sendo um deles fora do Brasil. São eles: no setor celulósico,

a Veracel Celulose S.A., no extremo sul da Bahia, e a CMPC

Celulose Riograndense, em Guaíba, no Rio Grande do Sul; no

setor energético, as Usinas Hidrelétricas (UHEs) Santo Antônio

e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, e Belo Monte, na bacia

do Rio Xingu, no Pará; no setor da construção civil, o ProCopa,

em Fortaleza, no Ceará, e outras grandes obras urbanas nas

doze cidades brasileiras que sediarão a Copa do Mundo, em

2014, e as Olimpíadas, em 2016, no Rio de Janeiro; e, por último,

Este texto apresenta exemplos emblemáticos de grandes

empreendimentos que se caracterizam pela lógica

da minimização de custos financeiros relacionados à

mitigação e compensação dos impactos socioambientais1, em

detrimento dos critérios de eficiência econômica e de justiça

social e ambiental. Atuam em consonância com “um certo

padrão de acumulação do capitalismo brasileiro, inaugurado

com as privatizações e a liberalização comercial dos anos 1990,

baseado na formação e fortalecimento de conglomerados

privados (nacionais e estrangeiros), fomentados pelos fundos

públicos, via capital estatal e paraestatal (empresas estatais e

fundos de pensão)”2.

Megaprojetos e violações de direitos

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olta

ni/A

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20

no setor da mineração/siderurgia, o conglomerado industrial-

siderúrgico-portuário da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica

do Atlântico (TKCSA), na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, e

a Vale Moçambique Ltda., na Bacia Carbonífera de Moatize da

província de Tete, em Moçambique, na África. Um fichário repleto

de informações e detalhes sobre estes oito casos simbólicos

encontra-se no Contexto Territorial, na parte final deste livro.

Eles explicitam que o mesmo padrão de sistemáticas e graves

violações de direitos é repetido pelos mesmos conglomerados

empresariais onde quer que eles se instalem, independente das

diferenças de dinâmicas e da diversidade regional, cultural, social,

econômica e ambiental dos povos e das regiões.

Os megaprojetos em questão ilustram, de modo quase

visceral, o desenvolvimentismo historicamente praticado no

Brasil que é fundamentado na concepção de crescimento

econômico (aumento da quantidade de bens, produtos e

serviços produzidos) e na busca da inserção competitiva do

Brasil no contexto global, através do “aumento na quantidade

dos produtos exportados e na quantidade de grandes empresas

brasileiras com presença forte no mercado internacional” (REDE

BRASIL SOBRE INSTITUIçõES FINANCEIRAS MULTILATERAIS,

2008, p. 13)3. Trata-se de um modelo que concentra renda e

poder e produz elevados custos socioambientais.

É oportuno observar que, no que se refere aos

empreendimentos produtivos, grande parte ou quase a totalidade

da produção destina-se à exportação direta, a exemplo da

celulose, mineração e siderurgia, ou à exportação indireta, caso

das hidrelétricas em construção na Amazônia, em que grande

parte da energia produzida será destinada a “grandes indústrias

eletrointensivas que exportam alumínio e minério de ferro com

baixo valor agregado, gerando pouquíssimos empregos na

região; e não para atender as populações mais pobres, como

afirma o discurso oficial do governo” (CARTA DA ALIANçA EM

DEFESA DOS RIOS AMAzôNICOS PARA DILMA ROUSSEFF,

Brasília, 8 de fevereiro de 2011).

Todos os megaempreendimentos aqui abordados têm

outra característica comum: contam privilegiadamente com

megaempréstimos concedidos pelo Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com condições

incrivelmente favoráveis. No caso do projeto de exploração

de carvão mineral da Vale em Moçambique, o BNDES não

disponibiliza informações sobre a sua participação nos

investimentos. No entanto, o Banco possui aproximadamente

10% do consórcio ValePar, controlador da Vale com 53% do capital

votante. Ele é também detentor das denominadas “ações de ouro”

(golden share), adquiridas no período da privatização, o que lhe

confere o poder de veto sobre as principais decisões da empresa.

É importante ressaltar que o BNDES cumpre, nos governos

Lula e Dilma, o papel de indutor do crescimento, promovendo

a “transferência massiva de recursos públicos, acompanhada

de flexibilização institucional”4. Neste sentido, “chama atenção

os setores de mineração e siderurgia, etanol, papel e celulose,

petróleo e gás, hidroelétrico e agropecuária, que receberam

juntos quase a totalidade do meio trilhão de reais desembolsados

pelo BNDES, no período Lula”5.

Desde a década de 1950, o BNDES atua como instrumento

de fomento da indústria brasileira. Desse modo, favoreceu

consideravelmente, por exemplo, a implantação de complexos

agroindustriais celulósicos, como a Veracel e a Riograndense,

que ainda hoje contam com tais fomentos. Através dos Planos

de Aceleração do Crescimento (PAC I e PAC II), os governos Lula

e Dilma direcionam prioritariamente recursos, via BNDES, na

expansão da infraestrutura. Como é o caso da construção das

criticadas usinas hidrelétricas na Amazônia, que são implantadas

sobre áreas de rica sociobiodiversidade, a exemplo dos territórios

indígenas. Nessa mesma linha de “aceleração do crescimento”

a partir de grandes investimentos públicos, megaobras urbanas

de preparação para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016

são construídas seguindo referências urbanísticas das Cidades

Globais e promovendo dramáticos deslocamentos compulsórios

das populações de baixa renda.

Indiferente aos questionamentos de parte da sociedade civil

organizada em relação às suas prioridades de investimento, o

BNDES cresce visivelmente: “desde 2005 o volume de créditos

21

do BNDES aumentou 391% e é maior

do que o Banco Mundial” (GARCIA,

2011)6. Com participação acionária na

maioria das empresas envolvidas com

os megaempreendimentos, o BNDES

não apenas financia, como é também

corresponsável pelas opções de

investimentos. De janeiro a agosto de

2006, o BNDES aprovou financiamentos

de R$ 3 bilhões para projetos de expansão

da produção de papel e celulose,

que somam R$ 5,5 bilhões7. “Para a

Veracel II [ampliação da Veracel], o

BNDES desembolsará R$ 1,4 bilhão8. Se

compararmos este valor com a quantidade

de empregos gerados, cada posto de

trabalho no novo projeto da Veracel

custará R$ 486.111,009.“

Para os empreendimentos das UHEs

de Santo Antônio e Jirau, em Porto

Velho, o BNDES destinou um total de

R$ 13,3 bilhões, apesar dos pesados questionamentos quanto

à viabilidade econômica e ambiental dessas obras desde o

início dos processos de licenciamento10. “O valor do possível

novo empréstimo, anunciado pelo presidente do Banco,

Luciano Coutinho, não foi informado, mas o BNDES havia se

comprometido a financiar até 80% (cerca de R$ 25 bilhões) dessas

obras” (PLATAFORMA BNDES, 2011)11. Segundo informações

do Ministério Público Federal (MPF), disponibilizadas no sítio

eletrônico do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, em fevereiro

de 2012, “o empréstimo solicitado pela Norte Energia para

Belo Monte é de R$ 24,5 bilhões e existem onze processos

questionando o empreendimento que ainda não foram julgados

(...) considerando um cenário de custo total do empreendimento

de aproximadamente R$ 30 bilhões (previsão mais recente de

custos para Belo Monte)”12.

Observa-se, em todos os empreendimentos aqui tratados, um

certo comportamento padrão ou falhas crônicas compondo as

violações constatadas tanto no processo de planejamento quanto

nas fases de construção, agravando-se na fase de operação.

E, como já afirmado anteriormente, o BNDES não se vale de

critérios socioambientais na análise e aprovação dos projetos,

nem tampouco de mecanismos de acompanhamento dos

impactos dos projetos que financia.

Os megaempreendimentos são especialmente emblemáticos

no que se refere às injustiças socioambientais, pois geram uma

enormidade de graves impactos sociais, ambientais, fundiários,

violações sistemáticas de direitos ambientais, trabalhistas e

direitos da pessoa humana (indivíduo e coletivo), violam acordos

internacionais, leis nacionais, políticas fiscais ou políticas

setoriais específicas, além de forjar e aprofundar desigualdades

econômicas, sociais e regionais, historicamente produzidas

nas áreas de implantação dos referidos empreendimentos e

Rena

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tino

Mais de 150 mil pessoas serão removidas de suas casas por causa dos megaeventos esportivos: jogo sujo

22

seu entorno. Todas estas violações se avolumam na conta do

passivo das empresas financiadas pelo BNDES e, portanto, na

conta do próprio Banco, o que o torna inquestionavelmente

corresponsável pelas violações.

Este é o caso da migração de trabalhadores, recorrentemente

subdimensionada nos Estudos de Impactos Ambientais

(EIAs). Trata-se dos deslocamentos de expressivas massas de

trabalhadores que ocorrem em função das ofertas temporárias

de empregos na fase de construção/implantação dos projetos.

No entanto, após a finalização desta fase, os trabalhadores

ficam sem emprego e têm suas condições de vida agravadas no

território que, via de regra, já é bastante limitado no provimento

dos serviços públicos. O subdimensionamento de problemas

associados ao deslocamento de milhares de trabalhadores para

as áreas atingidas, gerando inchaços urbanos, crescimento

desordenado e falta de perspectivas, constitui uma característica

comum a estes megaprojetos financiados pelo BNDES. A

migração na fase da construção da UHE

Belo Monte, estimada em mais de 100

mil pessoas, é um exemplo recente

deste recorrente subdimensionamento.

O resultado é o aumento exponencial da

população e da ocupação desordenada

dos aglomerados urbanos nos locais

próximos à implantação da obra. Os

problemas decorrentes são o aumento

considerável da violência, de homicídios,

do tráfico de drogas, da venda de

bebidas, da prostituição (inclusive

infantil), o colapso nos serviços e

espaços públicos (hospitais, ruas, escolas,

postos de saúde, etc.), a elevação do

custo de vida, entre outros.

Estas violações “contribuem para a

fragilização dos mecanismos de controle

social conquistados pela sociedade

civil e impactam de modo severo

e, às vezes, irreversível o meio ambiente e as populações”13,

muitas destas já fragilizadas no campo dos direitos territoriais

e/ou socioambientais. Dentre outros feitos perversos da

implementação dos megaprojetos, destacam-se o das remoções

compulsórias de comunidades urbanas empobrecidas e o da

expropriação de populações das áreas rurais de seus meios de

produção, territórios e modos de viver, acentuando os níveis de

degradação ambiental e de pobreza. Este é o caso das populações

que trabalham e vivem no meio rural em regime de economia

familiar e relação comunitária, como os ribeirinhos, extrativistas,

pescadores, agricultores familiares, indígenas e quilombolas.

Explicitamente, diversas categorias de trabalhadores envolvidos

nestes empreendimentos sofrem as mais variadas violações de

direitos, inclusive condições de trabalho análogo ao escravo,

conforme amplamente denunciado pelos movimentos sociais.

Entre as características que compõem este quadro estão

as chamadas “relações promíscuas” entre diversas escalas

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Antes mesmo do início das obras no Rio Madeira, a população já sofria os impactos: mercantilização da natureza

23

governamentais e do parlamento e as grandes corporações

empresariais (nacionais/transnacionais), a exemplo da relação

entre o setor elétrico do governo – Ministério de Minas e Energia

(MME), Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e Eletrobrás –

e grandes construtoras, como Odebrecht, Camargo Corrêa e

Andrade Gutierrez14. Vale destacar também que as construtoras

ocupam, juntamente com o setor celulósico, mineradoras

e siderúrgicas, lugares privilegiados no ranking dos grandes

doadores para campanhas eleitorais a cargos executivos e

proporcionais. Os favorecimentos decorrentes destas relações

são viabilizados pela ausência de transparência e de vigilância

social, situação esta que se agrava “quando se tem, por um

lado, a hipertrofia do poder de algumas corporações e, de

outro, a fragilidade do sistema brasileiro de financiamento de

campanhas, abrindo brechas para que tais favorecimentos sejam

recompensados por apoios de campanha, declarados ou não”

(BADIN, PINTO, TAUTz & SISTON, 2010, p. 7)15. A sobreposição

de interesses privados sobre os públicos torna-se ainda mais

incidente se considerarmos a realidade local, de maior fragilidade

institucional, em que, na maioria dos casos, as prefeituras

municipais são carentes de recursos e as possibilidades de

controle social são ainda mais frágeis.

Observa-se, portanto, que em todos os casos aqui

apresentados as decisões no planejamento das implantações

destes megaprojetos “são tipicamente orientadas mais por

uma lógica privada do que critérios de eficiência econômica,

justiça social e sustentabilidade ambiental, ou seja, interesses

públicos estratégicos, consagrados no arcabouço legal a partir da

Constituição Federal de 1988” (MOVIMENTO XINGU VIVO PARA

SEMPRE, CARTA PARA DILMA, 8 de fevereiro de 2011).

É bastante grave a falta de acesso à informação e de

participação informada das populações locais e, ainda, a

ausência de diálogo entre o governo e a sociedade civil no

planejamento destes setores econômicos, o que constitui outro

comportamento padrão em todos os estudos de caso abordados

aqui. Nesse sentido, cabe destaque para o caso das obras de

infraestrutura para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, em

que se verifica, além da ausência de diálogo e transparência, a

falta de negociação prévia de projetos de remoções populacionais

compulsórias, bem como das alternativas existentes. Inclui-

se, em relação aos demais casos no Brasil, o processo de

licenciamentos por órgãos ambientais de EIAs “incompletos

e distorcidos da realidade como base para a realização de

audiências públicas” que têm apenas caráter protocolar (e não de

sério e democrático debate público), conforme exaustivamente

denunciado pelos movimentos sociais. Incluem-se, ainda,

as desconsiderações dos parcos resultados das audiências

na tomada de decisões sobre a viabilidade ambiental, social

e econômica dos empreendimentos em questão, bem como

o descumprimento das já insuficientes condicionantes

determinadas nos EIAs, mesmo estas sendo apresentadas sempre

de modo subestimado nos relatórios.”Inúmeras denúncias,

apelos, demandas e preocupações dos povos indígenas e dos

movimentos sociais são ignoradas pelo governo”, denuncia o

Movimento Xingu Vivo16.

Dentre as violações envolvendo os projetos relativos à

Copa e às Olimpíadas, são simulados estudos ambientais e

processos de licenciamento ambiental, em um procedimento

de exceção que revela clara infração ao estado de direito

vigente, segundo denúncias feitas pela Articulação Nacional

dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas (Ancop),

que reúne organizações populares das doze cidades-sede da

Copa, Segundo o “Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos

Humanos no Brasil”, verificam-se “(...)atropelos legais, aportes

adicionais de recursos públicos, irregularidades nos processos

de licenciamento de obras e inconsistência e incompletude de

alguns projetos licitados sem qualquer segurança econômica,

ambiental e jurídica”. Esta situação repercute nas “violações de

direitos dos trabalhadores nas obras dos estádios e dos projetos

de infraestrutura,(...) a despeito das cifras milionárias destinadas

às obras”. Por estas e outras violações envolvendo as obras para

a Copa e as Olimpíadas, constata-se que o padrão de violações

perpetradas no campo é reproduzido no espaço urbano.

Tal procedimento revela a total desconsideração e abandono

24

de experiências inovadoras com capacidade de propostas

alternativas ao modelo de desenvolvimento hegemônico, tanto

aquelas protagonizadas pelas camadas populares em suas

diferentes expressões socioculturais quanto aquelas resultantes

de subsídios, análises e recomendações de renomados

especialistas, como o estudo crítico realizado por um Painel de

Especialistas tornado público em 200817, a Carta à Presidente

Dilma, enviada por Vinte Associações Científicas em 19 de maio

de201118, e a Carta à Dilma Rousseff, enviada por mais de 350

acadêmicos em 1o de junho de 201119.

Ainda em relação aos estudos prévios, estes desconsideram a

dinâmica ambiental e social dos territórios (relações territoriais

específicas), das populações tradicionais atingidas direta e

agressivamente pelas transgressões aos seus

direitos, negando a existência de impactos

negativos e riscos associados (desconsiderando,

inclusive, informações científicas disponíveis),

a exemplo dos grupos indígenas que vivem

especialmente nas áreas do avanço desenfreado

de hidrelétricas na Amazônia. É também o que

ocorre nas regiões onde enormes extensões

de terras são apropriadas para o plantio da

monocultura de eucalipto para indústrias de

celulose, desterritorializando preferencialmente

populações tradicionais camponesas e

indígenas, como é o caso dos Tupinambás

no extremo sul da Bahia, onde opera a

transnacional Veracel Celulose20. A não realização da oitiva das

comunidades indígenas, num claro descumprimento do artigo

231 da Constituição Federal e da Convenção 169 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), compõe o rol das falhas crônicas

mais evidentes nestes casos.

Em relação ao costumeiro descumprimento da legislação

ambiental, ocorre uma franca violação das normas que regem

os procedimentos de licenciamento ambiental, a exemplo das

concessões das licenças de instalação e de operação antes

de serem atendidas as condições das licenças prévias. Esta

violação figura como um comportamento padrão nestes tipos de

empreendimentos no Brasil. Neste contexto, verifica-se uma forte

ocorrência de atos de improbidade administrativa envolvendo o

poder Executivo nas escalas local e federal dos empreendimentos.

Alguns exemplos são o favorecimento de interesses das empresas

em detrimento dos direitos socioambientais, bem como o delito

de corrupção passiva e ativa no poder Legislativo, particularmente

na escala local, conforme denúncia apresentada em fartos

documentos e relatórios produzidos pelos movimentos sociais, e

já mencionado anteriormente.

Os processos de planejamento, implantação e operação destes

empreendimentos são fortemente marcados pela atuação do

Ministério Público (Federal e Estaduais), inclusive do Trabalho,

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As mulheres têm feito um enfrentamento permanente à indústria da celulose: em defesa da vida

25

pelo ajuizamento de grande quantidade de Ações Civis Públicas,

envolvendo também expressiva quantidade de disputas judiciais

em função de um largo espectro de crimes de violações de

direitos trabalhistas e socioambientais, constituindo uma situação

de extrema gravidade no campo dos direitos humanos.

Segundo a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego

no Estado de Rondônia (SRTE/RO), as hidrelétricas de Santo

Antônio e Jirau receberam, cada uma, mais de mil autuações

por violações à legislação trabalhista. Esta situação decorre

do elevado nível de terceirização dos empregos e da intensa

precarização do trabalho, incluindo casos comprovados de

trabalho escravo. Também cabe destacar que a Veracel Celulose

está sob investigação do Ministério Público do Trabalho,

envolvida em 863 processos na Justiça do Trabalho (dados

até 2007) e um acúmulo de multas determinadas pelos órgãos

públicos ambientais, além das dezenas de Ações Civis Públicas

movidas pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual da Bahia.

No caso da UHE Belo Monte, já se acumulam treze ações

ajuizadas pelo Ministério Público Federal, no estado do Pará,

contra as ilegalidades e violações de direitos humanos21, além das

ações movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

Neste contexto de dramáticos conflitos sociais e ambientais, as

cooptações, perseguições, criminalizações e ameaças de morte,

entre outras ações por parte das empresas, em parceria com forças

policiais militares e da área judicial, compõem praticamente o

cotidiano de pessoas, comunidades, movimentos e entidades

civis que integram os coletivos de resistência às violações dos

direitos aqui tratados. Este processo é verificado em todos os

oito casos de megaprojetos trazidos nesta publicação. É bastante

fácil constatar o forte aparato policial que fornece segurança às

empresas construtoras, como a situação em pleno curso vivida

pelos trabalhadores da construção da UHE Belo Monte e do

complexo hidrelétrico no Rio Madeira. Mais grave ainda são as

denúncias do uso de milícias na segurança da TKCSA. As greves

dos operários dos canteiros de obras destes empreendimentos

denunciam situações de superexploração do trabalho, com longas

jornadas e baixos salários, falta de atendimento adequado à saúde,

problemas de transporte e segurança, incluindo demissões e

ameaças de demissão.

Chamou a atenção da sociedade civil organizada no Brasil o

fato de os governos do distrito de Moatize e da Província de Tete

terem acionado a Polícia da República de Moçambique (PRM) e

a Força de Intervenção Rápida (FIR) para reprimirem de forma

brutal e violenta os protestos das mais de 700 famílias reassentadas

pela empresa Vale Moçambique na região de Cateme, no dia 10

de janeiro de 2012. A FIR é uma unidade da polícia moçambicana

conhecida no país pelas repressões violentas e pelo uso excessivo

de força contra civis desprotegidos. Curiosamente, uma unidade

da FIR, alimentada por fundos da empresa Vale, está instalada nas

estradas que conduzem a Tete e Cateme22.

A Vale Moçambique tem impactado de modo drástico a comunidade de Moatize: acima da lei

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26

A chantagem locacional também é um dos aspectos do

comportamento padrão destes projetos. Ela é efetivada por meio da

fábula da geração de empregos e de “(...) informações distorcidas e

enganosas sobre os empreendimentos, caracterizando-se como

uma espécie de panaceia para os problemas de desenvolvimento

regional, como se, em um passe de mágica, os empreendedores

fossem capazes de zerar um déficit histórico de políticas públicas

(...)” (CARTA DA ALIANçA EM DEFESA DOS RIOS AMAzôNICOS

PARA DILMA ROUSSEFF; 8 de fevereiro de 2012)23 e a produção de

desigualdades econômicas e sociais.

As localizações destes empreendimentos, que na sua maioria

obedecem a uma lógica de intervenções físicas de grande

envergadura, resultam basicamente de escolhas que se dão

conjuntamente ou com o aval dos governos federal, estaduais

e municipais. São áreas de vulnerabilidade social (situações de

pobreza, privação social e vulnerabilidade institucional diante

da precarização de políticas públicas), áreas de vulnerabilidade

socioambiental no território, áreas com populações já

enraizadas desprovidas de regularização fundiária e áreas onde

aparecem como primeiras vítimas povos indígenas, ribeirinhos,

comunidades de pescadores, quilombolas, entre outras. Foi assim

em Moçambique, na Baía de Sepetiba, no extremo sul da Bahia e

assim continua, sucessivamente, a acontecer. Esta mesma lógica

está em pleno curso nas cidades brasileiras que sediarão a Copa

2014 e no Rio de Janeiro, que também sediará as Olimpíadas

2016. Para estas populações, o eixo central das violações de seus

direitos está no “direito de ficar”, que se desdobra em um amplo

espectro de violações dos direitos humanos e ambientais.

A contaminação química (efluentes, dejetos e emissões

industriais,) dos solos, das águas e do ar faz parte deste vasto

espectro, comprometendo a segurança alimentar, a saúde das

comunidades no entorno e a própria vida nessas terras. Essa

é a realidade, há décadas, nas áreas onde se estabeleceram

as indústrias de celulose a partir da apropriação de largas

extensões de terras para o cultivo de monoculturas de eucalipto.

Nelas, é grande a contaminação química do solo, das águas

e dos trabalhadores (especialmente os terceirizados) pelo uso

intensivo de agrotóxicos e formicidas24. Nessa conta, devem-

se incluir o alto consumo de água pelas plantações e fábricas

de celulose e a consequente redução de água disponível nas

comunidades vizinhas devido à rápida secagem de rios, córregos

e lagos, resultante dos cultivos de eucalipto. Alguns anos depois

do plantio, as plantações de monocultura têm um impacto

considerável sobre a recarga hídrica na superfície e no lençol

freático (REVISTA SCIENCE, 2004)25. “(...) Os rios e lagos que restam

estão envenenados por causa do uso de veneno na plantação”,

afirmam moradores da comunidade de Ponto Maneca, município

de Eunápolis, na Bahia. É fato que a implantação da Veracel, nesta

região, causou uma considerável redução da sociobiodiversidade,

atingindo milhares de pessoas, entre indígenas, agricultores

familiares, quilombolas e pequenos povoados26.

Nos casos que envolvem as atividades da empresa Vale, por

exemplo, são alarmantes os níveis de poluição atmosférica

com particulados provenientes de ferro e de emissões de CO2: a

Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), uma joint venture

da Vale com a ThyssenKrupp, “vem causando inúmeros impactos

negativos na saúde, no meio ambiente e na renda de cerca de

8.000 famílias de pescadores artesanais e centenas de famílias

residentes em Santa Cruz, no Rio de Janeiro” (Campanha

‘PARE A TKCSA!’, 2012). Segundo o Instituto de Geociências da

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esta companhia

causou um aumento de 600% na concentração média de ferro

no ar na área de sua influência em relação ao período anterior

ao início da pré-operação. Este crime ambiental foi constatado

e denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em abril

de 201227. De acordo com dados da própria empresa, a TKCSA

também elevará em 76% as emissões de CO2, o que significa mais

de 12 vezes o total da emissão de todo o município. Reforçando as

críticas feitas pelos moradores da região, a Fiocruz constatou um

aumento de 1.000% 28 na concentração de ferro no ar da região”

(RELATóRIO DE INSUSTENTABILIDADE DA VALE 2012). Isso

revela que a “CSA, sozinha, produzirá 9,7 milhões de toneladas

de dióxido de carbono (CO2)”, de acordo com informações do

Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense

27

(UFF), em 2010, ultrapassando em três ou quatro vezes o

estipulado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo

requerimento do MPRJ29.

Além disso, as atividades da pesca e a renda dos pescadores

estão gravemente prejudicadas pela obra da TKCSA, o que

resultou em seis processos judiciais (do total de nove movidos

contra a empresa) que preveem indenizações para 5.763

pescadores da Baía de Sepetiba (REDE BRASIL ATUAL, 18 de

abril de 2012). Na Bacia Carbonífera de Moatize, na província de

Tete, as comunidades atingidas denunciam a poluição gerada

pelas minas da Vale Moçambique (de Chipanga e do Vale), bem

como a contaminação das águas com impactos diretos à saúde,

além das alterações nas relações sociais, destruição das formas

de sustento, deslocamento de atividades econômicas locais e

mudanças radicais nas culturas tradicionais30.

Os casos emblemáticos abordados nesta publicação vitimam,

portanto, populações tradicionais e originárias cujas existências

se vinculam necessariamente a ambientes sociobiodiversos,

ampliando, aprofundando ou gerando conflitos territoriais/

fundiários e socioambientais. Inclui-se nesse comportamento

padrão dos empreendimentos a vitimação de populações

em situação de fragilidade econômico-social numa relação

direta com a segregação socioespacial urbana, decorrentes das

forças do mercado seguidas de práticas discriminatórias das

agências governamentais.

Os expressivos deslocamentos populacionais, como os

forçados (literalmente expulsões) ou as remoções compulsórias,

em áreas rurais ou urbanas, feitos inclusive com uso de

violência e intimidação, figuram notadamente como

comportamento padrão constatado em todos os casos aqui

relatados. A expulsão de famílias e/ou de comunidades inteiras

pelo uso da violência consta, por exemplo, no passivo da

empresa Veracel (esta também foi a prática empregadapela ex-

Aracruz Celulose, atual Fibria, no Espírito Santo). Expulsões por

desestruturação das economias locais podem ser constatadas

nas áreas de atuação da TKCSA, da Veracel e das hidrelétricas

na Amazônia. Remoções compulsórias (ou reassentamentos

involuntários) de famílias são feitas, com claras violações de

direitos humanos, nas áreas das obras de preparação para a

Copa do Mundo e as Olimpíadas. No caso da UHE Belo Monte,

que alagará 668 km2 e secará 100 km do rio na chamada Volta

Grande do Xingu, está previsto o deslocamento forçado de cerca

de 40 mil pessoas, atingindo direta e indiretamente catorze

comunidades indígenas do Médio Xingu, incluindo também

ribeirinhos, quilombolas, agricultores familiares e outras

populações que habitam ao longo dos rios amazônicos31.

No caso das obras de construção dos megaprojetos de

mobilidade urbana no contexto da Copa do Mundo e das

Olimpíadas, as remoções compulsórias têm sido feitas de modo

dramático e, muitas vezes, truculento. Elas são feitas sem que

sejam providenciados os serviços e meios de subsistência nas

áreas de realocação dessas famílias, sem que as comunidades

removidas tenham participado do planejamento das remoções,

sem que tenham recebido avisos sobre as remoções com

antecedência suficiente e tendo indenizações bastante limitadas.

“Ao invés de informações, o que recebemos foram ameaças”

(CARTA À PRESIDENTA DILMA ROUSSEF, AO GOVERNADOR

DO CEARÁ, CID GOMES, E À SOCIEDADE CEARENSE. Comitê

Popular da Copa - Fortaleza, 26 de fevereiro de 2012).

Os movimentos sociais urbanos que compõem os Comitês

Populares da Copa são unânimes na percepção de um claro

A TKCSA emitiu, sem controle, grande quantidade de substâncias tóxicas: sérios danos à saúde da população

Rio+

Tóxi

co 2

012

1 Carta da Aliança em Defesa dos Rios Amazônicos para Dilma Rousseff. Brasília, 8 de fevereiro de 2011. Disponível em: http://www.xinguvivo.org.br/2011/10/21/referencias-utilizadas-na-elaboracao-de-cartas-de-advertencia-a-instituicoes-financeiras-sobre-o-complexo-belo-monte/.

2 BADIN, PINTO, SISTON & TAUTZ. “O BNDES no período Lula e a reorganização do capitalismo brasileiro”. Disponível em: www.plataformabndes.org.br.

3 “BNDES – que desenvolvimento é esse?”. Por: Rede Brasil Sobre Instituições Financeiras Multilaterais, julho de 2008. Disponível em: http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/biblioteca/category/11-analises-do-desenvolvimento.

4 BADIN, LOPES PINTO, TAUTZ & SISTON. “O BNDES e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário”. In: Os anos Lula: Contribuições para um balanço crítico 2003-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010. Disponível em: http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/biblioteca/category/11-analises-do-desenvolvimento. Cf. também: “Desembolsos do BNDES crescem 568% na década”. Sabrina Lorenzi, iG RJ, 27/1/2011. http://economia.ig.com.br/desembolsos+do+bndes+crescem+568+na+decada/n1237970078829.html.

5 ______________. “O BNDES e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário”. In: Os anos Lula: Contribuições para um balanço crítico 2003-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010. Disponível em: http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/biblioteca/category/11-analises-do-desenvolvimento.

6 GARCIA, Ana S. “BNDES e a expansão internacional de empresas com sede no Brasil”. Outubro de 2011. Disponível em: http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/biblioteca/category/11-analises-do-desenvolvimento.

7 MOTA, Marcelo. “BNDES vê investimentos de R$ 20 bi em papel e celulose até 2010”. Disponível em: www.ibtimes.com.br/articles/20060920/bndes.htm.

8 “A primeira fábrica da Veracel foi um dos maiores investimentos privados no primeiro governo de Lula. O empréstimo do BNDES foi da ordem de U$ 1,25 bilhão e a empresa gera, atualmente, um pouco mais de 3.000 empregos; sendo apenas 700 empregos diretos e o restante indiretos, precarizados” parecer crítico ao relatório de impacto ambiental do projeto Veracel II” – Fórum Socioambiental do Extremo Sul da Bahia, julho de 2011, pág. 10).

28

processo de gentrificação fortemente relacionado à produção

da assepsia urbana, “uma vez que a adequação das cidades ao

megaevento pressupõe a formatação de Cidades Globais”32.

Segundo o “Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos

Humanos no Rio de Janeiro”, produzido pelo Comitê Popular da

Copa e das Olimpíadas deste município (18 de abril de 2012)33, a

política de preparação da cidade é de militarização.

A Vale Moçambique, por sua vez, na conclusão da primeira

fase do seu projeto de mineração, reassentou 1.313 famílias, o

equivalente a 7 mil pessoas, que estão vivendo em precárias

condições, inclusive passando fome. Segundo o jornalista

moçambicano Jeremias Vunjanhe34, o reassentamento

feito pela empresa apresenta infraestrutura de má qualidade

comprometendo, desde o início, as condições mínimas de

habitação. Não há transporte nem acesso à água e energia. A terra

é imprópria para a agricultura, o que resulta na fome aguda e

subnutrição. Esta situação é ainda agravada pelo descumprimento,

por parte da empresa, dos compromissos assumidos de

indenização e da “provisão trimestral de produtos alimentares

durante os primeiros cinco anos de reassentamento”. O jornalista

moçambicano denuncia ainda a “restrição à circulação de

pessoas através da instalação de uma vedação em volta da Vila

de Moatize e das vias de acesso aos recursos minerais”. Ele

também critica o “permanente abandono e desamparo a que

as comunidades reassentadas foram sujeitas pelas instituições

de Justiça, do Estado, do governo, às quais organizações sociais

têm recorrido, nos últimos dois anos, com vistas à reposição dos

direitos violados, através de petições, queixas e reclamações que,

infelizmente, continuam sem respostas”35.

A remoção forçada representa, assim, uma ruptura na

sociabilidade, a perda de referências e um sofrimento social

que se estabelece pela involuntariedade, pelo constrangimento

e por se tratar de uma transição para condições de vida

invariavelmente mais precárias que as anteriores.

Por fim, os casos aqui apresentados explicitam as distorções

da política de financiamento do BNDES, que ignora todos os

impactos e violações mencionados anteriormente e que resultam

* Marilda Teles Maracci é Doutora em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro da Rede Alerta Contra o Deserto Verde.

dos seus investimentos. “Na percepção de muitos movimentos

e organizações sociais destas regiões já está ficando claro que

o BNDES vem substituindo o BID [Banco Interamericano de

Desenvolvimento] e o Banco Mundial em financiamentos a

projetos com graves impactos sociais e ambientais em seus

territórios [...]” (BADIN, LOPES PINTO, TAUTz & SISTON, 2010,

p. 3). A subordinação do direito público ao direito privado está,

sem dúvida, na raiz do conjunto destas violações. O fichário dos

estudos de casos, apresentados com riqueza de informações

mais adiante neste livro, explicita a urgência de questionar e

transformar o atual padrão de acumulação capitalista sustentado

pelo Estado brasileiro.

9 “Parecer crítico ao relatório de impacto ambiental do projeto Veracel II” – Fórum Socioambiental do Extremo Sul da Bahia – julho 2011 (pág.10). Parecer crítico referente ao Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Veracel II realizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia e Fundação Padre José Koopmans.

10 REPóRTER BRASIL. “O BNDES e sua política socioambiental: uma crítica sob a perspectiva da sociedade civil organizada”. Fevereiro de 2011. Cf. também: “Desembolsos do BNDES crescem 568% na década”: http://economia.ig.com.br/desembolsos+do+bndes+crescem+568+na+decada/n1237970078829.html

11 “BNDES se apressa em garantir recursos para Belo Monte”. 18 de outubro de 2011. Disponível em: http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/noticias/143-bndes-se-apressa-em-garantir-recursos-para-belo-monte.

12 “Depois de recusa do Banco Central, MPF insiste em fiscalização no BNDES para Belo Monte. MPF pediu a fiscalização por causa da envergadura da operação de empréstimo, que pode ser um dos maiores da história do Banco”. Publicado em 28 de fevereiro de 2012. Disponível em: http://www.xinguvivo.org.br/2012/02/28/depois-de-recusa-do-banco-central-mpf-insiste-em-fiscalizacao-no-bndes-para-belo-monte/.

13 Nota Pública de Repúdio à realização do “Workshop Internacional sobre Deslocamentos Involuntários”. Março de 2012. Disponível em: http://www.agb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=121; http://comitepopulario.wordpress.com/2012/03/28/nota-publica-de-repudio-a-realizacao-do-workshop-internacional-sobre-deslocamentos-involuntarios/ e outros.

14 “(...) é motivo de grande espanto e preocupação a verdadeira corrida para construir uma quantidade enorme e sem precedentes de novas hidrelétricas na Amazônia nos próximos anos: em torno de 70 grandes barragens (UHEs) e 177 PCHs, inclusive 11 grandes hidrelétricas somente na bacia do Tapajós/Teles Pires, segundo dados do PNE e do PDE” (Movimento Xingu Vivo Para Sempre. Carta à Dilma, 8 de fevereiro de 2011).

15 Cf. nota 4.

16 Movimento Xingu Vivo Para Sempre. Carta à Dilma, 8 de fevereiro de 2011.

17 “Painel de Especialistas - Análise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte. Especialistas vinculados a diversas Instituições de Ensino e Pesquisa identificam e analisam, de acordo com a sua especialidade, graves problemas e sérias lacunas no EIA de Belo Monte”. Organizado por Sônia Maria Simões Barbosa Magalhães Santos e Francisco del Moral Hernandez. Belém, 29 de outubro de 2009. Disponível em: http://www.xinguvivo.org.br/2011/10/21/referencias-utilizadas-na-elaboracao-de-cartas-de-advertencia-a-instituicoes-financeiras-sobre-o-complexo-belo-monte/.

18 Vinte Associações Científicas, dentre as quais a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências, já haviam enviado carta à presidente Dilma pedindo o cumprimento dos direitos constitucionais dos povos indígenas, especialmente o de consulta prévia, livre e informada. A violação deste direito resultou, em abril (2011), na recomendação da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) pela paralisação das obras de Belo Monte. Disponível em: http://www.advivo.com.br/sites/default/files/documentos/cartaassociacoescientificas.pdf.

19 Mais de 350 acadêmicos, incluindo professores, pesquisadores, cientistas e intelectuais brasileiros, enviaram uma carta à presidente Dilma Rousseff expressando sérias preocupações relativas a violações de direitos humanos e descumprimento da legislação ambiental brasileira no processo de Belo Monte (Informe nº 966: Ibama autoriza Belo Monte sem cumprimento de condicionantes. Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 2 de junho de 2011. Disponível em: http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=5595.).

20 É importante considerar que uma situação praticamente idêntica ocorre no norte do Espírito Santo, área em que a Fibria opera (antes denominada de Aracruz Celulose). Nesta região, atualmente vivem dezenas de comunidades, entre indígenas e quilombolas, que ainda resistem ilhadas em meio à monocultura de eucalipto, expostas a toda sorte de impactos socioambientais dramáticos e violações dos direitos humanos.

21 “Nota Pública sobre a ocupação do canteiro de obras de Belo Monte”. Movimento Xingu Vivo Para Sempre et all. Altamira (PA), 28 de outubro de 2011.

22 “O que vale o preço do desenvolvimento?”. Macua Blog - A opinião de Justiça Ambiental (JA!), 20 de janeiro de 2012. Disponível em: http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2012/01/o-que--vale-o-pre%C3%A7o-do-desenvolvimento.html.

23 Disponível em: http://terradedireitos.org.br/biblioteca/carta-da-alianca-em-defesa-dos-rios-amazonicos-para-dilma-rousseff/.

24 Uso de agrotóxicos à base de glifosato (Roundup da Monsanto) nas plantações.

25 Revista Science. “Trading Water for Carbon with Biological Sequestration”. Robert B. Jackson et al. Dezembro de 2004, vol.310 p.1944-1947 (citado por: “Parecer Crítico referente ao Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Veracel II”, realizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes)) e Fundação Padre José Koopmans (Eunápolis, Bahia, julho de 2011).

26 Situação idêntica ocorre no norte do Espírito Santo (municípios de Aracruz, São Mateus e Con-ceição da Barra), onde a empresa Fibria (antes denominada Aracruz Celulose), uma das proprietárias da joint venture Veracel Celulose S.A. na Bahia, desenvolve a mesma atividade da monocultura de eucalipto em grandes extensões de terras.

27 “Relatório dos atingidos pela Vale cita ‘insustentabilidade’ e critica ‘incoerente posição’ da mineradora”. Virginia Toledo/Rede Brasil Atual. Publicado em 18/04/2012. Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/temas/ambiente/2012/04/relatorio-dos-atingidos-pela-vale-denuncia-insustentabilidade-e-critica-a-antagonica-posicao-da-mineradora.

28 Relatório da Fiocruz caso TKCSA 2011: “Avaliação dos impactos socioambientais e de saúde em Santa Cruz decorrentes da instalação e operação da empresa TKCSA”.

29 Requerimento do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) à 2ª Vara Criminal do bairro Santa Cruz, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, que faz parte da segunda ação penal contra a TKCSA, de junho de 2011, por crime ambiental, conforme a Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais).

30 Segundo o “Dossiê dos Impactos e Violações da Vale no Mundo” (abril de 2010), referindo à exumação de corpos pela Vale em Moçambique, “a população se recusa a ceder os cemitérios que se encontram dentro das áreas de concessão mineira da Vale. Enquanto a Vale se desdobra no fabrico de caixões para a exumação dos corpos, as populações entendem que é absurdo remover os corpos dos seus entes queridos, e é uma violação gravíssima a uma tradição secular”. Disponível em: http://atingidospelavale.files.wordpress.com/2010/04/dossie_versaoweb.pdf.

31 “Vale candidata a pior empresa do mundo”. Justiça nos Trilhos, 09 de janeiro de 2012. Disponível em: http://www.justicanostrilhos.org/comment/reply/876.

32 “Copa do Mundo para Todos – O retrato dos vendedores ambulantes nas cidades-sede da Copa do Mundo de 2014”. Publicado em abril de 2012 por StreetNetInternational. Disponível em: http://apublica.org/2012/04/copa-nao-e-para-pobre-os-ambulantes-zonas-de-exclusao-da-fifa/

33 “Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro. Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro”. Disponível em: https://www.dropbox.com/s/qwd9xw10jsknc55/Dossi_Megaeventos_e_Viola_es_dos_Direitos_Humanos_no_Rio_de_Janeiro.pdf.

34 Jeremias Vunjanhe é jornalista graduado pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Modlane de Maputo, Moçambique. Atualmente é coordenador da Área de Mídia da Justiça Ambiental (JA!) e da campanha de Monitoria do Projeto de Mineração da Vale em Moatize.

35 “Vale: novos conflitos em Moçambique. Entrevista especial com Jeremias Filipe Vunjanhe”. Instituto Humanitas Unisinos. 26 de janeiro de 2012. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/506152-vale-novos-conflitos-em-mocambique-entrevista-especial-com-jeremias-filipe-vunjanhe-.

29

30

31

Ambientalização dos bancos: da crítica reformista à crítica contestatóriaFabrina Furtado e Gabriel Strautman

O ano de 2009 foi um marco para o Banco Nacional

de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES):

pela primeira vez a instituição ultrapassou a casa

dos R$ 100 bilhões em desembolsos, alcançando a marca de

R$ 137,4 bilhões1. Em novembro daquele mesmo ano o Rio de

Janeiro, cidade que abriga a sede do Banco, foi também o local

do I Encontro de Populações Sul-Americanas Atingidas por

Projetos Financiados pelo BNDES.

Ao longo da última década a economia brasileira vem

experimentando um expressivo ciclo de expansão, caracterizado

por consecutivas taxas de crescimento econômico. Dificilmente

isso teria sido possível sem a existência do BNDES, instituição

financeira integralmente pública, fundada em 1952, e principal

instrumento para a implementação das políticas industrial, de

infraestrutura e de comércio exterior brasileiras. O BNDES é a

principal, senão a única, fonte de financiamento de longo prazo

no Brasil. Para que conseguisse cumprir o papel de garantidor

de recursos suficientemente capazes de sustentar a expansão da

economia brasileira, o Banco teve seu capital multiplicado por

oito em apenas uma década. O BNDES, no entanto, não se limita

a ter um papel de mero financiador de projetos. Por integrar o

corpo de acionistas de várias empresas e conglomerados, este

Banco tem um profundo conhecimento dos principais setores da

economia brasileira, o que lhe atribui uma enorme capacidade

de planejamento econômico.

Os representantes de comunidades atingidas por projetos

financiados pelo BNDES no Brasil e na América do Sul (região de

crescente atuação do banco nos últimos anos) vivenciaram, no

Encontro do Rio de Janeiro, três dias de intensos debates e de

um rico processo de intercâmbio de experiências de resistência

e contestação aos grandes projetos de infraestrutura e empresas

transnacionais. Ao final, eles enviaram uma importante mensagem

à opinião pública: o BNDES, através dos projetos que financia e

ajuda a conceber, é também responsável pelos irreversíveis impactos

causados às comunidades e ao meio ambiente.

A escalada dos conflitos sociais e ambientais em contextos

de expansão da economia é algo que tem sido cada vez mais

comum, especialmente nos países do chamado mundo

em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, a pressão de

organizações da sociedade civil e movimentos sociais pela

responsabilização das instituições financeiras, a exemplo do

que agora acontece com o BNDES, não é algo inédito. Desde

a década de 1980, pelo menos, instituições como o Banco

Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)

são alvo de críticas pelo envolvimento na formulação de

políticas e projetos polêmicos. Em resposta, o Banco Mundial

foi o primeiro a adotar uma política de salvaguardas, passando

assim a exigir de seus “clientes”, como são chamados os

países, que os impactos socioambientais dos projetos fossem

considerados desde a fase de concepção.Gui

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nde

32

Este pioneirismo do Banco Mundial lhe rendeu a posição de

modelo a ser seguido pelas demais instituições financeiras e o

papel de porta-voz do conceito de desenvolvimento sustentável,

que, de acordo com o Banco, seria capaz de equilibrar o

crescimento econômico e a geração de trabalho e renda com a

proteção ao meio ambiente. Entretanto, quase três décadas após

a aplicação das salvaguardas, diferentes segmentos críticos ao

caráter da atuação do Banco Mundial continuam a questionar

a suposta responsabilidade ambiental do Banco. De um lado,

grupos que acreditam na importância das salvaguardas defendem

o seu aprimoramento, de outro, grupos veem na sua criação mais

um instrumento de retórica das instituições financeiras.

Considerando o exposto, a proposta deste texto é resgatar o

debate sobre a adoção de salvaguardas socioambientais por

instituições financeiras, mapeando as diferentes vertentes

existentes neste debate. O objetivo central será, portanto, o de

identificar elementos para subsidiar o debate sobre a recém-

anunciada Política Sociambiental do BNDES, cujas fragilidade

e limitação têm sido objeto de análises e questionamentos da

própria Rede Brasil. É relevante ressaltar que a referida Política

Socioambiental do Banco se constitui como contrapartida do

Empréstimo Programático de Política para o Desenvolvimento

em Gestão Ambiental Sustentável Brasileira (SEM DPL, sigla em

inglês) do Banco Mundial, autorizado em 2009, no valor de US$

1,3 bilhão – em que a política ambiental do Banco Mundial serve

de referência para o BNDES.

Cabe destacar que o BNDES, um banco público brasileiro, se

realmente se preocupasse com parâmetros para a sua política

ambiental facilmente os encontraria na legislação federal. No

ordenamento jurídico brasileiro, existem dispositivos legais

que obrigam as instituições bancárias a se preocuparem com

aspectos ambientais em suas operações de crédito, como a lei

que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, e

a Lei de Crimes Ambientais, de 1998 (Repórter Brasil, 2011). Na

prática, no processo de aprovação de novos financiamentos, o

Banco se limita a verificar se as diretrizes ambientais definidas

pela legislação, como consulta prévia e avaliação de impacto

ambiental, dentre outras, foram cumpridas ou não pelos órgãos

ambientais competentes. Além disso, como resposta às pressões

realizadas pela sociedade civil, o BNDES adotou em 2008

um conjunto de cláusulas sociais que preveem a suspensão

antecipada de financiamentos que produzam violações de

direitos humanos, mas que só se aplica em condenações de

última instância. Em 2009, o Banco começou a divulgar seus

dados operacionais, ainda que muito insuficientes, através do seu

“portal da transparência”.

Para subsidiar a elaboração de estratégias referentes à

questão socioambiental e ao BNDES, uma reflexão sobre as

perspectivas em torno das salvaguardas e as IFMs surge como

um instrumento importante, ainda mais considerando o

histórico de atuação de diversas organizações e da própria Rede

Brasil neste campo. Na busca de contribuir para essa reflexão,

este artigo apresentará as perspectivas de dois diferentes olhares

sobre as salvaguardas. Reconhece-se que as estratégias de

atuação diante das IFMs são muito mais complexas do que será

apresentado aqui, e que não é possível dividi-las em apenas

duas vertentes independentes pois envolvem, em distintos

momentos da história, do contexto político e das condições

de ação, uma complexa rede de relações entre elas, e que

nem uma nem a outra são implementadas de forma isolada.

Entretanto, o interesse é compreender os possíveis usos e

riscos das salvaguardas através da escolha de perspectivas e

estratégias representativas, e não realizar estudos exaustivos

sobre todas as perspectivas e estratégias. Para realizar este

exercício metodológico, o texto do professor Acselrad (2010)

“Ambientalização das lutas sociais - o caso do movimento

por justiça ambiental” foi grande fonte de inspiração. Nele, o

autor analisa a apropriação da questão ambiental por parte de

organizações e movimentos sociais refletindo sobre o que é

chamado de ecologismo de resultados, pragmático e tecnicista,

por um lado, e ecologismo combativo, contestatório, por outro.

As categorias utilizadas no caso deste artigo são a de crítica

reformista e crítica contestatória.

Primeiramente, este artigo apresenta o debate sobre

33

salvaguardas, seu histórico e alguns conceitos importantes.

Na segunda parte, há uma reflexão sobre a crítica reformista

e questões como transparência, mecanismos de prestação de

conta e participação. A terceira seção apresenta os argumentos

do que aqui se denomina crítica contestatória, aproveitando

o debate sobre salvaguardas para realizar uma análise mais

estrutural sobre o processo de ambientalização das IFMs, seus

mecanismos de participação e de investigação independente e a

relação com a crítica. A última parte traz algumas considerações

finais e questões a serem aprofundadas.

A construção deste artigo é resultado de mais de dez anos

de experiência do autor e da autora no monitoramento de

IFMs, incluindo o papel dos dois como secretária e secretário

executivos da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras

Multilaterais, período durante o qual participaram de consultas

e reuniões do Banco Mundial, BID e BNDES, atividades de

formação e mobilização de populações atingidas por estas

instituições, além de processos de monitoramento, avaliação e

denúncias de alguns dos casos aqui citados. O trabalho contou

ainda com um esforço de pesquisa em fontes secundárias para

construir os elementos teóricos fundamentais ao debate sobre

salvaguardas, participação e o papel da crítica.

1. O debate sobre salvaguardas: salvaguardando o quê?

A palavra salvaguarda significa, de acordo com o dicionário

Houaiss da Língua Portuguesa, proteção e garantia dadas por

uma autoridade ou instituição; o que serve de defesa, de amparo;

ou, ainda, privilégio ou vantagem de certa classe ou espécie.

Quando o que está em discussão é a aplicação de salvaguardas

por uma instituição financeira responsável pelo financiamento

de projetos, estamos falando de um conjunto de políticas e

diretrizes que são aplicadas sobre estes projetos para garantir que

eles “não provoquem dano algum2”.

Subjacente ao conceito de salvaguardas está a noção de que

os tomadores de recursos da instituição financeira devem ser

capazes de se antecipar aos efeitos considerados indesejáveis

nos projetos, procurando evitá-los, quando possível, e mitigá-

los, quando necessário. Com efeito, técnicas como a avaliação

prévia de impactos ambientais, consulta prévia às comunidades,

planos de mitigação de impactos, além de políticas específicas

para projetos que envolvam reassentamento involuntário

de populações ou impactos sobre comunidades indígenas

começaram a ser aplicadas. Em alguns casos, a política de

salvaguardas de um banco pode também ser aplicada para

impedir o envolvimento dele em determinados tipos de projeto.

A política de salvaguardas do Banco Mundial, por exemplo,

veda a participação da instituição em projetos envolvendo a

conversão significativa de habitats naturais ou operações com

madeireiras comerciais.

Durante a década de 1980, o Banco Mundial foi alvo de duras

críticas de organizações da sociedade civil por sua omissão e

negligência em relação aos danos sociais e ambientais causados

pelos projetos financiados. Pressionado, este Banco acabou

adotando uma política de salvaguardas socioambientais (ver

tabela 1), sendo posteriormente seguido por outras agências de

desenvolvimento, como o (BID) e o Banco de Desenvolvimento

Asiático (BDA).

Por sua vez, a Corporação Financeira Internacional (IFC, do

original em inglês), agência ligada ao Grupo Banco Mundial que

financia exclusivamente o setor privado, possui uma política de

salvaguardas específica. Também como resultado da pressão

por parte de organizações da sociedade civil, em 2006 o IFC

adotou uma série de Políticas e Padrões de Desempenho sobre

Sustentabilidade Socioambiental (ver tabela 2) para orientar seus

clientes na gestão de riscos sociais e ambientais em setores como

os de petróleo, gás e mineração. A política do IFC se diferencia

das demais salvaguardas do Banco Mundial por ser “baseada em

resultados”. Assim, seus clientes deverão seguir uma série de

princípios de sustentabilidade mais amplamente definidos, em

vez de objetivos específicos. Ao proceder dessa maneira, o IFC dá

a seus clientes maior flexibilidade para escolher que ferramentas

utilizar para alcançar estes resultados esperados.

No entanto, a adoção de salvaguardas bem como os demais

34

instrumentos de prestação de contas e democratização não

livraram as (IFMs) das críticas. Com o tempo, percebeu-se

que as normas e procedimentos concebidos em resposta

às pressões da sociedade civil, como condições essenciais

para o financiamento de projetos, terminaram não sendo

adotadas – ou satisfatoriamente adotadas – pelos próprios

bancos. A partir daqui, identificam-se pelo menos dois

grupos críticos das IFMs com diferentes interpretações para

os problemas de implementação das salvaguardas: o primeiro

deles é o dos reformistas, que acreditam nas salvaguardas

como um instrumento de reforma dos bancos e atribuem a

falhas operacionais os problemas na implementação; o outro

grupo, dos contestatários, argumenta que as salvaguardas

são instrumento de retórica, sendo, portanto, muito mais um

discurso do que necessariamente uma prática. Para este grupo,

o objetivo final das salvaguardas é a neutralização da crítica

ao modelo de desenvolvimento do qual os bancos são um

instrumento central.

2. A crítica reformista

Os reformistas consideram as salvaguardas um eficiente

instrumento para a promoção de um desempenho

ambientalmente responsável pelos bancos, mas desde que

aplicadas adequadamente. Neste sentido, a crítica reformista

mira na falta crônica de transparência, canais de participação

direta e de mecanismos eficientes de prestação de contas e

responsabilização como principais desafios a serem superados

pelos bancos multilaterais.

2.1 Transparência

A falta de transparência, por exemplo, impede que se

saiba como os projetos são avaliados, seja do ponto de vista

econômico-financeiro, seja do ponto de vista socioambiental.

Logo, sem transparência não há como saber de que forma as

salvaguardas são efetivamente implementadas nos projetos

financiados pelas instituições financeiras. Embora a maioria

das IFMs tenha implementado políticas de acesso à informação

(ou disclosure) ao longo dos últimos anos, estas ainda deixam

muito a desejar. Uma das críticas feitas aos relatórios de

acompanhamento de projetos divulgados pelo Banco Mundial,

por exemplo, é a de que estes apenas apresentam dados

agregados, que impedem uma visualização mais precisa sobre

os impactos que estão sendo efetivamente provocados pelos

projetos. Além disso, a maioria destes relatórios é resultado

das chamadas “inspeções de escritório”, ou seja, não adota

como fonte primária de informação o contato direto com as

comunidades (FOX, 2001; HERBERTSON, 2010).

O caso do IFC é ainda mais grave: o banco é conhecido pela

sua prática de implementar e monitorar projetos de portas

fechadas e por deixar por conta das empresas beneficiárias de

seus empréstimos a comprovação dos resultados definidos

pelos seus “Padrões de Performance”. Isso é particularmente

problemático nas operações de financiamento que o IFC

realiza através de intermediários financeiros, pois não há meios

de se certificar se estas instituições aplicam as diretrizes de

sustentabilidade exigidas pelo IFC.

2.2 Prestação de contas: o caso do Painel de Inspeção

do Banco Mundial e do Mecanismo de Investigação

Independente do BID

Para os críticos reformistas, a existência de canais de prestação

de contas e accountability, complementares à política de

transparência, é também necessária para uma aplicação eficiente

das salvaguardas. Neste sentido, mecanismos de mediação de

conflitos como o Painel de Inspeção do Banco Mundial surgem

servindo como via para que os interessados nos projetos e

suas comunidades identifiquem e resolvam problemas que se

manifestam quando deixaram de ser observadas salvaguardas

sociais e ambientais do Banco (BANCO MUNDIAL, 2009).

A criação do Painel de Inspeção pelo Banco Mundial em

1993 foi vista como uma das principais vitórias da sociedade

35

civil internacional relativas às políticas das

IFMs, após intensa mobilização e pressão de

redes, ONGs e movimentos sociais de vários

países. A exemplo do que aconteceu com

as salvaguardas, outras IFMs seguiram

a iniciativa do Banco Mundial, criando

mecanismos semelhantes ao Painel de

Inspeção. O BID, por exemplo, em 1994

criou o Mecanismo de Investigação

Independente (MII), que em 2010 passou

a se chamar Mecanismo Independente

de Consulta e de Investigação (Mici).

Em 1999, o IFC e a Agência de Garantia de

Investimentos Multilaterais (Agim), ambas do

Grupo Banco Mundial, também criaram o Escritório

do Ombudsman para a Verificação da Obediência às

Regras (Office of the Compliance Advisor Ombudsman –

CAO) (BM, 2009; BID, 2010).

Tomando como exemplo o Painel de Inspeção do Banco

Mundial, o processo de funcionamento é o seguinte: duas

ou mais pessoas afetadas por um projeto financiado pelo

Banco, que considerem que o projeto violou as salvaguardas,

podem escrever ao painel pedindo uma investigação. Uma

vez recebido e registrado o pedido, o painel determina a

elegibilidade desse pedido, ao qual a gerência do Banco tem

a oportunidade de dar uma resposta inicial, concentrada

geralmente no fato de terem sido ou não observadas as

políticas pertinentes da instituição naquele projeto em

particular. Caso conclua que o pedido é elegível, o painel

recomenda uma investigação completa à diretoria

executiva (BANCO MUNDIAL, 2009).

Entretanto, a crítica reformista reconhece

que é mais fácil falar do painel do que usá-

lo efetivamente. Mesmo em casos em que as

pessoas atingidas estão informadas sobre o painel

e as políticas do Banco e seus pleitos ajustam-

se às incumbências do painel, os custos e riscos

de registrar uma

reclamação podem

ser substanciais.

Os custos envolvem

recursos humanos

necessários para o

processo, altamente técnico,

de preparar uma reclamação,

registrá-la e fazer lobby por ela. A

percepção de riscos também depende de

que potenciais reclamantes estejam sujeitos a

ameaças de retaliações. Finalmente, a motivação

para usar um canal institucional como o Painel

de Inspeção não pode ser suposta como sempre

presente. Os procedimentos do painel e a linguagem

política extremamente técnica do Banco requerem tanto

uma proficiência em inglês quanto um alto nível de

Gui

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nde

Os impactos da atuação das instituições financeiras estão presentes em todo o território: financiando a destruição

36

familiaridade e tolerância com a cultura legal ocidental, sem

mencionar uma aceitação implícita da legitimidade do Banco

enquanto instituição.

A experiência revela ainda que raramente as IFMs cancelam

um empréstimo por uma falha na obediência de suas próprias

políticas de salvaguardas, o que reduz os incentivos ao

encaminhamento de queixas aos mecanismos de mediação de

conflitos. Em 1995, uma queixa feita ao Painel de Inspeção do

Banco Mundial pelo financiamento pelo IFC de uma barragem

hidrelétrica no Rio Bío-Bío, no Chile, abriu um lamentável

precedente: o Banco provocou e negociou o vencimento

antecipado de um empréstimo e a empresa ficou desobrigada

a cumprir as salvaguardas. Como já foi dito, o IFC está fora do

poder do Painel, e viria a criar o seu próprio mecanismo apenas

quatro anos mais tarde. Mesmo assim, a direção do Banco

Mundial não quis estender o poder do Painel de Inspeção sobre

o IFC e, assim, recusou permissão para uma inspeção. Porém a

reclamação fez James Wolfensohn, então presidente do Banco,

estabelecer uma averiguação ad hoc e independente. Mas a

companhia de energia chilena pagou, adiantadamente, a sua

dívida, evitando assim o escrutínio do Banco Mundial.

Vale lembrar que o IFC já foi alvo de diversas críticas

também no Brasil por financiar projetos de graves impactos

socioambientais. Alguns exemplos são a expansão de plantação

de soja do Grupo Amaggi no leste do Mato Grosso, a Aracruz

Celulose e a ampliação de uma das maiores empresas do setor de

carne bovina do país, a Bertim, na Amazônia. No caso da Aracruz,

a empresa antecipou o pagamento da dívida que tinha com o

IFC, no valor de US$ 50 milhões, o que levou o Banco a afirmar

que, assim, estava encerrada sua relação com a multinacional

e a sua responsabilidade em torno das questões cobradas pela

sociedade civil, em especial pela Rede Alerta Contra o Deserto

Verde e a Rede Brasil. Em relação ao caso Bertim, o Banco foi

obrigado a cancelar o empréstimo depois de denúncias e de

uma ação movida pelo Ministério Público Federal do Pará de

que a empresa estaria comprando gado de fazendas envolvidas

em desmatamento ilegal e de propriedades localizadas dentro

da Terra Indígena Apyterewa, no Pará, e fornecendo os produtos

derivados dos animais nos mercados brasileiro e internacional

(REDE BRASIL, 2004; CARTA MAIOR, 2005; GREENPEACE, 2009).

Caso semelhante ao da hidrelétrica no Rio Bío-Bío aconteceu

no Brasil com o então MII, do BID, no financiamento ao projeto

da Hidrelétrica de Cana Brava em 2005. Desde o início do projeto,

vários conflitos foram gerados e denúncias foram apresentadas

pelos atingidos pela obra envolvendo a empresa – a Companhia

Energética Meridional (CEM), subsidiária da Tractebel Energia

da Bélgica –, o governo e os financiadores. Após a realização de

uma auditoria social, o BID reconheceu a sua responsabilidade

pelas falhas operacionais do projeto, destacando a violação da

sua própria Política Operacional de Reassentamento Involuntário.

O Banco também se comprometeu a “continuar a ter uma

obrigação moral em manter uma reputação positiva, garantindo

que todos os atingidos pelo projeto fossem beneficiários da

implementação do projeto”. Apesar disso, um representante do

BID observou que dificilmente o BID poderia exigir medidas da

Tractebel já que esta, em maio de 2005, exerceu o seu direito

de pré-pagar o empréstimo do BID inteiramente, como

estipulado nos documentos de financiamento, livrando-se das

obrigações assumidas junto ao Banco3, incluindo a aplicação

das salvaguardas.

2.3 Participação

Diante da observação dos problemas existentes na aplicação

das políticas de salvaguardas bem como da insuficiência dos

mecanismos de solução de conflitos das IFMs para fazer os

bancos respeitarem suas próprias diretrizes, as organizações

da sociedade civil insistem na importância dos canais de

participação direta, como meio de promover o diálogo

sobre o aperfeiçoamento destes instrumentos de reforma

das instituições. Como resultado dessa pressão, as IFMs têm

realizado inúmeros processos de consulta sobre suas políticas

setoriais (revisão da política de integração do BID, da política

energética e climática do Banco Mundial), além das suas próprias

37

salvaguardas. No entanto, há um descontentamento por parte

da sociedade civil, pois as consultas têm sérios problemas

metodológicos (documentos de discussão são divulgados com

pouca antecedência das consultas, geralmente em inglês e na

internet, sem ampla divulgação, levantando dúvidas sobre o

caráter da representação que atende aos convites) e não há meios

de saber como efetivamente os bancos consideram as críticas

que lhes são dirigidas.

A crítica reformista argumenta ainda que alguns traços

da própria cultura institucional dos bancos ajudam a

entender a razão pela qual as IFMs não respeitam seus

próprios procedimentos. Em um banco, os funcionários

são recompensados pela quantidade de desembolsos que

conseguem realizar, e não necessariamente pela qualidade.

Nesta mesma perspectiva, a aplicação de salvaguardas tem

impactos diretos nos custos operacionais de um projeto

e também em relação à aceitação de casos pelo painel de

inspeção. A realização de missões de monitoramento, a

produção de relatórios e a correta aplicação de avaliações de

impacto e consulta aumentam os custos operacionais dos

projetos e, principalmente, levam tempo, uma variável-chave

nos financiamentos de longo prazo. Na queda de braço entre a

eficiência socioambiental e a eficiência econômica, a força da

última revela-se, portanto, ainda preponderante.

3. A crítica contestatória: da eficiência socioambiental à

justiça ambiental

Conceitos são apresentações gerais da realidade, portadores

de significados. No entanto, podem ser apropriados de forma

distinta e ter representações diferentes dependendo do ator, seu

contexto histórico cultural, seus interesses e posicionamentos

ideológicos. Como define Hajer (2005), o discurso, produzido

e reproduzido através de distintas práticas, é um conjunto

de ideias, conceitos e categorias que dão significado aos

fenômenos sociais e físicos. A análise de discurso rejeita

a ideia de uma só realidade baseando-se na existência de

várias realidades que são socialmente construídas. Ela é capaz

de revelar o papel da linguagem na política; a inserção da

linguagem na prática; ilustrar por que determinadas definições

tornam-se mais “populares”; e explicar os mecanismos que

resultam em certas políticas e não em outras. Em relação ao

discurso ambiental, não é o meio ambiente apenas que está em

debate e sim o projeto de sociedade que é promovido sobre a

bandeira da proteção ambiental.

Os significados atribuídos às palavras em torno do conceito

de salvaguardas como proteção, garantia, defesa e amparo são

apropriados de formas distintas. O que é proteção, garantia,

defesa e amparo para o Banco Mundial é, sem dúvida, distinto do

que representa para uma comunidade tradicional que há anos

vive em um território ameaçado em todos os sentidos por um

projeto financiado pelo Banco. Talvez esta comunidade veja a

política de salvaguardas mais como uma forma de “privilegiar e

garantir vantagem da classe” que propõe, elabora, implementa e

financia aquele projeto em nome da proteção, defesa, garantia

e amparo da comunidade e de seu território. O que são efeitos

indesejáveis? O que o Banco Mundial caracteriza como dano? O

que significa de fato “evitar, quando possível, e mitigar, quando

necessário”? Quando é impossível e quando é desnecessário?

Estas são algumas questões das quais a crítica contestatória parte.

A crítica contestatória está fundamentada na percepção –

também construída como resultado de anos de monitoramento

das IFMs – de que estas instituições não podem ser reformadas

e de que mudanças de discurso não têm significado mudanças

na prática. São vários os exemplos de violações de salvaguardas

nas IFMs. Além dos casos acima mencionados, os seguintes

projetos foram alvos de denúncias por violações de salvaguardas

do Banco Mundial no Brasil: Projeto de Biodiversidade do

Paraná, Projeto de Gestão de Recursos Naturais de Rondônia,

as hidrelétricas de Yacyretá e Itaparica e o Projeto de Reforma

Agrária para Alívio da Pobreza. No caso do BID, o novo

Mecanismo de Investigação Independente, criado em 2010, já

recebeu seis denúncias, incluindo o projeto de desenvolvimento

urbano de São José dos Campos. Além disso, processos de

A expansão da plantação de soja em Mato Grosso foi financiada pelo IFC: denunciado pelos impactos socioambientais

38

avaliação das suas próprias políticas, tais como a Comissão

Mundial de Barragem4 e a investigação do Grupo de Avaliação

Independente sobre o setor extrativista do Banco Mundial5,

geraram recomendações que nunca foram incorporadas pela

instituição. No caso da Comissão Mundial de Barragem, cujo

resultado evidencia a inviabilidade social, ambiental e econômica

da construção de barragens, pode-se argumentar que o Banco

Mundial reduziu seus empréstimos diretos para tais projetos. No

entanto, além de o Banco continuar considerando hidrelétricas

como energia renovável, não utilizou os resultados do estudo

para eliminar outras formas de participação, inclusive política,

na implementação de um modelo de desenvolvimento baseado

na construção de grandes projetos de infraestrutura, mudando

assim a lógica da sua política energética. Quando questionado

sobre o uso dos resultados da CMB em relação à sua

participação no Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira (mesmo

sendo de forma indireta, através do

financiamento de estudos técnicos

que subsidiaram a liberação do

licenciamento ambiental), o Banco

respondeu que como os governos

não adotaram os resultados da

Comissão o Banco também não

poderia. A crítica contestatória

não defende o uso de nenhuma

condicionalidade por parte do

Banco, pois isso significaria

reconhecer a legitimidade desta

instituição, mas uma resposta

como esta poderia ser considerada

dois pesos para uma medida; um

posicionamento bastante cômodo.

Portanto, neste debate sobre

ambientalização das instituições

financeiras, adota-se como

ponto de partida de análise uma

crítica sistêmica, para questionar,

em vez de celebrar, a adoção de políticas de salvaguardas

socioambientais e a criação de mecanismos de mediação de

conflitos e de canais de participação direta pelas IFMs. Dito isso,

é importante ressaltar que as salvaguardas, como também a

pressão por transparência e participação, consideradas neste

caso como instrumento de luta e não como fim, foram utilizadas

pelo campo contestatório em momentos de luta em que tais

instrumentos eram considerados estratégicos. É diferente utilizar

as salvaguardas como um instrumento de luta dentro de um

objetivo central de mudança do modelo de desenvolvimento e

superação das injustiças ambientais de utilizá-las como fim, sem

questionar os impactos negativos e os limites da sua elaboração,

incorporação e implementação por parte de instituições como

as IFMs. No campo da crítica contestatória, fica evidente quando

um instrumento como as salvaguardas torna-se um obstáculo na

luta por uma mudança sistêmica e é, por isso, abandonado.

Vere

na G

lass

39

O que fundamenta essa visão é a percepção segundo a

qual tais instrumentos servem de base para a apropriação

de um discurso ambiental que contribui para a antecipação

e a neutralização da crítica ao padrão de desenvolvimento

dominante. Sendo assim, a incorporação da questão ambiental

por parte das IFMs precisa ser contextualizada e problematizada,

tendo em mente também a fase “social” das IFMs, na qual a

incorporação de questões sociais se deu no contexto de um

discurso que buscava “humanizar” o capitalismo.

É possível afirmar que o tema ambiental começou a ser

percebido como uma questão pública internacional nos anos

1960, quando os desafios da degradação ambiental e os limites

do crescimento econômico foram evidenciados. Este processo

foi consolidado durante a Conferência das Nações Unidas sobre

Meio Ambiente Humano, em Estocolmo em 1972. No mesmo

ano, o Clube de Roma, Organização Não Governamental (ONG)

internacional composta principalmente de representantes do

setor privado e da academia, comissionou um estudo chamado

Os limites do crescimento. Os autores mergulharam na velha tese

de Thomas Malthus sobre o perigo do crescimento populacional

e na teoria da escassez dos “recursos” (entre aspas porque o uso

do termo recursos atribui uma ideia de mercado para algo não

mercantil: a natureza) naturais. As propostas foram baseadas no

controle populacional e na economia de “recursos” em matéria e

energia para garantir a continuidade da acumulação do capital. O

debate sobre as razões pelas quais a natureza é apropriada e sobre

as relações sociais de exploração que fundam tal apropriação é

escondido por trás da teoria da escassez (ACSELRAD, 2010).

Assim, em 1984 a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente

e Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas, realizou um

estudo sobre a degradação ambiental e as políticas ambientais

que resultou no relatório Nosso Futuro Comum. O objetivo do

estudo era propor meios de harmonizar o desenvolvimento

econômico e a conservação ambiental. Esta publicação

aparece como um instrumento para a introdução de políticas

de sustentabilidade ecológica ao processo de globalização

econômica, tendo como conceito orientador o desenvolvimento

sustentável (LEFF, 2009).

Para Acselrad (2008), a partir dessa construção do processo

de ambientalização, entendido como a existência de novos

fenômenos ou novas percepções de fenômenos relacionados

à interiorização da questão pública do meio ambiente pelas

pessoas e por grupos sociais, que leva a mudanças de linguagem,

práticas sociais e processos de institucionalização, “velhos

fenômenos são renomeados como ‘ambientais’”, a partir

dos quais surgem ações unificadas em torno da proteção

ao meio ambiente. Com o processo de ambientalização

dos Estados6 e das IFMs, a estratégia passou a ser superar a

visão de que a questão ambiental seria um obstáculo para

o desenvolvimento, encontrando formas de promover os

propósitos desenvolvimentistas, como a busca por maiores

lucratividades dos capitais em nome da geração de emprego e

renda, garantindo assim uma legitimidade para a questão.

Este processo é também conhecido como modernização

ecológica, definida por Hajer (1996) como uma resposta

política-administrativa para a última manifestação do dilema

ecológico, com base na suposição de que a crise ecológica pode

ser superada através da inovação tecnológica e processual, de

instrumentos de mercado da colaboração e da construção do

consenso. As instituições políticas seriam capazes de internalizar

preocupações ecológicas e conciliar o crescimento econômico

com a resolução dos problemas ambientais. Neste contexto,

o meio ambiente deixa de ser um obstáculo ao crescimento,

passando a ser seu novo motor. É essa percepção do meio

ambiente que a crítica contestatória argumenta ser a das IFMs.

A crítica em torno da modernização ecológica se dá em

diversos níveis e está relacionada com o uso que é feito do

discurso ambiental, como também a prática. Esta modernização

foi impulsionada por uma elite de políticos, especialistas e

cientistas que impõe suas definições do problema e suas

soluções, buscando manter o interesse das elites industriais

através de instrumentos políticos como as IFMs. Neste caso o

discurso ambiental é utilizado como forma de legitimação e

instrumento para garantir a continuação e o aprofundamento

40

de políticas neoliberais: tudo deve ser permitido em nome

do meio ambiente. Essa perspectiva adota como pressuposto

que a degradação ambiental é uma externalidade, uma falha

do mercado e que, consequentemente, é preciso “internalizar

os custos ambientais”, valorar bens não econômicos, onde

o mercado prevalece sobre o não mercantil. O processo de

valorização da natureza gera uma nova fonte de renda capitalista,

seja através da redução de custos por causa dos programas

de sustentabilidade ambiental corporativa e ganhos em

competitividade, da elaboração, comercialização e dominação

sobre novas tecnologias e das isenções fiscais, seja através da

criação do lucrativo mercado de “serviços e ativos ambientais”.

Desse modo, a modernização ecológica seria um caso de

falsas soluções para problemas reais. Existe uma realidade mais

profunda por trás da retórica oficial da modernização ecológica:

a tecnocracia disfarçada que representa um obstáculo para as

soluções verdadeiras. Como o tema ecológico foi incorporado

pelos aparatos de poder, tornou-se um pretexto e um meio para

controlar mais ainda a vida e o ambiente social (ACSELRAD,

2010; HAJER, 1996; LEFF, 2009).

3.1 Salvaguardas –”modernização ecológica para a

neutralização da crítica”

A diferenciação entre a crítica reformista e a contestatória pode

ser relacionada com o que Acselrad (2010) chama de “substituição

do ambientalismo contestatário por um ecologismo de

resultados, pragmático e tecnicista”, desenraizado, que ocorreu

ao longo dos anos 1990. Embora este movimento não tenha sido

generalizado, houve uma tentativa de neutralização das lutas

ambientais por parte, principalmente, das IFMs, mas também

por empresas poluidoras e governos, sobrevivendo aqueles com

fortes vínculos com os movimentos sociais. O autor (ibid, p.13)

sugere que:

parte do “ecologismo desenraizado” respondeu

favoravelmente ao discurso consensualista propugnado

por agências multilaterais, de apologia da parceria

público-privada, de deslegitimação da esfera nacional

em favor da esfera local, de favorecimento das ações

fragmentárias em detrimento da coerência articulada da

ação política.

A substituição da crítica contestatória pelo tecnicismo seria

um propósito comum a organismos multilaterais, governos e

empresas poluidoras. Em relatório para o Brasil, o Banco Mundial

dizia “reconhecer seu papel de catalisador” na promoção da

participação da sociedade civil (GARRISON, 2000). Atuando de

forma antecipada, podemos dizer que através da elaboração

de políticas de salvaguardas, por exemplo, estas instituições

estariam capturando os movimentos de contestação ao modelo

de desenvolvimento dominante no contexto do projeto de

“modernização ecológica”.

Em relação à ideia de neutralização da crítica, vale citar

o trabalho realizado por Boltanski e Chiapello, na obra O

Novo Espírito do Capitalismo, em que a crítica é apresentada

como grande motor que dinamiza o espírito do capitalismo,

fornecendo a sua justificação moral. Os autores mostram como

o capitalismo utiliza-se da crítica, de algo que lhe é alheio ou até

hostil, para se justificar, mesmo quando o objetivo da crítica não

seja estabelecer um espírito capaz de possibilitar a acumulação

do capitalismo, e sim de reformar ou superar o sistema. Essa

apropriação é realizada através de três formas:

1. A crítica serve para deslegitimar o “último”

espírito do capitalismo e reduzir a sua eficácia enquanto

justificativa. Por exemplo, no final dos anos 1960 o

capitalismo estadunidense encontrou fortes tensões

entre o ascetismo protestante que pregava o valor do

trabalho e da poupança e um estilo de vida baseado no

gozo imediato do consumo, estimulado pelo crédito

e pela produção em massa. A crítica ao ascetismo

protestante acabou deslegitimando o espírito capitalista

até então dominante, colaborando para um processo de

41

transformação para a fase materialista da sociedade

de consumo do capitalismo. Este processo teve

como resultado uma desmobilização dos trabalhadores

como consequência de uma mudança nas suas

expectativas e aspirações.

2. Ao criticar o processo capitalista, a crítica obriga

seus porta-vozes a se justificarem em termos do bem

comum. Assim, o capitalismo se legitima incorporando

parte dos valores em nome dos quais foi criticado. Por

exemplo, depois das muitas críticas ao Consenso de

Washington, instituições como o Banco Mundial e o BID

adotaram o discurso da “humanização” do capitalismo,

promovendo políticas setoriais, escolhendo uma parte

dos “pobres” a ser beneficiada, para justificar a sua

preocupação como social. Mais recentemente percebeu-

se um processo de ambientalização destas instituições.

Ou seja, tanto o Banco Mundial quanto o BID elaboraram

salvaguardas ambientais e implementaram investigações

independentes de seus projetos. A hidrelétrica de Cana

Brava está entre os muitos casos de projetos financiados

por estas instituições que resultam em conflito, mesmo

com a existência de salvaguardas ambientais e sociais.

Ainda neste caso, cada vez que o MAB elaborava uma

crítica ao Banco, este respondia com determinada “ação”,

seja ela uma auditoria social, seja a criação de um Fundo

de Desenvolvimento Regional. Embora o discurso e

algumas normas sejam modificadas, a estrutura, a lógica

e a prática destas instituições permanecem a mesma, e a

crítica acaba sendo colocada a serviço do fortalecimento

da legitimidade delas.

3. Outro possível impacto da crítica se refere à

possibilidade de o capitalismo escapar da exigência

de reforçar suas justificativas, tornando-se assim mais

dificilmente decifrável, “embaralhando as cartas”,

plantando a confusão e desarmando a crítica. Neste

caso, o capitalismo responde à crítica não através da

incorporação de dispositivos mais justos, mas sim

mudando a forma imediata de obtenção de benefícios,

deixando a crítica sem saber como explicar o “novo”.

Um exemplo pode ser a economia verde, o atual

argumento central dos governos e das IFMs para

combater o que eles chamam de crise ecológica. Este

movimento está, aparentemente, deixando alguns

grupos ambientalistas sem crítica enquanto, no fundo,

aparece como uma nova “roupagem” para um velho

modo de produção e consumo. Outro exemplo é o

fato de que a agenda de instituições como o Banco

Mundial e o BID no Brasil deixou de ser dominada por

financiamento direto aos projetos, passando a se dar

através da assistência técnica. Ou seja, em vez de investir

diretamente em projetos de hidrelétricas, fornecem

assistência técnica ao governo para implementá-los, se

“esquivando” da crítica.

Embora tendo como base a argumentação de que o

capitalismo sempre se renova com a ajuda da crítica, o objetivo

de Boltanski e Chiapello (ibid) não é reduzir o papel da crítica ao

conceder força para o inimigo, e sim mostrar a sua importância

e a necessidade dela de sempre recomeçar. O que os autores

defendem é o fato de a crítica não poder nunca “cantar vitória”.

Não se podem ignorar os defeitos dos novos dispositivos

criados para “atendê-la”. Neste sentido, é possível argumentar

que, em um primeiro momento, a criação de salvaguardas, de

mecanismos de investigação independente, de processos de

participação e transparência foram importantes. No entanto,

não se pode perder de vista como no capitalismo, neste caso

em relação às IFMs, através da contínua implementação de

determinado modelo de desenvolvimento, independente dos

mecanismos e das políticas criadas, a crítica inicial se desatualiza

e, muitas vezes, acaba voltando contra si mesma. No entanto,

a crítica é capaz de desnaturalizar os fenômenos sociais,

mostrando inclusive que a mudança é possível, que as decisões

– de construir ou não uma hidrelétrica, a escolha em torno de um

projeto de desenvolvimento, por exemplo – podem ser diferentes.

42

Assim sendo, resta à crítica contestatória seguir preservando

o espaço de crítica contra o modelo de desenvolvimento e

tratando de colocar a questão ambiental de tal forma que ela

seja parte estruturante da construção de um projeto político

contra-hegemônico.

Vale ressaltar também a discussão de Bolstanski em outra obra

na qual o autor escreve sobre a necessidade da crítica. De acordo

com ele, há neste mundo uma nova classe dominante, cada

vez mais heterogênea, que cria uma nova cultura internacional

baseada na economia e na gestão. Esta elite é responsável por

operar o mundo como ele é e por relativizar as regras; regras

que quando necessário são flexibilizadas e violadas. São regras

a serem obedecidas apenas pelos outros, os dominados. Os

dominantes – que pertencem ao mundo das instituições

financeiras, das grandes empresas e do Estado – dividem

em comum uma visão secularizada das regras. Como afirma

Boltanski (2009, p. 219), “pertencer a uma classe dominante

é, antes de tudo, estar convencido que pode-se transgredir a

letra da regra, sem trair seu espírito. Mas esse gênero de crença

não vem à mente senão dos que pensam poder encarnar a

regra, pela boa razão que eles a fazem”. Por que, então, elaborar

salvaguardas sociais e ambientais? Seria porque são elaboradas

para serem violadas?

3.2 Canais de Participação Direta – “apropriação da crítica”

Como parte do processo de neutralização da crítica estão

também os mecanismos de participação. Isso porque grande

parte do ecologismo pragmático acabou atuando diretamente

nos espaços estatais, “prestando serviço” aos aparatos

burocráticos do “setor ambiental dos governos”, fornecendo

informação, informação técnica e mediando conflitos,

colaborando para a ambientalização do setor privado e das

IFMs. A crítica contestatória respondeu: “A nossa luta original

era por um novo modelo de desenvolvimento e não por buscar

soluções paliativas”, pois “não somos consultores, queremos

mudar a sociedade”e “nosso papel não é o de trabalhar para o

governo; não é o de ocultar o conflito, mas dar-lhe visibilidade”

(ACSELRAD, 2010, p. 106).

Relacionado a esta análise, encontra-se o debate sobre a

importância da participação para a manutenção do capitalismo

contemporâneo. No contexto de uma reflexão (e proposta) sobre

o planejamento insurgente, Miraftab (2009) analisa a participação,

através da inclusão, como instrumento de dominação. Neste

sentido, o capitalismo neoliberal vem se utilizando das relações

com a sociedade civil para garantir estabilidade nas relações

Estado-sociedade. Portanto, sugere a autora, o planejamento

insurgente torna-se instrumento importante para contestar o

terreno da inclusão e dominação.

No seu artigo sobre planejamento insurgente, Miraftab (2009)

fala da necessidade de superar a dominação realizada através

da inclusão do capitalismo neoliberal, a tentativa de estabilizar

as relações Estado-sociedade através da inclusão da sociedade

civil no processo de governança. O neoliberalismo é entendido

aqui não como um projeto econômico, mas como um projeto

ideológico, um conjunto de políticas, ideologias, valores e

racionalidades. Por ser um projeto ideológico, o capitalismo

neoliberal depende de legitimação e da percepção por parte da

sociedade de que existe inclusão.

Diferentemente do capitalismo expansionista mercantil

da era colonial, o capitalismo atual não depende mais

prioritariamente da força militar ou da coerção para se

manter. Quando possível, o poder hegemônico é conquistado

através do consentimento da sociedade e da percepção de

inclusão. Similar ao pensamento de Boltanski, Miraftab explica

que argumentações econômicas não são suficientes para

justificar as políticas atuais. É necessário criar discursos com

base em valores, como a liberdade e o progresso (ibid).

A autora utiliza-se de leituras gramscianas para examinar por

que instituições como o Banco Mundial (e o BID) começaram

a incluir a participação nas suas agendas institucionais. A

compreensão da hegemonia como relações normalizadas

e da contra-hegemonia como práticas e forças capazes de

desestabilizar tais relações ajuda a entender o poder da inclusão

A produção de commodities para exportação é financiada pelas IFIs: investindo em um modelo infértil

43

neoliberal. São vários os exemplos de

como a participação de comunidades,

movimentos e organizações em

projetos de desenvolvimento

de instituições, como o Banco

Mundial e o BID, despolitizam a luta

e ampliam o controle do Estado

sobre a sociedade, permitindo a

permanência do status quo através

da estabilização das relações Estado-

sociedade; através da eliminação

do conflito. No entanto, argumenta

Miraftab, os movimentos também

são capazes de se apropriarem das

aberturas no sistema hegemônico

para garantir suas ações contra-

hegemônicas. Não são limitados

ao que ela chama de invited spaces,

espaços de participação criados

pelas autoridades para os quais os

movimentos são apenas convidados.

Também são capazes de inventar espaços de participação e de

se reapropriarem de velhos espaços para exigir seus direitos e

fortalecer a sua luta contra-hegemônica. Ou seja, trata-se de

priorizar os espaços resultantes de mobilizações e ocupações,

como ocorreu quando o Movimento dos Atingidos Por

Barragens (MAB) ocupou a sede do BID em Brasília por causa

de Cana Brava, em vez das consultas das IFMs que, para a crítica

contestatória, em nada têm resultado a não ser legitimar o

ilegitimável.

3.3 Mecanismos de Resolução de Conflitos – “ação antecipada

e desjudicialização”

Neste contexto não é difícil compreender por que projetos de

disseminação de tecnologias de resolução de conflitos tenham

sido implementados no continente nos anos 1990. Foram vários

os programas do Banco Mundial, do Banco Interamericano

de Desenvolvimento (BID), mas também de universidades

como a de Harvard, Berkeley e Flórida (ACSELRAD e BEzERRA,

2009). Como já mencionado, em 1993, o Banco Mundial criou

o Painel de Inspeção com o objetivo de investigar projetos

financiados pelo Banco para determinar o cumprimento ou

não das políticas e procedimentos operacionais, incluindo

salvaguardas sociais e ambientais e, em 1994, o BID criou um

mecanismo independente para “aumentar a transparência,

responsabilidade institucional e efetividade” do Banco, que

foi substituído pelo Mecanismo Independente de Consulta e

Investigação em 2010 (BANCO MUNDIAL, 2009; BID, 2010). Estes

mecanismos vêm servindo como instrumentos de mediação

de conflito entre o solicitante impactado pelo projeto, o governo

e a empresa envolvida. Em 2011, o representante do Banco

Mundial, debatendo com representantes da sociedade civil sobre

Vere

na G

lass

44

os impactos da Copa do Mundo durante a consulta deste Banco

sobre sua nova Estratégia País, afirmou que o Banco estaria

fornecendo seu know-how para o governo brasileiro em torno

da resolução de conflitos como consequência das remoções7.

Não é à toa que, em março deste ano, a Articulação Nacional

dos Comitês Populares da Copa, conjunto de organizações,

movimentos e militantes que vêm denunciando as violações

de direitos decorrentes da realização de megaeventos, elaborou

uma carta criticando um seminário realizando pelo Ministério

da Cidades em parceria com o Banco Mundial. O convite dessas

instituições explicita o objetivo:

O objetivo do workshop (Internacional sobre Deslocamentos)

é buscar soluções concretas para o Brasil no enfrentamento

dos desafios relacionados a deslocamentos involuntários, por

meio da reunião de especialistas e formuladores de políticas

em âmbito nacional e internacional. Serão compartilhadas

experiências e melhores práticas em formulação e

implementação de políticas, legislação e abordagens para

reassentamentos e deslocamentos involuntários, buscando

relacioná-las com os desafios-chave para as autoridades

brasileiras (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2012, p. 1).

No entanto, o que significa resolver, prevenir ou mediar um

conflito? São várias as perspectivas em torno de conflitos sociais

que vão desde a ideia do conflito como sinal de que algo está

errado, resultado de um desequilíbrio que precisa ser eliminado

para garantir a coesão social, aos que defendem que a existência

de conflito reflete a dinamicidade do sistema, sendo este capaz

de promover um aperfeiçoamento no sistema ou até a sua

superação através de reformas ou revoluções (VAINER, 2007). O

conceito de resolução de conflito, no entanto, tem como base a

perspectiva de que os conflitos ocorrem por falta de instituições

e que a paz e a harmonia deveriam provir de um processo de

despolitização dos litígios, através de táticas de negociação

direta capazes de prover “ganhos mútuos”. Os conflitos devem

ser prevenidos e seu tratamento tecnificado através de regras e

manuais (ACSELRAD e BEzERRA, 2009). Mas de onde surgiram

estas propostas e quais os seus objetivos?

A perspectiva dominante percebe o conflito como um

desequilíbrio a ser corrigido. Neste sentido, é possível

compreender por que a resolução, a prevenção e a mediação

de conflitos ganharam vigência nos dias atuais. Vale lembrar a

fala de um ex-presidente do Chile que, em 2003, declarou que

“um país sem coesão social é conflitivo. Um país conflitivo não

é competitivo. Para competir no exterior, é preciso coesão social”

(FOLHA DE S.PAULO, 2003, p. A27, apud. ACSELRAD e BEzERRA,

2009, p. 2). Logo, para garantir a competição é necessário banir o

conflito e para tanto é preciso banir também a política, considerada

uma ameaça à construção de estratégias vencedoras. A política e a

ação coletiva são substituídas pelo consensualismo.

Banir o conflito significa banir a luta social, um meio através

do qual grupos sociais constituem-se como sujeitos políticos,

geram identidades, projetos e práticas coletivos e ação política

autônoma (VAINER, 2007). E como ocorre a mediação? De

acordo com Acselrad e Bezerra (2007), os defensores dos

mecanismos de resolução e mediação de conflito os justificam

primeiro sem referência à compensação econômica, citando

a carência de instituições, a redução de custos, a necessidade

de submeter os litígios à apreciação de experts e a necessidade

de participação. Vale lembrar que o documento do BID (1999)

“Reassentamento Involuntário nos Projetos do BID: Princípios e

Diretrizes”, elaborado para “apresentar os princípios e estratégias

a serem seguidas no caso de projetos de desenvolvimento

financiados pelo Banco que resultam em relocação involuntária”

(ibid, prefação), inclui, entre outras questões, a necessidade

de um painel independente de peritos para projetos com

grande probabilidade de causar significativos impactos de

reassentamento. Considera-se que os peritos agem em torno

de um bem “maior”. Inclui também o princípio de “Assegurar

Participação da Comunidade”. A auditoria Social também

menciona a necessidade de especialistas sociais e a importância

da participação.

Essas justificativas desconsideram o debate sobre correlação

de forças. Desconsideram que são as leis e o combate às relações

desiguais no exercício do direito que podem melhor defender

45

os interesses de grupos sociais em conflito contra empresas e

contra o governo. Como afirma Vainer (2007), a mediação supõe

a existência de uma neutralidade, uma isenção de todos os

interesses, posições e condições de classe. Se essa neutralidade

fosse possível, ela ainda teria de ser baseada em determinados

valores e parâmetros, não passíveis de mediação. Usando o

exemplo do BID, o documento mencionado também defende

que “A maneira mais justa de se resolver disputas é através

de procedimento de arbitragem independente envolvendo

instituições e indivíduos considerados neutros por ambos os

lados”. Não são os valores do Banco que orientam os indivíduos

que participam dessas iniciativas? O problema também ocorre

ao constatar-se que, quando tais mecanismos funcionam,

seus resultados, sendo contrários aos interesses dos criadores,

são geralmente ignorados. Isso pode ser verificado com o caso

de Cana Brava: quando os resultados do Mici e da primeira

auditoria não foram divulgados, o Banco permitiu que a empresa

adiantasse a sua dívida para, assim, não ter nenhuma obrigação

com as normas do BID; e quando as irregularidades divulgadas

não foram corrigidas.

Existe ainda a justificativa com base na compensação

econômica. Duas virtudes são enfatizadas neste caso. Primeira,

consideram a possibilidade de que todos os atores envolvidos

no conflito possam vencer, tendo algum tipo de compensação

(ACSELRAD e BEzERRA, 2009). Pode-se argumentar que no caso

de Cana Brava, com a criação do Fundo de Desenvolvimento

Regional, todos os atores ganharam alguma compensação. No

entanto, como pode ser percebido pela fala do Movimento, a

compensação não foi justa e muito menos igualitária.

A segunda virtude refere-se ao fato do ganho proveniente da

possibilidade de evitar que os litígios cheguem à esfera judicial,

o que seria indesejável (ibid). No entanto, recorrer ao Ministério

Público é uma estratégia central dos movimentos envolvidos em

conflitos. No caso de Cana Brava, a esfera judicial foi claramente

evitada pela empresa, inclusive através do adiantamento do

pagamento da sua dívida com o BID.

Vale ressaltar que a compensação econômica pode ser

considerada um instrumento de esvaziamento da possibilidade

de evidenciar o confronto entre diferentes modelos de

desenvolvimento. Ou seja, o MAB não luta apenas por

compensação econômica, luta por uma transformação no

modelo energético e de desenvolvimento. Essa questão

não apareceu nos documentos do BID ou nos processos de

negociação. Ocorre também que propostas como fechar a

hidrelétrica, evitar a construção de outras com os mesmos

impactos, banir a Tractebel de pelo menos receber financiamento

novamente do BID ou do BNDES também são ignoradas a partir

da realização da compensação. Na lógica do “modelo harvardiano”

de negociação, conforme escrito por Fisher e Ury (1985), que

o próprio título do livro, Como chegar ao sim: a negociação de

acordos sem concessões, sugere, o objetivo da negociação é

superar as resistências, a disputa, o conflito e garantir a aprovação

de empreendimentos (ACSELRAD e BEzERRA, 2009). O direito de

dizer não ao projeto não é considerado.

O documento do Banco Mundial (2009) sobre o Painel de

Inspeção não deixa dúvidas sobre o real objetivo da mediação

e negociação:

Quando membros da Gerência do Banco ou da Diretoria

levantam a questão do “custo” do Painel de Inspeção em virtude

de demoras em projetos, basta apenas recordar os dias de

Narmada, Polonoroeste, Transmigração e o empréstimo para o

Setor da Energia, no Brasil, para saber que o Banco não poderia

reverter jamais à era anterior ao Painel. Alguns daqueles projetos

foram postergados por anos (bem mais longamente do que

uma investigação do Painel), devido a protestos locais, consultas

públicas insuficientes, violações de políticas e direitos humanos,

falha na elaboração do projeto, falta de supervisão ambiental e

social, entre outros problemas (p. 117) .

Considerações finais

A questão ambiental não é uma questão nova. Há muitos

anos ecologistas e intelectuais tentam chamar atenção para

os impactos do modelo de desenvolvimento sobre a natureza,

46

levantando questionamentos sobre a relação sociedade

e natureza sendo construída em nome deste modelo. No

entanto, foi somente nos anos 1970 que ela se tornou uma

questão pública, uma questão política, sendo incorporada

pelas instituições públicas e privadas, inclusive as financeiras.

Como novos fenômenos são construídos? Como velhos

fenômenos passam a ser concebidos de outra forma? O que

gerou e como se deu a construção dessa “união” de todos pela

“proteção ambiental”? É essa a questão central por trás deste

debate sobre salvaguardas ambientais.

Se existe algo que o monitoramento de instituições

financeiras (e políticas) tem nos ensinado é que nada é realizado

por estas instituições à toa. Não é necessário apelar para

teorias da conspiração para perceber que existe algo por trás

do discurso ambiental. Existe algo por trás do debate sobre

salvaguardas ambientais porque, afinal, como salvaguardar

algo que tem significados diferentes, representações materiais

e simbólicas diferenciadas e conflitantes? Como conciliar

diferentes valores, princípios e estratégias de desenvolvimento?

É possível fazer isso através de demandas por mais

transparência, participação, controle social e melhorias

técnicas, pela mediação e resolução de conflito, ou seja,

por reformas pontuais? Ou estaremos, desse modo, apenas

legitimando mais uma forma de apropriação e neutralização

da crítica e das lutas sociais por justiça e dando ao capitalismo

outra justificativa moral? Isso não significa necessariamente

negar essas estratégias por completo em todos os momentos

de luta, mas sim problematizá-las e levantar os riscos de se

focar nelas como fim ou como prioridade.

O discurso das IFMs, muitas vezes, tenta camuflar a existência

de diferentes projetos de sociedade. Para essas instituições, o

conflito ocorre somente quando os diferentes interesses não

foram negociados. Salvaguardas sociais e ambientais, além

de processos de consulta, seriam suficientes para garantir

o interesse de uma comunidade atingida.

Seus interesses estariam salvaguardados

e as denúncias em torno da violação de

salvaguardas não estariam sendo realizadas

porque os projetos de sociedade são distintos

e sim porque algum interesse escapou da

negociação. Para resolver, basta realizar

uma consulta e um processo de negociação.

Para tanto, ignora-se, o debate em torno da

correlação de forças. A razão do mercado

continua predominando e a negociação é

controlada pelos dominantes. Ignora-se o

fato de que os valores, princípios e projetos de

sociedade não são negociáveis.

Os interesses econômicos não são mais Em protesto contra a hidrelétrica de Cana Brava, os atingidos por barragens ocuparam a sede do BID em 2005 - Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

47

suficientes para justificar o capitalismo. As IFMs precisaram de

mais criatividade para ganharem legitimidade. Transparência,

processos de participação, consultas, mecanismos de

investigação independente, painéis de investigação, portal da

transparência e necessidade de participação são alguns dos

instrumentos utilizados. Muitas vezes, atores em potenciais

conflitos se encontram sem muita escolha a não ser acreditar

neste discurso, inclusive porque algumas das questões surgem

das suas próprias demandas, principalmente no que diz respeito

ao tema da participação. No entanto o que na maioria das vezes

acaba acontecendo é a despolitização dos conflitos, passando

uma ideia da possibilidade da neutralidade e do consenso.

Mas onde existem valores, princípios e projetos não existem

neutralidade nem consenso. O objetivo de tais políticas e

instrumentos, no fundo, acaba sendo o de superar as resistências,

a disputa, o conflito e garantir a aprovação de empreendimentos,

de determinados interesses.

O debate sobre a adoção de salvaguardas por instituições

financeiras nos ajuda a perceber e refletir sobre tais aspectos.

A participação no processo de elaboração das salvaguardas e

a sistematização das denúncias geradas com a violação delas,

sem dúvida, fortaleceram a ação coletiva das organizações

da sociedade civil envolvidas no processo e também das

populações atingidas pelos projetos. Cada denúncia exigiu

uma reação da empresa, do Banco e do governo, talvez mais

do que os processos de negociação. No entanto, apesar de

mostrar diversas irregularidades, os relatórios das IFMs nos

casos mencionados aqui neste artigo não foram utilizados para

beneficiar os atingidos e as atingidas. Afinal, como exigir das

instituições algo que para elas nem é considerado um problema?

Como negociar o interesse coletivo de populações atingidas e o

interesse de uma transnacional e de uma instituição financeira?

Daí surge, inclusive, o risco de se criar instrumentos e políticas

para estas instituições que podem servir para evitar o processo

judicial. Mesmo reconhecendo todas as limitações do sistema

judiciário na garantia e promoção de direitos, não se pode deixar

de questionar quem poderia defender melhor as populações

atingidas, o Banco Mundial, o BID ou o ministério público? Como

poderiam os especialistas do Mici ou do Painel de Inspeção

serem neutros? O que precisa um profissional para trabalhar

em uma instituição como esta se não estar de acordo com seus

valores e princípios?

Instituições Financeiras Multilaterais, como o Banco Mundial

e o BID e cada vez mais o BNDES, estão, sem dúvida, entre os

melhores exemplos de instituições que se apropriam da crítica

promovendo mudanças discursivas ou criando normas a serem

violadas para garantir a legitimação. Depois de anos de críticas

aos impactos sociais e ambientais de seus projetos, criou-se o

discurso do capitalismo humano e, agora, o capitalismo verde.

Criaram-se salvaguardas sociais e ambientais e, em alguns

casos, não financiam mais diretamente os projetos reconhecidos

por gerarem conflitos, fornecem ¨ajuda¨ técnica. Na maioria

dos casos, é possível verificar não somente a violação de

salvaguardas, o uso do Painel de Inspeção ou do Mici e outros

instrumentos para banir o conflito, mas também como as

IFMs incorporaram determinadas demandas dos movimentos

responsáveis pelas denúncias no plano do discurso mas que,

na prática, pouco serviram para o fortalecimento da luta para

além de demandas materiais pontuais nem revelaram uma

mudança estrutural na atuação da instituição. Tais demandas

não deixam de ser importantes, pois afinal os atingidos e as

atingidasprecisam se alimentar e ter um teto sobre a cabeça,

mas, como bem explica Boltanski, a luta não pode cantar vitória,

precisa reconhecer como o dominante pode utilizar-se desta

vitória para debilitar a luta maior em torno de valores e princípios.

O campo crítico não pode perder de vista que na tentativa de

se banir o conflito está a tentativa de banir a ação autônoma de

sujeitos políticos que buscam justiça, contrapondo-se às relações

desiguais no exercício do direito, das quais depende o atual

padrão de acumulação altamente concentrador da renda, de

gênero e raça e predador da natureza e da sociedade.

Assim sendo, é possível argumentar que promover e

radicalizar os conflitos significa reconhecer a sua contribuição.

O que teria acontecido se o MAB não tivesse realizado um

48

acampamento na frente da barragem, diversas mobilizações

e ocupado a sede do BID? O que teria acontecido se os

moradores de Pinheirinho não tivessem resistido bravamente

à reintegração de posse? Pode parecer que pouco mudou, mas

a mensagem enviada por estas lutas aos capitalistas de plantão

é que a vida deles não será facilitada, outra barragem não será

construída sem resistência, moradores legítimos não serão

retirados de suas terras sem resistência, sem luta; mostram que

ainda existem sujeitos políticos coletivos lutando para romper

com o sistema injusto e desigual e construir projetos de uma

sociedade distinta. Isso passa por rejeitar políticas e estratégias

de prevenção, resolução e mediação de conflitos. O conflito

não pode ser resolvido, prevenido nem mediado, ele deve ser

reconhecido, fortalecido e radicalizado.

O conflito é também constitutivo do sujeito. Na vida da

resistência e da opressão, ele serve também para colocar a

força da resistência à prova, mesmo quando a resistência não

consegue superar a opressão. Sem resistência, somos apenas

vítimas das situações. Como dizia o poeta maranhense Antônio

Gonçalves Dias “Viver é lutar”. Isso passa pela renovação da

crítica, por “tomar de volta aquilo que nos foi apropriado”. Mas

ficam as questões: quais são as verdadeiras possibilidades

de ação? Como atuar em um contexto onde por mais que a

restrição, a opressão e a repressão não sejam total, tampouco é

a liberdade? Qual seria o papel de uma rede de monitoramento,

denúncia e mobilização frente às instituições financeiras? A

transformação do capitalismo e seu sistema de justificação

transformaram também o papel dos movimentos de resistência.

Talvez o desafio esteja na análise das crises como elemento de

refundação da crítica, da radicalização do conflito e da ação.

Dito tudo isso, tem um ponto neste debate todo que é mais

que evidente e que talvez seja a maior contribuição do autor

e da autora deste artigo como resultado da experiência na

Rede Brasil. O papel das organizações e de redes como a Rede

Brasil precisa ser construído a partir da sua ação nos territórios.

A avaliação do uso de instrumentos como as salvaguardas

precisa ser realizada com base nas realidades, demandas e

necessidades de comunidades atingidas pelas IFMs, pelo

BNDES e por suas políticas e projetos. Como bem questionou

nossa companheira de luta Jutta Kill, na IX Assembleia Geral

da Rede Brasil, o papel de uma rede ou organização é abrir

o espaço político ou ocupá-lo em nome de comunidades

atingidas? Se for só abrir o espaço político, tudo bem, mas se

for ocupar, então, de onde veio este mandato? Nem o campo

da crítica reformista nem da crítica contestatória podem ter

este mandato. Assim sendo, a apropriação das reflexões aqui

apresentadas para a elaboração de estratégias de luta diante das

IFMs em geral só faz sentido se for construída com os sujeitos

sociais em resistência e enfrentamento, só faz sentido se for

contextualizada e territorializada. É verdade que a maioria

das reflexões surgiu exatamente da experiência com estes

sujeitos, mas não para por aqui. Afinal, quem somos nós para

definir o que é melhor para quem, de fato, sente e enfrenta, no

cotidiano, na pele, a dor e a luta de ser uma atingida ou um

atingido? Podemos contribuir com as nossas articulações,

reflexões e compreensão sobre experiências passadas, suas

oportunidades, limites e riscos, mas jamais definir o que não é

nossa atribuição definir.

Gab

riel S

trau

tman

“Sem resistência, somos apenas vítimas das situações”: conflito é constitutivo do sujeito

49

Anexos

Tabela 1 – Política de Salvaguardas do Banco Mundial

Política Principais características Última revisão

OP4.01 Avaliação ambiental

• as consequências ambientais potencias dos projetos deveriam ser identificadas no início do ciclo do projeto• avaliações ambientais e planos de mitigação são requeridos para projetos com impactos ambientais ou reassentamento involuntário significativos• avaliações ambientais deveriam incluir a análise de desenhos ou localizações alternativos, ou considerar a “falta de opção”• requer participação pública e o fornecimento substancial de informações

1999

OP4.04 Habitats Naturais• proíbe financiar projetos “envolvendo a conversão significativa de habitats naturaisa menos que não haja alternativas factíveis”• requer análises de custo/benefício ambientais• requer avaliação ambiental com medidas de mitigação

2001

OP4.36 Florestamento • proíbe financiar operações de madeireiras comerciais ou a aquisição de equipamento para o uso em florestas úmidas tropicais primárias 2002

OP4.09 Manejo de pragas• apoia manejo ambientalmente correto de pragas, incluindo manejo integrado de pragas (mas não proíbe o uso de pesticidas altamente perigosos)• o manejo de pragas é responsabilidade do tomador do empréstimo no contexto da avaliação ambiental de um projeto

1998

OP4.12 Reassentamento involuntário

• implementado em projetos que deslocam ou removem pessoas fisicamente em consequência da perda de bens produtivos, mudanças no uso da terra ou da água• requer participação pública no planejamento do reassentamento como parte da avaliação ambiental do projeto • intenciona restaurar ou melhorar a capacidade de gerar renda dos relocalizados

2001

OP4.10 Povos indígenas

• o propósito é assegurar que os povos indígenas beneficiem-se de projetos de desenvolvimento financiado pelo Banco e evitar ou mitigar efeitos potencialmente adversos sobre eles• aplica-se a projetos que podem afetar negativamente a povos indígenas (exemplo: projetos de infraestrutura como estradas, represas, indústrias extrativas, etc.) ou quando os povos indígenas são definidos como beneficiários • requer a participação dos povos indígenas na criação de planos de desenvolvimento de povos indígenas• os problemas são frequentemente identificados em EIA-RIMAS

2005

OP4.11 Patrimônio cultural• o propósito é dar assistência na preservação do patrimônio cultural, como sítios com grande valor arqueológico, paleontológico, histórico, religioso e cultural• política geral é procurar dar assistência na sua preservação e evitar sua destruição• desencoraja o financiamento de projetos que vão causar danos ao patrimônio

2006

OP4.37 Segurança de represas

• aplica-se a grandes represas (15 metros ou mais de altura)• requer acompanhamento por especialistas independentes em todas as etapas do ciclo dos projetos• requer preparação de planos detalhados para a construção e operação e inspeções periódicas pelo Banco• requer avaliação ambiental

2001

OP7.50 Projetos em cursos de água internacionais

• cobre cursos de água que sejam fronteiras entre dois ou mais Estados, assim como qualquer baía, golfo, estreito ou canais fronteiriços a dois ou mais Estados• aplica-se a projetos de represas, de irrigação, controle de enchentes, navegação, águas e esgotos, e industriais• requer notificação, acordos entre Estados, mapas detalhados, pesquisas sobre os recursos hídricos e estudos de viabilidade

2001

OP7.60 Projetos em áreas em disputa

• aplica-se a projetos onde existem disputas territoriais• permite ao Banco continuar com um projeto se os governos concordarem que “sujeito à resolução da disputa, o projeto proposto para o país A poderá continuar, sem prejuízo para as pretensões do país B”• requer imediata identificação de disputas territoriais e descrições em toda documentação pertinente do Banco

2001

50

Tabela 2 – Padrões de Desempenho sobre Sustentabilidade Socioambiental do IFC

Política Principais objetivos Última revisão

PS1: Sistemas de gestão e avaliação socioambiental

• Busca identificar e avaliar os riscos ambientais e sociais e os impactos do projeto;• Adota uma hierarquia de mitigação para antecipar e evitar ou, quando a prevenção não é possível, minimizar e, onde os impactos residuais continuam, compensar os riscos e impactos para os trabalhadores, as comunidades afetadas e o meio ambiente;• Busca promover a melhoria do desempenho ambiental e social dos clientes através do uso efetivo dos sistemas de gestão;• Busca garantir que as reivindicações das comunidades afetadas e de outras partes interessadas sejam respondidas e gerenciadas apropriadamente;• Busca promover e proporcionar meios para o engajamento adequado das comunidades afetadas durante o ciclo de projeto e garantir que as informações relevantes, do ponto de vista ambiental e social, sejam divulgadas e disseminadas.

2006

PS2: Condições de emprego e trabalho

• Busca promover o tratamento justo, não discriminatório e com igualdade de oportunidades para os trabalhadores;• Busca estabelecer, manter e melhorar a relação trabalhador-gestor;• Busca promover o cumprimento de leis nacional de emprego e direitos trabalhistas;• Busca proteger os trabalhadores, incluindo as categorias de trabalhadores vulneráveis, como crianças, trabalhadores migrantes, trabalhadores terceirizados, abrangendo os trabalhadores da cadeia de fornecimento do cliente;• Busca promover condições seguras e salubres de trabalho e a saúde dos trabalhadores;• Busca evitar o uso de trabalho forçado.

2006

PS3: Prevenção e redução da poluição

• Busca evitar ou minimizar impactos negativos na saúde humana e ao meio ambiente por evitar ou minimizar a poluição proveniente de atividades do projeto;• Busca promover o uso sustentável dos recursos, incluindo energia e água;• Busca reduzir as emissões de GEE relacionadas ao projeto.

2006

PS4: Saúde e segurança da comunidade

• Busca antecipar e evitar impactos adversos sobre a saúde e a segurança da comunidade afetada durante a vida do projeto, sejam de circunstâncias de rotina e não rotineiras;• Busca assegurar que a salvaguarda do pessoal e dos bens seja realizada de acordo com os respectivos princípios de direitos humanos e de forma a evitar ou minimizar os riscos para as comunidades afetadas.

2006

PS5: Aquisição de terra e reassentamento involuntário

• Busca evitar e, quando a prevenção não é possível, minimizar o deslocamento ao explorar alternativas ao desenho do projeto;• Busca evitar o despejo forçado;• Busca antecipar e evitar ou, quando a prevenção não é possível, minimizar os impactos sociais e econômicos da aquisição de terras ou restrições no uso da terra por (i) proporcionar uma compensação pela perda de bens ao custo de reposição e (ii) garantir que as atividades de reassentamento sejam implementadas com a divulgação adequada de informação, consulta e participação informada das pessoas afetadas;• Busca melhorar ou restaurar as condições de vida e padrões de vida das pessoas deslocadas;• Busca melhorar as condições de vida entre as pessoas fisicamente deslocadas através da provisão de moradia adequada e com segurança da posse em locais de reassentamento.

2006

PS6: Conservação da biodiversidade e gestão sustentável de recursos naturais

• Busca proteger e conservar a biodiversidade;• Busca manter os benefícios dos serviços do ecossistema;• Busca promover a gestão sustentável dos recursos naturais vivos através da adoção de práticas que integram as necessidades de conservação e prioridades de desenvolvimento.

2006

PS7: Povos indígenas

• Busca garantir que o processo de desenvolvimento favoreça o pleno respeito pelos direitos humanos, dignidade, aspirações, cultura e seja baseado em recursos naturais e meios de subsistência dos povos indígenas;• Busca antecipar e evitar os impactos negativos dos projetos sobre as comunidades dos povos indígenas ou, quando a prevenção não é possível, minimizar e/ou compensar tais impactos;• Busca promover benefícios de desenvolvimento sustentável e oportunidades para os povos indígenas de maneira culturalmente apropriada;• Busca estabelecer e manter um relacionamento contínuo com base em consulta informada e participação com os povos indígenas afetados por um projeto durante todo o ciclo do projeto;• Busca garantir o consentimento livre, prévio e informado das comunidades indígenas afetadas, quando as circunstâncias descritas neste Padrão de Desempenho estiverem presentes;• Busca respeitar e preservar a cultura, o conhecimento e as práticas dos povos indígenas.

2006

PS8: Patrimônio cultural • Busca proteger o patrimônio cultural dos impactos adversos das atividades do projeto e apoiar a sua preservação;• Busca promover a partilha equitativa dos benefícios provenientes do uso do patrimônio cultural.

2006

51

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_____. BID finaliza auditoria social do projeto hidrelétrico de Cana Brava no Brasil. 2004a. Disponível em: http://www.iadb.org/pt/noticias/comunicados-de-imprensa/2004-05-25/bid-finaliza-auditoria-social-do-projeto-hidreletrico-de-cana-brava-no-brasil,127.html. Acesso em: 23 de janeiro de 2010.

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FISCHER, Roger. Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem concessões. Rio de Janeiro: Imago, 1985.

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HERBERTSON, Kirk. What is the Future of the World Bank Group’s Environmental and Social Safeguards? Disponível em: http://www.wri.org/stories/2010/01/what-future-world-bank-groups-environmental-and-social-safeguards. Acesso em: 5 de janeiro de 2012.

1 Este recorde foi novamente superado em 2010, quando o BNDES desembolsou R$ 168,4 bilhões; só a Petrobras recebeu um empréstimo de R$ 25 bilhões nesse ano. Em 2011, o volume de desembolso do Banco caiu para R$ 139,7 bilhões, uma redução de 17% justificada como esforço do governo para conter a pressão inflacionária na economia.

2 Tradução livre da expressão original do idioma inglês “do no harm”.

3 Após várias mobilizações no local do projeto e a instalação de um acampamento contínuo em frente ao portão da barragem, um confronto entre a Polícia Militar de Goiás e os agricultores, resultando na prisão de lideranças do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e no ferimento de várias pessoas, no dia 31 de maio de 2005, 300 agricultores atingidos pelas barragens de Cana Brava e Mesa da Serra ocuparam a sede do BID em Brasília. Os agricultores exigiram uma solução para o impasse em torno das 946 famílias expulsas no processo de construção da obra. A partir da ocupação, o Banco iniciou um diálogo com as prefeituras dos municípios atingidos pela barragem para identificar áreas com potencial econômico e social na região, e com o governo federal e a Tractebel-Suez para a criação de um fundo de desenvolvimento. O Fundo de Desenvolvimento Regional Serra da Mesa/Cana Brava previa um amparo de R$ 5 milhões para a implantação de programas e projetos para garantir a sobrevivência econômica das famílias de seis cidades que perderam suas casas após a construção das duas usinas hidrelétricas e que não foram enquadradas em auditorias como aptas a receber a indenização. Para Gilberto Cervinski, da coordenação do MAB, os R$ 4,5 milhões não serão suficientes para resolver a situação das famílias: “Deveria haver um programa de moradia, de instalação de luz. Este valor corresponde ao faturamento de quatro ou cinco dias de uma empresa só” (AGÊNCIA BRASIL, 2006). A última informação recebida do Movimento indicava que grande parte dos recursos estava sendo usada para atividades que desrespeitavam a história, tradição e costumes dos agricultores.

4 Ver www.dams.org 5 Ver http://www.worldbank.org/oed/extractive_industries/

6 O que Acselrad (2008) caracteriza como processo truncado por ter sido ao longo do tempo interrompido, incompleto ou impedido de ser levado a cabo.

7 A fala do representante do Banco Mundial foi captada como resultado da participação na consulta do Banco Mundial em 2010.

* Fabrina Furtado e Gabriel Strautman são economistas e foram secretários executivos da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais entre os períodos 2005-2008 e 2008-2012, respectivamente.

52

MAB. Atingidos por barragens ocupam BID. 1 de junho de 2005. Disponível em: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/06/318125.shtml. Acesso em: 23 de janeiro de 2012.

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Vere

na G

lass

53

54

O Banco Mundial influencia a formulação das políticas públicas de meio ambiente no Brasil: avanço da devastação

55

Um breve olhar sobre a atuação de duas influentes

instituições financeiras no Brasil, hoje, mostra-se

bastante revelador do modelo de sociedade que elas

defendem e definem. Por um lado, o Banco Mundial convoca

a sociedade civil para reavaliar, de modo protocolar, a sua

política de salvaguardas sociais e ambientais, ao mesmo

tempo que formaliza um empréstimo de assistência técnica

para alterar o marco regulatório de energia e mineração

no país. Por outro, o BNDES, ao passo que se consolida em

nível regional como instituição financeira pública mais

relevante que o Banco Mundial e o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID) juntos, se projeta e às corporações

brasileiras no cenário internacional e anuncia sua nova

política socioambiental como uma resposta às condicionantes

estabelecidas por um empréstimo do próprio Banco Mundial.

Neste contexto, cabe perguntar: quais as lições relevantes

a serem aprendidas pelo BNDES com o Banco Mundial

no sentido de salvaguardar a justiça social e ambiental da

aplicação do modelo de desenvolvimento que promovem

estas instituições financeiras?

Este artigo recupera e avalia a influência recente do Banco

Mundial, através de empréstimos, estudos e cooperação técnica,

na formulação das políticas públicas na área de meio ambiente

no Brasil, bem como a reprodução deste modelo e receituário

pelo BNDES. Seu intuito é explorar argumentos que compõem

a crítica à política socioambiental do BNDES, assim como

questionar a proposição e incorporação de salvaguardas e

mecanismos de verificação como parte de uma estratégia política

que busca o controle social para o redirecionamento do modelo

de desenvolvimento promovido pelo Banco e pelo Estado

brasileiro, em um contexto de flexibilização das leis ambientais.

Neste sentido, o texto traz uma avaliação das implicações

políticas e operacionais do Empréstimo de Assistência Técnica

e do Empréstimo de Ajuste Estrutural (TAL/SAL, sigla em inglês

para Technical Assistance Loan/Structural Adjustment Loan),

financiados pelo Banco Mundial com o propósito de cooperar

na “melhoria” das políticas de gestão ambiental do Ministério

do Meio Ambiente (MMA). Ambos precedem o Empréstimo

Programático de Política para o Desenvolvimento em Gestão

Ambiental Sustentável Brasileira (SEM DPL, sigla em inglês),

aprovado em março de 2009, no valor de US$ 1,3 bilhão para o

SEM DPL I e US$ 700 milhões para o SEM DPL II, sendo um dos

maiores empréstimos do Banco Mundial já concedidos ao Brasil.

Desrespeitando a soberania brasileira, mais uma vez, o Banco

Mundial impôs como uma das condicionantes deste empréstimo

que o BNDES desenvolva a sua Política Socioambiental, além

do “aperfeiçoamento” do processo de licenciamento com o

propósito de reduzir os índices de judicialização das licenças

ambientais dos megaprojetos de geração de energia no país.

Este artigo também faz um alerta sobre o significado do

empréstimo SEM DPL outorgar ao BNDES um papel orientador

e financiador de políticas de gestão ambiental aos órgãos

ambientais federal e estaduais, para além da formulação de suas

próprias políticas operacionais.

Na área da política de clima, contemplada de forma central pelo

SEM DPL e capitalizada pelo BNDES, são analisados os impactos

Banco Mundial: um exemplo para o BNDES?Lucia Ortiz*

Dani

el B

eltr

á/G

reen

peac

e

56

da atuação do Banco Mundial sobre as políticas de mercados

climáticos e eixos setoriais da Política Nacional sobre Mudança

do Clima (PNMC). O enfoque é dado ao Plano Agricultura

(que, na verdade, trata-se do Agronegócio) de Baixo Carbono

(Plano ABC) e às contradições do modelo da economia verde,

impulsionado pelo BNDES que, agora, atua como gestor dos

novos fundos ambientais e de clima, vis-à-vis o conjunto

dos impactos socioambientais promovidos pela carteira de

operações do Banco.

IFMs: mais do que financiar projetos, implementar ideologias

Instituições financeiras, como o Banco Mundial e o BNDES,

têm um papel que vai além do empréstimo e da geração de

dívidas para implementar projetos de “desenvolvimento” ou da

criação de novos produtos, fundos e mercados, que interessam a

qualquer banco.

As chamadas instituições de Bretton Woods, o Banco Mundial

e o Fundo Monetário Internacional (FMI), foram criadas no

pós-guerra com o compromisso de atenderem às demandas

de reconstrução e desenvolvimento. Este último é um termo

carregado de ideologias cunhadas para justificar a polarização

econômica da ordem mundial daquela época e dar forma a

uma visão de futuro a ser perseguida, vinculada ao progresso e

ao crescimento econômico, e que, atualmente, é cada vez mais

questionada como intangível, injusta e insustentável.

A partir dos anos 1980, impactos diretos relacionados a

megaprojetos financiados pelas Instituições Financeiras

Multilaterais (IFMs) nos chamados países em desenvolvimento,

decididos e implementados à revelia das populações locais, como

obras de irrigação e hidrelétricas, começaram a ser questionados

publicamente e atingiram repercussão internacional.

Na década seguinte, o movimento antiglobalização

multissetorial juntamente com o Jubileu Sul, articulação que

tem como um de seus temas principais o cancelamento das

dívidas dos países do Sul Global, passaram a incidir e denunciar

os projetos destas instituições financeiras, inclusive os que

já recebiam a roupagem do “desenvolvimento sustentável”,

e as políticas de endividamento do Banco Mundial e do FMI,

associadas às receitas e condicionantes que impunham a

liberalização do comércio e dos serviços e a desregulamentação

do Estado. A sociedade civil internacional também se atentava,

naquele momento, para a utilização de recursos públicos para

efetivar privatizações e fusões, abrindo o campo de atuação

das corporações multinacionais (no caso do Brasil, recursos

provenientes do próprio BNDES).

Já nos primeiros anos 2000, a relevância política e econômica

dos bancos multilaterais passou a ser ofuscada pelas instituições

financeiras públicas dos países emergentes, como o BNDES

no Brasil, e outras privadas, assim como por espaços globais

de poder que se consolidam cada vez mais como decisivos

e orientadores da economia global. Dois exemplos destes

espaços são o G8 (grupo formado pelos, então, sete países mais

industrializados e desenvolvidos economicamente do mundo -

Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e

Canadá - mais a Rússia) e o G20 (grupo que reúne as 19 maiores

economias do mundo mais a União Europeia). Em um mundo

multipolar, estas instituições financeiras passam a subordinar-se

aos novos blocos de poder internacionais e suas corporações,

menos do que representar Estados “sombra” tão diretamente

vinculados ao seu maior acionista, os Estados Unidos.

A partir da crise financeira de 2008, o Banco Mundial e o

FMI voltaram a se capitalizar e assumir o status de agentes

reguladores, retomando seus papéis políticos na economia,

a serviço dos interesses dos grandes Estados-corporações,

inclusive os emergentes como o Brasil. Neste ínterim, tanto

o Banco Mundial como o BID desenvolviam estratégias e

discursos para legitimarem-se como fornecedores de soluções-

empréstimos e gestores de novos recursos, negociados em

nível multilateral em resposta à consolidação da crise climática.

Aproveitando-se da preocupação crescente da sociedade com

este tema, estas instituições fomentaram novas lógicas de pensar

e criaram oportunidades para os fluxos de capital financeiro,

ainda que investindo massivamente no mesmo modelo fóssil

57

de desenvolvimento. Também os setores privados dos bancos

multilaterais, como o Departamento de Setor Privado (PRI, sigla

em inglês), do BID, e a Corporação Financeira Internacional

(IFC, sigla em inglês), do Banco Mundial, e os bancos públicos

nacionais, como o BNDES, passaram por uma recapitalização a

partir da abertura de novos ambientes de investimento.

Os novos mercados ambientais, deflagrados junto com a crise

climática e ambiental, e a tentativa de consensualização de um

marco político global com a promoção da economia verde,

como via de solução e reinvenção do capitalismo financeiro,

contaram com a expertise técnica e política do Banco Mundial.

A partir da elaboração de arcabouços lógico, político e legal, este

Banco impulsionou, no Brasil, os mercados climáticos na política

nacional de clima, o ajuste estrutural das políticas do MMA e a

operação-piloto de fundos e programas de negócios ambientais

no BNDES.

Um exemplo dessa estratégia foram as doações de cooperação

técnica do BID para que diversos países da América Latina

implementassem políticas de cotas mandatórias de uso de

agrocombustíveis, seguidas de empréstimos do PRI e do IFC

para grandes corporações para a produção de etanol e biodiesel.

Mais explícitos são os estudos do Banco Mundial sobre a

Agricultura de Baixo Carbono (ABC) - adotados como base do

plano setorial da Política Nacional sobre Mudança do Clima, que

envolve o BNDES no gerenciamento de parte dos empréstimos

- e os diversos fundos-piloto de REDD e mercados de carbono

implementados pelo Banco Mundial, cuja lógica e modelo se

reproduzem nos chamados fundos verdes do BNDES, como

se verá adiante.

Portanto, pelo papel definidor de políticas e do modelo de

desenvolvimento que as instituições financeiras públicas,

como o BNDES, desempenham, a sociedade organizada exige

que sejam salvaguardadas as condições de transparência e

controle social para além das suas políticas de empréstimos

e desembolsos para a implementação de projetos de

infraestrutura, exportação ou mesmo conservação ambiental.

A demanda, antes de tudo ao Estado, é pela garantia dos

direitos de participação e controle social sobre as instituições

financeiras públicas, assim como sobre os seus projetos

políticos de desenvolvimento.

Rede Brasil: pioneirismo na denúncia sobre o projeto

político das IFMs

Durante décadas, as Instituições Financeiras Multilaterais

(IFMs) definiram estratégias para os países sem que a sociedade

civil nem os Parlamentos tomassem ciência de seus conteúdos.

No caso do Brasil, eram documentos restritos aos bancos e aos

ministérios da Fazenda e do Planejamento. A Rede Brasil, desde

a sua fundação em 1995, analisa e disponibiliza o conteúdo dos

documentos de estratégia, as políticas e os projetos setoriais do

Banco Mundial e de outras instituições financeiras.

Em 1997, a Rede Brasil, através da atuação junto ao Congresso

Nacional, teve acesso e divulgou pela primeira vez, e em

português, a Estratégia de Assistência ao País (CAS, sigla

em inglês para Country Assistance Strategy). Considerado

um documento secreto pelo Banco Mundial, ele explicitava

as intenções da “abertura econômica aos investimentos

internacionais”, que, de acordo com a agenda neoliberal,

significava privatizações e desregulamentação, contidas

na forma de condicionalidades aos empréstimos ao país. A

iniciativa sinalizou que, a partir daquele momento, as políticas

e ações do Banco estariam na mira das organizações da

sociedade civil. Esse fato gerou a abertura de um diálogo do

Banco Mundial (e, posteriormente, do BID) com a sociedade

civil sobre suas políticas. Desde então, outros documentos

dos bancos que são de interesse da sociedade brasileira

passaram a ser analisados pela Rede Brasil, possibilitando a

organizações e movimentos sociais uma maior qualificação

para fazer resistência, intervenção e denúncias sobre os

impactos das políticas e dos projetos dessas instituições sobre o

desenvolvimento humano das populações.

Alguns documentos analisados pela Rede Brasil que

escrutinam as estratégias políticas das IFMs para o país são:

58

Estratégia de Assistência ao País 2000-2003, A Experiência

Brasileira com o Painel de Inspeção do Banco Mundial,

Impactos Negativos da Política de Reforma Agraria de Mercado

do Banco Mundial, Estratégia de Assistência ao País 2003-

2007, o empréstimo de ajuste do Banco Mundial para o

Brasil, aprovado em 2004, o já mencionado Empréstimo de

Assistência Técnica/Empréstimo de Ajuste Estrutural (TAL/

SAL) e a Estratégia de Parceria com o Brasil 2008-20111.

Além do acompanhamento de projetos financiados

pelos bancos públicos, a Rede Brasil apoia a resistência

nos territórios e, por vezes, incide diretamente sobre os

empréstimos através do uso dos mecanismos formais de

informação e monitoramento das IFMs, como os painéis de

inspeção. Sua trajetória política é, portanto, historicamente

contra-hegemônica e focada no questionamento e

enfrentamento das IFMs. Desse modo, a Rede Brasil não pode

ser capturada ou neutralizada pelas estratégias de diálogos,

participação e resolução de conflitos construídas ao longo

dos anos pelo Banco Mundial, e por outras instituições

financeiras, em resposta às críticas sociais à sua atuação.

A Rede Brasil se propõe a colocar em xeque as políticas e

mecanismos das IFMs e formular, com base no aprendizado

e nas demandas das populações atingidas, mecanismos que

garantam justiça na correlação de forças nos processos de

negociação; de modo geral, estes mecanismos não foram

internalizados por estas instituições.

Ao mesmo tempo, a Rede não perde de vista o seu propósito

de construção de conhecimento e de enfrentamento crítico à

atuação dos bancos nas distintas fases de implementação do

modelo neoliberal e, consequentemente, aos seus impactos

sobre os territórios e sobre as populações. É com esta mesma

perspectiva que vem, desde 2010, desenvolvendo uma análise

crítica sobre o processo de financeirização da natureza a partir

do desenvolvimento de novos marcos para as políticas de

gestão ambiental sendo implementados no Brasil, em estreita

correlação com empréstimos e cooperação entre o Banco

Mundial e o BNDES2.

TAL/SAL: O pioneirismo do Banco Mundial no ajuste das

políticas públicas para o meio ambiente

Desde 2004, o Banco Mundial introduziu os Empréstimos

de Política para o Desenvolvimento como uma forma de

condicionalidade “mais suave e gentil”, de modo a substituir

os empréstimos de ajuste que tinham se tornado alvo da

desaprovação pública nos anos 19903.

Durante o primeiro mandato do governo Lula, o Empréstimo

de Assistência Técnica/Empréstimo de Ajuste Estrutural (TAL/

SAL) apoiou uma tentativa de eficientização e de choque de

gestão do MMA. No entanto, uma avaliação de seus resultados e

impactos nunca foi debatida publicamente.

“Incluir a sustentabilidade ambiental na formulação,

desenvolvimento e implementação das políticas do governo

federal” foi, segundo o MMA, o objetivo formal da Reforma

Programática da Sustentabilidade Ambiental (SAL Ambiental)4. O

programa de empréstimos junto ao Banco Mundial teve como

finalidade fortalecer o Sistema Nacional do Meio Ambiente

(Sisnama) e incluir a dimensão ambiental nos setores de energia,

saneamento, desenvolvimento agrário e turismo, entre outros.

Para dar apoio a este programa foi idealizado o Projeto

de Assistência Técnica para a Agenda da Sustentabilidade

Ambiental, mais conhecido como TAL Ambiental. Coordenado

pelo MMA, este projeto teve como objetivo apoiar a realização

de estudos, diagnósticos, análises e capacitações necessárias

à consolidação e ao avanço das políticas públicas de

desenvolvimento sustentável.

No período da sua implementação, o MMA sofreu uma

profunda reestruturação. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi separado em

duas entidades: uma voltada somente para o licenciamento

ambiental, cujo indicador de eficiência passou a ser a velocidade

e o número de liberações de licenças ambientais; e a outra,

chamada de Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade (ICMBio), foi direcionada para o gerenciamento

de áreas de proteção ambiental e florestas.

59

Como consequência, ao enfrentar cortes salariais e demissões,

os funcionários do Ibama entraram em greve em 2007 e a

agência empregou consultores para responsabilizarem-se pelo

licenciamento de grandes e polêmicas obras em tramitação,

como a do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira.

Nesse cenário, a pressão do governo para que o Ibama liberasse

o licenciamento deste projeto foi impulsionada por um estudo

financiado por outro empréstimo de assistência técnica do

Banco Mundial, dessa vez ao Ministério de Minas e Energia

(MME), através do Empréstimo de Assistência Técnica para o

Setor Energético (Estal, sigla em inglês). Através da contratação

de um consultor indiano foi emitido um diligente e providencial

parecer técnico, referente à dinâmica dos sedimentos do Rio

Madeira, que foi capaz de eliminar uma das barreiras centrais

apontadas pelos técnicos nacionais para o licenciamento. Pago,

portanto, pelo Banco Mundial, o consultor fez um parecer após

apenas dois dias de trabalho de campo que resolveu as últimas

pendências técnicas e permitiu a concessão de uma inédita

“licença parcial” para o projeto5 6.

A Rede Brasil questionou a participação do Banco Mundial

neste episódio7 e participou também de algumas etapas de

monitoramento do empréstimo TAL/SAL, comparecendo a

reuniões no MMA8. A maior preocupação levada pela Rede

nestas ocasiões era justamente o fato de que as políticas de

salvaguarda, informação e transparência desenvolvidas pelo

Banco Mundial não se aplicavam a estas modalidades de

empréstimos. O monitoramento, a rastreabilidade e a avaliação

dos impactos e resultados dos empréstimos de ajuste ou

cooperação técnica, vis-à-vis seus objetivos e as políticas do

próprio Banco Mundial, eram confundidos com a aplicação

do orçamento e dos programas de governo, por vezes sem

seguimento adequado pelos ministérios e, em especial, pela

própria sociedade civil junto ao MMA.

Por outro lado, o empréstimo TAL/SAL resultou no

desenvolvimento de um acordo de cooperação técnica inédito,

firmado em junho de 2005 entre o MMA e o Fórum Brasileiro

de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentável (Fboms), através do seu Grupo de

Trabalho (GT) Energia. Cerca de cinquenta organizações de todo

o Brasil encararam o desafio pragmático de influenciar, a partir

dos seus conhecimentos técnicos e políticos, os procedimentos

do licenciamento ambiental.

O acordo aprofundou, no âmbito da sociedade civil, o debate

propositivo sobre os procedimentos nacionais e internacionais

de licenciamento e planejamento, com enfoque nas obras

previstas para o setor energético9. Este processo resultou em uma

série de estudos, documentos e recomendações, cujo conjunto

considera as avaliações de escopo e alternativas de projetos a

partir das realidades e potencialidades locais e, sobretudo, das

demandas regionais de desenvolvimento a partir da perspectiva

das populações, e não dos bancos ou das corporações.

O resultado deste exercício se aproxima do instrumento,

posteriormente desenvolvido pela Rede Brasileira de Justiça

Ambiental, conhecido como Avaliação de Equidade Ambiental10.

No entanto, as recomendações feitas por este conjunto

da sociedade civil nunca foram incorporadas pelo MMA.

Paralelamente, este ministério contava também com o

apoio da Associação das Indústrias de Base do Brasil (ABDIB)

para aprimorar o licenciamento ambiental. Os resultados

desta parceria estabelecida com o setor industrial foram

visivelmente mais eficazes ao serem incorporados nas práticas e

procedimentos para uma maior agilidade do licenciamento.

Ainda que calcado no discurso propagado de que todos os

setores - governo, corporações e sociedade - devem unir-se

pela proteção ambiental e no consensualismo promovido por

instituições como o Banco Mundial, este episódio explicitou

que a desigual correlação de forças e os inconciliáveis

interesses e visões de classes impossibilitam um processo real

de participação da sociedade organizada no desenvolvimento

de políticas públicas.

O acordo de cooperação técnica foi rompido pelo GT Energia

do Fboms no início de 2007 devido ao “não alcance” dos

objetivos, seja no âmbito da implementação das propostas

de procedimentos para o licenciamento, seja na realização

60

de atividades de capacitação popular e jurídica sobre o tema.

Politicamente, foi concomitante a mais uma derrota política do

MMA, diante de um governo desenvolvimentista que anunciava,

goela abaixo da sociedade e do próprio ministério, o início da

construção da UHE de Santo Antônio, no Rio Madeira, em 2008.

A pressão do Banco Mundial em “aprimorar o licenciamento

ambiental” se dava também através de outros esforços para

flexibilizar a legislação ambiental e reduzir os índices de conflitos

e judicialização de grandes obras de infraestrutura. O estudo

Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Hidrelétricos no

Brasil: Uma Contribuição para o Debate, publicado em março

de 2008 pelo próprio Banco Mundial, por exemplo, teve um

considerável impacto e foi muito bem recebido pelo MME11.

Segundo Guilherme Carvalho, então membro da Coordenação

Nacional da Rede Brasil, neste estudo “os bancos multilaterais

demonstram preocupação quanto à capacidade do Ministério

Público de criar embaraços aos empreendimentos considerados

fundamentais pelas IFMs aos seus portfólios e às estratégias

dessas instituições para o país”12.

Nesta publicação, o Banco Mundial questiona a legitimidade

do Ministério Público (MP) de mover determinadas ações, por

considerar que o MP não possui competência necessária para

suscitá-las, enfatizando particularmente os casos relacionados

ao processo de licenciamento de hidrelétricas. A questão do

prazo para a concessão de licenças constituía uma das maiores

preocupações do Banco ao considerar, portanto, que a ação do MP

não apenas deixaria de contribuir para a resolução de conflitos,

como adicionaria mais variáveis a um processo considerado

demasiadamente demorado e um entrave ao desenvolvimento.

Além de diagnosticar a legislação ambiental e, ainda que não

explicitamente, propor a regulação e o controle do MP sobre os

processos de licenciamento, o documento trazia recomendações

explícitas de propostas de leis e reformas políticas, tais como:

1 - “Formulação e adoção de Lei Complementar,

esclarecendo as responsabilidades da União e dos estados

em relação ao licenciamento ambiental”.

Proposta que, de fato, viria a resultar na sanção pela presidenta

Dilma Rousseff, em 8 de dezembro de 2011, da Lei Complementar

n° 140, que regulamenta o artigo 23 da Constituição Federal

e define as atribuições da União, estados e municípios na

proteção do meio ambiente, incluindo as competências para

emitir licenças ambientais e gerir o uso da fauna e da flora

silvestre. As mudanças significativas na nova legislação acabam

com o processo centralizado que existia até então, dividindo

essas atribuições e competências entre estados e municípios,

ficando a maioria dos processos de licenciamento ambiental sob

responsabilidade dos municípios.

2 - “A adoção de mecanismos de resolução de conflitos

para o processo de licenciamento, especialmente para

grandes projetos, de modo a minimizar a transferência

para o Judiciário de várias questões que deveriam ser

resolvidas dentro do escopo do processo administrativo de

licenciamento ambiental”.

Estratégia já comentada no artigo anterior, de Fabrina Furtado e

Gabriel Strautman, em que se propõe a substituição do estado

de direito por consultas e encontros com desigual correlação de

poder, conduzidos por especialistas de suposta neutralidade.

Dando seguimento à estratégia de destravar os constrangimentos

ambientais e acelerar a realização das grandes obras, em março de

2012, o governo brasileiro e o Banco Mundial assinaram mais um

contrato de empréstimo para o MME, no valor de US$ 106 milhões.

O financiamento para o Projeto de Assistência Técnica dos Setores

de Energia e Mineral (Meta, sigla em inglês) tem como objetivo

“contribuir para ampliar e consolidar os avanços dos setores

energético e mineral brasileiros, dando apoio à competitividade

e ao crescimento econômico e sustentável do país”. Os recursos

serão destinados ao desenvolvimento de projetos como o das

hidrelétricas-plataforma - aplicado no Complexo Tapajós – para

atender a requisitos e cuidados com o meio ambiente.

Na ocasião da assinatura do contrato, o diretor do Banco

Mundial para o Brasil, Makhtar Diop, afirmou que a matriz

energética do Brasil é a mais limpa do mundo e um exemplo

para o Banco13.

Como se vê, a atuação do Banco Mundial, ainda que possa ter

61

sido limitada por suas políticas de salvaguardas com relação a

empréstimos diretos a projetos de grande risco socioambiental,

como as hidrelétricas na Amazônia, seguiu contundente no

sentido de viabilizá-los através da flexibilização da legislação

nacional como um projeto político embutido nos empréstimos

de ajuste e cooperação técnica.

SEM DPL e BNDES, rezando a cartilha do Banco Mundial

no choque de gestão ambiental

A relação do BNDES com o Banco Mundial tem se mostrado

estruturante, indo além do desembolso ou dos esforços políticos

conjuntos na implementação de megaprojetos, como as obras do

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ou da Iniciativa

para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana

(IIRSA). Em novembro de 2008, o Banco Mundial anunciou o

Empréstimo Programático de Política para o Desenvolvimento

em Gestão Ambiental Sustentável (SEM DPL, sigla em inglês) para

o Brasil, com um valor de US$ 1,3 bilhão, em sua fase inicial, a

serem alocados e geridos pelo BNDES.

A exemplo do que foram os polêmicos empréstimos para ajustes

estruturais, na fase de liberalização das economias periféricas, para

a privatização e eficientização dos serviços públicos, nos anos

1990, e dos investimentos do TAL/SAL, dos anos 2000, o SEM DPL

teve por objetivo “melhorar a efetividade e a eficiência das políticas

e diretrizes do sistema de gestão ambiental”.

As ações políticas propostas incluem:

- a formulação e aprovação de uma nova Política

Institucional Socioambiental para o BNDES, que

incorpore o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, o

Protocolo Verde e a aplicação desta nova política para a

carteira completa de projetos do BNDES;

- a elaboração dos procedimentos de investimentos para

o BNDES gerir os riscos sociais e ambientais para os

sessenta subsetores da economia (incluindo energia,

agricultura e transporte);

- o preenchimento de 600 vagas no Ibama, no MMA e no

ICMBio e o apoio aos planos de zoneamento Ecológico

e Econômico, descritos no Programa Amazônia

Sustentável (PAS);

- subsídio à elaboração do marco regulatório para o novo

Fundo Amazônia e a implementação do Plano Nacional

de Recursos Hídricos.

Os resultados incluem os seguintes objetivos (grifados

pela autora, por apresentarem as oportunidades financeiras

decorrentes da política ambiental proposta e apoiada pelo

empréstimo do Banco Mundial):

- aperfeiçoamento do processo de licenciamento

ambiental através da diminuição do número de licenças

disputadas na justiça pelo Ministério Público em 20% em

comparação com a média do período de 2002-2007;

- aumento das reduções de emissões de gás de efeito

estufa planejadas, em 20 milhões de toneladas de

CO2 equivalente/ano, através do Mecanismo de

Desenvolvimento Limpo (MDL), do BNDES, e projetos do

Plano Nacional de Mudanças Climáticas;

- aumento da Gestão de Florestas Naturais Sustentáveis de

áreas públicas e privadas de 27.000 km2 para 50.000 km2;

- apoiar uma área de 500.000 hectares através do Fundo

Amazônia por promover atividades de uso sustentável

da terra;

- redução de 110.000 toneladas de poluentes despejados

nos rios, devido à aprovação dos projetos de saneamento

do BNDES.

Nos documentos relativos ao empréstimo e suas

condicionantes, a ausência de um processo de análise

62

de risco ambiental e social para a maioria dos projetos

financiados diretamente era apresentada como justificativa

para a “ambientalização” do BNDES. Também se somava a

essa justificativa o fato de este Banco não exercer um papel

de autoridade em relação às considerações ambientais e

sociais, como parte do processo de avaliação de seus projetos.

Entretanto, desde o início da contratação do empréstimo

até hoje, a sociedade civil organizada tem expressado

preocupações quanto ao processo, diretrizes e resultados

concretos da aplicação de uma nova política ambiental no

BNDES sob orientação do Banco Mundial.

Apesar de não serem novas as críticas em relação à fragilidade

e à insuficiência do BNDES na área da gestão socioambiental,

reconhece-se que efetivamente este Banco só se mobilizou

em função das condicionalidades colocadas no âmbito

do empréstimo SEM DPL pelo Banco Mundial14. Contudo,

seu padrão de atuação se mantém aquém, com a exclusão

no processo em curso de qualquer diálogo ou consulta a

organizações e instituições da sociedade.

Uma vez que a própria política ambiental do Banco Mundial

é questionada em dezenas de países, o modelo a orientar o

BNDES não apresenta grandes perspectivas e torna-se mais um

dos focos de ação dos grupos que atuam sobre as instituições

financeiras multilaterais, como a Rede Brasil.

A política ambiental do BNDES se desenvolve em um contexto

de avanço das reformas no sistema de licenciamento e na gestão

ambiental e de uma adequação mais profunda para que as

políticas ambientais passem a dar sustentação e sejam orientadas

para os novos mercados ambientais. Estes, por sua vez, exigem

também uma espécie de ajuste estrutural que libere o meio

ambiente da proteção do Estado.

Esta política ambiental, portanto, inclui, além da revisão de suas

práticas operacionais, a estruturação da gestão de novos fundos

ambientais, como o Fundo Amazônia e o Fundo Nacional sobre

Mudança do Clima; financiamentos para a recomposição de

biomas associados à negociação no mercado pelo BNDES dos

direitos aos créditos de carbono gerados; financiamentos na área

de inovação tecnológica e de incentivo ao aço verde (siderurgia

que utiliza carvão de base florestal, um dos eixos do Plano Setorial

da Política Nacional sobre Mudança do Clima); e, finalmente, a

abertura de uma linha de crédito para qualificar órgãos estaduais

de licenciamento.

Esta última diretriz, ao mesmo tempo que indica que o

BNDES reconhece a fragilidade dos processos estaduais de

licenciamento ambiental dos projetos que financia, coloca o

Banco em um patamar duvidoso de expertise para recomendar

processos de aprimoramento na gestão ambiental. Além

disso, esta proposta pode se tornar uma via de pressão e

condicionantes para que os órgãos estaduais agilizem as

licenças de empreendimentos financiados pelo próprio Banco,

deflagrando um conflito de interesses.

Os fundos verdes e o ABC do (agro)negócio climático

O Banco Mundial foi pioneiro na disputa pelos promissores

recursos financeiros para a Redução de Emissões por

Desmatamento e Degradação de Florestas (REDD). Ele lançou o

seu Forest Carbon Partnership Facility (FCPF) em 2007, destinado

a ajudar os países a “se prepararem” para o REDD e estabelecer

alguns projetos-piloto de comercialização de carbono florestal.

Desde o seu início, o FCPF foi orientado para tornar-se

a “entidade coordenadora geral de todas as agências de

implementação da preparação para o REDD (readiness)”, com

o Programa de Investimento Florestal (FIP), também do Banco

Mundial, se esforçando para atingir o mesmo status no que diz

respeito à implementação do REDD.

Neste sentido, o financiamento foi empenhado por Noruega,

Alemanha, Holanda, Japão, Austrália, Finlândia, Suíça, Espanha,

Dinamarca, França, Reino Unido e Estados Unidos. Em junho

de 2010, com um total de US$ 151,8 milhões de doações, apenas

US$ 10 milhões haviam sido efetivamente gastos, caracterizando

um importante período de capitalização do Banco, que ocorreu

de forma similar em outros fundos chamados “verdes”. O FIP

prometeu, em 2008, recursos um pouco acima de US$ 560

A proposta central da economia verde não é a defesa do meio ambiente: transformar a natureza em mercadoria

63

milhões, mas nada havia sido

alocado até agosto de 201015.

Desde antes da crise financeira

deflagrada em 2008, o Banco

Mundial já tinha a intenção

de assumir a liderança no

financiamento do clima e promover

os mercados de carbono. Os Fundos

de Investimento Climático do Banco

Mundial (CIFs) foram estabelecidos

em 2008, quando catorze países

prometeram alocar US$ 6,5 bilhões

para dois fundos: o de Tecnologia

Limpa e o Estratégico para o Clima

(Clean Technology Fund e Strategic

Climate Fund.)

Atualmente, 45 países

em desenvolvimento estão

implementando projetos de

tecnologia, manejo de florestas

e expansão de energia renovável através dos recursos

gerenciados pelo Banco Mundial.

Os países desenvolvidos, por sua vez, optaram por ter o

Banco Mundial como o gestor de suas contribuições já que,

assim, teriam maior controle sobre os recursos devido à

estrutura de governança do Banco orientada aos doadores:

“um dólar, um voto”. E nas negociações da 16ª Conferência

das Partes para a Convenção-Quadro das Nações Unidas

sobre a Mudança do Clima (COP 16), realizada em Cancum

em 2010, eles também conferiram ao Banco o papel de

depositário do Fundo Verde do Clima.

Mais recursos seguem sendo mobilizados via CIFs até que o

Fundo Verde do Clima torne-se operacional. O Banco Mundial

tem a parceria de outras IFMs nos CIFs, como o BID, o Banco

Asiático de Desenvolvimento e o Banco Europeu para a

Reconstrução e o Desenvolvimento.

Atualmente, segundo o seu próprio departamento de

marketing, o Banco Mundial conta com doze fundos de carbono,

que já capitalizaram US$ 2,74 bilhões. Dezesseis governos

e 66 empresas privadas de vários setores já contribuíram

financeiramente para estes fundos e facilidades16.

O Banco introduziu papéis de créditos verdes especificamente

para financiar a mitigação e a adaptação climática, criando, ao

mesmo tempo, um novo produto financeiro e uma fonte de

mercado para a capitalização de seus fundos sobre aquilo que

deveria ser a transferência de fundos públicos, não geradora de

dívidas financeiras - como reconhecimento da responsabilidade

histórica dos países industrializados na geração da dívida

climática. Atualmente, mais de US$ 2,3 bilhões em créditos

verdes já foram emitidos através de 43 transações em dezesseis

moedas diferentes.

O Banco também lançou um “programa multicatástrofe”, com

bônus de seguro, acessível aos países em desenvolvimento e

coberto pelos mercados de capitais. Orgulha-se de ser a maior

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64

fonte mundial de financiamento para a redução de riscos de

desastres e reconstrução, tendo emprestado, desde 2007, US$

9,2 bilhões para 215 projetos de recuperação pós-desastre;

orgulha-se também do seu portfólio crescente nesta área. O

Banco Mundial contabilizou a monetização de 9,5 milhões de

Certificados de Emissões Reduzidas para o Fundo de Adaptação

da Organização das Nações Unidas (ONU), atingindo a captação

de US$ 163 milhões, a partir destes mercados, em 2011.

Sem dúvida, a crise climática contribuiu bastante, e deve seguir

contribuindo, com a saúde financeira do Banco Mundial, um

exemplo seguido por outras instituições financeiras.

O envolvimento do Banco nas negociações sobre a mudança

climática e a sua estratégia de “ganha-ganha” diante do caos

climático têm sido muito criticados pela sociedade civil. Com

o intuito de amenizar estas críticas, o Banco criou mecanismos

de participação de observadores sobre seus fundos, incluindo

representantes da sociedade e dos povos indígenas, e uma série

de salvaguardas. Dentre estas, estão a aplicação do princípio

do consentimento livre, prévio e informado e medidas para

salvaguardar os direitos dos povos indígenas e mecanismos de

responsabilização (accountability) do Banco, incluindo a sua

Política Operacional (OP) sobre as avaliações ambientais (OP

4.01), povos indígenas (OP 4.1), recursos culturais físicos (OP 4.11)

e o reassentamento involuntário (OP 4.12).

Ou seja, os mesmos mecanismos criados para supostamente

resguardar as populações nos países em desenvolvimento dos

impactos dos megaprojetos financiados pelo Banco, como

as hidrelétricas, as indústrias extrativas ou as de combustíveis

fósseis, seriam também aplicáveis quando se trata de tentar

assegurar que fundos climáticos sejam, de fato, verdes. Além

disso, novos produtos e mercados financeiros asseguram

o staus quo das IFMs na manutenção das suas políticas de

desenvolvimento.

Por esta razão, o apoio do SEM DPL para a elaboração de

regulamentações para o Fundo Amazônia e outros fundos

verdes no BNDES, bem como a legitimação do Plano Setorial da

Agricultura de Baixo Carbono pelos estudos do Banco Mundial,

merecem um exame minucioso considerando os contínuos

esforços da instituição em se tornar um agente nas negociações

climáticas globais.

Fundo Amazônia (FA)

O governo brasileiro criou, em agosto de 2008, com recursos

doados pelo governo da Noruega e em resposta às pressões pela

redução das contribuições do desmatamento da Amazônia ao

aquecimento global, o Fundo Amazônia (FA). Com o BNDES

como seu gestor, este fundo é um mecanismo de financiamento

de projetos que tem como objetivo prevenir e combater o

desmatamento, além de promover a conservação e o uso

sustentável da floresta Amazônica.

Na época de sua criação, o governo empenhou-se em

construir uma alternativa institucional nacional às alternativas

multilaterais então apresentadas, como o Banco Mundial, mas

contou com um empréstimo deste para estabelecer as bases para

o seu funcionamento. O FA, diferentemente dos outros fundos

administrados pelo BNDES, criou um Comitê Orientador do Fundo

da Amazônia (Cofa), formado por representantes de governo, do

setor empresarial e de organizações da sociedade civil.

A criação do FA foi reconhecida como a primeira iniciativa

de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação

Florestal (REDD) no mundo, gerando, assim, uma grande

expectativa e despertando a atenção internacional das

agências de cooperação, governos, empresas e imprensa.

Por esse motivo, passou a haver uma exigência, ao BNDES,

por transparência e informações que viabilizassem um

acompanhamento social efetivo e pelo desenvolvimento de um

padrão de atuação específico para este Fundo.

As organizações da sociedade civil no Comitê, o Instituto

Socioambiental (ISA) e a Federação de órgãos para Assistência

Social e Educacional (Fase), indicadas pelo Fboms, pautaram sua

atuação por garantir a transparência, assegurar o controle social

e a democratização do acesso aos recursos do Fundo, para que as

organizações locais sejam, de fato, as beneficiárias dele.

65

Atualmente, permanece o desafio de dar maior transparência

ao fluxo de avaliação e contratação dos projetos, aos pré-

requisitos de elegibilidade e sobre como os critérios definidos

pelo Cofa são aplicados nos procedimentos de análise dos

projetos. Também cabe ao BNDES desenvolver modelos de

aplicação de projetos diferentes dos utilizados para a análise e

contratação dos seus financiamentos que, pela sua natureza, não

são apropriados para os objetivos do FA.

No início da operação deste fundo, os procedimentos, as

prioridades e a estrutura burocrática do BNDES acabavam por

inibir o acesso a ele por parte de pequenas organizações da

sociedade civil e beneficiar aquelas de grande porte, como a The

Nature Conservancy (TNC), uma organização conservacionista

de origem estadunidense que recebeu R$ 16 milhões do FA, entre

os cinco primeiros projetos contratados para o terceiro setor.

O FA já contratou 23 projetos no valor total de R$ 477

milhões17. Sobre os valores já contratados, R$ 876 milhões são

do governo da Noruega, R$ 54 milhões da Alemanha e R$ 7,9

milhões da Petrobras18.

O grande desafio, porém, é alinhar a política de financiamento

do BNDES para a região com os objetivos orientadores do FA,

para que este não se torne meramente uma via de mitigação

de impactos negativos dos grandes projetos financiados pelo

próprio Banco. A perspectiva conservacionista dos projetos até

aqui contratados sugere que o foco tende a ser o de mitigação,

articulado às oportunidades de mercados de carbono a serem

exploradas. Enquanto uma proposta muito mais consistente

e necessária seria o investimento na implementação de um

desenvolvimento regional sustentável que valorize a diversidade

cultural e biológica da região, inserida em um contexto

de geração de renda e que seja alternativa ao modelo de

megaempreendimentos extrativos voltados ao mercado global.

A meta estabelecida através do empréstimo SEM DPL, de que

a política ambiental do BNDES apoiasse “uma área de 500.000

hectares através do Fundo Amazônia por promover atividades

de uso sustentável da terra”, também aponta para uma

contabilidade de carbono/território a ser inicialmente mapeada

como potencial de incorporação dos mercados de carbono

florestal em desenvolvimento e lançados de forma pioneira pelo

Banco Mundial.

Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC)

O Fundo Clima, do BNDES, se destina a aplicar a parcela de

recursos reembolsáveis do Fundo Nacional sobre Mudança

do Clima, ou Fundo Clima, um dos instrumentos da Política

Nacional sobre Mudança do Clima vinculado ao Ministério do

Meio Ambiente, criado pela Lei 12.114 em 09 de dezembro de

2009 e regulamentado pelo Decreto 7.343, de 26 de outubro

de 2010.

É o primeiro fundo no mundo a utilizar recursos oriundos da

participação especial dos lucros da cadeia produtiva do petróleo

para financiar ações de mitigação e adaptação às mudanças

climáticas e seus efeitos.

Coordenado pelo MMA, o Comitê Gestor do FNMC é composto

de representantes governamentais, comunidade científica,

empresários, trabalhadores e organizações não governamentais

e foi anunciado durante a COP 16 do Clima, em Cancum, em

dezembro de 2010. As organizações representantes da sociedade

civil são o Vitae Civilis, membro da coordenação do GT Clima,

indicado pelo Fboms, e a TNC, ONG internacional indicada

pela rede Observatório do Clima. Cabe ao comitê administrar,

acompanhar e avaliar a aplicação dos recursos em projetos,

estudos e empreendimentos de mitigação e adaptação da

mudança do clima e seus efeitos.

Para o governo, este Fundo tem um papel estratégico na

“promoção do modelo de desenvolvimento sustentável de

baixo carbono”19. Neste contexto, apoia atividades voltadas para

o combate à desertificação e para a adaptação à mudança do

clima, ações de educação e capacitação, projetos de REDD+,

o desenvolvimento de inclusão de tecnologias, a formulação

de políticas públicas, as cadeias produtivas sustentáveis e o

pagamento por serviços ambientais, entre outras atividades que

abrem caminho aos mercados verdes.

66

O Fundo dispõe de um orçamento de R$ 229 milhões, sendo

R$ 200 milhões (87%) reembolsáveis na forma de empréstimos

e financiamentos voltados para a área produtiva, gerenciados

pelo BNDES. Os outros R$ 29 milhões seriam administrados

pelo MMA em projetos de pesquisa, mobilização e avaliações

de impacto das mudanças do clima, podendo ser repassados

para os estados e municípios por meio de convênios e termos

de cooperação. O FNMC pode ainda receber recursos de outras

fontes, inclusive doações internacionais, que venham a ser

estabelecidos no âmbito da Convenção do Clima.

O foco deste Fundo está no apoio das ações estratégicas

de combate às mudanças do clima identificadas nos planos

setoriais articulados pelo Fórum Brasileiro de Mudanças

Climáticas (FBMC) e previstos no Plano Nacional sobre

Mudança do Clima (PNMC). Dois planos trazem as ações

para prevenção e controle do

desmatamento: Amazônia e

Cerrado. Os outros três são

específicos para os setores de energia

(amplamente focado na expansão da

hidroeletricidade e da agroenergia),

agricultura (Plano ABC) e siderurgia

(ambos focados na eficientização de

grandes plantações de alimentos ou

de árvores para carvão vegetal).

Cabe ressaltar que estes planos

setoriais têm sido criticados

pelos movimentos sociais e por

organizações da sociedade civil por

serem considerados simples versões

esverdeadas de planos setoriais

do PAC. A crítica também afirma

que continuam ausentes os planos

específicos de redução das emissões

reais que envolvem temas centrais

para a mitigação das mudanças

climáticas, como a redução do uso de

combustíveis fósseis; a agroecologia; a economia solidária e o

desenvolvimento de mercados locais; as redes comunitárias de

construção de cisternas e o manejo comunitário dos recursos

hídricos; e a mobilidade e a reorganização da ocupação das

áreas urbanas.

Ao contrário do FA, o FNMC não tem foco no apoio a ações e

projetos do terceiro setor. Com os recursos a serem destinados

na forma de financiamentos públicos pelo BNDES, ele é

direcionado aos setores públicos, pelo MMA, e às demandas do

setor privado.

Desse modo, projetos do agronegócio, como o plantio

direto e a expansão dos transgênicos, são apresentados em

nova roupagem como projetos inovadores de adaptação aos

efeitos das mudanças climáticas. Conhecidos no jargão da

sociedade civil como “falsas soluções”, eles vêm na esteira da

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Os bancos se apropriaram da crise climática como uma oportunidade de capitalização: saúde financeira

67

sensibilização com a problemática do clima e da pavimentação

do caminho para a chamada economia verde.

Plano ABC – Agronegócio de Baixo Carbono

O Estudo de Baixo Carbono para o Brasil, lançado pelo

Banco Mundial em maio de 201020, legitimou as bases dos

planos setoriais de mitigação de carbono no âmbito da

Política Nacional sobre Mudança do Clima, em especial o de

Agricultura de Baixo Carbono (ABC), que trata do uso de solo

para agropecuária e florestas. No ano anterior, uma consultoria

internacional de empresas para o setor financeiro, a McKinsey

& Company, também lançou seu estudo Caminhos para uma

Economia de Baixa Emissão de Carbono no Brasil.

Ambos tiveram seus gráficos e “curvas de custo de

oportunidade” amplamente utilizados por gestores e funcionários

do governo para justificar a formulação de políticas públicas que

favorecem as opções de mercado para os negócios do clima,

calculadas com base na mudança de um “cenário de referência”

para outro, identificado como de “baixo carbono”.

As principais ações propostas pelo estudo no cenário de

referência (projeção para 2030 das tendências históricas,

dinâmicas e tendências atuais) são pertinentes ao maior fator

de emissões de gases de efeito estufa pelo Brasil: a mudança

do uso do solo (expansão da agricultura e pecuária) e do

consequente desmatamento. O cenário alternativo, chamado

de “baixo carbono” pelo Banco, não contesta a expansão do

agronegócio, da pecuária e das monoculturas para a produção

da agroenergia, fomentados amplamente pelo BNDES.

Pelo contrário, parte do princípio de que estes são “motores

fundamentais da economia brasileira” e trata de reforçar o

crescimento continuado destes setores, tentando acomodar

esta expansão no cenário de “baixo carbono”, juntamente

com os compromissos ambiciosos do Brasil de redução de

desmatamento. Também naturaliza o desmatamento ilegal

como parte do cenário de referência, reforçando a ideia da

necessidade de pagamento para o cumprimento da legislação.

O estudo reforça que, com ajustes tecnológicos que

reduziriam as emissões, o agronegócio e a pecuária poderiam

crescer ainda mais. Isso, somando-se ainda às oportunidades

de redução de emissões com a ampliação do uso do etanol

e do biodiesel, assim como as vastas oportunidades para os

negócios de “reflorestamento” (leia-se plantações de árvores),

tanto da reserva legal e das áreas de preservação permanente

como de pastagens degradadas. Inclui ainda a “compensação”

com o plantio de florestas comerciais ou florestas de produção,

especialmente para produção de carvão vegetal para o aço e

ferro através de monoculturas de espécies comerciais21.

No mesmo ano de 2010, iniciaram-se as discussões do

governo federal para elaboração dos planos setoriais no âmbito

da PNMC, contando com a participação de ONGs indicadas

pelo Fórum Brasileiro sobre Mudanças Climáticas. O grupo de

trabalho formado para a construção do Plano ABC teve como

objetivo avaliar seus subprogramas, a acessibilidade das linhas

de financiamento ofertadas para a agricultura de baixo carbono

canalizadas pelo BNDES a outras instituições financeiras e

debater as possibilidades e desafios para a conciliação das metas

brasileiras de redução de emissões e o aumento da produção

de alimentos, fornecendo subsídios para a transformação dos

mercados em direção a uma agricultura de baixo carbono.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

(Mapa) instituiu em junho de 2010 o programa Agricultura de

Baixo Carbono (ABC), com ações inseridas no Plano Agrícola

e Pecuário que incentivam iniciativas básicas com metas e

resultados previstos até 2020:

- Plantio direto na palha, com o objetivo de ampliar

os atuais 25 milhões de hectares para 33 milhões de

hectares, com redução relativa de emissões estimadas

em 16 a 20 milhões de toneladas de CO2 equivalentes;

- Recuperação de pastos degradados, com previsão de

recuperação de 15 milhões de hectares e redução de 83 a

104 milhões de toneladas de CO2 equivalentes;

- Integração lavoura-pecuária-floresta, aumentando a

68

utilização do sistema em 4 milhões de hectares para

evitar a liberação entre 18 e 22 milhões de toneladas de

CO2 equivalentes;

- Plantio de florestas comerciais, com foco em aumentar

a área de 6 milhões de hectares para 9 milhões de

hectares;

- Fixação biológica de nitrogênio e tratamento de resíduos

animais.22,23

Nota-se que o estímulo à expansão do agronegócio é

diretamente proporcional ao cálculo de créditos de redução

de emissões, gerando, a partir da ficção de um cenário futuro,

uma enxurrada de títulos negociáveis no mercado de emissões

e justificando as políticas públicas de incentivo ao modelo

agroindustrial exportador, em detrimento de outros setores

não contemplados nos planos de mitigação das mudanças do

clima, como o da agroecologia. Os recursos públicos, para o

Plano ABC, disponíveis via BNDES, alcançaram, para a safra

2011/2012, R$ 3,150 bilhões, contemplados no plano agrícola e

pecuário, com limite de financiamento de R$ 1 milhão, taxas

de juros de 5,5% ao ano e prazo para pagamento de cinco a

quinze anos24.

Bolha dos fundos verdes: novo negócio para o BNDES e as

corporações brasileiras

Como já afirmado anteriormente, o empréstimo SEM DPL,

anunciado em 2008 e aprovado em março de 2009, apresentou

como uma condicionalidade do Banco Mundial a criação de uma

política socioambiental pelo BNDES.

Apesar de este Banco não ter deixado de concentrar o dinheiro

público nas grandes corporações, como a Vale (mineração), a

Fibria (celulose) e a Cosan (agrocombustíveis, hoje pertencente

à Shell), ele, paralelamente, criou uma série de fundos verdes

para lucrar com as crises do clima e da biodiversidade, cujas

responsáveis são as corporações destes mesmos setores.

O que parece contraditório não é. Somente a contínua poluição

e degradação da natureza pode tornar os bens comuns escassos

e, assim, elevar seu preço nos mercados e nas bolsas de valores;

ou seja, no mundo das instituições financeiras que, hoje,

controlam a política. Assim, o Banco Mundial, que não é nenhum

exemplo de sustentabilidade, influencia com sua agenda

neoliberal a financeirização da natureza e da política ambiental

do Brasil, adotada também pelo BNDES.

Independentemente de contabilizar qualquer redução de

impactos ou a efetiva aplicação de salvaguardas socioambientais

nos seus projetos, o BNDES já lançou uma série de fundos e

produtos financeiros verdes: Fundo Amazônia, Fundo Clima,

Iniciativa BNDES Mata Atlântica, BNDES Florestal (destinado

também ao “reflorestamento” com monocultura de espécies

exóticas comerciais), BNDES Project Finance (engenharia

financeira suportada contratualmente pelo fluxo de caixa de

um projeto, servindo como garantia os ativos e recebíveis desse

mesmo empreendimento), BNDES Compensação Florestal (de

apoio à regularização do passivo de reserva legal em propriedades

rurais destinadas ao agronegócio e à preservação e valorização

das florestas nativas e dos ecossistemas remanescentes), BNDES

Proplástico - Socioambiental (apoio a investimentos envolvendo

a racionalização do uso de recursos naturais, MDL, sistemas de

gestão e recuperação de passivos ambientais e financiamento

de projetos e programas de investimentos sociais realizados por

empresas da cadeia produtiva do plástico), ECOO11 - iShares

Índice de Carbono Eficiente Brasil (constituído por ações de

empresas brasileiras que divulgam suas emissões de CO2), BNDES

Empresas Sustentáveis na Amazônia, BNDES Fundo de Inovação

em Meio Ambiente, FIP Brasil Sustentabilidade (foco em projetos

de MDL e com potencial para gerar Reduções Certificadas de

Emissões) e FIP Vale Florestar (em áreas degradadas na região de

abrangência de Carajás).

A aprovação do Novo Código Florestal, com o lançamento

de um novo e gigante mercado de Certificados de Reserva

Ambiental (CRA), ou seja, de compensação (offseting) de

69

biodiversidade, registrados em títulos que serão também

produtos financeiros, é um fato emblemático que explicita

como as leis podem criar mais oportunidades de mercado do

que de proteção ambiental. Os projetos de lei em tramitação

no Congresso Nacional, como os PLs sobre REDD e sobre

Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), estão também

orientados para lançar novas bolhas verdes, cuja operação exige

ajustes profundos na lógica das políticas ambientais. Eles passam

pela revisão do papel do Estado na gestão ambiental e na garantia

dos direitos dos cidadãos a um ambiente equilibrado para o

de regulador de mercados verdes, e pela perda de direitos e de

soberania das populações nos territórios, em um favorecimento

de novos direitos das corporações, dos investidores, dos

mercados e das instituições financeiras.

É importante ressaltar que estas instituições influenciam

políticas públicas que flexibilizam a proteção ambiental e

enfraquecem os direitos sociais conquistados, ao mesmo tempo

que sugerem sua gradual substituição por critérios, salvaguardas,

práticas operacionais e novas oportunidades, produtos

financeiros e fundos verdes que resultam no aumento e na

concentração do seu poder político e no menor controle social

das políticas de desenvolvimento.

Em outras palavras, as políticas ambientais, orientadas pela

cooperação técnica de instituições como o Banco Mundial ou

geridas por instituições financeiras como o BNDES, tornam

contraditória qualquer iniciativa de regulamentação através

de critérios e salvaguardas porque implicam um processo que

se aprofunda na perda de direitos e na contínua deterioração

do papel do Estado como garantidor deles, em detrimento

dos interesses e novos direitos do mercado, sendo agora

assegurados por lei.

Tal como o Banco Mundial, o BNDES tem se utilizado de uma

estratégia de capitalização diante da crise ambiental como central

à sua política socioambiental. Fortalecer essa lógica através da

criação de critérios e salvaguardas, seja para o financiamento

de grandes obras e projetos, seja para aqueles produtos e fundos

que deveriam ter como premissa a proteção e conservação

ambientais, significa deslocar o foco do debate sobre o modelo

de desenvolvimento e do papel central que as instituições

financeiras vêm desempenhando na sua promoção.

Salvaguardas do Banco Mundial e critérios setoriais do

BNDES: dois pesos e duas medidas

As salvaguardas socioambientais do Banco Mundial foram

elaboradas como uma resposta às criticas sobre a atuação da

instituição e a seu duplo padrão ao lidar com legislações, ou

mesmo a falta de resguardos legais às populações e à natureza,

em países em desenvolvimento diante da implementação de

megaprojetos financiados pelas IFMs em seus territórios.

As salvaguardas, como políticas de aquisição de terras,

reassentamento involuntário de povos indígenas ou de redução

da poluição, davam conta de nivelar ou padronizar os guias de

operação do Banco em diferentes países com (ou sem) políticas

distintas quanto à propriedade territorial, populações tradicionais

ou limites e controle da poluição. Tais limites, padrões ou

restrições, aliados a uma política de informação pública sobre

os projetos, as operações e sobre as instâncias e momentos

decisórios no Banco, dariam à sociedade organizada meios para

acionar os instrumentos de monitoramento (compliance) como

estratégia complementar dos movimentos de resistência às IFMs

e seus projetos.

No caso do Brasil, até pouco tempo atrás, as política nacionais

de gestão ambiental e territorial, inclusive o Código Florestal, que

incide sobre a propriedade privada reconhecendo a função social

e ambiental da terra, eram vistas como completas e avançadas

em comparação à maioria dos países em desenvolvimento. Isto

antes dos ataques ideológicos, técnicos e políticos do próprio

Banco Mundial ao Sisnama, ao sistema de licenciamento

ambiental e ao desmonte ruralista do Código Florestal, que se

tornou um marco para o mercado financeiro de compensações

de biodiversidade e pagamentos por serviços ambientais.

Mesmo assim, se o BNDES se propusesse a simplesmente

observar e respeitar a legislação brasileira nos financiamentos

70

que concede aos projetos no Brasil e no exterior, e fornecesse

acesso à informação para o seu monitoramento, salvaguardaria

as comunidades de situações tais como o cercamento e a

proibição de acesso das populações às áreas próximas da mina

de carvão da Vale em Moatize, por exemplo.

Quanto ao financiamento no Brasil, o BNDES reafirma seu

compromisso com a legislação nacional25, em especial com a

“avaliação do atendimento a exigências ambientais legais, em

especial o zoneamento ecológico-econômico e o zoneamento

agroecológico, e a verificação da inexistência de práticas de atos

que importem em crime contra o meio ambiente”. Também,

como resposta a sucessivas denúncias, se compromete com

a “pesquisa cadastral do beneficiário que inclui verificação de

apontamentos referentes a trabalho análogo a escravo (consulta

aos dados do Ministério do Trabalho e Emprego) e a crimes

ambientais”, sem, contudo, explicitar se e quando os resultados

dessa pesquisa levam a recusar ou limitar os financiamentos às

empresas (ou beneficiários) solicitantes, a não ser em diretrizes

setoriais específicas, como as desenvolvidas para o setor da

pecuária e da cana-de-açúcar.

O BNDES estabelece ainda uma “avaliação do atendimento

a exigências sociais legais e a verificação do atendimento

às políticas do BNDES relativas às medidas de qualificação e

recolocação de trabalhadores se, em função do empreendimento

apoiado, ocorrer redução do quadro de pessoal; à proteção de

pessoas portadoras de deficiência; e à inexistência de práticas

de atos que importem em discriminação de raça ou gênero,

trabalho infantil ou trabalho escravo ou de outros atos que

caracterizem assédio moral ou sexual”. Tais políticas internas

não são claramente divulgadas ou passíveis de monitoramente

e verificação pela sociedade civil a ponto de considerarem-se

salvaguardas no sentido em que se aplicam ao Banco Mundial.

Por fim, o BNDES estabelece ainda diretrizes para a política

socioambiental, entre as quais: “atuar alinhado com as políticas

públicas e legislações vigentes, em especial com o disposto na

Política Nacional de Meio Ambiente” e “desenvolver e aperfeiçoar

permanentemente produtos financeiros voltados a objetivos de

cunho social e ambiental e incorporar critérios socioambientais

aos demais produtos, quando couber”. Além disso, estabelece três

critérios setoriais, analisados aqui com brevidade, que tampouco

são denominados salvaguardas.

Os “critérios socioambientais para o apoio ao setor de geração

elétrica”, ao contrário de responderem a uma das demandas

formais apresentadas ao Banco pela Plataforma BNDES para

a adoção de uma política pública de informação e de critérios

sociais e ambientais em seus financiamentos para o setor

hidroelétrico, definem somente limites máximos elegíveis

para termelétricas alimentadas por combustíveis fósseis (óleo e

carvão mineral).

Como a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente

(Conama) 382, de 2006, não incluiu as termelétricas quando

estabeleceu limites de emissão de poluentes à atmosfera por

fontes fixas, como fez para as indústrias de celulose, cimento

e siderurgia, delegou o estabelecimento de normas específicas

para fontes com relevância regional, como o carvão mineral,

aos estados. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a articulação

das indústrias do setor carbonífero buscou, a partir de 2007 no

Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), a definição

de limites máximos acima dos permitidos nos licenciamentos

dados pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam)

nas últimas décadas. O objetivo era a criação de um novo

mercado de licenças de poluição para aqueles empreendimentos

que, ao contribuírem com a poluição instalando novas

termelétricas a carvão, pudessem ainda assim negociar “créditos

de poluição” por não usarem uma cota máxima e extremamente

permissiva estabelecida sob sua influência por resolução

estadual. Já o BNDES, responsavelmente, estabelece limites mais

restritivos em comparação a esta malfadada iniciativa, visando à

utilização das melhores tecnologias disponíveis, ainda que com

limites duas vezes superiores ao recomendado na época por

técnicos da Fepam26.

Todavia, cabe questionar o papel do BNDES na definição

de tais limites em substituição às políticas de saúde pública e

meio ambiente que o Estado teria o dever de promover para

71

assegurar o direito constitucional dos cidadãos a um ambiente

equilibrado. Nesse sentido, cabe questionar também o seu

financiamento à expansão de empreendimentos que usam

fontes obsoletas e altamente poluentes de geração de eletricidade

e com reconhecidos passivos ambientais no Brasil, como o

carvão mineral, além de empresas com registro de passivos já

reconhecidos pelo próprio BNDES e que exploram os leilões de

termelétricas fósseis, como a Bertin e a MPX27.

Já as “diretrizes e critérios ambientais para o apoio ao açúcar

e ao álcool” tiveram como clara motivação as denúncias

dos movimentos reunidos no I Encontro Sul-Americano de

Populações Impactadas por Projetos Financiados pelo BNDES,

realizado em novembro de 2009, no Rio de Janeiro, e as

proposições elaboradas pela ONG Repórter Brasil, em 201128.

Esta organização avalia que as políticas de salvaguarda do

BNDES carecem de transparência e foco, ainda que tenham

avançado com a criação de critérios específicos para o

financiamento do setor da pecuária e a assinatura de um termo

de cooperação com o Ministério Público do Trabalho (MPT), de

modo a não financiar empresas que praticam trabalho escravo

ou infantil.

Para o ramo sucroalcooleiro, a Repórter Brasil sugeriu

mecanismos específicos para a análise de riscos socioambientais

e o acesso e controle públicos dos critérios e das operações para

este setor. Além disso, demandou procedimentos de cobrança

de cumprimento de suas salvaguardas, medidas cabíveis de

ajustes e sanções e condições de monitoramento dos impactos

dos projetos financiados, dando publicidade às ações de

auditoria e de sua metodologia, bem como às sanções aplicadas.

Quanto aos casos com condenação por crimes ambientais e

de trabalho escravo, sugere a adoção de medidas por parte do

BNDES independente de sua inclusão nas listas do MTE e do

Ibama e a adoção de uma política de acolhimento de denúncias

e recomendações dos ministérios públicos, considerando,

prioritariamente, a tramitação de ações correntes na justiça

que possam implicar o impedimento do desenvolvimento da

atividade fim como barreira para o repasse de recursos, até que as

questões tramitem em julgado.

O BNDES divulgou na sua política setorial para a cana, em

2012, o acolhimento de parte destas recomendações, assim

como das Resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN)

nº 3.813 e 3.814, de 26 de novembro de 2009, que condicionam

o crédito rural e agroindustrial para a expansão da produção

e da industrialização da cana-de-açúcar ao zoneamento

Agroecológico e vedam o financiamento da expansão do

plantio nos biomas Amazônia e Pantanal e na Bacia do Alto

Paraguai, entre outras áreas. O BNDES informa que a falsidade

das declarações e/ou informações requeridas por parte do

beneficiário poderia acarretar o vencimento antecipado dos

contratos, sem prejuízo da aplicação das sanções legais cabíveis,

mas não especifica seus próprios mecanismos de avaliação de

conformidade com tais critérios.

Por fim, as “diretrizes específicas para a concessão de apoio

ao setor de pecuária bovina” respondem a um processo

de campanhas e denúncias da sociedade civil organizada,

que contou também com o apoio do Ministério Público e

denúncias do Tribunal de Contas da União (TCU), envolvendo

o BNDES, grandes empresas como a Bertin e as ações de

desmatamento ilegal29.

Tais exemplos, ao mesmo tempo que expõem as fragilidades

do BNDES, sua preocupação diante das críticas da sociedade

civil organizada e a efetividade das denúncias e protestos sociais,

explicita os limites e as contradições entre os interesses do Banco

e sua tentativa de adequação e legitimação destes através de sua

política socioambiental.

Indica também que a setorização de diretrizes ou salvaguardas

confere um duplo padrão ao Banco ao lidar com determinados

setores em detrimento de outros que não estejam sob a mira da

sociedade organizada ou com pressão suficiente para influenciar

as ações do Banco.

Desta forma, a Plenária dos Movimentos Sociais, realizada

em Brasília em maio de 201230, defendeu e desafiou o BNDES

a: ampliar a aplicação da determinação do TCU quanto às

salvaguardas contratuais para casos de superfaturamento para

72

todos os projetos financiados pelo Banco, e não apenas para

aqueles realizados no âmbito da Copa do Mundo de 2014;

não financiar empresas com ações tramitando na justiça, e

a suspender suas atividades fins, não se limitando aos casos

de empresas condenadas em última instância; financiar

massivamente a agricultura familiar e campesina, a diversificação

da matriz energética e produtiva do país, a infraestrutura social

de transporte e saneamento públicos, o micro e pequeno

empreendimento e os empreendimentos da economia solidária.

Considerações finais

O Banco Mundial nunca teve salvaguardas para o seu projeto

neoliberal. Soube muito bem capturar a crítica da sociedade civil e

neutralizá-la em processos de consulta, participação, construção

e tentativas frustradas de uso de mecanismos complexos de

transparência e responsabilidade (accountability), bem como criar

os caminhos para desviar-se da sua própria burocracia para a

execução de projetos polêmicos e o aprofundamento do modelo

de “desenvolvimento”, entre eles o repasse de recursos para outras

instituições financeiras como o BNDES.

Através da sua capacidade de formulador de opinião, de

pensamentos e de políticas liberais, forjou consensos e a

aceitação social às suas teses, velhas ou novas. Atua nesse

sentido desde a disseminação da ideologia dos pós-guerra,

passando pelos processos de privatização e liberalização da

economia, pela maquiagem do desenvolvimento sustentável

e, mais recentemente, pela forçada união de setores e classes

em nome da proteção ambiental e do enfrentamento da crise

do clima. Também é parte do modus operandi do Banco a

forçosa tentativa de conciliação contraditória entre crescimento

econômico, degradação ambiental e aumento da lucratividade

com a escassez dos serviços ambientais dos bens comuns,

promovida pela economia verde. O Banco atua também

com o claro propósito de invisibilizar a luta e a emergência e

convergência de novas classes, para além dos trabalhadores

formalizados, como mulheres, indígenas, camponeses e

populações atingidas no campo, na cidade ou na floresta.

A Rede Brasil, ao longo dos seus 17 anos de atuação, se pautou

pela construção dos caminhos da transparência, do controle

social e da incidência, tendo como aliados atores políticos

nacionais, como os movimentos sociais e o Parlamento, e redes

internacionais, de modo a escrutinar, denunciar e resistir às

formas de implementação do modelo neoliberal pelo Banco

Mundial e suas consequências.

Já o BNDES não tem política de informação suficiente sobre

sua carteira de projetos. Não tem mecanismos de participação

e transparência na discussão e construção de sua política

socioambiental. Esta foi resultado de uma condicionante de

um empréstimo do Banco Mundial para eficientizar a gestão

ambiental no Brasil. Tal como o Banco Mundial se reinventou

e se recapitalizou com o discurso da crise climática e a

preocupação ambiental, e agora se fortaleceu assim como o

FMI com a crise financeira, o BNDES segue a mesma cartilha.

Cresce privilegiando grandes conglomerados de corporações

nacionais e aprofundando o modelo agroexportador

extrativista, ao mesmo tempo que cria novos fundos e

produtos financeiros para lucrar com os mercados da escassez

ambiental. Estes fundos captam recursos no exterior e com

os grande projetos desenvolvimentistas nacionais, como

a exploração do pré-sal, e geram ativos e saúde financeira

para o Banco, assim como para estas próprias corporações

que têm, por força das políticas públicas de nova geração

recomendadas, entre outros pelo Banco Mundial, obrigação

de adquirir títulos no mercado para a compensação de seus

impactos sociais e ambientais não evitados pela burocrática

política de salvaguardas.

Cria-se, assim, um complexo círculo vicioso, que não

dispensa uma intrincada arquitetura financeira e de

comunicação para maquiar a realidade de verde e impor

uma tênue, porém eficaz, aceitação social, apresentada como

suposto consenso e capaz de abafar, neutralizar e invisibilizar

conflitos latentes e a resistência à imposição do modelo

neoliberal sobre os territórios e a vida das pessoas.

73

1 GONÇALVES, Reinaldo. O Banco Mundial no Brasil: da guerra de movimento à guerra de posição - Análise do documento ‘Estratégia de Parceria com o Brasil, 2008-2011’. Rede Brasil, janeiro de 2009, em: http;//www.rbrasil.org.br

2 Ver edições III e IV da revista Contra Corrente, da Rede Brasil em: http://www.rbrasil.org.br

3 MC ELHINNY, Vincent. Empréstimos de política ambiental do Banco Mundial ao BNDES - deslocando o dinheiro ou o meio ambiente? Movendo dinheiro ou consolidando uma política ambiental? Bank Information Center, setembro de 2009, em: http://www.bicusa.org/es/Article.11453.aspx

4 http://www.mma.gov.br/apoio-a-projetos/tal-ambiental-assistencia-para-agenda-sustentavel 5 ALAM, Sultan. Projeto Rio Madeira – Estudos Hidráulicos e de Sedimentos: Relatório Preliminar. Ministério das Minas e Energia. Brasília, janeiro de 2007.

6 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: a tentativa de garantir o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Adital, julho de 2009, em: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?cod=40702&lang=PT

7 Ver correspondência entre Rede Brasil e Banco Mundial em: http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Resposta+do+Banco+Mundial+a+carta+da+sociedade/10653 8 Em Brasília, 22 de dezembro de 2005, 10 e 23 de fevereiro e 21 de junho de 2006, do Relatório da Rede Brasil 2006.

9 Ver sobre o Termo de Cooperação entre MMA e Fboms em: http://www.fboms.org.br/files/energia/Termo_coopFBOMS_MMA.pdf 10 Ver sobre Avaliação de Equidade Ambiental em: http://www.justicaambiental.org.br/projetos/clientes/noar/noar/UserFiles/17/File/Encarte_AEA_2ed.pdf

11 BANCO MUNDIAL. Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Hidrelétricos no Brasil: uma contribuição para o debate. Banco Mundial, março de 2008, em: http://siteresources.worldbank.org/INTLACBRAZILINPOR/Resources/Relatorio_PRINCIPAL.pdf

12 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: a tentativa de garantir o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Adital, julho de 2009, em: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?cod=40702&lang=PT13 Ver notícia sobre empréstimo do Banco Mundial para o Projeto de Assistência Técnica dos Setores de Energia e Mineral (Meta) em: http://pmdb.jusbrasil.com.br/politica/8446719/lobao-contrato-que-beneficia-projetos-no-setores-de-energia-e-mineral 14 TAUTZ, C.; Siston, F.; Lopes Pinto, J. B.; Badin, L. O BNDES no período Lula e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário. In: CORECON e Centro de Estudos para o Desenvolvimento. Os anos Lula - contribuições para um balanço crítico 2003/2010. Ed. Garamond, 2010, em: http://www.plataformabndes.org.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=67&Itemid=29

15 AMIGOS DA TERRA INTERNACIONAL. REDD, as realidades em branco e preto, novembro de 2010, em: http://www.foei.org/redd-realities-pt 16 Dados do Banco Mundial em: http://climatechange.worldbank.org/content/climate-finance-and-world-bank-facts 17 Dados do Fundo Amazônia em: http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/export/sites/default/site_pt/Galerias/Arquivos/Informes_Portugues/2012_07_20_informe_15jul12_portugues.pdf

18 Dados do Fundo Amazônia em: http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/fam/site_pt/Esquerdo/Doacoes/

19 Ver sobre o Fundo Clima, em: http://www.ecodebate.com.br/2010/10/27/decreto-regulamenta-fundo-nacional-sobre-mudanca-do-clima-fnmc-ou-fundo-clima/

20 WORLD BANK. Brazil low carbon country case study, maio de 2010 em: http://siteresources.worldbank.org/BRAZILEXTN/Resources/Brazil_LowcarbonStudy.pdf

21 Ver entrevista com análise sobre o estudo ABC, do Banco Mundial, em: ohttp://www.ecodebate.com.br/2010/07/02/estudo-de-baixo-carbono-brasil-uma-reciclagem-do-discurso-dos-velhos-atores-entrevista-com-lucia-ortiz-e-camila-moreno/

22 Dados do Programa ABC em: http://www.agricultura.gov.br/desenvolvimento-sustentavel/programa-abc

23 Dados do Programa AB em: http://www.agricultura.gov.br/abc/ 24 Dados do BNDES em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Programas_e_Fundos/abc.html

25 Da Política Socioambiental do BNDES em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Politicas_Transversais/Politica_Socioambiental/analise_ambiental.html

26 ECOAGÊNCIA. Governo do RS muda representantes em colegiado para tentar aprovar limites de poluentes das usinas a carvão fora de qualquer bom-senso em: http://nejrs.blogspot.com.br/2008/08/governo-do-rs-muda-representantes-em.html e Ambiente Já, 2008: Governo Yeda manipula Consema para aumentar tolerância com poluição de termelétricas em: http://ambienteja.info/ver_cliente.asp?id=130859

27 Com dificuldades para tocar seus projetos, Bertin negocia venda de ativosGrupo ofereceu usinas termoelétricas a alguns investidores, entre eles a MPX, de Eike Batista,23 de fevereiro de 2011, em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,com-dificuldades-para-tocar-seus-projetos-bertin-negocia-venda-de-ativos,683229,0.htm

28 REPóRTER BRASIL. O BNDES e sua política socioambiental: uma crítica sob a perspectiva da sociedade civil organizada, fevereiro de 2011, em: http://www.reporterbrasil.org.br/documentos/BNDES_Relatorio_CMA_ReporterBrasil_2011.pdf

29 BNDES ajudou a patrocinar desmatamento da Amazônia, diz TCU: a auditoria aponta falha na coordenação dos programas do governo, a cargo da Casa Civil, 23 de outubro de 2010, em: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,bndes-ajudou-a-patrocinar-desmatamento-da-amazonia-diz-tcu,628829,0.htm

30 Carta aberta da Plenária dos Movimentos Sociais ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, 2 de maio de 2012, em: http://cupuladospovos.org.br/wp-content/uploads/2012/05/CartaAberta-1.pdf

* Lucia Ortiz é Coordenadora do Programa Justiça Econômica – Resistência ao Neoliberalismo – Amigos da Terra Internacional e Membro da Coordenação Nacional da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais.

74

O BNDES financia a transnacionalização das empresas brasileiras: exportação de violações

O presente estudo examina os efeitos causados pelos

contratos de financiamento de instituições financeiras

na violação de normas nacionais e internacionais

de proteção e promoção dos Direitos Humanos Econômicos,

Sociais, Culturais e Ambientais (Dhescas) de grupos e populações

vulneráveis. São também examinadas as possibilidades de

aplicação dos instrumentos jurídicos, por parte do Ministério

Publico ou da sociedade civil, para o fortalecimento da

implementação dos Dhescas na promoção da justiça ambiental1,

sob a perspectiva da responsabilidade solidária dos bancos,

especialmente do Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES), por se tratar de uma instituição

financeira pública.

Diante das desigualdades econômicas e das injustiças

ambientais2 a que estão submetidas as comunidades pobres

no Brasil, a Rede Brasil solicitou que este estudo examinasse as

seguintes questões:

a) Como avançar no acesso das comunidades afetadas e

organizações sociais às vias legais de corresponsabilização

dos agentes financeiros por violações de acordos e leis sociais

e ambientais?

b) As vias legais de corresponsabilização podem ser formas de

pressão política por mudanças nos rumos e nas práticas

do BNDES?

A responsabilidade do BNDES pelas violações aos direitos humanosJadir Anunciação de Brito*

Breve resumo histórico

O BNDES, a partir de 19763, passou a incoporar a variável

ecológica nos seus negócios através de mecanismos de

mercado que favoreceram a apropriação do capital sobre a

natureza por instrumentos financeiros. Para uma compreensão

desta financeirização da natureza é importante compreender

que naquele período crescia o debate internacional sobre o

desenvolvimento sustentável, sobretudo em decorrência dos

inúmeros impactos socioambientais das atividades econômicas

e das decisões da I Conferência da Organização das Nações

Unidas (ONU) sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em

Estocolmo, na Suécia, em 1972. Estas medidas contratuais

ambientais do BNDES passaram a ser implementadas mesmo

antes da Lei 6938/81, que estabeleceu o conceito de “poluidor-

pagador”, bem como o modelo regulatório de responsabilidade

bancária sobre o destino dos financiamentos, e criou os marcos

gerais dos condicionantes para a regulação do uso da natureza

na perspectiva formal do desenvolvimento sustentável.

Na década de 1980, a conjuntura internacional passou cada vez

mais a incorporar o debate ambiental, inclusive associando-o

aos interesses de mercado. Esta conjuntura foi pressionada

pelos movimentos sociais internacionais e também pelos

crescentes impactos na natureza e nas populações mais pobres,

75

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que passaram a sofrer diretamente os danos das externalidades

ambientais e sociais geradas pelo capitalismo industrial.

A demanda por uma regulação ambiental internacional

caracaterizadora da responsabilidade ambiental das instituições

financeiras passou a ser pautada em vários países. A inclusão

da variável ecológica nas atividades das instituições financeiras,

em especial o BNDES, ganhou organicidade a partir do

intercâmbio destas com o Banco Mundial, que promoveu a

inclusão institucional da agenda ecológica nos bancos a partir

da criação de requisitos formais de sustentabilidade como

condição para apoio aos projetos de financiamento. Houve,

inclusive, a criação de linhas específicas de financiamento

para a implementação de projetos industriais de conservação e

recuperação do meio ambiente sem nenhuma vinculação com

compromissos no combate das desigualdades e da pobreza

causadas pelos danos ambientais.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

o Desenvolvimento, a Rio 92, influenciada por uma grande rede

de atores políticos dos movimentos sociais e das Organizações

Não Governamentais (ONGs), aprovou princípios e mecanismos

formais para a promoção do denominado desenvolvimento

sustentável. Embora com baixa implementação e poucos

impactos sobre as externalidades ambientais, os princípios e

mecanismos formais, entre outras funções, estabeleceram a

regulação das instituições financeiras através da possibilidade da

sua responsabilidade solidária no destino dos financiamentos4.

Entretanto, estes mecanismos tiveram um efeito adverso ao

favorecer o surgimento de uma espécie de mercado da natureza

institucionalizado, pelo qual os recursos ambientais passaram a

ser mais um ativo da revalorização e da reprodução do capital.

No Brasil, a Rio 92 favoreceu uma crescente retórica do

desenvolvimento sustentável ou da sustentabilidade ambiental,

presente nas concepções das políticas públicas, nos modelos

regulatórios e nos projetos de desenvolvimento econômico

que se dirigiram para a criação de condições do surgimento

do chamado “mercado verde”, da capitalização da natureza5

ou ainda do indeterminado conceito de “economia verde”. A

variável ecológica nos contratos de financiamento bancário foi

um instrumento de revalorização do capital, da renda da terra

e da expansão da indústria, especialmente da construção civil,

do agronegócio e do comércio, causando conflitos ambientais,

supressão de direitos historicamente conquistados e impactos

que agravaram a pobreza e as desigualdades social e ambiental6.

Nos anos 1990, o governo brasileiro instituiu, por meio da Lei

6938/81, a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), ainda

em vigor. Esta Política criou os conceitos de poluidor-pagador

e de responsabilidade financeira ambiental e, formalmente,

estabeleceu condicionantes ambientais para a contratação

de operações bancárias, para atividades industriais, para o

licenciamento ambiental, o Sistema Nacional do Meio Ambiente

(Sisnama) e a fiscalização administrativa dos órgãos ambientais.

O licencimento ambiental, prescrito no modelo regulatório

brasileiro dos anos 1980, já estabelecia condições “verdes” para

a apropriação capitalista da natureza, especialmente ao regular

os condicionantes ecológicos e sociais para o financiamento

bancário a empreendimentos geradores de impactos ambientais

e violações de direitos. A instituição da responsabilidade

bancária solidária pelo destino dos financiamentos, de forma

adversa, fortaleceu uma financeirização das políticas públicas

ambientais, seja pelas condicionantes ambientais estabelecidas

como critérios para a liberação de financiamentos bancários,

seja pelo favorecimento de uma ambientalização das instituições

financeiras por meio da retórica ambiental para a expansão do

capital financeiro.

Houve uma baixa eficácia da implementação da

responsabilidade bancária. Por outro lado, houve um aumento

das normas contratuais bancárias relativas à responsabilidade

das instituições financeiras. Dois exemplos são as disposições

aplicáveis aos contratos do BNDES e as normas e instruções

de acompanhamento previstas na resolução nº 665/877. Estas

disposições aumentaram o controle sobre a liberação dos

recursos financeiros e dos condicionantes contratuais formais

para essa liberação sem, contudo, inovarem na aplicabilidade

e na fiscalização dos impactos da aplicação deles. Estes

76

condicionantes significam que o próprio banco, por imposição

legal, reconheceu os riscos ambientais e sociais dos seus

financiamentos e, consequentemente, a sua corresponsabilidade

ou responsabilidade solidária pelo destino deles. No entanto,

embora tenha prescrito condicionantes contratuais, o BNDES

não estabeleceu mecanismos bancários de monitoramento,

fiscalização e controle dos impactos gerados na destinação dos

recursos liberados. Essa circunstância transcorreu apesar de o

Banco possuir mecanismos legais, contratuais, para a resilição

ou rescisão contratual, bem como outros, a exemplo dos Termos

de Ajustamento de Conduta (TACs) e do ajuizamento de ações

de responsabilização dos seus financiados pelo descumprimento

dos condicionantes socioambientais contratuais e pelos

impactos gerados. Não há informações de precedentes da

utilização destas medidas jurídicas legais e contratuais para

fins de exigir dos financiados o cumprimento de cláusulas

contratuais relativas aos eventuais danos socioambientais

decorrentes da aplicação dos recursos.

Ainda na década de 1990, os marcos regulatórios ambientais

brasileiros favoreceram o aprofundamento da financeirização

das políticas públicas ambientais e da ambientalização dos

investimentos econômicos. Este processo é consolidado por

meio de várias iniciativas institucionais, a exemplo do Protocolo

Verde e das resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente

(Conama), que estabeleceram condicionantes para a liberação de

financiamentos por meio de resoluções, como as nº 001/86, nº

006/86 e nº 237/97.

A legislação da responsabilidade ambiental brasileira, formada

nos anos 1980 e 1990, permitiu ao setor financeiro, a exemplo

do BNDES, desenvolver, mais recentemente, um conjunto de

ativos financeiros para a denominada “economia verde”8, cujo

objetivo imediato era a reprodução do capital financeiro no

Brasil, que favoreceu a consolidação de um mercado da natureza

que expandiu os seus investimentos mesmo com violações dos

Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais

(Dhescas)9. A responsabilidade ambiental bancária brasileira

pouco favocereu a implementação das políticas públicas de

fiscalização de controle, de manejo, uso dos serviços e recursos

ambientais, tampouco estabeleceu um desenho institucional

justo e democrático de apropriação social da natureza capaz de

orientar condições para a sustentabilidade fora dos parâmetros

de desenvolvimento orientado pela mercantilização da natureza

e da vida. Assim, o BNDES, mesmo antes da Rio 92 e sob a

orientação do Banco Muncial, já buscava condições de liberação

de financiamento de modo que permitisse condições formais de

inclusão da variável ambiental na liberação de financiamento:

“Em 1989, foi criada a primeira unidade ambiental do BNDES,

cuja atribuição foi coordenar o processo de internalização da

variavel ambiental nos procedimentos operacionais do Banco. As

operações passaram a receber classificação de acordo com o seu

impacto ambiental”.

Sob a influência da Rio 92 e da retórica do desenvolvimento

sustentável, o capital financeiro é estruturado juridicamente de

forma a possuir mais segurança para a sua reprodução. O BNDES

declarou que “assinou acordos internacionais que visavam à

recuperação de áreas ambientalmente degradadas, como o

contrato de financiamento do Programa Nacional de Controle da

Poluição Industrial, assinado com o Banco Mundial e o Eximbank

do Japão (atual JBIC), no valor total de US$ 100 milhões”10.

O Banco Mundial criou um conjunto de estratégias adotadas

pelo BNDES através de mecanismos como o Empréstimo

Programático de Política para o Desenvolvimento em Gestão

Ambiental Sustentável (SEM DPL, sigla em inglês de Sustainable

Environmental Management Development Policy Loan), que

permitiram a consolidação da organização do capitalismo

financeiro “verde” no Brasil através da financeirização das

políticas públicas ambientais, da flexibilização da legislação

ambiental e da minimização da promoção e da proteção

dos Dhescas nos conflitos ambientais11. A introdução dos

Empréstimos de Política para o Desenvolvimento (DPLs, sigla em

inglês), como uma forma de condicionalidade flexibilizada12 para

os negócios das instituições financeiras, criou condições “verdes”

para a reprodução do capital, especialmente na América Latina.

No Brasil, a criação da Diretoria de Meio Ambiente no BNDES

77

está relacionada à implementação do SEM DPL, cuja função

seria criar instrumentos para o desenvolvimento em Gestão

Ambiental Sustentável no Brasil, com apoio financeiro

do Banco Mundial. Entretanto, os SEM DPLs representam

mais do que exigências formais de contratos para a

liberação de recursos do capital financeiro internacional,

ou aportes de recursos financeiros internacionais. Os

SEM DPLs se constituíram em um modelo de política

ambiental e financeira com a introdução de instrumentos

da chamada ecoeficiência, a exemplo dos Mecanismos

de Desenvolvimento Limpo (MDLs), das tecnologias para

a redução do desmatamento na Amazônia e dos usos

dos recursos hídricos, entre outros, que expressamente

permitiram uma apropriação da natureza pelo capital13.

O comprometimento da política de salvaguardas

socioambientais do BNDES, a partir de 2008, não atendeu aos

princípios da informação e da participação ambiental, sendo

as resultantes desta política a revalorização do capital no

mercado contemporâneo, e não propriamente a construção

de instrumentos capazes de combater as desigualdades e

injustiças socioambientais14, assegurando a apropriação social

da natureza pelas populações mais pobres15, para acesso,

manejo e uso sustentável dos recursos e serviços ambientais16.

Os MDLs não favoreceram a implementação dos Dhescas,

posto que estes mecanismos são instrumentos de políticas

públicas de mercado cuja centralidade não é a sustentabilidade

socioambiental, mas sim a reprodução do capital financeiro

por meio da “economia verde”17. Além disso, eles causam mais

injustiças ambientais às populações vulneráveis18.

Marco regulatório sobre a responsabilidade ambiental

dos agentes financeiros

O marco regulatório da responsabilidade ambiental do

capital, inclusive o financeiro, por danos socioambientais, entre

outros dispositivos, está contido no artigo 225, parágrafo 3º da

Constituição Federal de 198819:

CAPÍTULOVI

DO MEIO AMBIENTE

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se

ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preserva-lo para as presentes e futuras gerações.

(...) § 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica

obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de

acordo com solução técnica exigida pelo órgão público

competente, na forma da lei.

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas

ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas

físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,

independentemente da obrigação de reparar os danos

causados.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização

do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames

da justiça social, observados os seguintes princípios:

VII - redução das desigualdades regionais e sociais.

Conforme dispõem os artigos 225 e 170, inciso VII da

Constituição Federal, as condutas e atividades consideradas

lesivas que possam causar danos sociais e ambientais sujeitam

os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e

administrativas, independente da obrigação de reparação dos

danos. Os danos causados pelo poluidor ao ambiente e às

populações, inclusive por instituições financeiras como o BNDES,

são uma responsabilidade Civil Objetiva, Cumulativa e Solidária.

Estes danos acarretarão a responsabilidade civil objetiva, na

qual não será permitido ao poluidor alegar as excludentes de

caso fortuito, força maior ou culpa de terceiros para se excluir

78

das obrigações de reparação dos impactos sociais e ambientais

gerados por suas atividades. Comprovada a autoria dos danos,

poderão ser aplicadas, de forma cumulativa, sanções civis – para

reparação em dinheiro ou in natura; sanções penais – inclusive

para as empresas e bancos; e sanções administrativas, que

também podem ser aplicadas em conjunto com as anteriores

e poderão levar à interdição definitiva das atividades da pessoa

jurídica. A responsabilidade ambiental pelos impactos sociais e

ambientais é considerada solidária, pois o poluidor indireto, a

exemplo das instituições financeiras, pode ser responsabilizado

conforme a Lei 6938/81.

A responsabilidade das instituições financeiras pelo destino

dos financiamentos ambientais é expressamente prevista

nesta mesma Lei20, que disciplina a Política Nacional do Meio

Ambiente nos seus artigos 3, 4, 12 e 14. Em seu artigo 3, esta Lei

prescreve que os poluidores podem ser os responsáveis diretos

ou indiretos pelos impactos sociais e ambientais. No artigo 12,

prescreve expressamente que as entidades de financiamento,

bem como os órgãos de financiamento e incentivo

governamental, condicionarão a aprovação de projetos às

normas estabelecidas pelo Conama. O mesmo artigo prescreve,

ainda, que estas entidades condicionarão a aprovação de projetos

habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma desta

lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões

expedidos pelo Conama. O artigo 14 afirma que “sem obstar a

aplicação de penalidades previstas neste artigo, é o poluidor

obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar

ou reparar os danos causados no meio ambiente”.

Outro fundamento jurídico para a responsabilidade

bancária ambiental é o decreto regulamentador no 99.274/90,

que regulamenta a Lei 6938/81 e define o “poluidor” como:

pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,

responsável direta ou indiretamente por atividade causadora

de degradação ambiental. Sob esta premissa surge uma

vertente interpretativa da responsabilidade socioambiental

das instituições financeiras.

A responsabilidade ambiental por danos sociais e ambientais

pode ser causada pelo poluidor direto e indireto. Na hipótese

de poluidor indireto – a exemplo das instituições financeiras

responsáveis por financiamentos causadores de danos à natureza

e às populações –, juridicamente, a responsabilidade civil será

solidária, ou seja, todos que na cadeia causal tenham contribuído

para a atividade que causou o dano social e ambiental são

considerados passíveis de serem corresponsáveis na reparação

dos danos. É importante mencionar que a responsabilidade

civil do poluidor, além de solidária, é objetiva, nos termos da

Constituição e da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente,

posto § 1º do artigo 14, que estabelece que a obrigação de reparar

os danos ambientais surge, independentemente da existência de

culpa, ou seja, da imperícia, da imprudência e da negligência:

“Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas

pela legislação federal, estadual e municipal, o não

cumprimento das medidas necessarias à preservação

ou correção dos inconvenientes e danos causados

pela degradação da qualidade ambiental sujeitara os

transgressores:

§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas

neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente

da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos

causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados

por sua atividade. O Ministério Público da União e

dos estados tera legitimidade para propor ação de

responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao

meio ambiente”21.

Como expõem os estudos e pesquisas jurídicas22, a interpretação

das instituições financeiras de serem consideradas solidárias

com o destino do financiamento do projeto que cause danos

sociais e ambientais pressupõe a relação entre a responsabilidade

civil objetiva e a teoria do risco integral. Para tanto, para que

se considere a hipótese da reparação do dano ambiental, as

instituições financeiras devem ser consideradas responsáveis pelas

consequências do destino dos seus financiamentos.

79

A Lei 6938/81 estabelece ainda no seu texto a hipótese

normativa da responsabilidade das instituições pelos recursos

destinados ao financiamento de projetos que tenham risco

de causarem impactos ambientais, à medida que estabelece

que cabem obrigações pelo estabelecimento de exigências

contratuais para diminuir os riscos ambientais por meio

de condicionantes. Trata-se da teoria do risco integral que,

agregada com a variável da natureza, implica o conceito do risco

socioambiental do investimento, conforme o artigo 12 desta

mesma Lei:

“Art. 12 - As entidades e órgãos de financiamento e

incentivos governamentais condicionarão a aprovação de

projetos habilitados a esses benefícios de licenciamento,

na forma desta Lei, e ao cumprimento das normas, dos

critérios e dos padrões expedidos pelo Conama.

Paragrafo único. As entidades e órgãos referidos no

caput deste artigo deverão fazer constar dos projetos

a realização de obras e aquisição de equipamentos

destinados ao controle de degradação ambiental e à

melhoria de qualidade do meio ambiente”.

Os condicionantes legais, assim como as licenças ambientais

estabelecidas pela Política Nacional do Meio Ambiente para a

concessão de financiamentos por instituições financeiras para

atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, caracterizam

a responsabilidade ambiental das instituições financeiras pelo

destino do financiamento ambiental.

Esta responsabilidade não está circunscrita aos aspectos

civis e administrativos, mas também abrange a imputabilidade

penal da pessoa jurídica e seus diretores nos termos da Lei

9.605/98, de Crimes Ambientais e sanções administrativas. Os

impactos ambientais gerados pelas instituições financeiras

poderão gerar a aplicação da responsabilidade ambiental

conforme os artigos 2, 3 e 4 da Lei de Crimes Ambientais. É

importante destacar que o parágrafo único do artigo 3 desta

Lei prescreve que a responsabilidade das pessoas jurídicas não

exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes

do mesmo fato. Ou seja, poderá haver responsabilidade penal

ambiental das instituições financeiras, por danos ambientais e

sociais diretos ou indiretos, desde que provada a culpabilidade

dos acusados. Assim, nos casos de financiamentos ambientais

causadores de poluição indireta, as instituições financeiras

poderiam ser denunciadas por meio das figuras penais de

partícipe ou da coautoria de crimes ambientais pelos impactos

socioambientais gerados.

Este exame da legislação brasileira leva à conclusão

de que as instituições financeiras, ao liberarem

financiamentos para projetos com potencial poluidor ou

causador de efetivo dano social e ambiental, poderão ser

responsabilizadas de forma objetiva, cumulativa e solidária

na fase de pré-aprovação e concessão de financiamento,

na fase pós-concessão de financiamento e respectiva

assinatura do contrato de financiamento ou na aplicação

das verbas financiadas.

Outro argumento relevante para a responsabilização das

instituições financeiras por impactos ambientais e a criação

de desigualdades sociais é a regulação do sistema financeiro

nacional, que expressamente prescreve a possibilidade da

corresponsabilidade ou da responsabilidade civil solidária

das instituições financeiras e seus diretores pelos danos

causados por suas atividades de financiamento ou por

qualquer irregularidade na sua concessão de crédito que

contrarie a legislação. Além disso, compete ao Banco Central

fiscalizar os contratos bancários de concessão de crédito para

apurar atos irregulares das instituições e de seus diretores,

havendo prescrições expressas para que, independente das

sanções penais e administrativas, haja a possibilidade da

responsabilidade civil objetiva e solidária por irregularidades

na liberação do financiamento bancário23. Ora, esta hipótese

consolida os argumentos da possibilidade da responsabilidade

civil bancária, objetiva e solidária pelos financiamentos

ambientais causadores de impactos socioambientais e

desigualdades sociais.

80

Salvaguardas do BNDES: flexibilização

da legislação socioambiental e financeirização

das políticas públicas ambientais

Uma das linhas de financiamento do BNDES que causam

danos socioambientais é aquela dirigida para os projetos de

implantação da silvicultura do eucalipto que, face à natureza dos

modelos dos empreendimentos agrários, são caracterizados como

monoculturas. A monocultura do eucalipto requer cultivo em

largas extensões territoriais, comprometendo o desenvolvimento

de culturas agrícolas de pequenas escalas. Como aponta

Vandana Shiva24, as monoculturas são consideradas geradoras

de impactos territoriais e ambientais materiais e imateriais. Estes

impactos ocasionam o empobrecimento territorial, a diminuição

da biodiversidade e desigualdades sociais e econômicas no

desenvolvimento das populações devido à sua insustentabilidade

como modo de produção25.

Na dimensão simbólica, as monoculturas fomentam

reducionismos ideológicos sobre a produção e causam a

invisibilidade de sujeitos sociais e de seus saberes, reduzindo o

seu poder político. Os recursos financeiros aplicados no estado

do Espírito Santo nos empreendimentos relativos à monocultura

são geradores de severos conflitos socioambientais, como os

casos dos litígios nas comunidades indígenas dos Tupiniquim

e dos Guarani26 e na quilombola de Linharinho27. As disputas

nestes territórios transcorrem contra as políticas da apropriação

capitalista sobre os territórios e ambientes, que prejudicam a vida

das populações e a natureza presente nestas regiões. Conforme

informações dos estudos de caso apresentados no final desta

publicação, os movimentos sociais resistem contra este modelo

dominante da monocultura do eucalipto e, de forma propositiva,

fazem uso da política e do direito para reivindicar o uso adequado

do patrimônio natural da biodiversidade28.

No Rio de Janeiro, a aprovação da Lei 5.067/2007, que autoriza

a silvicultura do eucalipto, causou forte reação dos movimentos

sociais, sobretudo dos integrantes da Rede Alerta Contra o

Deserto Verde. Esta legislação é o principal instrumento formal

para a implantação da monocultura do eucalipto neste estado.

Ela criou uma contrapartida reduzida de 30% para até 15% de área

vegetal nativa a ser reflorestada pelas empresas, sem nenhuma

obrigação de compensações socioambientais para as populações

locais. Esta Lei permite a demarcação de áreas para a implantação

da monocultura do eucalipto, sem que haja participação social

e, em alguns casos, sem a elaboração do Estudo de Impacto

Ambiental (EIA) nem licenciamento ambiental. Atualmente,

esta Lei está sendo questionada por uma Ação Direta de

81

Inconstitucionalidade (ADIn) no Supremo Tribunal Federal (STF),

de autoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores na

Agricultura (Contag)29.

A monocultura de eucalipto cresce no Brasil a partir do vultoso

estímulo do capital financeiro público. Em 2005, a área ocupada

por esta atividade era de cerca de 3,4 milhões de hectares do

território nacional (65% das áreas de “florestas” plantadas). A

Aracruz Celulose, fundada em 1972, mas que já atuava no Espírito

Santo sob o nome de Aracruz Florestal, é a principal empresa

a realizar apropriações privadas de territórios para a expansão

da produção do eucalipto em larga escala. Em 2006, a área de

apropriação privada para o plantio do eucalipto em larga escala,

somente no Espírito Santo, já era de 208 mil hectares. A Aracruz

Celulose apresenta-se como uma significativa expressão do

capital financeiro fundiário no Brasil30 pois o seu controle

acionário é exercido pelos grupos Safra (28%), Lorentzen (28%),

Votorantin (28% - participação contraída da Mondi, em 4 de

outubro de 2001) e pelo BNDES (12,5%). Vale salientar que a

financeirização do capital fundiário indica ser caracterizada por

negociações de suas ações preferenciais nas Bolsas de Valores de

São Paulo, Nova Iorque e Madri31.

Conflitos territoriais e resistência social às políticas

ambientais e financeiras do BNDES

Os negócios da monocultura do eucalipto, financiados pelo

BNDES, causaram conhecidos impactos sociais e ambientais no

norte do Espírito Santo, como substituição da floresta de Mata

Atlântica por eucalipto; conflitos fundiários com comunidades

e povos autodeclarados tradicionais, com apropriações

privadas sobrepostas em áreas reivindicadas para preservação

permanente, como matas ciliares e terras ocupadas por pequenos

agricultores; alto consumo de recursos hídricos na produção do

eucalipto; devastação de nascentes e matas ciliares; e interrupção

de rios por barragens e estradas32.

Devido às apropriações indevidas da Aracruz Celulose, as

comunidades indígenas de Comboios, Caieiras Velhas e Pau

Brasil, famílias Tupiniquim e Guarani, passaram a ocupar

apenas 40 hectares de terras, cercadas por plantações de

eucalipto. A partir dos anos 1970, estas comunidades indígenas

organizaram-se em movimentos de resistência. As comunidades

autodeclaradas remanescentes de quilombos também se

envolveram em vários conflitos com a Aracruz Celulose para

que fossem respeitados os seus direitos33. Conforme o relatório

da Plataforma Dhesca, existem cerca de cem comunidades

quilombolas no Espírito Santo. Somente nos municípios de

Conceição da Barra e de São Mateus há 32 comunidades

quilombolas, agregando cerca de 1.200 famílias. Nesta área, a

situação jurídica é de uma apropriação privada por sobreposições

territoriais, com plantio de eucalipto, com uma taxa de ocupação

de 68% do total do seu território34. Nestes municípios, na área

do Sapê do Norte, encontram-se Linharinho, São Jorge, São

Domingos/Córrego de Santana (12.596 hectares), São Cristovão/

Serraria (8.500 hectares) e Córrego Angelim (12.945 hectares).

A Aracruz apropria-se de áreas destinadas à agricultura, o

que eleva os valores das terras, dificultando a implementação

da reforma agrária pelo Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária (Incra), conforme denuncia o Movimento dos

Trabalhadores Sem Terra (MST). Em 2003, havia cerca de 65

mil famílias esperando serem assentadas no Espírito Santo35.

Além dos múltiplos e conflituosos marcos de regulação de

uso do território, observa-se que os agentes do Estado por

meio dos poderes Judiciário e Executivo, na interpretação e

aplicação destas normas nos conflitos de apropriação territorial,

tomam decisões amparados em regras de sustentabilidade

constantes em procedimentos de licenciamentos ambientais.

Estas favorecem o avanço da liberação do financiamento das

apropriações e dos usos privados em detrimento da apropriação

social da terra e dos ambientes no Espírito Santo.

O capital financeiro do BNDES possui um papel ativo na

expansão da monocultura do eucalipto no Espírito Santo e

na Bahia, seja pela liberação de financiamentos públicos,

seja por decisões judiciais e administrativas justificadas em

legislações fundiárias e ambientais que permitem usos e

82

apropriações privadas de territórios e ambientes sobrepostas

a áreas historicamente ocupadas por povos e comunidades

autodeclaradas tradicionais (indígenas, quilombolas, pescadores

artesanais), pequenos agricultores e trabalhadores sem-terra.

Percebe-se também que a atual flexibilização ou liberalização

da legislação ambiental e as interpretações restritivas da função

social e ambiental da terra são outros fatores justificadores das

ações do Estado em favor da expansão do capital da monocultura

do eucalipto no Espírito Santo.

No capitalismo, a terra não possui valor econômico

próprio para a acumulação produtiva. O seu valor monetário

decorre da força de trabalho sobre o território. No campo, o

capital financeiro se dirigiu para investimentos fundiários,

empreendendo relações entre capital e propriedade da terra,

tomando a forma de capital financeiro fundiário36. Assim, a

valoração da terra como renda capitalizada decorre não só da

exploração da mais-valia dos trabalhadores, como também

dos encargos e lucros agregados à produção agrícola37 e das

possibilidades de valoração ambiental de territórios pelo capital

financeiro fundiário.

No contexto da crise ambiental do capitalismo contemporâneo,

os recursos ambientais são cada vez mais incorporados à

renda da terra como ativos financeiros de sua valorização. E as

instituições financeiras, sob o véu da retórica da sustentabilidade

ambiental, cada vez mais liberam financiamentos que atribuem

valor econômico às terras, aumentando, assim, as desigualdades

sobre as populações que as habitam38.

Desse modo, a terra e o ambiente de bem natural se

constituem em mercadoria. A “mercantilização da natureza”

não é um fenômeno novo39, foi um dos vetores da expansão

colonial, na qual o meio ambiente era matéria-prima para o

empreendimento do “progresso” do capital. A teoria da renda da

terra passa a ser reelaborada pela “renda da natureza”40, conforme

o modelo do neoliberalismo ambiental contido no conceito

de desenvolvimento sustentável41. O imaginário42 da natureza

capitalizada43 como discurso de apropriação da biodiversidade

está presente, por exemplo, nos projetos de monocultura44.

O enfrentamento aos impactos da crise ambiental45 e do

financiamento do desenvolvimento sustentável46 envolve

também disputas no campo ideológico do desenvolvimento e

da sustentabilidade. Incluem-se aí o “credo da ecoeficiência” e

a expertocracria47 como componentes presentes nas retóricas

dos sujeitos sociais capitalistas. Como aponta Leff, o discurso

do desenvolvimento sustentável simplifica a complexidade

dos processos naturais, destrói as identidades culturais, pois

as submete ao universalismo da tecnologia ambiental para

readaptar a natureza como meio de produção e riqueza48. A razão

instrumental do capitalismo, diante da crise ambiental, propõe

enfrentá-la por meio da criação das denominadas “tecnologias

limpas”, das biotecnologias das sementes transgênicas49, das

monoculturas e dos mecanismos de mercados de carbono

como os MDLs (Mecanismos de Desenvolvimento Limpo) - que

impulsionam o mercado dos recursos naturais, a exemplo dos

“mercados do ar”. Nas áreas urbanas o racionalismo instrumental

formula “respostas” à degradação ambiental, através de ações

políticas amparadas nos conceitos abstratos de cidades

sustentáveis e de sociedade de riscos50, sob a desconsideração

das injustiças socioambientais51. Todos estes conceitos e práticas

integram a objetividade da crise ambiental52. Assim, a degradação

é reduzida a um colapso objetivo, como consequência da

entropia do meio ambiente na produção capitalista.

Desse modo, a variável ambiental é incorporada à renda da

terra como um ativo financeiro para a sua valorização. Essa

representação do capital, discursivamente, toma contornos

preservacionistas nas apropriações do capital. Os processos de

globalização ou de mundialização53 firmam “consensos” verticais

sobre os modos de desenvolvimento, organização e participação

de sujeitos sociais na apropriação e uso de territórios e

ambientes. A expansão do capital sobre os territórios é legitimado

nos modelos de Estados territoriais54, instituidor de demarcações

de territórios jurídicos sobrepostos aos territórios ocupados

historicamente por povos e comunidades praticantes de relações

materiais e simbólicas55 com a natureza.

Contudo, na dimensão local, os “consensos” verticais globais

83

convivem com as multiterritorialidades56. Neste sentido, Milton

Santos afirma: “Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma

razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente”57.

A ordem global e a local são geneticamente opostas, mas há

aspectos de uma presentes na outra58. Os conflitos territoriais e

ambientais podem ser caracterizados como litígios de políticas de

escalas59, pois a ordem global externa dos interesses econômicos

transnacionais se impõe aos interesses locais. Assim, os

globalismos e localismos60 constituem-se campos de disputas61

entre identidades múltiplas62, ora pelo domínio, ora pela

resistência às apropriações mercantis de territórios e ambientes.

No âmbito local é possível identificar práticas de resistência

contra-hegemônicas63 de descolonização epistemológica64.

No Brasil, a exemplo de outros países periféricos, observa-se a

criação de movimentos sociais constituídos por sujeitos sociais

com referenciais identidades territorializadas, como indígenas,

quilombolas, sem-terra, populações ribeirinhas, atingidos por

barragens, entre outros sujeitos, cujas identidades moldam os

territórios, e os territórios moldam suas identidades65. Destas

relações entre identidades culturais de defesa de territórios e

ambientes são formadas representações sociais de resistência às

apropriações do capital demarcadas pela cartografia dominante66.

O território tem que ser entendido como o território usado, não

o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A

identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence 67.

O BNDES libera financiamentos, expandindo os

seus negócios por meio da promoção de processos de

territorialização-desterritorialização-reterritorialização

(TDR)68 de povos e comunidades para a relocalização da sua

produção69. Nas construções recentes de grandes usinas

hidrelétricas, como Jirau e Santo Antônio, os negócios

das instituições financeiras causaram também o efeito

da relocalização da produção70. Os processos de TDRs

são facultados no Brasil pelo denominado “fechamento”71

de territórios e ambientes para assegurar a rentabilidade

financeira da terra. Esse “fechamento” é identificado no

cercamento72 material e imaterial de territórios e ambientes,

a exemplo dos casos da implantação da monocultura do

eucalipto e de empreendimentos imobiliários em áreas

ambientais. O “fechamento” de territórios através da cerca

da terra73 requer processos, instrumentos normativos, atores

institucionais e de autoridades do Estado: juízes, promotores,

desembargadores, executantes das decisões judiciais e

legisladores para assegurar proteção à renda da terra ao capital.

As apropriações de territórios e ambientes são implementadas

através do imaginário da natureza capitalizada74 nas implantações

de monoculturas75, no uso de sementes transgênicas, na

privatização da biodiversidade76 e nos projetos imobiliários em

sítios ambientais. Vandana Shiva sustenta argumentos de que

as monoculturas negam a importância da diversidade para a

sustentabilidade e, com isso, não reconhecem as comunidades

distintas participativas e descentralizadas dos modelos

hegemônicos de desenvolvimento77.

As instituições financeiras, enquanto atores hegemônicos,

também formulam estratégias, a exemplo das tecnologias de

consensos78 nos conflitos da produção79. Contudo, identificam-

se a afirmação de políticas territoriais participativas e a

corporificação de direitos: a apropriação socialmente justa do

espaço herdado, dependente da ação coletiva, e a subjetivação

de direitos, que sustenta a afirmação de sujeitos plenos80 de

direitos coletivos de propriedade intelectual, reconhecimento

cultural e desenvolvimento como direitos humanos na

categoria dos Dhescas81. Mas há inúmeros obstáculos para

o reconhecimento de identidades culturais territoriais, de

regularização territorial e de garantia de acesso ao patrimônio

da biodiversidade82.

Os movimentos sociais reagem à mercantilização da natureza

por meio de práticas coletivas de resistência. O sentido do

termo resistência é interpretado como direitos coletivos de

oposição aos modelos hegemônicos de apropriação mercantil

e dominação cultural. A crítica ambiental83 está presente na

ambientalização do MST, do Movimento de Atingidos por

Barragens (MAB) e de povos e comunidades tradicionais, entre

outros, como meio de resistência.

84

Instrumentos processuais e administrativos de proteção

às comunidades afetadas

Retomando a primeira questão da Rede Brasil expressa no

início deste texto sobre como as comunidades afetadas e as

organizações sociais podem “avançar no acesso às vias legais

de corresponsabilização dos agentes financeiros por violações

de acordos e leis sociais e ambientais”, é importante perceber

que este avanço passa em primeiro plano pela política e não

propriamente pelo direito. É neste sentido que pode se dar,

efetivamente, o avanço no acesso das comunidades afetadas

e de organizações sociais aos mecanismos processuais e

administrativos para caracterização da responsabilidade

ambiental (civil, administrativa e penal) dos agentes financeiros

por violações de convenções internacionais de proteção aos

Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais

(Dhescas), da Constituição Federal e do ordenamento jurídico na

proteção social e ambiental.

A sociedade civil organizada em movimentos sociais

construiu uma agenda de reivindicações de direitos

individuais e de reformas sociais, econômicas, ambientais

e culturais que, formalmente, foram asseguradas como

um projeto na Constituição de 1988. Porém para muitos

juristas os direitos sociais e econômicos constitucionais que

estabeleciam um projeto de reformas na sociedade brasileira

não teriam autoaplicabilidade por serem considerados normas

programáticas como meras intenções ou projetos sociais

contidos na Constituição. Para outros, os direitos sociais, dentre

eles os ambientais, os culturais e os econômicos de natureza

redistributiva, dependeriam de regulações do poder Legislativo

ou de intervenções do poder Executivo através de políticas

públicas e dotações orçamentárias.

Em face da interpretação da falta de autoaplicabilidade de

vários dispositivos sociais da Constituição Federal de 1988, a

concretização de direitos sociais passa por disputas políticas na

administração pública e no poder judiciário. Entretanto, diante

da possibilidade da ausência de regulação, esta Constituição

estabeleceu mecanismos processuais para sanar as omissões dos

poderes Legislativo e Executivo. Estes mecanismos foram sendo

lentamente apropriados pelos cidadãos e pelos movimentos

sociais, como as ações judiciais que transferiam as lutas

políticas e sociais disputadas no interior da sociedade e das suas

instituições para os tribunais.

É importante destacar que este processo de transferência

de poderes para o Judiciário, denominado de judicialização84,

implicava não só a ampliação do número de ações judiciais

a interferir nas relações sociais, como também nas decisões

políticas, pela substituição do poder político da sociedade pelos

procedimentos do poder Judiciário nas decisões dos conflitos.

Este processo põe em risco a própria democracia, pois cada vez

mais as decisões políticas, típicas de serem solucionadas por

poderes estatais constituídos por critérios eletivos, passaram a ser

tomadas pelo poder Judiciário, caracterizando o ativismo judicial.

Não são apenas os movimentos sociais que estão submetidos

à judicialização. As corporações e as elites representantes do

capital, ao longo dos anos 1990 e 2000, cada vez mais também

utilizaram os mecanismos judiciais para garantir os seus

interesses políticos, sociais, econômicos e culturais.

As demandas envolvendo a resistência social aos agentes

financeiros na liberação de recursos ao financiamento de

projetos potencialmente poluidores ou causadores de efetivo

impacto ambiental envolvem disputas no poder Judiciário e

conflitos políticos no seio da sociedade por meio de organizações

do terceiro setor85, ONGs 86 e movimentos sociais87.

As reformas sociais e econômicas previstas na última

Constituição, devido ao processo de globalização econômica

do neoliberalismo por meio de organismos financeiros

internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI)

e o Banco Mundial, estabeleceram para o Brasil e outros países

“do terceiro mundo” uma agenda de reformas constitucionais

que suprimiu ou alterou direitos sociais e econômicos,

especialmente os Dhescas, para favorecer a reprodução e a

ampliação do capital no Brasil.

Estas reformas constitucionais neoliberais foram enfrentadas

85

por estratégias distintas de resistência e de insurgência dos

movimentos sociais. De um lado, algumas organizações sociais

optaram pela resistência e insurgência direta na cidade e no

campo para a garantia das reformas sociais. Por outro, houve

a ação de movimentos sociais por novos eixos de luta: “a

transformação da exploração de classes e das discriminações

pelo direito”, “a construção de uma cultura de direitos” e “o

reconhecimento de direitos e sua efetividade judicial para

a transformação social”. Nestes eixos de atuação, a luta de

transformação social deixou cada vez mais a arena política

e foi dirigida para o palco institucional do poder Judiciário,

especialmente os autos dos processos judiciais, com suas regras

procedimentais próprias que limitam o pleno exercício das

disputas políticas em defesa das reivindicações populares.

Assim, o Direito – fundamentalmente, seus mecanismos

processuais – passa a ter, nos segmentos de movimentos

sociais, papel central nas resoluções

de disputas de interesses. Esta

opção pelo Direito como meio

de transformação ocorreu em

detrimento do papel da política –

das mobilizações e organizações

sociais populares – nas lutas de

resistência e insurgência direta

em defesa da agenda das reformas

sociais e econômicas. Em face

desse papel central do Direito, os

movimentos sociais passaram a

mudar as suas agendas da reforma

no campo político para as lutas

“pela cultura de direitos” e “pela

efetividade judicial de direitos e

políticas”. Estas agendas produziram

uma maior demanda de ações

judiciais individuais e coletivas

no primeiro grau de jurisdição e

um aumento de ações diretas no

controle de constitucionalidade no STF. A opção de privilegiar

o Direito à política por parte de segmentos dos movimentos

sociais produziu um efeito adverso aos seus fins, pois favoreceu

a judicialização e a hegemonia do papel político decisório do

Judiciário, o denominado ativismo judicial, na resolução dos

litígios por reformas sociais, questões ético-morais, econômicas,

políticas e culturais referidas ao Direito, especialmente o

constitucional, cuja arena própria de decisão política seriam os

poderes Legislativo e Executivo ou mesmo a própria manifestação

direta da soberania popular. Como exemplo, é possível identificar

a judicialização da resistência dos movimentos sociais nas lutas

contra as privatizações ocorridas nos últimos governos federais na

chamada “guerras de liminares”.

A judicialização é caracterizada pela exacerbação da atividade

judiciária, por meio da “naturalização social e política” do

poder Judiciário como única ou última instância nas decisões

86

Vere

na G

lass

A estratégia para garantir as reformas sociais deve priorizar a luta política: de volta para as ruas

sobre quais valores e interesses são os direitos admitidos

pela Constituição. Uma das causas da judicialização foram as

conquistas processuais dos movimentos sociais que aprovaram

na Assembleia Constituinte de 1987/88 a ampliação do acesso

à justiça através do alargamento da jurisdição coletiva, por

mecanismos processuais de tutela de interesses difusos e

coletivos: ação popular, ação civil pública,ação civil coletiva,

dissídios coletivos, mandado de injunção, habeas data e outras;

e, por outro lado, a ampliação da participação da sociedade

civil e instituições estatais e não estatais no controle de

constitucionalidade por via de ações diretas: ação direta de

inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade,

reclamação Constitucional, arguição de descumprimento de

preceito fundamental e outras.

Dentre os efeitos do surgimento da judicialização e do

ativismo judicial, o mais intenso é a consolidação de uma

hegemonia discursiva e processual do poder Judiciário em

decisões próprias do poder político acerca de valores ético-

morais, interesses socioeconômicos e culturais em disputas na

sociedade brasileira. Outro efeito desta hegemonia são os riscos

ao funcionamento da democracia, com o açambarcamento lento

e gradual da manifestação da soberania popular e das instituições

da democracia representativa brasileira na argumentação,

interpretação e decisão acerca de quais os valores e interesses são

admitidos como direitos constitucionais.

O ativismo judicial, devido a esta intensificação da hegemonia

política do Judiciário, coloca em risco o funcionamento da

ordem democrática, especialmente a divisão e autonomia entre

os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), a vontade do

poder constituinte originário e as manifestações da mutação

constitucional oriundas da sociedade civil nos temas de decisões

políticas fundamentais.

No ativismo judicial, a exemplo da judicialização, há a

transferência de poderes decisórios da sociedade para o

STF. As causas que contribuem para esta situação são as

mesmas da judicialização: por um lado, a existência de rol de

direitos fundamentais – individuais e sociais – conquistados

sem implementação devido às omissões dos poderes

Legislativo e Executivo, e, por outro, o aumento do acesso

popular às jurisdições coletiva e individual e ao controle de

constitucionalidade. Este ativismo judicial pode ser identificado

em casos recentemente julgados pelo STF, entre eles: a

demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no qual o

STF criou o estatuto da demarcação com dezoito condições; a

questão sobre a suplência parlamentar pertencer aos partidos ou

às coligações; a Lei da Ficha Limpa; a Lei da Biossegurança, que

permitia pesquisa em células-tronco; e o direito de greve dos

servidores públicos.

O ativismo judicial, além de intervir na vida social e política

por meio de processos e procedimentos formais, também se

expressa pela “politização do poder Judiciário”. Esta politização

transcorre também fora dos processos judiciais, no seio da

sociedade. Nesse sentido, são exemplares as declarações de

magistrados e chefes de tribunais, para veículos de imprensa,

expressando opiniões sobre temas em processo de discussão na

sociedade e no próprio Judiciário.

São exemplos das opções de judicialização das disputas

econômicas e sociais pelo capital: os casos de construção de

empreendimentos econômicos que demandam licenciamento

ambiental e urbanístico; a expansão do agronegócio em área

de proteção ambiental; os litígios socioambientais em torno

das grandes obras de construção de hidrelétricas; as disputas

em torno da implementação das políticas públicas de reforma

agrária; os empreendimentos dos megaeventos para a Copa

do Mundo e as Olimpíadas e a defesa de interesses sociais da

moradia; a edificação de grandes indústrias na área de metalurgia

e mineração e os conflitos de interesses com populações

tradicionais, como indígenas e quilombolas; e as disputas em

torno das ações afirmativas. Ou seja, observa-se que o próprio

capital opta cada vez mais pela judicialização e pelo ativismo

judicial nas questões econômicas e sociais que poderiam ser

decididas no campo das instituições políticas.

Uma das influências do processo de judicialização das

lutas políticas dos movimentos sociais decorreu, em parte, da

87

defesa da mudança da realidade pelo Direito. A esta percepção

de Constituição deu-se o nome de Constituição Dirigente,

que, na Europa e mesmo no Brasil, atribuiu à Constituição a

tarefa de ser portadora de um projeto de transformação social.

Os movimentos críticos do Direito, especialmente o “Direito

alternativo” e, dentro dele, a corrente do “Positivismo de

combate”, apostaram na efetivação dos direitos fundamentais e

no exercício da cidadania previstos no novo texto constitucional,

por meio do uso alternativo de mecanismos processuais.

Distintamente do movimento crítico do Direito denominado

“Direito achado na rua” ou “Direito Insurgente”, que formulava a

luta pelo Direito nos conflitos sociais no campo das lutas políticas

não institucionais, o “Positivismo de combate”, por exemplo, por

efeito adverso das suas estratégias, fortaleceu a ampliação das

lutas institucionais pelo Direito por meio do estímulo à ampliação

do acesso à justiça, o que gerou a judicialização das lutas sociais

e fortaleceu o papel mais ativo dos tribunais e do Supremo

na resolução de litígios políticos e sociais. Estas condições de

estímulo de acesso à justiça para assegurar a eficácia do Direito

e as reivindicações sociais favoreceram a lenta transferência do

palco das mobilizações das lutas sociais das “ruas” e do campo

para o poder Judiciário, através dos mecanismos processuais.

A resposta da sociedade civil organizada à judicialização e

ao ativismo judicial passa pelo fortalecimento das instituições

democráticas, a exemplo dos movimentos sociais, com a

redefinição das formas sociais e institucionais e o controle social

e popular das instituições públicas, em particular das financeiras

como o BNDES.

As possibilidades para a superação da judicialização e do

ativismo judicial do “Estado-Juiz” passa pela garantia efetiva

de um Estado de Direito Justo e Democrático, com volta à

sociedade do poder de decidir em última palavra sobre a política

e o reconhecimento de direitos constitucionais. Em outras

palavras, as possibilidades de superação da judicialização e do

ativismo passam pelo fortalecimento da democracia participativa.

Este processo implica a ampliação dos mecanismos decisórios

da soberania popular, com efetiva utilização dos instrumentos

de participação popular nas decisões políticas, reformas,

direitos, valores ético-morais, culturais, interesses sociais e

econômicos a serem interpretados como direitos construídos

a partir da Constituição. A construção do diálogo democrático

institucional e social só poderá transcorrer com a superação da

hegemonia decisória e retórica do poder Judiciário na sociedade

contemporânea. Para tanto, o aspecto relevante é a discussão

de um novo papel a ser atribuído ao juiz – poder Judiciário, não

enquanto guardião último ou exclusivo da Constituição, mas

como uma das instituições da sua proteção. A superação do

ativismo judicial do “Estado-Juiz” passa pelo aprofundamento do

entendimento que as atribuições do poder Judiciário não estão

acima do exercício da soberania popular, mas sim circunscritas

aos limites da democracia constitucional e das suas atribuições

no arranjo da divisão de poderes do regime democrático.

Conclusão

As salvaguardas ambientais do BNDES expressam um

modelo de política ambiental que aponta para a flexibilização

da legislação ambiental e a apropriação do mercado sobre a

natureza, com o aumento das desigualdades ambientais sobre

as populações vulneráveis. A resistência das comunidades que

sofrem os impactos sociais e ambientais das instituições que

financiam este modelo deve passar além da outorga ao poder

Judiciário da possibilidade de resolução dos conflitos.

Não se trata de abandonar os mecanismos procedimentais

administrativos e processuais para a responsabilização dos

agentes financeiros por violações dos Dhescas e Direitos

Constitucionais. Estes são instrumentos importantes para

a resistência; porém não pode haver uma substituição

da luta política pelo Direito, tampouco pelo Judiciário,

marcadamente integrado por segmentos das elites

dominantes. Apesar disso, é importante destacar que há

vários mecanismos materiais e processuais de proteção

aos interesses sociais e ambientais das comunidades

atingidas por projetos financiados pelo BNDES, a exemplo

88

dos seguintes: Ação Civil Pública, Ação

Popular, Mandado de Segurança Coletivo,

Habeas Data, Ação Civil Coletiva, Controle

de Constitucionalidade, Termo de

Ajustamento de Conduta, Audiência Pública

no Licenciamento Ambiental e Tutela

Processual Penal.

Em relação à outra postulação gerada

“se as vias legais para a responsabilidade

ambiental do BNDES podem ser formas de

pressão política por mudanças nos rumos

e nas práticas do BNDES”, a resposta seria

“em termos”. Pois estas vias, como meio de

pressão, dependem das condições externas

ao processo judicial ou administrativo,

a exemplo dos interesses do capital em

relação aos empreendimentos que utilizam

recursos e serviços ambientais e como

estes estão articulados com a mídia. Não é

possível assegurar se os processos judiciais

e administrativos podem ser instrumentos

de pressão por mudanças nas práticas do BNDES, até porque tais

alterações demandam ações dos poderes Legislativo e Executivo

na implementação das políticas públicas e articulação política

para a formação de novas agendas.

A via política das organizações sociais e comunidades

atingidas por projetos e empreendimentos do capital indica ser

mais eficaz do que a judicial. Contudo, a via judicial, inclusive

a internacional, poderá ser eventualmente instrumento de

reconhecimento dos Dhescas e de questionamento de políticas

públicas, a exemplo da demarcação da reserva Raposa Serra

do Sol, pelo STF88, e da Comissão Interamericana89 de Direitos

Humanos acerca da construção da hidrelétrica de Belo Monte,

no Rio Xingu.

Jadir Anunciação de Brito é Doutor em Direito do Estado pela Pontífice Universidade Católica (PUC-SP), Professor da Escola de Ciências Jurídicas e do Programa de Pós-Graduação em Direito, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e Coordenador do Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH)-Unirio

1 “Por Justiça Ambiental entende-se o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas.” HERCULANO, Selene. Resenhando o debate sobre Justiça Ambiental: produção teórica, breve acervo de casos e criação da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. http://www.professores.uff.br/seleneherculano/publicacoes/resenhando-debate-justica-ambiental.htm2 “Entende-se por Injustiça Ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais discriminados, populações marginalizadas e mais vulneráveis.” HERCULANO, Selene. Resenhando o debate sobre Justiça Ambiental: produção teórica, breve acervo de casos e criação da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. http://www.professores.uff.br/seleneherculano/publicacoes/resenhando-debate-justica-ambiental.htm

3 http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Meio_Ambiente/historico.html

4 “A importância que os aspectos ambientais começaram a ter nos anos 1970 e 1980 implicou também o surgimento de legislação ambiental nos Estados Unidos (EUA) e no Reino Unido, ligada aos bancos. Em 1980, os EUA criaram a legislação Comprehensive Environmental Response, Compensation, and Liability Act (Cercla, sigla em inglês, que mais tarde ficou conhecida como a Superfund Law), na qual os bancos poderiam ficar responsáveis pela limpeza dos danos ambientais causados pelos seus devedores. Os bancos europeus não foram expostos a este tipo de responsabilidades até aos anos 1990 (BOUMA et al., 2001). Em 1995 o Reino Unido cria o UK Environmental Act, onde os bancos poderiam ter uma responsabilidade de segundo nível relativamente aos danos ambientais os seus devedores.” http://www.bancaeambiente.org/pdf/doc.Inclusao.pdf

89

Mitc

hell

Ande

rson

A responsabilização dos agentes financeiros deve ser feita como complemento da via política: resistência e enfrentamento

ou do risco social e ambiental. Nas operações indiretas automáticas, realizadas por meio de instituições financeiras credenciadas, cabe aos agentes financeiros verificar a regularidade social e ambiental do cliente e do empreendimento apoiado e o atendimento a normativos relacionados aos aspectos sociais e ambientais, em consonância com as diretrizes da Política Socioambiental do BNDES.” http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Meio_Ambiente/Politica_Socioambiental/analise_ambiental.html

15 “A política ambiental do BNDES afirma que ‘os investimentos em melhoria no desenvolvimento socioambiental são indutores do desenvolvimento econômico e social’. Os investimentos em ecoeficiência, gestão ambiental, inovação tecnológica das empresas com benefícios ambientais, apesar de estarem associados a um aumento de custos no curto prazo, representam a passagem para uma nova etapa no médio e longo prazo”, enfatiza Marcio Macedo da Costa, Chefe do Departamento de Políticas e Estudos Ambientais da Área de Meio Ambiente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). http://www.febraban.org.br/financassustentaveis/Painel1-marcio.html

16 Meio ambiente pela metade. A nota média parcial dos bancos no bloco de questões referentes ao meio ambiente foi de 2,19, sendo a mais alta a do ABN Amro Real (3,50 ou “regular”), e a mais baixa a do Santander (1,00 ou “péssimo”). No bloco de questões voltadas ao meio ambiente, foram verificadas sobretudo as políticas de meio ambiente e consumo sustentável das instituições, bem como a existência ou não de critérios socioambientais na concessão de crédito. Somente o ABN Amro Real apresentou critérios específicos para a concessão de crédito, além da criação de fundos éticos, e ficou com a melhor colocação, ainda dentro do conceito “regular”. Itaú e Bradesco ficaram logo em seguida - também com conceito “regular” - por apresentar indicadores de sustentabilidade e ações ambientais, embora restritas a algumas agências. Mas os dois bancos também declararam realizar análises de risco ambiental na concessão de crédito. Os demais bancos tiveram avaliação abaixo de “regular”, pois possuem apenas algum tipo de ação de ecoeficiência, isto é, dedicam-se a reduzir o consumo de água, energia, papel ou plástico em suas atividades rotineiras. Foram genéricos na menção a critérios ambientais para conceder crédito. Já o Santander, que recebeu a pior colocação nesse bloco de questões, relatou não possuir nenhum critério ou processo de gestão de risco socioambiental. Ainda que algumas instituições tenham ficado à frente de outras, a nota média geral obtida pelos bancos foi bastante baixa, de 2,08. Apenas duas instituições ficaram acima da mediana (2,5 em uma escala de 0 a 5), que é o limite entre “ruim” e “regular”: Bradesco, com 2,60, e ABN Amro Real, com 2,75. http://www.idec.org.br/arquivos/RSE_bancos_RelatorioFinal.pdf

17 “Alguns órgãos oferecem a possibilidade de financiamento integral ou parcial de atividades de projetos no âmbito do MDL. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), oferece um Programa de Apoio a Projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, o Pró-MDL, que financia o pré-investimento e o desenvolvimento científico e tecnológico de atividades de projeto no âmbito do MDL por meio de linhas de financiamento reembolsáveis e não reembolsáveis (http://www.finep.gov.br/pro- gramas/pro_mdl.asp). O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) oferece uma linha de crédito para “estudos de viabilidade, custos de elaboração do projeto, Documentos de Concepção de Projeto (PDD) e demais custos relativos ao processo de validação e registro” (http://www.bndes.gov.br/ambiente/meio_ambiente.asp), além do Programa BNDES Desenvolvimento Limpo, que é um programa para a seleção de Gestores de Fundos de Investimento, com foco direcionado para empresas/projetos com potencial de gerar Reduções Certificadas de Emissão (RCEs) no âmbito do MDL. (Português: http://www.bndes.gov.br/programas/outros/desenvolvimento_limpo.asp; Inglês: http://www.bndes.gov.br/english/clean_development.asp). Adicionalmente, a Caixa Econômica Federal conta com uma linha de crédito para o financiamento integral de atividades de projetos no âmbito do MDL em áreas como saneamento, bombeamento de água e pequenas hidrelétricas, por exemplo.” http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/61463.html

18 Entendemos por injustiça ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis. Por justiça ambiental, ao contrário, designamos o conjunto de princípios e práticas que: a - asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas; b - asseguram acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país; c - asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas,

5 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. SOARES, Guido. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002.

6 http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/

7 http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/produtos/download/disaplic.pdf

8 O BNDES possui também participação em três Fundos de Investimentos em Participações (FIPs) voltados a projetos ambientais: FIP Brasil Sustentabilidade: Foco em projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e com potencial para gerar Reduções Certificadas de Emissões (RCE); Capital comprometido do Fundo: R$ 410 milhões; Participação do BNDES: 48,6%; Gestores do fundo: Latour Capital e BRZ Investimentos; FIP Caixa Ambiental: Foco em saneamento, tratamento de resíduos sólidos, geração de energia limpa e biodiesel; Capital comprometido do Fundo: R$ 400 milhões; Participação do BNDES: 17%; Gestor do fundo: Banco Santander; FIP Vale Florestar: Atuação preferencialmente em áreas degradadas na região de abrangência de Carajás; Volume estimado do Fundo: R$ 605 milhões; Participação do BNDES: 20%; Gestor do fundo: Global Equity. http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Meio_Ambiente/

9 http://www.dhescbrasil.org.br

10 http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Meio_Ambiente/historico.html

11 “Empréstimo do Banco Mundial para o BNDES. Em novembro de 2008, o Banco Mundial anunciou um Empréstimo Programático para o Desenvolvimento em Gestão Ambiental Sustentável (SEM DPL, na sigla em inglês) de US$ 1,3 bilhão para o governo brasileiro, a serem alocados no BNDES. Os DPLs fazem parte de uma nova modalidade de empréstimos voltados para as Políticas de Desenvolvimento e substituem os tão criticados empréstimos para ajustes estruturais dos anos 1990. O SEM DPL tem por objetivo “melhorar a efetividade e a eficiência das políticas e diretrizes do sistema brasileiro de gestão ambiental” e dentre as propostas apresentadas estão apontadas mudanças na legislação ambiental, reformas no Ministério de Meio Ambiente (MMA) e a elaboração de uma nova política ambiental e social do BNDES. A implementação, o monitoramento e a avaliação serão realizados de forma conjunta pelo MMA e BNDES.” TAUTZ, Carlos; SISTON, Felipe; PINTO, João Roberto Lopes; BADIN, Luciana. O BNDES e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário. Disponível em: www.plataformabndes.org.br

12 http://www.bicusa.org/es/Article.11453.aspx

13 “O que é mais impressionante em relação ao SEM DPL é a sua conexão com quase todas as principais iniciativas políticas ou legislativas relacionadas ao clima no Brasil. O empréstimo lista como ações prioritárias ou gatilhos (a forma como o Banco define condições) a reestruturação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para acelerar o licenciamento ambiental; a aprovação e implementação de um Plano Nacional de Mudanças Climáticas; uma Política Institucional Socioambiental para o BNDES, incluindo a formulação de procedimentos ambientais e sociais subsetoriais para os principais setores de investimento, como energia, cana-de-açúcar – biocombustíveis – e pecuária, dentre outros; a regulação do Fundo Amazônia;[iv] apoio e implementação da Lei de Gestão das Florestas Públicas Brasileiras.” http://www.bicusa.org/es/Article.11453.aspx

14 “Em conformidade com as suas políticas e diretrizes, o BNDES dispensa especial atenção aos aspectos sociais e ambientais inerentes ao cliente e ao empreendimento. Para a concessão do apoio financeiro, são observados: as legislações aplicáveis; as normas setoriais específicas; a política de responsaibilidade social e ambiental do beneficiário; a regularidade ambiental; o risco ambiental do empreendimento; além de práticas socioambientais que elevem o patamar de competitividade das organizações e dos setores econômicos e contribuam para a melhoria de indicadores sociais e ambientais não só dos empreendimentos, mas também do país. Com base em toda essa análise, o Banco pode realizar estudos complementares e solicitar informações adicionais e, ainda: recomendar a reformulação do projeto; ofertar recursos para reforço das medidas mitigadoras; estimular a realização de investimentos sociais e ambientais voltados para o âmbito interno (funcionários e cadeia de fornecedores) e externo (desenvolvimento local, sociedade e meio ambiente) dos beneficiários; e, em casos extremos, não conceder o apoio financeiro em face da não conformidade

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planos, programas e projetos que lhes dizem respeito; d - favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso. Declaração de princípios disponível em: http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/pagina.php?id=229>

19 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm

20 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm

21 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm

22 ADAMI, Humberto. A Responsabilidade Ambiental dos Bancos. http://www.ibap.org/direitoambiental/artigos/ha.htm

23 Art.10 (...) VI - Exercer o controle do crédito sob todas as suas formas (Renumerado pela Lei nº 7.730, de 31/01/1989)Art. 42. O art. 2 da Lei nº 1808, de 7 de janeiro de 1953, terá a seguinte redação: “Art. 2. Os diretores e gerentes das instituições financeiras respondem solidariamente pelas obrigações assumidas pelas mesmas durante sua gestão, até que elas se cumpram.Parágrafo único. Havendo prejuízos, a responsabilidade solidária se circunscreverá ao respectivo montante” (Vide Lei nº 6.024, de 1974). Art. 43. O responsável pela instituição financeira que autorizar a concessão de empréstimo ou adiantamento vedado nesta lei, se o fato não constituir crime, ficará sujeito, sem prejuízo das sanções administrativas ou civis cabíveis, à multa igual ao dobro do valor do empréstimo ou adiantamento concedido, cujo processamento obedecerá, no que couber, ao disposto no art. 44, desta lei.Art. 44. As infrações aos dispositivos desta lei sujeitam as instituições financeiras, seus diretores, membros de conselhos administrativos, fiscais e semelhantes e gerentes às seguintes penalidades, sem prejuízo de outras estabelecidas na legislação vigente: I - Advertência. II - Multa pecuniária variável. III - Suspensão do exercício de cargos. IV - Inabilitação temporária ou permanente para o exercício de cargos de direção na administração ou gerência em instituições financeiras. V - Cassação da autorização de funcionamento das instituições financeiras públicas, exceto as federais, ou privadas. VI - Detenção, nos termos do § 7º, deste artigo. VII - Reclusão, nos termos dos artigos 34 e 38, desta lei. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4595compilado.htm

24 “A ‘silvicultura científica’ foi a falsa universalização de uma tradição local de exploração dos recursos florestais que nasceu dos interesses comerciais limitados que viam a floresta somente em termos de madeira com valor comercial. (...) O reducionismo do paradigma da silvicultura científica criado pelos interesses industriais e comerciais violentam tanto a integridade das florestas quanto a integridade das culturas florestais que precisam das florestas e de sua diversidade para satisfazer suas necessidades de alimento, fibras e moradia.” SHIVA, Vandana. Monocultura da mente, op. cit., p.33.

25 “(...) O paradigma da Revolução Verde substituiu o ciclo dos nutrientes por fluxos lineares de insumos de fertilizantes químicos comprados de fábricas e produtos comercializados de bens agrícolas.” SHIVA, Vandana. Idem, p. 75 e 77.

26 Disponível em: http://www.midiaindependente.org. Acesso em: 14/2/2007.

27 Disponível em: http://www.midiaindependente.org. Acesso em: 20/8/2007.

28 PARDO, Arturo Escobar. Movimentos sociais e biodiversidade no Pacífico colombiano. In: SANTOS, Boaventura (Org.). Semear outras soluções, os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 368.

29 http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=2611341

30 MEDEIROS, Leonilde Servolo. Movimentos sociais, disputas políticas e reforma agrária de mercado. Rio de Janeiro: CPDA/UFRJ e UNRISD, 2002.

31 Disponível em: http://www.aracruz.com.br/show_arz.do?act=stcNews&id=4&lastRoot=258&menu=true&lang=1. Último acesso em: 19/11/2008.

32 Eucalipto / Aracruz Celulose e Violações de Direitos Humanos – PAD 2007. Maria Elena Rodriguez e Daniel Silvestre.

33 “Violações...” op.cit.

34 “Violações de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais…”, op. cit.

35 FASE: The Case of Aracruz Celulose in Brazil: Export Credit Agencies exporting unsustainability. Vitória, 2003. p. 18.

36 MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Movimentos sociais, disputas políticas e reforma agrária de mercado no Brasil. Rio de Janeiro: CPDA/UFRJ e UNRISD, 2002. p. 10.

37 MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo: Ciências humanas, 1979. p. 15.

38 MOREIRA, Roberto. Terra, poder e território. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 193.

39 Cf. PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição. Pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

40 “A ressignificação da teoria da renda da terra ‘como renda da natureza’ e a compreensão das produções do conhecimento tecnológico, da imagem e da cultura impõem mudanças no entendimento da terra e da questão agrária. MOREIRA, op.cit., 2005. p. 82.

41 MOREIRA, Roberto José. Economia política da sustentabilidade: uma perspectiva neomarxista. MOREIRA, Roberto José (Org.). In: Mundo rural e tempo presente. Rio de Janeiro: PRONEX, CPDA, UFRRJ, Tempo Presente, 1999.

42 SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente. São Paulo: Editora Gaia, 2003. p. 89

43 Cf. O‘CONNOR, Martín. El mercadeo de la Naturaleza. Sobre los infortunios de la naturaleza capitalista. In: Ecología Política. n. 7. Barcelona: Editorial Icaria, 1994.

44 SHIVA, Vandana. Biopirataria. A pilhagem da natureza e do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 92.

45 “A crise ambiental se torna evidente nos anos 1960, refletindo-se na irracionalidade ecológica dos padrões dominantes de produção e consumo, e marcando os limites do crescimento econômico. (...) a degradação ambiental se manifesta como sintoma de uma crise de modernidade regido pelo predomínio do desenvolvimento da razão tecnológica sobre a organização da natureza.” LEFF, Enrique. Saber ambiental, p. 17.

46 “O discurso da sustentabilidade monta um simulacro que, ao negar os limites do crescimento, acelera a corrida desenfreada do processo econômico para a morte entrópica”. Idem, p. 23.

47 “Tomar em cuenta las obligaçiones ecológicas se traduce así, en el contexto del industrialismo y la lógica del mercado, en una extensión del poder tecno-burocrático”. GORZ, Andre. Ecologia Política. Experttocracia autolimitación. Ecology As Politics. South End Press, 1979.

48 LEFF, Enrique. Saber ambiental. p. 26.

49 SHIVA, Vandana. Biopirataria. A pilhagem da natureza e do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 70.

50 Cf. SMITH, Denis. Business and the environment: towards a paradigm shift. In: Business and Environment:implications of a new environmentalism. New York: St. Martins Press, 1993. BECK, Ulrich. Risk Society: towards a new modernity. Sage Publications: Great Britain, 1992.

51 MOREIRA, Roberto. Ecologia e economia política: meio ambiente e condições de vida (mimeo). Rio de Janeiro, outubro de 1989, p. 20.

91

52 ACSELRAD, Henri. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará. p. 13.

53 ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: Pós-neoliberalismo, 1996. p. 9.

54 GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A Invenção de novas geografias: a natureza e o homem em novos paradigmas. Território, Territórios, Ensaios sobre o ordenamento territorial. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 377.

55 ALIER, Joan Martínez. Ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2007. p.77-79.

56 HAESBAERT, Rogério. Identidades territoriais da multiterritorialidade à “reclusão” territorial (ou: do hibridismo cultural à essencialização das identidades). Disponível em: http://tercud.ulusofona.pt/GeoForum/Ficheiros/23GeoForum.pdf. Acesso em: 10/2/2008.

57 SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: Edusp, 2004. p. 339.

58 Idem, ibidem, p. 339.

59 ACSERALD, Henri. Território, localismo e política de escalas. Cidades, ambiente e política. Rio de Janeiro: Garamond. p. 14.

60 Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. Uma concepção multicultural de Direitos Humanos. In: Lua Nova, n. 39, 1997, p. 108.

61 ROS, Carlos Javier. Roberto José Moreira. A construção de contra-hegemonias nas sociedades contemporâneas: uma perspectiva analítica. In: Globalismos, localismo e identidades sociais. COSTA, Luiz Flávio de Carvalho; MOREIRA, Roberto José. Rio de Janeiro: Imprima Express, 2007. p. 19.

62 MOREIRA, Roberto José. Identidades sociais em territórios rurais fluminenses . Identidades sociais. In: MOREIRA, Roberto José (org.). Ruralidades no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 19.

63 Cf. ROS, Carlos Javier; MOREIRA, Roberto José. A Construção de contra-hegemonias nas sociedades contemporâneas: uma perspectiva analítica. In: Globalismos, localismo e identidades sociais. COSTA, Luiz Flávio de Carvalho; MOREIRA, Roberto José. Rio de Janeiro: Imprima Express, 2007. p. 19.

64 GROSFOGUEL, Ramón. La Descolonizacion de La Economia Política y los Estúdios Post Coloniales. Transmodernidad, pensamiento fronterizo y colonialidad global. In: Revista del Centro de Estúdios Latinosamericanos (CELA), “Justo Arosemena”. Panamá: R. Panamá, 1994.

65 HAESBAERT, Rogério, op. cit.

66 GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A Invenção de novas geografias: a natureza e o homem em novos paradigmas. Território, Territórios, Ensaios sobre o ordenamento territorial. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 377.

67 SANTOS, Milton. O dinheiro e o território. In: Território, Territórios, Ensaios sobre ordenamento territorial. SANTOS, Milton; BECKER, Bertha K. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 383.

68 Bernardo Mançano Fernandes. osal.clacso.org/espanol/html/documentos/Fernandez.doc

69 ACSERALD, Henri. Território, localismo e política de escalas. Op.cit, p. 13.

70 “A velocidade dos fluxos de mercadorias acelerou-se a níveis sem precedentes e propagou o processo de desterriorialização e reterritorialização de capitais” ACSERALD, Henri. Território, localismo e política de escalas. Op. cit, p. 13.

71 PRATT, Maru Louise. Olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. São Paulo: Edusc, 1999. p.72.

72 COSTA, Maria de Fátima Tardin. A cerca jurídica da terra na produção capitalista da cidade. Mestrado (Dissertação em Direito da Cidade). Rio de Janeiro: UERJ, 2005.

73 BALDEZ, Miguel Lanzellotti. A terra no campo: a questão agrária. Direito achado na rua. v. 3. Introdução Crítica ao Direito Agrário. São Paulo: Imprensa Oficial, 2002.

74 O´CONNOR, Martín. El mercadeo de la Naturaleza. Sobre los infortunios de la naturaleza capitalista. In: Ecología Política. n. 7. Barcelona: Editorial Icaria, 1994.

75 SHIVA, Vandana. Biopirataria. A pilhagem da natureza de do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 92.

76 SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente. São Paulo: Editora Gaia, 2003. p. 89.

77 “A diversidade é chave da sustentabilidade (...) a conservação da biodiversidade requer a existência de comunidades com sistemas agrícolas e médicos distintos (...) a descentralização econômica e a diversificação são condições necessárias à biodiversidade.” SHIVA, Vandana. Biopirataria, op.cit, p. 113.

78 “Tecnologias de formação de consenso são então formuladas de modo a caracterizar todo litígio como problema a ser eliminado. E todo conflito remanescente, por sua vez, será visto como resultante de carência de capacitação para o consenso e não como expressão de diferenças reais entre atores e projetos sociais, a serem trabalhadas no espaço público.” ACSERALD, op.cit, 2006, p. 25.

79 “(...) a utilização das estratégias socioambientais como um fator importante de legitimação da dinâmica competitiva defendeu-se que o entendimento, a priori, do processo formador das estratégias técnico-concorrenciais corporativas da Aracruz seria considerado imperativo à compreensão posteriori da dimensão político institucional das suas estratégias socioambientais.” ANDRADE, José Célio Silveira; DIAS, Camila Carneiro. Conflito Cooperação. Análise das estratégias socioambientais da Aracruz Celulose S.A. Ilhéus-Bahia: Editora da Uesc, 2003. p. 315.

80 RIBEIRO, Ana Clara Torres, op.cit, p. 102.

81 http://www.dhescbrasil.org.br/_plataforma. Acesso em: 7/7/2006.

82 CASTILHO, Ela Wiecko. Disponível em: WWW3. esmpu.gov.br/linha_editorial/outras-publicações

83 LEFF, Enrique. Racionalidade. p. 227.

84 “O termo judicialização refere-se à ampliação das interferências do poder Judiciário nos assuntos e decisões sobre as quais valores ético-morais, interesses sociais, políticos e econômicos são interpretados e admitidos como direitos pela Constituição. A judicialização é caracterizada por processos institucionais (processos, conciliações e mediações) e não institucionais (manifestações discursivas na mídia do Judiciário). Nesses processos, o poder Judiciário – especialmente o Supremo Tribunal Federal – substituiu, por um lado, a sociedade civil organizada e os seus mecanismos de democracia direta (plebiscito, referendo e deliberações da iniciativa popular de leis) e, por outro, as instituições políticas da democracia representativa (poder Legislativo ou poder Executivo) nos debates e decisões (...)”. BRITO, Jadir Anunciação de. Judicialização. In: Dicionário da Educação no Campo. CALDART, PEREIRA, Isabel Brasil. ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio. Rio de Janeiro/São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Valêncio/ Expressão Popular, 2012.

85 http://www.socioambiental.org/prg/pol.shtm

86 http://www.dhescbrasil.org.br

87 http://www.mabnacional.org.br/?q=noticia/conquistas-da-campesina-com-jornada-lutas

88 http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/pet3388CB.pdf

89 http://global.org.br/programas/belo-monte-cidh-convoca-governo-a-responder-sobre-nao-cumprimento-de-medidas-cautelares/

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O Estado brasileiro financia massivamente os megaprojetos das corporações: megaimpactos

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O Estado brasileiro financia massivamente os megaprojetos das corporações: megaimpactos

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Considerações e RecomendaçõesJoão Roberto Lopes Pinto*

Considerações

1. As violações de direitos associadas aos projetos financiados

pelo BNDES, nos casos aqui sistematizados, são variadas,

extensas e sistemáticas. Embora sejam observadas diferenças

entre os casos, considerando o meio rural e o urbano, bem

como a distinção de setores beneficiados, pode-se dizer que

os megaprojetos que foram objeto do presente estudo seguem

um padrão de violação de direitos associado a um modelo de

desenvolvimento econômico. Tal padrão está relacionado à

escala destes megaprojetos, normalmente nos setores intensivos

em natureza, ligados invariavelmente aos mesmos grupos

econômicos, que concentram grande poder de ingerência sobre

as instituições públicas locais e nacionais, a exemplo do BNDES.

Tal como afirma Marilda Teles:

os empreendimentos em questão são especialmente

emblematicos no que se refere às injustiças

socioambientais, pois geram uma enormidade de graves

impactos sociais, ambientais, fundiarios, violações

sistematicas de direitos ambientais, trabalhistas e direitos

da pessoa humana (indivíduo e coletivo). Violam

Acordos Internacionais, Leis Nacionais, Políticas Fiscais

ou Políticas Setoriais específicas, forjam e aprofundam

desigualdades econômicas, sociais e regionais

historicamente produzidas nas areas de implantação dos

referidos empreendimentos e seu entorno.

Entre as formas de violação constatadas, que aprofundam o

quadro de desigualdade econômica, social e regional nas áreas

de implantação destes megaprojetos, destacam-se: condições

de trabalho análogas à escravidão; remoções forçadas de

comunidades urbanas pobres; expropriação de populações de

áreas rurais dos seus meios de produção, territórios e modos de

viver; desmatamento, contaminação dos solos, da água e do ar,

com comprometimento da biodiversidade, disponibilidade e

qualidade de recursos naturais; desestruturação das economias

locais e fragilização da agricultura familiar, comprometendo

a segurança alimentar; falta de informações e de participação

informada das populações locais sobre os projetos; migrações

massivas de trabalhadores no período de construção das obras,

gerando inchaços urbanos, aumento da violência, precarização

Para apresentar da forma mais objetiva possível as Considerações e Recomendações,

no intuito de contribuir para o debate quanto aos resultados deste estudo, passamos abaixo

a elencá-las pontualmente.

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dos serviços públicos locais, alto custo de vida; especulação

imobiliária, gerando a expulsão de populações para áreas

de periferia das cidades; irregularidades nos processos de

licenciamento ambiental; passivos trabalhistas e fiscais das

empresas beneficiárias; enfraquecimento das instituições

públicas e legislações locais em favor dos interesses das

empresas beneficiárias; e criminalização de movimentos sociais,

com perseguições e ameaças de morte.

Este mesmo padrão de violações é reproduzido fora do país.

Atualmente, o BNDES é o principal fiador da internacionalização

de grupos privados nacionais, particularmente em direção à

América Latina e à África Lusófona. No caso, apresentado em

detalhes ao final desta publicação, da exploração de carvão

mineral a céu aberto pela Vale em Moatize, em Moçambique,

repete-se o padrão de violações com restrição de circulação

e movimentação das comunidades atingidas pelo projeto,

violações dos direitos à informação, reassentamento de 1.500

famílias em condições desumanas, crescimento populacional

desordenado do distrito de Moatize e da província de Tete e o

domínio da empresa Vale sobre as instituições públicas locais e,

mesmo, as nacionais.

Importante também chamar a atenção para o fato de que este

padrão de violação resulta do que bem identifica Jadir Brito em

seu texto como “fechamento” de territórios e ambientes para

assegurar a rentabilidade financeira da terra. “Esse ‘fechamento’

é identificado no cercamento material e imaterial de territórios e

ambientes, a exemplo dos casos da implantação da monocultura

do eucalipto e de empreendimentos imobiliarios em areas

ambientais urbanas. O ‘fechamento’ de territórios através da

cerca da terra requer processos, instrumentos normativos, atores

institucionais e de autoridades do Estado: juízes, promotores,

desembargadores, executantes das decisões judiciais e

legisladores para assegurar proteção à renda da terra ao capital.”

Dito de outro modo, as violações seguem um padrão de

subordinação da vida em um dado território aos interesses de

acumulação privada.

2. A responsabilidade solidária e, em alguns casos, a

responsabilidade direta, subsidiária, do agente financeiro em

relação ao risco gerado pela atividade econômica é um dado

de realidade, inclusive no âmbito jurídico e administrativo. Ao

não assumir esta responsabilidade em seus procedimentos de

análise e acompanhamento, bem como nos seus contratos de

financiamento, de forma a evitar, corrigir ou compensar eventuais

danos, o agente financeiro se torna tão responsável quanto a

empresa pelas violações de direitos humanos.

Conforme chama a atenção Jadir Brito, a responsabilidade

solidária do agente financeiro é algo já previsto em nossa

legislação ambiental. A Lei 6938/81, que disciplina a Política

Nacional do Meio Ambiente (PNMA), é clara em determinar

que o risco integral de uma atividade econômica, no sentido da

geração do dano ambiental, é de responsabilidade da empresa –

princípio do “poluidor pagador” –, mas que também é assumido,

solidariamente, pelo agente que financia a atividade. Não por

acaso a lei determina que cabe ao agente financeiro não apenas

observar se há ou não licenciamento ambiental, mas também

fiscalizar o cumprimento do que ele determina.

Segundo o inciso IV do Art. 3 da Lei 6938/81, entende-se

por “poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou

privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade

causadora de degradação ambiental”. Já o Art. 12 afirma

que “as entidades e órgãos de financiamento e incentivos

governamentais condicionarão a aprovação de projetos

habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma desta

Lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões

expedidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)”.

De acordo com o parágrafo único deste mesmo artigo, “as

entidades e órgãos referidos no caput deste artigo deverão

fazer constar dos projetos a realização de obras e aquisição de

equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental

e à melhoria da qualidade do meio ambiente”. No § 1º do Art. 14

lê-se “é o poluidor obrigado, independentemente da existência

de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio

ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

Além disso, a responsabilidade das instituições financeiras não

95

está circunscrita aos aspectos civis e administrativos, mas abrange

também a responsabilização penal da pessoa jurídica e de seus

diretores, nos termos da Lei 9605/98, de Crimes Ambientais. De

acordo com o Art. 2 da Lei 9605/98, “quem, de qualquer forma,

concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas

penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem

como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de

órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de

pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem,

deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la”.

Já o Art. 3 acrescenta “as pessoas jurídicas serão responsabilizadas

administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei,

nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu

representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no

interesse ou benefício da sua entidade”.

3. No final de 2010 foi formalmente aprovada a Política

Socioambiental do Sistema do BNDES, sem que o Banco tivesse

feito uma ampla consulta com os setores organizados da

sociedade. Chama a atenção que essa Política Socioambiental

foi realizada como uma das contrapartidas do Banco Mundial,

através do Empréstimo Programático de Política para o

Desenvolvimento em Gestão Ambiental Sustentável (SEM

DPL), de US$ 1,3 bilhão em sua primeira fase, para o governo

federal, a ser gerido pelo BNDES. Os conhecidos “Empréstimos

de Política para o Desenvolvimento” do Banco Internacional

para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), historicamente

associados às malfadadas políticas de ajuste fiscal, apresentam-

se agora em sua versão soft de condicionantes socioambientais,

voltados a promover a financeirização e, por conseguinte, a

flexibilização das políticas sociais e ambientais.

O BNDES afirma em sua nova política socioambiental que

procede a avaliação do beneficiário sobre a sua regularidade com

a legislação ambiental, inclusive avaliando e acompanhando

os principais impactos esperados e o cumprimento de ações

preventivas e mitigadoras previstas no licenciamento ambiental.

Contudo, verifica-se que se trata de uma política formal e sem

efeito prático, que busca responder às condicionantes legais

para a concessão de financiamento à atividade potencialmente

poluidora. Ao responder à formalidade de prever condicionantes

em seus financiamentos, o BNDES está assumindo a sua

corresponsabilidade, pois elas somente se justificam por ser o

agente financeiro reconhecido pela Lei como solidariamente

responsável pelos riscos gerados pela atividade.

Vale aqui retomar o argumento de Jadir Brito:

Estes condicionantes significam que o próprio banco,

por imposição legal, reconheceu os riscos ambientais e

sociais dos seus financiamentos e, consequentemente,

a sua corresponsabilidade ou responsabilidade solidaria

pelo destino deles. No entanto, embora tenha prescrito

condicionantes contratuais, o BNDES não estabeleceu

mecanismos bancarios de monitoramento, fiscalização

e controle dos impactos gerados na destinação dos

recursos liberados. Essa circunstância transcorreu apesar

de o Banco possuir mecanismos legais, contratuais, para

a resilição ou rescisão contratual, bem como outros, a

exemplo dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs)

e do ajuizamento de ações de responsabilização dos seus

financiados pelo descumprimento dos condicionantes

socioambientais contratuais e pelos impactos gerados.

Não ha informações de precedentes da utilização

destas medidas jurídicas legais e contratuais para fins

de exigir dos financiados o cumprimento de clausulas

contratuais relativas aos eventuais danos socioambientais

decorrentes da aplicação dos recursos.

Mesmo no caso dos três únicos setores para os quais o

Banco define “obrigações adicionais” ao que consta da lei

ambiental brasileira, a fragilidade dos mecanismos de controle

e acompanhamento as torna pouco efetivas. Este é o caso das

salvaguardas estabelecidas para os setores de etanol, que não

poderiam ser beneficiados em áreas dos biomas da Amazônia

e do Pantanal; de termelétrica, que estabelece restrições na

96

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e

O desrespeito à legislação é característica comum dos empreendimentos no Brasil: sintomático

emissão de partículas na atmosfera; e de frigoríficos, que

determina o cadastramento dos fornecedores e a exigência

da rastreabilidade progressiva do gado. Vale dizer que a

aplicação de tais salvaguardas está baseada, invariavelmente, na

autodeclaração do tomador dos empréstimos, não contando o

Banco com instrumentos de monitoramento e fiscalização do

seu cumprimento.

Há limitações evidentes na referida política socioambiental,

marcada por orientações indicativas e ausência de

mecanismos transparentes e efetivos de avaliação, controle e

acompanhamento de impactos esperados dos projetos, bem

como do cumprimento de eventuais condicionantes previstas

nos licenciamentos. Ao mesmo tempo, o BNDES não prevê

sanções contratuais no caso de eventuais danos e passivos

socioambientais gerados pelo projeto.

A exigência do Banco se limita, na prática, a verificar se o projeto

possui licenciamento, negligenciando todas as outras exigências

da Lei, inclusive a que determina aos agentes financeiros que

“deverão fazer constar dos projetos a realização de obras e a

aquisição de equipamentos destinados ao controle de degradação

ambiental e à melhoria da qualidade do meio ambiente”.

Além do fato de que o licenciamento não é um salvo

conduto, pois a execução do projeto precisa ser acompanhada

e fiscalizada, a recorrência de graves irregularidades nos

processos de licenciamento de grandes projetos financiados

pelo Banco exigiria uma postura ainda mais criteriosa do BNDES.

Infelizmente, o que se verifica é o contrário disso. Isso fica

evidente pelo fato de ele seguir liberando os financiamentos

mesmo quando os projetos são objeto de ações judiciais por

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e

O desrespeito à legislação é característica comum dos empreendimentos no Brasil: sintomático

irregularidades nos licenciamentos e violações de direitos, como

fartamente documentado nos casos sistematizados neste estudo.

O Banco trabalha menos na perspectiva de condicionalidades

e mais na de incentivos às chamadas “boas práticas

socioambientais”, estabelecendo linhas de financiamento,

com spread zero para projetos de responsabilidade social e

ambiental pelas empresas. Com isso, em vez de estabelecer

limites e eventuais sanções, o BNDES acaba premiando as

empresas com novos e baratos recursos. Cria também, valendo-

se da conscientização sobre as crises ambiental e climática e

da escassez ambiental provocada inclusive pela degradação

decorrente dos megaprojetos que financia, uma série de novos

produtos financeiros de compensação ambiental, através dos

quais se capitaliza com novos recursos, públicos ou privados, e

os pinta de verde. Tais contradições tornam-se ainda maiores

quando se sabe que os recursos do seu Fundo Social, não

reembolsável e composto de um percentual do lucro líquido do

Banco, têm sido destinados para fundações empresariais.

Ao não estabelecer salvaguardas sociais e ambientais efetivas

para seus desembolsos e financeirizar relações que deveriam se

pautar pela observância de direitos, o BNDES ajuda a fragilizar

ainda mais a legislação ambiental brasileira. Essa estratégia se

articula com outras iniciativas nos campos do Executivo e do

Legislativo, como, por exemplo, a desqualificação do processo de

licenciamento de responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a aprovação

do novo Código Florestal.

4. O formalismo da resposta do BNDES ao que determina

a legislação ambiental brasileira se inscreve no contexto

do que autores deste estudo chamam de ambientalização

das instituições financeiras ou financeirização das políticas

socioambientais. Como afirmam Gabriel e Fabrina:

(...) com o processo de ambientalização dos Estados

e das IFMs, a estratégia passou a ser superar a visão

de que a questão ambiental seria um obstaculo para o

desenvolvimento, encontrando formas de promover

os propósitos desenvolvimentistas, como a busca por

maior lucratividade dos capitais em nome da geração de

emprego e renda, e garantindo, assim, uma legitimidade

para a questão.

Em complemento, segue a afirmação de Lúcia Ortiz:

Os novos mercados ambientais, deflagrados junto

com a crise climatica e ambiental, e a tentativa de

consensualização de um marco político global com a

promoção da economia verde, como via de solução

e reinvenção do capitalismo financeiro, contaram

com a expertise técnica e política do Banco Mundial

na elaboração de arcabouços lógico, político e legal

que impulsionaram, no Brasil, os mercados climaticos

na política nacional de clima, o ajuste estrutural das

políticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a

operação piloto de fundos e programas de negócios

ambientais no BNDES.

Tal estratégia fica patente ao se considerar as outras

contrapartidas associadas ao referido empréstimo do Banco

Mundial, como a reestruturação do Ibama para acelerar

o licenciamento ambiental e a implementação da Lei de

Gestão das Florestas Públicas Brasileiras, que regulamenta

mecanismos de arrendamento e privatização das florestas.

Esta contrapartida conecta-se a outra que diz respeito à

regulamentação do Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES,

composto de recursos não reembolsáveis fruto de doações e

destinado a “contribuir para o combate ao desmatamento da

floresta, além de iniciativas que promovam a conservação e o

uso sustentável da região”. Esta, que talvez seja, da perspectiva

do Banco, a sua principal política ambiental proativa, está

voltada a preparar um mercado de serviços ambientais a

serem transformados em certificados e créditos negociados

nas bolsas de valores.

Um exemplo concreto está a ser implementado pelo

98

governo do Acre, que recebeu do Fundo Amazônia o valor de

R$ 60 milhões para “fomentar práticas sustentáveis de redução

do desmatamento, com pagamento por serviços ambientais,

valorizando o ativo ambiental e florestal para consolidar uma

economia limpa, justa e competitiva (...)”. É justamente neste

estado que as bases da “economia verde” encontram-se mais

avançadas no mundo.

Em 2010, foi instituída no Acre uma lei estadual, antes

mesmo da aprovação de uma legislação em âmbito nacional,

que regulamenta o pagamento e a certificação de serviços

ambientais para efeito de comercialização de títulos em

bolsa de valores. Os recursos repassados pelo BNDES, via

Fundo Amazônia, para o governo do Acre visam exatamente

constituir o mercado de serviços ambientais. Ou seja, o

governo entra estruturando e regulamentando o mercado

para permitir a posterior entrada do setor privado. Vale

dizer que o governo do Acre estabeleceu um acordo com

o governo do estado da Califórnia, nos Estados Unidos,

envolvendo também a província de Chiapas, no México,

para o fornecimento de créditos por pagamento de serviços

ambientais para a compensação de emissões de CO2 pela

indústria da Califórnia.

Além do Fundo Amazônia, o Banco vem constituindo e

operando outros fundos voltados a promover o mercado de

carbono e serviços ambientais. O Fundo Clima do BNDES

se destina a aplicar a parcela de recursos reembolsáveis do

Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, ou Fundo Clima,

um dos instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do

Clima, criado em 2009 e vinculado ao MMA. O foco do fundo

está no apoio, ao setor privado e ao próprio MMA, por vezes

substituindo sem adicionalidade seus recursos orçamentários

para ações estratégicas de combate às mudanças do clima

identificadas nos planos setoriais do Plano Nacional sobre

Mudança do Clima (PNMC), previstos por Lei, assim como

o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e a

Política Nacional sobre Mudança do Clima.

Em janeiro de 2011, o Banco lançou o Fundo do Índice

Carbono na BM&F Bovespa, formado por ações de empresas

que compõem o Índice de Carbono Eficiente (ICO2). Destaque

também para o Programa BNDES Desenvolvimento Limpo,

que é um programa para a seleção de Gestores de Fundos de

Investimento com foco direcionado para empresas/projetos

com potencial de gerar Reduções Certificadas de Emissão

(RCEs) no âmbito dos Mecanismos de Desenvolvimento

Limpo (MDL).

Vale dizer que tais iniciativas também se inscrevem no

contexto de outro plano setorial da PNMC, em especial o

Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), diretamente

referida ao “Estudo de Baixo Carbono para o Brasil”, lançado

pelo Banco Mundial, em 2010.

Segundo Lúcia Ortiz:

(...) o cenario alternativo, chamado de “baixo carbono”

pelo Bird, não contesta a expansão do agronegócio,

da pecuaria e das monoculturas para agroenergia,

fomentados amplamente pelo BNDES (...) Nota-se que

o estímulo à expansão do agronegócio é diretamente

proporcional ao calculo de créditos de redução de

emissões, gerando, a partir da ficção de um cenario

futuro, uma enxurrada de títulos negociaveis no mercado

de emissões e justificando as políticas públicas de

intensificação do incentivo e do crédito ao modelo

agroindustrial exportador, em detrimento de outros

setores não contemplados nos planos de mitigação das

mudanças do clima, como agroecologia, por exemplo.

Assiste-se, como alertam os autores, a um processo de

financeirização das políticas ambientais e, por conseguinte,

da própria natureza, esvaziando dramaticamente o sentido

público do direito e dos bens comuns. Uma financeirização não

apenas na transformação dos contratos de financiamento em

mecanismos “extralegais” de viabilização de projetos social e

ambientalmente impactantes, mas também de abertura de um

99

novo mercado, da chamada “economia verde”, que, mantendo

a mesma lógica compensatória, vai servir para justificar a

continuidade da degradação socioambiental. Degradação

operada e controlada pelos setores intensivos em natureza, que,

por sua vez, terão neste mercado novas fontes de acumulação.

Nos dizeres da referida pesquisadora:

O que parece contraditório não é. Somente a contínua

poluição e degradação da natureza pode tornar os

bens comuns escassos e, assim, elevar seu preço nos

mercados e nas bolsas de valores; ou seja, no mundo das

instituições financeiras que, hoje, controlam a política.

Assim, o Banco Mundial, que não é nenhum exemplo de

sustentabilidade, influencia com sua agenda neoliberal

a financeirização da natureza e da política ambiental do

Brasil, adotada também pelo BNDES.

5. O principal argumento que se levanta contrariamente à tese

da corresponsabilização do agente financeiro é o de que não

seria possível estabelecer o elo causal entre o financiamento

e o dano causado. Se este pode ser um argumento passível de

contendas judiciais, no caso do BNDES e dos projetos estudados

ele de forma alguma se aplica. O Banco financia de 60% a 80%

do valor dos projetos, ou seja, sem o financiamento do BNDES

não haveria projeto. Além de viabilizador dos projetos, o Banco

é, em muitos dos casos, acionista das empresas que compõem

os consórcios ou grupos responsáveis pela implementação dos

projetos. Nestes casos, a responsabilidade do Banco pelo dano

não é indireta ou solidária, mas direta e subsidiária.

No caso da Veracel, sistematizado neste estudo, em que o

Ministério Público Estadual (MPE) da Bahia acabou por suspender

o processo de licenciamento ambiental para ampliação do

plantio de pinus e eucalipto por conta de graves irregularidades,

o Banco possui 30% do capital da Fibria, detentora de 50% da

referida empresa. Por conta disso o MPE apresentou uma

notificação judicial ao Banco alertando, em conformidade com a

legislação ambiental, o financiamento a “ações ilícitas da Veracel,

daí podendo surgir responsabilidade solidária para o referido

Banco, pelo ilícitos ambientais praticados em parceria”.

6. Se olharmos para além dos projetos, focando os grandes

grupos econômicos beneficiários do crédito do Banco, veremos

que o BNDES e o seu braço de participações, o BNDESPar,

que acumulava em 2010 aplicações de R$ 100 bilhões, atuam

como viabilizadores das próprias estratégias de concentração

e conglomeração destas empresas. Isso se dá para além

dos financiamentos, seja por meio de capitalizações, de

patrocínio a processos de fusões e aquisições, seja pelo apoio à

internacionalização de capitais.

Alguns estudos que têm se dedicado a olhar a rede de

proprietários últimos na estrutura societária destes grandes

grupos econômicos demonstram que o BNDES, juntamente

com os fundos de pensão das estatais (Previ, Petros, Funcef),

representam os principais elos que sustentam esta rede

oligopolista, onde figuram Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade

Gutierrez, Queiroz Galvão, Gerdau, Ultra, Vicunha, Itaú, Bradesco,

Votorantim, EBX, JBS e Perdigão, com participações cruzadas nos

referidos setores.

São também conhecidos os casos de envolvimento direto do

Banco no financiamento e formatação das fusões e aquisições,

como nos casos de Votorantim e Aracruz (Fibria), Perdigão e Sadia

(Brasil Foods), Itaú e Unibanco, Brasil Telecom e Oi, JBS e Bertin

e na tentativa de aliança entre o Pão de Açúcar e o grupo francês

Carrefour. O nível de concentração da economia patrocinado pelo

Banco tem efeitos diretos sobre a vida dos brasileiros.

7. O Banco não possui, como já afirmado, uma política de

divulgação de informações relativas ao Sistema BNDES. Em

2009, o Banco adotou o chamado “BNDES Transparente”, que

dá publicidade somente a projetos privados contratados a partir

de 2008 e não inclui os projetos fora do país. A não publicidade

da totalidade da carteira de projetos é algo que fere o princípio

constitucional da publicidade no uso do recurso público,

bem como desrespeita a recém-aprovada Lei de Acesso à

100

Informação (Lei 12.527/2011).

Considerando o exposto acima, corre-se o risco de assistirmos

ao BNDES se precavendo e adotando medidas protelatórias na

prestação de informação à sociedade brasileira. E já há sinais

disso. Com a oportunidade da entrada em vigor da Lei de Acesso

à Informação e da já consolidada pauta da Plataforma BNDES

de defesa de adoção de uma política pública de informação

pelo BNDES, o Instituto Mais Democracia tomou a iniciativa

de encaminhar ao Serviço de Informação ao Cidadão da

Controladoria Geral da União (CGU) um pedido de informações

sobre o Banco. O pedido reproduz a histórica pauta por

transparência do Banco, expressa no documento de fundação da

Plataforma (2007) e reforçada em diversos outros documentos

nestes últimos cinco anos.

A resposta do Banco à solicitação do Mais Democracia foi

evasiva e protocolar, onde se lê “esclarecemos que o BNDES

esta envidando seus melhores esforços no sentido de atender

às proposições colocadas”. Na resposta, o Banco não se

compromete com prazos e informações a serem divulgadas. Vale

lembrar que, conforme faculta a Lei de Acesso, caso a resposta ao

pedido de informação não seja satisfatória cabe recurso.

8. Sobre as cláusulas sociais existentes no Banco, desde 2008,

verifica-se o comprometimento em realizar o vencimento

antecipado do crédito caso a empresa beneficiária seja

condenada, em última instância, por questões relativas à

discriminação de raça ou gênero e às condições de trabalho

análogas à escravidão. Ou seja, a condenação deverá ter

transitado em julgado, sem possibilidade de recurso.

Considerando as diferentes formas de violação de direitos

trabalhistas nos projetos aqui estudados, bem como as

centenas de ações judiciais impetradas pelo Ministério

Público, a hesitação do Banco em responder a situações

de violação não apenas contribui para persistências e

agravamento delas, como acaba por comprometê-lo com

situações de insegurança jurídica, potencialmente prejudiciais

ao próprio retorno dos investimentos.

Ainda sobre as questões de raça e gênero, chama a atenção

a recorrente determinação da Lei de Diretrizes Orçamentárias

(LDO) que, desde 2007, explicita a necessidade do Banco de

avançar na observância destas questões. Vale citar, no Art. 86 da

LDO 2012:

(...) as agências financeiras oficiais de fomento,

respeitadas suas especificidades, observarão as

seguintes prioridades: (…) IV - para o Banco Nacional

de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES:

(...) b) financiamento de programas do Plano Plurianual

2012-2015, especialmente as atividades produtivas que

propiciem a redução das desigualdades de gênero e

étnico-raciais; (…) g) redução das desigualdades regionais,

sociais, étnico-raciais e de gênero, por meio do apoio

à implantação e expansão das atividades produtivas;

(...) h) financiamento para o apoio à expansão e ao

desenvolvimento das empresas de economia solidaria,

dos arranjos produtivos locais e das cooperativas, bem

como dos empreendimentos afro-brasileiros e indígenas.

Em que pese tais exigências da Lei, o Banco, simplesmente,

não tem gerado ações nesta direção.

9. O que explicaria esta não efetividade do BNDES em termos

sociais e ambientais? Como é possível imaginar que uma

política socioambiental seja anunciada sem apresentar

instrumentos e procedimentos que a tornem efetiva? Como

justificar o desrespeito pelo Banco à própria legislação

ambiental brasileira, quando ele segue, por exemplo,

comprometido com o financiamento de obras na Amazônia,

como a do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira (Rondônia) e

a da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (Pará),

que, entre várias irregularidades, clara e sabidamente

desrespeitam as condicionantes contidas em seus respectivos

licenciamentos ambientais?

Alguns atribuem a falta de efetividade da política

101

socioambiental do Banco à falta de interesse e de uma cultura

institucional, refletidas em falhas operacionais e despreparo

técnico, e que caberia, portanto, às organizações da Plataforma

BNDES a discussão e posterior proposta ao Banco de

salvaguardas sociais e ambientais em seus procedimentos de

análise e nos contratos de financiamento. Segundo esta visão

haveria uma brecha para “mostrar ao Banco o que fazer”, dada

pelo momento de maior visibilidade dos seus financiamentos e

da formalização de uma política socioambiental.

As evidências aqui elencadas de violações associadas a projetos

financiados pelo Banco parecem demonstrar que não há brechas.

Não se trata apenas de uma falta de interesse do Banco, mas

sim de uma coincidência de propósitos entre o BNDES e as

grandes corporações destes setores intensivos em natureza e

de infraestrutura, em favor da flexibilização da legislação e dos

direitos sociais e ambientais.

Neste contexto, cabe indagar a validade, bem como os

riscos, de uma estratégia voltada a estabelecer recomendações

e salvaguardas para o Banco. Concentrarmos nossa atuação

no debate sobre salvaguardas é aceitar que haverá impactos

negativos, que serão – em alguma medida – evitados ou

mitigados. É aceitar que não cabe discutir a pertinência do

projeto a ser financiado. Corre-se, pois, um duplo risco. De

um lado, de dispersar esforços, capturando nossa capacidade

técnica e política necessárias a uma atuação mais efetiva

sobre o Banco. De outro, de corroborar, no limite, compactuar,

com a natureza rebaixada da atuação do Banco em termos

socioambientais, como alertam, em artigo anterior, Fabrina

Furtado e Gabriel Strautman sobre a “agenda reformista”,

voltada a aperfeiçoar as salvaguardas e os procedimentos

de participação e resolução de conflitos das Instituições

Financeiras Multilaterias (IFMs).

102

A floresta Amazônica é destruída para dar lugar à construção de Belo Monte: que desenvolvimento é esse?

Segundo os referidos autores:

(...) identificam-se pelo menos dois grupos críticos

das IFMs com diferentes interpretações para os

problemas de implementação das salvaguardas: o

primeiro deles é o dos reformistas, que acreditam nas

salvaguardas como um instrumento de reforma dos

bancos e atribuem a falhas operacionais os problemas

na implementação; o outro grupo, dos contestatarios,

argumenta que as salvaguardas são instrumento de

retórica, sendo, portanto, muito mais um discurso do que

necessariamente uma pratica. Para este grupo, o objetivo

final das salvaguardas é a neutralização da crítica ao

modelo de desenvolvimento do qual os bancos são um

instrumento central.

Tais limites não invalidam a necessidade de se trabalhar com

alternativas em termos de critérios e salvaguardas sociais e

ambientais, inclusive como forma de organização da luta das

populações atingidas. Mas deve-se ter claro que a questão não é a

falta de alternativas, mas sim o não reconhecimento pelo BNDES

de que as violações geradas pelo atual padrão de acumulação

configuram, de fato, um problema.

Prova disso é que o Banco somente aceitou tratar de

salvaguardas, como nos exemplos das exigências do Tribunal

de Contas da União (TCU) para os projetos relacionados

aos megaeventos esportivos e dos procedimentos para o

financiamento dos frigoríficos, quando a ausência delas tornou-

se um problema público. Por pressão ou de outras instâncias do

próprio governo federal, ou de agentes do mercado externo, ou

de compradores da carne brasileira.

O caso dos frigoríficos ficou mais conhecido por conta da

repercussão na imprensa. Com as denúncias do Greenpeace

junto ao Ministério Público Federal do Pará de que os frigoríficos,

a exemplo da JBS, financiados pelo Banco, estavam comprando

gado de pecuaristas que desmatam a Amazônia, houve forte

pressão das empresas, como a Wal-Mart e o Carrefour, que

chegaram a suspender a compra de carne da JBS. Não se pode

esquecer, neste caso, que o Banco é também controlador de 31%

do capital da JBS. Embora as salvaguardas estabelecidas para o

setor da pecuária apresentem, como já dito, limitações, deve-

se ter claro que foram fatores alheios ao Banco que acabaram

por constrangê-lo a adotá-las, pois, do contrário, a própria

rentabilidade do negócio estaria ameaçada.

Já o TCU, juntamente com o MPF e a CGU, conseguiu

avançar no estabelecimento de salvaguardas nos contratos de

financiamento do BNDES para os megaeventos. Conforme

relato de documentos públicos deste Tribunal, o Banco

declarou não possuir competência instalada para analisar

os orçamentos dos projetos, avaliando apenas as garantias

oferecidas pelo beneficiário. Desta forma, o TCU instou o

Banco a não liberar recursos acima de 20% do valor do projeto,

sem que antes o Tribunal fornecesse a informação sobre a

adequação do orçamento do projeto. Caso o TCU constate

sobrepreço, conforme ocorreu nos casos das obras nos estádios

do Maracanã, no Rio de Janeiro, e da Arena Amazônica, em

Manaus, o Banco somente liberará o recurso após a revisão

do orçamento. Caso o orçamento permaneça superestimado,

o Banco deverá descontar no valor do empréstimo o valor do

sobrepreço. Além desta salvaguarda inédita, o TCU também

instou o Banco a suspender o financiamento para a segunda

etapa da Transcarioca, obra de mobilidade urbana no Rio de

Janeiro, em decorrência de irregularidades no processo de

licenciamento ambiental da obra.

Mas não se deve perder de vista o contexto de financeirização

da política ambiental em que se propõe discutir salvaguardas

sociais e ambientais. Como esclarece Lúcia Ortiz:

As políticas ambientais, orientadas pela cooperação

técnica de instituições como o Banco Mundial ou geridas

por instituições financeiras como o BNDES, tornam

contraditória qualquer iniciativa de regulamentação

através de critérios e salvaguardas. Elas implicam um

processo que se aprofunda na perda de direitos e

na contínua deterioração do papel do Estado como

103

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peac

e

garantidor deles, em favor dos interesses e novos direitos

do mercado sendo agora assegurados por lei. Tal como

o Banco Mundial, o BNDES tem se utilizado de uma

estratégia de capitalização diante da crise ambiental

como central à sua política socioambiental. Fortalecer

essa lógica através da criação de critérios e salvaguardas,

seja para o financiamento de grandes obras e projetos,

seja para aqueles produtos e fundos que deveriam ter

como premissa a proteção e conservação ambientais,

significa deslocar o foco do debate sobre o modelo de

desenvolvimento e do papel central que as instituições

financeiras vêm desempenhando na sua promoção.

Recomendações

1. Embora a responsabilidade solidária do agente financeiro

pelos danos sociais e ambientais do projeto financiado seja

algo previsto na legislação ambiental brasileira, até hoje o

BNDES não chegou a ser interpelado judicialmente sobre sua

responsabilidade por violações de direitos por qualquer projeto

por ele financiado. Recomendamos que as organizações da

Rede Brasil, em articulação com a Plataforma BNDES, acionem o

Ministério Público Federal instando-o a impetrar uma ação civil

pública que interpele o Banco nesta direção.

Certamente, uma ação civil pública que se baseie na tese

da responsabilidade solidária por violações de direitos pode

ter diferentes objetos: solicitação do vencimento antecipado

do financiamento; suspensão da liberação de parcelas do

financiamento até que os danos sejam reparados; desconto no

valor do financiamento correspondente ao valor da reparação

dos passivos sociais e ambientais gerados; revisão nos termos

do contrato de financiamento; e, mesmo, a combinação

deles. Contudo, para além do objeto da ação, cabe chamar a

atenção para a escolha do caso a ser trabalhado, para efeito da

interpelação judicial ao Banco.

Conforme afirmado anteriormente, para que o Banco

reconheça as violações de direitos como problema a ser

enfrentado é preciso muita pressão pública e, neste sentido,

a escolha do caso faz diferença. Além das evidências e da

extensão de violações de direitos, a identificação do caso a ser

considerado deve levar em conta: mobilização e organização

social na resistência ao projeto; irregularidades no processo de

licenciamento; presença financeira do Banco no projeto; grupo

econômico envolvido e sua conexão com o Banco; sensibilidade

do ponto de vista internacional, seja por desrespeito a tratados

internacionais, seja pela presença de capitais estrangeiros.

Entre os casos sistematizados neste estudo, destacam-se por

estes critérios a Usina Hidrelétrica de Belo Monte e o Complexo

Siderúrgico do Atlântico (TKCSA).

No caso de Belo Monte, trata-se do maior financiamento a

um único projeto a ser desembolsado pelo Banco – estimado

em R$ 24 bilhões –, com claras irregularidades no processo

de licenciamento, envolvendo empresas estrangeiras no

fornecimento de equipamentos, com forte mobilização local

e nacional contrária à obra, com graves e extensos impactos

sobre o território, particularmente sobre os povos indígenas.

Em 2011, o Ministério Público Federal do Pará pediu a anulação

da licença de instalação da hidrelétrica em uma ação ajuizada

contra o consórcio Norte Energia e o Ibama, já que, além

de as condicionantes estarem sendo descumpridas e serem

insuficientes, elas são mal fiscalizadas pelo órgão ambiental. Um

dos exemplos de condicionantes não atendidas refere-se à não

realização das oitivas indígenas, em desrespeito à Convenção

169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que

motivou a solicitação pela Organização dos Estados Americanos

(OEA) ao governo brasileiro de suspensão tanto do processo

de licenciamento como da construção da usina hidrelétrica.

Chama a atenção também que o consórcio Norte Energia tem

a participação da Vale, cuja atuação vem sendo questionada

pela Campanha dos Atingidos pela Vale, que poderia se somar à

iniciativa da Rede Brasil.

No dia 23 de agosto de 2012, a Norte Energia foi obrigada a

paralisar as obras em Altamira e em Vitória do Xingu, depois de

receber o acórdão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal

104

da 1ª Região (TRF-1), que atendeu

pedido do MPF do Pará e anulou o

decreto legislativo 788/2005 e todas as

licenças concedidas pelo Ibama para

o empreendimento. O voto do relator

Antonio Souza Prudente, acolhido

por unanimidade pela 5ª Turma,

afirmou: “Não podemos admitir um ato

congressual no estado democrático de

direito que seja um ato de ditadura, um

ato autoritário, um ato que imponha

às comunidades indígenas um regime

de força”. No entanto, apenas quatro

dias depois, na noite do dia 27, ao

analisar o pedido feito pela Advocacia

Geral da União (AGU), que entrou com

reclamação contra a decisão do TRF-1,

o presidente do STF, Carlos Ayres Britto,

concedeu uma liminar que permitiu a

retomada das obras de Belo Monte. A decisão de Britto vale até

que o STF analise e julgue o mérito da questão, em plenário. Mas

não há previsão para que isso aconteça.

Já no caso da TKCSA, em que o Banco está comprometido

com R$ 2,4 bilhões, equivalente a 30% do projeto, “são

alarmantes”, como informa neste estudo Marilda Teles, “os

níveis de poluição atmosférica com particulados provenientes

de ferro e de emissões de CO2: a Companhia Siderúrgica

do Atlântico (TKCSA), uma joint venture da Vale com a

ThyssenKrupp, ‘vem causando inúmeros impactos negativos

na saúde, no meio ambiente e na renda de cerca de 8 mil

famílias de pescadores artesanais e centenas de famílias

residentes em Santa Cruz, no Rio de Janeiro’ (Campanha

Pare a TKCSA!, 2012). Segundo o Instituto de Geociências da

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esta companhia

causou um aumento de 600% na concentração média de

ferro no ar na area de sua influência em relação ao período

anterior ao início da pré-operação. Este crime ambiental foi

constatado e denunciado pelo Ministério Público do Rio de

Janeiro em abril de 20121. De acordo com dados da própria

empresa, a TKCSA também elevara em 76% as emissões

de CO2, o que significa mais de 12 vezes o total da emissão

de todo o município. Reforçando as críticas feitas pelos

moradores da região, a Fiocruz constatou um aumento de

1.000%2 na concentração de ferro no ar da região (Relatório

de Insustentabilidade da Vale 2012). Isso revela que a ‘CSA,

sozinha, produzira 9,7 milhões de toneladas de dióxido de

carbono (CO2)’, de acordo com informações do Departamento

de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), em

2010, ultrapassando em três ou quatro vezes o estipulado pela

Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo requerimento

do MPRJ”.

Além disso, as atividades da pesca e a renda dos pescadores

estão gravemente prejudicadas pela TKCSA, o que resultou em

seis processos judiciais (dos nove movidos contra a empresa) que

preveem indenizações para 5.763 pescadores da Baía de Sepetiba

105

O coquetel de poluentes emitidos pela TKCSA ainda não foi totalmente decifrado: "chuva de prata" que assusta a comunidade vizinha

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(Virgínia Toledo, Rede Brasil Atual, 18 de abril de 2012). Os

licenciamentos concedidos pelo Instituto Estadual do Ambiente

(Inea) estão repletos de irregularidades, conforme denúncias do

Ministério Público Estadual (MPE). Até o momento a empresa

não obteve a licença de operação, por não conformidade com as

condicionantes estabelecidas nas licenças prévias e de instalação.

Vale acrescentar que, no caso da TKCSA, a ThyssenKrupp já

manifestou o interesse de vender sua parte no empreendimento.

Como principal credor da empresa, o BNDES precisa dar a sua

anuência à venda. Caso haja alguma restrição por parte do

Banco, ele poderá sair do negócio, realizando o vencimento

antecipado do financiamento ou mesmo alterando os

termos do contrato, no sentido de elevar as garantias. A

venda da participação da ThyssenKrupp apresenta-se como

uma oportunidade para que os movimentos de resistência,

envolvendo comunidades de pescadores, população local e

a Fiocruz, exijam, por via legal, que o Banco revise o contrato

de financiamento no sentido de estabelecer garantias da

reparação e eliminação dos passivos sociais e ambientais do

empreendimento pelo(s) futuro(s) comprador(es).

Importante deixar claro que a recomendação em favor

de uma ação civil pública não tem a intenção de reduzir e

limitar a luta política à arena judicial, como bem alerta Jadir

Brito, quando trata das tendências recentes à “judicialização

da política” e ao “ativismo jurídico”. Na verdade, trata-se

exatamente do contrário. A via jurídica, aqui, busca servir de

instrumento de pressão pública a fim de constranger o Banco a

reconhecer e assumir sua responsabilidade social e ambiental,

tal como determina a Lei.

Trata-se da defesa intransigente da lei, garantindo que o direito

privado não se sobreponha ao direito público, como vem ocorrendo

no caso do BNDES. Este “o que fazer” aponta para o reconhecimento

e a valorização do conflito social – da luta das populações atingidas

direta e indiretamente pelos megaprojetos de grandes grupos

econômicos e do Banco – como gerador de sujeitos coletivos

capazes de fazer a defesa de seus direitos, não se submetendo à ação

discricionária daqueles que se julgam acima da lei.

2. Considerando as limitações já anunciadas pelos próprios

órgãos públicos em responder às exigências por transparência

estabelecidas pela Lei de Acesso e, particularmente, a resistência

das empresas estatais, torna-se oportuna a publicidade desta

agenda de informações, tal como tem pleiteado a Plataforma

BNDES. Elas são condição para conhecermos e incidirmos

sobre o BNDES, de forma que, além de estatal, ele seja

efetivamente público.

Desta forma, recomendamos que as organizações que

compõem a Rede Brasil, em articulação com a Plataforma BNDES

e organizações aliadas, tracem uma estratégia conjunta para

assegurar, pelos meios cabíveis, o amplo acesso e a publicação

pelo Banco das seguintes informações:

2.1 - Sobre a carteira de projetos privados contratados pelo

Banco, por meio de operações diretas e indiretas

a) a totalidade da carteira de projetos privados, ou seja,

todos os projetos que dizem respeito a empréstimos que

ainda não foram pagos pelos beneficiários, além dos

desembolsos futuros já aprovados;

b) para cada projeto, o Banco deverá informar – além das

informações já constantes no “BNDES Transparente”: nome

e Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) do cliente,

objetivo, data da contratação, unidade federativa e valor do

projeto – as seguintes informações: valor total do projeto;

localização do projeto, considerando como referência o(s)

município(s); condições do financiamento (juros, carência,

prazos e garantias); classificação de risco ambiental; impactos

ambientais e sociais esperados (em conformidade com os

Anexos 6 e 7 do “Roteiro de Informações para a Consulta

Prévia”); indicar a existência ou não de licenciamento

ambiental; em que etapa do processo de licenciamento

ambiental o empreendimento em questão se encontra

(Licença Prévia, de Instalação ou Operação), nomes e

contatos dos responsáveis no Banco pelo financiamento e de

representantes das empresas tomadoras dos empréstimos;

c) quando existir, informar relação de contrapartidas por

106

parte do tomador dos empréstimos;

d) quando existir, informar financiamentos paralelos ao

financiamento principal e que visem atender a dimensão

social do projeto (escolas, postos de saúde, etc.), observando

as mesmas informações solicitadas acima quanto ao

financiamento principal.

2.2 - Sobre a governança do BNDES

a) “Relatórios de Análise”, que orientam a decisão da diretoria

do Banco sobre a aprovação de projetos;

b) agenda, pauta e decisões das reuniões de diretoria e do

Conselho de Administração, com antecedência e amplitude

suficientes para garantir o exercício do controle público;

c) mecanismos de avaliação, acompanhamento técnico e

financeiro e fiscalização dos projetos contratados pelo Banco,

em observância à legislação brasileira, em especial, à legislação

ambiental;

d) participação de funcionários e ex-funcionários do BNDES,

em atividade e aposentados, ao longo de toda a história do

Banco, em conselhos de administração de empresas e de

associações de empresa em qualquer área ou com qualquer

objetivo, informando o nome da pessoa e de qual conselho fez

ou faz parte.

2.3 - Sobre os fundos não reembolsáveis do Banco, Fundo

Social e Funtec (Fundo Tecnológico)

a) nome dos beneficiários, os objetivos do projeto apoiado e

o valor liberado.

2.4 - Sobre o BNDESPar

a) a composição da carteira de ações do BNDESPar

por empresa, indicando o valor aplicado e a participação

percentual no capital total e votante das empresas.

2.5 - Sobre a atuação internacional do BNDES

a) a totalidade dos projetos privados contratados fora do país,

contemplando o conjunto das informações acima elencadas

para as operações diretas e indiretas no país;

b) as iniciativas de captação e financiamento realizadas no

âmbito do BNDES Limited, em Londres, contemplando as

informações acima elencadas sobre as operações no país;

c) os termos de todos os acordos firmados pelo Banco no

âmbito do memorando de cooperação técnica assinado em

15 de abril de 2010 pelo BNDES e suas contrapartes na China,

Rússia, Índia e África do Sul.

3. Recomendamos que a Rede Brasil, em articulação com a

Plataforma BNDES, por meio de gestão no Congresso brasileiro,

questione a legitimidade e mesmo legalidade do Empréstimo

Programático de Política para o Desenvolvimento em Gestão

Ambiental Sustentável Brasileira (SEM DPL, sigla em inglês) do

Banco Mundial, no valor de US$ 1,3 bilhão, em sua primeira

fase – em que a política ambiental do Bird, braço do Grupo

Banco Mundial, serve de referência para o BNDES. O grau de

ingerência do Bird nos assuntos internos, por mais que haja

uma coincidência de propósitos com a orientação do atual

governo, atenta contra o Estado de direito, pois fere os institutos

constitucionais garantidores de direitos sociais e ambientais.

O questionamento ao referido empréstimo deve ser

acompanhado da exigência de que o BNDES realize audiências

públicas para discutir e detalhar sua política socioambiental.

Tais audiências deverão prever a participação de representações

de órgãos públicos de licenciamento, de organizações civis, de

movimentos sociais e populações impactadas por megaprojetos.

Caberia também à Rede Brasil retomar, neste contexto, a proposta

de “Avaliação de Equidade Ambiental”, construída no âmbito da

Rede Brasileira de Justiça Ambiental, como forma de se contrapor

ao processo de planejamento de projetos de desenvolvimento e à

flexibilização da legislação e gestão ambiental no país.

Em sintonia com esta estratégia, seria importante que a

Rede Brasil pudesse seguir com os processos de formação/

capacitação nos territórios, a exemplo da oficina que realizou

no Acre, em outubro de 2011, sobre o avanço dos mecanismos

de estruturação do mercado de clima no contexto da chamada

107

“economia verde”. A complexidade dos processos e mecanismos

de financeirização da questão ambiental exige um grande

esforço de conhecimento, comunicação e disseminação pública.

4. Recomendamos, também, estender a atuação do TCU, de

caráter preventivo e hoje limitada aos financiamentos da Copa do

Mundo, para todos os grandes projetos financiados pelo BNDES.

Como ficou demonstrado neste caso, o Banco não possui

capacidade de análise dos orçamentos, por isso se viu impelido a

aceitar a orientação do órgão público competente. Cabe, pois, ao

Banco respeitar as orientações de outros órgãos do Estado, que

atuam em defesa de direitos constitucionais, no direcionamento

de seus financiamentos.

Antes de financiar e patrocinar processos de fusão e aquisição,

o Banco deve ouvir o Cade sobre os efeitos esperados destes

processos sobre a concorrência e os preços. Ao financiar

megaprojetos com graves impactos

ambientais, o Banco deveria cobrar

e fiscalizar as empresas beneficiárias

quanto à observância do que determina

as condicionalidades indicadas nos

licenciamentos e, no caso de passivos,

prever sanções contratuais de vencimento

antecipado ou abatimento do crédito, a fim

de preservar o interesse público. Ou seja,

trata-se da atuação do Banco de concorrer

para o reconhecimento e fortalecimento

do papel institucional do Ibama, bem

como dos órgãos de fiscalização estaduais.

Nos projetos financiados fora do país,

o BNDES deverá seguir, como padrão

mínimo, o que determina a legislação

ambiental brasileira.

Nos seus financiamentos, o Banco não

deveria solicitar somente a autodeclaração

do beneficiário de que não descumpre

a legislação trabalhista referente à saúde

do trabalhador. Deve solicitar informações junto aos órgãos

competentes do Ministério da Saúde, Previdência e do Trabalho

e Emprego para poder melhor orientar sua avaliação dos

projetos no setor. Ao financiar o setor do agronegócio, o Banco

deve buscar informações também junto à Agência Nacional

de Vigilância Sanitária (Anvisa), para saber como e o quanto a

produção de alimentos, particularmente os transgênicos, estão

comprometidos pela introdução de elementos tóxicos na sua

produção – ainda mais, considerando que o Brasil é o país que

mais consome agrotóxico no mundo.

Esta atuação concernente com as políticas de outros órgãos do

Estado, no sentido do cumprimento do que determina a lei e o

direito, evitaria que o Banco atuasse contrário ao direito, como

nos casos aqui assinalados demonstram.

Em linha com esta proposta, recomenda-se, também, a criação

de uma comissão independente do Banco, porém mantida com

108

As irregularidades e ilegalidades marcam o histórico da TKCSA: não agiria assim na Alemanha

Rio

+ Tó

xico

201

2

recursos do BNDES, que analise a pertinência de a instituição

aceitar o pedido de financiamento a projetos que encerrem riscos

potenciais extremos aos territórios em que serão implantados.

Em caso de aceitação do financiamento, sugere-se, também, que

a comissão continue a trabalhar durante o desenvolvimento da

obra, observando o respeito a todas as condicionantes assumidas

pelos titulares do projeto. Esta comissão, com poder vinculante,

deveria ser composta de representantes das populações direta e

indiretamente atingidas pelas obras, superintendentes do Banco

e de membros dos órgãos de controle do Estado. Exemplos

de casos extremos são, mais uma vez, o da usina Belo Monte

e o da siderúrgica TKCSA, que desde a fase de licenciamento

ambiental demonstravam seu potencial de risco para o

conjunto das populações e do ambiente físico das regiões em

que foram implantadas.

É também tarefa da universidade e das organizações civis

colocar em debate os rumos do desenvolvimento brasileiro e

seus principais beneficiários. No caso das instituições públicas de

ensino superior, há uma ampla agenda de pesquisa e extensão

cuja ociosidade contrasta com sua urgência. Esta agenda

precisa estar comprometida com a vida social, em conexão

com movimentos sociais, não apenas aqueles com certo grau

de institucionalização, mas também com as novas dinâmicas

organizativas e de mobilização vinculadas a conflitos nos

territórios e no mundo do trabalho.

Cabe o desafio da academia de ir além dos indicadores de

eficiência e proficiência da Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de

Pesquisa (CNPq), conectando-se com as demandas e questões

mais emergentes e urgentes da sociedade brasileira neste

início de século. Quanto à questão dos recursos, vale lembrar

que o Fundo Social do BNDES, não reembolsável, pode e deve

contribuir com a produção acadêmica de avaliações, indicadores

e recomendações sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro.

Sobre a observância das questões relativas a raça e gênero,

recomenda-se a atuação da Rede Brasil junto ao Congresso

brasileiro no sentido de instar e constranger o Banco a responder

o que estabelece a LDO federal, desde 2007. Além disso,

recomenda-se que a Rede Brasil atue junto ao próprio BNDES

no sentido de que as “cláusulas sociais” adotadas pelo Banco

sejam acionadas em caso de abertura de processos judiciais, não

precisando que o processo alcance a última instância.

Expostas as Considerações e Recomendações, resta-nos o

debate e a ação que sirva ao bom combate em defesa do Estado

de direito, que parece não valer quando estão em jogo relações

entre órgãos públicos e interesses de grandes grupos privados.

* Responsável pela organização desta publicação, João Roberto Lopes Pinto é Coordenador do Instituto Mais Democracia e desde a IX Assembleia Geral da Rede Brasil, realizada em agosto de 2012, é membro da Coordenação Nacional da Rede Brasil.

1 “Relatório dos atingidos pela Vale cita ‘insustentabilidade’ e critica ‘incoerente posição’ da mineradora”. Virginia Toledo/Rede Brasil Atual. Publicado em 18/4/2012. Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/temas/ambiente/2012/04/relatorio-dos-atingidos-pela-vale-denuncia-insustentabilidade-e-critica-a-antagonica-posicao-da-mineradora.

2 Relatório da Fiocruz caso TKCSA 2011: “Avaliação dos impactos socioambientais e de saúde em Santa Cruz decorrentes da instalação e operação da empresa TKCSA”. 2011.

As ensecadeiras simbolizam o início da transformação do Rio Xingu: morte da vida

Vere

na G

lass

109

110

Efe

As crises econômico-financeira, social e ecológica se

inserem no contexto mais amplo de financeirização

da economia, processo intensificado desde os anos

1980 com a crescente desregulamentação do setor financeiro,

em particular o desmantelamento dos controles de atividades

financeiras entre as economias nacionais e a abertura das contas

de capitais1. Neste processo de financeirização, a rentabilidade das

transações com dinheiro, riscos e produtos associados tornou-se

significativamente superior à rentabilidade da produção de riqueza

tangível na forma de bens e serviços2. Isso implica um alargamento

dos mercados financeiros em relação aos mercados de bens e

serviços3 e um aumento exponencial de atividades especulativas

arriscadas, como as que levaram a um ciclo de crises financeiras

desde à da tequila em 1994 até o colapso financeiro de 2008.

Desde 2008, a crise econômico-financeira já avançou em

diversos sentidos. De, inicialmente, uma crise financeira no

coração do capitalismo, esta se transmitiu a outras regiões e

esferas através: da contração do crédito, dos investimentos

e da demanda por bens e serviços, gerando desaceleração

do crescimento e recessão, com fortes impactos sociais; do

aumento exponencial do endividamento público, gerando crises

de dívida soberana; da ditadura dos agentes financeiros sobre

os regimes políticos supostamente democráticos, traduzindo-se

em uma crise institucional e política de incapacidade e, acima de

tudo, desinteresse de restabelecer um pacto social que coloque

os mercados financeiros a serviço das necessidades de produção

e consumo sustentáveis dos povos; da intensificação da

A história se repete como farsaDiana Aguiar*

Contexto Internacional

privatização, comodificação e financeirização dos bens comuns

como falsas soluções de mercado à crise, desvelando a face

social e ecológica desta crise sistêmica.

Neste contexto de múltiplas crises econômico-financeira,

social e ecológica, que papel têm assumido as Instituições

Financeiras Internacionais (IFIs) na arquitetura de “soluções”

à crise sistêmica? Como se reconfiguraram desde 2008?

Fizeram mudanças significativas em seu modus operandi, sua

governança e em seu receituário neoliberal como resposta às

crises? Como as crises têm afetado sua relação com os diversos

países, especialmente com os chamados “emergentes”? O que

essas mudanças implicam para a política externa do Brasil, que

”se entende como país emergente”?

Geopolítica internacional pós-2008

Quase quatro anos depois do colapso financeiro, uma aparente

reconfiguração geopolítica parece estar em curso. Nunca ouvimos

falar tanto de China e as reuniões do G20 (grupo que reúne

as 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia)

parecem ter realmente suplantado as do G8 (grupo formado

pelos, então, sete países mais industrializados e desenvolvidos

economicamente do mundo – Estados Unidos, Japão, Alemanha,

Reino Unido, França, Itália e Canadá – mais a Rússia) em

importância na governança econômica global. Mas o que isso

representa em termos de mudanças reais na estrutura de poder?

Do ponto de vista da reconfiguração da correlação de forças

111

entre os países e considerando o fato de o G20, na Cúpula de

Pittsburgh em setembro de 2009, ter se autointitulado o “principal

fórum para a cooperação econômica internacional”, representa

um reconhecimento das economias avançadas da necessidade

de que qualquer “reforma” da arquitetura financeira internacional

deve incluir as economias emergentes na mesa de negociação,

em particular a China.

De fato, a China e, em menor escala, os demais BRICS4

aumentaram seu poder de barganha no sistema, embora ainda

haja muito mais expectativa do que concretude neste aumento

de poder. A crise da zona do euro e o financiamento dos

pacotes de resgate via injeção de recursos, também dos países

emergentes, no Fundo Monetário Internacional (FMI) reforçam

a aparência de que os países BRICS representam os poderes em

ascensão na governança global. No entanto, apesar da inegável

força da China como motor da economia mundial, os demais

BRICS não têm o mesmo papel, tampouco o grupo parece ter

coerência de posições. Além disso, o fato de estes países deterem

tantas reservas denominadas em títulos da dívida estadunidense

sinaliza mais um cenário de codependência com o centro do

sistema econômico do que uma possível ascensão de um novo

hegemon5 ou de um bloco histórico alternativo.

Neste sentido, os Estados Unidos (EUA) e a sua dívida

pública e privada são o principal exemplo de “grande demais

para falir”. Esta expressão surgiu, a princípio, em referência às

instituições financeiras que têm um peso sistêmico tão forte

que, na iminência de quebra, os governos “deveriam” organizar

programas de salvamento de urgência para evitar que esta

possível falência tivesse impactos devastadores sobre o sistema

financeiro, tal qual o caso do banco Lehman Brothers em 2008.

Atualmente, como resposta a essa prática, os países do G20

discutem os planos de falência das instituições financeiras

globais que consideram “sistemicamente importantes”6 para

evitar a necessidade de futuros programas de salvamento

(realidade ainda distante, dado o anúncio recente do pacote

bilionário de resgate aos bancos espanhóis).

No entanto, na pauta do G20, nada se menciona sobre a

dívida estadunidense como o principal caso de “grande demais

para falir” e como isso impõe uma situação de continuado

financiamento desta dívida através do sistema de reservas. Desta

forma, não se questiona o poder do dólar, mantendo intocado o

sistema monetário internacional de câmbio flexível pós-Bretton

Woods, que, na prática, força os países superavitários a manterem

reservas em dólares para proteger suas moedas de possíveis

ataques especulativos. Essas reservas são, no entanto, recursos

que poderiam ser investidos nos próprios países e que têm um

custo financeiro alto, como explicado em seguida7.

A crise do euro pode ter passado da pauta do G8 para a

pauta do G20 em um claro reconhecimento da necessidade

potencial dos recursos dos emergentes para os programas de

resgate das dívidas públicas europeias. Porém, temas centrais

ficam de fora, como: a dívida pública dos Estados Unidos; a

forma como a disputa partidária neste país coloca as reservas

dos países superavitários sob risco de desvalorização (fazendo

que o congresso estadunidense detenha significativa parte

da governança de fato da economia mundial); a manutenção

de instrumentos financeiros de alta capacidade especulativa,

como o high frequency trading8, com pouca ou nenhuma

supervisão; e o contínuo poder das agências de avaliação

de risco9, apesar da sua contribuição para o surgimento e

a gravidade da crise de 2008, ao ter classificado de forma

sistemática títulos podres como sendo investment grade.

Assim, a governança econômica e financeira que trouxe o

mundo à crise atual está longe de ser questionada10.

Em relação à articulação regional dentro e fora do grupo

dos 20, o governo brasileiro tem afirmado que o governo

argentino tem sido parceiro nas negociações do G20. O tema

da especulação das commodities agrícolas, por exemplo, de

grande interesse para os dois países agroexportadores, tem sido

uma das pautas de trabalho comum. Por outro lado, o governo

brasileiro também afirma que o Brasil e a Argentina têm feito

esforços dialogando com outros países da região sobre os

posicionamentos no grupo. Neste sentido, foram realizadas

algumas rodadas de consultas sobre o tema, mas não de

112

forma sistemática. Além disto, é notável a lentidão com que os

processos de integração sul-americana têm sido conduzidos pela

política externa brasileira desde a crise de 2008 e a redinamização

do G20, sendo o Banco do Sul um dos casos mais evidentes11.

Além da reconfiguração da relação de forças entre os

diferentes países, a mudança fundamental está, provavelmente,

representada na repactuação da aliança entre o capital financeiro

e o poder político institucional em diversos níveis.

O poder de influência do capital financeiro sobre a esfera da

política institucional, chamado por Noam Chomsky de “senado

virtual”, é instrumental neste processo.

Ao contrário do que determina o senso comum, a ideologia

neoliberal não implica mera redução do papel do Estado

como regulador do mercado. De fato, o Estado e suas diversas

representações institucionais – como as IFIs em escala global

– têm sido fundamentais na criação e manutenção de marcos

regulatórios permissivos e promotores da financeirização,

assim como da privatização e da comodificação de novos ativos

financeiros12. A crise sistêmica iniciada em 2008, em vez de frear

este processo, tem consolidado tais mecanismos.

Neste contexto, a pergunta fundamental a se fazer, no caso de

um país como o Brasil, não é somente sobre o papel das IFIs na

política econômica nacional. O foco passa a ser também sobre a

estratégia geopolítica da política externa do “Brasil que se entende

como país emergente” de aprofundamento da influência do país

na correlação de forças destas instituições.

As IFIs, o colapso financeiro de 2008 e a reconfiguração

estratégica do Brasil

A crise atual se insere em um contexto de sucessão de crises

financeiras desde os anos 1990, quando surgem as crises

causadas pelos vários ataques especulativos13, especialmente

as crises no sudeste asiático no fim da década, possibilitados

pela forte desregulamentação dos fluxos financeiros. Até então,

estes países asiáticos tinham sido elogiados pelo FMI por terem,

de maneira geral, situações fiscais e de transações correntes

sólidas. O fato de, apesar disto, perceberem que estavam sujeitos

a ataques especulativos, tanto quanto outros países, lhes levou a

questionar as políticas até então adotadas e o próprio Fundo.

Outro ponto importante: estes países asiaticos que

estavam sofrendo a crise financeira, na verdade, estavam

dentro também de um processo de reconfiguração

produtiva na Ásia que os conectava com a China e

com o Japão, países que tinham, no caso da China,

um nível de reservas crescentes – que não era tanto

quanto o atual, mas consideravel –, e, no caso do Japão,

que tinha uma moeda conversível que da razoavel

tranquilidade nesta area financeira. Esta fragilidade

financeira acabava afetando esta configuração de uma

integração produtiva, ou de cadeias produtivas, que ja

acontecia no âmbito asiatico. Neste momento, você

tem os primeiros tipos de medidas, como a iniciativa de

Chiang Mai, que acontecem dentro deste cenario. Aí,

você ja tem uma semente desta mudança estratégica da

area de produção mundial do Atlântico para o Pacífico.

Isso ajuda a entender esta resistência aos ditames do

Fundo, que refletem o consenso que existia entre a City

de Londres e Wall Street, os atores que ditam as regras do

FMI fundamentalmente. [...] Os países asiaticos passam

a ter uma estratégia de uso coletivo de reservas, o que

implica que as reservas da China e do Japão sirvam para

a proteção das menores, processo que culmina com a

iniciativa Chiang Mai14.

Além disso, muitos países africanos e latino-americanos,

que sofreram com os programas de ajuste estrutural atrelados

aos empréstimos do Fundo no passado, descreviam como

“humilhante” a atuação dos agentes do FMI. Estes economistas,

treinados dentro da ideologia neoliberal, impunham a política

econômica a ser adotada pelo país contraindo empréstimos sem

considerar a especificidade da realidade econômica, política e

social de cada país em questão e sem espaço para a discussão de

113

políticas alternativas. O pacote de políticas econômicas exigidas

como condicionante para os empréstimos incluía a liberalização

comercial e financeira, a privatização de serviços públicos

essenciais, políticas de controle inflacionário com altas taxas de

juros, entre outras. Este pacote de políticas, que ficou conhecido

corriqueiramente como o “Consenso de Washington”, acabou

tendo consequências sociais e econômicas nefastas em países

como a Argentina, menina dos olhos deste receituário durante

a década de 1990, e representava o instrumental da ideologia

neoliberal dominante nas IFIs.

Para fugir da imposição deste pacote nas políticas econômicas

nacionais, os países asiáticos iniciaram uma estratégia de

acumular reservas como um seguro para diminuir sua

vulnerabilidade e evitar os impactos de futuras crises financeiras

globais que pudessem significar a necessidade de novos

empréstimos do FMI. O Fundo estava desacreditado em seu

mandato de credor de última instância.

Essa reconfiguração culmina com o fato de que dois de seus

maiores devedores, Brasil e Argentina, resolvem quitar suas

dívidas com o Fundo em dezembro de 2005, antes do prazo.

Nestor Kirchner, então presidente argentino, declarou que isso

representava uma emancipação das condicionantes sufocantes

impostas pelo Fundo durante décadas. Sérvia, Indonésia, Uruguai

e Filipinas seguiram o exemplo e anunciaram que também

quitariam suas dívidas15.

No entanto, o argumento de que o pagamento antecipado

da dívida gera aumento da autonomia do país é controverso16.

Naquele momento, a Rede Brasil se posicionou afirmando

que a dívida era ilegítima – e, portanto, não deveria ser paga;

que, ao contrário de uma decisão de rejeição dos governos ao

Fundo, o pagamento antecipado era, na verdade, uma resposta

destes países a um processo alavancado pelo próprio Fundo

de incentivo à quitação de dívidas de grande volume; que o

Brasil trocou uma dívida de juros menores por outra, contraída

posteriormente, com juros muito maiores no mercado; e que

quitar a dívida não representava o fim da intervenção do FMI no

país já que, ao permanecer integrando ao Fundo, o Brasil seguiria

sujeito a suas políticas de supervisão e controle17.

De qualquer forma, como o FMI depende de um alto volume

de empréstimos para obter o retorno necessário para a sua

solvência, a situação começou a se complicar. Assim, pouco

antes dos encontros de primavera entre o Fundo e o Banco

Mundial, em abril de 2007, a situação era especialmente crítica. O

FMI enfrentava uma crise de legitimidade e, como consequência,

até de solvência, com a iminência de declarar sua primeira perda

em décadas: US$ 100 milhões somente no ano de 200718.

No caso dos países africanos, a situação era – e continua sendo

– bem mais crítica. Ao contrário das economias emergentes e

dos países que podiam contar com arranjos regionais, como

Chiang Mai na Ásia, os países de renda baixa – muitos dos

quais africanos – não têm acesso aos mercados privados de

capitais. As IFIs acabam sendo a mais acessível ou a única fonte

de financiamento externo e a aprovação da política econômica

destes países pelo Fundo é condição necessária para que

recebam a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento e até mesmo para

receberem os investimentos privados19. Por esta razão, em abril

de 2008, antes do colapso financeiro, quando o montante de

empréstimos do FMI era muito pequeno, eram os países de renda

baixa, especialmente os africanos, os poucos que continuavam

a receber empréstimos do Fundo, que se configurava como um

credor de países pobres com economias frágeis.

Desta forma, antes do início do colapso financeiro em

2008, o FMI enfrentava a pior crise da sua história. Em abril

de 2008, o FMI tinha empréstimos concedidos a serem pagos

no montante de 9,843 bilhões de SDRs20 (o equivalente a

US$ 15,256 bilhões)21, muito pouco quando comparado aos

70,469 milhões de SDRs (o equivalente a US$ 109,226 bilhões)

concedidos em dezembro de 200222.

A situação mudou no outono de 2008 em Wall Street. Depois

do colapso financeiro, este valor subiu exponencialmente

para 24,625 bilhões de SDRs (US$ 38,168 bilhões) já em abril de

2009 e para 98,136 bilhões de SDRs (US$ 152,110 bilhões) em

maio de 201223. Neste processo, por meio do G20, o FMI foi

consistentemente recapitalizado, apesar de ter consistentemente

114

promovido as políticas neoliberais de financeirização,

liberalização e desregulamentação como panaceia para a

estabilidade econômica e o desenvolvimento.

Assim, quatro anos depois da quebra do banco estadunidense

Lehman Brothers, marco do colapso financeiro, a extensão com

a qual o paradigma do capitalismo financeirizado neoliberal vem

sendo reinventado é assustadora e representativa da captura da

política pelos interesses do capital financeiro. A reinvenção das

IFIs dentro dos marcos da hegemonia neoliberal é parte deste

processo, como se verá mais adiante.

Mudam as aparências, permanece o conteúdo

A reconfiguração geopolítica não representou uma mudança

no paradigma dominante – e sim um aprofundamento

dos marcos regulatórios que permitem e promovem este

paradigma – e, por outro lado, mudou a “classe” da relação

de algumas economias avançadas (especialmente dos países

europeus mediterrâneos em crise da dívida soberana) e dos

chamados países emergentes com as IFIs. Os primeiros foram

obrigados a adotar políticas de austeridades. Em alguns casos

(Grécia, Irlanda, Portugal, Chipre), elas estavam atreladas aos

programas de salvamento da troika (como ficou conhecida a

tríade formada por Comissão Europeia, FMI e Banco Central

Europeu) no mesmo modelo conhecido das condicionantes do

FMI e, frequentemente, com o apoio da tecnocracia nacional,

determinada a defender os interesses do capital financeiro

transnacional. Já os chamados países emergentes passaram a

negociar a injeção de recursos no FMI e no Banco Mundial em

troca de reformas na governança.

Em maio de 2012, os maiores empréstimos em vigência com

o Fundo24 eram para Grécia (18,940 bilhões de SDRs), Portugal

(15,946 bilhões de SDRs), Irlanda (13,836 bilhões de SDRs),

Romênia (10,569 bilhões de SDRs) e Ucrânia (8,500 bilhões de

SDRs)25. Nenhum país sul-americano e quase nenhum do sul ou

sudeste asiático (à exceção de Sri Lanka) tinham empréstimos

em vigência com o FMI. Se compararmos com dezembro de

200226, quando Turquia (16,245 bilhões de SDRs), Brasil (15,319

bilhões de SDRs), Argentina (10,547 bilhões de SDRs) e Indonésia

(6,518 bilhões de SDRs), países hoje considerados “economias

emergentes”, somavam os maiores empréstimos em vigência do

Fundo, pode-se perceber uma mudança considerável no perfil

dos devedores27.

No caso do Banco Mundial e do Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID), o processo de reconfiguração também

tem antecedentes que precedem o colapso financeiro pelas

mesmas dificuldades que enfrentava o FMI de continuar fazendo

empréstimos com o mesmo tipo de condicionantes de antes.

O Banco Mundial, ja antes da crise, começou a mudar

a estratégia, passando a priorizar as negociações das

prioridades políticas com cada país, uma espécie de

orientação geral do país, e, dentro desta orientação geral,

quais os projetos que interessavam àquele país, em

vez de discutir programa por programa. Essa mudança

acontece quando eles percebem a dificuldade de fazer os

empréstimos condicionados. Eles fazem, portanto, uma

discussão mais política; claro que, na discussão política,

tentando também fazer um enquadramento28.

O volume dos desembolsos do Banco Mundial em relação

ao total de investimentos no país sempre foi pequeno. E no

período pré-crise estava reduzindo-se significativamente (de

US$ 2,163 bilhões, em 2006, para US$ 742 milhões, em 2008).

Isso poderia justificar parcialmente o alinhamento do Banco

em seu documento Estratégia de Parceria com o Brasil, 2008-

2011 com os enfoques do próprio governo brasileiro para o

desenvolvimento do país e com a demanda do governo Lula de

que o programa do Banco para o país mudasse para um perfil

de assistência técnica ao governo federal e direcionamento do

volume de financiamento para estados, e, em menor escala,

para municípios (a estimativa, na época, era que 70% do volume

dos recursos do Banco se dirigiria aos governos subnacionais).

Cabe observar que, em todos os casos, a União é garantidora e

115

qualquer empréstimo a um governo subnacional deve passar

pelo aval do Executivo e do Senado Federal. Em decorrência

desta mudança, o Banco temia, em sua avaliação da mudança de

estratégia, a redução da relação com o governo federal. O risco

de redução do poder de pressão da organização estava realmente

dado pela importância relativa reduzida dos recursos do Banco

para os programas de investimento da União29.

Neste sentido, por exemplo, o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)30 possui mais de

dez vezes mais recursos para financiar projetos do que o Banco

Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), braço

do Grupo Banco Mundial, e o BID juntos. Somando a isso os

créditos do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, além

dos recursos disponíveis para investimento da União, dos estados

e dos municípios, o montante destas IFIs é ínfimo em relação ao

total disponível no país. No entanto, através da assessoria técnica

ao governo federal, o Bird e o BID encontraram o principal canal

para incentivar a desregulamentação e interferir nas políticas de

desenvolvimento do país31.

Do ponto de vista da crítica aos programas do Bird, o

direcionamento para a esfera subnacional causou uma pressão

mais direta em governadores e prefeitos no sentido de realizar

reformas liberalizantes. Em relação ao financiamento privado,

através da Corporação Financeira Internacional (IFC, sigla em

inglês), o braço de financiamento privado do Grupo Banco

Mundial, a principal mudança de diretriz para o período 2008-

2011 se dá no sentido de direcionar os investimentos de empresas

de grande porte para empresas de médio e pequeno porte32.

No caso do BID, onde a disputa entre os Estados Unidos e os

países que estavam buscando alternativas na América do Sul

aparece de forma mais clara, isso se expressa na eleição em 2005

do atual presidente do BID, o colombiano Luis Alberto Moreno,

com o apoio dos Estados Unidos e contra a candidatura de João

Sayad promovida pelo Brasil.

Isso ja se da neste contexto da disputa de fundo –

por exemplo da própria ALCA [Área de Livre Comércio

das Américas] – da reconfiguração da América Latina,

especialmente da América do Sul. Mas também, no caso

do BID, ha uma alteração deste processo de escolha

dos projetos, que fica expressa no documento de país,

dando mais ênfase a essa negociação política do que na

discussão do projeto caso a caso33.

No entanto, como dito anteriormente, não é consenso que essa

mudança implique maior autonomia do país em relação ao BID e

ao Bird já que, em seus documentos de estratégia para o país e em

sua forte presença na assessoria técnica em diversos programas do

governo (dos investimentos da Copa à política energética), estas

IFIs ditam diretrizes de como implementar políticas no país34.

Assim, apesar do baixo volume de investimentos no país, estas

IFIs têm forte influência, pois “são geradoras de conhecimentos

que, apropriadas pelas classes dirigentes do país, passam a

orientar a agenda de debates nacional”; “são formadoras da

tecnoburocracia que comanda postos-chave da administração

pública, particularmente a área econômica”; e “têm grande

influência na determinação de políticas e projetos considerados

José

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asil

O protesto contra as instituições financeiras estava na agenda da sociedade civil brasileira na década de 1990: hora de retomar

116

relevantes ao país, a partir dos serviços de assessoria

disponibilizadas por eles”35.

No caso do FMI, a estratégia do Brasil também se modificou

ao longo da década e não só pós-2008, com basicamente dois

momentos de marco neste processo. O primeiro momento,

em 2005, já mencionado, foi quando o país antecipou o

pagamento do empréstimo com o Fundo, passando a não estar

submetido da mesma forma às inspeções deste, já que, embora

o Fundo continue a fazer relatórios anuais representativos e

determinantes na avaliação dos investidores sobre a situação

econômica do país, ao não ser mais devedor, o país adquire certa

margem de questionamento da avaliação do Fundo.

Ali você tem uma primeira mudança importante

que permite que o Brasil, especialmente a partir de

2006, discuta, por exemplo, a questão do calculo do

superavit primario e de se os investimentos públicos em

infraestrutura deveriam entrar ou não neste calculo. Isso

abre uma certa margem, que é um aumento do grau de

liberdade do Brasil em relação a estas instituições, na

medida em que ele não era mais sujeito a um programa

de ajuste. Neste período, permanentemente, o nível de

reservas vai evoluindo e, à medida que isso acontece, o

país pode ir “falando mais grosso”36.

O segundo momento de reconfiguração da estratégia do Brasil

com o Fundo foi, justamente, no pós-2008. Por um lado, o país

passa a se articular com os demais BRICS no questionamento

da governança do Fundo e sobre a necessidade de reformar

o sistema de cotas. Por outro lado, ao escolher fazer a disputa

interna, o país abre mão de questionar estas IFIs de forma mais

estrutural. Isso se expressa fortemente na pergunta do então

presidente Lula a jornalistas em uma coletiva de imprensa sobre

a Cúpula do G20, em Londres, em abril de 2009: “Você não acha

muito chique o Brasil emprestar dinheiro para o FMI?”.

Nesta mesma ocasião Lula afirmou: “Depois a gente se queixa

de que os países ricos querem mandar no FMI e no Banco

Mundial. Lógico, nós só entramos lá como pedintes. Nós temos

que colocar a nossa fatia para podermos exigir. Nós temos que

entender que, embora tenha problemas, o Brasil tem condições de

ajudar os países mais pobres”. Desta forma, o governo afirmava a

nova estratégia em relação ao Fundo, além de buscar se qualificar

como “jogador global no sistema” (global player). O Brasil passa

a seguir, de forma mais clara, as regras que as economias

hegemônicas determinam para a governança do sistema,

deixando de ser uma voz crítica em potencial. Mais importante

ainda para o antigo G7 é a inclusão da China neste jogo, país que

já detinha importância financeira sistêmica substantiva.

No entanto, esta reconfiguração estratégica do Brasil em

relação às IFIs, e em especial ao FMI, não está calcada em uma

homogeneidade interna. As correlações de forças na economia

política nacional neste período, desde 2008, representam ao

menos três perspectivas diferentes sobre a estratégia do país em

relação às IFIs, o que também permite às IFIs jogar com essas

diferenças na política interna37.

Por um lado, existe uma posição de establishment, do setor

mais ligado ao mercado financeiro no Brasil, representado,

por exemplo, por grande parte do Banco Central (BC) e pela

Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Estes atores são

extremamente simpáticos às IFIs e acreditam, de maneira

geral, que o Brasil deve procurar ser um país liberalizado, mas

com instituições reguladoras e supervisoras que garantam o

funcionamento do sistema financeiro com menos riscos38.

Outro campo da política interna tem uma perspectiva

intermediária, representada amplamente pelo Ministério da

Fazenda e pelo BNDES. Estes atores defendem que o Brasil

deve se mover com autonomia, não se subordinando às IFIs e

garantindo um grau maior de liberdade para a ação, mas também

sem buscar conflitos ou transformá-las profundamente. Este

campo reconhece como boa a existência destas IFIs para o Brasil,

já que o sistema financeiro do país está se internacionalizando

e seria, portanto, positivo para os investidores brasileiros no

cenário internacional que as regras de garantia de investimento

existam também para estes39.

117

Por fim, um campo mais crítico, representado por Paulo

Nogueira Batista (diretor executivo do Brasil no FMI) e Nelson

Barbosa (secretário executivo do Ministério da Fazenda), vai

no sentido da reforma destas instituições. Embora apenas

recentemente, a partir do G20 presidencial, as IFIs tenham

entrado na pauta do Itamaraty, algumas das lideranças deste

ministério também têm posições críticas em relação a estas

instituições. Vale salientar que estas lideranças se ressentem

de que este é um dos ambientes do setor externo em que não

representam o governo brasileiro – o Ministério da Fazenda e o

BC representam o país no FMI e o Ministério do Planejamento no

Banco Mundial e no BID. A visão crítica do Itamaraty em relação

às IFIs era, possivelmente, mais forte quando Celso Amorim e

Samuel Pinheiro Guimarães estavam no Ministério das Relações

Exteriores do que na gestão do Ministro Antonio Patriota.

Em entrevista concedida ao Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea) em 2011, Paulo Nogueira deixa clara uma leitura

positiva da ascensão do G20, de modo a estabelecer papel

renovado para o Brasil e para o FMI, além de defender que tem

havido mudanças graduais na imagem do Fundo:

O FMI foi criado por europeus e americanos e, até

hoje, é dominado por eles. Isso só começa a mudar nos

últimos anos, por varios motivos: por causa da crise,

que abalou muito as potências tradicionais, por causa da

atuação conjunta dos BRICS e por causa do crescimento

dos países de economia emergente, entre outros fatores.

É um processo que esta em andamento e que esta

levando a uma mudança da governança global. Uma

parte importante disso foi a ascensão do G20 à condição

de principal foro econômico internacional. Outro aspecto

é a reforma do Fundo, que esta em andamento, com

uma primeira etapa negociada em 2008 e outra agora

em 2010. O ritmo das mudanças se acelerou com a crise.

À medida que os países perceberem que as mudanças

estão ocorrendo, a confiança no Fundo aumentara. [A

ascensão do G20] foi positiva para o Brasil, porque ele

passou a fazer parte do grupo central. Antes era o G7,

do qual fazem parte apenas países desenvolvidos, que

servia como o principal foro de cooperação para assuntos

econômicos internacionais. Para o Fundo essa mudança

também foi positiva. Com a crise, o G20 assumiu um

papel de coordenação e, na pratica, o FMI se tornou uma

espécie de braço direito, de secretariado do G2040.

Assim, de forma geral, uma linha comum entre as diversas

perspectivas internas em relação às IFIs, e em especial ao Fundo,

é justamente a defesa de que o Brasil siga uma estratégia de

engajamento com estas IFIs, embora o nível de autonomia e

a agenda deste engajamento variem desde uma defesa dos

interesses do mercado financeiro nacional a uma visão nacional-

desenvolvimentista calcada em uma política externa de “Brasil

que se entende como país emergente”.

Os programas de resgate econômico pós-2008

A reconfiguração geopolítica pós-2008 determinou, portanto,

não só uma mudança na relação com as IFIs, como também se

refletiu na autonomia relativa de cada país na determinação de

seus programas de aquecimento da economia. Assim, as políticas

de recuperação econômicas pós-2008 não foram homogêneas.

Os países que dependeram de empréstimos externos – das IFIs

ou de outros países – para a execução de seus programas de

recuperação econômica, como o caso emblemático da Grécia,

sofreram a imposição de políticas de austeridade fiscal como

condicionante para os empréstimos.

O resultado disto tem sido o aprofundamento da recessão e a

deterioração das condições de vida, um processo que a América

Latina conheceu bem através dos programas de ajuste estrutural

do FMI e do Banco Mundial na década de 1990. Diversos

estudos41 mostram que os programas atuais do Fundo pouco

mudaram em termos do seu receituário neoliberal42, exigindo,

em larga medida, como condicionantes para os empréstimos: a

não intervenção no câmbio e no fluxo de capitais, política fiscal

118

restritiva reduzindo gastos públicos e privatizações.

A existência de um fundo ao qual os Estados-membros possam

recorrer em caso de déficits de conta corrente é necessária, mas

insuficiente para a transformação da arquitetura monetária atual,

que está baseada na dominação de uma única moeda, o dólar.

Esta situação gera distorções permanentes.

Por um lado, os déficits estruturais de alguns países geram

desequilíbrio estrutural no sistema, enquanto outros acumulam

superávits recorrentes. Os países que emitem moedas de

reserva no sistema, como Estados Unidos, Reino Unido, União

Europeia e Japão, podem adotar políticas de alívio quantitativo

(quantitative easing ou emissão de moeda) para estimular suas

economias como estratégia de aumentar a competitividade da

sua economia, o que acarreta excesso de liquidez no sistema e

desvalorização cambiária artificial de suas moedas.

Os países superavitários e que não emitem moedas de reserva

(por exemplo, China, Brasil e Índia) encontram-se na situação

de acúmulo excessivo de reservas para absorver a entrada de

capitais causada em parte pelas políticas de alívio quantitativo das

economias deficitárias. Na prática, estes países que acumulam

reservas estão fazendo uma transferência de recursos a taxas

de juros próximas a zero (a taxa de juros dos títulos da dívida

estadunidense), para os países que emitem moedas de reserva,

especialmente os Estados Unidos43.

Por outro lado, os países em déficit que não emitem moedas

de reserva se veem obrigados a recorrer ao FMI para obter fundos

para cobrir seus déficits. E, como detalhado mais adiante, estes

empréstimos estão atrelados a condicionantes inerentes a um

paradigma neoliberal que só aprofunda a recessão e as condições

iniciais dos desequilíbrios. Portanto, apesar da necessidade de

um fundo multilateral para empréstimos de última instância,

o modelo vigente está tão falido que somente uma mudança

estrutural poderia justificar a continuidade de uma arquitetura

monetária que conte com este tipo de fundo multilateral.

A iniciativa Chiang Mai, na Ásia, e a proposta do Fundo do

Sul, na América do Sul, são tentativas de organizar fundos

multilaterais regionalmente, avançando na integração financeira

alternativa ao FMI e a seus condicionantes de empréstimos.

No entanto, estas iniciativas (no caso do Fundo do Sul ainda

uma proposta do governo do Equador), embora representem

um avanço no sentido de afastamento das políticas do Fundo,

perpetuam dois problemas fundamentais da atual arquitetura

monetária baseada no sistema de reservas: estes fundos regionais

continuam sendo denominados em dólar e estas reservas

continuam sendo aplicadas no exterior em detrimento de serem

utilizadas em políticas públicas necessárias para estes países.

Assim, ao contrário dos países que foram obrigados a adotar

políticas pró-cíclicas (cortes de gastos, juros altos para conter

inflação, etc.) pelo FMI, os países que, por acúmulo de reservas

ou por emitir moeda sistemicamente importante, tiveram relativa

autonomia no desenho de seus programas de recuperação

econômica adotaram, de forma diversificada: políticas de alívio

quantitativo para estimular sua economia e provocar uma

desvalorização cambiária (tornando assim suas exportações mais

competitivas), controles de capitais (como o Brasil na tributação

unilateral das transações financeiras através do IOF44), políticas

fiscais contracíclicas (incentivando o consumo através de isenções

de impostos direcionadas a setores específicos e aumentando o

gasto público para aquecer a economia), entre outras.

Estes países tiveram uma recuperação inicial com essas

medidas já em 2010, embora a ameaça do colapso financeiro

grego e de outros países mediterrâneos europeus, além da

desaceleração da economia chinesa, continue causando

apreensão. No caso do Brasil, a recuperação naquele momento se

deveu à adoção de uma série de medidas, como: o aumento do

valor real do salário mínimo ao longo da década e, consequente,

o aumento da demanda agregada interna, os pacotes de isenção

tributária em setores específicos para estimular o consumo e

o aumento do crédito pelos bancos públicos. O aumento do

IOF também colocou o Brasil como um dos países que mais

ativamente gerenciam o fluxo de capitais (apesar de especialistas

apontarem que a mera tributação não é suficiente para conter

o fluxo, sendo necessárias políticas de quarentena, ou seja,

depósito compulsório de uma porcentagem do capital que entra

119

por um período predeterminado45).

No entanto, o atraso em mudar a política de juros altos tem tido

um custo muito grande para o endividamento público. O IOF

não tem sido suficiente para conter a entrada de capitais e o país

continuou absorvendo o excesso através da compra por emissão

de títulos da dívida pública, ainda com uma das maiores taxas de

juros reais do mundo, mesmo com a política do governo de se

aproveitar da crise global para reduzir os juros, implementada a

partir de agosto de 2011.

Assim, a euforia vigente com a quantidade de reservas que

o país detém, qualificando-se assim como “país emergente”

no sistema, não dá conta do fator de endividamento público

interno crescente inerente ao sistema de reservas nacional e dos

impactos disto no serviço da dívida sobre o orçamento anual da

União. A política de diminuição dos juros é um passo positivo

no sentido de desafiar os lucros estratosféricos do oligopólio

bancário brasileiro, mas ainda absolutamente insuficiente diante

do tamanho do problema: a necessidade de auditoria da dívida,

de desconcentração do mercado financeiro nacional, de revisão

do sistema de reservas (recursos que poderiam estar sendo

usados para políticas sociais necessárias ao país), entre outros.

Além destes problemas, a obsolescência da infraestrutura

nacional, o parco investimento em ciência e tecnologia, o

risco de reprimarização da pauta exportadora e os riscos

de desindustrialização da economia, os investimentos na

indústria extrativista depredadora e intensiva em energia e os

megaprojetos com seus nefastos impactos sociais e ambientais,

etc. são elementos centrais de um modelo de desenvolvimento

falido, mas no qual se segue insistindo.

Assim, enquanto a estratégia geopolítica da política externa do

“Brasil que se entende como país emergente” estiver baseada nestes

pilares, o país somente se qualifica para continuar financiando

o endividamento das economias avançadas, a manutenção do

paradigma neoliberal nas IFIs e a continuidade da sua posição

de exportador de produtos primários na divisão internacional

do trabalho, através da espoliação de suas riquezas naturais em

detrimento das condições de vida da população, que segue

amplamente excluída no modelo de desenvolvimento vigente.

O Estado a serviço das elites financeiras transnacionais

Ha anos, um banco fornece à administração dos

Estados Unidos seus mais influentes funcionarios,

encarregados principalmente da liberalização dos

mercados financeiros. Ele aconselha os governos

endividados (como a Grécia, a quem ajuda a maquiar

as contas), mas também seus credores. Seus dirigentes

precipitaram a crise dos subprimes ao inundar seus

investidores com títulos “podres”; depois, garantiram

lucros fecundos ao apostar em sua baixa. Esse banco

tem um nome – Goldman Sachs – e um endereço – 200

West Street, em Nova York46.

Mesmo quando havia relativa autonomia em relação aos

ditames de financiadores externos – no caso especialmente

das economias ditas avançadas, nas quais os mercados

financeiros nacionais estavam altamente comprometidos

pelos ativos tóxicos que vieram à tona com o estouro de bolhas

especulativas em 2008 –, as perdas privadas dos mercados

financeiros foram socializadas, ou seja, assumidas amplamente

pelos cofres públicos através da compra de ativos financeiros

tóxicos (sem real valor de mercado) e de políticas de injeção

de liquidez na economia. O pacote de resgate estadunidense

(Troubled Asset Relief Program – Tarp, mais conhecido como

bail-out program), aprovado em outubro de 2008, implicou

US$ 415 bilhões emprestados ou utilizados na compra de ativos

financeiros de alguns bancos, da seguradora AIG e da indústria

automobilística47. Alguns dos escândalos associados envolveram

a descoberta posterior de que estes bancos estavam dando bônus

milionários para seus executivos no fim do mesmo ano em que

os recursos públicos tinham sido repassados48.

A Espanha anunciou, em junho de 2012, um programa de

recapitalização dos bancos do país de até 100 bilhões de euros49.

Os recursos virão do Mecanismo Europeu de Estabilidade

120

Financeira, que não exigirá condicionantes macroeconômicas da

Espanha50. Considerando-se o tamanho da economia espanhola

em comparação com a estadunidense, o programa espanhol

é ainda mais crítico. Estas transferências de recursos públicos

para os bancos e outras corporações financeiras privadas estão

premiando diretamente os agentes financeiros que criaram as

bolhas especulativas.

De fato, algumas falências à parte, as elites financeiras

transnacionais conseguiram fazer que os trabalhadores

pagassem a conta da crise causada pelos comportamentos de

alto risco que lhes geraram lucros estratosféricos – estes sempre

protegidos pela santidade da propriedade privada. Através da

opacidade de modelos matemáticos complexos, estas elites

financeiras conseguiram em larga medida disfarçar os fatos mais

simples. Como o de que, cotidianamente, estas elites atuam em

um verdadeiro cassino financeiro, apostando a rentabilidade da

riqueza produzida pelo trabalho de bilhões de trabalhadores e

trabalhadoras ao redor do mundo.

Seria de se esperar que esta trama macabra fosse alvo

de críticas generalizadas no sentido de revisão das atuais

práticas. No entanto, quatro anos depois do início do colapso,

a desregulamentação financeira continua amplamente

praticada, os programas de austeridade fiscal marcam a tônica

dos programas de recuperação econômica de uma Europa

em recessão e com graves crises de dívidas soberanas e as IFIs

passaram de moribundas a fortalecidas e recapitalizadas.

Imediatamente após o colapso do Lehman Brothers,

as lideranças políticas mundiais criticaram duramente a

irresponsabilidade do setor financeiro e prometeram tomar

medidas duras para responsabilizá-lo e evitar uma repetição

deste comportamento. Mas esta determinação não durou muito

e tudo voltou como era antes com alguns ajustes.

A reconfiguração das IFIs pós-2008

A rapidez com que os ideólogos do sistema que trouxe o

mundo à atual crise se reinventaram é assustadora. Por um lado,

corporações financeiras privadas, como as agências de avaliação

de risco que antes do colapso financeiro recomendavam o

investimento nos ativos que mais tarde se mostraram “tóxicos”,

não perderam sua credibilidade. Ao contrário, seguem avaliando

o risco não só de ativos financeiros privados como dos títulos

de dívida pública dos países – uma boa parte dos quais foram

emitidos para financiar a recuperação econômica e salvar os

mercados financeiros. Para estas agências de avaliação de

risco, ironicamente “detentoras do bom julgamento” sobre

o comportamento financeiro de risco, os Estados que foram

chamados a recapitalizar os bancos e as IFIs tornaram-se os vilões

dos excessos financeiros, representados nas dívidas soberanas em

crise (especialmente nos países periféricos da zona do euro).

As demais corporações financeiras continuam em seu

comportamento especulativo, apostando no cassino financeiro,

quase nada rerregulado desde 2008. Apesar de iniciativas

unilaterais, como a lei Dodd-Frank, nos Estados Unidos

(que encontrou grande resistência e dificuldade para a sua

implementação), nenhuma iniciativa multilateral coordenada de

peso no sentido de uma maior regulação foi implementada pelas

IFIs. Pelo contrário, as IFIs têm sido instrumentais na manutenção

Amig

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121

e aprofundamento de marcos regulatórios que permitem ou

promovem a continuidade da desregulamentação financeira.

A reconfiguração das IFIs não se restringiu à recapitalização

do FMI. Como dito anteriormente, em um contexto de crise

de acumulação, as IFIs se fortaleceram como instrumento

de garantia da infraestrutura econômico-financeira para a

privatização, a comodificação e a financeirização necessárias às

elites financeiras transnacionais.

Assim, desde o colapso financeiro de 2008, algumas mudanças

fundamentais na configuração das IFIs incluíram:

1. A recapitalização do FMI e de outras IFIs com aumento

da capacidade de crédito, dentro dos mesmos moldes de

condicionantes de empréstimos:

Como afirmado anteriormente, desde o colapso financeiro

de 2008, o FMI, que estava naquele momento quase sem

empréstimos concedidos, saiu fortalecido com o aumento de

crédito disponível e empréstimos bilionários para os países

europeus periféricos.

Sucessivas Cúpulas do G20, desde o início da crise, aprovaram

a duplicação dos SDRs e diversos países concederam crédito

ao Fundo através de arranjos bilaterais que não implicam

aumento das cotas, sendo o mais importante deles os NABs (New

Arrangements to Borrow). As linhas de crédito através de NABs

e GABs (General Arrangements to Borrow)51 aumentaram de US$

55 bilhões, em abril de 2008, para US$ 573 bilhões, em abril de

201252. Através deste novo mecanismo (NAB) se dá a maior parte

da recapitalização do Fundo, com a Cúpula do G20 de Londres

anunciando, já em abril de 2009, aumentar o montante deste

mecanismo em US$ 500 bilhões, o que triplicou o crédito total

disponível (de GABs e outras fontes) naquele momento53. Os

NABs tornam-se também uma forma de garantir o aporte dos

países emergentes.

A quantidade total de recursos do Fundo contando SDRs,

moeda dos Estados-membros, reservas em ouro e fundos de

NABs, entre outros ativos, aumentou de US$ 364 bilhões, em

abril de 2008,55 para US$ 845,4 bilhões, em abril de 2012. Não

existem dados consolidados para depois deste período, mas com

a aprovação na última reunião do G20 em Los Cabos, México,

em junho de 2012, de recursos adicionais esse montante será

seguramente ainda maior.

Esta recapitalização do FMI, no entanto, não representou

mudanças significativas nas condicionantes dos empréstimos,

apesar das críticas. Historicamente, o Fundo aplica dois tipos

de condicionantes para seus empréstimos: condicionantes

quantitativas e estruturais. As condicionantes quantitativas são

um conjunto de metas macroeconômicas que determinam,

por exemplo, os níveis de déficit fiscal aceitáveis. Não alcançar

estas metas pode significar que novas parcelas do empréstimo

sejam canceladas. As condicionantes estruturais são reformas

institucionais e legislativas, por exemplo, a liberalização

financeira e comercial e privatizações56.

Segundo um estudo da Third World Network (TWN)57, ao menos

um tipo de condicionante estrutural foi aparentemente eliminado

nos empréstimos desde o colapso financeiro de 2008: o critério de

performance estrutural. Só que o estudo aponta que esta aparente

eliminação se traduz em aumento dos precondicionantes, aqueles

anteriores à concessão dos empréstimos. Além disto, o Fundo

aumentou os níveis de déficit fiscal permitidos, mas como medida

temporária, e, na prática, a falta de recursos deteve estes países de

aumentarem o gasto público. Analisando diversos empréstimos

concedidos desde 2008, o estudo conclui que o objetivo continua

sendo assegurar o pagamento das dívidas soberanas por meio da

“estabilidade macroeconômica” através de “políticas monetárias

e fiscais restritivas”, que é justamente o contrário das medidas

adotadas pelos países que tiveram recursos próprios para

financiar seus programas de resgate da economia. No caso do

Banco Mundial, o primeiro incremento no volume de capital da

instituição em 20 anos aconteceu depois do colapso financeiro, na

reunião de primavera entre este Banco e o FMI, em abril de 2010. O

aumento de capital no Bird foi de US$ 86,2 bilhões e na IFC foi de

US$ 200 milhões. Este incremento de capital foi acompanhado

de mudanças na governança da instituição, como se detalhará

mais adiante58.

122

O BID também teve incremento de capital acordado em sua

última reunião de Conselho, em julho de 2010, em um total de

US$ 70 bilhões de dólares, o maior da história da instituição.

Este incremento entrou em efeito em fevereiro de 2012 e deve

ser completamente implementado até 201559. Considerando-

se o papel destas instituições no país, que, como afirmado

anteriormente, hoje se dá mais pela via da assessoria técnica e

influência política do que via condicionantes de empréstimos,

estes incrementos históricos de capital são representativos de

seu reforço pós-2008, mas também do fortalecimento de sua

capacidade de influência no modelo de desenvolvimento em

curso no Brasil.

2. A falsa ampliação da governança e o fortalecimento de

institucionalidades:

A demanda pela reforma da governança do FMI é antiga e

precede o colapso financeiro de 2008. Mas, com a crise, os países

emergentes ganharam um novo instrumento de barganha no

sentido da consecução desta reforma: a promessa de injetar

novos recursos no Fundo.

Ainda antes do colapso financeiro, em março de 2008, uma

reforma parcial das cotas foi aprovada, mas só entrou em vigor

em março de 2011, três anos depois. A mudança nas cotas

ou no poder de voto foi muito pequena e os Estados Unidos

mantiveram seu poder de veto de fato, com um poder de voto

de 16.727 após a reforma de 2008�, uma vez que alterações

estatutárias exigem 85% dos votos.

Uma nova reforma foi aprovada em novembro de 2010, mas

ainda não entrou em vigor. Na última Cúpula do G20, no México,

a nova injeção de recursos no FMI anunciada – em valor superior

a US$ 450 bilhões na forma de empréstimos bilaterais que não

implicam diretamente aumento de SDRs ou cotas – teve como

condição de barganha a implementação da reforma das cotas

aprovada em 2010, a ser realizada na reunião anual do FMI e do

Banco Mundial no segundo semestre de 2012. Esta reforma será

mais significativa, pois duplica o montante dos SDRs para US$

732 bilhões, mas implica uma reconfiguração ainda pequena nas

cotas e no poder de voto.

A China vai praticamente duplicar o seu poder de voto,

passando a 6.071, o segundo maior, somente atrás dos Estados

Unidos, que terá 16.479 depois da reforma. Os EUA continuam

com o poder de veto de fato, dado que as alterações estatutárias

requerem 85% dos votos. Com a reforma de 2010 implementada,

o Brasil terá o seu poder de voto aumentado de 1.714 para 2.218, já

os BRICS, em conjunto, terão o seu poder de voto aumentado de

11.013 para 14.139 (a China representa quase metade desse valor)61.

Considerando-se a manutenção das condicionantes

neoliberais nos programas do Fundo, o Brasil está utilizando

recursos públicos62 para injetar fundos em um FMI que não

revê em nada seu modus operandi ou receituário. A pretensa

aliança entre o Brasil e os demais BRICS – que se sustenta sobre

interesses comuns altamente questionáveis – poderia dar maior

poder de barganha aos emergentes, mas há dúvidas com relação

ao interesse real do governo da China em reforçar esta aliança.

Há também um acordo vigente de revisar a fórmula de

determinação das cotas até janeiro de 2013 e implementar uma

nova reforma das cotas até janeiro de 2014 para “melhor refletir

os pesos relativos dos membros do FMI na economia mundial,

que mudaram substancialmente em razão do forte crescimento

do PIB nos mercados emergentes dinâmicos”63 (tradução da

autora). Há um reconhecimento crescente da importância das

economias emergentes e da necessidade de que a governança

do Fundo reflita as reconfigurações geopolíticas pós-2008.

No entanto, é muito pouco provável que estas mudanças

incluam outra nova moeda que não o Renminbi chinês na

cesta de composição dos SDRs ou como moeda de reserva

internacional. Sem este aumento de status para o Real, por

exemplo, e em uma arquitetura monetária baseada em um

sistema de reservas falido, o poder de barganha do Brasil

permanece bastante reduzido. E, para piorar, o Brasil tem adotado

uma estratégia de política externa de quem está “feliz por fazer

parte do clube”, mesmo que isto implique apoiar uma arquitetura

financeira assimétrica e baseada em pilares neoliberais. Desta

forma, os países da região e do Sul Global correm o risco de

123

perder uma voz de potencial liderança crítica no sistema

multilateral mais amplo.

O Banco Mundial levou a cabo uma reforma das cotas em 2010.

Mas seus resultados são reduzidos. Países de renda alta detêm

60% do poder de voto, países de renda média – incluindo Índia,

China e Brasil – detêm um terço e países de renda baixa detêm

apenas 6% dos votos64. Além disso, apesar das crescentes críticas,

a prática feudal de apontar um presidente estadunidense no

Banco e um presidente europeu ao FMI tem se mantido.

Além do FMI e do Banco Mundial, outros organismos

financeiros internacionais menos conhecidos tiveram suas

governanças ampliadas:

A) O Comitê de Basileia para Supervisão Bancária (Basel

Committee on Banking Supervision – BCBS) foi criado em

1974 para a coordenação da supervisão do setor bancário,

originalmente formado por 13 países-membros: Estados Unidos,

Reino Unido, Itália, Canadá, França, Luxemburgo, Holanda, Suíça,

Alemanha, Bélgica, Japão, Suécia e Espanha65 (basicamente

o G7 e algumas economias importantes). Nenhum país em

desenvolvimento era membro do Comitê. Logo após o colapso

financeiro, em sua reunião de março de 2009, o Comitê passou

a incluir como membros: Austrália, Brasil, China, Índia, Coreia

do Sul, México e Rússia. Em junho de 2009, o Comitê se ampliou

mais uma vez para incluir os países do G20 que ainda não eram

membros: Argentina, Indonésia, Arábia Saudita, África do Sul e

Turquia. Além destes, Hong Kong e Cingapura também foram

incluídos. Com esta última ampliação, a governança do Comitê

chegou à sua conformação atual de 27 países-membros.

Desde o colapso financeiro de 2008, o Comitê de Basileia

avançou no sentido dos Acordos de Basileia III – em teoria

voluntários, pois não possuem poder oficial de regulamentação.

Estes acordos propõem um aprofundamento nos mecanismos

de autorregulação aos sistemas bancários nacionais, no

sentido de padrões de segurança que protejam de possíveis

instabilidades sistêmicas. Os Acordos de Basileia I (1988) e II

(2004) já tinham inaugurado uma era neoliberal de “regulação”

que implica uma autorregulação dos mercados – através do

controle interno dos bancos e da disciplina imposta pelo poder

crescente dos investidores e das agências de avaliação de

risco66. Basileia III mantém uma falha fundamental dos acordos

anteriores: regula os bancos de depósito e não o sistema

bancário paralelo (shadow banking system)67, onde circulam

os derivativos e as operações do mercado de balcão (over the

counter), justamente os instrumentos financeiros que causaram

o colapso financeiro de 2008. Para piorar, as normas de Basileia

III só serão aplicadas a partir de 2018, período durante o qual

novas crises podem ocorrer.

B) O Fórum de Estabilidade Financeira (Financial Stability

Forum – FSF) foi criado em 1999, devido à crise asiática, para

discutir mecanismos de estabilidade financeira. Tinha sua

governança formada por um fórum tripartite que contava com

o Ministério das Finanças, o Banco Central e uma agência

reguladora nacional dos países do G7 e um representante de

outros cinco centros financeiros importantes: Cingapura, Suíça,

Holanda, Austrália e Hong Kong, além da representação de IFIs

(dois do Banco Mundial, dois do FMI, um da Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – e um do

Banco de Compensações Internacionais – BIS, sigla em inglês

para Bank of International Settlements). Na Cúpula do G20 em

Londres, em abril de 2009, decidiu-se transformar este Fórum

(FSF) no Conselho de Estabilidade Financeira (Financial Stability

Board – FSB), entidade estabelecida de Direito Internacional com

status separado do BIS e que passou a incluir todos os países do

G20 e a Comissão Europeia.

Em pronunciamento na Casa Branca sobre a Cúpula do G20

em Pittsburgh, em setembro de 2009, o Secretário do Tesouro

estadunidense Timothy Geithner afirmou:

A coisa importante que fizemos em Londres, e vocês

verão progresso adicional substantivo aqui hoje, foi

adicionar, de fato, um quarto pilar à arquitetura de

cooperação que nós estabelecemos na II Guerra Mundial.

Depois da II Guerra Mundial, nós nos reunimos e

estabelecemos o FMI, o Banco Mundial e o GATT [Acordo

124

Geral de Tarifas e Comércio] que se tornou a OMC

[Organização Mundial do Comércio]. Mas o Conselho de

Estabilidade Financeira é, de fato, um quarto pilar desta

arquitetura68 (tradução da autora).

Apesar do mandato do G20 para a execução de estudos sobre

a regulação financeira, o FSB não tem capacidade legal de

implementação de suas recomendações. Na prática, os países

do G20 fortaleceram a governança de instituições que somente

reforçam os marcos regulatórios que permitem e promovem a

desregulamentação financeira e a financeirização. Estas IFIs, que

junto com o FMI saíram fortalecidas como pilares da arquitetura

financeira internacional, são representativas do nível de captura

corporativa das políticas públicas.

Em termos de governança, estas instituições incorporaram os

países do G20 que não faziam parte de seus corpos diretivos, sem

melhorar em nada a sua prestação de contas ao público. Assim,

como é o caso do próprio G20, a inclusão dos países emergentes,

longe de significar uma mudança de paradigma, tem servido

como elemento fragmentador das perspectivas do Sul Global –

entre os que foram falsamente incluídos e os que ficaram de fora

–, facilitando, acima de tudo, a manutenção do status quo no

conteúdo político e na forma de trabalho.

C) A insatisfação dos emergentes com a falta de reformas

consistentes na governança do Banco Mundial foi,

possivelmente, o maior motivador do anúncio feito na última

reunião dos BRICS, em março de 2012, de que os países do

grupo estavam analisando a criação de um Banco Multilateral

de Desenvolvimento. Já havia dentro do agrupamento uma

iniciativa de reunião dos bancos de desenvolvimento dos

respectivos países, mas este Banco, se fundado, representará

um passo estratégico dos BRICS. A Índia e a África do Sul são

entusiastas da iniciativa, enquanto a China e a Rússia têm tido

maior resistência à ideia. Diversas questões ainda estão em

aberto, como em que países atuaria, a fonte dos recursos e a

governança do Banco. O principal alvo dos financiamentos serão

projetos em países em desenvolvimento e, com isso, o Banco

dos BRICS será complementar e, de certa forma, concorrente

do Banco Mundial. O impacto desta iniciativa é de fundamental

importância para os movimentos sociais brasileiros.

D) Além do fortalecimento das IFIs, ao menos uma nova

instituição financeira foi criada desde o colapso financeiro

de 2008: o Clube Internacional de Financiamento do

Desenvolvimento (International Development Finance Club –

IDFC), uma rede de dezenove bancos nacionais e regionais de

desenvolvimento, que inclui o BNDES. O propósito declarado

da instituição é “fortalecer a voz dos bancos nacionais e

sub-regionais em um ambiente dominado por instituições

multilaterais de financiamento” (tradução da autora)69, claramente

uma estratégia de contraponto ao Banco Mundial. Com reuniões

anuais desde 2010 e propósitos pouco transparentes, o IDFC

constitui um desafio para os movimentos sociais e tem sido

instrumental nas estratégias de financeirização dos bens comuns

promovidas pelas elites financeiras transnacionais no B20

(Business 20)70. Paralela à Cúpula do G20 em Los Cabos, o B20 se

reuniu e anunciou uma Aliança para o Crescimento Verde (Green

Growth Alliance). Segundo o relatório prévio do B20:

Durante a Cúpula de Los Cabos, o B20 anunciara um

novo clube de instituições financeiras internacionais,

bancos de desenvolvimento (International Development

Finance Club - IDFC), empresas, bancos e investidores

privados destinados a fazer progressos praticos sobre

essa agenda nos próximos 36 meses, com foco

inicial em financiamento. Convidamos ministros

de Desenvolvimento e de Finanças e instituições

financeiras internacionais a se envolver com esta nova

parceria para dinamizar estruturas de financiamento

público-privado para o crescimento verde e a energia

sustentavel das Nações Unidas para todas as prioridades

de investimento, e apresentar um relatório para futuras

Cúpulas do G20. Com os marcos políticos corretos, este

novo clube ajudara as empresas a fazer os investimentos

necessarios, assumir riscos relevantes e abraçar as novas

125

oportunidades que a transformação econômica verde

promete (tradução da autora).

Ficam claros, neste relatório, a aliança entre os países do G20 e

os interesses corporativos das elites financeiras transnacionais.

Na declaração dos líderes do G20, estes “dão as boas-vindas à

Aliança de Ação para o Crescimento Verde do B20”71 (tradução da

autora) De acordo com o relatório, o IDFC tem papel importante

nas parcerias público-privadas de estruturas de financiamento

em “investimentos verdes”, ou seja, o financiamento com

recursos públicos de infraestrutura econômico-financeira

para a criação de novos mercados de investimento baseado na

privatização, comodificação e financeirização dos bens comuns.

3. A garantia da infraestrutura econômico-financeira para a

privatização, comodificação e financeirização de mais recursos

públicos e dos bens comuns:

A Cúpula do G20 no México ocorreu pouco antes da Cúpula

Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento

Sustentável. Embora, à primeira vista, as duas cúpulas pudessem

parecer tratar de questões diversas, uma análise cuidadosa

revela o que estava em debate nas duas reuniões: o modelo de

desenvolvimento que os governos, capturados por interesses

corporativos, estão promovendo como uma falsa solução para as

crises econômico-financeira, social e ecológica.

Para entender o contexto, é necessário reafirmar o

anteriormente dito: nas últimas três décadas, um crescente

processo de financeirização da economia global se aprofundou.

Como parte deste processo de financeirização, o tamanho dos

mercados financeiros tem aumentado exponencialmente em

relação à economia de bens e serviços, a chamada economia real.

Este desnível faz que os investidores financeiros busquem

novos espaços de acumulação, necessitando especialmente que

se criem novas commodities para investir. Parte disto explica,

por exemplo, a especulação nos preços dos alimentos e de

petróleo: com o colapso do mercado imobiliário nos EUA, muitos

investidores voltaram sua atenção para produtos primários. Este

fluxo intenso de investimentos provoca crescente especulação

com os preços das commodities, o que tem efeitos nocivos sobre

a soberania alimentar dos povos.

Não satisfeitos, os investidores, que têm força para influenciar

a pauta dos governos do G20, necessitam de novas fronteiras de

acumulação. Isto ficou bastante evidente quando estes países

promoveram o paradigma do “crescimento verde” na Cúpula

do G20 no México ou da “economia verde” na Cúpula Rio+20.

Os nomes podem ser ligeiramente diferentes, mas o conteúdo

político é semelhante: encontrar maneiras de privatizar os bens

comuns da natureza e transformá-los em novas mercadorias.

O paradigma da “economia verde” remonta às análises

da iniciativa TEEB (sigla em inglês para A Economia dos

Ecossistemas e da Biodiversidade), liderada por Pavan

Sukhdev, um economista do mercado financeiro indiano.

Com um histórico de anos de trabalho no mercado financeiro,

especialmente no Deutsche Bank, Sukhdev foi também quem

escreveu o documento de fundo sobre a “economia verde” do

Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Pnuma). A

relação dessas iniciativas com os interesses das elites financeiras

transnacionais não poderia estar mais clara.

De acordo com as premissas da TEEB e da “economia verde”,

é necessário dar valor monetário aos serviços ecossistêmicos

que a natureza oferece gratuitamente e que não são atualmente

comercializados ou não eram comercializados até muito

recentemente. Por exemplo, coloca-se um preço sobre o trabalho

da floresta para captar o excesso de carbono na atmosfera para

indústrias poluentes poderem continuar a emiti-lo, só precisando

pagar aos “protetores” das florestas – como as comunidades

indígenas – pelo “serviço” ecossistêmico de capturar a poluição

emitida. Estas indústrias continuam a poluir comprando este

direito no mercado. Isto criou um mercado de carbono para a

especulação financeira por parte dos investidores. Vários outros

mercados similares de “pagamentos por serviços ambientais”

serão criados no âmbito dessas iniciativas.

O Banco Mundial, o BID, entre outros72, já estão liderando a

gestão dos recursos dos fundos de adaptação e mitigação das

126

mudanças climáticas. Em 2010, foram US$

10 bilhões em todo o mundo e a expectativa

do Bird é a de que este valor chegue a US$

275 bilhões anuais até 203073. Desse modo, a

mudança climática e a criação do mercado de

carbono, como uma falsa solução, geraram um

novo tipo de programa de financiamento para

estas IFIs74. Este é um exemplo emblemático de

como elas aproveitam as crises do capitalismo e

as transformam em oportunidades de negócio.

Além de bolhas financeiras, este processo

de financeirização da natureza causa muitos

outros impactos, que as pessoas já estão

enfrentando nos territórios. Este tipo de

mercado implica a privatização de riquezas

naturais que antes eram usadas coletivamente.

As florestas, o ar que respiramos e a água

dos rios são alguns exemplos, mas toda a

biodiversidade do planeta corre o risco de ser submetida à lógica

de acumulação privada no âmbito desta estratégia da aliança

entre os governos e os mercados financeiros.

Este processo de privatização significa que o acesso a

determinados recursos se tornará mais caro, atingindo as

famílias mais pobres, principalmente as mulheres, que, em razão

de desempenhar majoritariamente o trabalho de reprodução

social não remunerado, contam, mais ativamente, com o

aporte do uso dos bens comuns em seu cotidiano. Além disto,

a privatização também gera mais disputas por territórios, o

que aumenta a propensão dos conflitos sociais no campo.

Na verdade, não se sabe, de fato, todos os impactos que este

processo de financeirização e privatização dos bens comuns

pode ter sobre a vida dos povos.

Neste sentido, as IFIs não têm sido instrumentais somente

na manutenção do status quo da governança econômica

global, da desregulamentação financeira e das políticas

econômicas neoliberais. Agora, através de alguns de

seus programas, as IFIs têm apoiado a criação de novas

commodities, novas fronteiras de acumulação dos mercados

financeiros via especulação desregulada.

Por exemplo, a Estratégia de Parceira de País 2012-2015 do

Banco Mundial para o Brasil tem entre seus objetivos: “melhorar

a gestão sustentável de recursos naturais”, o que inclui os

programas de Pagamento por Serviços Ambientais75. Este

propósito explicita a prioridade em avançar no processo de

privatização, comodificação e financeirização dos bens comuns,

tendo a natureza como um dos principais espaços de extensão

das fronteiras de acumulação do capital transnacional.

O Banco Mundial tem colaborado com a iniciativa TEEB do

Pnuma, por exemplo, através de seu programa Waves (sigla

para Wealth Accounting and Valuation of Ecosystem Services76),

que promove a atribuição de valores monetários aos recursos

naturais para fins de contabilidade nas contas públicas nacionais,

favorecendo a criação de commodities a partir destes recursos,

e os mecanismos de mercado como a solução para a crise

ambiental. Estas novas commodities, baseadas na chamada

“indústria de serviços ambientais”, constituem uma nova

dem

otix

.com

O Banco Mundial promove a privatização dos bens comuns: pagar pelos “serviços” prestados pela natureza

127

fronteira de especulação para os mercados financeiros, uma

verdadeira privatização financeira dos bens comuns. Este é

somente um exemplo de como as IFIs representam os interesses

das elites financeiras na agenda da chamada “economia verde”.

Além disso, como já afirmado, as IFIs têm sido fundamentais

na criação e manutenção de marcos regulatórios permissivos

e promotores da financeirização, assim como da privatização

e da comodificação dos bens comuns77. E isso se dá também

via assessoria técnica, que promove diretrizes de política e

desregulamentação, favorecendo uma infraestrutura econômico-

financeira de acordo com o interesse dos investidores.

O BID tem grande influência na determinação das

diretrizes da IIRSA [Iniciativa para a Integração da

Infraestrutura Regional Sul-Americana], através da

ocupação de postos-chave na estrutura de gestão e

de assistência técnica, areas importantes na definição

do arcabouço institucional da IIRSA, dos projetos

considerados prioritarios, bem como das diretrizes para o

financiamento deles, incluindo os estudos de viabilidade.

Em relação ao modelo energético brasileiro, as IFIs têm

investido pesadamente para a construção de um marco

regulatório que preserve os interesses da iniciativa

privada que atua no setor: segurança jurídica, retorno dos

investimentos e liberdade para remessa de lucros. Isto

sem falar na alteração da legislação ambiental, bem como

do processo de licenciamento78.

Assim, através de suas recomendações técnicas, o Banco

Mundial tem criticado o processo de licenciamento ambiental

no Brasil e o Ministério Público como entraves aos projetos de

infraestrutura do país79, em uma demonstração clara de que a

criação de um “ambiente favorável” aos investidores é prioritária,

em detrimento dos impactos sociais e ambientais causados

pelos próprios projetos de infraestrutura e pelo processo de

privatização, comodificação e financeirização dos bens comuns

associado a estes projetos.

Comentários finais

Esta análise sobre a reconfiguração das IFIs, especialmente após

o colapso financeiro de 2008, não objetiva ser exaustiva a respeito

das diversas formas através das quais as IFIs têm se reconfigurado

dentro da continuidade do paradigma capitalista neoliberal. O que

se busca mostrar aqui é que este processo de reconfiguração – em

um contexto de gradual mudança geopolítica com a ascensão

dos chamados países emergentes e o estabelecimento do G20

como principal fórum da governança econômica global – está

para além da reconfiguração da relação de forças interestatal. Está

especialmente calcada em um aprofundamento da aliança entre o

capital financeiro e o poder político institucional. As IFIs têm sido

fundamentais na criação e manutenção de marcos regulatórios

permissivos e promotores da financeirização, assim como da

privatização e da comodificação dos bens comuns.

Neste contexto, a questão de como a estratégia da política

externa do Brasil “que se entende como país emergente” para

as IFIs tem mudado surge como central. O papel que o país

tem jogado na disputa por mais poder na governança destas

instituições pode ter implicado maior autonomia relativa, mas

também tem prevenido o Brasil de ter uma voz mais crítica em

relação a elas. Esta estratégia avançada tem um custo político, não

só para o país, mas para o Sul Global, os países que permanecem

excluídos do G20 e das IFIs e que dependeriam de países como

o Brasil para liderar o campo mais crítico. Além disso, o escasso

debate público sobre a atuação do Brasil no G20 é representativo

do déficit democrático da política externa brasileira.

A mobilização dos movimentos sociais e das organizações

brasileiras é central no questionamento desta estratégia que tem

favorecido a reinvenção das IFIs dentro de um aprofundamento

do paradigma neoliberal e de um modelo de globalização

dominado pelas elites financeiras transnacionais.

* Diana Aguiar é mestre em Relações Internacionais pela Pontífice Universidade Católica (PUC-Rio), facilitadora do Grupo de Trabalho sobre Arquitetura Econômica Internacional (GT-AEI) da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) e Facilitadora de Projeto da Campanha Global contra o Poder Corporativo (Global Corporate Power Campaign Network)

128

Agradecimento: A autora agradece aos comentários recebidos de Adhemar Mineiro (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - Dieese - e Rede Brasileira pela Integração dos Povos - Rebrip), Gabriel Strautman (Justiça Global), Magnólia Said (Esplar/Rede Brasil), Fabrina Furtado (Doutoranda do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - Ippur, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ) e Giorgio Romano (Universidade do ABC - UFABC) durante o período de elaboração deste artigo. A análise contida é, no entanto, de inteira responsabilidade da autora.

1 A Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad) defende que as economias que tiveram melhor desempenho nas últimas três décadas são justamente aquelas que rejeitaram esse modelo de globalização financeirizada (finance-driven globalization) e adotaram políticas heterodoxas adequadas ao contexto nacional/local. Unctad Policy Brief. The Paradox of Finance-Driven Globalization. Janeiro de 2012.

2 Antonio Tricarico. The “financial enclosure” of the commons. Outubro de 2011.

3 De fato, a partir do início dos anos 1980, quando o processo de financeirização se intensifica, o volume do fluxo de capitais ultrapassa o comércio internacional. Unctad Policy Brief. The Paradox of Finance-Driven Globalization. Janeiro de 2012.

4 O bloco BRICS é formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

5 AGUIAR, Diana. Cúpula dos Povos frente ao G20 2011. “Os Povos Primeiro, Não os Mercados Financeiros!”. In: G20: Novo Cenário para a política externa do Brasil. Perspectivas dos Movimentos Sociais. Rebrip, 2012.

6 G-SIFIs – Global Sistemically Important Financial Institutions.

7 Idem.

8 GOWER, Richard. Financial Crisis 2: Rise of the Machines. Robin Hood Tax Campaign. Setembro de 2011. High frequency trading ou “transações de alta frequência” são, hoje, a realidade da maior parte das transações nos mercados financeiros. São as transações em alta velocidade, feitas por computadores extremamente rápidos, que chegam a negociar ativos financeiros centenas ou milhares de vezes por segundo, com base em modelos matemáticos preestabelecidos. Este tipo de transação tem levado as corporações dos mercados financeiros a uma verdadeira “corrida tecnológica” para estar milésimos de segundo à frente de seus concorrentes. Neste tipo de transação, o que se sobressai é a capacidade de investimento em inovação tecnológica e expertise matemática para maximizar os lucros em um ambiente de alta competitividade que favorece a concentração do mercado em grandes corporações com capacidade técnica, em detrimento da estabilidade financeira ou do uso dos recursos dos mercados financeiros a serviço das necessidades produtivas. robinhoodtax.org.uk/sites/default/files/Rise%20of%20the%20Machines_1.pdf)

9 WARDE, Ibrahim. O reinado das agências de classificação de risco. Dossiê Le Monde Diplomatique Brasil 10. Ano 2, julho/agosto 2012. A avaliação das três mais poderosas agências de classificação de risco (Moody’s, Standard&Poors e Fitch Ratings) das dívidas soberanas dos países e das grandes corporações financeiras é acompanhada de perto pelos mercados financeiros e determina, em grande medida, o “ânimo” dos mercados. Exemplo disso, quando em agosto de 2011 e em janeiro de 2012, a Standard&Poors rebaixou a nota dos Estados Unidos e de nove países da zona do euro, os porta-vozes das políticas econômicas desses países não tardaram em fazer declarações em defesa de sua segurança financeira.

10 AGUIAR, Diana. Cúpula dos Povos frente ao G20 2011. “Os Povos Primeiro, Não os Mercados Financeiros!”. In: G20: Novo Cenário para a política externa do Brasil. Perspectivas dos Movimentos Sociais. Rebrip, 2012.

11 AGUIAR, Diana. Seminário Regional “A América Latina no G20”. In: G20: Novo Cenário para a política externa do Brasil. Perspectivas dos Movimentos Sociais. Rebrip, 2012.

12 A financeirização não é o mesmo que a privatização e a comodificação, embora dependa destas.

13 Ataques especulativos contra a moeda ou a dívida de um país referem-se à aposta, como em um grande cassino, de grandes investidores em torno da cotação de uma moeda específica ou de títulos

da dívida pública de um país, vendendo e comprando rapidamente em grandes volumes e espalhando boatos no mercado sobre o valor dessas moedas e títulos. George Soros ficou famoso por fazer fortuna arquitetando ataques assim contra moedas de distintos países, em um exemplo de como as elites financeiras transnacionais lucram com as instabilidades e desregulamentação do sistema financeiro.

14 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012.

15 AMBROSE, Soren. IMF Confidence Crisis. Foreign Policy in Focus. Abril de 2007. www.fpif.org/articles/imf_confidence_crisis

16 Entrevista de Fabrina Furtado (Doutoranda Ippur/UFRJ) à autora em julho de 2012.

17 La vida antes que la deuda! Argentina/Brasil. Dezembro de 2005.www.jubileosuramericas.org/item-info.shtml?x=90394

18 AMBROSE, Soren. IMF Confidence Crisis. Foreign Policy in Focus.Abril de 2007. wwww.fpif.org/articles/imf_confidence_crisis

19 MOLINA-GALLART, Nuria; MUCHHALA, Bhumika. Strings Attached: How the IMF’s Economic Conditions Foil Development-Oriented Policies for Loan-Borrowing Countries. Third World Network, 2010.

20 Special Drawing Rights ou Direitos Especiais de Saque, a unidade de conta do FMI.

21 A taxa de conversão atual é de 1,55 US$ para cada SDR.

22 www.imf.org/external/np/fin/tad/extcred1.aspx

23 Idem.

24 Empréstimos a serem pagos. O valor dos empréstimos aprovados é ainda maior, já que parte dos fundos ainda não foi repassada.

25 www.imf.org/external/np/fin/tad/extarr11.aspx?memberKey1=ZZZZ&date1key=2012-05-31

26 www.imf.org/external/np/fin/tad/extarr11.aspx?memberKey1=ZZZZ&date1key=2002-12-31

27 Um mapa dos principais devedores do Fundo hoje ilustra essa mudança: www.imf.org/external/np/exr/map/lending/index.htm

28 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012.

29 GONÇALVES, Reinaldo. O Banco Mundial no Brasil: da Guerra de Movimento à Guerra de Posição. Análise do documento “Estratégia de Parceria com o Brasil, 2008-2011”. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais. Janeiro de 2009.

30 A importância do BNDES no atual modelo de desenvolvimento do país é central, ainda que não o foco desta análise, centrada nas IFIs.

31 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: A tentativa de garantir o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, 2009.

32 GONÇALVES, Reinaldo. O Banco Mundial no Brasil: da Guerra de Movimento à Guerra de Posição. Análise do documento “Estratégia de Parceria com o Brasil, 2008-2011”. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais. Janeiro de 2009.

33 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012.

34 Entrevista de Fabrina Furtado (Doutoranda Ippur/UFRJ) à autora em julho de 2012.

35 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: A tentativa de garantir

129

o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, 2009.

36 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012.

37 Idem.

38 Idem.

39 Idem.

40 www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1374:entrevistas-materias&Itemid=41

41 MOLINA-GALLART, Nuria; MUCHHALA, Bhumika. Strings Attached: How the IMF’s Economic Conditions Foil Development-Oriented Policies for Loan-Borrowing Countries. Third World Network, 2010.Bretton Woods Project. IMF policy recommendations: not enough change after the crisis. Bretton Woods Update, n. 80, março/abril de 2012.

42 Essa ideia será mais bem desenvolvida adiante.

43 AMBROSE, Soren; MUCHHALA, Bhumika. Fruits of the Crisis: Leveraging the Economic Crisis to Secure Development Resources and Reserve Reform. Third World Network, 2010.

44 Imposto sobre Operações Financeiras.

45 Conversa da autora com Fernando Cardim, maio de 2012.

46 BRÉVILLE, Benoit; LAMBERT, Renaud. Um nome e um endereço. Dossiê Le Monde Diplomatique Brasil 10. Ano 2, julho/agosto de 2012.

47 O montante aprovado inicialmente foi de US$ 700 bilhões, que acabaram não sendo utilizados em sua totalidade. topics.nytimes.com/top/reference/timestopics/subjects/c/credit_crisis/bailout_plan/index.html

48 WARDE, Ibrahim. Prêmios e castigos dos negociadores do mercado financeiro. Dossiê Le Monde Diplomatique Brasil 08, novembro/dezembro de 2011.

49 www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120609_espanha_emprestimo_entenda_rw.shtml

50 www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/07/120701_euro_entenda_pai.shtml

51 New Arrangements to Borrow (NAB) e General Arrangements to Borrow (GAB) são arranjos bilaterais de crédito entre o FMI e alguns de seus membros, que não afetam as cotas ou o poder de voto. GAB foi originalmente estabelecido em 1962 e foi utilizado amplamente até o final dos anos 1990. Atualmente, só podem ser acionados se a ativação dos NABs for recusada. Os NABs foram criados em 1997 e só podem ser usados quando os recursos das cotas não forem suficientes. www.brettonwoodsproject.org/art-569552

52 www.imf.org/external/np/tre/liquid/2008/0408.htmwww.imf.org/external/np/tre/liquid/2012/0412.htm#note

53 www.imf.org/external/np/exr/facts/gabnab.htm

54 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012.

55 www.imf.org/external/np/tre/liquid/2008/0408.htmwww.imf.org/external/np/tre/liquid/2012/0412.htm#note

56 MOLINA-GALLART, Nuria; MUCHHALA, Bhumika. Strings Attached: How the IMF’s Economic Conditions Foil Development-Oriented Policies for Loan-Borrowing Countries. Third World Network, 2010.

57 Idem.

58 blogs.worldbank.org/voices/world-bank-gets-capital-increase-and-reforms-voting-power

59 www.iadb.org/en/capital-increase/ninth-capital-increase-idb-9,1874.html

60 www.imf.org/external/np/sec/pr/2011/pdfs/quota_tbl.pdf

61 Idem.

62 Dos US$ 75 bilhões prometidos pelos BRICS na última reunião do G20, no México, US$ 10 bilhões virão do Brasil.

63 Declaração dos Líderes do G20. Cúpula do G20 no México, 18 e19 de junho de 2012. g20.org/images/stories/docs/g20/conclu/G20_Leaders_Declaration_2012_1.pdf

64 www.brettonwoodsproject.org/art-566281www.brettonwoodsproject.org/art-566696

65 A Espanha só foi convidada em 2001.

66 PLIHON, Dominique. Pobres normas internacionais. Dossiê Le Monde Diplomatique 08, novembro/dezembro de 2011.

67 Dossiê Le Monde Diplomatique 08, novembro/dezembro de 2011. “Sistema bancário paralelo constituído não por bancos de depósito [usados pelo grande público para conta corrente e poupança], mas por fundos de investimentos, bancos de negócios, seguradores que escapam das regulações do sistema bancário tradicional (do qual, às vezes, são subsidiários...). Fontes de instabilidade financeira em escala mundial, esses atores drenam uma massa considerável de capital e fazem extenso uso de derivativos.” Os Acordos de Basileia somente regulamentam o sistema bancário tradicional. No entanto, é no sistema bancário sombra que acontecem as transações financeiras com derivativos e mercado de balcão.

68 www.whitehouse.gov/the-press-office/press-briefing-treasury-secretary-geithner-g20-meetings

69 www.idfc.org/Our-Objectives/our-objectives.aspx

70 Business 20 ou B20 é a reunião paralela ao G20 de corporações transnacionais dos 20 países do grupo.

71 Declaração dos Líderes do G20. Cúpula do G20 no México, 18 e19 de junho de 2012. g20.org/images/stories/docs/g20/conclu/G20_Leaders_Declaration_2012_1.pdf

72 FURTADO, Fabrina. Salvando o planeta ou o capitalismo? Contra Corrente, I Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, janeiro de 2009.

73 STRAUTMAN, Gabriel. Os Bancos já entraram na “farra” do clima. Contra Corrente, III Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, outubro de 2011.

74 JUBILEU SUL. Banco Mundial Fora do Clima!... e de nossos países. Contra Corrente, III Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, outubro de 2011.

75 FURTADO, Fabrina. Banco Mundial: regularizar para controlar. Contra Corrente, IV Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, junho de 2012.

76 www.wavespartnership.org/waves/

77 ORTIZ, Lúcia; OVERBEEK, Winnie. Valorando o que não tem valor. Contra Corrente, IV Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, junho de 2012.

78 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: A tentativa de garantir o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, 2009.

79 Idem.

130

BNDES e violações de direitos: fichários de estudos de casos

Contexto

Territorial

131

A proposta deste Contexto Territorial é apresentar seis casos emblemáticos de megaprojetos de “desenvolvimento” que

têm como característica comum a violação de direitos e o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES). Estes estudos de caso explicitam a perversidade de um modelo fundamentado na

parceria entre as corporações e o Estado, em que elas recebem deste, inclusive, o financiamento massivo para os projetos que

resultam em graves e irreversíveis impactos socioambientais, culturais e econômicos.

Realizados nos estados do Rio de Janeiro, Pará, Rondônia e Bahia e nas doze cidades-sede da Copa do Mundo, os

empreendimentos aqui apresentados nos trazem elementos da realidade das cinco regiões do país. Neste sentido, ajudam

a formar um dos seus possíveis retratos neste início de século: o de um Brasil em que os direitos de grande parte de

suas populações e da natureza são totalmente desrespeitados em nome da garantia do lucro de algumas corporações

transnacionais. Este é o caso dos indígenas, camponeses, quilombolas, populações tradicionais, das periferias dos grandes

centros e das que estão financeiramente mais vulneráveis. Infelizmente, devido ao atual estágio de concentração e

oligopolização da economia brasileira, este padrão está sendo exportado para países da América Latina e da África.

É importante ressaltar que estes estudos de caso são o resultado da compilação e sistematização, feitos pela pesquisadora

Marilda Teles Maracci, de relatórios, denúncias, publicações e diversas ações efetivadas por outras organizações, redes e

movimentos da sociedade civil, com o propósito de fortalecer a resistência ao atual modelo

de desenvolvimento.

Neste sentido, gostaríamos de agradecer a colaboração das seguintes organizações e redes: Políticas Alternativas para o Cone

Sul (Pacs); Justiça Global; Amigos da Terra Brasil; Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da

Bahia (Cepedes); Centro de Pesquisa e Assessoria Esplar; Plataforma Dhesca; Fórum de Articulação da Amazônia Oriental

(Faor); Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop); Rede Alerta Contra o Deserto Verde; Plataforma BNDES;

Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS), Repórter Brasil e a organização moçambicana Justiça Ambiental (JA!). Por

se tratar de uma compilação de outros estudos e publicações, e considerando a agilidade dos acontecimentos e processos

de alguns dos casos apresentados aqui, além do próprio tempo transcorrido para finalizar esta publicação, é possível que

algumas informações e dados apresentados aqui não sejam as mais atualizadas. Independente disso, a contundência dos

casos demonstra quão insustentável e ilegítimo se apresenta o atual padrão de acumulação no país.

CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico1

132

1- Descrição do empreendimento

Conglomerado industrial-siderúrgico-portuário da TKCSA

(ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico)

formado pela Vale (CVRD), que detém 27% das ações votantes,

e a empresa alemã ThyssenKrupp Steel (TKS) com 73%. Trata-

se de uma joint venture. É considerado o maior investimento

estrangeiro privado feito no Brasil nos últimos dez anos e o

maior projeto do setor siderúrgico no país.

Área de intervenção: Bairro de Santa Cruz, na zona oeste da

cidade do Rio de Janeiro, nas margens da Baía de Sepetiba.

O Conglomerado é composto de:

1 – Usina siderúrgica integrada com capacidade de produção prevista de 10 milhões de toneladas de placas de aço/ano;

2 – Usina termoelétrica para a geração de 490 MW de energia elétrica;

3 – Um porto com dois terminais, composto de uma ponte de acesso de cerca de 4 km e um píer de 700 m para recebimento de

4 milhões de toneladas de carvão mineral importado e para o escoamento da produção para o mercado externo.

Produção: 5,5 milhões de toneladas de placas de aço/ano.

Capacidade produtiva total: 10 milhões de toneladas de placas de aço/ ano.

Área total: 9 km2.

Início das operações: 18 de junho de 2010 – com a entrada em operação da planta da TKCSA.

Pessoas impactadas diretamente: 8.070 famílias de pescadores e mais de 20 conjuntos habitacionais vizinhos

à planta industrial.

Investimento total: o valor saltou de 4,5 bilhões de euros para 5 bilhões de euros devido às despesas operacionais para o início

de operação do projeto.

CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico

133

Além das obras da TKCSA, encontram-se em processo de licenciamento os seguintes projetos na região:

1) portuários: o Porto Sudeste, da LLX Logística, com capacidade de escoamento de 50 milhões de toneladas de minério do

quadrilátero ferrífero; a ampliação do Porto de Itaguaí; a construção de um grande porto e estaleiro para a construção de

submarinos da Marinha do Brasil; e a construção de um megaporto compartilhado entre Petrobras, Gerdau e a Companhia

Siderúrgica Nacional (CSN), segundo memorando de entendimento assinado em agosto de 2008.

2) siderúrgicos: expansão da capacidade produtiva da Gerdau Cosigua e a construção de uma nova usina de aço – Gerdau Aços

Especiais Rio.

A ThyssenKrupp Steel é uma das maiores companhias siderúrgicas do mundo, com um faturamento anual de 39 bilhões

de euros. As empresas Thyssen e Krupp se uniram em 1998 para ganhar força no mercado. Ambas eram gigantes do setor

siderúrgico alemão, com mais de um século de tradição: a Thyssen foi fundada em 1811 e a Krupp, em 1867. Em todo o mundo,

a ThyssenKrupp emprega 184 mil trabalhadores. No Brasil, emprega cerca de 9 mil trabalhadores, distribuídos em 22 subsidiárias

espalhadas pelo país, que são a base de operações do grupo empresarial na América do Sul.

A Vale, atualmente detentora de 26,85% do projeto, é considerada uma das maiores mineradoras do mundo. Trata-se de uma

empresa global, com sede no Brasil, com mais de 100 mil empregados. A empresa produz e comercializa minério de ferro,

pelotas, níquel, concentrado de cobre, carvão, bauxita, alumina, alumínio, potássio, caulim, manganês e ferro-liga. Realiza

também atividades em mineração, com investimentos em pesquisa mineral e novas tecnologias. Entre seus maiores diferenciais,

resultando na redução de seus custos operacionais, está a atuação e a expertise acumuladas como operadora logística que

favorece o escoamento de sua produção. Uma de suas principais estratégias é fazer que a produção ganhe o mercado global,

encurtando distâncias e criando corredores de exportação em regiões estratégicas.

2- Valor do empréstimo

O empreendimento conta com um amplo apoio dos governos municipal, estadual e federal por meio de isenções fiscais e do

financiamento direto de R$ 2,4 bilhões (aproximadamente US$ 1,2 bilhão) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

Social (BNDES)2, o que representa 30% do valor total do projeto e se dá mediante dois contratos, um assinado em 2007 (destinado

à aquisição de máquinas e equipamentos nacionais, obras civis, instalações e montagens associadas) e outro assinado em 2010.

O Banco também financiará parte das atividades de responsabilidade social da empresa, num montante estimado em

R$ 10,5 milhões.

Em relação aos incentivos fiscais, haverá a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) por doze anos.

De acordo com a Secretaria Estadual da Fazenda, o governo do estado concedeu R$ 695 milhões à TKCSA, de 2007 a 2010. A

isenção de pagamento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) foi concedida pela Lei n° 4.372, de 13 de junho de

2006. O terreno em que a empresa está localizada também foi concedido pelo governo federal.

CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico

134

3- Impactos socioambientais

A região da zona oeste do Rio de Janeiro é formada pelas Regiões Administrativas de Bangu, Barra da Tijuca, Campo Grande,

Guaratiba, Jacarepaguá, Realengo e Santa Cruz. Trata-se de uma região que apresenta grandes contrastes, abrigando áreas de

intensa urbanização e ocupação, como Realengo e Santa Cruz, e regiões que ainda apresentam muitas áreas naturais. Acentua-se

sobre estas áreas a pressão sobre os recursos naturais, refletindo-se em altos níveis de poluição de rios e áreas verdes, além da

destruição de ecossistemas da Mata Atlântica, como manguezais e outros biomas marítimos. A zona oeste do Rio de Janeiro é a

área com maior concentração de população negra e de baixa renda do estado. Este quadro configura situações diretas de racismo

ambiental ou injustiça ambiental, e as parcelas mais empobrecidas e excluídas ficam expostas a maiores riscos ambientais

e sobre a sua saúde. A Baía de Sepetiba abrange, além de parte da zona oeste do Rio de Janeiro, os municípios de Itaguaí e

Mangaratiba, com área de aproximadamente 450 km2.

Do ponto de vista ambiental, em seu entorno existem importantes ecossistemas ainda preservados de florestas, restingas, como

a da Marambaia, e manguezais. Podem ser encontradas áreas remanescentes da Mata Atlântica, principalmente na Serra do Mar,

considerada atualmente uma das 25 áreas mais importantes para a conservação da biodiversidade em todo o mundo. A região

litorânea da Baía de Sepetiba foi declarada Área de Proteção Ambiental (APA)3.

A economia e a vida social dos demais municípios, com exceção do bairro de Santa Cruz, encontram-se pautadas,

principalmente, pelas atividades da pesca – artesanal, industrial e maricultura – e do turismo. A região apresenta um universo

composto de quilombolas, índios, pescadores artesanais e caiçaras. Trata-se, portanto, de área caracterizada por profundas

riquezas ambiental, social e cultural, mas também empobrecida e credora de uma dívida social e ambiental crescente.

Crimes ambientais

Desrespeito à legislação ambiental – Desde o início das atividades de implantação e planejamento da obra, o Estudo e Relatório

de Impacto Ambiental (Eia-Rima) do empreendimento viola a Lei Federal no 7661/88. Descumpre também o Decreto de

Regulamentação no 5.300/2004 (Gerenciamento Costeiro), que determina que o licenciamento de empreendimentos na zona

costeira seja realizado exclusivamente pelo órgão ambiental federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais renováveis (Ibama), e não pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), como foi realizado no caso do empreendimento

em questão.

Ilegalidades e falta de transparência no processo de licenciamento ambiental, com manipulação da participação popular durante

as audiências públicas. Em 2006, por exemplo, durante as audiências públicas, a TKCSA mobilizou pessoas que nem mesmo moravam

na região para participar das audiências públicas, chegando a pagar um valor que variou de R$ 30 a R$ 50 pela participação.

CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico

135

Cooptação de autoridades públicas (poder Executivo: prefeituras e governo estadual e federal) e cooptação de lideranças

comunitárias por meio de “contratos de prestação de serviço” em troca de assinaturas de documentos de apoio à empresa.

Violação dos direitos humanos – A TKCSA viola o direito de ir e vir de pescadores e outros indivíduos que se oponham ao

empreendimento na região (violação do artigo XII da Declaração dos Direitos Universal dos Direitos Humanos, de dezembro de

1948, da Assembleia Geral das Nações Unidas): “Os pescadores não podem trabalhar porque a empresa instala equipamentos

nos rios e no mar. A ponte de 4 km, que compõe o terminal portuário privado, impede os pescadores de navegar dentro da Baía.

Eles precisam contornar toda a ponte (cerca de 8 milhas). A movimentação de enormes navios pelo Canal de São Francisco e

pelo mar, além de reduzir a quantidade e a variedade de peixes pela movimentação e poluição, cria zonas de exclusão da pesca,

impedindo os pescadores de trabalhar”4.

Violação dos direitos dos imigrantes – Com o objetivo de reduzir os custos com a mão de obra, a empresa vem contratando

sistematicamente imigrantes (nordestinos e chineses). Os chineses são parte de um acordo assinado com o grupo chinês

Citic (Cooperação Internacional do Brasil Consultoria de Projetos Ltda.) para a compra de máquinas e fornecimento dos

trabalhadores. Cerca de 600 chineses já trabalharam no canteiro de obras da empresa, enfrentando péssimas condições de

vida e de trabalho, bem como constantes ameaças da milícia que atua na zona oeste. Em uma visita do Ministério Público do

Trabalho (MPT) ao canteiro de obras, foram encontrados 120 chineses sem documentos e sem contratos de trabalho.

Destruição ambiental na Baía de Sepetiba e desmatamento de extensa área de manguezais: essas áreas são consideradas pela

legislação brasileira Áreas de Preservação Permanente (APPs) e são protegidas pelo Código Florestal em vigor na época das

violações e pelas Constituições federal e estadual. A empresa vem desmatando o manguezal e provocando o extermínio da

fauna terrestre e marinha na região.

Morte de peixes – A Baía de Sepetiba é uma importante área de reprodução para as diversas espécies de peixes. Inspetores

do Ibama, em visita ao canteiro de obras, encontraram, junto ao material dragado, muitos peixes e moluscos no período de

reprodução e de defeso, mortos pelas atividades de dragagem empreendidas pela TKCSA.

Contaminação das águas por metais pesados – A TKCSA retirou cerca de 21.810.000 m3 de lama contaminada do fundo da Baía

e do Canal de São Francisco com o objetivo de aumentar a sua profundidade e permitir o acesso aos navios, o que provocou o

revolvimento do lixo químico de metais pesados (chumbo, cádmio e zinco) deixados pela antiga companhia Ingá Mercantil, que

já estavam sedimentados no assoalho oceânico.5

CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico

136

Lançamento de lama contaminada no interior da Baía de Sepetiba – A TKCSA depositou parte do material contaminado

no canteiro de obras da empresa para o aterro do terreno de implantação da usina, sendo altos os riscos de contaminação

do solo e dos lençóis freáticos. Para tratar o restante do material contaminado retirado pela empresa do fundo do mar

– aproximadamente 200.000 m3 de lama – a empresa utiliza a tecnologia Confined Disposal Facility (CDF), que prevê a

construção de enormes cavas ou fossas no fundo da Baía, onde este material será “enterrado”. No entanto, o local onde as

covas estão localizadas corresponde a uma área de costumeiras manobras de navios e embarcações, o que eleva o risco de

rompimento dessas covas6.

Área de Proteção Ambiental – O canteiro de obras foi implantado num manguezal considerado Área de Proteção Ambiental (APA).

Desmatamento – O Ministério Público, após investigação, confirmou a destruição pela empresa de pelo menos sete hectares de

manguezal sem autorização, o dobro do que foi licenciado.

Saúde – O funcionamento da usina representa um sério risco para a saúde de toda a população da região da Baía de Sepetiba e

do estado do Rio de Janeiro. A atividade de produção de aço eleva a poluição atmosférica, a partir da emissão de poluentes que

fazem muito mal à saúde, especialmente das crianças. Em relatório divulgado em setembro de 2011, a Organização Mundial de

Saúde (OMS) aponta que o nível de poluição atmosférica na região metropolitana do Rio de Janeiro é duas vezes maior que o da

região metropolitana de São Paulo e supera os níveis de Nova Iorque, Londres e Paris. Os níveis de poluição atmosférica no Rio

são três vezes maiores do que os níveis recomendados pela OMS7.

Evidências de poluição – Ainda em 2008, a montadora sul-coreana Hyundai recusou espaço em Santa Cruz, pois foi

considerado muito próximo do local de construção da CSA. Os sul-coreanos alegaram que os resíduos liberados pela

siderúrgica poderiam comprometer a qualidade da pintura de seus automóveis8.

Inundações constantes do Canal de São Francisco – Desde as obras de instalação da TKCSA, os moradores do conjunto São

Fernando convivem sistematicamente com situações de alagamento. Atualmente, esses moradores convivem com cinco bombas

instaladas pela TKCSA para tirar a água das casas. No entanto, elas não são suficientes para resolver o problema, e as situações de

alagamento permanecem. A Associação Rural Nipo-Brasileira de Santa Cruz denunciou que, desde a chegada da TKCSA, a colônia

japonesa, instalada no território desde 1938, tem enfrentado graves problemas relacionados à perda de produção e de transtornos

nas residências em consequência de transbordamentos do Canal de São Fernando. O desvio do Canal de São Francisco para o Rio

Guandu, pela TKCSA, tem causado refluxo das águas para o canal nas cheias e nas marés altas, ocasionando transbordamento.

CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico

137

Populações locais impactadas indiretamente – Além da poluição, o projeto TKCSA tem impedido a realização de atividades

turísticas e pesqueiras, com grandes impactos sobre a vida e a cultura das populações locais. Cerca de 8 mil famílias de

pescadores (mais de 40 mil pessoas) tiveram seu modo de vida afetado. Os pescadores não podem trabalhar porque a empresa

instala equipamentos nos rios e no mar9. A ponte de 4 km, que compõe o terminal portuário privado, impede os pescadores de

navegar dentro da Baía. Para pescar, eles precisam contornar toda a ponte (cerca de 8 milhas). A movimentação de enormes

navios pelo Canal de São Francisco e pelo mar, além de reduzir a quantidade e a variedade de peixes pela movimentação

e poluição, cria zonas de exclusão da pesca, impedindo os pescadores de trabalhar. O funcionamento do polo siderúrgico

afeta a população das cidades do Rio de Janeiro, Itaguaí, Mangaratiba e Seropédica. Em 2005, 75 famílias do Movimento dos

Trabalhadores Sem Terra (MST) foram pressionadas a sair do terreno no qual a TKCSA se instalou, utilizando-se de ameaças

feitas pela milícia e pressão da polícia militar.

Deterioração do tecido social local e perda da identidade social – A pesca na Baía de Sepetiba, que antes era uma profissão

valorizada, passada por herança entre os membros de uma mesma família, sendo um forte componente da identidade social,

atualmente vem sendo abandonada pelas famílias como meio de vida. De acordo com a Federação das Associações de

Pescadores Artesanais (Fapesca), este quadro significa, em média, uma redução de 70% na renda familiar. Segundo reportagem

publicada em 31 de maio de 2008 no jornal O Dia (versão eletrônica), em todo o estado do Rio de Janeiro, os pescadores

estariam ameaçados pela poluição e correndo o risco de se tornarem refugiados ambientais.

Violação de direito dos trabalhadores/Acidentes de trabalho – A empresa conduz os trabalhos de construção da usina

siderúrgica sem respeitar as mínimas condições de segurança impostas pela Lei do Trabalho. Operários são subcontratados

em condições degradantes de trabalho; alguns deles dormiam em alojamentos sem cama nem acesso à água limpa e recebiam

apenas uma refeição por dia10.

Milícias armadas – Há fortes indícios na região de que a empresa vem atuando em conjunto com a milícia (grupos de extermínio,

extorsão financeira e controle social formados por policiais, ex-policiais, ex-bombeiros e matadores de aluguel), o que, por si, se

consolida em ameaças diárias aos pescadores e à população local, críticos ao empreendimento. Denúncias referentes a ameaças,

intimidações e acidentes de trabalho foram feitas ao Ministério Público Federal pela Fapesca-RJ. Destacam-se as ameaças de

morte sofridas por lideranças de pescadores, como os ataques à casa do presidente da Associação de Pescadores Canto dos Rios

(Apescari), Luís Carlos, em janeiro de 2009. Ele se encontra, atualmente, sob proteção do Programa Nacional de Proteção aos

Defensores dos Direitos Humanos, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.

CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico

138

4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES

Não há nenhuma informação que conste que o BNDES cumpriu suas obrigações neste sentido.

5- Condicionantes dos órgãos ambientais

Nenhuma das condições estipuladas pelo Estado foi cumprida pela TKCSA11.

Seguem abaixo informações sobre fatos importantes relacionados aos impactos socioambientais decorrentes da instalação e

operação da TKCSA12:

13/7/2006 – Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (Feema) concede a primeira Licença Prévia (LP) para o

empreendimento.

5/9/2006 – Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) delibera pela concessão da Licença de Instalação (LI) da CSA,

após apenas cinquenta dias da concessão da LP.

7/9/2006 – TKCSA apresenta o Projeto Básico Ambiental (PBA) do empreendimento. Posteriormente, técnicos do Ibama

criticam, através de relatório, a celeridade incomum no processo de licenciamento.

Outubro/2006 – Início das dragagens impactantes da TKCSA, “marco zero” do estabelecimento dos conflitos e das ameaças às

lideranças que se opõem ao projeto.

Dezembro/2007 – Operação de fiscalização do Ibama por determinação do Procurador do Ministério Público Federal, Dr.

Maurício Manso, que resulta no embargo das obras da TKCSA (Relatório de Fiscalização no 236/2007, de 27 de janeiro de 2007,

e Auto de Infração no 512869 de 20 de dezembro de 2007, do Ibama). Processo do Embargo: 02022.000010/2008-88, emitido

em 3 de janeiro de 2008, resultado da vistoria realizada no dia 20 de dezembro de 200713. Nesta ocasião, a empresa foi multada

em R$ 100 mil por ter suprimido áreas de manguezais não previstas no Eia-Rima ou no PBA e intervenção em margem de rios,

sem nenhuma autorização legal. Justificativa para o embargo/interdição:”Fica embargada qualquer atividade de intervenção

no manguezal, bem como construção, obras ou serviços que implique degradação da biota nativa da area do empreendimento,

devendo o empreendedor promover a recuperação da area suprimida de 2 ha (dois hectares), extrapolada em dobro na

autorização IEF/RJ nº 17/2006. Obs.: de acordo com o relatório de vistoria DITEC/SUPES”.

Abril/2008 – Após receber denúncias de ocorrências de acidentes dentro do canteiro de obras da TKCSA, o Ministério

Público do Trabalho interdita as obras. Foram constatadas irregularidades relativas ao ambiente de trabalho, como falta de

CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico

139

equipamentos apropriados e destinados à segurança do trabalhador. No entanto, mesmo com seu canteiro de obras embargado,

a empresa continua a obra, o que foi constatado pelo MPT em outra visita à TKCSA, dias após a interdição. Nesta ocasião, em

junho de 2008, a empresa assina junto ao MPT um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

23/8/2010 – Inea14 multa a TKCSA em R$ 1,8 milhão pela poluição atmosférica com material particulado, proveniente da

deposição de ferro-gusa em cavas abertas. Este valor é, posteriormente, reduzido para R$ 1,3 milhão.

17/12/2010 – Governo estadual autoriza a entrada em operação do Alto Forno 2 da TKCSA, mediante apenas um laudo emitido

pela empresa estadunidense de consultoria em engenharia Ch2M Hill, e sem nenhum posicionamento do Inea.

5/1/2011 – Inea multa a TKCSA em R$ 2,8 milhões pela poluição atmosférica e em R$ 14 milhões por uma compensação

socioambiental indenizatória.

1o/3/2011 – Ato da Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), publicado no Diario Oficial, institui um Grupo de Trabalho para

avaliar os danos à saúde causados em virtude da emissão de fuligem na atmosfera pela empresa TKCSA, composto das

entidades: SEA, Secretaria de Estado da Saúde (SES), Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

20/5/2011 – Inea autoriza a ampliação da TKCSA, mediante apresentação de projeto de exaustor que terá sua implantação

finalizada em um ano.

24/5/2011 – Primeira Audiência Pública (AP) realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), convocada

por uma Comissão Especial desta instituição instaurada para apurar possíveis irregularidades e imprevidências do governo do

estado e do Inea no processo de concessão de licenciamento ambiental para a implantação da TKCSA, com participação de

pesquisadores da Fiocruz. Várias denúncias graves foram feitas nesta AP.

14/6/2011 – Oitiva de Audiência Pública convocada pela Comissão Especial da Alerj, com os temas saúde e atividade pesqueira,

com a convocatória e relato de pesquisadores da Fiocruz.

21/6/2011 – Oitiva de audiência pública convocada pela Comissão Especial da Alerj, com a convocatória da presidente do

Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Marilene Ramos.

CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico

140

30/3/2012 – Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é assinado entre a Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), a Comissão

Estadual de Controle Ambiental (Ceca) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), de um lado, e a ThyssenKrupp Companhia

Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), de outro. O instrumento tem o objetivo de estabelecer ações e condições para a adequação das

instalações da TKCSA e a concessão, por parte dos órgãos ambientais do estado do Rio de Janeiro, da Licença de Operação (LO)

definitiva para a siderúrgica. O Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) apresenta, em agosto de 2012, uma análise

crítica do TAC na 107a Reunião Ordinária do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), solicitando que o Conselho tome

as providências cabíveis, clamando pela responsabilização dos órgãos competentes e pela execução de medidas e condições

cabíveis para que a TKCSA no Rio de Janeiro respeite a legislação ambiental brasileira. Na análise do Pacs são apontadas evidências

que questionam a efetiva aplicação, credibilidade e eficácia do referido TAC, entre elas: “descumprimento e pouco caso com a

transparência e publicização do TAC”; “o TAC é um instrumento que impede que a Licença de Operação da TKCSA seja negada,

como estabelece a legislação ambiental brasileira”; “o Inea e a SEA não têm demonstrado eficiência em fiscalizar a TKCSA”; “o

TAC não define nem estabelece como será feito o controle, monitoramento e fiscalização das suas condicionalidades, tendo em

vista que em ocasiões anteriores a SEA e o Inea se mostraram insuficientes nessa empreitada”; “o TAC oficializa a transferência

das ações de fiscalização e monitoramento dos impactos da TKCSA para a própria empresa”; “o TAC ignora os impactos sociais e

ambientais graves ocasionados pela TKCSA, não obstante o relatório elaborado pela Fiocruz, as ações penais por crimes ambientais

do MPRJ e as muitas ações abertas pela Defensoria Pública de Santa Cruz, e não define nenhuma medida para compensar os

danos sofridos até o momento pelos moradores e pescadores impactados pelo empreendimento”15.

6- Duplo padrão

A Fiocruz, a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) produziram

o estudo Avaliação dos Impactos Socioambientais e de Saúde em Santa Cruz Decorrentes da Instalação e Operação da

Empresa TKCSA, publicado em 2011. Anteriormente, em um relatório feito em 2010, eles afirmam: “Em 2009, foi realizado

por dois pesquisadores da ENSP/Fiocruz, ligados à RBJA [Rede Brasileira de Justiça Ambiental], um parecer sobre o Rima da

TKCSA utilizado para o licenciamento. O parecer analisa, sob a perspectiva da saúde pública e da saúde ambiental, diversas

lacunas existentes”. Entre os destaques do parecer apontados pelo relatório, identifica-se “a fragmentação da avaliação do

empreendimento, ignorando a possibilidade de exposição cumulativa e simultânea da população aos diferentes poluentes”.

O parecer aponta ainda “inúmeros detalhes de grande relevância para a saúde pública que foram ignorados ou abordados

superficialmente pelo Rima”, como a utilização do benzeno (entre tantos), “um hidrocarboneto cíclico aromatico que se

apresenta como um líquido incolor, volatil e altamente inflamavel”. Sendo assim, “o parecer conclui apontando para um possível

duplo padrão, ja que um empreendimento deste tipo não teria seu licenciamento concedido na União Europeia em condições

similares”. Eis os argumentos:

CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico

141

(1) “A falta de uma descrição quantitativa sobre a situação da qualidade ambiental na região do empreendimento após

o início das operações da siderúrgica, bem como os efeitos da redução da qualidade ambiental sobre a saúde das

pessoas. A legislação na Europa exige que empresas que desejem instalar unidades produtivas em qualquer país da

União Europeia (incluindo, obviamente, a Alemanha, onde a ThyssenKrupp possui sede) devem incluir no pedido

de licenciamento ambiental uma descrição – do tipo e volume das emissões previsíveis da instalação para os

diferentes meios físicos e de quais os efeitos significativos dessas emissões no ambiente16. Como a apresentação do

Rima é uma etapa do licenciamento, de acordo com as regras europeias, seria de se esperar que estes dados fossem

incluídos no relatório para permitir o debate com a população atingida”.

(2) “O segundo diz respeito à concentração de poluentes na região do empreendimento. Conforme apresentado na

Tabela 1 do parecer, ao menos com relação às Partículas Inalaveis, a qualidade do ar em Santa Cruz e no Distrito

Industrial apresenta uma qualidade inferior àquela recomendada pelos padrões europeus. Em outras palavras, a

qualidade do ar na região onde foi instalada a usina siderúrgica ja é considerada ruim o suficiente pelos padrões

europeus para causar impactos negativos sobre a saúde das pessoas e ao meio ambiente. Caso Santa Cruz

fosse localizada na Alemanha, ou em outro país da Europa, a região provavelmente seria alvo de programas de

despoluição e melhoria da qualidade do ar e dificilmente seria permitida a implantação de uma usina siderúrgica. A

partir dessa constatação, torna-se questionavel, do ponto de vista ético, a decisão de uma empresa europeia instalar

esse tipo de empreendimento em um local que apresente tal saturação de poluentes”.

7- Atuação do Ministério Público

Encontram-se em andamento quatro volumosos Inquéritos Civis e um Criminal no âmbito do Ministério Público Federal e

Estadual do Rio de Janeiro, sendo o do MPF de quase 4 mil folhas. Alguns exemplos de violações que constam nestes inquéritos:

Violação de direito dos trabalhadores/Acidentes de trabalho – As obras da empresa foram interditadas pelo MPT por conta de

acidentes de trabalho. O MPT também iniciou duas ações civis públicas contra a companhia.

Instauração de Inquérito Criminal no MPT contra a empresa levou a incursões diárias de fiscais na localidade da Baía de

Sepetiba. Na primeira visita, a Procuradoria do Trabalho interditou as obras da TKCSA por irregularidades como ausência

de condições de segurança no trabalho e de Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Dias depois, o MPT retornou ao

canteiro de obras para outra blitz e constatou que as irregularidades continuavam. Na ocasião, promoveu a interdição das

obras da TKCSA por violação de cláusulas trabalhistas e de segurança no trabalho. Ficou determinado, posteriormente, que

CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico

142

a TKCSA comparecesse ao MPT para assinar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), sob pena de multa.

Ministério Púbico Federal move, em 7 de abril de 2006, ação civil pública contra a Companhia Docas do Rio de Janeiro e

a Feema, com pedido de liminar, e acumulada com uma ação de improbidade administrativa e pleiteia, entre outros, para

que o material retirado das obras de dragagem do canal de acesso ao Porto de Sepetiba seja depositado, após tratamento

necessário, em local situado a pelo menos seis milhas da costa e a condenação dos réus a pagamento de indenização.

Ligação da empresa com grupos milicianos na região – Uma das denúncias mais graves contra a TKCSA foi feita durante a

Audiência Pública realizada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro pela Comissão de Direitos Humanos, em março de

2009. Essa ligação foi denunciada pelos pescadores e pelo advogado deles ao Ministério Público e a outras autoridades locais,

em março de 2008, por meio de cartas e comunicados. Em comunicação oficial, o advogado Victor Mattar Mucare solicitou

ao Ministério Público Federal/RJ, no âmbito do Procedimento no 1.30.012.000035/2006-19, a apuração de denúncias de

ameaças contra a integridade dos pescadores. Solicitou que esta instituição tomasse providências imediatas para proteger e

garantir a segurança dos cidadãos e pescadores da Baía de Sepetiba.

Ministério Público Federal, em março de 2008, apontou irregularidades cometidas pela TKCSA na construção da ponte de

4 km na Baía de Sepetiba, que não teve autorização da Secretaria do Patrimônio da União, exigência legal por se tratar de

terreno da Marinha e do mar territorial.

Em junho de 2008, o Ministério Público Federal advertiu o Estado e o Ibama sobre irregularidades no licenciamento

ambiental das obras de implantação da usina e que recomendou ao Estado a suspensão da licença concedida pela Feema.

Neste mesmo mês, o Ministério Público Federal, através de inquérito civil, questionou o processo de licenciamento da

TKCSA, por exemplo, pelo fato de o empreendimento não ter sido licenciado pela instância federal, o Ibama, e apresentar

uma celeridade pouco vista no andamento de processos desta natureza, ainda mais se tratando da maior usina siderúrgica

do mundo.

O Procurador do Ministério Público Federal, Dr. Maurício Manso, determinou fiscalização pelo Ibama, o que resultou no

embargo das obras da TKCSA. Processo 02022.000010/2008-88, emitido em 3 de janeiro de 2008.

Em agosto, o Ministério Público do Trabalho denunciou a TKCSA por problemas trabalhistas referentes a 120 trabalhadores

chineses mobilizados para a construção da usina sem contrato de trabalho17.

Em vistoria realizada nas obras da TKCSA pelos Técnicos Periciais do Grupo de Apoio Técnico Especializado (Gate) do

Ministério Público Estadual (MPE), nos dias 13 e 14 de agosto de 2007, foram constados danos ambientais relevantes e várias

não conformidades ambientais, todas documentadas através de registro fotográfico. Também houve a constatação de que a

empresa vinha conduzindo as obras sem o menor respeito ao que teria sido definido no EIA-Rima. Segundo o relatório do

Gate do MPE, além das inúmeras irregularidades, o EIA-Rima conteria até mesmo assinaturas falsificadas. Principais pontos

CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico

143

destacados pelo relatório do Gate: traçado da ponte; contaminação dos solos e da água na Baía de Sepetiba; lançamento dos

efluentes da usina termelétrica; validades das licenças prévias; programa de manejo da avifauna; programa de monitoramento

das comunidades aquáticas; programa de monitoramento e preservação dos manguezais; programa de compensação pela

exclusão da atividade de pesca; modificações no Canal de São Fernando; falsificação de assinaturas.

Ação penal do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Gate/CAOp), em dezembro de 2010, denuncia a TKCSA, o

diretor de projetos Friedrich-Wilhelm Schaefer e o gerente ambiental Álvaro Barta Boechat por crimes ambientais (pena de até

19 anos). A denúncia foi complementada por diversos relatórios técnicos do Inea, além de um estudo realizado pelo Instituto

de Geociências da UFRJ, atestando aumento de 600% na concentração média de ferro na área de influencia da TKCSA.

Em junho de 2011, a TKCSA é denunciada pelo Ministério Público Estadual por crimes ambientais pela segunda vez. De acordo

com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ, os réus não adotaram medidas de

precaução ao acionar o Alto Forno 2, em dezembro, tampouco comunicaram os órgãos ambientais competentes sobre os

impactos ambientais que seriam gerados.

Neste mesmo mês, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou por crimes ambientais a Usiminas e cinco

de seus prepostos, Bruno Menezes de Melo, Ricardo Salgado e Silva, Marta Russo Blazek, Monica Silveira e Consta Chang, por

apresentarem relatório de auditoria ambiental parcialmente falso e enganoso, inclusive por omissão, ao Instituto Estadual do

Ambiente (Inea), para instruir o processo de licenciamento da TKCSA.

CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico

144

1 As principais fontes de informação desta seção são: 1 - Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) - Impactos e irregularidades na zona oeste do Rio de Janeiro. Novembro de 2009. 2ª edição revisada e atualizada. Instituto de Políticas Alternativas do Cone Sul (Pacs) e Fundação Rosa Luxemburgo; 2 - Avaliação dos Impactos Socioambientais e de Saúde em Santa Cruz Decorrentes da Instalação e Operação da Empresa TKCSA. Fiocruz, ENSP e Escola Joaquim Venâncio (por membros do GT ENSP e do GT EPSJV). 22 de setembro de 2011. Rio de Janeiro; 3 - website da própria ThyssenKrupp CSA: http://www.ThyssenKrupp-steel-europe.com/csa/pt/. Agradecemos aos comentários de Karina Kato, pesquisadora do Pacs.

2 Esta informação foi obtida pelo Instituto Mais Democracia, no dia 12 de setembro de 2012, através da lei de acesso à informação.

3 Projeto de autoria do vereador Oswaldo Luís, Lei no 1208/88 de 23 de março de 1988.

4 Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) - Impactos e irregularidades na zona oeste do Rio de Janeiro. Novembro de 2009. 2ª edição revisada e atualizada. Instituto de Políticas Alternativas do Cone Sul (Pacs) e Fundação Rosa Luxemburgo.

5 Devido a um acidente na década de 1990 envolvendo a antiga companhia Ingá Mercantil, que produzia lingotes de zinco, a Baía de Sepetiba apresenta um grande passivo ambiental. A empresa faliu em 1998, deixando a céu aberto na Ilha da Madeira cerca de 3 milhões de toneladas de lixo químico – chumbo, cádmio e zinco. Houve vazamento desses produtos ao longo dos últimos anos em sucessivos desastres ambientais. Segundo uma estimativa da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), a Baía de Sepetiba recebeu em suas águas, durante anos, cerca de 100 toneladas de metais pesados a cada ano, oriundos do dique da Ingá. Apesar da ausência de medidas de reparação ao meio ambiente por parte do governo do estado e dos dirigentes da falida companhia, nos últimos anos, esses resíduos passaram por um processo de sedimentação no fundo da Baía, reduzindo a contaminação do local com o passar do tempo. 6 Existem outras tecnologias mais seguras para tratar o material contaminado que nem sequer foram consideradas pela empresa, como o encapsulamento ou a disposição final do material em aterros industriais licenciados.

7 G1, “Relatório da OMS diz que Grande Rio tem ar mais poluído que Grande SP”, 26 de setembro de 2011.

8 O Globo, “Estado ofereceu terreno em Campo Grande à Hyundai e à Toyota áreas em Resende e no Açu”, 6 de maio de 2008.

9 O Globo, “Dragagens e circulação de navios tiram o ganha-pão dos pescadores – resultaram na interrupção da geração de renda dos pescadores”, 10 de agosto de 2008.

10 O Dia, “Trabalhadores sem salário e com uma refeição por dia”, 13 de agosto de 2009.

11 Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) - Impactos e irregularidades na zona oeste do Rio de Janeiro. Novembro de 2009. 2ª edição revisada e atualizada. Pág. 57. Instituto de Políticas Alternativas do Cone Sul (Pacs) e Fundação Rosa Luxemburgo.

12 A partir do documento Linha do Tempo Sobre o Caso TKCSA - 2005 a 2011. In: plataformabndes.org.br/Biblioteca/Publicações/Análises do Desenvolvimento).

13 O Dia, “Obra parada na CSA - O Ibama embarga obra uma vez que a TKCSA havia suprimido o dobro da área de mangue licenciada para a construção de uma ponte”, 21 de dezembro de 2007.

14 Feema é extinta e dá lugar ao Inea no RJ. O governo do estado do Rio de Janeiro criou através da Lei nº 5.101, de 4 de outubro de 2007, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) com a missão de proteger, conservar e recuperar o meio ambiente para promover o desenvolvimento sustentável. O novo instituto, instalado em 12 de janeiro de 2009, unifica e amplia a ação dos três órgãos ambientais vinculados à Secretaria de Estado do Ambiente (SEA): a Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (Feema), a Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) e o Instituto Estadual de Florestas (IEF). Disponível em: http://www.pmanalysis.com.br/noticias/83-feema-e-extinta-e-da-lugar-ao-inea-no-rj. Acesso em: 21 de setembro de 2011.

15 “Solicitação para que o Conama tome as providências cabíveis, clamando pela responsabilização dos órgãos competentes e pela execução de medidas e condições cabíveis, para que a TKCSA no Rio de Janeiro respeite a legislação ambiental brasileira.” Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs). Rio de Janeiro, 23 de agosto de 2012.

16 “Ver: Parlamento Europeu. Directiva 2008/1/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de janeiro de 2008, relativa à prevenção e ao controle integrados da poluição 2008” [Nota no original].

17 O Globo, “Procuradoria entra com ação civil pública contra CSA”, 13 de agosto de 2008.

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145

1- Descrição do empreendimento

Empreendimento do Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC), a UHE Belo Monte, construída no Rio

Xingu, Pará, é considerada a terceira maior hidrelétrica do

mundo. Sua potência instalada será de 11.233,1 MW/ano,

apesar de sua produção média ser de apenas 4.571 MW/ano.

O custo estimado da obra é de R$ 26 bilhões, e o reservatório

alagará pelo menos 516 km².

Belo Monte impactará direta e indiretamente onze municípios:

Altamira, Anapu, Brasil Novo, Gurupá, Medicilândia, Pacajá,

Placas, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Uruará e Vitória do

Xingu. Estes municípios perfazem uma área total de mais de 25

milhões de hectares, correspondendo a cerca de 20% do estado

do Pará. Cerca de 70% desta área é constituída de unidades de

gestão especial (unidades de conservação, terras indígenas,

terras quilombolas e áreas militares). Mais de 300 mil pessoas vivem na região, que tem como elementos integradores a

rodovia Transamazônica e o Rio Xingu. Altamira é o maior centro urbano local, com mais de 70 mil habitantes.

O leilão de Belo Monte ocorreu em abril de 2010, com vitória do Consórcio Norte Energia S.A. (Nesa). Atualmente, o

empreendimento é composto do Grupo Eletrobras (Eletrobras: 15%, Chesf: 15% e Eletronorte: 19,98%), de Entidades de

Previdência Complementar (Petros: 10%, Funcef: 5%), do Fundo de Investimento em Participações (Caixa FIP Cevix: 5%), da

Sociedade de Propósito Específico Belo Monte Participações S.A. (Neoenergia S.A.): 10,%, Amazônia (Cemig e Light): 9,77%),

de Autoprodutoras (Vale: 9%, Sinobras: 1%) e da J. Malucelli Energia (0,25%).

Responsável pelas obras de Belo Monte, o Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM) é formado por 10 empresas: Andrade

Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS, Contern, Galvão, Serveng, J. Malucelli e Cetenco.

2- Valor do empréstimo

Em abril de 2010, a diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou que assumiria

o financiamento de 80% das obras de Belo Monte – R$ 24,5 bilhões –, com condições especiais de pagamento (carência de

até seis meses após a data prevista para o início comercial de cada conjunto de turbinas, amortização de até 25 anos, com

periodicidade mensal, através do Sistema de Amortização Constante (SAC) ou PRICE, com prazo estendido de até trinta anos).

Quanto ao custo financeiro, serão aplicadas a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), com Remuneração Básica do BNDES de

0,5%/ano, a Taxa de Risco de Crédito de 0,46%/ano até 2,54%/ano, dependendo da classificação de risco do projeto, a Taxa de

Intermediação Financeira de 0,5%/ano e a remuneração da Instituição Financeira Credenciada negociada entre as partes.

146

Em meados de 2011, o Banco concedeu um primeiro empréstimo-ponte de R$ 1,1 bilhão à Norte Energia, sem análise de risco

econômico e ambiental. Um segundo empréstimo-ponte de R$ 1,8 bilhão foi concedido em fevereiro de 2012. Os repassadores

dos recursos foram a Caixa Econômica Federal (que repassou R$ 1,5 bilhão) e o banco líbio ABC (que repassou R$ 300 milhões).

Ainda em janeiro de 2012, portanto pouco antes da concessão do segundo empréstimo-ponte, o Ministério Público Federal

(MPF) solicitou ao Banco Central (BC) que analisasse o primeiro aporte do BNDES em Belo Monte para verificar a regularidade

do empréstimo em face da envergadura da operação, que pode ser a maior da história do BNDES.

O Banco Central negou o pedido do MPF alegando que uma fiscalização do financiamento de Belo Monte não estaria

“enquadrado entre as prioridades incluídas na sua programação”. Em fevereiro, o MPF pediu reconsideração alegando que a

operação envolve “empreendimento questionado em diversas ações judiciais, em área de atividade em que as alterações de

custo são frequentes e, portanto, possuem potencialidade considerável de afetar a própria análise de risco”. Mesmo assim,

nenhuma medida concreta neste sentido foi encaminhada.

Somado o repasse de R$ 3,7 bilhões via Plano de Sustentação do Investimento aos dois empréstimos-ponte, o BNDES

já aportou R$ 6,6 bilhões em Belo Monte sem a realização de nenhum estudo de risco e viabilidade econômicos do

financiamento. É importante frisar que o segundo empréstimo-ponte foi concedido apesar de pesar sobre a Norte Energia uma

autuação com multa de R$ 7 milhões do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por

descumprimento de condicionantes socioambientais, o que fere as salvaguardas do próprio banco. De acordo com o BNDES,

entre os critérios que deve aplicar em operações de financiamento estão a análise das “regularidades fiscal, previdenciária e

ambiental do beneficiário e do empreendimento” e “o cumprimento de eventuais medidas mitigadoras, obrigações em termos

de ajuste de conduta e condicionantes presentes no contrato e nas licenças ambientais, quando for o caso” .

3- Impactos socioambientais

Contabilizando agricultores e moradores das áreas rurais e urbanas, o Ministério Publico Federal no Pará estima que 40 mil

pessoas terão suas casas e terras desapropriadas e/ou impactadas por Belo Monte. De acordo com o último levantamento da

Universidade Federal do Pará (UFPA), realizado a pedido do MPF no início de 2012, o número de pessoas a serem desalojadas

apenas na zona urbana de Altamira, município-sede de Belo Monte, ultrapassa 25 mil. Este dado contradiz a estimativa inicial

da Norte Energia que previu a expulsão de 16,4 mil pessoas de suas moradias.

Concomitantemente aos despejos das populações da região de impacto de Belo Monte, a chegada a Altamira de milhares

de pessoas (a estimativa do MPF é que 100 mil migrantes podem chegar no período de construção da usina), atraídas pela

perspectiva de emprego, instalou um estado de caos no município-sede da hidrelétrica. Além de hospitais e escolas terem

entrado em colapso, a violência na cidade ter dobrado e os casos de estupros se multiplicado, Altamira bateu recorde de

desmatamento nos últimos dois anos. Bastante grave é que, em meio a tantos impactos irreversíveis, as populações indígenas

seguem ignoradas no seu direito constitucional, previsto também na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho

(OIT), de serem consultadas sobre a usina pelo Congresso Nacional.

UHE Belo Monte

UHE Belo Monte

147

Para mitigar minimamente os impactos previstos de Belo Monte, foram anexadas às licenças ambientais da usina várias

condicionantes (a Licença Prévia previu 40 condicionantes ambientais e 26 condicionantes indígenas, e a Licença de Instalação,

22 condicionantes ambientais) que não foram cumpridas pelo Consórcio Norte Energia.

De acordo com o MPF, as condicionantes estabelecidas para a liberação da Licença Prévia acabaram sendo incorporadas em

uma licença parcial de instalação e, posteriormente, na Licença de Instalação. Um levantamento oficial do Ibama, divulgado em

janeiro de 2012 e que avaliou as 22 condicionantes da Licença de Instalação (concedida em junho de 2011), aponta que apenas

uma havia sido atendida até este prazo.

Aos problemas estruturais (falta de escolas, hospitais e saneamento, caos na saúde, violência, etc.), somam-se os problemas

causados diretamente pelo empreendimento. Entre os setores mais atingidos pelo estágio inicial da obra, destacam-se:

Moradores de Altamira

Em função da atração de centenas de trabalhadores e migrantes para a região de Altamira (ao menos 10 mil em 2011), desde 2010

a cidade tem vivido um boom imobiliário que aumentou o preço do aluguel de todos os tipos de imóveis, inclusive das moradias

mais simples nas áreas alagadas da cidade. De acordo com denúncias colhidas pelo Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS),

principal organização de oposição à usina na região, aluguéis que custavam R$ 50/mês passaram a mais de R$ 200, desalojando

parte da população mais pobre do município. Em junho de 2011, centenas de famílias despejadas fizeram vários movimentos

de ocupação de terrenos em Altamira, mas foram violentamente reprimidas pela polícia. Nenhuma família urbana havia sido

reassentada até meados de 2012, e as populações virtualmente atingidas pelo alagamento da cidade no final do processo de

construção do lago de Belo Monte ainda não receberam nenhuma informação concreta sobre projetos de desalojo e realocação.

Agricultores e ribeirinhos da Volta Grande do Xingu

Das 1.540 propriedades rurais na área de impacto de Belo Monte, 600 foram desapropriadas pela Norte Energia até meados de 2012.

Desde 2010, quando se iniciou o processo de despejo destas famílias através de coerção, negociação ou ordens judiciais, muitas

não receberam indenizações (principalmente as que não detêm a titulação da terra ou moram em áreas arrendadas) ou receberam

indenizações mínimas. De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo de agosto de 2012, “a Defensoria Pública do Pará ajuizou

treze ações pedindo o reassentamento de pessoas excluídas da indenização. Outras dezenas de casos estão em análise. Já houve três

decisões liminares a favor dos moradores e cinco contrárias. Além disso, a Norte Energia entrou com 28 ações de desapropriação.

Destas, 26 tiveram liminar pela expulsão das famílias. A indenização é depositada na Justiça, sem previsão de pagamento”.

Pescadores da Volta Grande do Xingu

Em setembro de 2011, a Colônia de Pescadores z-57, de Altamira, ajuizou uma Ação Ordinária (processo nº 34557-

02.2011.4.01.3900) contra o Ibama e a Norte Energia “alegando que as obras da usina, em especial a construção de ensecadeiras,

impediriam a pesca e a trafegabilidade no Rio Xingu, que os igarapés ficariam secos e a água, imprópria para o consumo e para

UHE Belo Monte

148

a vida dos peixes, o que prejudicaria a ictiofauna e os pescadores, sem que nenhum tipo de abordagem aos seus filiados tivesse

sido realizado quanto ao monitoramento, questionamento e pesquisa dos impactos negativos”. Na ação, a Colônia pediu a

“indenização dos seus quase 1.200 filiados, levando-se em consideração o tempo de cinco anos para a repovoação das espécies

de peixe e de sete anos de perdas de atividades de pesca, pleiteando, em sede de liminar, que fosse proibida a continuidade das

obras no leito do Rio Xingu até que ocorresse a justa e prévia indenização, ou a condenação dos réus ao pagamento de perdas e

danos no valor de mais de R$ 218 milhões de reais”. O pedido de liminar foi indeferido pela Justiça.

Em pouco tempo, porém, os impactos previstos se confirmaram. De acordo com depoimentos de pescadores da Vila de Santo

Antônio, comunidade já desalojada pela Norte Energia, a pesca teve uma queda de mais de 80% nos seis primeiros meses

de 2012. Por não serem proprietários de títulos patrimoniais, como agricultores e ribeirinhos, os pescadores ainda não têm

assegurado nenhum tipo de compensação. Advogados da Norte Energia têm tentado negociar isoladamente alguns acordos de

indenização, rejeitados inicialmente pelos pescadores tanto de Altamira quanto de Vitória do Xingu.

Populações indígenas

A Bacia do Xingu é habitada por 24 etnias que ocupam trinta Terras Indígenas (TIs) (doze no Mato Grosso e dezoito no Pará).

Todas estas populações serão direta ou indiretamente afetadas à medida que o Rio Xingu e sua fauna e flora, além do seu entorno,

serão alterados pela usina. Na região de influência direta da usina, três Terras Indígenas estão sendo diretamente impactadas: a

TI Paquiçamba, dos índios Juruna; a área dos Arara da Volta Grande, que se situa no trecho de 100 km do rio que terá sua vazão

drasticamente reduzida; e a TI Trincheira Bacajá, localizada às margens do Rio Bacajá, afluente do Xingu, que deve sofrer impactos

diretos, mas os estudos referentes a esta área, habitada majoritariamente por indígenas da etnia Xikrin, ainda estão inconclusos.

A principal violação dos direitos indígenas pela usina de Belo Monte foi a autorização do início das obras sem que se tivesse

cumprido o processo de consultas (oitivas indígenas) previstas na Constituição Federal e na Convenção 169 da OIT. O fato levou

o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) a cancelar, em agosto de 2012, o decreto do Congresso Nacional que autorizou

as obras da usina e as licenças de Belo Monte, decisão posteriormente invalidada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Além deste desacato constitucional – que levou a questionamentos do Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos

Humanos em abril de 2011 –, as condicionantes indígenas também seguem descumpridas. Em dezembro de 2011, o MPF

oficiou a Norte Energia sobre o fato. Entre as medidas não cumpridas, constavam a reestruturação do atendimento à saúde

indígena, a demarcação e regularização de áreas, a retirada de não indígenas das terras indígenas, a implementação de

corredores ecológicos, a melhorias nos serviços de educação, entre outras.

Em junho de 2012, a falta de cumprimento das condicionantes levou à ocupação da principal barragem provisória (ensecadeira)

UHE Belo Monte

149

de Belo Monte, no canteiro de obras Pimental. Os indígenas permaneceram no local por mais de duas semanas, mas os acordos

firmados com a Norte Energia seguiram descumpridos nos meses seguintes.

Em agosto, nova ação dos indígenas levou à retenção de três engenheiros da Norte Energia na TI Paquiçamba, uma vez que não

houve esclarecimento satisfatório sobre os mecanismos que deverão permitir a transposição da ensecadeira de Pimental com o

fechamento total da barragem, pleiteado pela Norte Energia. O Consórcio e a Fundação Nacional do Índio (Funai) foram instados

a fornecer estas explicações, o que não foi cumprido no período conseguinte, apesar da promessa das duas instituições.

Trabalhadores do consórcio construtor Belo Monte

Três grandes greves, motivadas por violações de direitos trabalhistas, paralisaram as obras de Belo Monte no processo inicial de

construção da usina. Em novembro de 2011, os trabalhadores cruzaram os braços para exigir o pagamento de horas extras aos

sábados, o cumprimento do acordo sobre as folgas de noventa dias, o aumento do vale-alimentação e a instalação de telefones

no canteiro. Os operários também pediam o aumento do contingente de fiscalização de seguranças do trabalho, que garantiria

a coibição de desvio de função. Cerca de 400 operários foram demitidos antes de o Consórcio fechar os acordos e aceitar o

atendimento parcial das reivindicações.

Já no final de março de 2012, cerca de 5 mil trabalhadores entraram em greve geral após a morte de um trabalhador no canteiro

de obras do Sítio Pimental. As reivindicações foram aumento salarial, redução dos intervalos entre as baixadas (visita dos

trabalhadores a suas famílias) de seis pra três meses, não rebaixamento do pagamento e solução de problemas com a comida e

a água. A paralisação foi suspensa nove dias depois e houve a demissão de 170 funcionários. Em 23 de abril, porém, nova greve

parou as obras.

Criminalização dos ativistas sociais

O Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS) tem sido constante alvo de ações de criminalização e tentativas de coerção por

parte do consórcio Norte Energia. Durante a cobertura da greve de novembro de 2011, o jornalista do movimento chegou a ser

ameaçado de morte por dois homens que supostamente estavam a serviço da empresa.

Nesta primeira greve, este jornalista e uma coordenadora do MXVPS, além de outros dois integrantes do movimento, foram alvo

de uma ação de interdito proibitório da Norte Energia, que os acusou de molestar seu patrimônio, interditar a BR-230 “numa

espécie de parede humana, invadindo os ônibus da empresa e provocando distúrbios, tais como bater nos vidros e laterais dos

ônibus [e] obrigar que os motoristas abandonassem os veículos, gritando palavras intimidatórias”. Além de fazer tais acusações

fantasiosas, o consórcio construtor exigiu que os réus fossem proibidos de circular em vias públicas e de impedir o andamento

das obras. A liminar foi parcialmente deferida pela Justiça.

UHE Belo Monte

150

No início de junho de 2012, um novo interdito contra os mesmos ativistas e contra o MXVPS proibiu-os de fazer qualquer ação

nas propriedades desapropriadas pela Nesa na Vila de Santo Antônio, de onde despejou cerca de 200 famílias, destruindo casas e

interditando o cemitério.

No final daquele mesmo mês, o consórcio pediu a prisão preventiva de onze pessoas ligadas ao movimento por danos

causados a sua estrutura durante o encontro Xingu+23, preparatório para a Cúpula Rio+20, a Conferência das Nações Unidas

sobre Desenvolvimento Sustentável. Até o final de agosto, o processo não havia sido encaminhado à Justiça pelo Ministério

Público Federal.

Danos ambientais

A construção de Belo Monte diminuirá drasticamente a vazão de 100 km do Rio Xingu, tornando virtualmente impossível a

sua navegação, a pesca e demais usos do rio após o fechamento da barragem da usina. O barramento provisório do rio desde

o início de 2012 já tornou suas águas impróprias para consumo nas aldeias indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande,

causou a diminuição drástica da população de peixes na Volta Grande e, em junho de 2012, causou a morte de milhares de

filhotes de tartaruga no Tabuleiro do Embaubal, conjunto de praias sazonais do Rio Xingu, entre os municípios de Vitória

do Xingu e Senador José Porfírio. O Tabuleiro é considerado a maior área de reprodução da espécie tartaruga amazônica

(Podocnemis expansa).

Já em relação ao desmatamento, Altamira liderou o ranking do desmatamento na Amazônia em maio e outubro de 2011 e em

julho de 2012 (mês em que foram destruídos 48,96 km² de floresta no município). Segundo a Organização Não Governamental

Imazon, a expectativa da construção de Belo Monte é o fator que melhor explica estes números.

4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES

Não há nenhuma informação que conste que o BNDES cumpriu suas obrigações neste sentido.

5- Condicionantes dos órgãos ambientais (estadual ou federal)

A Licença Prévia (LP) de Belo Monte foi concedida pelo Ibama, em fevereiro de 2010, com quarenta condicionantes

ambientais e 26 indígenas. Entre as condicionantes ambientais, constavam início da construção e reforma de equipamentos

de educação/saúde em Altamira e Vitória do Xingu; início das obras de saneamento básico nesses municípios; implantação

do saneamento básico em Belo Monte antes da construção dos alojamentos; entre outras. Já entre as condicionantes

indígenas, destacam-se demarcação física das Terras Indígenas (TIs) Arara da Volta Grande e Cachoeira Seca; levantamento

UHE Belo Monte

151

fundiário e desintrusão da TI Apyterewa; redefinição de limites da TI Paquiçamba, com acesso ao reservatório; ilhas no

Rio Xingu entre as TIs Paquiçamba e Arara da Volta Grande para usufruto exclusivo dessas comunidades; todas as TIs

regularizadas (demarcadas e homologadas); entre outras.

Nenhuma destas condicionantes foi cumprida no prazo estipulado e muitas não saíram do papel dois anos após o primeiro

licenciamento. Quando o Ibama concedeu ao empreendimento a Licença de Instalação (LI) em junho de 2011, o fez atropelando

seus próprios critérios e restabeleceu novo quadro de condicionantes a ser cumprido no período pós LI. Para os indígenas, as

novas medidas previam:

- Criação de um comitê indígena para controle e monitoramento da vazão que inclua mecanismos de acompanhamento,

preferencialmente nas terras indígenas, além de treinamento e capacitação, com ampla participação das comunidades – prazo

de 45 dias após a LI;

- Formação de um Comitê Gestor Indígena para as ações referentes aos programas de compensação da AHE Belo Monte –

prazo de 30 dias após a LI;

- Definição clara de mecanismos de transposição das embarcações pelo barramento – prazo de 20 dias após a LI;

- Implementação do Plano de Proteção das TIs – prazo de 40 dias após a LI;

- Apresentar estudo complementar do Rio Bacajá – prazo de 310 dias após a LI;

- Apresentar plano operativo com cronograma de execução das atividades do PBA, após manifestação da Funai – prazo de 35

dias após a LI;

- Apresentar trimestralmente modelagem sobre o adensamento da população na região - prazo de 90 dias após a LI.

Novamente, nenhuma destas condicionantes foi cumprida no prazo.

O mesmo se deu com as novas 23 condicionantes ambientais da LI, que previam, entre outras: finalização das obras de

saneamento, um programa de Monitoramento dos Aspectos Socioeconômicos nas áreas de saúde e educação; implantação dos

equipamentos de saúde e educação; recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APPs) do Rio Xingu e de seus afluentes.

Nenhuma delas foi cumprida até junho de 2012, mais de um ano após a concessão da Licença de Instalação.

UHE Belo Monte

152

6- Atuação do Ministério Público

Desde 2011, o Ministério Público Federal no Pará impetrou quinze ações contra Belo Monte, conforme tabela abaixo:

UHE Belo Monte

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UHE Belo Monte

154

1 Agradecemos à jornalista Verena Glass pelas importantes contribuições e comentários.

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau1

155

1- Descrição do empreendimento

O projeto do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira é

composto de duas usinas de grande porte: Santo Antônio, a

5 km da capital de Rondônia, Porto Velho, e Jirau, a 135 km

de Porto Velho. Juntas, as duas hidrelétricas devem inundar

cerca de 530 km2 (Santo Antônio alagará 271 km2 e Jirau, 258

km2) e têm previsão de custo de R$ 28,6 bilhões.

UHE Santo Antônio

Santo Antônio, a maior das duas usinas do Madeira, terá uma

potência instalada de 3.150 MW e energia média de 2.218

MW. Com custo estimado de R$ 15,1 bilhões, a tarifa média da

energia produzida pela usina será de R$ 78,87 por MW/hora.

Vencedor do leilão de concessão do projeto hidrelétrico Santo Antônio, realizado em dezembro de 2007, o Consórcio Santo

Antônio Energia S.A. é formado pelas empresas Furnas Centrais Elétricas (39%); Fundo de Investimento (FIP) formado por

Banif, Santander e FI-FGTS (20%); Odebrecht Investimentos em Infraestrutura (18,4%), Odebrecht Engenharia e Construção

(1%); Andrade Gutierrez (11,6%); e Cemig (10%). O Consórcio Construtor Santo Antônio (CCSA), contratado pela Santo Antônio

Energia S.A. para realizar as obras, é composto do Consórcio Santo Antônio Civil (CSAC), do Grupo Industrial do Complexo Rio

Madeira (Gicom) e da Construtora Norberto Odebrecht (CNO).

UHE Jirau

A hidrelétrica de Jirau terá uma potência instalada de 3.300 MW e energia média de 1.975 MW. A um custo estimado de R$ 13,5

bilhões, a usina está sendo construída pela empresa Energia Sustentável do Brasil S.A., vencedora da licitação realizada em

maio de 2008. O Consórcio Energia Sustentável do Brasil é formado pelas empresas GDF Suez (50,1%); Eletrosul (20%); Chesf

(20%); e Camargo Corrêa Investimento em Infraestrutura (9,9%).

2- Valor do empréstimo

As duas usinas do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira foram incluídas no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do

governo federal e receberam financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de R$ 13,3

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Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau

156

bilhões. As Sociedades de Propósito Específico (SPEs) criadas para a construção das UHES de Santo Antônio e Jirau podem

ter do BNDES até 85% dos itens financiáveis, com o limite de 75% do investimento total. Metade desse financiamento pode ser

concedido diretamente pelo BNDES e os outros 50% repassados pela rede de agentes financeiros credenciada, entre eles Banco

do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, Bradesco e Itaú-Unibanco. Os tetos dos desembolsos para cada um

dos empreendimentos já foram predefinidos, mas ainda podem ser dilatados.

Em dezembro de 2008 foi aprovado pelo BNDES um empréstimo no valor de R$ 6,1 bilhões para a Santo Antônio Energia (Saesa).

Em fevereiro de 2009, o BNDES aprovou R$ 7,2 bilhões para o consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), responsável

pela construção da UHE de Jirau, maior valor financiado pelo Banco para um único projeto até então (R$ 3,6 bilhões foram

desembolsados em 29 de junho do mesmo ano, e os outros R$ 3,6 bilhões são financiamentos indiretos, repassados ao grupo dos

seguintes bancos: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco BBI, Unibanco e Banco do Nordeste)2.

O valor total de financiamento de cada um dos projetos foi estimado em R$ 9 bilhões, faltando pouco, em ambos os casos, para que

se chegasse ao limite máximo estabelecido (75% sobre o total) pelo BNDES. Além dos empréstimos diretos do BNDES chegando a

60% e 70% dos investimentos totais das duas UHES, o Conselho Deliberativo da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

(Sudam) aprovou, em 2008, um empréstimo de R$ 503 milhões com recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte

(FNO) para a construção da hidrelétrica de Santo Antônio. O Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

(FI-FGTS) garantiu uma participação na Saesa, sucedendo a participação do Banco Santander no Fundo de Investimento em

Participações (FIP) Amazônia Energia, e também adquiriu R$ 1,5 bilhão em debêntures emitidas pelo Consórcio3.

Quanto às condições de pagamento, o complexo Madeira prevê que a receita futura (direitos de receber em fluxos de energia) seja

transformada em recebíveis, antecipadamente. Assim, a amortização dos juros e do principal poderá começar antes mesmo da

operação, desde que todos os riscos estejam, desde o começo, identificados, compartilhados, geridos e mitigados. Cristaliza-se

um compromisso de todos os atores envolvidos (nesse caso, especialmente o BNDES e o governo federal) em “administrar” os

riscos previamente, o que de antemão significa uma postura defensiva diante dos custos sociais e ambientais das obras.

A consequência já verificável é o enrijecimento dos custos e riscos dentro dos parâmetros de rentabilidade já acordados. Além

disso, nos leilões de Santo Antônio e Jirau, foi a margem potencial de lucro no mercado livre, hoje oferecendo o MW/h a R$

130, em média, que definiu o valor oferecido ao mercado cativo (R$ 78,87 e R$ 71,40, respectivamente). Desse modo, entram

na composição da taxa de retorno a antecipação da operação das usinas e a consequente flexibilização da regulamentação

setorial, trabalhista, ambiental e social, bem como a fiscalização correspondente, para que se obtenha o máximo

aproveitamento no mais curto espaço de tempo.

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau

157

Os dois consórcios pretendiam, por isso, antecipar a operação em até onze meses e contavam com a anuência da Agência

Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Ministério das Minas e Energia (MME). A velocidade de execução das obras tornou-se

uma variável crucial para a viabilidade econômica dos empreendimentos, na contramão das precauções e garantias sociais

e ambientais. Acelerados cronogramas de execução das obras são a contraparte da letargia na aplicação dos programas de

compensação e de mitigação, desproporção que evidencia negligência ante a população que vive ao longo do Rio Madeira e

seu meio ambiente4.

3- Impactos socioambientais

Violações trabalhistas

Segundo a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Estado de Rondônia (SRTE/RO), as obras das hidrelétricas

de Santo Antônio e Jirau acumulam mais de mil autuações por violação à legislação trabalhista, incluindo várias mortes nos

canteiros das duas obras.

Entre as principais violações trabalhistas ocorridas desde o início das obras, constam uso ilegal de medidas coercitivas pela

segurança patrimonial; utilização de um “cartão fidelidade” para o pagamento de vantagens fora da folha de pagamento “para

empregados que não faltam, não tiram férias, não adoecem e não visitam a família”; jornadas de mais de dez horas diárias;

desrespeito ao intervalo intrajornada de onze horas e repouso semanal remunerado; e tratamento diferenciado e inferior para

trabalhadores contratados fora do estado de Rondônia, por intermediadores de mão de obra. Em 2009 foram libertados 38

trabalhadores de uma empreiteira contratada para a prestação de serviços na obra da hidrelétrica de Jirau, encontrados em

condição análoga a de escravo5.

Greves e revolta dos trabalhadores

O conjunto de violações de direitos levou à eclosão de uma greve nas obras das duas usinas em setembro de 2009, com uma

revolta na obra da usina de Santo Antônio. Os problemas trabalhistas também motivaram uma intensa revolta em Jirau, em março

de 2011, que resultou na queima de 54 ônibus e de 70% do acampamento de trabalhadores na obra. A paralisação dos trabalhos

nas duas usinas perdurou até abril, com registros do uso excessivo de força pela Polícia Militar de Rondônia. A Justiça do Trabalho

concedeu medida liminar que determinou o embargo da obra e o envio desses trabalhadores para seus locais de origem, sob pena

de multa de R$ 5 mil por trabalhador em caso de descumprimento. A situação de conflitos também levou o Ministério do Trabalho

a interferir para diminuir o número de trabalhadores nos canteiros e restaurar o cronograma original das obras.

No início de 2012, a tensão voltou a aumentar nas hidrelétricas do Rio Madeira e em fevereiro um operário de Jirau morreu

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau

158

baleado em confronto com a polícia. Em março, um ano depois da primeira revolta, operários de Jirau entraram novamente em

greve, exigindo aumento no valor do auxílio-assiduidade e antecipação da data-base da categoria, atualmente em 1º de maio6.

Apesar de ter sido declarada ilegal pelo Tribunal Regional Federal da 14ª Região, a greve continuou e atingiu os canteiros de

Santo Antônio, onde também foi declarada ilegal. A paralisação só terminou no início de abril, quando as empresas concederam

7% de aumento antes da data-base, em maio, e um acréscimo de R$ 50 no valor da cesta básica para quem ganha até R$ 1.500.

Em decorrência das denúncias de violência contra trabalhadores do Complexo Madeira, em maio de 2011 a Relatoria Nacional

para o Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais

(Dhesca), elaborou um documento que aponta inúmeras violações aos direitos humanos nas obras de Jirau e Santo Antônio.

O relatório é resultado de uma missão emergencial realizada em abril, motivada pelo levante dos operários de Jirau em março.

Segundo o documento, “em Porto Velho o índice de migração foi 22% maior que o previsto, os casos de estupro aumentaram

em 208% e quase 200 crianças permanecem fora da escola. (...) Centenas de crianças estão fora da sala de aula, a qualidade de

vida das comunidades piorou, houve aumento expressivo nos índices de violência, incluindo ocorrências de estupro. Apenas

na usina de Jirau eram 21 mil trabalhadores compartilhando alojamentos, denunciando surtos de viroses, jornada excessiva

de trabalho e outras más condições que a magnitude e a pressa em acabar a obra ocasionaram. As comunidades realocadas

reclamam da piora na qualidade de vida: estão em casas de alvenaria de má qualidade, longe de suas terras, onde plantavam e

colhiam, e do rio, onde pescavam. Elas afirmam que a renda hoje é muito inferior ao que recebiam antes”.7

Impactos sobre as populações indígenas

As populações indígenas afetadas pelas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio podem ser divididas em três categorias; as

terras e os grupos indígenas diretamente impactados e identificados: Karitiana, Karipuna, Urueu-Wau-Wau e Katawixi; os

indiretamente afetados: Parintintin, Tenharim, Pirahã, Jiahui, Tora, Apurinã, Mura, Oro Ari, Oro Bom, Cassupá e Salamãi; os

grupos de índios isolados, cuja presença foi confirmada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) no final de 2011. No processo

de licenciamento das usinas do Madeira, não houve consulta aos indígenas, como prevê a Constituição Federal e a Convenção

169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), de Rondônia, destaca dezoito situações, na Bacia do Rio Madeira, onde o extermínio

indígena é iminente. Em relação às crianças indígenas, a prostituição, o abuso sexual, o cárcere privado e a corrupção são

alguns dos impactos sociais detectados pelo Juizado da Infância nas proximidades das áreas onde são construídas as usinas

hidrelétricas do Madeira. Apesar de os Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio

mencionarem a presença de grupos indígenas isolados nas áreas de impacto, as licenças autorizando a construção das usinas,

avalizadas pela Funai, não fazem menção a esta presença.

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau

159

Processo de reassentamento e indenização de comunidades removidas

Cerca de 270 famílias ribeirinhas foram removidas das margens do Rio Madeira para dar lugar ao reservatório de água da

hidrelétrica de Santo Antônio. No reassentamento de populações removidas verificou-se reclamação generalizada de piora das

condições de vida por redução da receita, assim como de má qualidade na construção das casas e vias públicas, subindenização

de terras e benfeitorias, alteração do modo de vida dos reassentados (com redução significativa da renda familiar), concessão de

lotes muito pequenos (de 3 a 9 hectares) e em área de baixa fertilidade, entre outras.

Alguns casos são considerados exemplares da piora da qualidade de vida das populações afetadas No caso da comunidade

de pescadores de Engenho Velho, as famílias tiveram o seu local de pesca interditado para a realização das obras pela Santo

Antônio Energia, além de terem sido deslocados para uma área que já tinha outros pescadores. Já os moradores de Jaci Paraná,

distrito de Porto Velho atingido pela hidrelétrica de Santo Antônio, estão sofrendo com alagamentos. Segundo os atingidos,

toda a área onde ocorreu o alagamento é pantanosa e foi modificada pela construção da usina. “Nós tínhamos uma mata que

protegia nós; eles fecharam essa área e agora quando o rio enche não dá conta de segurar e nós ficamos alagados. (...) eu moro

aqui há dez anos, tem uma senhora que mora há cinquenta e nunca aconteceu isso”, contou uma moradora8.

Impactos ambientais

Os impactos do Complexo Madeira sobre a ictiofauna do rio – personificada no “bagre” ameaçado de extinção – geraram a

primeira grande polêmica envolvendo Jirau e Santo Antônio ao serem considerados pelo presidente Lula apenas um empecilho

ao projeto energético nacional. Já em dezembro de 2008, no entanto, a construção da barragem de Santo Antônio causou

a morte de onze toneladas de peixes, e nos últimos quatro anos, segundo os pescadores, a pesca, que produzia cerca de 29

mil toneladas/ano antes das obras das hidrelétricas, está inviabilizada. Além disso, os pescadores enfrentam dificuldades para

produzir nos assentamentos e ainda dependem da ajuda financeira da concessionária para sobreviver.

Com o enchimento do lago de Santo Antônio no final de 2011, a mortandade de animais se estendeu também aos mamíferos.

Em abril de 2012, o jornal Rondônia ao Vivo publicou uma série de denúncias sobre o extermínio em massa de tatus, pacas,

cotias e outros animais silvestres. De acordo com o jornal o contrato com a empresa YKS, que fazia o resgate, foi cancelado

sem ter sido finalizado o trabalho. Por fim, de acordo com levantamentos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as

hidrelétricas do Madeira têm sido um dos principais vetores do desmatamento na Amazônia nos últimos anos.

Violação da legislação

Uma primeira violação de acordo internacional se detecta com a falta das oitivas indígenas, impactadas pelo Complexo Madeira.

Além da própria Constituição Federal, a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, garante às populações tradicionais e

indígenas o direito de oitivas sobre projetos que afetem seu território. Tal consulta não ocorreu.

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau

160

Também o licenciamento ambiental das usinas do Rio Madeira ocorreu em franca violação das normas que regem os

procedimentos, contrariando, inclusive, um parecer técnico do próprio Ibama (Parecer Técnico nº 014/2007 – Cohid/CGENE/

Dilic/Ibama). Neste sentido, a autorização da mudança do eixo da hidrelétrica de Jirau em 9 km e a elevação da cota da hidrelétrica

de Santo Antônio foram feitas sem a realização de novos estudos de impacto ambiental e audiências públicas para apresentação

dessas alterações, assim como foi concedida licença parcial de instalação, que não está prevista na legislação brasileira.

No geral, como detectado anteriormente pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em

missão de 2006, sobre violações em obras de hidrelétricas, aplicam-se a Santo Antônio e Jirau as mesmas conclusões referentes

ao desrespeito ao:

1. Direito à informação e à participação;

2. Direito à liberdade de reunião, associação e expressão;

3. Direito ao trabalho e a um padrão digno de vida;

4. Direito à moradia adequada;

5. Direito à educação;

6. Direito a um ambiente saudável e à saúde;

7. Direito à melhoria contínua das condições de vida;

8. Direito à plena reparação das perdas;

9. Direito à justa negociação, tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados;

10. Direito de ir e vir;

11. Direito às práticas e aos modos de vida tradicionais, assim como ao acesso e preservação de bens culturais, materiais e

imateriais;

12. Direito dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais;

13. Direito de grupos vulneráveis à proteção especial;

14. Direito de acesso à justiça e à razoável duração do processo judicial;

15. Direito à reparação por perdas passadas;

16. Direito de proteção à família e a laços de solidariedade social ou comunitária.

4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES

Apesar da ocorrência de trabalhado escravo nas usinas, do não cumprimento de condicionantes, da existência de ações

civis públicas contra o licenciamento ambiental de Jirau, da multa de R$ 475 mil por desmatamento ilegal aplicado ao

empreendimento no início de 2009 e das denúncias de caos social – aumento da violência, do uso de drogas, prostituição

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau

161

infantil, piora dos serviços de saúde, etc. –, não consta que o BNDES tenha tomado alguma medida no sentido de implementar

suas alegadas salvaguardas socioambientais.

5- Condicionantes dos órgãos ambientais

No total, o licenciamento das duas usinas no Rio Madeira estipulou 144 condicionantes, mas não há monitoramento

de seu cumprimento

Condicionantes de Santo Antônio

A Licença de Instalação (LI) da hidrelétrica de Santo Antônio previu 48 condicionantes socioambientais para a obra, como: a

implantação de um Sistema de Gestão Ambiental (SGA); solução definitiva para o projeto do sistema interceptor de troncos e

flutuantes; revisão da área de inundação do reservatório considerando os efeitos de remanso derivados; realizar diagnóstico

do desequilíbrio sedimentológico e as cíclicas alterações da concentração de sedimentos com a abertura das comportas;

realizar a recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs); averbar as Reservas Legais relocadas e as das propriedades

adquiridas para reassentamento da população afetada pelo empreendimento; identificar áreas com potencial para retenção de

peixes, durante o enchimento e operação da usina; elaborar, em substituição do Subprograma de Monitoramento da Atividade

P esqueira, o Programa de Compensação Social da Atividade Pesqueira; prestar contas sobre os processos de remanejamento de

populações atingidas, entre outras.

Condicionantes de Jirau

Na Licença Prévia (LP) da usina de Jirau foram fixadas 33 condicionantes que deveriam ser cumpridas para a emissão da Licença

de Instalação (LI). Não atendidas estas medidas, em 3 de junho de 2009, com a publicação da LI nº 621/2009 pelo Ibama e,

posteriormente, do Ofício nº 577/2009 – Dilic/Ibama, datado de 4 de junho de 2009, foram apresentadas novas condicionantes

ambientais e exigências complementares à LI para diversos programas ambientais relacionados ao aproveitamento em questão,

como garantir a reprodução de peixes, avaliar o comportamento hidráulico geral do rio, demolir e retirar todas as estruturas das

ensecadeiras e demais obstáculos ao fluxo físico /biótico do rio, além de programas de recuperação de áreas degradadas, de

remanejamento da população atingida e do programa de compensação social.

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau

162

6- Atuação do Ministério Público

Cada uma das obras do complexo hidrelétrico no Rio Madeira já recebeu mil autuações da Superintendência Regional do

Trabalho por violação à legislação trabalhista. O Ministério Público do Trabalho conduz diversos Inquéritos Civis Públicos

em que estão sendo investigadas as condições de trabalho nessas obras. A construção das hidrelétricas do Rio Madeira

motivou o ajuizamento de sete Ações Civis Públicas pelo Ministério Público Federal, além da abertura de pelo menos sete

Inquéritos Civis Públicos no âmbito do Ministério Público Federal para averiguação de violação de direitos. Diferente de outros

empreendimentos semelhantes, em que também foram movidas ações judiciais impugnando ilegalidades no processo de

licenciamento e na construção, a Justiça Federal de 1º grau indeferiu a maior parte dos pleitos apresentados.

Ações ajuizadas pelo Ministério Público Federal contra as usinas do Rio Madeira9:

1 - Ação Cautelar Ambiental 2006.41.00.004390-1 – 5ª Vara Federal de Rondônia (7/11/2006) – Objeto: Garantia do direito à

informação da sociedade rondoniense e sua possibilidade de participação na discussão do projeto – a reavaliação dos estudos

de impacto ambiental sendo a questão principal. Decisão 1º Grau (17/12/2009): “Nestas condições, à vista da fundamentação

expendida, julgo improcedente o pedido inicial. Deixo de fixar verba de patrocínio, ausente má-fé do autor. Arquivem-se os

autos, a tempo e modo. Publique-se. Registre-se. Intime-se”. Interposição: não houve.

2 - Ação Civil Pública 2006.41.00.004844-1 (dependente 2006.41.00.004390-1) – 5ª Vara Federal de Rondônia (5/12/2006) –

Objeto: Garantia do direito à informação da sociedade rondoniense e sua possibilidade de participação na discussão do projeto.

Decisão 1º Grau (17/12/2009): “Nestas condições, à vista da fundamentação expendida, julgo improcedente o pedido inicial.

Deixo de fixar verba de patrocínio, ausente má-fé do autor. Arquivem-se os autos, a tempo e modo. Publique-se. Registre-se.

Intime-se”. Interposição: não houve.

3 - Ação Civil Pública 2006.41.00.000730-9 – 1ª Vara Federal de Rondônia (17/2/2006) – Objeto: Defender a Estrada de Ferro

Madeira-Mamoré, tombada pela Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e pela Assembleia Constituinte do Estado

de Rondônia, das obras de prospecção em Santo Antônio e Jirau, no Alto Rio Madeira, para a instalação das hidrelétricas. Decisão

1º Grau (3/7/2009): “(...), II - Determino, de conseguinte, a extinção do processo, sem julgamento meritório, nos termos do

Código de Processo Civil, artigo 267, inciso VIII. III - Deixo de fixar condenação em honorários advocatícios e custas processuais

(Lei 7.347/85, art. 18). IV - Observadas as formalidades legais, arquivem-se, com baixa na distribuição. V - Publique-se. Registre-

se e intimem-se”. Interposição: em 29/1/2009 – pendente.

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau

163

4 - Ação Civil Pública 2007.41.00.001160-0 (dependente 2006.41.00.004844-1) – 5ª Vara Federal de Rondônia (14/3/2007) – Objeto:

Anulação do processo de licenciamento ambiental do Complexo do Rio Madeira – Usinas de Jirau e Santo Antônio – devido à

ausência de estudo de impacto ambiental da Linha de Transmissão, dos impactos do empreendimento sobre os usos e costumes

das populações indígenas e de participação da sociedade rondoniense no debate. Decisão 1º Grau (17/12/2009): “Nestas condições,

à vista da fundamentação expendida, julgo improcedente o pedido inicial. Deixo de fixar verba de patrocínio, ausente má-fé do

autor. Arquivem-se os autos, a tempo e modo. Publique-se. Registre-se. Intime-se”. Interposição: em 4/2/2010) – pendente.

5 - Ação Civil Pública 2008.41.00.005474-0 (dependente 2006.41.00.004390-1) – 5ª Vara Federal de Rondônia (25/8/2008) –

Objeto: Contesta a alteração do local de implementação da Usina de Jirau, após os Estudos de Viabilidade Ambiental e Estudo

de Impacto Ambiental já feitos terem anuído com a realização da obra em local diverso, realizada pelo consórcio vencedor da

licitação sob o argumento de menores custos, o que decorreria da menor quantidade de escavação e importaria em menor dano

ambiental. Decisão 1º Grau: pendente.

6 - Ação Civil Pública 2008.41.00.007770-3– 5ª Vara Federal de Rondônia (início: 11/12/2008) – Objeto: Contesta a expedição

de Licença de Instalação da Usina Hidrelétrica de Jirau após a proposição da Ação Civil Pública 2008.41.00.005474-0 e antes

de uma decisão do Poder Judiciário, solicitando a ilegalidade desta licença e pedindo a imposição de multa aos responsáveis

por ela. Decisão 1º Grau (16/9/2009): “Os atos administrativos só se revestem de improbidade se ostentarem indícios de

desonestidade ou má-fé. Daí a ausência de elementos indicativos da prática de ato ímprobo, conducente ao indeferimento

da inicial”; “III - Nestas condições, à vista da fundamentação expendida, rejeito a inicial e determino a extinção do processo,

nos exatos termos da Lei 8.429/92, art. 17, § 8º(7). Deixo de fixar verba de patrocínio, ausente má-fé dos autores. Arquivem-

se os autos, a tempo e modo. Publique-se. Registre-se. Intimem-se”. Interposição: em 21/10/2009. Recurso (15/10/2010):

Apelação Provida – “a petição da ação de improbidade encontra-se revestida de suporte fático e jurídico suficiente para sua

admissibilidade. Com efeito, a petição inicial descreve fatos que estão a configurar, em tese, atos de improbidade administrativa

descritos na Lei nº 8.429/92, sendo prematura a rejeição da inicial da peça de ingresso”; “Diante disso, dou provimento à

apelação, para o fim de, tornando insubsistente a v. sentença apelada, determinar o retorno dos autos ao MM. Juízo Federal a

quo, a fim de que o processo tenha o seu regular prosseguimento”.

7 - Ação Civil Pública 16372- 29.2010.4.01.4100 – 5ª Vara Federal de Rondônia (22/10/2010) – Objeto: Sanar as irregularidades no

processo de compensação aos moradores da área de Mutum Paraná removidos em virtude da instalação da Usina de Jirau, no

que diz respeito tanto à falta de transparência no pagamento de indenizações quanto à falta de infraestrutura básica no local de

remanejamento dos moradores. Decisão 1º Grau: pendente.

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau

164

Inquéritos Civis em curso no Ministério Público Federal sobre as usinas do Rio Madeira10

Data Número Resumo

19/1/2009 1.31.000.000054/2009-90Apurar a responsabilidade civil pela morte de onze toneladas de peixes de várias espécies, por ocasião da construção das ensecadeiras da usina hidrelétrica de Santo Antônio.

11/2/2009 1.31.000.000115/2009-19Apurar a regularidade do processo de licenciamento ambiental das obras da usina hidrelétrica de Jirau.

11/5/2010 1.31.000.000565/2010-45

Acompanhar a implementação das medidas mitigadoras e compensatórias sociais, ambientais e econômicas pelas usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, estado de Rondônia.

21/5/2009 1.31.000.000611/2009-72

Apurar a construção de obras de ensecadeiras na usina hidrelétrica de Jirau, utilizadora de recursos ambientais e potencialmente poluidora, deixando de atender à condicionante 2.2 da Licença de Instalação nº 563/2008.

1o/6/2009 1.31.000.000750/2009-04

Apurar a regularidade do processo de renúncia da licença ambiental concedida à Cooperativa- Coogarima, à Cooperativa Minaccop e a Geomário Leitão de Sena pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, em favor de possível concessão à empresa Madeira Energia S.A. para a construção da usina hidrelétrica de Santo Antônio e da eventual doação de equipamentos.

28/7/2009 1.31.000.001115/2009-36

Acompanhar o cumprimento do Oficio 067/09-Gepan/Depan/Iphan, encaminhado ao Diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama, que estabelece medidas mitigatórias e compensatórias à concessão da Licença de Instalação da usina hidrelétrica de Jirau, de forma a proteger e preservar o patrimônio arqueológico da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.

16/9/2010 1.31.000.001218/2010-30

Acompanhar o processo de licenciamento ambiental do empreendimento denominado Linha de Transmissão de 600 KV, coletora Porto Velho-Araraquara nº 2, que vai interligar as usinas Santo Antônio e Jirau ao Sistema Interligado Nacional (SIN).

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau

165

1 PLATAFORMA DHESCA BRASIL/Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente. Violações de Direitos Humanos nas Hidrelétricas do Rio Madeira. Relatório Preliminar de Missão de Monitoramento. Porto Velho (RO), abril de 2011. Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/direitos-humanos/violacoes-dh-rio-madeira; Asociación Interamericana para la Defensa del Ambiente (Ainda). Estudo de Caso Rio Madeira. Disponível em: http://dev.aida-americas.org/sites/default/files/Estudo_de_caso_Madeira.pdf. SWITKES, Glenn. A Pedra Fundamental da IIRSA. In: SWITKES, Glenn; BONILHA, Patrícia. Águas Turvas: Alertas sobre as Consequências de Barrar o Maior Afluente do Amazonas. São Paulo: International Rivers, 2008. p. 16. FURNAS, ODEBRECHT, LEME. Relatório de Impacto Ambiental das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, 2005. p. 36-38. Disponível em: http://www.amazonia.org.br/arquivos/195010.zip. Nota Técnica 071/2007, 4a Câmara da Procuradoria da República – Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. GOULDING, Michael et al. Las Fuentes del Amazonas: Ríos, Vida y Conservación de la Cuenca de Madre de Dios. Asociación para la Conservación de la Cuenca Amazónica, 2003. p. 13.

2 PLATAFORMA DHESCA. Relatório de Missão: Jirau Hoje, Belo Monte Amanhã. Maio de 2011. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=450%3Ajirau-hoje-belo-monte-amanha-relatorio-aponta-violacoes-em-jirau-e-preve-repeticao-em-belo-monte-&catid=69%3Aantiga-rok-stories&Itemid=156.

3 Idem.

4 Idem.

5 Trabalho escravo é encontrado em obra ligada à usina do Madeira. Publicado em 26 de outubro de 2009. Disponível em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1664.

6 Um ano depois de quebra-quebra, operários da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, entram em greve. Publicado em 14 de março de 2012. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/03/14/operarios-da-hidreletrica-de-jirau-em-rondonia-voltam-a-cruzar-os-bracos-apos-um-ano.htm..

7 PLATAFORMA DHESCA. Relatório de Missão: Jirau Hoje, Belo Monte Amanhã. Maio de 2011. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=450%3Ajirau-hoje-belo-monte-amanha-relatorio-aponta-violacoes-em-jirau-e-preve-repeticao-em-belo-monte-&catid=69%3Aantiga-rok-stories&Itemid=156.

8 Atingidos por hidrelétrica Santo Antônio sofrem com alagamentos. http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/noticias/31-destaque/281-atingidos-por-hidreletrica-financiada-pelo-bndes-sofrem-com-alagamentos

9 PLATAFORMA DHESCA. Relatório de Missão: Jirau Hoje, Belo Monte Amanhã. Maio de 2011. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=450%3Ajirau-hoje-belo-monte-amanha-relatorio-aponta-violacoes-em-jirau-e-preve-repeticao-em-belo-monte-&catid=69%3Aantiga-rok-stories&Itemid=156.

10 PLATAFORMA DHESCA. Relatório de Missão: Jirau Hoje, Belo Monte Amanhã. Maio de 2011. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=450%3Ajirau-hoje-belo-monte-amanha-relatorio-aponta-violacoes-em-jirau-e-preve-repeticao-em-belo-monte-&catid=69%3Aantiga-rok-stories&Itemid=156.

Agradecemos à jornalista Verena Glass pelas importantes contribuições e comentários.

As principais fontes de informação desta seção são:

CASO VERACEL

166

1- Descrição do empreendimento

O Projeto Veracel II pretende aumentar a produção da atual

fábrica da empresa transnacional Veracel Celulose, uma das

líderes mundiais no setor de celulose e papel, em mais 1,5 milhão

de toneladas anuais. Para isso, ela solicitou licença para plantar

mais 107 mil hectares de terra, totalizando uma área de cerca de

200 mil hectares de eucalipto em 17 municípios na região do sul

da Bahia1.

O complexo fabril da Veracel está sediado em Eunápolis desde

2005 e suas operações abrangem os municípios Canavieiras,

Belmonte, Guaratinga, Itabela, Itagimirim, Itapebi, Mascote, Porto

Seguro e Santa Cruz Cabrália, além de Eunápolis, todos com

plantações de eucalipto2. No seu Relatório Anual de Sustentabilidade 2011, a empresa declara uma produção de 1,054 milhão de

toneladas em 2011, com meta de 1,1 milhão de toneladas para 2012. Declara também que o total de terras em sua propriedade é

de 211.424 hectares, que o plantio de eucalipto ocupa 90.453 hectares e que o seu Programa Produtor Florestal abrange um total

de área plantada (2003 a 2011) de 20.442 hectares, totalizando 104 produtores rurais3. Apenas em Eunápolis, por exemplo, a área

que a Veracel ocupa totaliza 40% das terras agricultáveis e 20,14%4 da área do município5.

A empresa conta com o Terminal Marítimo de Belmonte (TMB), que viabiliza o escoamento da produção para o Portocel

(Terminal Especializado Barra do Riacho S.A., no Espírito Santo), de onde a celulose segue para o mercado internacional,

especialmente Europa, Estados Unidos e Ásia6.

Originalmente com o nome de Veracruz Florestal, então subsidiária da Odebrecht, esta empresa começou a comprar terras

no extremo sul da Bahia em 1991 e a plantar eucalipto em 1992. Cinco anos depois, a Odebrecht e a empresa sueca Stora se

associaram. No ano seguinte, a razão social da empresa mudou para Veracel Celulose S.A. A fusão entre a Stora e a finlandesa

Enso se concretizou em 1999. A Aracruz ingressou no empreendimento no ano seguinte, enquanto a Odebrecht diminuía

a sua participação. Em 2000, as empresas proprietárias da joint venture Veracel Celulose S.A. eram a sueco-finlandesa Stora

Enso, com 50% das ações, e a Aracruz Celulose S.A. (atualmente Fibria)7, com os outros 50%.

A Fibria foi criada em 2009 como resultado da compra da VCP – Votorantim Papel e Celulose S.A., das ações do Grupo

Lorentzen e do Banco Safra, que compunham a Aracruz Celulose. Com isso, o Grupo Votorantim e o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se tornaram os proprietários da empresa, com mais de 1 milhão de hectares de

terra no Brasil.

Vere

na G

lass

CASO VERACEL

167

Com uma área de 875 mil hectares plantados com eucalipto, a Fibria tem operações no Espírito Santo, em Minas Gerais, Rio

Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Bahia. Ela opera quatro fábricas com capacidade de 5,25 milhões de toneladas

de celulose por ano8. A estrutura societária da Fibria é composta da Votorantim Industrial S.A.9, com 29,34% das ações, da

BNDESPar, com 30,42%10, e free float (ações em circulação no mercado). Ela participa com 51% da Portocel, além dos 50% da

Veracel Celulose S.A.11.

2- Valor do empréstimo

O BNDES concedeu um empréstimo à Veracel Celulose no valor de R$ 1,45 bilhão, aprovado em dezembro de 200312 (ano do

início das obras de construção da fábrica, que entrou em operação em 2005)13. Este foi o maior investimento do BNDES para

uma empresa privada no governo Lula14. Segundo informações disponibilizadas no site da então empresa Aracruz Celulose,

a viabilização do projeto da fábrica da Veracel Celulose foi possível através dos subsídios dos seguintes bancos estatais de

investimentos: R$ 1,4 bilhão do BNDES, US$ 80 milhões do Banco Europeu de Investimento (EIB) e US$ 70 milhões do Banco

Nórdico de Investimento (NIB)15.

O BNDES possui uma carteira para o financiamento a investimentos sociais de empresas, os propalados “programas sociais”,

desde 2006. Segundo um parecer do Fórum Socioambiental do Extremo Sul da Bahia “a Linha de Investimentos Sociais de

Empresas veio substituir o antigo Programa de Apoio ao Investimento Social (PAIS). Esta nova linha de financiamento está

destinada à implantação, expansão e consolidação de projetos sociais realizados pelas empresas ou em parceria com instituições

públicas ou organizações sem fins lucrativos. Esta linha se divide em duas modalidades: apoio a investimentos no âmbito das

comunidades localizadas na área de influência geográfica da empresa e apoio a investimentos dentro da própria empresa. Para

as ações destinadas às comunidades não são cobradas taxas de remuneração, apenas a Taxa de Juros a Longo Prazo (TJLP).

O nível de participação do Banco vai até 100% do projeto”16. A Veracel foi beneficiada com um investimento social de R$ 19,7

milhões financiados pelo BNDES, diz o parecer. “Estes dados permitem refletir que o processo de legitimação da empresa junto

às comunidades passa necessariamente pelo financiamento do Estado. Neste quadro, os programas de responsabilidades

socioambientais das empresas não representariam uma ausência do Estado, mas sua forte presença monetária, administrada,

entretanto, sob os critérios e auspícios da empresa”17.

3- Impactos socioambientais

O processo de implantação da Veracel Celulose S.A., a partir de 1991 (então Veracruz Florestal), os plantios de eucalipto e a

construção da fábrica de celulose promovem, desde o início, uma série significativa de crimes socioambientais, irregularidades

e ilegalidades, amplamente denunciados por comunidades locais e vizinhas (população urbana, camponeses e indígenas),

por trabalhadores e por organizações da sociedade civil18. Estas denúncias foram confirmadas pelo Instituto Brasileiro de

CASO VERACEL

168

Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de Porto Seguro, constatadas e acionadas as responsabilidades pelo

Ministério do Meio Ambiente (MMA), pela Justiça Federal e, mais recentemente, pelo Ministério Público do Estado da Bahia

(MPE), bem como pelo Ministério Público Federal (MPF). Em 2006, o MPF julgou uma ação civil pública e anulou todas as

resoluções do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cepram) referentes às licenças, além de ter condenado a Veracel à

obrigação de recuperar todas as áreas plantadas com eucalipto. Apesar das denúncias e constatações oficiais, a implantação do

empreendimento Veracel II foi facilitada e beneficiada por diversas concessões de licenças ambientais ilegais (com violações

de leis ambientais de âmbito municipal, estadual e federal) por parte de órgãos ambientais locais, como o Cepram e o Centro de

Recursos Ambientais da Bahia (CRA)19.

Fábula da geração de empregos20

Na fase de implantação, a empresa divulgou a promessa de geração de mais de 12 mil empregos diretos e indiretos, porém,

após o término das obras de instalação, a redução de empregos foi drástica. Trata-se de um setor altamente mecanizado que

emprega poucos trabalhadores (em 2006, apenas 741). Considerando o investimento de US$ 1,5 bilhão aplicado na fábrica, o

custo por emprego direto gerado é de US$ 2,02 milhões. Considerando a quantidade de terras, a relação é de um emprego direto

para cada 103 hectares. O elevado nível de terceirização dos empregos torna-se um agravante por conta da intensa precarização

do trabalho e da ausência de respeito aos direitos trabalhistas, afetando trabalhadores diretos e, sobretudo, indiretos. Em um

levantamento feito pelo Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes), em 2007,

junto ao Tribunal Regional do Trabalho, 5ª Região, constatou-se que a Veracel Celulose está envolvida em 863 processos na

Justiça do Trabalho, parte deles sob a investigação do Ministério Público do Trabalho, além da alta taxa de LER/Dort21.

Monocultura de eucalipto em grande escala, manejo e consequências socioambientais 22

Plantações em grande escala de espécies de árvores de rápido crescimento, como é o caso do eucalipto manejado no Brasil,

aumentam a pressão sobre a vegetação nativa e as terras agricultáveis de grande valor e causam desastres ambientais e sociais,

desestruturando economias locais.

Desmatamento, plantio e violação de direitos socioambientais

A Veracel cometeu os seguintes crimes/irregularidades:

a) desmatamento da Mata Atlântica23 para o plantio de eucalipto nos anos 1990 (com ausência de conectividade entre as

ilhas de vegetação nativa imersas no mar de eucaliptos). A empresa continua desmatando as áreas de regeneração;

b) plantio de eucalipto dentro de perímetros urbanos (distritos e cidades) e dentro de cemitérios, com evidências de

suborno de vereadores24 diante das tentativas de elaboração de leis limitantes por vereadores preocupados com a

expansão desorganizada do eucalipto, a exemplo dos municípios de Canavieiras, Itagimirim, Santa Cruz de Cabrália,

CASO VERACEL

169

Porto Seguro e Eunápolis, de modo que o MPE25 chegou a instaurar inquérito26;

c) plantios dentro de áreas das comunidades rurais, nas Áreas de Preservação Permanente (APPs), em encostas, margens

de córregos, lagoas e rios, nas zonas de amortecimento de Unidades de Conservação (UCs), segundo o Ibama/2006,

contrariando Recomendação nº 1 do Ministério Público Federal/Ilhéus/2005).

Invasão de áreas tradicionalmente ocupadas

a) Povo Indígena Pataxó – A Frente de Resistência Pataxó denuncia que, dos 120 mil hectares do Território Pataxó, a

Veracel invadiu cerca de 30 mil hectares; somente dentro da Terra Indígena, identificada pela Fundação Nacional do

Índio (Funai) com 52.748 mil hectares 27, há 1.645 hectares com eucalipto da Veracel.

Grave comprometimento da segurança alimentar

a) destruição da agricultura tradicional familiar (pequenas e diversificadas produções de alimentos) e das lavouras de

subsistências (situação diagnosticada já em 1998 pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia

- SEP) e isolamento das poucas famílias restantes que permanecem ilhadas pelo plantio e sob grande pressão para

venderem suas terras;

b) migração de milhares de famílias da pequena produção rural para as periferias das cidades (famílias sem habilidades e

qualificações para sobrevivência no espaço urbano), em função da crescente concentração de terras verificada

da década de 1960 a 1980, portanto intensificada nos anos 1990 com a compra de vastas extensões de terras pelas

grandes empresas do ramo da celulose28 e a invasão das terras devolutas com expulsão de posseiros29 – só o

município de Eunápolis perdeu cerca de 7 mil famílias camponesas de 1996 a 2000 e a sua população urbana cresceu

33% entre 1991 e 200730;

c) invasão de áreas do Estado – terras devolutas – que deveriam ser destinadas à Reforma Agrária, bem como a

supervalorização das terras dificultando a viabilização da Reforma Agrária.

Inchaço e falta de perspectivas nas áreas urbanas atingidas

a) no período da instalação da empresa na região (1991-1996), com a atração de mão de obra na construção da empresa

(aproximadamente 4 mil trabalhadores), houve uma intensificação dos fluxos de migração a ponto de o crescimento

demográfico da área urbana chegar a ser o mais alto do estado da Bahia31;

b) aumento vertiginoso da prostituição e grande número dos chamados “filhos da Veracel” na época da construção

da fábrica32;

c) eliminação de oportunidades de emprego ou de ganhos para pequenos produtores independentes e pauperizados,

atingidos pelas grandes perdas da população rural, em fenômeno conhecido como “expulsão do homem do campo”;

d) crescimento desordenado das cidades na região atingida.

CASO VERACEL

170

Contaminação química do solo, das águas e dos trabalhadores (especialmente os terceirizados)

a) uso de agrotóxicos nas plantações – o Roundup (da Monsanto), cujo princípio ativo é o Glifosato – e a Isca Mirex, cujo

principio ativo é a sulfuramida33;

b) a utilização de cloro na produção de celulose, utilização em 100% da tecnologia ECF (livre do cloro elementar e

utilização do dióxido de cloro), que diminui mas não elimina totalmente a formação de dioxina (organoclorado

altamente tóxico carcinogênico e teratogênico que leva de anos a séculos para se degradar), apesar de no EIA-Rima da

construção da fábrica de celulose constar que a tecnologia a ser utilizada pela empresa seria a TCF (Totalmente Livre

de Cloro), a empresa optou pela tecnologia ECF anos depois sem estudos complementares e nenhuma providência do

órgão licenciador, o CRA, que manteve a licença34.

Segundo informações do Cepedes, na região do extremo sul da Bahia, são cerca de 700 mil hectares de eucaliptos plantados, e,

segundo informações da Veracel, são usados 9 litros de Roundup por hectare. Sobre a Isca Mirex, a empresa apenas informa que

seu uso se dá em “quantidades seguras”35.

O Glifosato e o Mirex são substâncias consideradas perigosas para a saúde pública e o meio ambiente em função de

propriedades como a elevada persistência no meio ambiente, a capacidade de serem transportadas por longas distâncias através

do ar e da água, além de serem substâncias altamente tóxicas e bioacumulativas. Na Convenção de Estocolmo passaram a ter

sua produção e uso proibidos em nível global. Esta é mais uma das situações graves provocadas pela monocultura de eucalipto36.

Impactos sobre os recursos hídricos (quantidade e qualidade)37

a) descumprimento de condicionantes, tal como a Resolução 707/93 do CRA em função do alto consumo de água pelas

plantações e fábricas;

b) redução de água disponível em comunidades vizinhas – verifica-se secagem rápida de rios, córregos e lagos após o

plantio de eucalipto;

c) elevado consumo de água na fabricação de celulose – água retirada do Rio Jequitinhonha, sendo 94 mil m3/dia – 100

mil habitantes consomem 6 mil m3/dia;

d) lançamento de efluentes industriais nos rios Mucuri e Jequitinhonha (sob o controle da própria empresa); o Rio Santa

Cruz foi afetado pelo uso ilegal por parte da Veracel de substância tóxica (multada pelo Ibama em 2007);

e) a limpeza da lagoa de tratamento de efluentes só funciona se a fábrica estiver em funcionamento. Atualmente, várias

centenas de milhares de metros cúbicos de sedimentos tóxicos encontram-se no fundo da lagoa.

Em suma, hoje o extremo sul da Bahia é marcado pelo aprofundamento das desigualdades sociais e regionais provocado

pela monocultura de eucalipto e pela produção de celulose que fornecem pouco trabalho e não produzem alimentos, forjando a

cada ano um amplo rastro de violações de direitos humanos e socioambientais.

CASO VERACEL

171

4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES

Não há o conhecimento de condicionantes ou salvaguardas ambientais do BNDES. Porém, cabe citar que a empresa Veracel

tem utilizado estratégias para legitimar suas atuações através de investimentos em saúde, educação, saneamento, segurança

pública. Segundo consta em site da empresa, por meio do Instituto Veracel (criado em 2002, instaura e implementa a atuação

da empresa na área de ação social), foram investidos milhões em ações consideradas sociais (“projetos sociais”) na área de

influência de seu empreendimento. O Cepedes, em 2008, denunciou “fatos absurdos” sobre a orientação de coordenadores do

Instituto Veracel e seus “projetos sociais”, como o projeto de educação envolvendo mais de 1.300 crianças, cujo funcionamento

se deu quando foi conveniente para a empresa (nas visitas do BNDES e de visitantes estrangeiros e certificações), bem como

o uso destas ações como marketing, além da cooptação de lideranças comunitárias e da promoção de conflitos no seio das

comunidades38. A Veracel também tem financiado as polícias (Federal, Civil e Militar) da região, através da construção de quartéis

e compra de viaturas como parte de “um programa de apoio ao desenvolvimento das atividades destas corporações”. Parte dos

recursos destas ações, embora sejam apresentados como projetos apenas da empresa, conta com financiamento do BNDES,

enfraquecendo o papel do Estado e lhe conferindo uma imagem de “responsabilidade social”.

5- Condicionantes dos órgãos ambientais

Uma das alegações do Ministério Público Estadual (MPE) para se opor à duplicação da Veracel (Veracel II) é que as

condicionantes da Veracel I ainda não foram cumpridas em diversos aspectos. Por isso, o MPE tem ajuizado contra a Veracel

um grande número de ações ambientais e outras. Foi feito um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em 2010, mas, segundo

o MPE, ele não foi cumprido e esse foi um dos motivos e forte argumento para o MPE elaborar uma consistente Notificação

Judicial39 sobre a ampliação, na qual estão citadas as principais ações judiciais que existem.

Com relação às condicionantes ambientais, a Veracel acumula descumprimentos, a exemplo:

a) Resolução 707/1993 do CRA – Condicionante – “Plano de Manejo de preservação e manutenção da reserva florestal” – o

descumprimento refere-se ao plantio de eucalipto “em áreas onde a vegetação nativa seja de Mata Atlântica, Cerrado e

restinga ou áreas de tensão ecológica”;

b) Resolução 1.239 do CRA – 19/7/1996 – comunidades rurais – Condicionante – “apoiar programas de incentivo à

permanência e às atividades econômicas já existentes, sem lhes causar danos ou contribuir para a exclusão das áreas”;

c) Limite máximo de ocupação de terras com eucalipto – Condicionante – máximo “15% das terras dos municípios

litorâneos e 20% das terras dos demais municípios das áreas de influência direta” – a empresa não as cumpre ao

promover concentração de terras, êxodo do campo e monocultura excedendo os limites.

CASO VERACEL

172

Para o projeto Veracel II, o EIA-Rima, assim como o da proposta inicial, apresentou graves e repetidas inconsistências.

O Parecer Crítico referente ao Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Veracel II, realizado pelo Cepedes e pela Fundação

Padre José Koopmans, em julho de 2011, observa que “o Rima não preenche minimamente os itens básicos prescritos na

resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) n° 001 de 23/1/1986, artigo 9, que enumera o que deve conter

em um Rima”. Entre outras constatações de irregularidades, o Parecer destaca ainda:

a) “A empresa que elaborou o EIA-Rima é a Cepemar, grupo formado por cinco empresas que trabalham com serviços

ambientais, indústria do petróleo e gás, operação de portos e aeroportos e educação. A Suzano Bahia Sul, empresa

produtora de celulose também localizada no extremo sul da Bahia, possui 55% das ações da Cepemar40. Esta empresa

havia realizado o EIA-Rima do Plano de Expansão Portocel II (modernização e ampliação do porto) [no Espírito Santo]

e da construção da terceira fábrica da Aracruz Celulose (atual Fibria)” (p. 5).

b) “No contexto do licenciamento da nova fábrica da Veracel, a empresa contratou a consultoria chamada Ruschel &

Associados. Esta empresa oferece, entre outros serviços, o ‘suporte em audiências públicas’” (p. 5).

c) “O Rima carece de informações e análises sobre o que é umas das suas funções básicas – identificar os impactos

ambientais. Não são mencionados quais agrotóxicos e formicidas e em quais quantidades a empresa vai utilizar para o

cultivo dos eucaliptos (sabe-se que a Veracel faz uso corrente do Roundup)” (p. 7).

Segundo o Parecer, muitas falhas graves foram encontradas, como a falta de ART’s para a prestação de serviços relacionados

ao EIA-Rima conforme determina a resolução Cepram nº 3.961/2009. “Dez técnicos que integraram a equipe, inclusive o

coordenador geral, estão com registros irregulares no Conselho Regional Engenharia Arquitetura (Crea). Através de consultas

no sítio do Crea (regionais SP, MG, ES e BA) e por informações do Crea-BA vimos que seis técnicos estão irregulares em seu

Crea de origem e quatro deles não possuem o visto para trabalhar na Bahia, conforme requer a resolução do Conselho Federal

nº 191/70, no Artigo I: o profissional que pretende exercer atividade em qualquer região que não a de registro de origem deve

requerer o visto na carteira profissional (Crea) ou na carteira de registro provisório”41.

O Parecer aponta ainda que “conforme o diagnóstico sobre a silvicultura no extremo sul, elaborado pelo Instituto do Meio

Ambiente (IMA), a Veracel Celulose S.A. apresenta graves problemas em seu programa Fomento Florestal”. Segundo o Parecer,

foram identificadas irregularidades em 85 propriedades em dez municípios:

• Em relação às licenças municipais, a maioria dos plantios está sem licença ou com ela vencida.

• Em relação à Reserva Legal

CASO VERACEL

173

– 60% não possuem RL averbada;

– 32% – RL estão preservadas;

– 15% não possuem área para RL, pois todo o empreendimento possui eucalipto ou pastagens.

• Em relação à Área de Preservação Permanente (APP)

– 70% estão ocupadas com pastagens, eucalipto ou estão completamente antropizadas;

– 30% – totalmente preservadas ou com pequenas áreas em regeneração;

– 1% não possui APP.

Com relação ao Programa Produtor Florestal (Fomento Florestal), o Cepedes informa que “diversos problemas foram

levantados nas plantações de eucalipto dos fomentos na região. Muitas licenças foram canceladas devido à origem irregular,

como em Eunápolis, que teve licenças suspensas e plantios sequestrados pela justiça. No município de Itabela, todas as

licenças estão canceladas através do decreto 1064/2011, publicado em 14 de julho de 2011”.

“Neste contexto, a Veracel pretende ainda que 30% da madeira venha de áreas de fomento. O Rima silencia diante de

todas essas graves irregularidades. E ainda ignora totalmente os casos judiciais, movidos pelo Ministério Público Estadual,

envolvendo irregularidades de fomento na região e na empresa”42.

Multas aplicadas

Há várias multas aplicadas, ações judiciais e procedimentos administrativos, inclusive em andamento, contra as empresas Veracel e

sua proprietária Aracruz/Fibria43 (por ilegalidades, irregularidades e crimes ambientais). Alguns exemplos relatados até 200844:

a) Ibama – Auto de Infração 368874, 13/3/2007 – Multa de R$ 400 mil – uso ilegal (Lei nº 9.605/1998 e Decreto 3179/99)

de substância tóxica (herbicida stout-NA – princípio ativo glifosato – fabricado pela Monsanto do Brasil) em 31,6

hectares de “área de preservação permanente, cabeceiras de nascentes, margens de córregos, matando toda a

vegetação” (Relatório de Fiscalização do Ibama, 26/3/2007). Após parecer do Ibama, o Ministério Público Estadual

(MPE) denunciou a empresa Veracel Celulose S.A. à Justiça Federal por crime ambiental;

b) Ibama – Auto de Infração 212132, 22/12/2007 – Multa de R$ 360.900 – plantio em área de regeneração de Mata

Atlântica (1.203 hectares) em desacordo com licença e autorizações recebidas. O TAC entre Veracel e CRA para

revegetação de parte da área devastada não foi cumprido;

CASO VERACEL

174

c) Ibama – Multa de R$ 606 mil, em 2006 – plantio em 4,4% de área de amortecimento do Parque Nacional do

Descobrimento e do Parque Nacional Pau Brasil – descumprimento da Lei nº 9.985/2002 (Sistema Nacional de

Unidades de Conservação – Snuc) e da Lei nº 013/90 (Conama) – os plantios tiveram licença do CRA45;

d) MPF – Multa de R$ 20 milhões por crimes ambientais. (ver item 7)

6- Duplo padrão

Essa questão se aplica à transnacional Stora Enso como proprietária da empresa Veracel Celulose, que aplica seus recursos em

diversos países, inclusive o Brasil. Podemos afirmar que a Stora Enso se comporta de modo totalmente diferente nos seus países

de origem (Finlândia e Suécia) se comparada com o Brasil. Lembrando alguns aspectos e fatos que já repercutiram na Suécia:

(1) Financiamento direto de campanhas políticas (presidente, governador de estado, deputados federal e estadual, senador,

prefeitos e vereadores). Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, em 2006, a Stora Enso financiou R$ 1.006.604,0046. Na Suécia

não é permitido o financiamento privado de campanhas políticas;

(2) As maiores doações diretas das papeleiras para campanhas eleitorais foram feitas pela Aracruz Celulose/Fibria (R$ 4,7

milhões em 2010)47, empresa sócia da multinacional sueco-finlandesa Stora Enso, ambas proprietárias da Veracel Celulose;

o governador da Bahia, Jaques Wagner, recebeu R$ 250 mil na eleição de 201048;

(3) Sobre as atividades destas empresas no Brasil, é importante destacar que seu processo industrial poluidor utiliza produtos

químicos perigosos. A escolha do Brasil é interessante para estas empresas porque a fiscalização ambiental é mais frágil, e

há certamente menos condicionamentos ambientais do que nos países nórdicos em relação a isso;

(4) a Veracel tem financiado as corporações policiais (Federal, Civil e Militar) no extremo sul da Bahia, também uma

prática que os nórdicos consideram, no mínimo, estranha. Podemos citar também que, em 2007, a Stora Enso

demitiu 2.109 trabalhadores na Europa, enquanto anunciava a construção de nova fábrica de celulose na Bahia (Veracel

II) e no Uruguai, sem intervenção do governo sueco, pois “Os negócios externos são o fundamento do bem-estar da

Suécia” (palavras do governo da Suécia)49.

(5) Processo de certificação selo FSC (sigla em inglês para Conselho de Manejo Florestal) – A Veracel nunca poderia ter sido

certificada pelos inúmeros problemas já listados neste documento. Há anos que Organizações Não Governamentais (ONG)

como a Timberwatch Coalition (África do Sul), o FSC-Watch e fóruns de movimentos sociais como a Rede Alerta Contra

o Deserto Verde (Brasil) e o Movimento Mundial pelas Florestas Tropicas (WRM, sigla em inglês) pressionam o FSC, sem

sucesso, para parar de certificar monoculturas em larga escala. O Cepedes, junto com quarenta outras ONGs, sindicatos,

movimentos ambientalistas e comunidades indígenas, enviou uma carta para informar o FSC sobre os impactos negativos

da Veracel. Contudo, a Veracel recebeu o certificado/selo50.

Diante das ilegalidades e irregularidades, o Cepedes afirma que o selo FSC serve apenas para enganar os consumidores no

CASO VERACEL

175

Norte Global. “Esta certificação comprova que todo processo produtivo de uma empresa, desde a produção de sementes de

eucalipto até a fabricação de celulose, é realizado de forma ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente

viável. E pelo que podemos verificar ela é apenas economicamente viável... e economicamente viável para os seus acionistas

estrangeiros! Restam apenas miséria, fome e desemprego para o povo brasileiro!”51

7- Atuação do Ministério Público

MPF (Ministério Público Federal) – Subseção Judiciária de Eunápolis

a) Processo 2006.33.10.005010-8 (Diário Oficial da União - DOU 17/06/2008) – Decorrência de uma Ação Civil Pública

proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), em 199352, contra: Veracel (Veracruz Florestal na origem do processo),

Ibama, IMA e CRA. Sentença: multa de R$ 20 milhões por crimes ambientais (desmatamentos da floresta nativa de 96

mil hectares nos municípios de Eunápolis, Belmonte e Santa Cruz Cabrália nos anos 1990); sentença: reflorestamento

da área desmatada com vegetação nativa do bioma da Mata Atlântica. A sentença judicial desqualifica o CRA como

órgão competente para licenciar as atividades da Veracel e anula as licenças ambientais concedidas entre 1993 e 1996

(Estado da Bahia e pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente – Cepram); sentença: obriga elaboração do EIA-Rima.

Ministério Público Estadual

a) Procedimento Administrativo Portaria nº 15/26/052008 – Promotoria de Justiça da Comarca de Eunápolis/BA – para

que a empresa revegetasse a área total devastada, 1.203 hectares;

b) Recomendação nº 001/2008 – parte do Inquérito Civil nº 03/2008 – omissão do Estado da Bahia em proceder

com o zoneamento Ecológico Econômico (zEE) [artigo 46 do Código Florestal], omissão do CRA em proceder com a

fiscalização efetiva da degradação ambiental provocada pela Veracel (plantio indiscriminado de eucaliptos)

prejudicando a sustentabilidade econômica do município de Eunápolis/BA, que o CRA reconsidere os limites de

20% para plantio de eucalipto no município (condicionante), pois a Veracel ocupa (2008) 15,1% da área do município

com eucaliptos e 40% das terras agricultáveis;

C) Ação Civil Pública nº 1081418-5/2006 contra Veracel e o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Eunápolis

(Comdau) – pedido de nulidade de votação de licenças ambientais para quatro projetos de Fomento Florestal: não é

competência do município, mas do estado, conceder este tipo de licenciamento; a Veracel influenciou votação das

licenças; faltou EIA-Rima – havia várias áreas com proposta acima de 100 hectares (Resolução 001 do Conama); o

presidente do Comdau “passou a ser Secretario [Municipal] do Meio Ambiente por exigência da empresa, da qual o

gestor do Município esperava receber adiantamento de impostos, o que não foi conseguido em razão da intervenção

deste signatario ja nas proximidades da eleição de 2004, que enviou ofício à empresa advertindo-a que tal conduta era crime”;

D) Ação Civil Pública nº 1081431-8/2006 – improbidade administrativa contra o prefeito de Eunápolis e dois conselheiros

CASO VERACEL

176

do Comdau, Veracel e outros, por favorecimento de interesses da empresa;

E) Portaria 14/16-04-2008 – 2ª Promotoria Pública/BA – inquérito/subornos: “caracteriza ato de improbidade previsto

no artigo 11 da Lei 8.429/92, pois tal conduta caracteriza o delito de corrupção passiva e ativa por parte dos vereadores”,

por ocasião da votação de leis municipais limitantes do plantio/eucalipto;

F) Ação Civil Pública nº 2497100-2 2009 – Decisão (29/9/2009) do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, acatando

pedido de liminar proposta pelo MPE na citada Ação Civil Pública contra a empresa Veracel Celulose e autoridades

ambientais da Bahia. O juiz decidiu: proibição do plantio de eucalipto da Veracel em Eunápolis, até a “adequação das

areas que lhe foram legalmente licenciadas”; que o IMA e o Cepram da Bahia não poderiam mais conceder licenças

para o plantio em Eunápolis até que fosse concluída uma Avaliação Ambiental Estratégica e implementado

um zoneamento

Ecológico e Econômico do município; o limite máximo no município de Eunápolis de 20% de plantio de eucalipto,

conforme o condicionante 1.239 de 1996, sendo plantio próprio da empresa e também o plantio terceirizado através

do chamado “fomento florestal”; determinou que apenas as terras agricultáveis fossem consideradas e não toda a área

do município; que sejam excluídas as áreas urbanas, as de reserva legal e de preservação permanentes; que os órgãos

competentes façam uma avaliação ambiental estratégica conforme as necessidades do município em termos da

expansão das atividades “agropecuarias”, com ênfase nas atividades de agricultura de subsistência, preocupação com a

segurança alimentar do município; que sejam divulgados o nome e a qualificação das empresas que assumirão

a tarefa de realizar essa avaliação ambiental estratégica. O juiz baseia essa determinação numa constatação do próprio

IMA, que existem 37 mil hectares de “plantio clandestino”, sem falar dos plantios do fomento, “que estão regulares

ou ilegais, os quais conduzem ao enriquecimento ilícito da aludido empresa, por meio de aquisição de matéria

prima de origem ilícita (...), com enormes prejuízos para o meio ambiente”; o juiz determinou ainda que é preciso um

acompanhamento “a cada corte” (licença permite um máximo de 96 mil hectares); que o Cepram cobre recursos

financeiros da Veracel como compensação ambiental pelo plantio de eucalipto “autorizado aleatoriamente”, para ser

usado para criação de unidades de conservação, e para que reveja o licenciamento ambiental do fomento; por fim,

determinou que o Banco do Brasil e o BNDES não liberem novos recursos para o plantio de eucalipto no município de

Eunápolis que tenha como beneficiário a Veracel, considerando que tais plantios são considerados ilícitos. Por fim,

requer que seja aplicado aos requeridos os ônus da sucumbência. Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.000.000,00

(um bilhão de reais)53;

G) Processo nº 0002057-50.2011.805.0079 – Notificação Judicial (art. 867 e SS. do CPC), 18/7/2011; Ordem nº 2189/20-

07-2011 – dirigida ao Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Eunápolis/BA, contra a Veracel

Celulose S.A.; o Estado da Bahia; o Cepram – Conselho Estadual do Meio Ambiente, órgão consultivo, deliberativo e

recursivo do Sistema de Administração dos Recursos Ambientais, vinculado à Secretaria de Meio Ambiente (Sema); o

Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema); a Cepemar Serviços de Consultoria de Meio Ambiente Ltda.,

CASO VERACEL

177

pessoa jurídica de direito privado, com sede em Vitória (ES); e a Cosmos Engenharia e Planejamento Ltda., pessoa

jurídica de direito privado, com sede em Lauro de Freitas/BA. Refere-se: a uma série de pendências legais mediante

diversos processos de crimes ambientais, promovendo a miséria a centenas de famílias que gravitam sem seu entorno;

ao enganoso e irregular EIA-Rima, além da obtenção de licenças ambientais contínuas e de procedência ilegal no

processo assombroso de expansão das atividades da empresa sem os EIAs-Rimas; às transgressões normativas que não

se limitam a irregularidades ambientais, mas também outras, de natureza imobiliária igualmente preocupantes,

e “a Veracel, como empreendedora, não poderia cogitar de ampliação nas suas atividades de silvicultura, enquanto

não resolvesse o seu extenso passivo ambiental”. A Notificação, tratando de prevenir responsabilidades e garantir

direitos difusos, se reporta, aos bilhões de dólares injetados pela Veracel em seu empreendimento, “valendo-se

dos recursos públicos que lhe são repassados pelo BNDES, sem nenhum controle e em detrimento ao meio ambiente

e ao desenvolvimento sustentável”. A Notificação corresponsabiliza o BNDES por financiar “ações ilícitas da Veracel

– daí podendo surgir responsabilidade solidária para o referido banco, pelos ilícitos ambientais praticados em parceria

(...); e determina que seja dado aos notificados (...) conhecimento dos termos desta notificação judicial, para que adote

providências em relação aos novos financiamentos ou novos repasses de créditos para plantio de eucalipto, ou para a

ampliação da fábrica de celulose da Veracel, no município de Eunápolis/BA” - Eunápolis, Bahia, 18 de julho de 2011.

MPF e MPE (conjuntamente)

a) Processo nº 1697-69.2011 – 9/8/2011 – Ação Civil Pública – contra a Veracel Celulose S.A., o Instituto Brasileiro do

Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), estado da Bahia, o Conselho Estadual do Meio Ambiente

(Cepram) e o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema). Determina: suspensão do processo de

licenciamento ambiental em curso no Inema e Cepram para a ampliação das atividades de plantação de eucalipto

da Veracel Celulose S.A., no estado da Bahia (nº do processo no Inema: 2007-008437/TEC/LL-0084), “bem como

que se oficie ao Ibama, para o cumprimento de suas atribuições, e ao BNDES, para se acautelar em proceder com

financiamentos de empreendimentos ilícitos” (Eunápolis/BA, 9/8/2011).

b) Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado da Bahia, que suspendeu

(9/8/2011) o processo de licenciamento ambiental em curso no Inema e Cepram para a ampliação das atividades de

plantação de eucalipto da Veracel Celulose S.A., no estado da Bahia, oficiando-se ao Ibama para o cumprimento de suas

obrigações e ao BNDES que se acautele em proceder com financiamentos de empreendimentos ilícitos. Posteriormente,

a liminar foi derrubada e a licença prévia concedida (portaria 2,253/2012 (http://ceas.com.br/?p=860)).

Impunidade

Não há conhecimento de casos em que a empresa tenha cumprido as condenações judiciais (descritas) e, quanto às multas, a

empresa não costuma pagá-las54.

CASO VERACEL

178

1 Estudo de Impacto Ambiental-Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) Veracel II.

2 VERACEL. Relatório Anual de Sustentabilidade 2011.

3 VERACEL. Relatório Anual de Sustentabilidade 2011.

4 Instituto de Meio Ambiente (IMA) – apresentação em março de 2009, (fonte: Cepedes, 2012).

5 CEPEDES; SOUZA, Ivonete G.; OVERBEEK, Winfridus. Violações socioambientais promovidas pela Veracel Celulose, propriedade da Stora Enso e Aracruz Celulose: uma história de ilegalidades, descaso

e ganância. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

6 Disponível em: www.veracel.com.br. Acesso em 2011.

7 GOMES, Helder; OVERBEEK, Winfridus. Aracruz Credo - 40 anos de violações e resistência no ES. Rede Alerta Contra o Deserto Verde e Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais,

Vitória, 1a Edição, 2011.

8 Disponível em: http://www.fibria.com.br/web/pt/institucional/quem.htm. Acesso em: novembro de 2011.

9 “(...) o Grupo Votorantim é atualmente o quarto maior grupo privado do Brasil, concentra operações em setores de base da economia que demandam capital intensivo e alta escala de produção,

como cimento, mineração e metalurgia (alumínio, zinco e níquel), siderurgia, celulose e papel, suco concentrado de laranja e autogeração de energia. No mercado financeiro, atua por intermédio da

Votorantim Finanças e, em Novos Negócios, investe em empresas e projetos de biotecnologia, pesquisas minerais e especialidades químicas. (...) em 2001, criou a holding Votorantim Participações

(VPar).” Disponível em: http://www.votorantim.com.br. Acesso em: novembro de 2011.

10 “Posição acionária em 31 de julho de 2011. O BNDESPar tem uma participação de 21% vinculada a um acordo de acionistas com a VID (Votorantim) durante os primeiros três anos, e 10,9% nos

dois anos seguintes.” http://fibria.infoinvest.com.br/ptb/4540/ApresentaoCorporativaAgo2011.pdf. Apresentação Corporativa, agosto, 2011.

11 FIBRIA. Apresentação Corporativa, agosto, 2011. Disponível em: http://fibria.infoinvest.com.br/ptb/4540/ApresentaoCorporativaAgo2011.pdf. Acesso em: novembro de 2011.

12 “Com financiamentos totais do BNDES de R$ 1,45 bilhão, o projeto Veracel contempla, também, o plantio de 84 mil hectares de florestas e programas sociais nas áreas de educação, saúde e

infraestrutura”, Relatório Anual BNDES 2004. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_es/Galerias/RelAnualEspanol/ra2004/cap/estrutura.swf?-39000. Acesso em: 7 de

setembro de 2012.

CASO VERACEL

179

13 “Em 2004, os desembolsos do BNDES para projetos de empresas do setor de papel e celulose alcançaram R$ 1,05 bilhão, com aumento de 144% em relação ao ano anterior”, Relatório Anual

BNDES 2004. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_es/Galerias/RelAnualEspanol/ra2004/cap/estrutura.swf?-39000. Acesso em: 7 de setembro de 2012. “Diretamente,

o BNDES desembolsou R$ 13,8 bilhões [de 2001 a 2010], sobretudo para os grandes projetos de celulose e para a operação de renda variável da fusão da VCP com a Aracruz, que originou a Fibria,

maior produtora de celulose branqueada de eucalipto do mundo. (...) A média de desembolso no período foi alta: R$ 1,3 bilhão por ano. A maior liberação (R$ 3,6 bilhões) foi em 2009, um ano

atípico, tanto por causa da crise financeira internacional quanto pela operação de renda variável que deu origem à Fibria, impulsionando os desembolsos em R$ 2,4 bilhões.” VIDAL, A. C.; HORA, A. A

atuação do BNDES nos setores de florestas plantadas, painéis de madeira, celulose e papéis: o período 2001-2010. p. 133 e 147. Disponível em:

http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/bnset/set3404.pdf. Acesso em: 7 de setembro de 2012.

14 O então presidente Lula recebeu financiamento da Veracel Celulose para sua campanha (CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008).

15 http://www.aracruz.com.br/show_inv.do?act=news&id=1000348&lang=1 e Relatório Anual Aracruz Celulose e da Veracel Celulose, 2004 (apud CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008, p. 34).

16 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008.

17 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008.

18 Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Grupo

Ambientalista da Bahia (Gamba), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rede Alerta Contra o Deserto Verde (RACDV), Greenpeace, entre outras.

19 O CRA foi transformado em Instituto do Meio Ambiente (IMA), pela Lei nº 11.050, de 6 de junho de 2008. Recentemente, o IMA foi extinto na junção com o Ingá (Instituto de Gestão das Águas e

Clima) pela Lei Estadual 12.212 de 4/5/2011, que criou o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), uma autarquia vinculada à Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema).

20 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008 e Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Celulose e Papel (Sindicelpa).

21 LER – Lesões por Esforços Repetitivos – e Dort – Doenças Osteoarticulares Relacionadas ao Trabalho.

22 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008. World Rainforest Movement (WRM); Grupo Ambientalista da Bahia (Gamba); Instituto de Estudos do Sul da Bahia (Iesb).

23 O centro de pesquisas Cepedes em Eunápolis tem imagens da Veracel – anos 1990 – na época ainda chamada de Veracruz, desmatando a Mata Atlântica com trator e correntões.

CASO VERACEL

180

24 “O Ministério Público tem provas de crimes ambientais, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e corrupção. Temos um depoimento de um vereador que foi comprado pela Veracel para convencer

seus colegas a aprovar leis favoráveis”, Promotor de Justiça João Alves da Silva Neto. Entrevista a Leopold Broers e An-Katrien Lecluyse An-Katrien. Revista Mondiaal Nieuws (MO*) em 2010;

Ministério Público do Estado da Bahia – Portaria 14/2008, 16/4/2008 – 2ª Promotoria Pública da Bahia; Jornal Brasil de Fato – Veracel compra servidores na Bahia para plantio irregular de eucalipto,

edição 285, 14 a 20 de agosto de 2008. www.nossacara.com, atualização em 31 de março de 2008.

25 Ministério Público do Estado da Bahia. 2ª Promotoria Pública da Bahia. Portaria 14/2008, de 16 de abril de 2008.

26 www.nossacara.com, 31 de março de 2008, apud CEPEDES, SOUZA, OVERBEEK , 2008.

27 Publicação pela Funai no Diário Oficial da União nº 41, de 29 de fevereiro de 2008, p. 109-113

28 Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEP), 2008.

29 Organizações sociais da região afirmam que a Veracel plantou eucalipto em cerca de 30 mil hectares de terras devolutas.

30 SEP, 1998; CEPEDES, 2005; CEPEDES, 2008.

31 SEP, 1998.

32 Os Filhos esquecidos da Veracel, Correio Brasiliense, 28 de agosto de 2008. Conselho Tutelar do Município de Itapebi/Ba; CEPEDES, 2008.

33 “Por hectare plantamos 833 árvores. Em sete anos elas atingem uma altura de trinta metros e estão prontas para a colheita. Durante o primeiro ano pulverizamos por hectare nove litros de

glifosato”, David Fernandes, funcionário da Veracel. Entrevista a Leopold Broers e An-Katrien Lecluyse An-Katrien. Revista Mondiaal Nieuws (MO*), 2010.

34 O Greenpeace, na época da Conferência Rio 92, fechou o porto de exportação da Aracruz Celulose (atual Fibria), denunciando contaminação indiscriminada no mar pelo efluente da fábrica de

celulose, inclusive com organoclorados como a dioxina.

35 VERACEL. Relatório Anual de Sustentabilidade 2011.

36 CEPEDES, 2011.

37 Revista Science. Trading Water for Carbon with Biological Sequestration. Robert B. Jakson ET AL. Dezembro de 2004, vol. 310, p.1944-1947; Livro do Cepedes, 2008.

38 CEPEDES, 2008, p. 83-87.

39 Notificação Judicial/MPE (art.867 e SS. Do CPC), Eunápolis/BA, 18 de julho de 2011. Disponível em: http://www.4shared.com/document/GM0vBKC8/Notificao_Ampliao_-__VERACEL.html.

CASO VERACEL

181

40 “A Suzano surpreende o mercado com uma nova aquisição. O grupo informou nesta terça-feira (7), a aquisição de 55% das empresas da área ambiental do Grupo Cepemar, através da criação

de uma nova holding, que inclui a Cepemar Meio Ambiente, a Marine Survey, a Unimar, a Terramar, a Cepemar Enviromental Services (EUA) e a participação na empresa Brasil Supply. Com essa

iniciativa, o grupo marca, definitivamente, sua entrada no setor relacionado ao Meio Ambiente”. Disponível em: http://pop.celuloseonline.com.br/noticias/Nova+holding+da+Suzano+prev+investimen

tos+de+R+50+milhes. Acesso em: 4 de setembro de 2011.

41 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008.

42 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008.

43 “Cabe observar que a atuação da Fibria não é diferente da Veracel, com diversos casos de abusos dos Direitos Humanos, como invasão de terras indígenas e quilombolas no estado do Espírito

Santo, desvio do cursos de água, envenenamento de águas, desrespeito às comunidades Indígenas e quilombolas, entre muitos outros”. Cf. GOMES, Helder; OVERBEEK, Winfridus. Aracruz Credo - 40

anos de violações e resistência no ES. Rede Alerta Contra o Deserto Verde e Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, Vitória, 1a Edição, 2011.

44 CEPEDES, 2008.

45 Ibama multa Aracruz em R$ 606 mil, Jornal da Tarde, 4 de abril de 2006.

46 Tribunal Superior Eleitoral, www.tse.gov.br.

47 Tribunal Superior Eleitoral, www.tse.gov.br.

48 Tribunal Superior Eleitoral, www.tse.gov.br.

49 DVD Porque nós não comemos eucalipto?, Escola Nórdica, UbV, MST, 2007.

50 DVD Porque nós não comemos eucalipto?, Escola Nórdica, UbV, MST, 2007.

51 CEPEDES. Carta Aberta às mulheres e homens de boa vontade. 20 de junho de 2007.

52 Ministério Público Federal da Bahia. Nota à Imprensa: Veracel é condenada a pagar R$ 20 milhões por desmatamento. Assessoria de Comunicação, 10 de julho de 2008.

53 Fonte: Informativo Cepedes, 5 de outubro de 2009.

54 CEPEDES, 2008.

Megaeventos Esportivos

182

1- Descrição do empreendimento

Megaprojetos de infraestrutura, mobilidade urbana, reformas e/ou

construções de estádios de futebol e projetos de urbanização a serem

realizados com a alegação de que são necessários para que o Brasil

receba a Copa do Mundo de futebol, a ser sediada por 12 cidades

brasileiras (Manaus, Cuiabá, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Rio de

Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre),

em 2014, e as Olimpíadas, na cidade do Rio de Janeiro, em 2016.

Grande parte dessas megaobras será construída, com financiamento

público, pelas sete maiores empreiteiras do país: Odebrecht, Camargo

Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, OAS, Delta e Galvão

Engenharia. Juntas, elas somaram, em 2010, uma receita bruta de R$ 28,5

bilhões1.

O estudo de viabilidade dos projetos ficou a cargo do Consórcio

Copa 2014. O Consórcio “consiste em uma entidade consultiva formada

por empresas privadas e voltada a auxiliar o poder público federal a tomar decisões relacionadas ao evento. Neste âmbito

consta apenas o chamado Consórcio Copa 2014. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), de 2010, sobre

os preparativos para a Copa do Mundo, a Empresa Brasileira de Engenharia de Infraestrutura Ltda. (Ebei), a Galo Publicidade,

Produção e Marketing Ltda., a Value Partners Brasil Ltda., a Value Partners Management Consulting Ltda. e a Enerconsult

S.A. foram conjuntamente contratadas pelo Ministério dos Esportes para realizarem os primeiros estudos de viabilidade

demonstrando as necessidades de cada uma das cidades-sede brasileiras para o fornecimento da infraestrutura demandada

pela Federação Internacional de Futebol (Fifa)”2.

2- Valor do empréstimo

Cerca de 50% dos recursos destinados aos empreendimentos provêm do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

e Social (BNDES) e da Caixa Econômica Federal (CEF), com utilização de recursos provenientes do Fundo de Amparo ao

Trabalhador (FAT)3.

Megaeventos Esportivos

183

Segundo o BNDES, estas são as ações empreendidas em relação à Copa 2014, no exercício de 2010:

“Lançamento dos Programas BNDES ProCopa Turismo e BNDES ProCopa Arenas. O primeiro tem dotação

orçamentária de R$ 1 bilhão e é destinado à construção, reforma e ampliação da rede hoteleira no Brasil, tendo

em vista a demanda projetada pela realização da Copa do Mundo de 2014. (...) Os prazos de financiamento

poderão chegar a até 12 anos, em caso de modernização, e até 18 anos para construção de novas unidades. Para

grandes empresas, a participação máxima do Banco será de 80%. Para micro, pequenas e médias empresas

(MPMEs), o percentual pode atingir 100%. O segundo programa possui dotação orçamentária de R$ 4,8 bilhões

para apoio a projetos de construção e reforma das arenas que receberão os jogos da Copa e de urbanização do

seu entorno. (...) Os prazos de financiamento são de até 180 meses, já incluído o período de carência de até 36

meses. A participação máxima do BNDES é de até 75% do custo total, limitada a R$ 400 milhões por projeto,

incluindo os investimentos no entorno” (BNDES, Relatório de Gestão/Exercício 2010, p. 15)4.

Acrescente-se ainda, segundo o Relatório do Tribunal de Contas, o empréstimo do BNDES de R$ 1,3 bilhão para a obra da

Transcarioca ou Corredor T5, única obra de mobilidade urbana em que o Banco estaria envolvido, que fará a ligação do bairro

Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro. Além destas obras, já se tem a previsão, conforme

estudo do Instituto Mais Democracia, de comprometimento do BNDES no financiamento aos investimentos que serão

necessários no caso das privatizações dos aeroportos de Guarulhos e Viracopos, em São Paulo, e Juscelino Kubitschek, em

Brasília – a estimativa é de algo em torno de RS 10 bilhões.

3- Impactos socioambientais

Modelo de planejamento importado, sem raízes e fora do contexto

As demandas de intervenções urbanas têm sido dadas emergencialmente para atender aos critérios exigidos pelos

patrocinadores e não pela população e pelos planejadores locais, no contexto das reais necessidades das cidades

e de seus moradores e para além da realização desses dois eventos esportivos. Além disso, os megaeventos têm se

apresentado como a oportunidade ideal para a realização de um processo de “higienização”, já em curso, nas cidades-sede

da Copa e no Rio de Janeiro5.

Violação do direito à moradia

A combinação da insegurança da posse da propriedade com o fato de serem comunidades de baixa renda localizadas em frentes

de expansão imobiliária tem feito dessas comunidades focos preferenciais para a passagem de obras como a do Veículo Leve

sobre Trilhos (VLT) ou mesmo de projetos de urbanização que retiram a população desses lugares6.

A realização dos megaeventos esportivos “agrega um novo elemento: grandes projetos urbanos com extraordinários impactos

Megaeventos Esportivos

184

econômicos, fundiários, urbanísticos, ambientais e sociais. Dentre estes últimos sobressai a remoção forçada, em massa, de

150.000 a 170.000 pessoas (os governos se recusam a dar informações precisas). Dentre os inúmeros casos relatados pelos

Comitês Populares da Copa destas cidades, emerge um padrão claro e de abrangência nacional. As ações governamentais

são, em sua maioria, comandadas pelo poder público municipal com o apoio das instâncias estaduais e, em alguns casos,

federais, tendo como objetivo específico a retirada de moradias utilizadas de maneira mansa e pacífica, ininterruptamente, sem

oposição do proprietário e por prazo superior a cinco anos (premissas para a usucapião urbana). Com o objetivo mais geral de

limpar o terreno para grandes projetos imobiliários com fins comerciais”7.

Remoções e despejos

Não há uma estimativa nacional oficial de quanto será gasto, de quantas famílias ou de quantas comunidades devem ser

removidas pelas obras ligadas à Copa do Mundo, às Olimpíadas e às Paraolimpíadas de 2016. De acordo com dados do dossiê

“Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil”, realizado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da

Copa (Ancop), até o início de dezembro de 2011, havia 21 casos de vilas e favelas que foram desocupadas nas cidades de Belo

Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo os relatos presentes no estudo, os

despejos aconteceram sem respeitar legislação sobre o tema8.

Segundo o dossiê, estes são “alguns dos casos mais alarmantes, já que trata da atividade fim, quando o poder público já não

mais negocia, apenas mostra sua força diante do cidadão mais desprovido. São aplicadas estratégias de guerra e perseguição,

como a marcação de casas a tinta sem esclarecimentos, a invasão de domicílios sem mandados judiciais, a apropriação

indevida e a destruição de bens móveis, a terceirização da violência verbal contra os moradores, as ameaças à integridade física

e aos direitos fundamentais das famílias, o corte dos serviços públicos ou a demolição e o abandono dos escombros de uma

em cada três casas subsequentes, para que toda e qualquer família tenha como vizinho o cenário de terror”9.

Entre outros casos, o dossiê cita ainda o caso emblemático do Parque Linear Várzeas do Tietê, em São Paulo, onde mais de 4

mil famílias já foram removidas do local sem serem consultadas sobre a implantação do parque e sem saber para onde iriam.

Outras 6 mil famílias aguardam sem saber seu destino10.

Reassentamentos problemáticos

Segundo os moradores, em geral, estão sendo oferecidas alternativas de moradia em locais muito distantes do original, onde

não existem postos de saúde nem rede de transporte público. Também ha relatos sobre conjuntos habitacionais que estão

sendo construídos em aterros sanitarios ou em locais onde funcionaram lixões, como é o caso de um conjunto que ficara muito

próximo do antigo lixão do Jangurussu, em Fortaleza11.

Megaeventos Esportivos

185

Falta de informação e de canais de diálogo com o poder público

“A falta de informações, de conhecimento dos projetos e de canais de diálogo com o poder público é também uma constante

em todas as comunidades. Sem nenhuma conversa prévia, de repente, um morador acorda de manhã cedo e vê pessoas

medindo e marcando sua casa, sem saber o que se passa.”12

De acordo com o dossiê da Ancop, as estratégias utilizadas uniformemente em todo o território nacional se iniciam quase

sempre pela produção sistemática da desinformação, que se alimenta de notícias truncadas ou falsas, a que se somam

propaganda enganosa e boatos. “Em seguida, começam a aparecer as ameaças. Caso se manifeste alguma resistência, mesmo

que desorganizada, advém o recrudescimento da pressão política e psicológica. Ato final: a retirada dos serviços públicos e a

remoção violenta. Em todas as fases há uma variada combinação de violações aos direitos humanos: direito à moradia e direito

à informação nestas situações caminham juntos, como juntas caminham as violações que se concretizam.”13

Mudanças recentes no plano diretor municipal

Propostas pelo poder Executivo, estas mudanças dificultaram bastante a situação das comunidades mais vulneraveis. “Com

elas, foram retirados das areas de ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) os imóveis vazios próximos às areas onde estão

comunidades que foram definidas como ZEIS para que pudessem ser urbanizadas e consolidadas. Ou seja, nestas areas,

agora, sera ainda mais difícil transformar imóveis vazios em habitação de interesse social. E nas proximidades de muitas das

comunidades que hoje estão sendo removidas existem muitos terrenos e imóveis vazios que poderiam ser reutilizados e servir de

alternativa de moradia a essas pessoas.”14

Violações cometidas em relação aos acordos internacionais

1 - Organização das Nações Unidas sobre o Direito à Cidade e à Moradia Digna – Comentário Geral nº 4, sobre o

Direito à moradia adequada, trazido pelo Art. 11 do Pacto Internacional pelos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais:

Segurança Jurídica da Posse; Disponibilidade de Serviços e Infraestrutura; Custo da Moradia Acessível; Habitabilidade;

Acessibilidade; Localização; Adequação Cultural.

Em maio de 2012, Estados integrantes do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU)

recomendaram ao Brasil que não permitisse que as obras de preparação do país para a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos

de 2016 gerassem violações do direito à moradia ao provocarem remoções forçadas. “A discussão se deu no âmbito da

participação do país na Revisão Periódica Universal (UPR), um mecanismo criado pela Assembleia Geral da ONU em conjunto

com o Conselho para avaliar, a cada quatro anos, a situação dos direitos humanos em cada país. O tema do direito à moradia

no contexto dos megaeventos foi um dos principais objetos das recomendações que a ONU enviará ao Brasil. (...) Em março

de 2010, este órgão aprovou uma resolução sobre megaeventos esportivos e direito à moradia, na qual ‘clama os Estados, no

contexto dos megaeventos, a promover o direito à moradia adequada e a criar um legado habitacional sustentável’.”15

Megaeventos Esportivos

186

2 - Na Relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada, existem, desde 2007, os “Princípios básicos e orientações

para remoções e despejos causados por projetos de desenvolvimento”16.

3 - Além disso, em 1997, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, que monitora a implementação

do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), do qual o Brasil é signatario, publicou o

Comentario Geral nº 7, que trata de despejos e remoções forçadas17.

Trabalho e precarização

Em relação ao comércio ambulante e/ou trabalhadores informais, as prefeituras têm atuado de modo autoritário, higienista e

excludente.

Segundo a primeira edição do dossiê da Ancop, “o impacto para os trabalhadores informais já vem sendo sentido nas cidades-

sede para a Copa do Mundo, e não se restringe à impossibilidade de atuar em vias de acesso e no entorno dos estádios. Com

uma perspectiva criminalizadora da pobreza e sob um discurso de incentivo ao turismo e de ordenação e limpeza de áreas

valorizadas das cidades, muitas prefeituras estão implementando medidas de repressão ao trabalho informal. Mesmo antes de a

Copa iniciar e de ser aprovada a Lei Geral da Copa, já são constatadas restrições ao direito ao trabalho no entorno dos estádios e

nas cercanias de eventos relacionados”. O dossiê destaca os casos de Belo Horizonte, São Paulo, Brasília e Salvador18.

De modo geral, conforme o dossiê, “espaços tradicionais de comércio informal, como ruas movimentadas, praças, parques,

praias, camelódromos, feiras e mercados livres, estão sendo restringidos através de regulamentações excessivas e exigências

descabidas ou abusivas. Com isso, vendedores ambulantes, artesãos, artistas de rua, feirantes, profissionais do sexo e outros

trabalhadores estão tendo suas atividades prejudicadas ou mesmo inviabilizadas, em claro desrespeito do direito ao trabalho.

(...) Também aqui, verificam-se violações ao direito à informação e à participação, pois os trabalhadores informais não são

consultados sobre os planos oficiais de remanejamento e zoneamento urbano do comércio”19.

“Sejam operários empregados e subempregados nas grandes obras, como estádios e rodovias, sejam trabalhadores informais

reprimidos no exercício de sua atividade econômica, observa-se um padrão de crescente precarização, conduzido por

empresas e consórcios contratantes – sob a omissão dos órgãos fiscalizadores – e pelo próprio Estado.”20

No plano supranacional, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil em 1992,

prevê em seu art. 6, 1, que “Os Estados Partes do Presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho, que compreende o direito

de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito, e tomarão

medidas apropriadas para salvaguarda esse direito”. E ainda estabelece, no dispositivo seguinte, “o direito de toda pessoa de

gozar de condições de trabalho justas e favoraveis”, destacando a necessidade de remuneração adequada, segurança, iguais

oportunidades, descanso, lazer, férias, etc. Nesse sentido, o país aderiu ainda a grande parte das convenções da Organização

Megaeventos Esportivos

187

Internacional do Trabalho (OIT). Tanto o direito ‘ao’ quanto o direito ‘do’ trabalho encontram também proteção no ordenamento

jurídico brasileiro. A Constituição Federal de 1988 resguarda o primeiro enquanto direito fundamental social destacado no

caput do art. 6, ao passo que o art. 7 discrimina em espécie o rol de garantias e princípios relativos ao direito do trabalho e sua

proteção integral, regulados também em legislações próprias como a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). “A despeito de

todo esse sistema, porém, os casos de graves violações de direitos em nome da Copa do Mundo e das Olimpíadas se acumulam

e avançam para a perseguição a líderes sindicais e desrespeito às liberdades de organização, greve e manifestação”, afirma o

mencionado dossiê21.

Greves e paralisações

Um dos capítulos do dossiê22 é dedicado a questões trabalhistas nas obras da Copa. Ao todo, até o final de 2011, ocorreram dez

paralisações de trabalhadores nas obras de seis dos doze estádios que serão usados no Mundial (em Belo Horizonte, Brasília,

Cuiabá, Fortaleza, Recife e no Rio de Janeiro):

Arena Pantanal – Estádio Governador José Fragelli, “Verdão”, Cuiabá (MT)

Empresas responsáveis: Santa Bárbara e Mendes Júnior

Paralisação: 18 de março de 2011; duração: 30 minutos

Arena Fonte Nova, Salvador (BA)

Empresas responsáveis: Odebrecht e OAS

Ameaças de paralisação: abril, agosto e setembro de 2011

Estádio Plácido Aderaldo Castelo – Castelão, Fortaleza (CE)

Empresas responsáveis: Galvão Engenharia S.A. e Andrade Mendonça Construtora Ltda.

Paralisação: 13 de junho de 2011; duração: um dia

Estádio Governador Magalhães Pinto – Mineirão, Belo Horizonte (MG)

Empresas responsáveis: Construcap, Egesa e Hap

Paralisação: 15 a 20 de junho de 2011; duração: cinco dias

Arena Pernambuco, São Lourenço da Mata, região metropolitana de Recife (PE)

Empresa responsável: Odebrecht

1a paralisação: 30 de junho de 2011; duração: três horas

2a paralisação: 19 de outubro de 2011; duração: um dia

3a paralisação: 1o a 6 de novembro de 2011; duração: seis dias

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Estádio Mário Filho – Maracanã, Rio de Janeiro (RJ)

Empresas responsáveis: Odebrecht, Delta e Andrade Gutierrez

1a paralisação: 17 a 22 de agosto de 2011; duração: cinco dias

2a paralisação: 1o a 19 de setembro de 2011; duração: dezenove dias

Estádio Nacional de Brasília – Mané Garrincha, Brasília (DF)

Empresas responsáveis: Via Engenharia e Andrade Gutierrez

Paralisação: 26 de outubro a 4 de novembro de 2011; duração: dez dias

Exceções e ilegalidades

“Conhecida como ‘Ato Olímpico’, a Lei n. 12.035, de 1o de outubro de 2009 é a primeira de uma longa lista de medidas legais e

dispositivos normativos que instauram as bases de um ordenamento e institucionalidade que não podem ser compreendidos

senão como uma infração ao estado de direito vigente. Nesta lei, entre outras coisas, são asseguradas condições excepcionais e

privilégios para a obtenção de vistos, exercício profissional de pessoal credenciado pelo COI [Comitê Olímpico Internacional] e

empresas que o patrocinam, cessão de patrimônio público imobiliário, proteção de marcas e símbolos relacionados aos Jogos

Rio 2016, concessão de exclusividade para o uso (e venda) de espaços publicitários e prestação de serviços vários sem nenhum

custo para o Comitê Organizador. Ademais, num capitalismo do qual o risco teria sido totalmente banido, a lei autoriza

genericamente ‘destinação de recursos para cobrir eventuais déficits operacionais do Comitê Organizador dos Jogos Rio

2016’. Segue-se, a partir daí, a nível federal, estadual e municipal, uma interminável lista de leis, medidas provisórias, decretos,

resoluções, portarias e atos administrativos de vários tipos que instauram o que vem sendo chamado de ‘cidade de exceção’.

Todas as isenções fiscais e tributárias são oferecidas às entidades organizadoras, mas também a uma infinidade de ‘cidadãos

mais iguais’, que não precisam pagar impostos sobre serviços, tributos territoriais urbanos, taxas alfandegárias. Planos diretores

e outros diplomas, muitos deles resultado de longos e ricos debates na sociedade, caducam em ritmo vertiginoso diante do

apetite de empreiteiras, especuladores imobiliários, capitais do setor hoteleiro e turístico e, evidentemente, os patrocinadores

dos megaeventos.”23

Recursos públicos para interesses privados

“Empresários, políticos, bancos nacionais e internacionais estão faturando alto com a Copa e, o pior de tudo, com o nosso

dinheiro, em nome de todo o povo brasileiro sem que possamos decidir como será aplicado e quanto de recurso será destinado

para estas megaobras. Aqueles que já lucram todos os dias (banqueiros, empreiteiros, e ‘donos’ do futebol) continuam sendo

beneficiados com a política adotada para a Copa, benefícios que saem da prefeitura, do governo estadual e/ou federal. Sob

o pretexto da realização da Copa, uma série de favorecimentos ocorre por parte do Estado brasileiro (prefeituras, governos

estadual e federal), como as licitações obscuras e a privatização. O dinheiro público, que deveria ser usado para os serviços de

Megaeventos Esportivos

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saúde, educação, moradia, transporte, entre outros, passa a ser remanejado para dar conta da falsa ‘urgência’ das obras da Copa.

Temos escutado dos ‘donos do futebol’ que as empresas e bancos vão ajudar no desenvolvimento. Isso não é verdade, eles

investem onde podem lucrar! Cartão vermelho para eles (empresas, bancos e aos ‘donos do futebol’).”24

Criminalização e repressão

A segunda edição do dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil, lançada em junho de 2012 pela Ancop,

denuncia tentativas de repressão aos movimentos grevistas: em Brasília e Pernambuco, funcionários ligados às paralisações foram

demitidos arbitrariamente. Nas obras da Arena Pernambuco há relatos de ação truculenta da polícia para impedir as manifestações.

Autoritarismo, sonegação de informações e vedação à participação popular

“Em sua maioria, as decisões sobre destinação orçamentária, prioridades eleitas e projetos previstos para a Copa do Mundo

de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 não foram, em nenhum momento, submetidas ao escrutínio e ao debate públicos,

sendo não raro implementadas através de medidas administrativas que passam ao largo tanto dos espaços consolidados de

participação da sociedade civil, tais como os Conselhos da Cidade e de Política Urbana, quanto da apreciação dos próprios

sujeitos afetados, primeiros interessados em manifestar-se. (...) Nos poucos casos em que se verificou a realização de audiências

públicas e estudos de impacto, argumentos tecnocráticos e a falta de vontade política dos gestores tornaram inócuas as

tentativas populares de problematização dos projetos, desprezando denúncias de irregularidades e alternativas indicadas.”25

Segundo o dossiê, “quanto aos conflitos judicializados, a tendência predominante é de desconsideração dos princípios

constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 5, inciso LV), com processos de tramitação sumária e decisões liminares

que minam as possibilidades de intervenção das partes hipossuficientes, deixando-as à mercê da arbitrariedade dos gestores

públicos. (...) os agentes não apenas escondem dados, como intencionalmente disseminam falsas informações”26.

Violação do direito ao acesso a serviços públicos

O dossiê denuncia que “entre as várias estratégias utilizadas pelo poder público para pressionar comunidades inteiras

ou ainda pior, esfaceladas, divididas, está o corte ou a interposição de dificuldades de acesso aos serviços essenciais

à moradia adequada (...). A suspensão de coleta de lixo é prática adotada nacionalmente, enquanto em alguns casos a

municipalidade e o estado suspendem também (ou não instalam a infraestrutura necessária) o fornecimento de energia,

água tratada, esgotamento e comunicações. A permanência por tempo indeterminado de escombros resultantes da

demolição de unidades habitacionais em áreas de remoção, causando terror, risco de doenças e desabamentos, foi praticada

sistematicamente na cidade do Rio de Janeiro”27.

Megaeventos Esportivos

190

Mobilidade urbana

“Se é verdade que uma parcela importante dos recursos púbicos a serem investidos para a Copa e as Olimpíadas estão voltados

para a mobilidade urbana, é lamentável constatar que, quase sempre, os projetos privilegiam a circulação e acesso das áreas

nobres, em processo de valorização, em vez de atenderem à demanda insatisfeita acumulada ao longo das últimas décadas de

crescimento urbano, e que penaliza as condições de transporte e circulação dos bairros populares e comunidades periféricas

mais pobres.”28

4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES

As exigências do Banco para o Pro-Copa Arenas são, entre outras: estudo de viabilidade econômico-financeira da Arena,

contemplando, sobretudo, sua sustentabilidade financeira em longo prazo; aprovação dos projetos também por entidade

certificadora de qualidade ambiental, reconhecida internacionalmente ou acreditada pelo Sistema Nacional de Metrologia,

Normalização e Qualidade Industrial (Sinmetro).

A linha de crédito BNDES Pro-Copa Turismo disponibiliza recursos para: construção, reforma, ampliação e modernização de

hotéis. O Banco diz que oferecerá condições mais favoráveis aos projetos que levem em conta a preocupação com a eficiência

energética e a sustentabilidade ambiental. Por exemplo, a ampliação do prazo de financiamento para quem obtiver certificação

nos dois itens29.

Importa acrescentar que o Banco disponibiliza, diferentemente do que faz no caso dos empréstimos a empresas privadas,

os contratos de financiamento com entes públicos. A exemplo do contrato de financiamento com a prefeitura do Rio de

Janeiro para a realização da obra da Transcarioca. No referido contrato, o BNDES insta a prefeitura a não apenas observar o

cumprimento do que determina a legislação ambiental quanto à observância dos licenciamentos, mas a “adotar, durante o

período de vigência deste contrato, medidas e ações destinadas a corrigir danos ao meio ambiente”.

5- Condicionantes dos órgãos ambientais

Estudos de Impacto Ambiental e Licenciamento

“Por ocasião da crise energética de 2001, a Resolução Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] nº 279/01 possibilitou

a realização do Relatório Ambiental Simplificado (RAS), com tempo de tramitação reduzido, para obras do setor elétrico de

pequeno porte. Para as obras da Copa e das Olimpíadas, foi aberta mais uma exceção. Conforme apresentado no capítulo

Acesso à informação, participação e representação popular, criou-se o Grupo de Trabalho Meio Ambiente para propor e

articular ações de sustentabilidade ambiental para a Copa 2014. Na prática, o grupo tem buscado formas de facilitação em

Megaeventos Esportivos

191

processos de licenciamento ambiental para os megaeventos. Apesar desta ‘flexibilização’, as prefeituras não abrem mão de

burlar a legislação ambiental, utilizando-se do Relatório Ambiental Simplificado (RAS) para obras complexas e desconhecendo

de maneira grosseira os impactos sociais e ambientais.” Como se verifica no caso da Transcarioca, no Rio de Janeiro, em que

o TCU instou o Banco a não liberar a segunda parcela do financiamento, referente à Etapa 2 da obra, por falta de relatório de

impacto ambiental, além de questionar o uso do RAS para uma obra com extenso impacto socioambiental30.

A revisão do Código Florestal aprovou uma emenda que permite o desmatamento de Áreas de Preservação Permanente (APPs)

para os megaeventos: “estádios e demais instalações necessárias à realização de competições esportivas municipais, estaduais,

nacionais ou internacionais”. A justificativa da inserção é “garantir com urgência as construções necessárias para viabilizar a

Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016, pois o Brasil tem pressa”31.

Ainda referindo-se ao novo Código Florestal, o dossiê relata que “mantém-se uma lista extensa de exceções, que permitem a

supressão de vegetação e realização de obras em APPs, para citar algumas:

Casos de utilidade pública: b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte,

sistema viario, inclusive aquele necessario aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos municípios, saneamento,

gestão de resíduos, salineiras, energia, telecomunicações, radiodifusão, estaduais, nacionais ou internacionais, bem como

mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho.

Casos de interesse social: c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e

culturais ao ar livre em areas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei32”.

Com relação às APPs, o dossiê destaca as “arbitrariedades cometidas e as justificativas para acionar a legislação ambiental contra

populações vulneráveis (inclusive no sentido de retirar seu direito à moradia) e favorecer empreendimentos de interesse do

mercado, como: a redução de APPs e alteração de leis urbanísticas sem estudos de impacto e a simplificação de procedimentos

de licenciamento ambiental para projetos de ‘interesse público’”33.

6- Atuação do Ministério Público

O MPF, juntamente com o Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União, constituiu o Grupo de Trabalho

da Copa para acompanhar a aplicação dos recursos públicos nas obras referentes a este evento. Vale dizer que, por conta de

irregularidades nas obras dos estadios Amazonas (AM) e Maracanã (RJ), em que se identificou sobrepreço em seus orçamentos,

o TCU instou o BNDES a introduzir clausulas em seus contratos, que estabelecem que as liberações acima de 20% do valor do

financiamento estarão condicionadas à aprovação pelo TCU dos orçamentos dos projetos. No caso de persistir o sobrepreço,

cabera ao Banco descontar o valor acrescido indevidamente no valor do empréstimo.

Megaeventos Esportivos

192

1 Dossiê “Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil”, realizado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), com duas edições, a primeira em dezembro de 2011 e a segunda em junho de 2012. Disponíveis em: http://www.ippur.ufrj.br/index.php?option=com_content&view=article&id=451:laboratorio-etternippur-publica-dossie-megaeventos-e-violacoes-de-direitos-humanos-no-brasil-&catid=67:outros&Itemid=7 e http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=198:dossi%C3%AA-nacional-de-viola%C3%A7%C3%B5es-de-direitos-humanos, respectivamente.

2 Idem.

3 Idem.

4 Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/empresa/download/Relat_Gestao_BNDES_BPAR_FINAME_2010.pdf.

5 Idem à nota de rodapé 1.

6 “Fortaleza: no olho do furacão da Copa”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 18 de junho de 2012.

7 Idem à nota de rodapé 1.

8 Idem à nota de rodapé 1.

9 Idem à nota de rodapé 1.

10 Idem à nota de rodapé 1.

11 “Fortaleza: no olho do furacão da Copa”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 18 de junho de 2012.

12 “Fortaleza: no olho do furacão da Copa”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 18 de junho de 2012.

13 Idem à nota de rodapé 1.

14 “Fortaleza: no olho do furacão da Copa”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 18 de junho de 2012.

15 “ONU questiona o Brasil sobre violações do direito à moradia em obras da Copa e das Olimpíadas”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 29 de maio de 2012.

16 Disponível em: http://direitoamoradia.org/?p=7535&lang=pt).

17 Disponível em: http://direitoamoradia.org/?p=13642&lang=pt.

18 Idem à nota de rodapé 1.

19 Idem à nota de rodapé 1.

20 Idem à nota de rodapé 1.

21 Idem à nota de rodapé 1.

22 Idem à nota de rodapé 1.

23 “Lei Geral da Copa: um ‘chute no traseiro’ do povo”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 8 de março de 2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=230:lei-geral-da-copa-um-%E2%80%9Cchute-no-traseiro%E2%80%9D. “Dilma sanciona Lei Geral da Copa, veta ‘ingresso popular’ e dá brecha para meia-entrada”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 10 de junho de 2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=253:dilma-sanciona-lei-geral-da-copa-veta-ingresso-popular-e-d%C3%A1-brecha-para-meia-entrada. “Brasil será avaliado na ONU por violações decorrentes de megaeventos esportivos”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 26 de maio de 2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=251:brasil-ser%C3%A1-avaliado-na-onu-por-viola%C3%A7%C3%B5es-decorrentes-de-megaeventos-esportivos>. “Lei Geral da Copa: O Jogo dos 7 Erros”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 10 de maio de2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=247:lei-geral-da-copa-o-jogo-dos-7-erros. Idem à nota de rodapé 1.

24 Baseado em texto introdutório sobre financiamento de cartilha do Comitê Popular da Copa São Paulo: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=372&Itemid=273). “Auditoria indica superfaturamento de R$ 10,7 milhões nos custos do estádio de Brasília”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 10 de fevereiro de 2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=220:auditoria-indica-superfaturamento-estadio-brasilia. “Areia movediça: a Copa sob as dunas”, Comitê Popular da Copa de Natal, em 13 de junho de 2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=256:areia-movedi%C3%A7a-a-copa-sob-as-dunas-1.

25 Idem à nota de rodapé 1, p. 52

26 Idem à nota de rodapé 1, p. 54.

27 Idem à nota de rodapé 1, p. 65-66.

28 Idem à nota de rodapé 1, p. 73.

29 “BNDES cria programas para arenas da Copa e hotéis”, publicado em 13 de janeiro de 2010. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Sala_de_Imprensa/Noticias/2010/todas/20100113_programas.html.

30 Idem à nota de rodapé 1, p. 57.

31 http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/codigo-florestal-permite-desmatamento-para-obras-da-copa. Idem à nota de rodapé 1, p. 58.

32 Projeto de Lei para o Novo Código Florestal, 6 de dezembro de 2011. Idem à nota de rodapé 1, p. 58.

33 Idem à nota de rodapé 1, p. 58.

Vale Moçambique

193

1- Descrição do empreendimento1

O projeto da Vale Moçambique consiste na pesquisa, prospecção

e exploração mineira na bacia carbonífera de Moatize, cuja licença

foi concedida à empresa, em julho de 2007, para operação em uma

área de 23.780 hectares. O jazigo mineral concedido é avaliado

como uma das maiores reservas do mundo, com 838 milhões de

toneladas métricas, correspondentes a 35 anos de exploração. Está

situado em uma das maiores reservas carboníferas do mundo, no

distrito de Moatize, província de Tete, centro de Moçambique, a

aproximadamente 1.700 km ao norte de Maputo, capital do país. A

Vale Moçambique Ltda. é um consórcio composto da Vale, que detém

85% do projeto, sendo os outros 15% de opção de compra que pode

ser exercida por empresários moçambicanos, que ainda não foram

tornados públicos, e pelo governo de Moçambique. O investimento

inicial é de US$ 1,3 bilhão, e a Vale vai aumentá-lo para US$ 4 bilhões2.

A produção anual é de 26 milhões de toneladas de carvão bruto na fase de plena exploração que vão gerar cerca de 11 milhões

de toneladas de carvão metalúrgico e carvão energético, dos quais 8,5 milhões de toneladas (Mtpa) de carvão metalúrgico (hard

coking coal) e 2,5 Mtpa de carvão térmico. O carvão remanescente do processo de tratamento do carvão bruto tem um teor de

cinzas demasiado elevado para poder ser comercializado. A Vale pretende utilizá-lo numa central térmica de 2.600 MW a ser

instalada em Moatize, cujo investimento é estimado em US$ 2 bilhões3.

As operações de extração do carvão mineral tomaram força no primeiro semestre de 2011. O primeiro comboio de 42 vagões e

três locomotivas, com cerca de 2.700 toneladas de carvão mineral extraído pela Vale Moçambique, chegou no dia 8 de agosto

deste ano ao porto da Beira, a 600 km da mina de Moatize, onde permaneceu a céu aberto no terminal marítimo até que se

atingiram 50 mil toneladas. De acordo com a previsão de Rosário Mualeia, diretor da companhia dos Caminhos de Ferro de

Moçambique (CFM)4, a primeira exportação de carvão mineral de Tete deveria ocorrer no dia 28 de agosto, tendo como destino

os mercados brasileiro, indiano, japonês e sul-africano.

Segundo o Ministério Moçambicano dos Recursos Minerais (Mirem), em 2003, entendendo que o panorama político do país

era estável e atraente para o Investimento Direto Estrangeiro (IDE)5, o governo moçambicano lançou o concurso internacional

de adjudicação das minas de carvão de Moatize, bem como da linha férrea de Sena. É de notar que estes dois projetos estão

interligados6. Vários consórcios de diferentes países participaram do concurso. O resultado foi anunciado em 2004, sendo a

Vale Moçambique

194

Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), atual Vale, a vencedora, através de critérios não transparentes e razões desconhecidas7.

Em 2004 foi assinado entre o governo e a CVRD (Vale) um Memorando de Entendimento sobre o Projeto de Carvão de Moatize

com um bônus de US$ 122 milhões, valor que nunca foi inscrito no orçamento daquele Estado.

Em junho de 2007, foi assinado um contrato entre o governo de Moçambique e a Vale Moçambique Ltda. que atribuiu a

concessão mineira de Moatize até 2030 ao grupo empresarial de origem brasileira. Sabe-se que, por este contrato, foram

concedidos benefícios fiscais ao abrigo do Código de Benefícios Fiscais (Decreto 16/2002), em vigor antes da nova legislação

fiscal mineira aprovada em julho de 2007, considerados prejudiciais para a economia e para o desenvolvimento do país

por muitos setores da sociedade moçambicana. Neste mesmo ano foi concedida a licença e tiveram início os primeiros

investimentos nas áreas de infraestrutura, equipamento e reassentamento das populações afetadas. No ano seguinte, foi

iniciada a instalação do parque industrial da Vale. E em 2009 teve início o processo de reassentamento da população atingida.

Ainda que tenha surgido uma concorrência alternativa da Riversdale à liderança da Vale, a ideia de uma concorrência parece

imprópria, na medida em que o dinheiro e o poder da Vale fizeram dela um empresa-Estado no país. Seja como for, Moatize,

Tete e Moçambique continuam como um dos espaços centrais do poder e da economia mundiais nos marcos de uma acelerada

política externa de alguns países como Brasil, China e Estados Unidos, em meio à globalização e às delirantes insuficiências

energéticas do mundo.

Constam dos planos de expansão da Vale: a ampliação da mina de carvão de Moatize (Moatize II) e da mina de fosfato de Evate

e o escoamento do Copperbelt da zâmbia; e a construção da linha-férrea Motize-Malawi-Nacala-Porto, visando maximizar a

eficiência operacional e a redução de custos.

2- Valor do empréstimo

Não há informações sobre o valor do empréstimo bancário contraído pela Vale para a realização do projeto de carvão em

Moatize. Embora não se tenham informações sobre a presença do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

(BNDES) no financiamento direto ao referido empreendimento – já que o Banco não torna públicos os investimentos que

faz fora do país –, importa chamar atenção para o fato de que o BNDES é detentor de 10% do grupo Valepar, responsável pelo

controle de 52% das ações com direito a voto da Vale – como já afirmado neste estudo. O Banco é também possuidor de ações

de ouro (golden shares) da Vale, que conferem ao BNDES poder de veto sobre decisões da empresa. Importante acrescentar

que em 2008 o Banco aprovou um financiamento de R$ 7 bilhões para a Vale, destinado a apoiar o plano de expansão de

investimentos da empresa. Àquela altura, este se constituiu no maior financiamento já dado pelo Banco a uma só empresa.

Vale Moçambique

195

Isenções fiscais e falta de transparência

Apesar da assinatura de um contrato secreto e confidencial, sabe-se que a Vale tem isenções de taxas sobre o rendimento,

sobre o Imposto do Valor Acrescentado (IVA), bem como sobre taxas alfandegárias.

“A lei moçambicana prevê compensações financeiras para as comunidades afetadas, mas não há notícia sobre o cumprimento

desta lei tanto para o caso da Vale como para outras empresas. A Vale beneficiou-se de isenção sobre os equipamento da

classe ‘K’ da pauta aduaneira previsto no artigo 13 da Lei n° 4/2009 de 12 de Janeiro8. Isenções de impostos sobre rendimentos

de pessoas coletivas (IRPC), de imposto sobre transmissões onerosas de imóveis e direitos de propriedade (Sisa), de imposto

do selo previstos no n° 1 do artigo 29 da mesma Lei. Os incentivos a que se refere o n° 1 da referida lei são concedidos por um

período de vigência de até dez anos a partir da data da celebração do contrato entre a empresa e o governo moçambicano,

segundo o previsto no artigo 2 do n° 29”9.

3- Impactos socioambientais

Dada a sua capacidade de propaganda, a instalação da Vale foi vista como promissora e despertou muitas expectativas no

povo moçambicano, esperançados por oportunidades de emprego e de desenvolvimento do país. No entanto, este projeto

tem suscitado críticas e discussões envolvendo governo, ambientalistas, acadêmicos e organizações da sociedade civil, devido

ao total e recorrente desrespeito aos mais elementares direitos humanos e liberdades básicas consagradas na Constituição da

República de Moçambique e demais legislação em vigor no país10.

Ausência de informação

O processo de reativação e o concurso internacional de exploração da Mina de Moatize, planificação e implantação da Vale em

Moatize, foram precedidos e acompanhados de informação insuficiente, inconsistente, incompleta e omissa, configurando-

se em uma campanha publicitária que visava simplesmente conquistar adesão, em vez de promover a conscientização das

comunidades afetadas preocupadas com a dimensão das mudanças sociais e ambientais.

Consultas públicas irregulares

Os processos de consulta pública para a implantação do projeto da Vale registraram várias irregularidades. Não houve

participação efetiva das comunidades afetadas e da sociedade civil na definição de prioridades e áreas de reassentamento e na

aplicação de investimentos propostos pela Vale. Não foram fornecidas informações prévias detalhadas, qualificadas, inteligíveis

e efetivamente acessíveis a todas as comunidades afetadas. As informações produzidas e disponibilizadas não consideraram

as especificidades socioeconômicas e culturais dos diferentes grupos sociais afetados. Quando as informações chegavam às

comunidades e aos interessados, etapas importantes do processo de planejamento e de decisão já haviam sido concluídas,

Vale Moçambique

196

dificultando e até impedindo que as comunidades e outros setores da sociedade pudessem agir e participar de uma forma

organizada e informada, e, desta forma, exercer o seu direito de participação e consentimento informado.

Cumplicidade da mídia

Segundo Jeremias Vunjanhe, jornalista e coordenador de imprensa da organização moçambicana Justiça Ambiental (JA!),

embora seja significativo o surgimento de mídias independentes nas últimas décadas, o posicionamento de cumplicidade da

grande mídia moçambicana a torna um verdadeiro instrumento de propaganda da Vale.

Reassentamento extremamente problemático

Cerca de 1.500 famílias foram reassentadas em condições muito precárias e, de certa forma, desumanas. São muitos os

problemas decorrentes do processo de realocação da população, como:

yy Apropriação das terras das comunidades locais e sua respectiva desestruturação;

yy Não cumprimento das promessas feitas. A Vale não cumpre os prazos nem os acordos de reassentamento;

yy A restrição da livre circulação e movimentação dos cidadãos das comunidades de Moatize, através da fixação de vedação

em volta da vila de Moatize, violando o artigo 55 da Constituição da República, relativo à liberdade de residência e de

circulação11;

yy Violação dos direitos à informação, à habitação adequada, ao trabalho e ao digno padrão de vida, às práticas e modos de

vida tradicionais, comunitários, bem como o acesso a patrimônios culturais materiais e imateriais e sua preservação;

yy A população reassentada pela Vale enfrenta uma grave situação de fome porque, desde 2009, as famílias foram impedidas

de produzir nas áreas agrícolas em que moravam antes do reassentamento. Na nova área, a terra é imprópria para a prática

da agricultura e a Vale não cumpriu com a promessa de distribuição regular de comida;

yy Especulação imobiliária; elevação do custo de vida; aumento das desigualdades sociais; elevação do índice de

criminalidade e prostituição; perda dos meios de subsistência das famílias; conflitos culturais entre os trabalhadores de

diversas nacionalidades e estes com as comunidades locais;

yy A destruição de valores e hábitos tradicionais, essenciais para a sustentação da solidariedade e unidade das famílias nas

comunidades;

yy Privação das mulheres de seus meios de ocupação tradicionais, tornando-se cada vez mais dependentes dos homens.

Vale Moçambique

197

Desrespeito dos mais elementares direitos humanos e liberdades básicas

Apesar de consagrados na Constituição da República de Moçambique e demais legislações em vigor, estes direitos são

continuamente desrespeitados pela Vale. Há grandes dificuldades de acesso à informação e falta de transparência na gestão do

projeto de Moatize, numa continuada atitude de arrogância, falta de diálogo e da inobservância dos direitos dos trabalhadores

por parte dos responsáveis pelo projeto com a conivência de setores importantes do governo de Moçambique.

A maioria dos trabalhadores, com pouca instrução e experiência profissional, encontra-se numa situação extremamente

precária e com salários muito baixos. Há uma onda de descontentamento entre os trabalhadores que se espalha por quase todas

as empresas contratadas pela Vale para a prestação de serviços em diversos setores. A empresa mantém um vínculo contratual

precário e de curta duração com muitos trabalhadores, impondo a eles uma situação de constante insegurança. Várias são as

denúncias feitas por trabalhadores e populares sobre a violação da lei do trabalho moçambicana, a exemplo das demissões em

massa sem justa causa e sem justa indenização. Os trabalhadores queixam-se de serem forçados a refeições que lhes provocam

alergias e dores no estômago e denunciam os descontos injustos a que são submetidos para o pagamento das refeições.

O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria de Construção Civil, Madeiras e Minas de Moçambique (Sinticim), que lida

com a possibilidade de greve e das reivindicações dos trabalhadores da Vale, é financiado e controlado pela Vale e nada faz para

defender os direitos dos trabalhadores. 

O provimento de recursos à intervenção de forças especiais da Polícia da República de Moçambique (PRM) é frequente por

parte da Vale, com o objetivo de persuadir e reprimir os trabalhadores que se manifestarem.

Explosão populacional

A cidade de Tete, a Vila de Moatize e as zonas mais próximas ao complexo mineiro de Moatize passam por rápidas e indesejáveis

transformações relativas ao crescimento da população proveniente de quase todos os cantos do país, motivado pela expectativa

de empregabilidade e por outras oportunidades de geração de renda. Em 2007, segundo dados oficiais do recenseamento da

população, Moatize tinha 39.073 habitantes e em 2011 a estimativa era de um população de mais de 270 mil pessoas. Em 2007,

segundo dados oficiais do recenseamento da população, Tete tinha 183.2339 habitantes e a estimativa era de mais de 2 milhões

em 2011. Em decorrência, o caos se instalou na região e houve aumento expressivo do número de acidentes e mortes no trânsito.

4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES

Como afirmado anteriormente, o Banco não dá publicidade a informações relativas a projetos financiados fora do país.

Vale Moçambique

198

5- Condicionantes dos órgãos ambientais

O projeto de carvão de Moatize cuja concessão foi atribuída à Vale foi classificado como de Categoria A. De acordo com a

legislação moçambicana, o licenciamento ambiental é da competência do Ministério para a Coordenação da Ação Ambiental

(Micoa) e baseia-se no Processo de Avaliação de Impacto Ambiental e antecede qualquer outra licença legalmente exigida para a

atividade. Para atividades classificadas como de Categoria A, este processo de avaliação compreende, em uma primeira fase, um

Estudo de Pré-Viabilidade e Definição de Âmbito (EPDA), em que são definidos os termos de referências do Estudo de Impacto

Ambiental (EIA), que constitui a segunda fase do processo de licenciamento.

O projeto da Vale, formalmente, seguiu todos os procedimentos exigidos pela lei em Moçambique, já que a Vale se

comprometeu a ter um Plano de Gestão Ambiental, exigido pela lei moçambicana. Apesar da previsão de auditorias ambientais

regulares no empreendimento pelo Micoa, ainda não há registro da realização de nenhuma ação dessa natureza por parte desta

entidade governamental ou da sua representante local, a Direção Provincial para a Coordenação da Ação Ambiental, em Tete.

6- Duplo padrão

“Há graves violações de leis, regulamentos, documentos da Organização das Nações Unidas (ONU), tratados de direitos

humanos e convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) perpetrados pela Vale, dada a inoperância das

autoridades governamentais moçambicanas em fiscalizar a correta aplicação da legislação e fazê-la respeitar. No que tange à

contratação de mão de obra há reclamações das comunidades locais, que denunciam a contratação de brasileiros, sul-africanos,

zimbabuanos, zambianos e malaviados em prejuízo dos moçambicanos, por estes não dominarem a língua inglesa e pela

falta de experiência. (...) Dentre documentos que são ignorados pela Vale constam: Convenção n° 111 sobre a Discriminação

(emprego e profissão), de 1958; Convenção n° 155 sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores; Convenção n° 148 sobre o

Meio Ambiente de Trabalho (contaminação do ar, ruído e vibrações), de 1977; Convenção n° 174 da OIT; Convenção sobre a

Prevenção de Acidentes Industriais Maiores; Convenção n° 81 sobre Fiscalização Do Trabalho.”12

Embora estas violações possam, eventualmente, se verificar na atuação da Vale no Brasil, fica evidente que, a se considerar

o frágil ambiente institucional em Moçambique e a dependência da economia do país diante dos recursos extrativistas, os

abusos cometidos pela empresa são ainda mais graves. Com relação à presença da Vale Moçambique na gestão dos interesses

nacionais moçambicanos, verifica-se que a Vale se converteu em proprietária absoluta das unidades hoteleiras e dos

restaurantes, das vias de acesso, do aeroporto local, enfim do destino da província. As instituições do governo de Tete parece

que perderam o controle da situação13.

Vale Moçambique

199

Por sua importância econômica no investimento nacional, pelo seu expressivo peso na política externa do Brasil e pela sua

capacidade de penetração nos corredores políticos de Maputo (até sua saída do Conselho de Administração da Vale, Roger

Agneli era um dos principais assessores do presidente de Moçambique, Armando Guebuza), a Vale está interferindo no

funcionamento normal das instituições oficiais, impondo-se, com maior relevância do que a maioria dos órgãos públicos

nacionais, como ator nos processos de decisões políticas, econômicas e sociais14.

De acordo com o jornal O País, de 23 de fevereiro de 201015, “as relações da Vale junto às autoridades moçambicanas são fortes,

sendo que Roger Agnelli, o presidente-executivo da empresa, é assessor do Chefe de Estado, Armando Guebuza, para questões

de âmbito internacional”16.

Neste contexto, a ausência de políticas e práticas do Estado que protejam os interesses da população fica explicada pelo conflito

de interesse e pelas “costas quentes” de que goza o capital estrangeiro, fatores que tornam os governantes de baixo nível

incapazes de agir por medo de ferir interesses “dos chefes de Maputo”17.

No caso particular de Tete, a Vale financia a elaboração do Plano Diretor, que, obviamente, obedecerá às vontades da empresa,

escondidas por trás das ações de responsabilidade social18.

7- Atuação do Ministério Público

Pelo que se tem conhecimento, até o momento, não há registro de processo referente a uma disputa judicial.

Vale Moçambique

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1- A maioria das informações deste estudo de caso da Vale Moçambique foi obtida em: 1 - entrevista com Jeremias Vunjanhe, jornalista e coordenador de imprensa da organização moçambicana Justiça Ambiental (JA!) - Amigos da Terra Moçambique, dada à autora por meio de e-mail em agosto de 2011; 2 - na entrevista especial Moçambique: “O menino bonito” da Vale, com Jeremias Vunjanhe, por Patricia Fachin, Instituto Humanitas Unisinos (IHU), São Leopoldo-RS, em 6 de outubro de 2011 . Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/500479-mocambique-o-menino-bonito-da-vale-entrevista-especial-com-jeremias-vunjanhe. (Referência indicada no texto: como IHU, 6 de outubro de 2011).

2- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011.

3- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011.

4- Jornal Notícias, 9 de agosto.

5- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011: “O início da exploração do carvão de Moatize data do ano 1949, quando Moçambique era colônia de Portugal. Em 1983, a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), movimento armado formado em 1976, desencadeou um conflito terminado em 1992, o que fez com que a exploração do carvão diminuísse vertiginosamente com o encerramento de algumas minas. Com a instauração da paz no final de 1992, foram relançadas as condições necessárias para a reativação da extração do carvão de Moatize”.6- Dados da Mirem obtidos em 11 de outubro de 2007, através de entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011.

7- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011.

8- Lei nº 4/2009, de 12 de janeiro, que aprova o Código dos Benefícios Fiscais em Moçambique.

9- Dossiê “Impactos e Violações da Vale no Mundo”, da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, 2010. Disponível em: http://atingidospelavale.wordpress.com/2010/04/27/dossie-dos-impactos-e-violacoes-da-vale-no-mundo/.

10- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011.

11- Segundo o n° 2 do Artigo 55 da Constituição da República de Moçambique, “Todos os cidadãos são livres de circular no interior e para o exterior de território nacional, excepto os judicialmente privados desse direito” (Jeremias Vunjanhe, 2011).

12- Dossiê “Impactos e Violações da Vale no Mundo”, da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, 2010. Disponível em: http://atingidospelavale.wordpress.com/2010/04/27/dossie-dos-impactos-e-violacoes-da-vale-no-mundo/.

13- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011.

14- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011.

15- “Vale investe US$ 595 milhões este ano no projecto de Moatize”, jornal O País online, 23 de fevereiro de 2010. Disponível em: http://opais.co.mz/index.php/sociedade/45-sociedade/4809-vale-investe-595-milhoes-usd-este-ano-no-projecto-de-moatize.html.

16- SELEMANE, Tomás. Questões à volta da Mineração em Moçambique: relatório de monitoria das actividades mineiras em Moma, Moatize, Manica e Sussundenga. Edição: Centro de Integridade Pública (CIP). Maputo, setembro de 2010.

17- Idem.

18- Dossiê “Impactos e Violações da Vale no Mundo”, da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, 2010. Disponível em: http://atingidospelavale.wordpress.com/2010/04/27/dossie-dos-impactos-e-violacoes-da-vale-no-mundo/.

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