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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa Rodrigo Altair Morato AS CATEGORIAS TEMPO E ASPECTO NA AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM — UM ESTUDO À LUZ DA GRAMÁTICA GERATIVA Belo Horizonte 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa

Rodrigo Altair Morato

AS CATEGORIAS TEMPO E ASPECTO NA AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM — UM

ESTUDO À LUZ DA GRAMÁTICA GERATIVA

Belo Horizonte 2014

Rodrigo Altair Morato

AS CATEGORIAS TEMPO E ASPECTO NA AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM — UM

ESTUDO À LUZ DA GRAMÁTICA GERATIVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Linguística e Língua Portuguesa. Orientadora: Arabie Bezri Hermont

Belo Horizonte 2014

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Morato, Rodrigo Altair

M831c As categorias tempo e aspecto na aquisição de linguagem: um estudo à luz

da gramática gerativa / Rodrigo Altair Morato. Belo Horizonte, 2014.

135f.: il.

Orientador: Arabie Bezri Hermont

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Letras.

1. Gramática gerativa. 2. Crianças - Linguagem. 3. Língua portuguesa –

Tempo verbal. 4. Língua portuguesa – Gramática. I. Hermont, Arabie Bezri. II.

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação

em Letras. III. Título.

CDU: 806.90-56

Rodrigo Altair Morato

AS CATEGORIAS TEMPO E ASPECTO NA AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM — UM

ESTUDO À LUZ DA GRAMÁTICA GERATIVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Linguística e Língua Portuguesa.

__________________________________________________________________________ Arabie Bezri Hermont (Orientadora) – PUC Minas

__________________________________________________________________________

Ricardo Augusto de Souza (UFMG − Letras)

__________________________________________________________________________

Denise Brandão de Oliveira e Britto (PUC Minas − Fonoaudiologia − ICBS)

__________________________________________________________________________

Maria Ângela Paulino Teixeira Lopes (PUC Minas − Letras) – Suplente

Belo Horizonte, 28 de fevereiro de 2014.

À vovó Maria, minha heroína.

AGRADECIMENTOS

A Deus, que é, para mim, razão e conforto.

Ao CNPq, por subsidiar esse projeto e incentivar a pesquisa no país.

Ao Giovani, meu porto-seguro.

À Letícia (Branquinha), meu amor eterno.

À minha família, sem a qual eu não sobreviveria.

Aos meus amigos, que fazem da minha realidade um lindo sonho.

Aos meus estimados professores de pós-graduação e membros da secretaria, exemplos

de excelência.

Aos meus professores de graduação, que foram inspiração e fizeram desabrochar uma

parte de mim que nem eu mesmo conhecia.

Aos meus professores da educação básica, que me permitiram sonhar.

Aos amigos da True, pela torcida. Em especial, Gabriela, Léo e Patricia, pela

compreensão.

Aos colegas do mestrado, pessoas de grande generosidade.

A todos os linguistas pesquisadores, que na busca de uma teoria, não se contentam

com uma única explicação.

Por último e, peça-chave nessa jornada, à minha orientadora, Arabie. Admirável

docente, excepcional pesquisadora e mulher extremamente generosa. Sem ela meus esforços

seriam inúteis e eu não teria chegado ao fim. Muito mais do que orientadora, foi calma para

meu desespero e confiança para os meus medos. No sentido mais elevado de qualificação

profissional e humana, ela é, de fato, das Arábias.

Este não é o fim, mas uma pausa para reflexão. Muito obrigado aos que me deram as

mãos, continuaremos juntos, pois, assim como poeta, gosto de pensar que todo ser humano é

“início, fim e meio”.

Verbo Ser Que vai ser quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É triste? Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas? Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser Esquecer.

Carlos Drummond de Andrade

RESUMO

Esta dissertação teve como principal objetivo compreender como as categorias tempo e

aspecto estão representadas na gramática de crianças em fase de aquisição de linguagem.

Nossa pesquisa procurou constatar a dissociação da categoria de tempo e aspecto, verificar a

possível existência de uma hierarquia na aquisição de tempo e aspecto e checar a influência

do aspecto lexical sobre o aspecto gramatical. Para cumprir nossos objetivos, fizemos um

estudo descritivo detalhado, apresentando postulados da Teoria Gerativa, mais

especificamente a partir do modelo teórico de Princípios e Parâmetros e do Programa

Minimalista. Apresentamos também propostas que tentam explicar o status das categorias

funcionais na gramática mental das crianças em fase de aquisição de linguagem. Analisamos

14 gravações de falas espontâneas de uma criança, com idade entre um ano e cinco meses e

quatro anos e dez meses. A análise constituiu-se da verificação de todas as ocorrências verbais

produzidas pela criança, especificando o tempo verbal e os aspectos gramatical e lexical. A

partir da descrição dos dados, estabelecemos diálogo com as abordagens sobre aquisição de

categorias funcionais e, mais especificamente, tratamos da aquisição de tempo e aspecto.

Diante dos nossos dados e das teorias de que nos valemos, chegamos à conclusão de que

tempo e aspecto podem ser consideradas categorias dissociadas.

Palavras-chave: Teoria Gerativa. Aquisição de Linguagem. Categorias Funcionais. Tempo.

Aspecto.

ABSTRACT

This study aimed to understand how tense and aspect categories are represented in the

grammar of children during language acquisition. Our research sought to observe the

dissociation of tense and aspect categories, verify the possible existence of a hierarchy in the

acquisition of tense and aspect and check the influence of lexical aspect regarding the

grammatical aspect. To accomplish our goals, we did a detailed descriptive study presenting

postulates of the Generative Theory, more specifically of the theoretical model of Principles

and Parameters and the Minimalist Program. We also presented proposals that attempt to

explain the status of functional categories in the mental grammar of children during language

acquisition. We have analyzed 14 recordings of spontaneous speech of a child, aged from one

year and five months to four years and ten months. The analysis consisted of checking all

verbal occurrences produced by the child, specifying the verbal tense, grammatical and lexical

aspects. From the description of the data, we established a dialogue with the approaches on

the acquisition of functional categories and, more specifically, we treated the acquisition of

tense and aspect. Based on our data and theories studied, we concluded that tense and aspect

can be considered dissociated categories.

Keywords: Generative Theory. Language Acquisition. Functional Categories. Tense. Aspect.

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Trajetória Estudos da Teoria Gerativa .................................................. 20

FIGURA 2 – Esquema Processual de Aquisição de Linguagem................................ 21 

FIGURA 3 – Esquema de Representação da Faculdade de Linguagem .................... 23 

FIGURA 4 – Esquema de Processamento da Linguagem .......................................... 23 

FIGURA 5 – Formação de Sintagmas ........................................................................ 30 

FIGURA 6 – Estrutura Sintagmática .......................................................................... 31 

FIGURA 7 – Derivação de uma sentença .................................................................. 31 

FIGURA 8 – Árvore Sintagmática ............................................................................. 32 

FIGURA 9 – Representação do tempo ....................................................................... 35 

FIGURA 10 – Árvore sintática de Ouhalla ................................................................ 44 

FIGURA 11 – Árvore sintática com nódulo de flexão ............................................... 45 

FIGURA 12 – Inserção da partícula de negação na árvore sintática .......................... 46 

FIGURA 13 – Inserção da partícula ST e AGRP na árvore sintática ......................... 47 

FIGURA 14 – Diagrama do parâmetro direcionalidade do núcleo ............................ 61 

FIGURA 15 – Diagrama da Hierarquia de Parâmetros .............................................. 64 

FIGURA 16: Configuração de línguas para dois parâmetros ..................................... 67 

FIGURA 17 – Esquema de melhor enquadramento Thornton e Tesan. ..................... 71 

FIGURA 18 – Esquema das categorias Funcionais.................................................. 126 

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Representação dos tempos verbais .................................................... 37 

QUADRO 2 – Traços distintivos para os Tipos Verbais ........................................... 40 

QUADRO 3 – Aspectos: perfectivo e imperfectivo .................................................. 42 

QUADRO 4 – Marcação temporal sem perífrase verbal ........................................... 43 

QUADRO 5 – Marcação temporal com perífrase verbal .......................................... 43

QUADRO 6 – Regras de formação de pretérito irregular no Inglês ......................... 58

QUADRO 7 – Hierarquia de Parâmetros e o tempo de aquisição relacionado ......... 65 

QUADRO 8 – Avaliação do modelo de Wexler ........................................................ 69 

QUADRO 9 – Avaliação do modelo de Yang ........................................................... 69 

QUADRO 10 – Avaliação do modelo de Baker ........................................................ 70 

QUADRO 11 – Exemplificação de Aspectualidade .................................................. 74 

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Descrição dos Dados ........................................................................... 80 

TABELA 2 – Flexão verbal – 1ª Gravação ............................................................... 84 

TABELA 3 – Aspecto Gramatical e Lexical – 1ª Gravação ...................................... 85 

TABELA 4 – Flexão verbal – 2ª Gravação ............................................................... 86 

TABELA 5 – Aspecto Gramatical e Lexical – 2ª Gravação ...................................... 87 

TABELA 6 – Flexão verbal – 3ª Gravação ............................................................... 88 

TABELA 7 – Aspecto Gramatical e Lexical – 3ª Gravação ...................................... 89 

TABELA 8 – Flexão verbal – 4ª Gravação ............................................................... 90 

TABELA 9 – Aspecto Gramatical e Lexical – 4ª Gravação ...................................... 91 

TABELA 10 – Flexão verbal – 5ª Gravação ............................................................. 93 

TABELA 11 – Aspecto Gramatical e Lexical – 5ª Gravação .................................... 94 

TABELA 12 – Flexão verbal – 6ª Gravação ............................................................. 96 

TABELA 13 – Aspecto Gramatical e Lexical – 6ª Gravação .................................... 97 

TABELA 14 – Flexão verbal – 7ª Gravação ............................................................. 98 

TABELA 15 – Aspecto Gramatical e Lexical – 7ª Gravação .................................... 99 

TABELA 16 – Flexão verbal – 8ª Gravação ........................................................... 100 

TABELA 17 – Aspecto Gramatical e Lexical – 8ª Gravação .................................. 102 

TABELA 18 – Flexão verbal – 9ª Gravação ........................................................... 103 

TABELA 19 – Aspecto Gramatical e Lexical – 9ª Gravação .................................. 104 

TABELA 20 – Flexão verbal – 10ª Gravação ......................................................... 105 

TABELA 21 – Aspecto Gramatical e Lexical – 10ª Gravação ................................ 106 

TABELA 22 – Flexão verbal – 11ª Gravação ......................................................... 107 

TABELA 23 – Aspecto Gramatical e Lexical – 11ª Gravação ................................ 108 

TABELA 24 – Flexão verbal – 12ª Gravação ......................................................... 110 

TABELA 25 – Aspecto Gramatical e Lexical – 12ª Gravação ................................ 111 

TABELA 26 – Flexão verbal – 13ª Gravação ......................................................... 112 

TABELA 27 – Aspecto Gramatical e Lexical – 13ª Gravação ................................ 113 

TABELA 28 – Flexão verbal – 14ª Gravação ......................................................... 114 

TABELA 29 – Aspecto Gramatical e Lexical – 14ª Gravação ................................ 115 

TABELA 30 – Evidências de dissociação de Tempo e Aspecto ............................. 125 

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 – Flexão verbal – 1ª Gravação .............................................................. 85 

GRÁFICO 2 – Aspecto Gramatical e Lexical – 1ª Gravação .................................... 86 

GRÁFICO 3 – Flexão verbal – 2ª Gravação .............................................................. 87 

GRÁFICO 4 – Aspecto Gramatical e Lexical – 2ª Gravação .................................... 88 

GRÁFICO 5 – Flexão verbal – 3ª Gravação .............................................................. 89 

GRÁFICO 6 – Aspecto Gramatical e Lexical – 3ª Gravação .................................... 90 

GRÁFICO 7 – Flexão verbal – 4ª Gravação .............................................................. 91 

GRÁFICO 8 – Aspecto Gramatical e Lexical – 4ª Gravação .................................... 92 

GRÁFICO 9: Flexão verbal – 5ª Gravação ............................................................... 94 

GRÁFICO 10 – Aspecto Gramatical e Lexical – 5ª Gravação .................................. 95 

GRÁFICO 11 – Flexão verbal – 6ª Gravação ............................................................ 97 

GRÁFICO 12 – Aspecto Gramatical e Lexical – 6ª Gravação .................................. 98 

GRÁFICO 13 – Flexão verbal – 7ª Gravação ............................................................ 99 

GRÁFICO 14 – Aspecto Gramatical e Lexical – 7ª Gravação ................................ 100 

GRÁFICO 15 – Flexão verbal – 8ª Gravação .......................................................... 101 

GRÁFICO 16 – Aspecto Gramatical e Lexical – 8ª Gravação ................................ 102 

GRÁFICO 17 – Flexão verbal – 9ª Gravação .......................................................... 103 

GRÁFICO 18 – Aspecto Gramatical e Lexical – 9ª Gravação ................................ 104 

GRÁFICO 19 – Flexão verbal – 10ª Gravação ........................................................ 106 

GRÁFICO 20 – Aspecto Gramatical e Lexical – 10ª Gravação .............................. 107 

GRÁFICO 21 – Flexão verbal – 11ª Gravação ........................................................ 108 

GRÁFICO 22 – Aspecto Gramatical e Lexical – 11ª Gravação .............................. 109 

GRÁFICO 23 – Flexão Verbal – 12ª Gravação ....................................................... 110 

GRÁFICO 24 – Aspecto Gramatical e Lexical – 12ª Gravação .............................. 111 

GRÁFICO 25 – Flexão verbal – 13ª Gravação ........................................................ 113 

GRÁFICO 26 – Aspecto Gramatical e Lexical – 13ª Gravação .............................. 114 

GRÁFICO 27 – Flexão verbal – 14ª Gravação ........................................................ 115 

GRÁFICO 28 – Aspecto Gramatical e Lexical – 14ª Gravação .............................. 116 

GRÁFICO 29 – Aparecimento das flexões verbais ................................................. 118 

GRÁFICO 30 – Surgimento do Aspecto Gramatical .............................................. 119 

GRÁFICO 31 – Contraste Aspecto Gramatical e Lexical ....................................... 120 

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGR — Concordância

ASP — Aspecto

AUX — Auxiliar

COMP — Complementizador

EPP — Princípio de Projeção Estendida.

FL— Faculdade de Linguagem

FLB — Faculdade de Linguagem Ampla

FLN — Faculdade de Linguagem Estrita

GU — Gramática Universal

INFL ou I — Flexão

IP— Inflexion Phase (Sintagma de Flexão)

ME — Momento de Evento

MF — Momento de Fala

MR — Momento de Referência

MV — Modelo Variacional

OI — Infinitivo Opcional

PSN— Parâmetro do Sujeito Nulo

RC— Regras de Competição

RCU — Restrição de Checagem Única

S— Sentença

SC — Sintagma Complementizador

SN — Sintagma Nominal

ST — Sintagma de Tempo

SV — Sintagma Verbal

T — Tempo

V — Verbo

WR —Modelo de Regras e Palavras

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 14

2 QUADRO TEÓRICO ........................................................................................... 17 

2.1 Pressupostos Gerativistas .................................................................................. 17 

2.1.1 A derivação de uma sentença ......................................................................... 28

3 TEMPO E ASPECTO .......................................................................................... 34 

3.1 Tempo ................................................................................................................. 35 

3.2 Aspecto ................................................................................................................ 38 

3.3 Tempo e Aspecto: Nódulo de Flexão ................................................................ 44

4 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM ........................................................................ 50 

4.1 A Corrente Maturacional .................................................................................. 51 

4.2 A Corrente Continuísta ..................................................................................... 52 

4.2.1 A Proposta de Kenneth Wexler ....................................................................... 53

4.2.2 A Proposta de Charles Yang ........................................................................... 56

4.2.3 A Proposta de Mark Baker .............................................................................. 60

4.2.4 Avaliação das Propostas de Modelos .............................................................. 66

4.3 Aquisição de Aspecto .......................................................................................... 72

5 METODOLOGIA ................................................................................................. 77 

5.1 A escolha do método .......................................................................................... 77 

5.2 Os dados da pesquisa ......................................................................................... 79

6 DESCRIÇÃO DOS DADOS ................................................................................ 83 

6.1 Descrição individual das gravações .................................................................. 83

7 ANÁLISE DOS RESULTADOS ....................................................................... 121

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 129

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 132 

14

1 INTRODUÇÃO

Podemos constatar, após o período da gênese da Teoria Gerativa, significativo

aumento de trabalhos que pretenderam investigar a constituição da gramática mental de

indivíduos adultos e de crianças em fase de aquisição de linguagem. Entretanto, mesmo diante

de inúmeros trabalhos que fazem interseção com essa teoria e defendem ideia de que há uma

competência anterior à experiência da criança no convívio com uma língua e que, portanto,

existe um mecanismo inato para o processamento da linguagem, a presente pesquisa é

importante porque pretende investigar como estão representadas as categorias tempo e aspecto

na gramática mental humana.

Até meados do último século, a concepção de linguagem era dada como uma condição

social, decorrente de fenômenos externos ao indivíduo. Para Chomsky, no entanto, a

linguagem diz respeito à capacidade humana de operar com uma língua, isto é, o

comportamento linguístico dos indivíduos deve ser compreendido também como uma dotação

genética, interna ao organismo humano. Desse modo, propôs-se, então, a ideia da Faculdade

de Linguagem, uma vez que as crianças costumam dominar a língua materna, aparentemente

sem grandes esforços, entre um ano e meio e três anos de idade.

Optamos por adotar, nesta pesquisa, a postura assumida por Chomsky e outros

pesquisadores gerativistas, já que compartilhamos da ideia de que todo ser humano é dotado

por uma gramática universal, disponível desde o nascimento da criança. Mais

especificamente, concordamos com a premissa de que existem categorias funcionais,

responsáveis pela organização das sentenças nas diferentes línguas do mundo. Com isso, nos

aliamos à Teoria Gerativa e às teorias de aquisição da linguagem desenvolvidas à luz daquela.

Vale ainda dizer que as línguas naturais incorporam princípios que refletem a natureza

da mente e que podem ser identificados. Trata-se de aspectos inatos da competência da

criança. Esses princípios visam a explicar as propriedades atestadas nas gramáticas de todas

as línguas naturais e formulam as propriedades invariantes da língua. Para a fixação de

parâmetros, a criança vai utilizar as evidências apresentadas em sua experiência com a língua.

São justamente as análises dessas evidências que propomos como objeto de trabalho.

De acordo com Hermont (2005), depois do trabalho de Borer (1984), verificou-se que

as categorias funcionais é que são as responsáveis pela fixação de parâmetros. A

consequência disso é que as categorias funcionais passam a ser vistas como aquelas que

realmente desencadeariam as diferenças entre as línguas. Elas é que seriam as responsáveis

15

pelo fato de uma língua licenciar sujeito nulo ou não, de ter sintagmas nominais com núcleo à

direita ou à esquerda, de determinar a ordem sujeito-verbo ou a colocação do verbo em

primeira, ou em segunda, ou em última posição em uma sentença. Então, estudos que

focalizem as categorias funcionais têm grande importância exatamente porque o melhor

entendimento de seu comportamento nos levará a uma compreensão mais clara acerca dos

parâmetros e das diferenças entre as línguas. Esta pesquisa justifica-se porque possibilitará

entender como está representada a categoria funcional tempo na gramática mental de crianças

em fase de aquisição de linguagem.

Atentando-nos, mais especificamente, sobre a categoria flexional tempo, podemos

dizer que ela seria responsável pela noção de tempo verbal, e, mais do que isso, acreditamos

que, na camada flexional, haveria ainda a noção de aspecto verbal.

Nesse sentido, tempo, situaria o momento de um evento, que pode estar no passado,

presente ou futuro. O aspecto verbal, de outro lado, estaria relacionado a distintas maneiras de

se checar a constituição temporal interna da situação, isto é, dizer se a duração do evento é

acabada ou inacabada.

O objetivo principal desta dissertação é, portanto, compreender como as categorias

tempo e aspecto estão representadas na gramática de uma criança em fase de aquisição da

linguagem. Para tanto, faremos um estudo de caso, no qual verificaremos os morfemas

flexionais relacionados às categorias ora delineadas a partir de gravações de uma criança em

um período de aproximadamente quatro anos. Além disso, é objetivo deste trabalho verificar a

relação entre aspecto gramatical (noções de perfectividade e imperfectividade) e aspecto

lexical (noções de telicidade e atelicidade).

A hipótese que lançamos neste trabalho é de que tempo e aspecto seriam noções

funcionais dissociadas.

Este estudo organizar-se-á da seguinte maneira: No capítulo 2, quadro teórico,

explicitaremos a fundamentação teórica em que esta pesquisa está alicerçada. Nele,

discorreremos pressupostos básicos sobre os Princípios e Parâmetros dentro do Programa

Minimalista e trataremos dos estudos acerca das categorias funcionais sob a ótica gerativista.

No capítulo 3, tempo e aspecto, explicitaremos as noções de que nos valemos para essa

pesquisa, assim como uma definição capaz de justificar nossas premissas. No capítulo 4,

aquisição de linguagem, abordaremos questões referentes à aquisição de linguagem à luz de

três modelos teóricos distintos. No capítulo 5, metodologia, apresentaremos o modelo

metodológico para realização de nossa pesquisa. No capítulo 6, descrição dos dados,

descreveremos os dados coletados, já fazendo um encaminhamento para nossas conclusões.

16

No capítulo 7, análise dos resultados, trataremos da análise de nossos dados enviesando para

as teorias de aquisição de linguagem capazes de acomodá-los. E, por último, no capítulo 8,

faremos nossas considerações finais a respeito deste trabalho.

17

2 QUADRO TEÓRICO

Esta pesquisa tem como principal alicerce teórico os pressupostos da Teoria Gerativa,

sob os moldes do Programa Minimalista. O objetivo deste capítulo é demonstrar como essa

teoria é pertinente ao nosso trabalho e como ela é capaz de sustentar nossos dados. O capítulo

está dividido em duas seções. Na primeira seção, discorreremos a respeito dos principais

conceitos da teoria adotada e, na segunda seção, trataremos das derivações das sentenças, tal

como propõem os estudiosos gerativistas.

2.1 Pressupostos Gerativistas

A Teoria Gerativa nasceu na segunda metade do século XX, período em que a teoria

de Skinner estava no auge dos debates teóricos. A corrente da psicologia defendida por

Skinner tinha um caráter majoritariamente empirista. As descobertas e o fazer científico se

baseavam na experiência e a hipótese era a de que a criança só falava o que ouvia. Em 1957,

Chomsky1 publicou seu primeiro livro: Estruturas Sintáticas. A ocasião do lançamento deste

livro é tida como a data do nascimento da linguística gerativa.

Na obra de Chomsky, foram colocadas em choque duas vertentes: uma ligada ao

empirismo e a outra ao racionalismo, sendo esta última a linha à qual ele se associa. A

primeira baseava-se nas experiências externas à mente humana. A segunda teve início em

Platão e contou com seguidores como René Descartes e Immanuel Kant, por exemplo. As

pesquisas de Chomsky têm viés racionalista porque esse autor defende que os aparatos

mentais são imprescindíveis para o conhecimento e estão disponíveis desde que o indivíduo

nasce.

Os estudos gerativistas se voltam para a realidade mental subjacente do falante-

ouvinte. Cada indivíduo possui, em sua mente, uma gramática, que é colocada em uso e é

capaz de produzir inúmeras sentenças. O linguista deve determinar, por meio dos dados do

desempenho (ou performance), “o sistema subjacente de regras que foi dominado pelo

falante-ouvinte e que ele põe em uso na performance efetiva” (CHOMSKY, 1978, p. 84).

Sendo assim, na visão de Chomsky, é preciso construir teorias que expliquem esse sistema

subjacente e como ele é ativado.

1 Avram Noam Chomsky é conhecido como um dos fundadores dos estudos em Teoria Gerativa. É norte-americano, professor de linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos.

18

Chomsky observou que adquirir uma língua natural2, nos dois primeiros anos de vida,

levando em conta que as frases ouvidas pelas crianças, por vezes, apresentam construções

falhas, rupturas, hesitações, variações fônicas, etc. iam contra a hipótese empirista de que as

crianças só falavam o que ouviam. Diante disso, propõe-se o Argumento da Pobreza de

Estímulo (como ficou marcado pelos estudiosos da linguagem), que é uma variação do que

conhecemos como Problema de Platão. Segundo Platão, havia poucas evidências e dados

para o vasto conhecimento que os homens tinham do mundo.

Chomsky sugere a ruptura com a tese do empirismo defendida no livro Verbal

Behavior, de Skinner, o qual propunha que, a partir de estímulos, era possível prever respostas

que eram confirmadas com reforços. O principal argumento de Chomsky contra essa

postulação era a de que os estímulos apresentados às crianças na fase de aquisição da

linguagem eram pobres e insuficientes.

A partir disso, Chomsky lançou mão da hipótese de que existiria algo a mais na

criança, do que propriamente a exposição à língua de sua comunidade, já que tal criança não

fala só aquilo que é capaz de ouvir. A capacidade de fala de uma criança extrapola o

empirismo com a língua. Desse modo, propôs-se, então, a noção de competência e de

desempenho e a ideia de um mecanismo inato para aquilo que chamamos de Faculdade da

Linguagem, uma vez que as crianças costumam dominar a língua materna, aparentemente sem

grandes esforços, entre um ano e meio e três anos de idade.

A competência pode ser entendida como aquilo que o falante sabe da sua língua, ou

seja, é o conhecimento linguístico, que seria inconsciente e internalizado. Isto é, o falante

nativo de uma língua tem, no nível mental, dispositivos que possibilitam inúmeras

combinações a fim de formar palavras, sintagmas, sentenças, mas o real uso da linguagem,

por parte desta pessoa, somente seleciona algumas combinações. Com isso, queremos declarar

que o que realmente um falante produz ou entende em termos linguísticos, em uma ocasião

concreta, é denominado desempenho. Chomsky dedica seus estudos à competência e não ao

desempenho, apesar de sabermos que a competência é pesquisada a partir do desempenho. Ou

seja, pelo uso, decorrente das estruturas efetivamente produzidas, estuda-se o que um falante

sabe da língua.

Dito de outro modo, competência é o conhecimento que o falante tem da gramática de

sua língua e o desempenho é o uso desse conhecimento. Esses termos se contrastam e

2 Entenda-se língua natural como um sistema de comunicação verbal que se desenvolve espontaneamente no interior de uma comunidade (ex.: português, inglês, espanhol, mandarim, etc.).

19

evidenciam a divisão entre um conhecimento internalizado (competência) e um conhecimento

que pode ser visível através da produção de sentenças (desempenho).

Parafraseando o exemplo de Hermont e Lima (2010, p. 30), podemos dizer que a

diferença entre conhecimento e uso pode ser comparada ao ato de andar de bicicleta (mesmo

sabendo que nem todos sabem andar de bicicleta, esse exemplo nos parece bastante didático).

Um ciclista conhece, de forma inconsciente (automática), todas as ações necessárias no ato de

conduzir uma bicicleta: controlar o guidão, pedalar, aumentar e diminuir a força em cada

pedalada, olhar para os lados, freios, etc.; no entanto, esse ciclista pode não saber explicar

esses procedimentos durante sua ação, ou mesmo quando não está em atividade. O

conhecimento para andar de bicicleta é o mesmo para todos os ciclistas, mas a maneira de

condução da bicicleta, que seria o uso desse conhecimento, é variável de pessoa para pessoa.

Nesse sentido, o inatismo deve ser entendido como uma capacidade biológica e,

portanto, a linguagem também deve ser tomada como uma atribuição biológica, o que

significa que o ser humano nasce com o aparato de uma Gramática Universal. Essa Gramática

Universal (GU) seria o conjunto dos princípios linguísticos específico dos homo sapiens.

A pesquisa em Gramática Gerativa apresenta um interesse em conhecer as

propriedades estruturais de uma língua a partir de uma metodologia dedutiva3 e traça um

caminho para delimitar seu objeto de estudo que é a sintaxe. Os estudos da Gramática

Gerativa chomskyana tenta responder a algumas questões principais: como é o sistema de

conhecimentos internalizados na mente humana? Como esse sistema se desenvolve? Como o

falante utiliza esse sistema em situações de fala? Quais mecanismos físicos são utilizados para

o funcionamento desse sistema?

A fim de explicitar o foco principal dos estudos da Teoria Gerativa, Borges Neto

(2004) propõe o seguinte:

3 Metodologia científica que considera que a conclusão está implícita nas premissas e que o conhecimento não depende da experiência para confirmar conclusões. Geralmente, parte-se de um conhecimento geral e vai para o mais específico.

20

Figura 1 - Trajetória Estudos da Teoria Gerativa Linguagem

Fonte: BORGES NETO (2004, p.57.)

Conforme o esquema anterior, nos estudos sobre a linguagem, Chomsky opta pelo

estudo da competência em detrimento ao desempenho. Na competência, ele foca os estudos na

sintaxe e, nela, o núcleo dos estudos é uma gramática universal em que os princípios são mais

centrais que os parâmetros.

Anterior ao nascimento da Teoria Gerativa, a concepção de linguagem era dada como

uma condição social, decorrente de fenômenos externos ao indivíduo. Para Chomsky,

entretanto, a linguagem diz respeito à capacidade humana de operar com uma língua, isto é, o

comportamento linguístico dos indivíduos deve ser compreendido também como uma dotação

genética, interna ao organismo humano, conforme dito anteriormente.

Por este viés, a língua é considerada como um objeto da mente. A proposição

fundamental da teoria da Gramática Universal, formulada por Chomsky, é a de que a criança

nasce biologicamente equipada com uma gramática, na qual se encontram todos os

dispositivos que possibilitam a aquisição de uma língua natural. E, justamente por possuir um

aparato comum a toda espécie humana, é que a gramática pode ser considerada universal.

Nesse sentido, a ideia do universal se sobrepõe a do particular. A GU pode se

concebida como um conjunto das propriedades gramaticais compartilhadas por todas as

línguas naturais, bem como as diferenças entre elas que são previsíveis segundo as diversas

opções disponíveis na própria GU.

A capacidade e a habilidade de adquirir uma língua nativa são partes de uma dotação

genética, bem como aprender a andar. Assim sendo, capacidade de adquirir linguagem é

natural da mente humana e puramente humana, pois essa corrente de pensamento defende a

Sintaxe

Desempenho

SemânticaFonologia

Competência

Particular Universal

Parâmetros Princípios

21

ideia de que a linguagem, complexa como é, constitui-se como uma das coisas que

diferenciam os homens dos animais. (cf. Hauser, Chomsky, Fitch, 2002).

Assim sendo, a aquisição da linguagem pela criança é determinada por uma faculdade

inata de linguagem e pode ser entendida como um tipo de algoritmo. Ou seja, como um

dispositivo biológico (inato) parte de todos os seres humanos, que nos fornece um sistema

gerativo, um conjunto de instruções sequenciais, como as inscritas em um programa de

computador. Em outras palavras, a Faculdade de Linguagem é um programa de aquisição da

língua a partir de algoritmos transmitidos geneticamente para desenvolver uma gramática, que

é baseada em experiências linguísticas das crianças. Esse sistema natural torna-nos

competentes a adquirir a gramática de uma língua. Vejamos isso em forma de esquema

retirado de Radford (2004):

Figura 2 – Esquema Processual de Aquisição de Linguagem

Fonte: RADFORD (2004, p.11)

A partir das proposições gerativistas, as concepções de linguagem deixam de ser

entendidas como fenômenos puramente sociais e passam a ser vistas como propriedades

mentais do ser humano, como algo inato.

Hauser, Chomsky e Fitch (op. cit.) concebem a Faculdade de Linguagem em Sentido

Amplo e Estrito, sendo que as duas proposições estão diretamente relacionadas, pois uma faz

interface com a outra. Para eles, a Faculdade de Linguagem no Sentido Amplo − FLB

(Faculty of Language in Broad Sense) contempla os sistemas conceptual-intencional,

sensório-motor, e outros sistemas intermediários, ao passo que a Faculdade de Linguagem em

Sentido Estrito − FNL (Faculty of Langue in the Narrow Sense) inclui o sistema

Experiência da Linguagem

Gramática da

Língua

Faculdade da Linguagem

22

computacional gramatical, que é responsável pela capacidade humana de recursividade. Desse

modo, a FLN estaria diretamente associada à FLB.

O sistema conceptual-intencional diz respeito ao pensamento, ou seja, ao significado

que os indivíduos produzem para a língua. Esse sistema diz respeito à percepção de cada

indivíduo, seja através de palavras, números, atitude, postura, etc. Diferentemente deste

sistema, cujos resultados podem ser os mais distintos, o sistema sensório-motor é responsável

pela parte “concreta” da linguagem, pois é através dele que o indivíduo pode processar os

sons e/ou sinais (no caso das línguas de sinais) e produzi-los. O sistema sensório-motor diz

respeito à nossa capacidade de utilizar o corpo para algo que desejamos.

O sistema computacional da gramática, por sua vez, pode ser entendido como

específico da linguagem e tem a função de processar o dado linguístico, organizar as palavras

e processar as sentenças, gerando, assim, a capacidade de recursividade. Embora seja possível

percebermos recursividade em sequências numéricas e figuras geométricas, ela é mais visível

no uso que o homem faz da língua. A recursividade está imbricada no sistema computacional

humano, pois um número limitado de possibilidade de formação de estruturas permite a

formação infinita de sentenças. Nas palavras de Hauser et al. (op. cit):

FLB contains a wide variety of cognitive and perceptual mechanisms shared with other species, but only those mechanisms underlying FLN particularly its capacity for discrete infinity are uniquely human. This hypothesis suggests that all peripheral components of FLB are shared with other animals, in more or less the same form as they exist in humans, with differences of quantity rather than kind. What is unique to our species is quite specific to FLN, and includes its internal operations as well as its interface with the other organism-internal systems of FLB. (HAUSER; CHOMSKY; FITCH, 2002, p. 1573)4

A figura a seguir, proposta por Hauser, Chomsky e Fitch (2002), permite uma

visualização mais compacta do que seria o órgão mental da Faculdade de Linguagem.

.

4Nossa tradução: A Faculdade da Linguagem Ampla contém uma grande variedade de mecanismos cognitivos e perceptuais divididos com outras espécies, mas somente aqueles mecanismos subjacentes à Faculdade da Linguagem Estrita – particularmente sua capacidade para infinidade discreta – são unicamente humanas. Essa hipótese sugere que todos os componentes periféricos da Faculdade da Linguagem Ampla são divididos com outros animais, mais ou menos da mesma forma como ocorre com os humanos, com diferenças que dizem mais respeito à quantidade do que ao tipo. O que é único de nossa espécie é bastante específico à Faculdade da Linguagem Estrita e inclui suas operações internas tanto quanto sua interface com os outros sistemas internos ao organismo da Faculdade de Linguagem Ampla.

23

Figura 3 – Esquema de Representação da Faculdade de Linguagem

Fonte: HAUSER; CHOMSKY; FITCH; (2002, p.1570)

Optamos por adotar neste trabalho a postura assumida pelos autores acima, em que

consideramos os sistemas sensório-motor e conceptual-intencional como pertencentes à

Faculdade de Linguagem em seu Sentido Amplo, os quais fazem interface com o sistema

computacional, Faculdade da Linguagem Estrita (FLN). Podemos relacionar a figura anterior

com as operações feitas pelo órgão mental da linguagem, mais especificamente pela FLN,

com o seguinte esquema proposto pelo Programa Minimalista:

Figura 4 – Esquema de Processamento da Linguagem

Fonte: HERMONT; LIMA (2010, p.50)

Passemos, agora, a explicitar o esquema anterior. As palavras estariam em um

componente chamado léxico (com traços semânticos e formais) e seriam selecionadas para

formar as sentenças. Essa seleção recebe o nome select e forma uma numeração. A

24

numeração seria o conjunto de itens lexicais selecionados. A proposta é que, na maioria das

vezes, os itens já viriam da numeração com traços definidos, como, por exemplo, traços de

gênero, de número plural, de categoria, de caso, etc. Após a seleção de palavras no léxico,

ocorreria, no sistema computacional, a formação das sentenças. Para que a sentença formada

no sistema computacional seja expressa e compreendida, uma operação chamada spell-out

entraria em ação. É ela que permitiria a divisão da estrutura sintática para as interfaces

fonológica e semântica.

A sentença formada passaria, então, pela representação fonológica, onde ganharia

forma para haver a articulação dos sons da fala: seria como uma coleta de códigos para uma

amostragem de como a sentença seria dita e ouvida, ou seja, a forma fonológica faz interface

com o sistema da fala. Também há a representação semântica, diretamente ligada ao mundo

das intenções e significados. Seria a parte em que a mente compreenderia a sentença.

Em sua abordagem formalista, a Teoria Gerativa concebe a sintaxe como um objeto

autônomo. A partir dessa ideia de autonomia, tem-se a concepção de modularidade mental e

modularidade linguística, sendo a sintaxe um dos módulos.

A concepção de modularidade admite que o desenvolvimento da linguagem seja

independente de outros aspectos mentais, embora eles estabeleçam comunicação com os

demais sistemas linguísticos. Um exemplo comum para expressar a ideia de que a

modularidade mental e modularidade linguística é o caso da menina Genie5, que viveu até aos

seus 13 anos em isolamento. Após ser resgatada, passou a inúmeros tratamentos psicológicos.

Desde o início do tratamento, diversas questões sobre o desenvolvimento da linguagem e

sobre os períodos críticos de sua aquisição foram levantadas a partir das observações e dos

estudos feitos com Genie. Os resultados de diferentes testes6 de compreensão demonstraram

que ela estava aprendendo habilidades linguísticas tais como noções de singular e plural,

sentenças afirmativas e negativas, construções possessivas, estruturas com sentenças

encaixadas que são precedidas por preposições e conjunções, etc.

De acordo com Curtiss (1981), muitos aspectos do desenvolvimento da linguagem de

Genie se deram na mesma sequência em que acontece o desenvolvimento da linguagem em

crianças sob condições típicas e foram identificados expressivos avanços na emergência de

linguagem em Genie, já que seu vocabulário desenvolveu-se bastante. Entretanto, em outros

5O Caso Genie ficou famoso no mundo todo por diversos motivos, entretanto, a parte que nos interessa aqui diz respeito somente à pesquisa linguística. 6Para melhor compreensão do caso, sugerimos a leitura da pesquisa de Susan Curtiss em 1977 (Genie: A Psycholinguistic Study of a Modern-Day “Wild Child”, Academic Press).

25

pontos, as habilidades de linguagem de Genie (as habilidades sintáticas, por exemplo) não se

manifestaram conforme o esperado. A menina não conseguia produzir sentenças com um

nível de complexidade maior. Por exemplo, ela tinha dificuldade de construir sentenças na

voz passiva, com palavras indicativas de interrogação (qual, onde, por que) e com palavras

demonstrativas (isto, este, aquilo), etc.

Podemos dizer que o desenvolvimento de Genie foi diferente (em relação a indivíduos

típicos) basicamente em dois aspectos: primeiro, em relação à habilidade semântica (a

aquisição de vocabulário foi rápida e extensiva) e, segundo, a disparidade entre a sua sintaxe

comprometida e a semântica relativamente intacta. Embora estejam diretamente relacionadas

e uma esteja a serviço da outra, sintaxe e semântica são processadas em momentos distintos.

Nesta perspectiva, o conceito de modularidade se sustenta. Tal conceito de

modularidade propõe a existência de aparatos cognitivos (módulos) dedicados a tarefas

específicas e independentes. Assim, no âmbito da mente, o módulo gramatical não seria

encarado como fenômeno de processos cognitivos mais gerais.

Diante disso, acredita-se que há um dispositivo que aciona, de forma autônoma, a

construção das sentenças, que seria o sistema computacional. Consequentemente, tem-se a

hipótese de que há uma modularidade linguística. Existiria, mentalmente, um módulo que se

dedicaria à sintaxe. Sentenças como “Aluno com escreveu caneta na” não seriam ditas, por

outro lado, poderia ser construída a sentença: “O rinoceronte voador usa óculos de chiclete”.

Isso nos permite chegar ao raciocínio de que a construção das estruturas é anterior à sua

compreensão. É possível construir sentenças sem valor semântico, mas não é possível

construir estruturas sem valor sintático. Esses são argumentos que podem ser usados para

sustentar as hipóteses de uma modularidade mental e de que a sintaxe age de forma autônoma.

Um ser humano tido como cognitivamente completo não constrói, espontaneamente,

uma sentença de estrutura incompreensível. Desse modo, a gramática e a sintaxe (em uma

perspectiva natural) são modelos de design perfeitos. Acredita-se que exista um dispositivo

que, autonomamente, aciona a emersão da sintaxe em cada indivíduo. Nesta perspectiva, todo

sistema seria fechado e recursivo, a Faculdade de Linguagem não permitiria

formulações/processamentos aleatórios, daí a razão de aprendermos uma língua em curtíssimo

espaço de tempo.

Por conseguinte, a proposta é que a gramática é regida pelos princípios da

universalidade, ou seja, ela é comum a todos os falantes, independentemente do idioma

falado. Ela pode ser entendida como uma propriedade inata e que, a partir dela, com seus

dispositivos universais, cada um desenvolveria uma língua natural. Para explicar a diferença

26

entra as estruturas das línguas, desde fins da década de 70 e início da década de 80, foi

concebida a teoria dos Princípios e Parâmetros.

Os Princípios seriam as propriedades universais das línguas naturais, ou seja, aspectos

gramaticais inerentes a todas as línguas do mundo. Por outro lado, os Parâmetros podem ser

concebidos como as possibilidades de variação entre as línguas, isto é, as possibilidades de

diferenças sintáticas entre as línguas naturais. A hipótese é que, ao adquirir a linguagem, a

criança partiria de um estado inicial e, com a ajuda de estímulos ao seu redor, referentes a

uma determinada língua natural, ela dominaria, de fato, a gramática da sua língua. Nesse

horizonte, os princípios se referem a esse estágio inicial pertencente à GU. Eles seriam como

dados iniciais mentais presentes em todos os indivíduos, independentemente de sua língua

natural e seriam dados gerais e invariáveis. A partir de tais princípios, os indivíduos fixariam

parâmetros particulares de cada língua. A ideia é que os princípios sejam gerais, enquanto os

parâmetros sejam particulares.

Um exemplo para a diferenciação entre Princípios e Parâmetros seria a questão do

sujeito. A existência de sujeito em todas as orações é um princípio, quer dizer, todas as

línguas apresentam sujeitos nas orações, porém, há línguas em que o sujeito deve ser

foneticamente presente e, em outras, ele pode ser foneticamente nulo, isso seria um

parâmetro, conhecido como Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN).

Abaixo apresentaremos um exemplo concreto entre o italiano e o inglês no qual o

primeiro aceita sujeito nulo e o segundo, não. Os exemplos foram retirados de Radford (2004,

p.17):

Falante do italiano: (a) Maria parla francese (b) Parla francese (Maria fala francês) (Fala francês)

Falante do inglês:

(c) Maria speaks French (d) *7Speaks French (Maria fala francês) (Fala francês – mas não marca se é 1ª, 2ª ou

3ª pessoa)

A posição do núcleo e do complemento nas frases também é um exemplo de

parâmetros. No inglês, os núcleos normalmente precedem seus complementos; entretanto, em

línguas como o coreano, isso não ocorre. Veja mais alguns exemplos retirados de Radford

(2004, p.17): 7 O asterisco representa a agramaticalidade de uma sentença, ou seja, ela não é uma sentença estruturalmente produzida em uma determinada língua.

27

Falante do inglês: (a) Close the door (b) desire for change

(Feche a porta) (desejo de mudança)

Falante do coreano: (c) Muneul dadara (d) byunhwa-edaehan galmang

(A porta feche) (mudança de desejo)

É pela proposta dos Princípios e Parâmetros que a postulação da GU se consolida, pois

eles evidenciam que, em todas as línguas do mundo, existem diferenças, mas também

mostram que, em todas elas, encontramos interseções subjacentes nas estruturas sintáticas.

Outra preocupação que os estudos em Gerativa têm é a de entender como a língua é

adquirida. Nesta perspectiva, pesquisadores gerativistas passaram a questionar se a aquisição

da linguagem poderia ocorrer através de evidências positivas e negativas. As evidências

negativas seriam diretas e indiretas: estas se dariam na ocorrência de certos tipos de sentenças

impossíveis na língua, enquanto aquelas nas manifestações correções de erros infantis, por

parte de adultos. As evidências positivas, por sua vez, tratariam da aprendizagem de maneira

empírica, a vivência capacitaria a criança a fixar parâmetros, isto é, à medida que ouvisse as

sentenças, a criança fixaria parâmetros específicos daquela língua.

No entanto, esses pesquisadores perceberam que as crianças não adquirem a

linguagem a partir de evidência negativa direta, pois as correções não ocorreriam com a

mesma regularidade que as experiências da evidência positiva. Além disso, as crianças

continuariam a cometer erros, mesmo sendo corrigidas por pais ou por outros adultos. A

evidência negativa indireta também foi excluída, uma vez que “a criança não consegue fixar

o parâmetro apropriado à sua língua, ouvindo estruturas que não existem nessa língua”

(HERMONT & LIMA, 2010, p.35). Assim, chega-se à conclusão de que a criança adquire

uma língua por ser dotada da GU e a partir de evidências linguísticas positivas.

Uma vez que compreendemos a linguagem como universal e entendemos que, na

língua, primeiramente, se forma a estrutura para, depois, se formularem as sentenças, parece

coerente pensar que os mecanismos responsáveis pelos movimentos que ocorrem na sentença

para configuração estrutural seriam imprescindíveis na fase de aquisição de linguagem. As

categorias funcionais que, em princípio, parecem portar noções gramaticais poderiam ser

enquadradas como um desses mecanismos que desencadeiam e aceleram o processo de

aquisição de linguagem da forma rápida como se dá. É sobre a importância das categorias

funcionais e a derivação de uma sentença que a próxima seção tratará.

28

2.1.1 A derivação de uma sentença

Nesta seção, trataremos das categorias lexicais e categorias funcionais e, além disso,

tentaremos explicar como funciona a modelo de derivação de uma sentença, tal como

proposto pelos pesquisadores da Teoria Gerativa. Esses assuntos são peça-chave para o

desenvolvimento deste trabalho, uma vez que temos a hipótese de que nosso objeto de estudo,

as categorias tempo e aspecto, constituem duas categorias funcionais e que, por essa razão,

devem ser consideradas elementos constituintes da estrutura de uma sentença.

Em um estudo como o nosso, em que se propõe a entender a natureza da Faculdade da

Linguagem, a unidade básica de análise é a sentença, que pode ser tida como a consequência

da interação entre as categorias lexicais e as categorias funcionais. As categorias lexicais são

o resultado da projeção de núcleos lexicais, tais como os verbos e os nomes. As categorias

funcionais, por outro lado, dizem respeito ao resultado da projeção de núcleos funcionais.

As categorias funcionais servem, primeiramente, para carregar informação sobre a

função gramatical de tipos particulares de expressões dentro de uma sentença. Elas estão

relacionadas, por exemplo, à desinência, ao número, ao modo e à pessoa. As categorias

funcionais são consideradas uma classe fechada, uma vez que as palavras correspondentes a

elas são finitas. Determinantes e complementizadores são tidos como as principais categorias

funcionais.

A categoria de determinantes diz respeito à especificação da expressão substantiva,

por exemplo, em uma expressão como “a menina”, o “a” é o elemento determinante e age

como um especificador para o substantivo “menina”, pois carrega a noção de gênero

(feminino) e número (singular). Se isolarmos o “a”, ele não fará o menor sentido, sua natureza

é prioritariamente gramatical.

A categoria de complementizadores tem, basicamente, três funções: a) estabelece que

as sentenças por ela introduzidas sejam orações encaixadas, por exemplo: “O Rodrigo disse

que a Letícia passou no vestibular de medicina”; b) indica se a oração por ela introduzida é

finita ou infinita, por exemplo: “Letícia disse que gosta de medicina” (em que “gosta” está

flexionado no presente, na terceira pessoa do singular) ou “Eu disse para Letícia fazer a

prova” (em que “fazer” não está flexionado); c) expressa a força da sentença que introduzem,

isto é, se é interrogativa ou assertiva, etc. São exemplos: “Você sabe se a fila é aqui mesmo?”

e “Eu sei que você vai conseguir”.

Na proposição da sintaxe gerativa, as categorias funcionais, assim como as categorias

lexicais, cumprem a função de núcleo. Podemos dizer que são os traços das categorias

29

funcionais que possibilitam a derivação de uma sentença, ou seja, a sintaxe é motivada pela

manifestação dos traços das categorias funcionais.

Esses traços são formais e trazem informações para serem usadas no sistema

computacional, ou seja, estabelecem relações que os itens lexicais devem ter entre si no

interior de uma sentença.

O item lexical “jogar”, como na frase, “João joga a bola”, traz traços formais como: é

verbo, localiza-se no núcleo do sintagma verbal, apresenta dois argumentos, um para quem

joga e outro para o que é jogado e é um item que precisa receber marcas de tempo, modo,

aspecto, número e pessoa. E assim como “jogar” precisa receber traços formais, fonológicos e

semânticos, todos os itens do léxico também deverão receber esses traços.

Um traço formal muito importante na elaboração de sentenças é o traço categorial. É

ele que define a posição do item na sentença. No caso de “jogar”, o traço categorial levará a

informação para o sistema computacional de que esse item deve ocupar uma posição de

núcleo do predicado da oração e não de sujeito ou de objeto. No caso de uma palavra como

“bola”, por exemplo, a situação é diferente, o item receberá a informação que ele faz parte de

uma categoria de nome e não de verbo.

É possível dizer que, a partir dos traços formais vindos do léxico, é que os itens sofrem

diferentes operações na sintaxe, ou seja, o sistema computacional é regulado a partir dos

traços lexicais. Consequentemente, a diferença entre as línguas tem relação com o léxico, o

que nos faz acreditar que os diversos parâmetros que diferem as línguas também têm relação

direta com o léxico.

As sentenças são formadas por uma série de operações merge e move e podem ser

representadas através de um diagrama em forma de árvore. Nesta formação de estruturas, têm-

se os sintagmas que são agrupamentos de palavras e que apresentam um núcleo. Para fins

didáticos, vamos admitir que nas árvores existam três8 posições para cada sintagma: projeção

máxima, projeção intermediária e projeção mínima. Esses três diferentes níveis de projeção

denotam classificações a respeito de sintagmas e palavras nas sentenças. Uma projeção

máxima é um sintagma, uma projeção intermediária é constituída pelo núcleo e pelo

complemento. A projeção mínima seria, por exemplo, o núcleo verbal ou nominal, ou seja,

um dos extremos da classificação do sintagma. Observe, agora, o exemplo de um sintagma

(um SN):

8 No Programa Minimalista, não se adotam mais as posições intermediárias, mas, como é didático e consagrado na literatura, para facilitar a compreensão, vamos manter a noção de três projeções, incluindo a intermediária.

30

Figura 5 – Formação de Sintagmas

Fonte: Exemplo elaborado pelo autor

Os sintagmas são representados como “galhos” de uma árvore em uma combinação

binária, chamados, na Teoria Gerativa, de forma arbórea. As árvores são as representações

sintáticas no sistema computacional, quer dizer, representamos, na árvore, o que ocorre dentro

do sistema computacional no momento em que a sentença é produzida.

Os itens lexicais, com seus traços, entrariam, no sistema computacional e lá

ocorreriam operações como merge, em que palavras e expressões se juntam de duas a duas. A

hipótese é que a construção da sentença se dê de forma mais rápida dentro da mente. Além

dessa operação, dentro da sintaxe, ocorreria a operação move (ou movimento), que, como o

próprio nome indica, movimenta os itens na sentença. A operação em que as palavras se

juntam de duas em duas é um dos princípios da língua chamado de Princípio da Binaridade.

As sentenças são formadas por sintagmas. Uma sentença é formada por um sintagma

complementizador (SC), um sintagma flexional (ST), um sintagma do verbo light ou leve

(Sv), um sintagma verbal (SV) e sintagma nominal (SN). Todo sintagma apresenta um

especificador, um núcleo e um complemento. Ele tem que ter um núcleo e a combinação dois

a dois. O esqueleto arbóreo de uma sentença seria assim:

31

Figura 6 – Estrutura Sintagmática

Fonte: Elaborada pelo autor

Em algumas sentenças, serão necessárias operações como move, em que “as palavras”

que já estão na árvore (devido à operação merge) se movimentariam, de baixo para cima. A

sentença “A menina pulou corda” nasceria assim:

Figura 7 – Derivação de uma sentença

Fonte: Exemplo elaborado pelo autor

32

A hipótese é que uma operação denominada Agree faria com que o traço de tempo,

presente no núcleo de ST (sintagma de tempo) valorasse o traço de tempo (ainda ausente) em

V “pul-”. O verbo teria antes recebido os traços do núcleo causativo leve (em v de Sv) e

depois haveria, então, a valoração dos traços de tempo.

Vale dizer que, nessa movimentação, ele deixaria uma cópia. Dessa forma, ao

visualizarmos o processo final, na árvore, é como se alguns sintagmas estivessem vazios, mas,

na verdade, eles estariam preenchidos com cópias. Após a operação move9, a sentença anterior

ficaria assim:

Figura 8 – Árvore Sintagmática

SC10

Fonte: Exemplo elaborado pelo autor

9 Nos últimos tempos, a noção move (movimento) foi substituída pela noção de attract (atração) e logo em seguida, pela noção de agree, que pressupõe a transmissão de traços por parte da categoria que tem traços valorados a uma categoria que ainda não tem os traços correspondentes valorados. 10 Toda árvore também possui o Sintagma Complementizador (SC). Tal sintagma mostra a força de uma sentença. Nele há a informação se a sentença será exclamativa, interrogativa ou afirmativa. No entanto, por vezes, como acontece com orações declarativas principais, o SC não será ocupado por elementos foneticamente explícitos, a não ser que haja elementos (que, se, para) que indiquem que a oração é subordinada.

A menina

pulou Sv

ST

T’

Ø

Esp

v’

v

C’

SV

pula

A menina

V’

corda

Esp

33

O verbo principal de uma sentença, por exemplo, “nasceria” no núcleo SV, mas ele

“subiria” na árvore para encontrar os traços de tempo, de número e pessoa. Já o sujeito da

oração “nasceria” no especificador de Sv, e, no especificador de ST, haveria um traço,

chamado de traço de EPP11, que atrairia o sujeito.

Após cada movimentação feita, não há possibilidade de voltar e se refazer nada, por

isso se diz que o sistema é perfeito e não erra. A cada operação finalizada na sintaxe, a

sentença é enviada para receber sua forma fonológica e sua forma lógica. Após ter passado

pela sintaxe, a sentença não volta, precisa obrigatoriamente ser enviada ao Spell-out e passar

pela divisão das formas fonológica e lógica.

Diante do que foi exposto, fica claro que o pressuposto da Gramática Gerativa é de

que se trata de uma teoria explicativa e não apenas descritiva. Estudar as línguas naturais diz

respeito à pesquisa da competência a partir do desempenho. Mostramos até aqui que a Teoria

Gerativa nasceu da necessidade de uma postulação científica a respeito das nossas

capacidades de linguagem. Ao longo do texto, tentamos explicar como surge a Teoria

Gerativa e como ela concebe os conceitos de faculdade da linguagem, competência e

desempenho, GU, inatismo, Princípios e Parâmetros, Programa Minimalista, categorias

lexicais e funcionais, traços, formação de sentenças e construção dos sistemas arbóreos.

No próximo capítulo, faremos um aprofundamento das noções das categorias tempo e

aspecto.

11 EPP: Extended Projection Principle (Princípio da Projeção Estendida). Foi um princípio definido para que certos núcleos tenham um especificador, ou seja, uma exigência para que as sentenças tenham um sujeito.

34

3 TEMPO E ASPECTO

Pretendemos, com este capítulo, apresentar as principais noções de tempo e de aspecto

para, em seguida, demonstrar como tais categorias são vislumbradas no arcabouço da Teoria

Gerativa.

As discussões mais simples acerca do fenômeno tempo nos levam aos debates sobre

verbo entre pensadores gregos. É da tradição greco-romana que herdamos postulados que se

refletem na nossa atual compreensão e categorização do fenômeno tempo relacionado ao

verbo.

Segundo Lyons (1977), Platão definia verbo como a palavra que denota ação e os

povos estoicos compreendiam tempo como três momentos distintos: passado, presente e

futuro. Para o autor, essa é uma visão herdada integralmente pela tradição gramatical do

ocidente, amplamente difundida e considerada fundamental para o entendimento acerca da

maneira como o homem concebe o tempo. Ainda de acordo com Lyons (op. cit.), o gramático

romano Varrão estabeleceu a distinção entre processo concluído (perfectum) e processo não

concluído (infectum), demonstrando o entendimento de que esse fenômeno é ainda mais

complexo do que os gregos afirmavam.

Na linguística dos séculos XX e XXI, as percepções que o homem tem da existência e

do transcorrer do tempo expressam-se através de, basicamente, duas facetas distintas, porém

relacionadas. São elas: o tempo e o aspecto verbais (VENDLER, 1967; COMRIE, 1976;

LYONS, 1977).

Comrie (1976) propõe que tempo e aspecto sejam categorias distintas, com conceitos

diferentes. Tempo, segundo o autor, é uma categoria dêitica12, ou seja, relaciona um

determinado fato a um ponto no tempo. Toda vez que nos referimos a um acontecimento

anterior, concomitante ou posterior ao momento da fala, estamos nos referindo a essa faceta

dêitica através do uso dos tempos verbais, ocasionalmente em associação com alguns

advérbios (ex.: agora, ontem, hoje, amanhã). Segundo Comrie (1976, p. 9), o tempo verbal é a

“expressão gramaticalizada da localização no tempo” em relação a um contexto criado e

sustentado no próprio ato falante, sendo, pois, externo à situação propriamente dita.

12 De acordo com o dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, a palavra dêixis quer dizer: característica da linguagem humana que consiste em fazer um enunciado, referir-se a uma situação definida, real ou imaginária, que pode ser: a) quanto aos participantes do ato de enunciação (1ª pessoa – o que fala; 2ª pessoa – aquele a quem se dirige a fala; 3ª pessoa – todo assunto da comunicação, que não sejam a 1ª e 2ª pessoas); b) quanto ao momento da enunciação (díxis temporal); c) quanto ao lugar onde ocorre a ação, estado ou processo (díxis espacial).

35

O aspecto, por sua vez, ainda de acordo com Comrie (1976, p. 3), “são diferentes

maneiras de ver a constituição interna de uma situação”. Ao contrário do tempo verbal, o

aspecto tem, como foco, a situação descrita, independentemente de sua relação com o

momento da fala. Trata-se uma categoria não dêitica, isto é, não estabelece o tempo da fala. O

aspecto aponta a constituição temporal interna da situação descrita. O autor afirma que a

noção expressa pelo aspecto é algo conceitual, que vai além de uma simples expressão

linguística. Parece-nos pertinente relacionar a ideia de tempo com a noção aspectual de

completude/incompletude. Varrão, conforme já referido, cunhou os termos perfectum e

infectum, posteriormente traduzidos como “perfeito” e “imperfeito”.

Embora as categorias tempo e aspecto tenham sido alvo de interesse de filósofos e

estudiosos da linguagem há centenas de anos, somente nos últimos tempos (meados do século

XX em diante), esse interesse sistematizou-se, passando a integrar os postulados de diferentes

teorias linguísticas.

O objetivo deste capítulo é o de expor as noções de tempo e aspecto a fim de deixar

clara a distinção entre as duas categorias. Assim, o objetivo é proporcionar uma visão

panorâmica que compreenda o processo de aquisição de tempo e aspecto e, mais

especificamente, temos como meta delimitar o objeto com o qual lidaremos em nossa

pesquisa: o tempo e o aspecto flexionais.

3.1 Tempo

Tomamos como base teórica o conceito de tempo verbal encontrado em Comrie

(1976), em que se sugere que a expressão gramatical da localização temporal está relacionada

a um momento que se refere a outro tempo de fala. Isto é, o tempo verbal só existe se

contrastado a três momentos de fala distintos: passado, presente e futuro.

Esses três tempos verbais descrevem o momento anterior, o simultâneo e o posterior,

respectivamente. Comrie (1985) propôs o seguinte diagrama a fim de analisar as expressões

sobre o tempo:

Figura 9 – Representação do tempo

Passado 0 Futuro Fonte: COMRIE (1985, p.2)

36

O marco zero representa o agora, ou seja, o momento presente. A partir deste marco,

tudo que vier à sua esquerda indica que seu início ocorreu no passado, sendo que seu ponto de

culminação pode ser: a) anterior ao presente, exemplo: “O menino jogou a bola”, evento com

ponto de culminância é anterior ao marco zero, b) no momento da enunciação (ponto zero),

exemplo: “Ela está chorando”, evento é concomitante ao momento da enunciação ou c)

manter-se contínuo extrapolando o momento presente, exemplo: “Ela continuará vendendo

doces”, evento contínuo, permanente.

Reforçando as ideias de Comrie, trazemos Travaglia (2006) que diz o seguinte:

A categoria tempo situa o momento de ocorrência da situação a que nos referimos em relação ao momento da fala como anterior (passado), simultâneo (presente) e posterior (futuro) a esse momento. É uma categoria dêitica, uma vez que indica o momento da situação relativamente à situação de enunciação. Aqui temos uma datação (grifos do autor); (TRAVAGLIA, 2006, p. 39)

De acordo com Corôa (2005), podemos dividir tempo de três maneiras: o tempo

absoluto, o relacional e o relativo. O tempo absoluto é aquele baseado nas definições de

Newton, cuja ideia defendida foi a de que o tempo existe por ele mesmo, isto é, independe de

eventos, corre linearmente em direção ao futuro. O tempo relacional está ligado às

postulações de filósofos gregos, que propunham a existência do tempo condicionada aos

eventos, dessa forma, o tempo é subsequente ao evento, só existe se existir o evento. A última

divisão, tempo relativo, parte do pressuposto que se pode dar um valor de verdade a partir de

uma referência. Dessas definições, a última é a que parece explicar melhor a noção de tempos

verbais, já que relações e designações temporais são relativas. No entanto, é importante frisar

que a relatividade não é absoluta, pois diz respeito a um sistema de referências e não trata de

observadores individuais arbitrários.

O tempo relativo pode ser entendido também como tempo gramatical, tem a ver com

os recursos que a língua utiliza para situar pretérito, presente e futuro. Geralmente, a classe

gramatical que mais e melhor desempenha essa função são os verbos. No inglês, talvez essa

distinção fique mais clara, já que são designadas duas palavras para distinguir a compreensão

do tempo semântico do tempo gramatical, são elas: time e tense, no entanto, não temos essa

distinção em português.

Embora representem conceitos distintos, as noções de tempo semântico e tempo

gramatical estão em interseção. Para esclarecer essa noção, Reichenbach (1947) define os

momentos para a diferenciação dos tempos verbais de uma língua: o Momento do Evento

(ME), que é o momento da ocorrência do processo ou da ação; o Momento da Fala (MF), que

37

é o momento da enunciação; e o Momento de Referência (MR), que é a situação fixa sobre a

qual se definem a simultaneidade e anterioridade. Diante das colocações de Reichenbach,

Corôa (2005) propõe um esquema com os tempos verbais:

Quadro 1 – Representação dos tempos verbais TEMPO ORGANIZAÇÃO DOS MOMENTOS

Presente ME, MF e MR são simultâneos.

Exemplo: Eu digo com convicção: amo você!

Descrição: Quando ocorre a fala (MF), o evento acontece no momento da

referência.

Pretérito mais-que-perfeito ME é anterior ao MR que é anterior ao MF

Exemplo: Chegaram atrasados, a aula já havia começado.

Descrição: Quando ocorre a fala (MF), o evento (ME) em que aula já havia

começado é anterior ao (MR) de chegar à aula.

Pretérito imperfeito ME é simultâneo ao MR e são anteriores ao MF

Exemplo: Eu chorava enquanto ela ria.

Descrição: Quando ocorre a fala (MF), o evento e a referência já haviam

acontecido simultaneamente em algum momento pretérito.

Pretérito perfeito ME é anterior ao MF que é simultâneo ao MR

Exemplo: Ela deu um grito de susto quando eu cheguei.

Descrição: A fala (MF) e a referência (MR) são simultâneas e ocorre depois do

evento (ME) de chegar.

Futuro do presente MF é simultâneo ao MR que são anteriores ao ME

Exemplo: Eu digo que um dia serei rico.

Descrição: A fala (MF) e a referência “dizer” (MR) estão no passado com relação

ao momento do evento que ainda acontecerá (ficar rico).

Futuro do pretérito MR é anterior ao MF que é anterior ao ME

Exemplo: Minha irmã disse que se eu fosse rico, seria insuportável.

Descrição: A referência (MR) é anterior à fala (MF) que é anterior ao evento (ME)

de “ficar rico”.

Fonte: CORÔA (2005. p.11-12)

Existem sociedades que fazem contagem de tempo de maneira mais diferenciada.

Sabemos, por exemplo, que tribos indígenas fazem a marcação de tempo por ciclos ou

elementos naturais, como a lua, mas, mesmo assim, elas marcam o tempo a partir de um

ponto, como o da figura 9. Dessa forma, ao propor essa representação diagramática do

38

conceito de tempo, Comrie (1985) pretende contemplar tempo em qualquer língua, não se

sustentando em conceitos de culturas específicas.

Ainda segundo Comrie (op. cit.), as expressões de tempo podem ser divididas em

compostos lexicais, itens lexicais e categorias gramaticais. Os compostos lexicais, em

qualquer língua, permitem a contagem infinita de tempo (exemplo: cinco minutos, mil

minutos, 1 milhão de minutos), os itens lexicais são mais específicos, situam um ponto

específico no tempo a partir do marco zero (exemplo: ontem, hoje, amanhã) e as categorias

gramaticais são as mais completas e mais complexas, pois é delas que nasce a estrutura

gramatical de uma língua natural (exemplo: morfemas de todos os tempos verbais que são

agregados ao radical verbal).

Antes, contudo, de iniciarmos a seção que trata do aspecto verbal, é importante

salientar que, além das propostas de Comrie (1976 e 1985), este trabalho assume,

preferencialmente, uma das definições de tempo posposta por Travaglia (2006). De acordo

com o autor, tempo pode ser dividido de três maneiras:

Tempo 1: categoria verbal (corresponde às épocas passado, presente e futuro) (...) Tempo 2: flexão temporal. Estaremos nos referindo então aos agrupamentos de flexões da conjugação verbal: presente do indicativo, pretérito imperfeito do indicativo, futuro do presente, futuro do subjuntivo, etc. Falaremos então em tempos flexionais (grifo do autor); Tempo 3: a ideia geral e abstrata de tempo sem consideração de sua indicação pelo verbo ou qualquer outro elemento da frase (...) (TRAVAGLIA, 2006, p. 38)

Nossa escolha diz respeito à definição do Tempo 2, ou seja, está ligada à flexão verbal.

Isso porque, diante do corpus analisado, pode-se se fazer um bom trabalho descritivo, que

pode levar às novas ideias sobre a derivação de sentenças em nossa gramática mental.

3.2 Aspecto

Se por um lado tempo verbal diz respeito à constituição temporal externa, por outro

lado, a noção de aspecto pode ser concebida como a constituição temporal interna de uma

situação (Comrie, 1976). Tempo é uma categoria dêitica, ou seja, compara o tempo da

situação a algum outro momento. Já o aspecto representa diferentes modos de se enxergar a

constituição temporal interna de uma situação. Dito de outra forma, o aspecto verbal transmite

uma expectativa temporal que tem o foco em uma parte ou no todo de um evento. E é

39

justamente por isso que não é considerada uma categoria dêitica, já que não precisa fazer

referência a qualquer outro ponto no tempo.

Quando falamos em aspecto, estamos fazendo referência à possibilidade de

enunciarmos diferentes momentos a partir do uso de uma mesma forma verbal. De acordo

com Comrie (op. cit.), o conceito de aspecto pode ser dado como distintas formas de se

perceber internamente a constituição temporal de uma situação.

A ideia é a de que, primeiramente e independentemente da relação com o momento da

fala, toda situação possui uma constituição própria no que se refere ao tempo. É nesse sentido

que se podem identificar diferenças, por exemplo, entre conhecer (um estado) e estudar (um

processo). Além disso, para uma mesma situação (estado ou processo), o falante pode assumir

um ponto de vista determinado, resultando em uma expressão de incompletude,

progressividade, repetição, habitualidade, momentaneidade, e/ou outras noções não dêiticas

de temporalidade.

A categoria aspecto é bastante complexa. Pesquisadores desse fenômeno costumam

divergir bastante no que tange às classificações das noções desta categoria. Podemos dizer

que, basicamente, existem duas divisões: aspecto lexical (ou semântico) e aspecto gramatical.

O aspecto lexical é inerente aos núcleos verbais e adjuntos. Dessa forma, os possíveis

sentidos atribuídos às raízes verbais seriam responsáveis pela realização do aspecto lexical.

Muitos autores denominam aspecto lexical como AKTIONSART, termo alemão que

pode ser traduzido como “modo de ser da ação”. Outros autores, no entanto, defendem a

distinção entre aspecto lexical e AKTIONSART. Podemos entender o aspecto em termos de

oposição perfectividade/imperfectividade, enquanto que AKTIONSART é uma categoria mais

abrangente, consistindo de um conjunto de oposições (inter)relacionadas representando

contrastes de “tipos de situações” expressas pelo verbo (+/- pontual, +/- télico, +/- durativo,

etc. Veremos o detalhamento das situações a seguir). Sendo assim, AKTIONSART seria a

qualidade lexical objetiva concernente ao verbo em si, enquanto o aspecto marcaria o ponto

de vista subjetivo do falante, portanto, externo à própria situação.

Nesta pesquisa, optamos por não adotar a distinção entre aspecto lexical e

AKTIONSART. Isso porque adotamos as noções de perfectividade e imperfectividade aliadas

a um conjunto de distinções morfológicas que caracterizariam a circunstância descrita pelo

verbo como acabada ou em curso.

Antes, entretanto, de abordarmos sobre a perfectividade/imperfectividade, vejamos a

classificação, que entendemos ser de aspecto lexical, proposta por Vendler (1967).

40

Vendler (op. cit.) propõe a existência de quatro classes e verbos que dizem respeito às

ações desses verbos. Segundo o autor são elas: a) classe dos verbos estativos (states, em

inglês): verbos que dizem respeito a eventos sem final evidente, mas apresentam duração

(exemplo: amar), b) verbos de atividade (activities, em inglês): apresentam final arbitrário só

atingido por meio de interferência externa (exemplo: caminhar), c) verbos accomplishments13:

demonstram duração marcada por fases sucessivas até que o término seja atingido (exemplo:

escrever uma tese) e d) verbos achievements14: levam em consideração apenas desfecho final

da ação atingido de forma instantânea (exemplo: enfartar).

Comrie (1985) propõe que os verbos estão relacionados a três traços distintivos:

1. Estativo/ dinâmico: os traços estativos descrevem involuntariamente situações que não

necessitam de energia para continuar (exemplo: conhecer), opostamente, os dinâmicos

carecem de um empreendimento constante de energia (exemplo: correr);

2. Télico/ atélico: traços télicos implicam uma situação que apresenta um final inerente

(empurrar); já os atélicos sugerem um término arbitrário (caminhar);

3. Pontual/ durativo: traços pontuais sugerem uma ação com ponto final mais instantâneo

(exemplo: cair); diferentemente, os durativos referem-se a situações em que a duração

é indeterminada (exemplo: sonhar).

Diante das abordagens de classificação das ações de Vendler (op. cit.) e dos traços

distintivos retirados de Comrie (1976), podemos sintetizar o seguinte:

Quadro 2 – Traços distintivos para os Tipos Verbais VERBOS Dinâmico Estativo Télico Atélico Durativo Pontual

Estativos - + - + + -

De atividades + - - + + -

Achievements + - + - - +

Accomplishments + - + - + -

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Vendler (1967) e Comrie (1976)

13 Não encontramos tradução ou termo adotado para o português. 14 Não encontramos tradução ou termo adotado para o português.

41

O quadro anterior estabelece que os verbos estativos nunca são dinâmicos, télicos ou

pontuais, mas são, consequentemente, estativos, atélicos e durativos. Os verbos de atividade

não são estativos, télicos ou pontuais, são sempre dinâmicos, atélicos e durativos. Os

achivements não são estativos, atélicos ou durativos, são sempre dinâmicos, télicos e pontuais.

Os accomplishments não são estativos, atélicos ou pontuais, são sempre dinâmicos, télicos e

durativos.

É importante ressaltar que a classificação semântica dos verbos está diretamente ligada

ao complemento verbal. Vendler (1967) explica que as quatro classes de verbos baseadas no

desempenho de atividades representam tanto o desenvolvimento do evento quanto o tempo

verbal e suas relações com modificadores temporais. Sendo assim, a sugestão desse autor é a

de que a classificação da ação é referente a todo o sintagma verbal, ou seja, ao verbo e seus

argumentos e não unicamente ao verbo. Dito de outra forma, embora a característica aspectual

seja inerente aos verbos, ela não é exclusiva a eles e, nesse sentido, muitas vezes é preciso

atentar-se ao sintagma verbal.

Podemos perceber que diferentes situações apresentam distintas características

semânticas no que diz respeito à completude, à duração interna e à dinamicidade. Por isso,

podemos dizer que, quando uma situação apresenta completude, ela pode ser tida como télica,

enquanto as situações não completadas seriam atélicas.

A palavra telicidade vem do grego - télos - que indica fim. A distinção entre telicidade

e atelicidade está no fato de eventos télicos possuírem um ponto final inerente, consistindo em

um objetivo ou um resultado, enquanto que eventos atélicos não possuem esse ponto final

inerente. Podemos afirmar, então, que accomplishments e achievements são télicos, ao passo

que estados e atividades têm características atélicas.

Retomando a noção do aspecto gramatical, Comrie (1976) afirma que essa categoria

trata da constituição interna de uma dada situação. O aspecto gramatical carrega a noção do

evento envolvendo distinções semânticas que podem ser interpretadas através de verbos

auxiliares ou morfemas flexionais e pode ser separado em perfectivo e imperfectivo.

O aspecto perfectivo, comum no pretérito perfeito no português, apresenta um ponto

de vista completo à situação, sem necessariamente distinguir qualquer estrutura interna. Pela

perfectividade, podemos lançar um olhar externo à situação, isto é, podemos enxergá-la por

inteiro. O aspecto imperfectivo, por sua vez, observado no pretérito imperfeito no português,

mostra ponto de vista interno, mantendo atenção em uma das fases.

42

Quadro 3 – Aspectos: perfectivo e imperfectivo ASPECTO PERFECTIVO

ASPECTO IMPERFECTIVO

A menina estudou para a prova. A menina está estudando para prova.

O menino comeu o doce. O menino come o doce.

O professor deu a aula. O professor estava dando aula.

Fonte: Elaborado pelo autor

Nos exemplos acima, podemos notar que, na primeira coluna, a situação apresentada

ilustra início, meio e fim, sem apontar nenhuma questão interna, entretanto, na segunda

coluna, percebemos a existência de fases e que o evento ainda está por terminar. Quando um

evento é visto por completo e apresenta fim, temos o aspecto perfectivo, quando apresenta

apenas fases é dada a imperfectividade.

É importante deixar claro que, na forma perfectiva, não quer dizer que a situação dada

não apresenta fases internas. Ao contrário, ela apresenta desenvolvimento como qualquer

outra atividade. É como se todas as fases fossem vistas em sua completude.

Do modo geral, podemos concluir que o aspecto lexical e aspecto gramatical são

diferentes, mas não estão dissociados, antes se completam.

Nossa pesquisa tem o objetivo maior de mostrar a dissociação entre tempo e aspecto,

mas também diz respeito à distinção de aspecto lexical e gramatical. Buscamos descrever em

que medida as noções aspectuais influenciam ou não nas marcações gramaticais perfectivas e

imperfectivas.

Apresentamos, a seguir, as noções de modo, tempo e aspecto gramaticais que constam

nos exemplos anteriores. Optamos por dividir os exemplos em dois quadros, o primeiro trata

das sentenças que não apresentam perífrases verbais e o segundo diz respeito aos exemplos

que trazem tais perífrases.

43

Quadro 4 – Marcação temporal sem perífrase verbal

Exemplo

Radical + Vogal

Temática

Desinência de

Modo

Desinência de

Tempo

Desinência de

Aspecto Gramatical

Desinência de

Número e Pessoa

A menina estudou para a prova.

estud + Ø

(neste caso, a vogal temática ocorre sob forma de Ø)

Indicativo

-Ø-

Pretérito

-Ø-

Perfectivo

-Ø-

3ª pessoa singular

-u

O menino comeu o doce.

com + e

Indicativo -Ø-

Pretérito -Ø-

Perfectivo -Ø-

3ª pessoa singular

-u O professor deu a aula.

d + e

Indicativo -Ø-

Pretérito -Ø-

Perfectivo -Ø-

3ª pessoa singular

-u O menino come o doce.

com + e

Indicativo -Ø-

Presente -Ø-

Imperfectivo -Ø-

3ª pessoa singular

-Ø Fonte: Elaborado pelo autor

Podemos ver no quadro acima que a desinência de tempo pretérito perfeito do

indicativo e presente do indicativo corresponde a um morfema –Ø- e estão as três noções –

modo, tempo e aspecto - noções sintetizadas em tal morfema.

Quadro 5 – Marcação temporal com perífrase verbal

Exemplo

Onde está a noção de modo da perífrase?

Onde está a noção

de tempo da perífrase?

Onde está a noção

de aspecto da perífrase?

A menina está estudando para a prova.

em está

Modo Indicativo

em está

Tempo Presente

em estudando

Aspecto Imperfectivo

O professor estava dando aula.

Em estava

Modo Indicativo

Em estava

Tempo pretérito

em dando Aspecto

Imperfectivo

Fonte: Elaborado pelo autor

A partir da leitura deste último quadro, podemos assinalar que o morfema de modo e

de tempo da perífrase verbal coincidem e, apesar de sabermos que o verbo auxiliar (nos dois

exemplos, concretizados como “está” e “estava”) também tem aspecto, vamos adotar a

postura de que, em estrutura composta, o aspecto gramatical pode ser revelado no verbo

principal. Portanto, nos dois casos apresentados, há um aspecto gramatical dissociado das

44

noções de tempo e modo, ou seja, o aspecto gramatical que garantiria a noção de

imperfectividade estaria no –ndo de “estudando” e “dando”, ao passo que as noções de tempo

(e de modo, que não é o foco do nosso trabalho) estariam no verbo auxiliar. Este raciocínio é

importante para o nosso trabalho, conforme verificaremos no capítulo relacionado à análise

dos dados.

3.3 Tempo e Aspecto: Nódulo de Flexão

A seguir, apresentaremos um esboço histórico de estudos a respeito das categorias

funcionais tempo e concordância, que foram muito discutidas à luz da Teoria Gerativa. O

objetivo é o de demonstrar que a camada flexional já foi considerada única, depois, foi

dividida em vários níveis e, no modelo atual do Programa Minimalista, há a proposta de um

nódulo, abrigando algumas noções. A nossa intenção é demonstrar que há prerrogativas

teóricas que nos acenam para a possibilidade de tempo estar cindido em tempo e aspecto.

Diante das propostas da Teoria Padrão e Teoria Padrão Estendida, Chomsky (1965,

1972) considerava que a estrutura básica de uma sentença seria constituída por um SN e um

SV, que estariam ligados a um nó, denominado S, isto é: S SN SV. Entretanto, para

conseguir explicar a presença de um verbo auxiliar (Aux), Chomsky (op. cit.) propôs o

seguinte: S SN Aux SV, em que a informação de tempo seria marcada no Aux. Além

disso, Aux seria local para abrigar as noções de verbos modais e de negativas.

Podemos citar um exemplo de sentenças com modal em inglês: “John would like to

come”. Podemos fazer o mesmo com a inserção da partícula negativa: “John wouldn’t like to

come”. Entretanto, nem todas as sentenças têm o modal e a negativa, como, por exemplo, em

“John loves Mary”. Uma árvore sintática, naquela ocasião da teoria (proposta como Ouhalla

(1999)), era assim configurada:

Figura 10 – Árvore sintática de Ouhalla

Fonte: OUHALLA (1999, p. 25)

45

Os parênteses, neste diagrama, servem para demonstrar que as noções de “modal” e de

“negativa” poderiam ou não ocorrer. Se ocorressem, estariam neste local. Já a noção de

T(empo) seria garantida: ora era marcada positivamente, obtendo-se uma sentença finita, ou

negativamente, obtendo-se uma sentença não finita. Vale dizer que, propôs-se, nesta ocasião,

que a flexão fosse o núcleo da sentença.

Posteriormente, Emonds (1976) sugeriu que Aux fosse denominado INFL15

(abreviatura de Inflexion, termo em inglês, que significa flexão) e lançou mão, ainda, de uma

marcação binária para esse nó assim como acontece nas categorias lexicais (conforme

mostrado no capítulo 1). Ou seja, em uma sentença − S SN INFL SV −, a marcação

binária de INFL, era caracterizada por + T (em sentenças finitas), - T (em sentenças não

finitas), + AGR (com marca de concordância) e – AGR (sem a marca de concordância).

Assim, S passou a ser considerada a projeção máxima de I, que abrigava toda a

informação flexional do verbo, tal como tempo e concordância de número. Essa informação

ora poderia ser movida em direção ao verbo que estaria abaixo de IP16 na estrutura hierárquica

da árvore sintática, como nas sentenças em língua inglesa17, ora o verbo poderia mover-se em

direção à flexão para incorporar essa informação. Além disso, interpretava-se que o sujeito

ocuparia a posição de especificador de IP. Nesse modelo, a árvore sintática de uma sentença

do tipo “The boys will win the game” seria assim representada:

Figura 11 – Árvore sintática com nódulo de flexão

Fonte: Exemplo elaborado pelo autor

15 Optamos pela utilização do termo INFL, pois se trata de um termo consagrado na literatura gerativista. Chomsky também abrevia o termo como I. 16 Sintagma de Flexão e, em inglês, Inflexion Phrase. 17 A única exceção é com o verbo to be.

46

A partir da ideia de um nódulo funcional que abrigasse as informações flexionais do

verbo e da proposta de incorporação dessas informações pela subida do verbo para IP em

algumas línguas e descida dos traços de flexão para o verbo em outras línguas, Pollock (1989)

compara dados linguísticos do inglês e do francês e faz uma nova proposta para a

representação da flexão na árvore sintática. Nesse estudo, Pollock (op. cit.) propôs-se a

fornecer uma explicação única que sustentasse a posição dos verbos em relação à partícula de

negação, ao advérbio e ao quantificador nas duas línguas que foram estudadas: francês e

inglês. Ao comparar essas duas línguas, Pollock (op. cit.) partiu do pressuposto de que o

nódulo que abriga a partícula de negação ocuparia a mesma posição estrutural nas orações

finitas e não infinitivas das duas línguas, isto é, entre IP e SV. Da mesma maneira, o autor

assumiu que a posição onde seria gerado o advérbio e o quantificador era a mesma nas duas

línguas. Essas posições podem ser esquematicamente representadas da seguinte maneira:

Figura 12 – Inserção da partícula de negação na árvore sintática

Fonte: Pollock (1989)

Pollock (op. cit.) verificou, em comparação, que todos os verbos finitos do francês

apareceriam à esquerda da negação (pas), enquanto apenas os verbos auxiliares be e have

finitos do inglês aparecem à esquerda da negação (not), por outro lado, os verbos lexicais do

inglês aparecem à direita da negação. Dessa maneira, o autor propôs que os verbos finitos do

francês sofreriam, obrigatoriamente, movimento de um núcleo para outro e que esse

movimento estaria restrito aos verbos auxiliares finitos do inglês. Assim, Pollock (op. cit.)

começa a sugerir uma nova proposta de estrutura da árvore sintática dentro do arcabouço da

Teoria Gerativa. O autor começa a propor a cisão do nódulo flexional na árvore sintática.

Tendo explicitado os resultados a que Pollock chegou no que diz respeito ao

posicionamento de verbos finitos e não finitos em relação à partícula de negação em inglês e

47

em francês, o autor começou a verificar a posição dos verbos em relação a elementos

quantificadores e advérbios.

Os verbos auxiliares be e have não finitos do inglês poderiam aparecer à direita ou à

esquerda do advérbio e/ou quantificador e os verbos lexicais não finitos do inglês sempre

apareceriam à direita desses. Já os verbos não finitos do francês – auxiliares e lexicais –

poderiam aparecer à direita ou à esquerda do advérbio e/ou quantificador.

Assim, os verbos não finitos do francês poderiam sofrer algum tipo de movimento

para a esquerda do advérbio e/ou quantificador. Entretanto, conforme falado, os verbos

lexicais não finitos dessa língua sempre apareceriam à direita da negação (pas), indicando que

eles não sofrem movimento para IP. Relacionando essas observações, Pollock (op. cit.)

propõe, então, que os verbos não finitos possam se mover para uma posição entre a partícula

de negação e a posição ocupada pelo advérbio e/ou quantificador.

Daí em diante, o autor sugere que essa posição intermediária entre NEGP e SV, seja

um nódulo flexional que abriga as informações sobre a concordância verbal – AGRP. A outra

projeção flexional, portanto, abrigaria apenas as informações sobre o tempo verbal e, neste

momento da teoria continuou a ser denomiado IP18. Dessa maneira, a árvore sintática fica

assim representada:

Figura 13 – Inserção da partícula ST e AGRP na árvore sintática

Fonte: Pollock (1989)

18 Hoje denominamos a camada flexional de TP (Tense Phrase ou ST – sintagma de tempo).

48

Pollock (op. cit.) conclui que o francês e o inglês diferenciam-se em termos da riqueza

morfológica da concordância. Como em inglês AGR não é morfologicamente rico, a proposta

foi a de que havia uma “opacidade” à transmissão de papel temático, restringindo o

movimento do verbo aos auxiliares. Já em francês, como AGR é morfologicamente rico,

haveria “transparência” na transmissão de papel temático, possibilitando que todos os verbos

movimentassem, minimamente, para esse nódulo.

As ideias de Pollock (1989) foram incorporadas, em dado momento, ao Programa

Minimalista, mais especificamente ao capítulo dois do livro de Chomsky, The Minimalism

Program, de 1995. Entretanto, neste mesmo livro, no capítulo quatro, o autor, após algum

período de reflexão e tentando dar coerência ao estado da arte da teoria, propõe que

concordância perca o status na árvore sintática. Isto porque as noções de concordância seriam

meramente relacionais e não causariam impacto na interface semântica. De acordo com o

espírito do Programa Minimalista, todas as informações estritamente sintáticas devem ocorrer

somente no sistema computacional e nenhuma dessas informações deve sobreviver para ser

transmitida aos sistemas de interface. Expliquemos com mais detalhes: T(empo) continuaria a

ser um nódulo na arvore sintática porque tem interpretação semântica e é importante para ser

transmitido para interface semântico-conceptual. Uma sentença como “Choveu!” (no passado)

é diferente de “Chove!” (no presente). Já a concordância (verbal) expressa apenas uma

relação com o sujeito. Por exemplo, em “Eles foram ao cinema” e em” Eles foi ao cinema”, a

concordância expressa uma relação sintática com o sujeito, mas não tem impacto na interface

semântico-conceptual.

Se um dia o nódulo flexional foi divido em T(empo) + AGR, hoje podemos pensar em

uma nova cisão da camada flexional em T(empo) e em aspecto, que é a proposta desta

pesquisa. Vários trabalhos dentro do arcabouço da Teoria Gerativa fazem essa proposta. Arad

(1996), apoiada em Borer (1994), propõe que haja uma interface mediada por informações

aspectuais. Nessa perspectiva, a autora propõe que há existência de nódulos aspectuais na

árvore sintática. Além disso, vários trabalhos se dedicam a estudar a linguagem em patologias

da linguagem apontam para esta mesma direção. Hermont (2005) e Arvigo (2011), ao

estudarem a linguagem de crianças com Déficit Específico de Linguagem, apresentam

propostas indicando que na árvore sintática há um nódulo específico de tempo e outro de

aspecto. Há várias pesquisas sob a orientação de Novaes19 na UFRJ que propõe a cisão do

19 Celso Vieira Novaes é, atualmente, professor associado do Departamento de Linguística e Filologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atua na área de linguística, com ênfase em neurolinguística,

49

nódulo Tempo em tempo e aspecto, tais como em: Santos (2009), Rodrigues (2008), Martins

(2007), Braga (2005), dentre outros.

Neste trabalho, estudamos as categorias tempo e aspecto a partir de falas produzidas

durante o período de aquisição de linguagem. Lançamos mão da hipótese de que podemos

notar dissociação entre as duas categorias (tempo e aspecto), tal como propõem os

pesquisadores anteriormente citados. E, além disso, compreendemos que essas são categorias

funcionais da gramática mental.

No próximo capítulo, trataremos de alguns estudos a respeito da aquisição de

linguagem, especialmente sobre pesquisas que se pautaram na aquisição de categorias

funcionais, para, em seguida, falarmos da aquisição de aspecto verbal.

atuando principalmente nos seguintes temas: afasiologia linguística e sintaxe. Possui artigos publicados em revistas nacionais e internacionais.

50

4 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM

Antes de iniciarmos nossa discussão sobre a aquisição de linguagem, achamos

importante explicar a expressão ‘adquirir linguagem’. Se a linguagem é inata, como ela pode

ser adquirida? O termo adquirir é utilizado porque se refere ao processo por inteiro, trata-se

do aparato da Faculdade de Linguagem, que permite aos seres humanos aprender e usar a

língua à que estão expostos. Chomsky (1959) diz que a linguagem humana se adquire por

exposição a ela, não por treinamento. Para o autor, é exatamente como se aprende a respirar.

Não é difícil perceber que as crianças em período de aquisição da linguagem têm

muita facilidade em desenvolver a linguagem. Para elas, essa tarefa parece não ser cansativa e

tampouco difícil. Como já destacado no início de nosso trabalho, a criança aprende sua língua

materna de maneira rápida e sem grandes esforços. Grosso modo, as crianças passam de uma

lista de palavras bastante restrita para um vocabulário extenso e organizado por uma

gramática. Esse processo de rápida ampliação dos conhecimentos da criança sobre a língua a

que ela é exposta é, senão, uma evidência de que o ser humano é dotado de um mecanismo

inato capaz de guiar a aquisição da linguagem. Além disso, a hipótese de que algumas

categorias auxiliam na rápida aquisição da língua materna parece ser pertinente, pois, ao que

tudo indica, algumas categorias, denominadas funcionais, é que parecem ser as responsáveis

pela derivação sintática, isto é, são elas que permitem inúmeras estruturas linguísticas que o

indivíduo é capaz de produzir. Ou seja, a criança se vale das categorias funcionais para

produzir o que é permitido naquela língua.

Conforme já delineado no capítulo 1, a configuração das opções específicas de

construção de sentenças nas línguas humanas está ligada ao processo de parametrização. Não

obstante, dentro dos vieses que definem a configuração inicial da parametrização, existem

divergências. Trazemos, a seguir, os dois principais modelos de aquisição paramétrica.

A primeira vertente acredita no processo maturacional, isto é, a hipótese é que as

crianças vão adquirindo as categorias funcionais gradualmente, suas habilidades vão

evoluindo de acordo com seu amadurecimento. A segunda vertente, por outro lado, defende a

ideia continuísta de que a aquisição das categorias funcionais não é necessária, isso porque

elas são inatas, ou seja, estão disponíveis desde o nascimento de cada indivíduo. Vejamos a

seguir as principais propostas dos dois modelos.

51

4.1 A Corrente Maturacional

A corrente maturacional lança mão da hipótese de que existe uma fase pré-sintática na

gramática infantil e de que as categorias funcionais não estão disponíveis neste período, tais

categorias devem ser adquiridas durante o processo de amadurecimento da criança.

De acordo com Hermont (2005, p. 95), para Radford (1990, 1992), existiria, na fala de

indivíduos adultos, projeções lexicais e funcionais, diferentemente da fala das crianças, em

que encontraríamos apenas os núcleos lexicais. Para o autor, os itens funcionais estariam

ausentes. Isto implica afirmar que, para Radford, a criança disporia apenas de sintagmas

verbais, nominais, preposicionais, adjetivais e adverbiais. Somente depois de adquiridas essas

categorias é que a criança passaria a ter as projeções funcionais, como concordância, tempo e

elementos de perguntas-QU. Devido à falta das categorias funcionais, uma criança poderia

produzir, por exemplo, na ausência de complementizadores, uma fala como “mamã tá

fazenu?” no lugar de “o que a mamã tá fazenu?”. Para Radford, as crianças adquiririam todas

as categorias funcionais simultaneamente e o processo seria natural e automático.

Ainda nos valendo de Hermont (2005, p. 95), Guilfoylle e Noonam (1988) defendiam

a corrente maturacional dizendo que as crianças adquiririam as categorias lexicais e que

somente mais tarde apareceriam as categorias funcionais, cuja aquisição aconteceria

obedecendo a uma hierarquia. Para Hermont (op. cit.), as autoras apresentam dois momentos

para a configuração inicial da linguagem de uma criança. Primeiramente, aconteceria a

aquisição do léxico, pois não há muita variação do conjunto de palavras nas línguas naturais.

Segundo, devido a um amadurecimento necessário, surgiriam as categorias funcionais. O

surgimento dessas categorias variaria de acordo com cada língua, obedecendo à ordem

paramétrica. Diante disso, seria possível explicar porque a fala das crianças difere da fala dos

adultos, ou seja, verifica-se, na fala da criança, a ausência das categorias funcionais. Assim,

segundo Hermont (op. cit), as autoras não assumem uma GU infantil que permita produções

impossíveis nas línguas naturais. A ideia é a de que os princípios atuariam no vácuo na

ausência das categorias funcionais. Pode aparecer, por exemplo, sujeito nulo em línguas que

não permitem tal construção.

Radford (1990, 1992) e Guilfoylle e Noonan (op. cit.) em Hermont (2005) sustentam o

mesmo ponto de vista: o de que as categorias funcionais não estão inicialmente disponíveis na

gramática mental das crianças, elas vão surgindo de acordo com a maturidade sintática

durante o período de aquisição da linguagem. Para Radford, as categorias funcionais surgem

52

paralelamente, para as demais autoras existe um processo linear, surge uma categoria e,

depois, outra.

Muitos autores vão contra a corrente maturacional. Isso porque tal proposta apresenta

inconvenientes para sustentação da teoria dos Princípios e Parâmetros, já que esta teoria

postula que todas as categorias (lexicais e funcionais) já estariam disponíveis desde o

nascimento da criança. A vertente que sugere que as crianças já nasceriam com as categorias

funcionais é denominada continuísta.

Por uma questão de coerência com os postulados gerativistas, mais especificamente o

modelo de Princípios e Parâmetros, compreendemos a vertente continuísta como aquela que

está mais bem alinhada a esta pesquisa e, por isso, optamos pelo maior aprofundamento dessa

proposta de explicação do processo de aquisição de linguagem. A seguir, abordaremos os

principais autores e postulados continuístas.

4.2 A Corrente Continuísta

Em contraste com a hipótese maturacional, a hipótese continuísta assume que a

gramática inicial é formada pelas mesmas categorias e princípios de uma gramática adulta. A

hipótese continuísta apresenta duas versões: a forte e a fraca. Na versão forte, argumenta-se

que a gramática inicial contém todas as categorias funcionais, independentemente de os

morfemas associados a elas aparecerem ou não na produção infantil. Desta forma, o

conhecimento sobre as categorias funcionais na gramática infantil corresponde ao da

gramática adulta, pois elas estão disponíveis.

A versão fraca da hipótese continuísta assume que há estados diferentes para a

gramática infantil, mas que não ferem a GU. Segundo seus proponentes, as restrições

encontradas na gramática infantil podem estar relacionadas às dificuldades de processamento,

à falta de memória, por exemplo.

Para este trabalho, elegemos três autores de corrente forte, pois, conforme dito

anteriormente, acreditamos que, na a gramática mental de cada criança, há todas as categorias

funcionais desde o nascimento. Assim sendo, optamos por trabalhar com as propostas de

Kenneth Wexler, Charles Yang, Mark Baker e Thornton e Tesan.

53

4.2.1 A Proposta de Kenneth Wexler

Em seus estudos sobre aquisição de linguagem, Wexler (1996) sugere que, apesar de

as crianças apresentarem categorias funcionais muito precocemente, haveria, ainda sim, a

necessidade de um desenvolvimento genético, ou seja, o autor defende a ideia da maturação

biológica. Desse modo, a hipótese de Wexler (op. cit.) era a de que o surgimento das

categorias funcionais se daria da mesma maneira como acontece a segunda dentição e as

características sexuais das crianças. Isso implica dizer que, mesmo que o desenvolvimento da

criança possa sofrer influências externas (alimentação, por exemplo), elas aconteceriam mais

a frente e obedeceriam a um cronograma geneticamente pré-estabelecido (WEXLER, 1996, p.

117).

Em princípio, poderíamos pensar que a proposta de Wexler não se enquadraria na

proposta da Hipótese Continuísta, entretanto, mesmo com a hipótese da maturação genética,

podemos, sim, associar os estudos wexlianos à corrente continuísta, já que, em sua

abordagem, não é prevista a ausência das categorias funcionais na GU. Para o autor, essas

categorias já se encontrariam disponíveis desde o nascimento da criança, mas respeitariam o

amadurecimento do programa genético responsável pelo processamento de tais categorias.

O estudo das falas das crianças sugere que, num determinado momento, a gramática

infantil difere da gramática do adulto. De acordo com a proposta da GU, ao nascer, uma

criança apresenta um estado gramatical zero (GU0). A partir do momento em que começa a

exposição à língua, a criança se submeteria à evolução da gramática da própria língua, isto é,

passaria por estágios (GU1, GU2, GU3...) até chegar ao nível GUadulto. Esse nível seria o estágio

máximo de estabilização da gramática, que não poderia mais sofrer alterações na estrutura.

Wexler (op. cit.) sugere a existência de forte relação entre morfologia flexional e a

sintaxe da sentença. A fim de confirmar sua hipótese, o autor se vale de dados do francês,

apontando o movimento do verbo de acordo com sua finitude, isto é, apontando se o verbo é

marcado ou não marcado. Na língua francesa, verbos no infinitivo são posteriores à partícula

de negação (pas), ao passo que verbos flexionados são anteriores à partícula de negação.

Desse modo, a postulação é a de que há um lugar antes e um lugar depois da partícula de

negação para pouso dos verbos. A explicação para esse fenômeno, conforme apontamos no

capítulo anterior, está na concordância de V com ST, para checagem20 dos traços. Assim,

quando flexionado, o verbo antecede a negação, pois se movimenta para a checagem de

20 A terminologia à ocasião da publicação era esta. Usa-se hoje, a palavra “valoração”, obedecendo-se, obviamente a uma mudança na concepção.

54

traços. Quando está no infinitivo, o verbo permanece na mesma posição, já que obedece ao

princípio da procrastinação21, que estipula que um movimento só ocorrerá caso seja necessária

uma checagem de traço gramatical.

Diante disso, e como já foi dito, parece pertinente considerar a relação entre

morfologia e sintaxe, já que a presença dos morfemas flexionais desencadeia, na sintaxe,

movimentos responsáveis pela ordenação da sentença. A verificação do conhecimento da

criança a respeito da flexão verbal é, senão, um estudo da presença das categorias funcionais,

já que tais categorias são as responsáveis pela colocação de morfemas e, consequentemente,

pela movimentação do verbo na sentença. Desse modo, o estudo da flexão verbal constitui-se

como um estudo de elementos imprescindíveis para construção das sentenças.

Wexler (op. cit.) apresenta dados de estudos com crianças em aquisição de língua

francesa. Esses dados demonstram que, desde muito cedo, as crianças têm conhecimento

(internalizado) da existência da categoria tempo e da relação da fonética dos itens lexicais

com os traços morfológicos e sintáticos. Isto é, as crianças têm o conhecimento da

movimentação do verbo e das condições morfossintáticas. No francês, requere-se o

movimento do verbo quando ele está na forma finita e proíbe-se este movimento quando ele

está na forma não finita. Sendo assim, é possível dizer que as crianças sabem que o verbo

finito tem um traço que deve ser “checado” em tempo, assim como conhecem as condições de

economia que evitam que um verbo submeta-se à checagem caso não seja necessário, como

no caso dos verbos não finitos.

Wexler (op. cit.) também cita exemplos do alemão, língua que exige que verbos finitos

movimentem-se para a segunda posição (V2) e verbos não finitos permaneçam na posição

final. Assim como acontece no francês, as crianças demonstram conhecimento da necessidade

de movimento do verbo em caso de marcação flexional.

No que diz respeito às diferenças apresentadas nas gramáticas das crianças em fase de

aquisição de linguagem, Wexler (op. cit.) lança mão da hipótese de que as crianças passam

pelo período do Estágio de Infinitivo Opcional (OI). Nesse período, a criança (mesmo que

tenha a Faculdade de Linguagem intacta e disponha de todos os mecanismos da GU) produz

orações principais com verbos no infinitivo, o que não está de acordo com os inputs das falas

dos adultos, os quais utilizam o infinitivo em orações encaixadas, portanto, apoiadas numa

oração principal.

21 Trata-se de um princípio de economia. Quanto menos movimentos houver, mais rápido será o processamento no sistema computacional.

55

Wexler (op. cit.) verificou ainda que as crianças ora produzem tempo e concordância,

ora produzem apenas tempo ou apenas concordância. Segundo o autor, no estágio OI existiria

a variação da marcação de finitude, no entanto, todos os parâmetros da língua estariam

internalizados na criança. Desse modo, sentenças como “He like tea” ou “He play games”, em

que não é marcada a concordância de pessoa22, podem ocorrer na fala das crianças nesse

estágio. Para o autor, casos de ausência do morfema flexional de pessoa seriam exemplos de

uso do não finitivo no lugar de finitivo, já que o inglês, por exemplo, existe a marcação do

morfema zero para o não finitivo e, assim, a falta do “-s” para a concordância de 3ª pessoa se

configuraria como um exemplo de uso do não finitivo. Pelo fato de OI ser um período

transitório, as crianças, em alguns momentos, marcariam a flexão e, em outros, não.

Entretanto, mesmo com uma marcação inconstante, as crianças devem ser tidas como

conhecedoras do sistema flexional de sua língua, isso porque elas não produzem sentenças

como “They likes tea” ou “We plays games”, isto é, as crianças não utilizam flexão de 3ª

pessoa para casos de 1ª ou 2ª pessoa. Desse modo, fica evidenciado que as crianças podem

deixar de marcar a concordância, mas elas não optam pela supermarcação.

No que diz respeito à marcação de negação, no estágio OI, as crianças podem produzir

sentenças típicas da língua ou com variação em marcação de concordância, como em “She not

play23”. Considerando que a inserção de “be” assim como de “do” acontece para checagem de

traços de tempo e considerando a opcionalidade de tempo para crianças em estágio OI, então

seriam possíveis sentenças como “She playing” com a terminação “ing”, garantindo o sentido

progressivo. As crianças têm o conhecimento natural das regras morfossintáticas de suas

línguas, no caso do inglês, elas sabem que “do” e “be” se movimentam para a checagem de

traços, daí a razão pela qual elas não formulariam sentenças como “Do he play?” ou” Be he

there?”, pois elas violariam a condição de que verbos no não finitivo não se movem.

Nesse sentido, de acordo com Wexler (op. cit.), a caracterização do estágio OI se daria

pela variação, já que as crianças, além das orações principais com verbos no não finitivo,

também produzem orações com verbos flexionados. Assim, verificar-se-ia que a criança

conhece a diferença entre finito e não finito e as relações morfossintáticas envolvidas no

movimento dos verbos. Wexler (op. cit.) sugere que a possibilidade da ocorrência de OI em

determinado momento é permitida em virtude do processo maturacional. Até o momento da

22 Em língua inglesa a marcação de 3ª pessoa do singular é feita por –s. No caso dos exemplos acima, os verbos deveriam estar marcados como likes e plays, respectivamente. 23 A sentença tida como “correta” deveria ser “She does not play.”.

56

maturação, as crianças iriam permitir a marcação de não finitivo, depois da maturação isso

não poderia acontecer.

Em 1998, Wexler propõe uma expansão da sua argumentação a respeito do período

OI. Segundo o autor, a gramática infantil permitiria a variação de marcação de flexão devido a

uma restrição que existiria somente em OI e, diante disso, propõe-se, então, o que ficou

conhecido como Restrição de Checagem Única (RCU). Essa restrição se daria pela

impossibilidade de as crianças realizarem duas checagens de traços não interpretáveis, sendo

uma de tempo e a outra de concordância. Além disso, na gramática infantil em estágio OI,

ocorreria a valoração em apenas uma dessas categorias. Daí aconteceria a convergência de

uma estrutura com a ausência ou de tempo ou de concordância.

Wexler (op. cit.) defende a hipótese de que não existe distinção entre GUinfantil e

GUadulta. Para o autor, o cerne da questão é que, na gramática infantil, existiria uma limitação

maturacional que permitiria que as produções infantis fossem diferentes das produções adultas

(a gramática do adulto é o alvo, ou seja, trata-se do modelo que a criança segue), e, além

disso, essa limitação seria temporária, pois a maturação do aparato linguístico seria análoga ao

desenvolvimento de outros sistemas biológicos da criança.

Nossa pesquisa tem como um de seus objetivos a análise de flexões verbais, e, por

isso, parece-nos cabível verificar em que medida os postulados de Wexler podem ser

confirmados. Nossos dados podem validar ou não a existência de um Estágio Infinitivo

Opcional na gramática de crianças em fase de aquisição de linguagem

4.2.2 A Proposta de Charles Yang

Nesta seção, abordaremos as pesquisas de Charles Yang, especialmente no que diz

respeito à aquisição de tempo. Isso porque o traço tempo é objeto desta pesquisa e, desse

modo, acreditamos ser pertinente uma abordagem que privilegie a aquisição dessa categoria.

Yang (2002, 2004) propõe que as categorias funcionais estariam disponíveis desde

muito cedo para todas as crianças. De acordo com o modelo proposto pelo autor, a fixação

dos parâmetros começaria em concorrência. Isto é, durante o período de aquisição da

linguagem, a criança contaria com algumas gramáticas (G1, G2, G3, G4, G5...) com valores

variáveis para os parâmetros. Na medida em que fosse exposta à língua, a criança confirmaria

a gramática com valor correspondente ao que ocorre na língua em aquisição e abriria mão das

outras gramáticas com valores não correspondentes. Desse modo, as informações nas falas

dos adultos que fossem relevantes para fixação da gramática da criança (ordem entre sujeito,

57

verbo, objeto, por exemplo) forneceriam a ela elementos para confirmação de qual gramática

(das que estiverem em competição) tem o maior peso. Assim, de acordo com Yang (op. cit.),

quanto maior a exposição a inputs, mais aceleradamente a criança adotará uma gramática

como correspondente à sua língua. Obedecendo ao mesmo raciocínio, quanto menos inputs o

indivíduo receber, menor será a rapidez com que eliminará uma gramática concorrente.

A proposta de Yang é conhecida como Modelo Variacional (MV) e consiste na

hipótese de que, além dos princípios inatos, existiria também um efeito estatístico, capaz de

auxiliar na aquisição da linguagem. A partir do que a criança é exposta, ocorreria a

estabilização do valor correto para os parâmetros de sua língua. Antes de ocorrer essa

estabilização, as gramáticas com valores não correspondentes estariam disponíveis e seriam

eliminadas na medida em que os valores de inputs correspondentes se intensificassem. De

acordo com o autor, isso explicaria as sentenças diferentes produzidas pelas crianças e que são

distintas das dos adultos. É importante dizer que uma fala tida como não correspondente para

a língua natural da criança pode ser uma opção correspondente em outra língua. Por isso,

podemos dizer que não haveria nenhum desvio que não seja explicado pela proposta da GU.

Para Yang, a não correspondência das falas infantis e a evolução de sua linguagem seriam

decorrentes da competição das gramáticas e não ao exercício de uma gramática sem

correspondência.

Para a aquisição de flexão de tempo pretérito no MV, Yang (2002) esclarece a

existência de três padrões na aquisição de tempo pretérito em língua inglesa. Primeiramente,

crianças e adultos, de forma geral, flexionam verbos desconhecidos com sufixo –d, como em

work – worked. Em segundo lugar, crianças muito novas tendem a super-regularizar a flexão

com o mesmo sufixo, como em eat – eated ao invés de utilizar a forma irregular ate. Em

terceiro lugar, crianças podem aplicar regras de formação de passado irregular de maneira

incorreta, formando palavras como bring-brang e wipe –wope, por exemplo.

A partir desses dados, Yang (op. cit.) propõe o The Words and Rule24 (WR), modelo

de formação de pretérito, originalmente proposto por Pinker e outros autores (1995, 1999).

Neste modelo, o sistema computacional é composto de dois elementos para a formação do

pretérito: o elemento palavra e o elemento regra. O elemento regra (conforme postula a teoria

gerativa): verbos regulares devem ser flexionados fazendo uso de uma regra fonológica

default, em que se acrescenta –d à raiz verbal. Com isso, podemos explicar porque muitas

vezes adiciona-se –d em verbos desconhecidos. Em relação ao elemento palavra: os verbos

24 Tradução: As palavras e a regra

58

irregulares seriam aprendidos no componente palavra, que funcionaria como uma rede de

conexão, direcionada pela comparação de pares entre raiz e sua flexão no pretérito. A

comparação seria condicionada pela frequência de verbos irregulares à que a criança é

exposta. Assim a memorização de verbos irregulares levaria tempo. Na ocasião em que a

memória da criança falhasse para uma forma irregular, a forma default (-d) apareceria, o que

explica o segundo padrão de produção de flexão de pretérito das crianças, ou seja, os “erros”

de super-regularização de verbos regulares da criança.

Ao apresentar o modelo WR, Yang faz uma introdução ao modelo de Regras e

Competição (RC), que trata os verbos regulares e irregulares sob o viés da fonologia gerativa.

Assim como no modelo WR, assume-se a presença de uma regra default, que insere o sufixo –

d à raiz que, em princípio, é aplicada a todos os verbos. Em oposição ao modelo WR, o

pretérito irregular passaria ser entendido como formação por uma regra fonológica. Isto é,

erros como a super-regularização não são lapsos de memória, mas resultados da falha da

aplicação de uma regra fonológica regular apropriada sobre a regra default.

A ideia do modelo RC é a de que existiriam várias regras fonológicas que seriam

aplicadas aos verbos irregulares, os quais seriam organizados em grupos de acordo com suas

regras de conversão para o pretérito.

Yang (2002) apresenta as regras conforme o quadro a seguir. Podemos ver, na coluna

da esquerda, o índice do uso correspondente dos verbos em língua inglesa por parte da

criança, e, do lado direito, a frequência flexionada no pretérito por parte dos adultos.

Quadro 6 – Regras de formação de pretérito irregular no Inglês Verbos agrupados por classe Frequência de Input

a. [- t & Vowel Shortning]

lose (80/82 = 97.6%) lost (63)

leave (37/39 = 94.9%) left (53)

b. [ - t & rime a]

catch (132/142 = 93.0%) caught (36)

think (119/137= 86.9%) thought (363)

bring (30/36 = 83.3%) brought (77)

buy (30/36 = 83.3%) bough (70)

c. [- Ø & No Change]

put (239/251 = 95.2%) put (2,248)

hit (79/87 = 90.8%) hit (66)

hurt (58/67 = 86.6%) hurt (25)

cut (32/45 = 71.1%) cut (21)

59

Verbos agrupados por classe Frequência de Input

d. [-Ø & Vowel Shortning]

shoot (45/48 = 93.8%) shot (14)

bite (33/37 = 89.2%) bit (13)

e. [-Ø & Backing ablaut]

get (1269/132 = 95.9%) got (1,511)

take (118/131 = 90.1%) took (154)

write (20/27 = 74.1%) wrote (28)

win (20/36 = 55.6%) win (36)

f. [-Ø & Rime u]

know (17/23 = 73.9%) knew (49)

throw (11/34 = 32.4%) threw (28)

Fonte: YANG (2002, p.78-79)

A primeira regra apresentada no quadro acima, por exemplo, prevê o encurtamento da

vogal para os verbos lose e leave, que, na forma pretérita, passam a ser lost e left,

respectivamente. Na fala dos adultos, encontramos a frequência de 63 para lost e 53 para left.

As crianças pesquisadas, por sua vez, teriam um índice de uso correto de 97,6% para o lose-

lost e 94,9% para leave-left.

De forma geral, o que se propõe no RC é que os verbos que aparecem mais no input

tenham uma taxa de uso correspondente mais alto. Isso porque a fixação dos parâmetros dos

verbos irregulares parece ser proporcional à exposição a que a criança é submetida à língua.

No entanto, os dados da pesquisa mostram que alguns verbos que não apresentam alta

frequência de input não têm resultados análogos à quantidade de exposição da criança, ou

seja, em alguns casos, mesmo o nível de exposição sendo baixo, obteve-se alto grau de acerto.

Isso não pode ser explicado pelo modelo WR, mas de acordo com o modelo RC, embora o

verbo tenha sido pouco ouvido, tem um peso mais alto, pois outros membros da classe têm

uma frequência mais alta no input.

Em síntese, podemos dizer que, para Yang (op. cit.), a aquisição da linguagem dar-se-

ia baseada na probabilidade linguística de maior grau de inputs. Uma vez descartadas as

gramáticas concorrentes, a criança passaria a fixar somente os parâmetros da língua a que é

exposta, seja pelo alto grau de inputs, seja pelo peso da classe verbal à que pertence o verbo a

ser conjugado.

60

Na próxima seção, trataremos da proposta de Mark Baker, para que, no final,

possamos criar um quadro comparativo das proposições feitas pelos três autores que

escolhemos para essa pesquisa.

4.2.3 A Proposta de Mark Baker

Baker (2005, p.3) defende que a capacidade de aquisição da linguagem é inata,

entretanto, o processo de aquisição não pode ser tido como completamente inato, pois, se

assim o fosse, todos os seres humanos falariam a mesma língua. Para ele, traços gramaticais

que distinguem uma língua de outra devem ser adquiridos durante determinado período de

tempo.

De acordo com o autor, é muito raro podermos fazer asserções universais sobre as

línguas naturais (como as do tipo: todas as línguas têm consoantes e vogais, todas as línguas

têm verbos, etc.), por isso é importante ter foco sobre como as diferenças sobre as línguas são

fixadas.

No português, por exemplo, o verbo, de um modo geral, vem antes do objeto,

diferentemente do japonês, em que o verbo vem depois do objeto. Com isso, pode se observar

que, a partir de certas escolhas, a ordem das palavras na sentença é variável de língua para

língua. De acordo com Baker (op. cit.), Greenberg (1963) observou que, nas línguas em que o

verbo antecede o objeto, as preposições também antecedem os sintagmas nominais, o que é

inverso em línguas cujo verbo é sucessor ao objeto. Nesses casos, as preposições também são

sucessoras aos sintagmas nominais. Além disso, Baker aponta para diferenças entre línguas

latinas e línguas orientais, tais como marcação de tempo e uso de artigos definidos no

sintagma nominal.

Uma das hipóteses de Baker é a de que a criança poderia, a partir do bootstrapping25

sintático, potencializar o conhecimento de itens lexicais e seus significados. O autor se vale

do exemplo de uma conjunção subordinada desconhecida pela criança. A ideia é que tal

palavra, estranha à criança, ao ser colocada na posição onde deveria aparecer uma conjunção

subordinada, forneceria a pista de que a palavra pertenceria a essa classe (conjunção

subordinada). Além de já perceber a categoria gramatical devido à posição que a palavra

ocupa na sentença, a criança poderia também perceber o sentido dessa conjunção subordinada

a partir das ideias apresentadas nas sentenças utilizadas com outras conjunções de mesma

25 Traduzido como “alavancamento”. A criança construiria sentidos para os itens lexicais a partir da posição destes na sentença, isto é, a partir da estrutura sintagmática.

61

natureza. Na sentença “Eu sou muito estudioso, embora nem sempre tire notas boas”, a

criança poderia perceber pela posição sintática que é ocupada pela palavra “embora” e pelas

ideias encadeadas nas sentenças do período, que se trata se uma conjunção concessiva.

Dito isso, Baker utiliza a teoria dos Princípios e Parâmetros para explicar que as

diferenças anteriormente citadas podem ser verificadas por um parâmetro de variação. No

caso da diferença entre inglês e japonês, por exemplo, o parâmetro em questão é o da

direcionalidade de núcleo, que se diferenciaria no contraste entre o inglês e o japonês. Assim,

para o autor, esse parâmetro seria o responsável, na língua inglesa, pelo fato de o verbo vir

antes do objeto, de a preposição vir antes do nome, de a conjunção vir antes da sentença

encaixada e de o verbo auxiliar com marcação de tempo vir antes do verbo principal. Todas

essas marcações seriam inversas para o japonês. Baker (2005) propõe o seguinte diagrama

para explicar a direcionalidade do núcleo nas duas línguas citadas:

Figura 14 – Diagrama do parâmetro direcionalidade do núcleo

Fonte: BAKER (2005, p.103)

Baker (op. cit.) propõe ainda a discussão sobre a questão da concordância nas línguas.

Para ele, em algumas línguas, os verbos podem concordar com nenhum SN (como em línguas

orientais: japonês, mandarim, etc.), com apenas um SN, desde que este seja sujeito (como no

espanhol), com um ou dois SNs, um sendo sujeito e o outro sendo, facultativamente, o objeto

(como em chichewa) e com dois SNs um sujeito e um objeto, necessariamente (como ocorre

em Mohawk). Não obstante, no lugar de abordar a concordância como um parâmetro de

várias configurações, o autor considera como quatro parâmetros, sendo que a configuração de

62

cada um depende de cada língua. Mohawk, por exemplo, tem valor positivo para dois

parâmetros de concordância, diferentemente do espanhol, que possui apenas um parâmetro.

Línguas como inglês e francês teriam basicamente a mesma configuração de

parâmetros no que tange à posição das palavras. Nas duas línguas, o sujeito vem antes do

predicado, verbos auxiliares antes do sintagma verbal e verbos antes de objetos. Entretanto,

em relação à forma de negação, existe uma divergência entre essas línguas, já que, no inglês,

o verbo principal permanece no mesmo lugar e o tempo é marcado pelo verbo auxiliar, o que

significa que a partícula de negação aparece antes do verbo principal (exemplo: “Leticia did

not come to the school”); no caso do francês o verbo move-se para a marcação de tempo e,

por isso, aparece na sentença antes da partícula de negação (exemplo: “Leticia (ne) mange pás

le gateau”).

Para Baker, o parâmetro responsável pela diferença entre as duas línguas comparadas,

seria de menor escala, uma vez que apresenta uma pequena diferença entre línguas

essencialmente parecidas.

Outro exemplo dado pelo autor é o da posição do sujeito no galês. Trata-se de mais

uma língua próxima ao inglês e francês na estruturação das sentenças que, no entanto, se

diferencia na posição do sujeito, pois, quando o verbo encontra-se flexionado, o sujeito ocupa

posição depois do verbo auxiliar com marcação de tempo.

Dito isso, Baker afirma que alguns parâmetros teriam maior impacto na formação da

sentença e outros não. O parâmetro da direcionalidade do núcleo é responsável pela

estruturação da sentença por inteira, ao passo que o parâmetro de atração do verbo (no caso do

francês, por exemplo) seria mais específico em uma parte da sentença e só apareceria no caso

de existência de uma partícula de negação e/ou um advérbio.

A existência de parâmetros de maior e menor peso sugere a sobreposição de

parâmetros. Isto é, para o autor deve haver uma hierarquização paramétrica. O que implica em

dizer que a aquisição de um parâmetro poderia afetar a aquisição de outro.

O parâmetro da atração do verbo seria muito importante para marcar a distinção entre

algumas línguas, conforme citados os casos do inglês, francês e galês, porém, não influencia

línguas orientais, como japonês e mandarim. Dessa forma, o parâmetro da direcionalidade se

sobreporia ao parâmetro de atração do verbo, pois o segundo só seria aplicado depois de

configurado o primeiro. Se o parâmetro de direcionalidade de núcleo for fixado como o

japonês, o parâmetro da atração torna-se sem valor na formação da sentença.

Podemos dizer assim que um parâmetro que define uma diferença entre grupos de

línguas seria superior ao parâmetro que diferencia línguas do mesmo grupo. Diante disso,

63

Baker (2005, p. 119) propõe que “O parâmetro X é mais alto do que o parâmetro Y se e

somente se Y produz uma diferença de um tipo de linguagem definida por X, mas não em

outra”. Seria tarefa da criança configurar o parâmetro X, anteriormente a Y, somente se X se

sobrepuser a Y.

É importante esclarecer que um parâmetro não tem que, necessariamente, ser superior

a outro, pois alguns podem apresentar efeito equivalente nas línguas. A proposta de Baker

para casos como este é que houvesse combinações de dois parâmetros, em que cada um teria

duas opções, facultando, assim, quatro tipos de parâmetros para as línguas. No caso de

parâmetros independentes, não ocorreria ordenação específica, pois os parâmetros

independentes não criam contextos para a formulação de outros.

Baker (2005) afirma que o parâmetro de colocação do sujeito, que estaria relacionado

à junção do sujeito com o verbo principal ou com o auxiliar, funcionaria junto com o

parâmetro de atração do verbo em determinadas línguas e criariam a ordem verbo-sujeito-

objeto. Esses parâmetros estariam subordinados ao parâmetro de direcionalidade de núcleo,

porque seus efeitos seriam vistos somente nas línguas em que a posição é sujeito-verbo-

objeto. Nessas línguas, o parâmetro de direcionalidade de núcleo determinaria se o sujeito

viria depois de um marcador de tempo independente ou de um verbo flexionado, como em

galês; ou antes do marcador de tempo o verbo flexionado, como no inglês e no francês. Por

outro lado, em línguas orientais como mandarim e japonês, o marcador de tempo o verbo

flexionado sempre vem ao final de qualquer forma, o que levou Baker a concluir que o

parâmetro de colocação do sujeito é subordinado ao parâmetro de atração do verbo.

Sendo assim, Baker (op. cit.) postula a “hierarquia dos parâmetros” ou “tabela

periódica das línguas”, conforme figura a seguir:

64

Figura 15 – Diagrama da Hierarquia de Parâmetros

Fonte: BAKER (2005, p.123)

De acordo com a figura anterior, Baker (op. cit.) conclui que o parâmetro mais alto

seria o de concordância, ou seja, da concordância do verbo principal com nenhum, um ou dois

SNs. Esse parâmetro está no topo do diagrama porque divide línguas bem distintas. Em

seguida, o parâmetro de direcionalidade do núcleo, que trata da posição do núcleo nas

sentenças. Diante disso, algumas línguas seriam configuradas como “nomes antes” e outras de

“nomes depois”, em que o verbo estaria posterior ou anterior ao objeto. Seguinte aos dois

parâmetros acima, viria o parâmetro de atração do verbo, que diz respeito à movimentação do

verbo principal em algumas línguas. Logo abaixo, viria o parâmetro de colocação do sujeito,

que diz respeito à junção do sujeito com o verbo auxiliar ou com o verbo principal, de acordo

com os movimentos já fixados pelo parâmetro de atração do verbo. Por último, viria o

parâmetro “Pro-Drop”, que trata do licenciamento (ou não) do sujeito nulo. No espanhol

(assim como no português), é permitido o sujeito nulo, o que não acontece no francês.

Um sistema paramétrico organizaria hierarquicamente o processo de compreensão da

aquisição de linguagem, uma vez que lineariza o processamento mental das línguas naturais.

O problema é que não se sabe quais são os mecanismos utilizados pelas crianças e tampouco a

maneira como é fixado cada um dos parâmetros. De acordo com Baker, não existe

conhecimento sobre como ocorre a fixação do primeiro parâmetro.

65

Para o autor, o parâmetro da direcionalidade do núcleo é adquirido bem cedo. Ele

demonstra que dados das pesquisas de Bloom (1970), Brown (1973) e Slobin (1985) apontam

que, desde as primeiras produções (entre 18 e 22 meses de idade), esse parâmetro já se mostra

consolidado, fato este que comprova a hipótese de que tal parâmetro se encontra em um alto

nível hierárquico.

O parâmetro de atração do verbo seria o próximo a ser fixado. Isso porque, de acordo

com Baker (op. cit.), dados de Deprez e Pierce (1993) sugerem que esse parâmetro é

consolidado por volta dos 21 meses de idade. Nos estudos a que Baker faz referência, as

crianças em aquisição de francês utilizam o verbo flexionado antes da partícula de negação,

isto é, como o movimento para a marcação de tempo. Quando os verbos se encontram no

infinitivo, eles não se movimentam, uma vez que a marcação de tempo não se faz necessária.

Para sintetizar sua hipótese de hierarquia dos parâmetros, Baker (2005) apresenta o

seguinte quadro:

Quadro 7 – Hierarquia de Parâmetros e o tempo de aquisição relacionado TEMPO DE AQUISIÇÃO DE PARÂMETRO

NOME DO PARÂMETRO ORDEM TEMPO DE AQUISIÇÂO

Concordância 1 Desconhecido

Direcionalidade de núcleo 2 18-21 meses

Atração de verbo 3 22 meses

Colocação de sujeito 4 24-25 meses

Sujeito nulo 5 27 meses

Fonte: BAKER (2005, p. 127)

A proposição de uma hierarquia para fixação dos parâmetros pode ser uma importante

ferramenta para compreensão de quando e como acontece a aquisição da linguagem. Baker

deixa claro que seus estudos são apenas um “pontapé” inicial, pois se faz necessário estudar

mais profundamente outros parâmetros dentro dessa perspectiva, bem como elaborar

metodologias que definam com maior precisão o tempo de configuração de cada um.

Conforme já dissemos anteriormente, o foco de nosso trabalho está na aquisição das

categorias tempo e aspecto. Assim, o parâmetro proposto por Baker que mais se aproxima de

nosso objeto de pesquisa é o parâmetro da concordância, pois o autor propõe que este seria

um parâmetro divido em outros quatro, com o objetivo de verificar se há concordância com

nenhum, um, dois (um sendo sujeito e o outro, facultativamente, um objeto) ou dois (um

66

sendo sujeito e o outro, necessariamente, objeto). Isso explicaria o porquê de os traços de

concordância com o verbo estariam abrigados em T. No caso dos nossos dados, que foram

coletados por falantes de língua portuguesa, o parâmetro adotado seria aquele em o verbo

concorda com um SN (sendo este sujeito). A análise dos nossos dados pode colaborar na

comprovação desse parâmetro.

4.2.4 Avaliação das Propostas de Modelos

A seguir, abordaremos a proposta de Thornton e Tesan (2007), que fazem uma

avaliação dos modelos de Yang, Baker e Wexler.

Em face às diferentes propostas de modelos de aquisição de linguagem, Thornton e

Tesan (op. cit.) optaram pela escolha de parâmetros que tratam das categorias funcionais a fim

de verificar qual modelo sustentaria melhor os dados26 por elas coletados. Os parâmetros

escolhidos pelas pesquisadoras dizem respeito à flexão verbal e à marcação da forma

negativa.

O parâmetro de flexão verbal adotado na pesquisa tinha como base a teoria de

morfologia verbal híbrida de Lasnik (1995 apud Thornton e Tesan (2007)). De acordo com

essa teoria, as línguas selecionariam uma categoria de flexão que teria a propriedade de ser

traços ou afixal. A escolha entre traços ou afixos determinaria, para cada língua natural, como

o verbo e sua morfologia seriam combinados na derivação sintática. Se uma língua seleciona

uma categoria de flexão com propriedades de traços não interpretáveis, então esses traços

seriam gerados em um nódulo de flexão e deveriam ser checados por uma categoria

apropriada no processo de derivação. O verbo é, normalmente, o item lexical responsável pela

checagem dos traços não interpretáveis em ST27. Em francês, por exemplo, o verbo principal é

inserido na derivação sintática com a flexão e se move do SV para ST para checagem de seus

traços não interpretáveis. Línguas que selecionam o valor afixal de parâmetro de flexão teriam

diferentes requisitos. O afixo seria gerado em ST e se manteria nessa posição. De acordo com

as autoras, os afixos não se movimentariam na derivação sintática.

Thornton e Tesan (op. cit,) entendem que o parâmetro de negação estaria relacionado

ao fato de a partícula de negação ocupar o lugar de núcleo ou de especificador. Essa escolha

teria grande impacto na ordem das palavras nas sentenças. Em uma língua em que a partícula

de negação seja configurada como núcleo, o verbo apareceria depois da negação da sentença.

26Os dados coletados são de quatro crianças em fase de aquisição de linguagem. São dados da língua inglesa. 27 ST é atualmente o que se chamava de INFL.

67

As autoras citam o italiano como exemplo: “Juan no habla italiano28”. Por outro lado, em uma

língua em que a partícula de negação seja configurada especificador, o verbo apareceria antes

da partícula de negação, como ocorre no francês. As autoras trazem o francês como exemplo:

“Jean ne-parle pas grec29.” Mesmo sabendo que a noção de flexão e negação estariam em

parâmetros distintos, esses parâmetros interagiriam quando a negação causasse algum efeito

no modo de flexão.

O esquema a seguir mostra a configuração de algumas línguas de acordo com a

configuração dos parâmetros relacionados à flexão e à negação:

Figura 16: Configuração de línguas para dois parâmetros

Fonte: THORNTON; TESAN (2007, p.71)

De acordo com a figura anterior, o francês seria uma língua de traço com a negação no

especificador, o espanhol uma língua de traço com negação no núcleo, já o sueco, por outro

lado, seria afixal com a negação no especificador e o inglês30 seria uma língua afixal com

negação no núcleo. A partir desse esquema, podemos perceber também que a criança em fase

inicial de aquisição de linguagem tem quatro opções de verificação dos dados dos inputs que

recebe. Nesse período, a criança poderia configurar algum dado de forma diferente da língua

em que está sob exposição e é justamente por isso que algumas produções infantis parecem

estranhas (soam até mesmo estrangeiras), pois ainda não estariam completamente

consolidadas.

Estabelecidos os parâmetros a serem pesquisados, Thornton e Tesan (op. cit.)

propuseram alguns critérios de verificação da validade dos modelos de aquisição de

parâmetros propostos por Yang (2002), Wexler (1996) e Baker (2005). Esses critérios seriam

28 Tradução: João não fala italiano. 29 Tradução: João não fala grego. 30 De acordo com nota de Thornton e Tesan (2007), o inglês não tem um comportamento uniforme, pois verbos auxiliares e modais são inseridos na sentença com valor de traço, ou seja, devem se mover para valoração de traços não interpretáveis.

68

de continuidade, uniformidade, ordenação, ponto de partida, requisito de input, trajetória e

conformidade.

O critério de continuidade estaria relacionado ao pressuposto de que cada valor de

parâmetro seria totalmente especificado pela GU. Dessa forma, qualquer configuração inicial

seria pertinente às línguas naturais, mesmo que determinado valor não fosse validado na

língua em que a criança estivesse inserida.

O critério da uniformidade seria o da ideia de que todas as crianças seriam expostas a

uma distribuição de expressões ou estruturas linguísticas semelhantes.

No critério da ordenação poderia verificar-se se, de fato, existe uma hierarquia na

aquisição de categorias ou se não existe nenhuma ordem.

O critério do ponto de partida estaria relacionado aos valores iniciais de definição dos

parâmetros. Em um modelo que previsse valores alternantes, a criança produziria sentenças

ora com um parâmetro, ora com outro. Um exemplo é parâmetro do sujeito nulo, pois, em

alguns momentos, a criança explicita o sujeito na sentença e, em outros, não.

No critério de requisito de input, verificar-se-ia se os dados de entrada para definição

seriam suficientes em qualquer quantidade ou se seria necessária uma maior quantidade

desses dados para confirmação dos parâmetros. Além disso, trataria de verificar se um

parâmetro mais recorrente seria fixado antes de outro parâmetro menos recorrente.

O critério da trajetória seria o do padrão de definição dos parâmetros, isto é, se os

parâmetros seriam fixados em uma curva gradual ou em uma reta que sofre alteração de

direção de forma abrupta. As autoras entendem como abrupta a fixação de parâmetros num

período de três meses.

O critério do requisito de conformidade verificaria se as crianças apresentam o mesmo

curso de desenvolvimento para definição de parâmetros ou se existem diferenças individuais.

Uma vez esclarecidos os dados, podemos expor a análise de Thornton e Tesan (op. cit)

através dos três quadros a seguir:

69

Quadro 8 – Avaliação do modelo de Wexler WEXLER

Continuidade

Alguns princípios linguísticos são biologicamente programados para se tornarem operacionais posteriormente a outros.

Uniformidade Crianças no mesmo ambiente linguístico encontram uma distribuição similar de expressões linguísticas.

Ordenação Os parâmetros são independentes. Ponto de Partida Crianças partem de um único valor, mas podem adotar

outro. Requisito de input Diferenças nos dados dos inputs causam pequeno impacto

na configuração dos parâmetros. Não é necessário um mecanismo estatístico.

Trajetória A formação da gramática é por mudanças abruptas. Conformidade Os parâmetros ocorrem tão precocemente que diferenças

individuais quase não serão observadas. Fonte: Elaborado pelo autor

Quadro 9 – Avaliação do modelo de Yang YANG

Continuidade

Todos os valores de parâmetros estão na GU. Esse modelo assume a continuidade.

Uniformidade Crianças no mesmo ambiente linguístico encontram uma distribuição similar de expressões linguísticas.

Ordenação Os parâmetros são independentes. Ponto de Partida Crianças começam com os valores de parâmetros em

competição. Requisito de input A quantidade de dados é determinante para a configuração

dos parâmetros. Existe um mecanismo estatístico que auxilia a configuração paramétrica. Os parâmetros com mais inputs serão primeiramente configurados.

Trajetória A formação da gramática é caracterizada gradualmente. Conformidade Uma vez assumida a uniformidade do input, diferenças

individuais não são previstas. Fonte: Elaborado pelo autor

70

Quadro 10 – Avaliação do modelo de Baker BAKER

Continuidade

Todos os valores de parâmetros estão na GU. Esse modelo assume a continuidade.

Uniformidade Crianças no mesmo ambiente linguístico encontram uma distribuição similar de expressões linguísticas.

Ordenação Os parâmetros são independentes. Ponto de Partida Crianças começam com um único valor de

parâmetro, embora outros os valores possam ser selecionados.

Requisito de input Diferenças nos dados têm pequeno impacto na configuração dos parâmetros. Não é necessário mecanismo estatístico.

Trajetória Há mudanças abruptas. Conformidade Alguns parâmetros precisam ser

adquiridos antes do que outros. Como as crianças podem adotar valores distintos para o mesmo parâmetro inicialmente poderá haver diferenças no tempo de configuração desses parâmetros, assim, têm-se diferenças individuais.

Fonte: Elaborado pelo autor

Os três quadros anteriores demonstram uma previsão de cada modelo perante os

critérios estabelecidos por Thornton e Tesan (op. cit.). Contudo, diante dos dados coletados,

as autoras optaram por fazer uma escolha dos modelos mais adequados a partir dos três

principais critérios que fazem distinção entres os modelos, que são: valor inicial, trajetória e

conformidade.

O modelo proposto por Wexler, no ponto de vista de Thornton e Tesan (op. cit.) não

seria capaz de tratar dos dados coletados e, por isso, optaram por focar na avaliação do

modelo variacional de Yang e no modelo de aquisição hierárquica de Baker.

Referente ao ponto de partida, os dados coletados sugeririam que as crianças

inicialmente começariam apenas com um valor para os parâmetros, o qual seria

posteriormente alterado para valores da língua das crianças (inglês), caso tivessem iniciado

com um valor diferente. Quanto ao valor de flexão, algumas crianças começariam com o valor

de traço e outras com valor afixal. Para o parâmetro da negação, uma criança teve

inicialmente essa partícula como núcleo e as outras como especificador. Durante a pesquisa,

as crianças estabilizaram a parametrização e assumiram o valor pertinente para sua língua,

que é afixal para flexão e de núcleo para negação. Não se constatou na pesquisa das autoras

que as crianças operariam simultaneamente com dois valores de parâmetros a fim de escolher

71

um. Assim, nesse primeiro momento, os dados seriam mais bem enquadrados no modelo

variacional de Yang.

No que tange à trajetória, não se observou uma curva gradual, mas foi possível

perceber uma reta com mudanças abruptas. Essa previsão também se enquadraria no modelo

variacional de Yang.

No que diz respeito à conformidade, o enquadramento só foi possível no modelo de

aquisição hierárquica. Isso porque, no Modelo Variacional, previa-se uma estabilidade

relativamente equilibrada para a aquisição dos parâmetros para todas as crianças e no modelo

de aquisição hierárquica não existiria a previsão de conformidade. De acordo com as autoras,

não ocorreu conformidade, já que as crianças iniciaram com valores distintos para os

parâmetros; algumas configuraram o valor adequado (tendo em vista a língua do adulto) e

outras tiveram início com valores não pertinentes àquela língua. Desse modo, a estabilização

da parametrização para a criança que começou com valor adequado aconteceu anteriormente à

criança que teve início com um parâmetro não pertinente à língua em exposição.

Diante da avaliação proposta pelas autoras, podemos sintetizar o melhor

enquadramento da seguinte maneira:

Figura 17 – Esquema de melhor enquadramento Thornton e Tesan.

Fonte: Elaborada pelo autor

Thornton e Tesan (op. cit.) chegam à conclusão de que não seriam necessários

mecanismos estatísticos e afirmam que não compreendem, por completo, os mecanismos que

definem as mudanças gramaticais, entretanto, postulam que esses mecanismos seriam

sensíveis ao desenvolvimento gramatical mental das crianças e não refletiriam suas

experiências linguísticas.

Até este momento, tratamos de três modelos de aquisição paramétrica, cujo objetivo

era o de explicar os dados de produção das crianças em fase de aquisição de linguagem. Além

72

disso, trouxemos uma avaliação desses modelos com base em critérios que procuravam

diferenciar um modelo de outro a fim de mostrar qual modelo seria mais apropriado para cada

um dos critérios. A seguir, trataremos da última seção deste capítulo, que é sobre a aquisição

de aspecto.

4.3 Aquisição de Aspecto

Nesta seção, nos atentaremos para exposição de algumas abordagens a respeito da

aquisição de aspecto. Nosso objetivo é verificar em que medida essas concepções aqui

trazidas corroboram com nossa hipótese de dissociação entre tempo e aspecto. Além disso,

faremos uma breve exposição de alguns estudos que defendem a ideia de que o aspecto lexical

pode influenciar no surgimento do aspecto gramatical. Ou seja, se um verbo que é télico

influencia o surgimento da forma perfectiva e se um verbo que é atélico influencia o

surgimento da forma imperfectiva.

Os trabalhos a que recorremos foram produzidos majoritariamente entre as décadas de

70 e 80, visavam à validação da proposta de Jakobson (1957), cuja ideia era a de que o

aspecto verbal é adquirido antes de tempo.

De acordo com os trabalhos de Bronckart & Sinclair (1973) e Bloom, Lifter & Hafitz

(1980), durante o estágio cognitivo pré-operacional, as crianças marcariam apenas as

distinções aspectuais, na medida em que tais distinções se referem a propriedades de eventos

particulares. Durante esse estágio, as crianças tenderiam a prestar mais atenção às

características particulares do que às gerais. O uso de formas verbais indicando tempo

ocorreria apenas durante o estágio operacional. Assim, crianças pequenas teriam dificuldade

para representar relações temporais.

O primeiro trabalho sobre aquisição de aspecto apresentado com essa concepção foi o

de Bronckart & Sinclair (1973). Esses pesquisadores estudaram crianças entre 2,11 a 8,7 anos

de idade aprendendo francês. Foi possível verificar uma interação semântica dos verbos e a

aparição de afixos verbais. O experimento era bem simples, o pesquisador manipulava alguns

brinquedos e, em seguida, pedia às crianças um relato sobre o que elas tinham assistido.

Assim, era esperado que todas as crianças construíssem suas sentenças no pretérito, pois as

ações já haviam se completado. No entanto, as crianças de até 6 anos de idade utilizaram

tempo presente para algumas situações. Quando a cena implicava resultado claro (ou seja, +

télica), a criança utilizava morfema de perfectividade, por outro lado, quando o final da cena

não era claro (ou seja, situação - télica), a criança se valia de morfema de imperfectividade.

73

Diante desses resultados, Bronckart & Sinclair (op. cit.) defenderam que o uso que a criança

faz da flexão verbal é principalmente uma codificação de aspecto, e não de tempo. Isso já nos

apontaria para a existência de duas camadas flexionais, uma de tempo e a outra de aspecto.

Em uma pesquisa muito semelhante, Bloom, Lifter & Hafitz (1980) investigaram

crianças em fase de aquisição da língua inglesa. Os resultados obtidos sugeriram certa relação

entre o traço semântico de duratividade do verbo e o afixo verbal empregado. No caso de

verbos +durativos (como “brincar” e “correr”), as crianças empregaram afixo –ing,

responsável por codificar o aspecto progressivo, ao passo que, com verbos -durativos (como

“cair”, “sair”), elas empregaram o afixo –ed, que codifica tempo pretérito e aspecto

perfectivo. Tais resultados foram interpretados pelos autores como evidência de que as

flexões verbais iniciais são empregadas em verbos em função de um determinado aspecto

lexical. Assim, mais uma vez, construía-se a hipótese de que o aspecto seria anterior à

marcação de tempo na construção da gramática das crianças.

Nessa perspectiva, Jakobson (1957), em Bloom, Lifter e Hafitz (op. cit.), observou, a

partir de dados de crianças russas, que as formas dêiticas de tempo operariam em conjunto

com a raiz. Esse postulado também sugere um direcionamento da aquisição das flexões

verbais a partir do que é inerente ao verbo, ou seja, da noção aspectual.

Alguns tipos de aspecto lexical têm uma relação natural com alguns tipos de aspecto

gramatical. Por exemplo: os achievements e accomplishments, por terem traços + télico,

apresentam um ponto de culminação, possuem uma relação automática com o aspecto

gramatical perfectivo, o qual marca nos verbos a visão do evento por inteiro e, na maioria das

vezes, pode-se perceber a completude dos eventos. As atividades e os estados, por possuírem

um traço –télico, seriam naturalmente mais relacionados ao aspecto imperfectivo.

Na língua portuguesa, aparentemente, não existiria nenhuma restrição para o

entrecruzamento dos aspectos lexical e gramatical. Construções como as do quadro abaixo,

não seriam estranhas à língua.

74

Quadro 11 – Exemplificação de Aspectualidade SENTENÇA ASPECTO

Letícia pulou corda. Atividade / Perfectivo

Giovani entendeu a situação. Estado / Perfectivo

Vovó não está me entendendo. Estado / Progressivo

Ele só tirava notas boas. Achievement / Imperfectivo

Mamãe fazia comidas deliciosas. Accomplishment / Imperfectivo

Fonte: Elaborado pelo autor

Hodgson (2004) também desenvolveu uma pesquisa para verificar a produção e a

compreensão do aspecto gramatical em língua espanhola. De acordo com a autora, em relação

aos dados de produção, tanto crianças quanto adultos produziriam formas verbais em que

seria possível verificar a maior relação entre aspecto télico/perfectivo e atélico/imperfectivo.

Se a distribuição das crianças é similar a dos adultos, podemos compreender que a

distribuição do aspecto não está ligada a alguma deficiência cognitiva relacionada a tempo,

conforme sugerido pela Hipótese de Tempo Defectivo, proposta por Bronckart e Sinclair

(1973) e Bloom, Lifter e Hafitz (1980). Para Hodgson (op. cit.), as crianças utilizariam as

flexões de tempo para marcar aspecto e não como referência propriamente temporal. Em

outras palavras, as crianças usariam tempo passado para marcar telicidade e tempo presente

para marcar atelicidade.

No que diz respeito à questão da compreensão, a pesquisa Hodgson (op. cit.) revelou

que, perante situações de completude/incompletude, crianças de 3 a 4 anos não faziam

distinção semântica de perfectivo e imperfectivo. Isso porque, de acordo com a autora, nessa

idade, as crianças não conheceriam a semântica do aspecto gramatical. Os dados também

revelaram que existe maior dificuldade para compreensão da morfologia imperfectiva do que

perfectiva. Desse modo, a emergência do perfectivo seria anterior a do imperfectivo. A autora

conclui que a idade para desenvolvimento do aspecto em espanhol é por volta dos 5 anos de

idade. Assim, a ideia de que aspecto seria adquirido antes de tempo não procederia, pois as

noções aspectuais não estariam fixadas na gramática das crianças mais novas.

Vinnitskaya e Wexler (2001) analisaram a produção e a compreensão de aspecto em

falantes de russo. Os experimentos aconteceram com crianças de 3 e 6,5 anos de idade. Nas

avaliações de compreensão, as crianças revelaram que têm um bom conhecimento do aspecto,

com resultado semelhante ao de um adulto. Nos testes de produção, por outro lado, o

desempenho das crianças se revelou distinto em relação ao que acontece com as produções

75

adultas, isso porque as crianças russas utilizaram imperfectivo em contextos nos quais os

adultos se valeriam das formas perfectivas.

Os resultados sobre o uso de imperfectivo para Vinnitskaya e Wexler (op. cit.)

estariam relacionados às questões pragmáticas. O uso excessivo da forma imperfectiva, por

parte das crianças, dever-se-ia ao tratamento equivocado de declarações novas como

informações antigas. Desse modo, a dificuldade não estaria na aquisição da morfologia de

aspecto, já que as crianças demonstraram bom desempenho de produção nas variações

aspectuais nos teste de compreensão. A dificuldade seria das avaliações de novo e antigo no

discurso. De acordo com os autores, a informação tida como conhecida poderia perfeitamente

ser marcada pelo morfema de imperfectividade.

É importante dizer que aspecto verbal é uma categoria que apresenta diferentes

configurações a depender de cada língua. Algumas línguas apresentam morfemas

diferenciados para expressar aspecto e tempo, como acontece no russo. No espanhol, como

aponta Hodgson (2004), tempo e aspecto são marcados no mesmo morfema. O inglês, por

outro lado, não apresenta uniformidade na marcação de aspecto, isto é, não é uma língua em

que se utiliza o morfema de tempo para marcação de aspecto em todos os casos, mas também

não é uma língua em que o aspecto gramatical está sempre separado do morfema de tempo. O

afixo -ing, por exemplo, marca exclusivamente o aspecto progressivo e o afixo –ed serve

apenas para marcação de aspecto perfectivo em tempo pretérito.

Em se tratando da língua portuguesa, podemos dizer que há alternância quanto à

utilização de morfemas para marcação de tempo e aspecto, isto é, ora a marcação é conjunta,

ora é dissociada. Na sentença “Estou estudando”, por exemplo, o tempo presente está

marcado pelo verbo auxiliar “estou” e a forma de gerúndio “estudando” é utilizada para

marcar progressividade. Em “Ele rezava”, o morfema “-va” serve para marcar o tempo

pretérito do evento ao mesmo tempo em que marca seu aspecto imperfectivo. Com esses

exemplos, podemos afirmar que o comportamento da marcação do aspecto no português varia

entre perífrases verbais e formas únicas verbais. Toda essa variação na formação do aspecto

verbal pode ser uma explicação para os resultados diferenciados das pesquisas relacionadas à

configuração inicial do aspecto verbal.

Diante das diferentes pesquisas citadas nesta seção, podemos verificar que umas se

contrapõem às outras, já que, nas últimas pesquisas, foi exposto que, na gramática das

crianças mais novas, não há estabilidade na produção de aspecto e, portanto, não é possível

afirmar que as crianças, em fase de aquisição de linguagem, adquirem aspecto antes de tempo

verbal.

76

Assim, é nosso propósito verificar, no português, a procedência da adoção da proposta

da cisão da camada flexional tempo, em tempo e aspecto. Além disso, é nosso interesse

observar se a hipótese de aspecto ser anterior a tempo pode ser confirmada na aquisição de

língua portuguesa e se, no que diz respeito ao aspecto gramatical, existe uma hierarquia na

aquisição de perfectivo e imperfectivo. A partir do próximo capítulo, discorreremos sobre

nossos dados e desenvolvimento de nossa pesquisa.

77

5 METODOLOGIA

Neste capítulo, trataremos da exposição da metodologia usada nesta pesquisa, bem

como os procedimentos adotados para análise dos dados que fazem parte deste trabalho.

5.1 A escolha do método

A fim de verificar a questão das categorias tempo e aspecto, optamos pelo método

hipotético-dedutivo ou somente dedutivo ao invés de nos valermos do método indutivo.

Cientistas gerativistas têm como base para análise de seus dados o método dedutivo, uma vez

que pesquisadores dessa linha partem do desempenho para competência, isto é, verificam os

princípios universais da GU a partir de dados empíricos nas diferentes línguas naturais do

mundo. Em outras palavras, a Teoria Gerativa propõe a existência de princípios universais

sobre a gramática mental que são deduzidos a partir de falas produzidas pelos indivíduos de

cada língua.

Uma das principais características das ciências empíricas são os métodos indutivos. É

comum utilizar esse termo (indutivo) para pesquisas que partem de dados individuais (análise

de dados, experimentos, etc.) para enunciados universais (teorias, hipóteses, etc.).

Ao explicar sobre o método indutivo, Gewandsznajder (1989) dá um exemplo de um

ornitólogo que faz opção de observar cisnes em diferentes partes do mundo. Durante o

período de observação, o ornitólogo encontra um cisne branco, depois outro cisne branco,

mais outro cisne branco e, por meses, outros cisnes brancos. Diante da observação apenas de

cisnes brancos, ele conclui que “todos os cisnes do mundo são brancos”. Obviamente, não

podemos afirmar que o observador viu todos os cisnes do mundo, mas, a partir de um

determinado período de observações, o pesquisador lança mão de uma conclusão generalista.

Gewandsznajder (op. cit.) afirma que a indução não pode ser justificada em termos da

lógica. Nas palavras do autor: Será que poderíamos justificar logicamente a indução? Obviamente, ela não é um argumento dedutivo, como são os argumentos lógicos. A lógica nos mostra que a partir do enunciado “todos os cisnes são brancos” podemos deduzir que alguns cisnes são brancos. Essa dedução é logicamente válida. Mas a indução faz o raciocínio oposto, inferindo do enunciado “alguns A (cisnes) são B (brancos)” o enunciado “todos os A são B”. Este raciocínio não pode ser justificado pela lógica. Aliás, em termos lógicos, ele não é válido. Assim, enquanto a lógica apenas faz ver uma conclusão que já estava “embutida” nas premissas, a indução vai além das premissas, não sendo, portanto, um argumento dedutivo. Em outras palavras, as conclusões dos argumentos indutivos trazem mais informações do que as contidas nas premissas. (GEWANDSZNAJDER, 1989, p.44)

78

De fato, parece estar longe de um ponto de vista lógico, a inferência de enunciados

universais a partir de enunciados individuais, independentemente da quantidade das

observações individuais. Assim, qualquer conclusão colhida desse modelo poderá ser tida

como falsa. Não importa quantos cisnes se tenham observado ao longo de décadas, isso não

justifica a conclusão de que “todos os cisnes são brancos”.

O problema da indução, termo como são conhecidas as questões que tratam das

inferências indutivas, é que, mesmo que uma situação seja constantemente repetida no

passado, nunca teremos a certeza dos mesmos acontecimentos no futuro. Muitos

pesquisadores acreditam que a verdade dos enunciados universais é conhecida somente pela

experiência; entretanto, parece-nos evidente que a descrição de uma experiência ou

observação só pode ser compreendida como um enunciado individual e não uma assertiva

universal.

A priori, seria comum imaginar o método indutivo como uma boa opção para o

desenvolvimento de nossa pesquisa, uma vez que fizemos um estudo de caráter longitudinal

de uma criança em fase de aquisição de linguagem. Não obstante, o raciocínio de que nos

valemos é tido de outra maneira, pois, já dissemos, adotamos o método dedutivo como

modelo de pesquisa.

O método dedutivo, conforme esclarece Santos (2008), se alicerça nos pensadores

racionalistas Descartes, Spinoza e Leibniz, cujo pressuposto é o de que apenas a razão pode

conduzir ao conhecimento verdadeiro. Assim, parte-se de princípios tidos como verdadeiros e

inquestionáveis (premissa maior) para, dessa forma, estabelecer relações com uma proposição

particular (premissa menor) e, a partir do raciocínio lógico, chegar à verdade daquilo que

propõe (conclusão). Ou, utilizando as palavras de Galliano (1979, p. 39), “a dedução consiste

em tirar uma verdade particular de uma verdade geral na qual ela está implícita”.

Para Galliano (1979), esse tipo de raciocínio é muito útil já que parte do conhecido

para o desconhecido com pequena margem de erro, desde que se respeitem os critérios de

coerência e de não contradição.

Para Torres (2008), o método dedutivo é de grande valia em ciências físicas e

matemáticas, cujos princípios podem ser enunciados como leis. Pode-se citar como exemplo a

lei da gravitação universal, a qual estabelece que “matéria atrai matéria na razão proporcional

às massas e ao quadrado da distância”, podendo daí serem deduzidas infinitas conclusões, das

quais seria muito difícil duvidar. Contudo, nas ciências sociais, o uso desse método é bem

mais restrito, em virtude da dificuldade para obterem-se argumentos gerais, cuja veracidade

não possa ser colocada em dúvida.

79

De acordo com Araújo (2000), a dedução seria uma teia de raciocínios em conexão

descendente, ou seja, parte-se do geral para o particular. Partindo-se de teorias e leis gerais,

pode-se chegar à determinação ou à previsão de fenômeno ou fatos particulares. Segue um

exemplo comum de raciocínio dedutivo:

UNIVERSAL Todo homem é animal.

PARTICULAR João é homem.

CONCLUSÂO Logo, João é animal.

O método dedutivo leva o pesquisador do conhecido ao desconhecido com pouca

margem de erro, mas é de alcance limitado, uma vez que a conclusão não pode exceder as

premissas. Esse método consiste na combinação de ideias em sentido interpretativo, isto

valendo mais do que a experimentação de casos isolados. A nosso ver, metodologicamente

falando, é de grande importância compreender que a necessidade de explicação não reside nas

premissas, mas na relação entre as premissas e a conclusão.

Diante disso, podemos assumir, em nossa pesquisa, que “a linguagem é um sistema de

princípios universais inatos ao ser humano” e que, portanto, “todo ser humano é dotado de

linguagem”. A nossa pesquisa, inserida dentro do arcabouço da Teoria Gerativa, não poderia

ter outro método, senão o dedutivo, pois partimos do universal para o particular.

Além disso, podemos dizer que as análises que faremos de casos particulares de

aquisição de linguagem por parte de uma criança durante o período de quatro anos poderiam

ser consideradas como resultado de pressupostos teóricos universais pertinentes à Teoria

Gerativa.

5.2 Os dados da pesquisa

Lembrando que um de nossos objetivos é o de verificar a aquisição de categorias

funcionais por parte de uma criança, falante do português brasileiro, optamos por um estudo

longitudinal durante o período de 4 anos. Utilizamos um corpus de 14 gravações, resultantes

em um conjunto de 2.044 frases da criança investigada, assim dividido:

80

Tabela 1 – Descrição dos Dados

Idade da Criança

Frases31 coletadas

1 ano 5 meses 04 dias 140

1 ano 5 meses e 18 dias 77

1 ano 8 meses e 25 dias 151

1 ano 9 meses e 20 dias 158

3 anos 4 meses e 15 dias 352

3 anos 6 meses e 28 dias 73

3 anos 7 meses e 8 dias 106

3 anos 8 meses e 13 dias 208

4 anos e 15 dias 87

4 anos 2 meses e 19 dias 71

4 anos 4 meses e 10 dias 118

4 anos 6 meses e 03 dias 105

4 anos 8 meses e 05 dias 183

4 anos 10 meses e 06 dias 215

TOTAL 2.044

Fonte: Dados da pesquisa

Os dados dessa pesquisa estão sob responsabilidade do nosso grupo de pesquisa, que

investiga “traços formais na gramática mental de indivíduos com e sem déficit de linguagem e

a leitura e a escrita por parte de pessoas com déficit gramatical”, no qual este trabalho foi

inserido. Mais especificamente, nos valemos de dados que constituem o corpus do “Projeto

Aquisição da Linguagem Oral”, coordenado pela professora Cláudia Lemos, do Instituto de

Estudos da Linguagem (IEL) /UNICAMP, que teve como objetivo a descrição e a análise do

processo de aquisição do português como primeira língua em 12 crianças com idades entre 11

meses a 6 anos. Os dados dizem respeito a uma amostra composta por gravações de áudio e

videoteipe feitas com crianças paulistas da classe média, durantes as décadas de 70 e 80,

filhas de pais universitários. Grande parte dos entrevistadores é composta pelos professores do

IEL que gravaram as falas dos seus próprios filhos. A amostra está organizada

31 Entende-se como frases os enunciados que apresentam algum sentido, isto é, um conjunto de signos que estabelece a comunicação da criança com seus interlocutores. Nesse sentido, uma frase pode ser apenas uma palavra ou um conjunto delas.

81

cronologicamente e apresenta informações sobre o contexto de gravação como, por exemplo,

a data da realização, idade do falante, investigador, entre outras.

É importante destacar que todas as falas são espontâneas. A maior parte dos diálogos é

entre a criança e a mãe, sendo que, em algumas ocasiões, outra criança (mais velha), também

foi incluída e, em raríssimas ocasiões, ocorreu uma pequena participação do pai da criança.

Não houve nenhuma tentativa de eliciação32 por parte da mãe, o que atribui maior

fidedignidade aos nossos dados e não compromete, de forma alguma, a espontaneidade das

falas, bem como o evento da gravação.

O motivo pelo qual abordamos dados de uma única criança se deve ao caráter

longitudinal da pesquisa. Estudos longitudinais sobre a produção espontânea da fala pela

criança são muito utilizados e têm como fim registrar a ocorrência de diferentes manifestações

gramaticais ou de padrões de interação no comportamento da criança em seu ambiente

linguístico. Uma vez que a coleta dos dados acontece em ambiente familiar por longo período

de tempo, tal tipo de investigação é, em geral, conduzido com um número reduzido de

crianças.

Conforme explicitado anteriormente, existe uma hipótese de que as categorias

funcionais é que norteariam o processo de aquisição de linguagem, e, por essa razão,

selecionamos as categorias tempo e aspecto, porque acreditamos que tais categorias devem ser

consideradas categorias funcionais localizadas em nódulos distintos na gramática mental. Para

essa averiguação, foram analisadas as marcações formais correspondentes aos traços de tempo

e de aspecto no verbo e às formas nominais: infinitivo, gerúndio e particípio.

No primeiro momento, levantamos todas as ocorrências de verbos das sentenças

produzidas pelas crianças e certificamo-nos de que nenhuma das falas teve apoio33, isto é, de

que todas as falas são espontâneas. Após o levantamento da quantidade de falas contendo

verbos, detivemo-nos a especificar o tempo verbal de cada ocorrência e fizemos o mesmo

para o aspecto lexical e gramatical relacionado à forma verbal selecionada.

Uma vez tabuladas todas as falas da criança, empenhamo-nos em uma análise capaz de

comprovar ou refutar as abordagens teóricas que trouxemos nos capítulos anteriores,

buscando, assim, delinear o processo de como a aquisição da língua portuguesa,

provavelmente, acontece.

32 A eliciação consiste na indução de falas. Não se trata de falas com apoio, em que a criança repete uma fala modelo, mas de atividades que provoquem a emergência de certos tipos de sentença. 33 Trata-se de interferências na fala da criança, isto é, o interlocutor cria um modelo, sugerindo indiretamente que a criança repita a mesma estrutura. Uma fala com apoio é quando uma criança repete imediatamente o que acabou de ser dito.

82

Nos próximos capítulos, portanto, detalharemos os dados e faremos as análises

pertinentes a esses dados.

83

6 DESCRIÇÃO DOS DADOS

Apresentamos, a partir de agora, a descrição dos resultados das 14 gravações de uma

criança em fase de aquisição de linguagem. Na tentativa de organizar uma amostragem

didática, dividimos a descrição dos dados em dois momentos: primeiramente, descrevemos

cada uma das 14 gravações e, segundo, agrupamos as gravações em momentos distintos,

condensando gravações que ocorreram em momentos próximos e que não apresentaram

diferenças quanto ao surgimento de novas formas verbais.

Para o detalhamento dos dados obtidos nas gravações da criança, apresentamos dois

modelos de tabelas descritivas. A primeira tabela, denominada “Flexão Verbal”, trata de todas

as ocorrências verbais com flexão de tempo, com suas respectivas quantidades. A segunda

tabela, denominada “Aspecto Gramatical e Lexical”, trata das noções aspectuais produzidas

pela criança informante, tanto lexicais (verbos télicos e atélicos) quanto gramaticais

(perfectivo e imperfectivo34).

No que tange aos critérios da tabela “Flexão Verbal”, apresentamos particípio,

gerúndio e infinitivo, mesmo sabendo que se trata de formas nominais (ou aspectuais), ou

seja, não representam flexões de tempo. Achamos importante verificar o surgimento de

gerúndio e particípio porque essas formas nominais podem mostrar dados relativos ao

aspecto. O destaque para os infinitivos deve-se ao fato de que eles podem aludir à falta da

flexão verbal e, consequentemente, sugerir que as categorias tempo e aspecto só se

estabilizam depois de um determinado período em que a criança fica exposta à língua.

Sobre a análise da categoria aspecto, é importante frisar que foram verificados

aspectos lexicais apenas nos verbos que apresentam aspecto gramatical, excluindo, portanto,

infinitivo, futuro e imperativo. Isso porque um de nossos objetivos é verificar a relação do

conteúdo inerente às raízes verbais de aspecto com suas representações gramaticais.

Dito isso, podemos seguir com a descrição das gravações.

6.1 Descrição individual das gravações

Neste primeiro momento, detalharemos os resultados das 14 gravações de acordo com

os critérios anteriormente especificados. Na próxima seção, apresentaremos a divisão das

gravações em grupos, bem como a análise dos resultados. 34 Subdividimos a categoria imperfectivo em: imperfectivo e progressivo. Sabemos perfeitamente que o aspecto progressivo se inclui dentro da natureza imperfectiva do aspecto verbal, mas como nosso objetivo é de apontar quando aparecem as construções progressivas na fala da criança, achamos pertinente manter a divisão.

84

Na primeira gravação, a idade da criança era 1;5.4 (um ano, cinco meses e 4 dias),

foram coletadas 140 frases, em que apenas 38 eram compostas por verbos, cuja classificação é

a seguinte:

Tabela 2 – Flexão verbal – 1ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu na forma

imperativo - 63,1% (exemplos: “Pega”, “Olha lá”.). Em seguida, notamos algumas formas

flexionadas no pretérito perfeito - 26,3% (exemplo: “Abô” – para acabou) e, em menor escala,

frases no tempo presente - 10,5% (exemplo: “Vão”). Não houve incidência de frase no futuro

ou pretérito imperfeito. Notamos que a criança não manifestou fonologicamente o sujeito das

orações, apenas utilizou os verbos nas formas flexionadas, como “vão” (para vamos), “abô”

(para acabou), “seei” (para achei). A produção verbal da criança pode ser assim contabilizada:

Idade: 01;5.4

Futuro 0 Imperativo 24 Imperativo com infinitivo 0 Infinitivo 0 Particípio 0 Gerúndio 0 Pretérito perfeito 10 Pretérito perfeito com infinitivo 0 Pretérito perfeito com gerúndio 0 Presente 04 Presente com gerúndio 0 Presente com infinitivo 0 Presente com particípio 0 Pretérito imperfeito 0 Pretérito imperfeito com gerúndio 0 Pretérito imperfeito com infinitivo 0 Total de ocorrências verbais 38

85

Gráfico 1 – Flexão verbal – 1ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o

seguinte:

Tabela 3 – Aspecto Gramatical e Lexical – 1ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à categoria aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do

aspecto perfectivo (71,4%), revelado pela flexão do pretérito perfeito. Encontramos algumas

vezes o aspecto imperfectivo (28,5%). Pudemos notar a relação entre

perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade. Em todas as frases, o aspecto

perfectivo encontrado foi para verbos de natureza télica e o imperfectivo para verbos de

natureza atélica, tal como mostra o gráfico abaixo.

Idade: 01;5.4

ASPECTO GRAMATICAL Perfectivo 10 Imperfectivo 04 Progressivo 0 Total: 14 ASPECTO LEXICAL Télico 10 Atélico 04 Total : 14

Imperativo

Pretérito Perfeito

Presente

86

Gráfico 2 – Aspecto Gramatical e Lexical – 1ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Na segunda gravação, a idade da criança era 1;5.18 (um ano, 5 meses e dezoito dias),

foram coletadas 77 frases, em que apenas 8 eram compostas por verbos, cuja classificação é a

seguinte:

Tabela 4 – Flexão verbal – 2ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu na forma

flexionada, pretérito perfeito - 62,5% (exemplo: “Abô” – para acabou). Em seguida, vieram

na mesma quantidade o imperativo - 12,5% (exemplo: “Ense de água” – para encha de água),

o infinitivo - 12,5% (exemplo: “Fumá”) e o presente - 12,5% (exemplo: “Tá lá.”). Não houve

incidência de frases no futuro ou pretérito imperfeito. A produção verbal da criança pode ser

assim contabilizada:

Idade: 01;5.18

Futuro 0 Imperativo 01 Imperativo com infinitivo 0 Infinitivo 01 Particípio 0 Gerúndio 0 Pretérito perfeito 05 Pretérito perfeito com infinitivo 0 Pretérito perfeito com gerúndio 0 Presente 01 Presente com gerúndio 0 Presente com infinitivo 0 Presente com particípio 0 Pretérito imperfeito 0 Pretérito imperfeito com gerúndio 0 Pretérito imperfeito com infinitivo 0 Total de ocorrências verbais 08

Télico

Atélico

Perfectivo

Imperfectivo

87

Gráfico 3 – Flexão verbal – 2ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o

seguinte:

Tabela 5 – Aspecto Gramatical e Lexical – 2ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Em se tratando da categoria aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do

aspecto perfectivo (83,3%), revelado pela flexão do pretérito perfeito. Encontramos poucas

vezes o aspecto imperfectivo (16,6%). Outra vez, foi estabelecida a relação

perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade. Na maioria das frases (exceto uma

frase no imperfectivo em que o verbo era télico), o aspecto perfectivo encontrado foi para

Idade: 01;5.18

ASPECTO GRAMATICAL Perfectivo 05 Imperfectivo 02 Progressivo 0 Total: 07 ASPECTO LEXICAL Télico 06 Atélico 01 Total : 07

Pretérito Perfeito

Presente

Imperativo

Infinitivo

88

verbos de natureza télica e o imperfectivo para verbos de natureza atélica, conforme gráfico

abaixo:

Gráfico 4 – Aspecto Gramatical e Lexical – 2ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Na terceira gravação, a idade da criança era 1;8.25 (um ano, oito meses e vinte e cinco

dias), foram coletadas 151 frases, em que 53 eram compostas por verbos, cuja classificação é

a seguinte:

Tabela 6 – Flexão verbal – 3ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior incidência de frases foi na forma de

imperativo - 39,6% (exemplo: “Vila.” – para vira.) e presente - 35,8% (exemplo: “Prucuro.”).

Em seguida obtivemos as formas de infinitivo - 15% (exemplo: “Fazê.”) e pretérito perfeito -

Idade: 01;8.25

Futuro 0 Imperativo 21 Imperativo com infinitivo 0 Infinitivo 08 Particípio 0 Gerúndio 0 Pretérito perfeito 05 Pretérito perfeito com infinitivo 0 Pretérito perfeito com gerúndio 0 Presente 19 Presente com gerúndio 0 Presente com infinitivo 0 Presente com particípio 0 Pretérito imperfeito 0 Pretérito imperfeito com gerúndio 0 Pretérito imperfeito com infinitivo 0 Total de ocorrências verbais 53

Télico

Atélico

Perfectivo

Imperfectivo

89

9,4% (exemplo: “Caiuuu.”). Não houve incidência de frases no futuro ou pretérito imperfeito,

assim como nas duas primeiras gravações. A produção verbal da criança pode ser assim

contabilizada:

Gráfico 5 – Flexão verbal – 3ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o

seguinte:

Tabela 7 – Aspecto Gramatical e Lexical – 3ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Sobre a categoria aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do aspecto

imperfectivo (79,1%), revelado pelas construções no tempo presente. Encontramos o aspecto

perfectivo (16,6%) em número bastante reduzido, se comparado às gravações anteriores.

Novamente, observamos uma forte relação perfectividade/imperfectividade e

telecidade/atelicidade. Em quase todas as frases, o aspecto perfectivo encontrado foi para

Idade: 01;8.25

ASPECTO GRAMATICAL Perfectivo 05 Imperfectivo 19 Progressivo 0 Total: 24 ASPECTO LEXICAL Télico 04 Atélico 20 Total : 24

Imperativo

Presente

Infinitivo

Pretérito Perfeito

90

verbos de natureza télica e o imperfectivo para verbos de natureza atélica, conforme gráfico

abaixo. Não identificamos frases no futuro ou pretérito imperfeito.

Gráfico 6 – Aspecto Gramatical e Lexical – 3ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Na quarta gravação, a idade da criança era 1;9.20 (um ano, nove meses e vinte dias),

foram coletadas 158 frases, em que 75 eram compostas por verbos, cuja classificação é a

seguinte:

Tabela 8 – Flexão verbal – 4ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu na forma de

presente - 41,3% (“É minha gali.”), sendo que, pela primeira vez, encontramos perífrases

verbais, conforme indicado pelo item presente com gerúndio - 22,6% (exemplo: “Babalu tá

Idade: 01;9.20

Futuro 0 Imperativo 11 Imperativo com infinitivo 0 Infinitivo 03 Particípio 0 Gerúndio 0 Pretérito perfeito 10 Pretérito perfeito com infinitivo 0 Pretérito perfeito com gerúndio 0 Presente 31 Presente com gerúndio 17 Presente com infinitivo 03 Presente com particípio 0 Pretérito imperfeito 0 Pretérito imperfeito com gerúndio 0 Pretérito imperfeito com infinitivo 0 Total de ocorrências verbais 75

Télico

Atélico

Perfectivo

Imperfectivo

91

fazéndu”), e formas do presente seguidas de infinitivo - 4% (exemplo: “Qué papá”). Além

disso, contabilizados frases no imperativo - 14,6% (exemplo: “Pala, pala”. – para Fala. Fala.)

e pretérito perfeito - 13,3% (exemplo: “Tilô” – para tirou). Não houve incidência de frases no

futuro ou pretérito imperfeito. A produção verbal da criança pode ser assim contabilizada:

Gráfico 7 – Flexão verbal – 4ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o

seguinte:

Tabela 9 – Aspecto Gramatical e Lexical – 4ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Podemos notar que, em se tratando da categoria aspecto gramatical, a maior parte da

produção foi do aspecto imperfectivo (83,6%), revelado pelas construções no tempo presente.

Encontramos também o aspecto perfectivo (16,3%). Outra vez, temos a relação

perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade, em que, na maioria das frases, o

Idade: 01;9.20

ASPECTO GRAMATICAL Perfectivo 10 Imperfectivo 51 Progressivo 0 Total: 61 ASPECTO LEXICAL Télico 13 Atélico 48 Total : 61

Presente

Presente com gerúndio

Imperativo

Pretérito perfeito

Infinitivo

Presente com infinitivo

92

aspecto perfectivo encontrado foi para verbos de natureza télica e o imperfectivo para verbos

de natureza atélica, conforme gráfico a seguir.

Gráfico 8 – Aspecto Gramatical e Lexical – 4ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Na quinta gravação, houve um salto, a criança já estava com a idade de 3;4.15 (três

anos, quatro meses e quinze dias), foram coletadas 352 frases, em que 268 eram compostas

por verbos. Percebemos que, assim como ocorreu um grande intervalo de tempo entre uma

gravação e outra (1 ano e 7 meses, especificamente), aconteceu um salto na quantidade de

produção da criança. Neste momento, parece pertinente dizer que, quanto mais avançada a

idade da criança, mais sofisticado (em termos de produção de morfemas ligados a tempo

verbal) é o seu desempenho. A classificação ficou assim:

Télico

Atélico

Perfectivo

Imperfectivo

93

Tabela 10 – Flexão verbal – 5ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Os dados anteriores revelam o surgimento de tempos verbais que não havíamos

identificado até então. Até a idade de um ano e nove meses, a criança não havia manifestado

construções de tempo futuro e pretérito imperfeito. A maior quantidade de verbos continuou

no tempo presente - 41,7% (exemplo: “Eu não sei onde tá.”), agora seguidas de frases no

futuro - 15,2% (exemplo: “Eu vou.”), imperativo - 15,2% (exemplo: “Pega ele.”), pretérito

perfeito - 13,4% (exemplo: “Perdeu o durequinho aqui.”), presente com gerúndio - 5,22%

(exemplo: “Por que cê tá tirando dos olho?”), presente com infinitivo - 5,22% (exemplo:

“Deixa eu tirá um pouquinho, mamãe?”), infinitivo - 1,8% (exemplo: “Pra arrumá”), pretérito

imperfeito - 1,4% (exemplo: “Queria que cê dormia comigo”) e pretérito imperfeito com

gerúndio - 0,3% (exemplo: “E eu queria que cê dormindo comigo.”). A produção verbal da

criança a partir desse momento se revela muito mais completa, no sentido de apresentar todos

os tempos (passado, presente e futuro) e pode ser contabilizada da seguinte maneira:

Idade: 03;4.15

Futuro 41 Imperativo 41 Imperativo com infinitivo 0 Infinitivo 05 Particípio 0 Gerúndio 0 Pretérito perfeito 36 Pretérito perfeito com infinitivo 0 Pretérito perfeito com gerúndio 0 Presente 112 Presente com gerúndio 14 Presente com infinitivo 14 Presente com particípio 0 Pretérito imperfeito 04 Pretérito imperfeito com gerúndio 01 Pretérito imperfeito com infinitivo 0 Total de ocorrências verbais 268

94

Gráfico 9: Flexão verbal – 5ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o

seguinte:

Tabela 11 – Aspecto Gramatical e Lexical – 5ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Pudemos notar que, em se tratando da categoria aspecto gramatical, a maior parte da

produção foi do aspecto imperfectivo (80,4%), seguida de perfectivo (19,6%). A novidade foi

o aparecimento do aspecto progressivo (7,7% - já contabilizados na soma do aspecto

imperfectivo), identificado a partir das sentenças com perífrases expressas por presente com

gerúndio35. Continuamos com a relação perfectividade/imperfectividade e

35 Consideramos o aspecto progressivo como uma parte específica do aspecto imperfectivo. Nas sentenças em que identificamos o aspecto imperfectivo temos formas só no presente e formas no presente com gerúndio.

Idade: 03;4.15

ASPECTO GRAMATICAL Perfectivo 35 Imperfectivo 131 Progressivo 14 Total: 180 ASPECTO LEXICAL Télico 64 Atélico 116 Total : 180

Presente

Futuro

Imperativo

Pretérito perfeito

Presente com gerúndio

Presente com infinitivo

Infinitivo

Pretérito imperfeito

Pretérito imperfeito comgerúndio

95

telecidade/atelicidade. A maioria das frases com verbos com aspecto perfectivo foram

observados verbos de natureza télica e, para os verbos com morfologia no imperfectivo, foram

observados verbos de natureza atélica, conforme gráfico abaixo:

Gráfico 10 – Aspecto Gramatical e Lexical – 5ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Na sexta gravação, a idade da criança era 3;6.28 (três anos, seis meses e vinte e oito

dias), foram coletadas 73 frases, em que 48 eram compostas por verbos, cuja classificação é a

seguinte:

Nossa ideia aqui foi destacar as formas progressivas, pois, elas apareceram depois de certo amadurecimento biológico da criança e, além disso, são menos frequentes do que as construções de sentenças “simples”.

Télico

Atélico

Perfectivo

Imperfectivo

Progressivo

96

Tabela 12 – Flexão verbal – 6ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente -

52% (exemplo: “Nasce na barriga, mas não sai.”), em seguida pretérito perfeito - 16,6%

(exemplo: “Achei aqui.”), futuro - 6,2% (exemplo: “Eu vô te mostrá o Minotauro.”), presente

com gerúndio - 6,2% (exemplo: “Porque a outra, tá viajando.”), pretérito imperfeito - 6,2%

(exemplo: “Eu não, queria que ele perdia.”), infinitivo - 4,1% (exemplo: “Sair?”), presente

com infinitivo - 4,1% (exemplo: “Vai cês sair”), imperativo com infinitivo - 2% (“Ajuda eu

procurá.”) e pretérito imperfeito com infinitivo - 2% (exemplo: “Eu queria tê um cavalo,

mãe.”). Assim como na quinta gravação, agora a criança produz sentenças em três tempos

verbais. A produção verbal da criança pode ser assim contabilizada:

Idade: 03;6.28

Futuro 03 Imperativo 0 Imperativo com infinitivo 01 Infinitivo 02 Particípio 0 Gerúndio 0 Pretérito perfeito 08 Pretérito perfeito com infinitivo 0 Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 25 Presente com gerúndio 03 Presente com infinitivo 02 Presente com particípio 0 Pretérito imperfeito 03 Pretérito imperfeito com gerúndio 0 Pretérito imperfeito com infinitivo 1 Total de ocorrências verbais 48

97

Gráfico 11 – Flexão verbal – 6ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o

seguinte:

Tabela 13 – Aspecto Gramatical e Lexical – 6ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Sobre o aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do aspecto imperfectivo

(80,9%), revelado pelas construções no tempo presente e gerúndio, seguido do aspecto

perfectivo (19%) e do progressivo (7,1% - já contabilizados na soma do aspecto

imperfectivo). Outra vez, temos a relação perfectividade/imperfectividade e

telecidade/atelicidade. Na maioria das frases, o aspecto perfectivo encontrado correspondeu a

verbos de natureza télica e o imperfectivo a verbos de natureza atélica, conforme gráfico a

seguir.

Idade: 03;6.28

ASPECTO GRAMATICAL Perfectivo 08 Imperfectivo 31 Progressivo 03 Total: 42 ASPECTO LEXICAL Télico 13 Atélico 29 Total : 42

Presente

Pretérito perfeito

Futuro

Presente com gerúndio

Pretérito imperfeito 

Presente com infinitivo

Infinitivo

Imperativo com infinitivo

Pretérito imperfeito cominfinitivo

98

Gráfico 12 – Aspecto Gramatical e Lexical – 6ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Na sétima gravação, a idade da criança era 3;7.08 (três anos, sete meses e oito dias),

foram coletadas 106 frases, em que 61 eram compostas por verbos, cuja classificação é a

seguinte:

Tabela 14 – Flexão verbal – 7ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente -

40,9% (exemplo: “É só desse zeitinho não é grande não a história.”), em seguida pretérito

perfeito - 29,5% (exemplo: “Cortô tudo no meio.”), futuro - 6,5% (exemplo: “Que eu vou

falá.”), presente com infinitivo - 6,5% (exemplo: “Eu não sei cantá.”), imperativo - 4,9%

(exemplo: “Cala essa boca.”) infinitivo - 4,9% (exemplo: “Cantá a música.”), pretérito

Idade: 03;7.08

Futuro 04 Imperativo 03 Imperativo com infinitivo 0 Infinitivo 03 Particípio 0 Gerúndio 0 Pretérito perfeito 18 Pretérito perfeito com infinitivo 0 Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 25 Presente com gerúndio 01 Presente com infinitivo 04 Presente com particípio 0 Pretérito imperfeito 03 Pretérito imperfeito com gerúndio 0 Pretérito imperfeito com infinitivo 0 Total de ocorrências verbais 61

Télico

Atélico

Perfectivo

Imperfectivo

Progressivo

99

imperfeito - 4,9% (exemplo: “E daíí, e lá tinha uma leoooa.”) e presente com gerúndio - 1,6%

(exemplo: “Mas eu to falando.”). A criança mantém produção de sentenças nos três tempos

verbais. A produção verbal da criança pode ser assim contabilizada:

Gráfico 13 – Flexão verbal – 7ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o

seguinte:

Tabela 15 – Aspecto Gramatical e Lexical – 7ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à categoria aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do

aspecto imperfectivo (64,6%), revelado pelas construções no tempo presente e gerúndio. Já o

aspecto perfectivo apareceu em menor escala (35,2%), seguido do progressivo 1,9% (já

contabilizado na soma do aspecto imperfectivo). Temos, de novo, validação da relação

Idade: 03;7.8

ASPECTO GRAMATICAL Perfectivo 18 Imperfectivo 32 Progressivo 01 Total: 51 ASPECTO LEXICAL Télico 18 Atélico 32 Total : 51

Presente

Pretérito Perfeito

Futuro

Presente cominfinitivoImperativo

Infinitivo

Pretérito imperfeito

Presente comgerúndio

100

perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade. Na maioria das frases, o aspecto

perfectivo encontrado foi para verbos natureza télica e o imperfectivo para verbos de natureza

atélica, conforme gráfico abaixo.

Gráfico 14 – Aspecto Gramatical e Lexical – 7ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Na oitava gravação, a idade da criança era 3;8.13, (três anos, oito meses e treze dias)

foram coletadas 208 frases, em que 169 eram compostas por verbos, cuja classificação é a

seguinte:

Tabela 16 – Flexão verbal – 8ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Idade: 03;8.13

Futuro 12 Imperativo 11 Imperativo com infinitivo 0 Infinitivo 03 Particípio 0 Gerúndio 0 Pretérito perfeito 29 Pretérito perfeito com infinitivo 0 Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 64 Presente com gerúndio 06 Presente com infinitivo 09 Presente com particípio 0 Pretérito imperfeito 34 Pretérito imperfeito com gerúndio 0 Pretérito imperfeito com infinitivo 01 Total de ocorrências verbais 169

Télico

Atélico

Perfectivo

Imperfectivo

Progressivo

101

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente –

37,8% (exemplo: “Eu pego água do vasinho.”), mas, diferentemente de todas as gravações

surgiu um alto número de pretérito imperfeito - 20% (exemplo: “E daí cê jogava veneno na

gente.”), seguido de pretérito perfeito - 17,1% (exemplo: Porque eu que inventei a

brincadeira.”), futuro - 7,1% (exemplo: “E eu vô.”), imperativo - 6,5% (exemplo: “Arruma

aí.”), presente com infinitivo - 5,3% (exemplo: “Eu sei fazê a de feita de água.”), presente

com gerúndio - 3,5% (exemplo: “Tá levano?”), infinitivo - 1,7% (exemplo: “Quebrá tua perna

porquê.”) e pretérito imperfeito com infinitivo - 0,5% (exemplo: “Mais eu queria guardá.”). A

criança mantém a produção de todos os tempos verbais. A produção verbal da criança pode

ser assim contabilizada:

Gráfico 15 – Flexão verbal – 8ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o

seguinte:

Presente

Pretérito Imperfeito

Pretérito Perfeito

Futuro

Imperativo

Presente com infinitivo

Presente com gerúndio

Imperativo com infinitivo

Infinitivo

Pretérito imperfeito cominfinitivo

102

Tabela 17 – Aspecto Gramatical e Lexical – 8ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito ao aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do aspecto

imperfectivo (79,2%), revelado pelas construções no tempo presente e gerúndio. Já o aspecto

perfectivo apareceu em menor escala (20,7%), seguido do progressivo (4,2% - já

contabilizados na soma do aspecto imperfectivo). Continuamos confirmando a relação

perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade. Na maioria das frases o aspecto

perfectivo encontrado foi para verbos de natureza télica e o imperfectivo para verbos de

natureza atélica, conforme gráfico abaixo:

Gráfico 16 – Aspecto Gramatical e Lexical – 8ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Na nona gravação, a idade da criança era 4.15 (quatro anos e quinze dias), foram

coletadas 87 frases, em que 48 eram compostas por verbos, cuja classificação é a seguinte:

Idade: 03;8.13

ASPECTO GRAMATICAL Perfectivo 29 Imperfectivo 105 Progressivo 06 Total: 140 ASPECTO LEXICAL Télico 33 Atélico 107 Total : 140

Télico

Atélico

Perfectivo

Imperfectivo

Progressivo

103

Tabela 18 – Flexão verbal – 9ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente -

39,5% (exemplos: “Mais é baixinha.”), em seguida, presente com infinitivo - 20,8%

(exemplo: “Naaaão... eu quero fazê esse.”), pretérito perfeito - 12,5% (exemplo: “Dexô

abeerto.”), imperativo - 8,3% (exemplo: “Vira.”), infinitivo - 8,3% (exemplo: “Fazê material,

Junior.”), futuro - 6,2% (exemplo: “Eu vô arrumá e a Lela também.”) e presente com gerúndio

- 4,1% (exemplo: “A gente não tá gravando”). A criança mantém a produção de todos os

tempos verbais. A produção verbal da criança pode ser assim contabilizada:

Gráfico 17 – Flexão verbal – 9ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Idade: 04.15

Futuro 03 Imperativo 04 Imperativo com infinitivo 0 Infinitivo 04 Particípio 0 Gerúndio 0 Pretérito perfeito 06 Pretérito perfeito com infinitivo 0 Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 19 Presente com gerúndio 02 Presente com infinitivo 10 Presente com particípio 0 Pretérito imperfeito 0 Pretérito imperfeito com gerúndio 0 Pretérito imperfeito com infinitivo 0 Total de ocorrências verbais 48

Presente

Presente com infinitivo

Pretérito perfeito

Imperativo

Infinitivo

Futuro

Presente com gerúndio 

104

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o

seguinte:

Tabela 19 – Aspecto Gramatical e Lexical – 9ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Podemos notar que, em se tratando da categoria aspecto gramatical, a maior parte da

produção foi do aspecto imperfectivo (83,7%), revelado pelas construções no tempo presente

e gerúndio. Já o aspecto perfectivo apareceu em menor escala (16,2%), seguido do

progressivo (5,4% - já contabilizado na soma do aspecto imperfectivo). A tendência da

relação perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade se mantém. Na maioria das

frases, o aspecto perfectivo encontrado foi para verbos de natureza télica e o imperfectivo

para verbos de natureza atélica, conforme gráfico a seguir.

Gráfico 18 – Aspecto Gramatical e Lexical – 9ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Idade: 04.15

ASPECTO GRAMATICAL Perfectivo 06 Imperfectivo 29 Progressivo 02 Total: 37 ASPECTO LEXICAL Télico 03 Atélico 34 Total : 37

Télico

Atélico

Perfectivo

Imperfectivo

Progressivo

105

Na décima gravação, a idade da criança era 4;2.19 (quatro anos, dois meses e

dezenove dias), foram coletadas 71 frases, em que 58 eram compostas por verbos, cuja

classificação é a seguinte:

Tabela 20 – Flexão verbal – 10ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente –

51,7% (exemplo: “Porque a Lela bate em mim”), em seguida, pretérito perfeito - 15,5%

(exemplo: “Peeerdi de novo, cê ganho, eu perdi.”), presente com gerúndio - 12% (exemplo:

“Eu to arrumaando as coisas né?!”), futuro - 8,6% (exemplo: “Aqui vai pô primeiro a

meesa.”), presente com infinitivo - 6,8% (exemplo: “Mais num pode dá esse algodão.”),

imperativo - 3,4% (exemplo: Pega aí a cadeira mamii.”) e infinitivo - 1,7% (exemplo: “E fazê

filinha?”). A criança mantém a produção de todos os tempos verbais. A produção verbal da

criança pode ser assim contabilizada:

Idade: 04;2.19

Futuro 05 Imperativo 02 Imperativo com infinitivo 0 Infinitivo 01 Particípio 0 Gerúndio 0 Pretérito perfeito 09 Pretérito perfeito com infinitivo 0 Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 30 Presente com gerúndio 07 Presente com infinitivo 04 Presente com particípio 0 Pretérito imperfeito 0 Pretérito imperfeito com gerúndio 0 Pretérito imperfeito com infinitivo 0 Total de ocorrências verbais 58

106

Gráfico 19 – Flexão verbal – 10ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o

seguinte:

Tabela 21 – Aspecto Gramatical e Lexical – 10ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Sobre o aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do aspecto imperfectivo

(81,5%), revelado pelas construções no tempo presente e gerúndio. Já o aspecto perfectivo

apareceu em menor escala (18,3%), seguido do progressivo (14,2% - já contabilizados na

soma do aspecto imperfectivo). Continuamos verificando a relação

perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade. Na maioria das frases, o aspecto

Idade: 04;2.19

ASPECTO GRAMATICAL Perfectivo 09 Imperfectivo 33 Progressivo 07 Total: 49 ASPECTO LEXICAL Télico 14 Atélico 35 Total : 49

Presente

Pretérito perfeito

Presente com gerúndio

Futuro

Presente com infinitivo

Imperativo

Imperativo com infinitivo

Infinitivo

107

perfectivo encontrado foi para verbos de natureza télica e o imperfectivo para verbos de

natureza atélica, conforme gráfico abaixo.

Gráfico 20 – Aspecto Gramatical e Lexical – 10ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Na décima primeira gravação, a idade da criança era 4;4.10 (quatro ano, quatro meses

e dez dias), foram coletadas 118 frases, em que 86 eram compostas por verbos, cuja

classificação é a seguinte:

Tabela 22 – Flexão verbal – 11ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente -

48,8% (exemplo: “Eu não quero na minha gravação gente com chicleete.”), em seguida,

Idade: 04;4.10

Futuro 09 Imperativo 03 Imperativo com infinitivo 0 Infinitivo 02 Particípio 0 Gerúndio 0 Pretérito perfeito 19 Pretérito perfeito com infinitivo 01 Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 43 Presente com gerúndio 03 Presente com infinitivo 04 Presente com particípio 0 Pretérito imperfeito 02 Pretérito imperfeito com gerúndio 0 Pretérito imperfeito com infinitivo 0 Total de ocorrências verbais 86

Télico

Atélico

Perfectivo

Imperfectivo

Progressivo

108

pretérito perfeito - 22% (exemplo: “E a menina acreditou”), futuro - 10,4% (exemplo: “Vô lá

no seu quarto.”), presente com infinitivo - 4,6% (exemplo: “Que eu não sei colocá.”),

imperativo - 3,4% (exemplo: “Fecha a porta, num quero na minha gravação.”), presente com

gerúndio - 3,4% (exemplo: “Tô fazendo a história.”), infinitivo - 2,3% (exemplo: “Ir no

clube”), pretérito imperfeito - 2,3% (exemplo: “Eu usava também.”) e pretérito perfeito com

infinitivo - 1,1% (exemplo: “Não vi fazê mais, né?!). A criança mantém a produção de todos

os tempos verbais. A produção verbal da criança pode ser assim contabilizada:

Gráfico 21 – Flexão verbal – 11ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o

seguinte:

Tabela 23 – Aspecto Gramatical e Lexical – 11ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Idade: 04;4.10

ASPECTO GRAMATICAL Perfectivo 21 Imperfectivo 48 Progressivo 03 Total: 72 ASPECTO LEXICAL Télico 13 Atélico 59 Total : 72

Presente

Pretérito perfeito

Futuro

Presente com infinitivo

Imperativo

Presente com gerúndio

Infinitivo

Pretérito imperfeito

Pretérito perfeito com infinitivo 

109

Em se tratando da categoria aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do

aspecto imperfectivo (70,9%), revelado pelas construções no tempo presente e gerúndio. Já o

aspecto perfectivo apareceu em menor escala (29,1%), seguido do progressivo (4,1% já

contabilizados na soma do aspecto imperfectivo). Aqui, encontramos a relação

perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade, entretanto, numa escala bem menor

do que havíamos constatado até aqui. Em quase metade das frases com aspecto perfectivo,

encontramos aspecto lexical de natureza télica, mas, na outra metade, encontramos verbos de

natureza atélica. No caso de aspecto imperfectivo a correspondência com atelicidade se

manteve, conforme gráfico abaixo:

Gráfico 22 – Aspecto Gramatical e Lexical – 11ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Na décima segunda gravação, a idade da criança era 4;6.3 (quatro anos, seis meses e

três dias), foram coletadas 105 frases, em que 79 eram compostas por verbos, cuja

classificação é a seguinte:

Télico

Atélico

Perfectivo

Imperfectivo

Progressivo

110

Tabela 24 – Flexão verbal – 12ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente -

55,6% (exemplo: “Eu toomo maaais ráápido.”), em seguida, futuro - 13,9% (exemplo: “Eu vô

pá di taarde.”), pretérito perfeito - 8,8% (exemplo:” Ahh! Já tomei banho.”), presente com

infinitivo - 7,5% (exemplo: “Mais eu quero nadáá!”), infinitivo - 5% (exemplo: “De naadá.”),

presente com gerúndio - 3,7% (exemplo: “Que que cê tá falando de foora?”) e pretérito

imperfeito - 1,2% (exemplo: “Gostariia?.”). A criança mantém a produção de todos os tempos

verbais. A produção verbal da criança pode ser assim contabilizada:

Gráfico 23 – Flexão verbal – 12ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Idade: 04;6.3

Futuro 11 Imperativo 02

Imperativo com infinitivo 0 Infinitivo 04 Particípio 0 Gerúndio 0 Pretérito perfeito 08 Pretérito perfeito com infinitivo 0 Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 44 Presente com gerúndio 03 Presente com infinitivo 06 Presente com particípio 0 Pretérito imperfeito 01 Pretérito imperfeito com gerúndio 0 Pretérito imperfeito com infinitivo 0 Total de ocorrências verbais 79

Presente

Futuro

Pretérito perfeito

Presente com infinitivo

Infinitivo

Presente com gerúndio

Pretérito perfeito cominfinitivoPretérito imperfeito

111

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o

seguinte:

Tabela 25 – Aspecto Gramatical e Lexical – 12ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Podemos notar que, em se tratando da categoria aspecto gramatical, a maior parte da

produção foi do aspecto imperfectivo (84,4%), revelado pelas construções no tempo presente

e gerúndio. Já o aspecto perfectivo apareceu em menor escala (15,6%), seguido do

progressivo (5,88% - já contabilizado na soma do aspecto imperfectivo). Diferentemente da

décima primeira gravação, temos novamente a validação da relação

perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade. Na maioria das frases, o aspecto

perfectivo encontrado foi para verbos de natureza télica e o imperfectivo para verbos de

natureza atélica, conforme gráfico abaixo.

Gráfico 24 – Aspecto Gramatical e Lexical – 12ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Idade: 04;6.3

ASPECTO GRAMATICAL Perfectivo 08 Imperfectivo 50 Progressivo 03 Total: 61 ASPECTO LEXICAL Télico 10 Atélico 51 Total : 61

Télico

Atélico

Perfectivo

Imperfectivo

Progressivo

112

Na décima terceira gravação, a idade da criança era 4;8.5 (quatro anos, oito meses e

cinco dias), foram coletadas 183 frases, em que 134 eram compostas por verbos, cuja

classificação é a seguinte:

Tabela 26 – Flexão verbal – 13ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente -

67,1% (exemplo: “É nada, é porquê a gente - a gente gosta de brigá memo.”), em seguida,

pretérito perfeito - 11,9% (exemplo: “A Lela mostrou a língua.”), infinitivo - 4,4% (exemplo:

“Comprar mamão?”), presente com infinitivo – 4,4% (exemplo: “Não precisa falar que nem

nenê.”), futuro - 2,9% (exemplo: “Eu não vou na di manhã, nemmm!”), imperativo - 2,9%

(exemplo: “Limpa a cara dela.”), pretérito imperfeito - 2,2% (exemplo: “Que a Olivia era a a

Ísis.”), pretérito perfeito com gerúndio - 1,4% (exemplo: “Ah! Mais ela falou chamando eu,

né bebeé?”), presente com gerúndio - 1,4% (exemplo: “Eu to indooo.”) e imperativo com

infinitivo - 0,74% (exemplo: “Faz no meu pra ver como é que é!”). A criança mantém a

produção de todos os tempos verbais. A produção verbal da criança pode ser assim

contabilizada:

Idade: 04;8.5

Futuro 04 Imperativo 04 Imperativo com infinitivo 01 Infinitivo 06 Particípio 0 Gerúndio 0 Pretérito perfeito 16 Pretérito perfeito com infinitivo 0 Pretérito perfeito com gerúndio 02

Presente 90 Presente com gerúndio 02 Presente com infinitivo 06 Presente com particípio 0 Pretérito imperfeito 03 Pretérito imperfeito com gerúndio 0 Pretérito imperfeito com infinitivo 0 Total de ocorrências verbais 134

113

Gráfico 25 – Flexão verbal – 13ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o

seguinte:

Tabela 27 – Aspecto Gramatical e Lexical – 13ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Podemos notar que, sobre categoria aspecto gramatical, a maior parte da produção foi

do aspecto imperfectivo (88,1%), revelado pelas construções no tempo presente e gerúndio. Já

o aspecto perfectivo apareceu em menor escala (12,1%), seguido do progressivo (5,88% já

contabilizado na soma do aspecto imperfectivo). Assim como na décima primeira agravação,

a validação da relação perfectividade/imperfectividade e telecidade/atelicidade é válida

apenas para imperfectivo e atélico, as frases no perfectivo tiveram a maioria de verbos

atélicos, conforme gráfico a seguir.

Idade: 04;8.5

ASPECTO GRAMATICAL Perfectivo 18 Imperfectivo 99 Progressivo 02 Total: 119 ASPECTO LEXICAL Télico 06 Atélico 113 Total : 119

Presente

Pretérito perfeito

Infinitivo

Presente com infinitivo

Futuro

Imperativo

Pretérito imperfeito

Pretérito perfeito com gerúndio

Imperativo com infinitivo

Presente com gerúndio

114

Gráfico 26 – Aspecto Gramatical e Lexical – 13ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Na décima quarta e última gravação, a idade da criança era 4;10.6 (quatro anos, dez

meses e seis dias), foram coletadas 215 frases, em que 137 eram compostas por verbos, cuja

classificação é a seguinte:

Tabela 28 – Flexão verbal – 14ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com os dados acima, a maior quantidade de verbos apareceu no presente -

35,7% (exemplo: “Essa daqui não presta mais.”), em seguida, pretérito perfeito - 15,3%

(exemplo: “Cheguei, cheguei, cheguei com uma bonequinha aqui pra vocêê.”), imperativo -

14,5% (“Olha, Lu.”), futuro - 10,9% (exemplo: “Eu vô escrevê.”), presente com gerúndio -

8,7% (exemplo: “Eu tô aprendeno a historia.”), pretérito imperfeito - 5,1% (exemplo: “Daí eu

Idade: 04;10.6

Futuro 15 Imperativo 20 Imperativo com infinitivo 0 Infinitivo 04 Particípio 0 Gerúndio 0 Pretérito perfeito 21 Pretérito perfeito com infinitivo 0 Pretérito perfeito com gerúndio 0

Presente 49 Presente com gerúndio 12 Presente com infinitivo 05 Presente com particípio 0 Pretérito imperfeito 07 Pretérito imperfeito com gerúndio 02 Pretérito imperfeito com infinitivo 02 Total de ocorrências verbais 137

Télico

Atélico

Perfectivo

Imperfectivo

Progressivo

115

comprava uma roupinha pra ela.”), presente com infinitivo - 3,6% (exemplo: “Eu quero mudá

pra casa lá perto da Vânia.”), infinitivo - 2,9% (exemplo: Qué vê, ó?!), pretérito imperfeito

com gerúndio - 1,4% (exemplo: “A gente tava brincano.”) e pretérito imperfeito com

infinitivo - 1,4% (exemplo: “Queria ficá fazeno uma lá na escolinha.”) A criança mantém a

produção de todos os tempos verbais. A produção verbal da criança pode ser assim

contabilizada:

Gráfico 27 – Flexão verbal – 14ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

No que diz respeito à produção dos aspectos gramatical e lexical, contabilizamos o

seguinte:

Tabela 29 – Aspecto Gramatical e Lexical – 14ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Do mesmo modo como ocorreu nas gravações anteriores, em se tratando da categoria

aspecto gramatical, a maior parte da produção foi do aspecto imperfectivo (76,4%), revelado

Idade: 04;10.6

ASPECTO GRAMATICAL Perfectivo 23 Imperfectivo 63 Progressivo 10 Total: 96 ASPECTO LEXICAL Télico 20 Atélico 76 Total : 96

Presente

Pretérito perfeito

Imperativo

Futuro

Presente com gerúndio

Pretérito imperfeito

Presente com infinitivo

Infinitivo

Pretérito imperfeito com gerúndio

Pretérito imperfeito com infinitivo

116

pelas construções no tempo presente e gerúndio. Já o aspecto perfectivo apareceu em menor

escala (23,9%), seguido do progressivo (10,4% já contabilizado na soma do aspecto

imperfectivo). De novo, temos a validação da relação perfectividade/imperfectividade e

telecidade/atelicidade, confirmando o aspecto perfectivo para verbos de natureza télica e o

imperfectivo para verbos de natureza atélica, conforme gráfico abaixo:

Gráfico 28 – Aspecto Gramatical e Lexical – 14ª Gravação

Fonte: Dados da pesquisa

Nesta seção, conforme demonstrado, apresentamos os resultados das análises para as

flexões de tempo verbal e aspecto verbal para cada etapa estudada. Na próxima seção,

faremos análises para as flexões de tempo verbal e de aspecto verbal para cada etapa

estudada, observando-se períodos maiores, pois agruparemos alguns resultados.

6.2 Agrupamento das gravações

Podemos resumir os dados anteriormente descritos quanto ao aparecimento de

categorias verbais e, diante do surgimento de diferentes construções temporais, propor a

divisão das gravações em três grupos principais.

Optamos por unir, no primeiro grupo, as três primeiras gravações, período em que a

criança tinha idade entre um ano e cinco meses e um ano e oito meses. Isso porque, durante

essa idade, a criança construiu sentenças utilizando apenas quatro noções temporais:

imperativo, infinitivo, presente e pretérito perfeito simples.

Na primeira gravação, quando a criança tinha a idade de 1;5.4 (um ano, cinco meses e

quatro dias), encontramos o tempo presente, o pretérito perfeito e imperativo. Na gravação

seguinte, catorze dias depois da primeira gravação, além dos três tempos verbais encontrados

na primeira gravação, também houve a ocorrência do infinitivo. Na terceira gravação, que

veio três meses depois da segunda, a idade da criança era 1;8.25 (um ano, oito meses e vinte e

Télico

Atélico

Perfectivo

Imperfectivo

Progressivo

117

cinco dias) e a criança manteve suas construções apenas nas quatro categorias temporais

mencionadas (imperativo, infinitivo, presente e pretérito perfeito).

O segundo grupo diz respeito apenas à quarta gravação, ocasião em que a criança tinha

a idade de 1;9.2 (um ano, nove meses e dois dias). Essa proposta de agrupamento se dá

porque, além das quatro noções temporais verificadas nas três primeiras gravações, a criança

apresentou, em sua fala, construções mais complexas, pois identificamos frases no presente

com infinitivo e presente com gerúndio, ou seja, neste último caso, destacamos a utilização de

perífrases verbais.

Diante disso, podemos afirmar que a diferença do primeiro e do segundo grupo é que,

no primeiro, a criança apresentou, em sua fala, apenas morfemas de presente e pretérito

simples, imperativo e infinitivo, já no segundo grupo, a criança demonstrou sentenças mais

complexas, produzindo, assim, presente com infinitivo e com perífrases verbais no tempo

presente.

O terceiro e último grupo é o maior de todos, isso porque, conforme já explicitado

anteriormente, aconteceu um grande intervalo de tempo entre a quarta e a quinta gravação.

Certamente, durante esse intervalo de gravações, a criança apresentou a aquisição de novas

categorias, mas, infelizmente, não temos como medir isso. Contudo, podemos dizer que, a

partir da quinta gravação, em que a idade da criança tinha 3;4.15 (três anos, quatro meses e

quinze dias) foram identificadas outras formas temporais, tais como futuro e pretérito

imperfeito. Neste momento, a criança passou a demonstrar o domínio de pretérito, presente e

futuro, bem como o aumento da produção de perífrases verbais e as noções aspectuais de

perfectivo e imperfectivo.

Uma vez propostos os três agrupamentos, podemos afirmar que, no primeiro e no

segundo grupo (idade entre um ano e cinco meses e um ano e nove meses), a criança não

apresentava todas as noções temporais, mas que, no terceiro grupo, com idade a partir de 3,4

anos (três anos e quatro dias), encontramos produções com morfemas relativos a todas as

noções temporais. Em outras palavras, podemos dividir os três grupos em: 1) o grupo das

noções de presente e pretérito simples, imperativo e infinitivo; 2) o grupo das noções de

presente, pretérito, imperativo infinitivo e construções perifrásicas; 3) o grupo que engloba as

noções de pretérito, presente, futuro, imperativo, infinitivo e construções perifrásicas.

Conforme já apontamos, o terceiro grupo é o maior de todos. Podemos dizer que, entre 3,4

(três anos e quatro meses) e 4,10 (quatro anos e dez meses) anos de idade, a criança produz

sentenças do mesmo tipo. Aliás, se analisarmos cada um dos gráficos anteriores,

perceberemos uma sofisticação na construção das sentenças produzidas pela criança. Quanto

118

mais avançada a idade da criança, mais complexas podem ser as suas produções. Frase com

pretérito com infinitivo, por exemplo, só surgem mais tarde (com idade entre quatro e quatro

anos e meio).

Para detalhar o momento em que surgem as categorias verbais na fala das crianças,

propomos o gráfico abaixo, em que o topo da pirâmide representa a idade com que a criança

manifestou determinada categorial verbal.

Gráfico 29 – Aparecimento das flexões verbais

Fonte: Dados da pesquisa

Diante do gráfico, parece-nos plausível afirmar que os recursos de marcação de tempo

na sentença são desenvolvidos gradualmente, esses parâmetros não estão fixados desde o

nascimento da criança. À medida que a criança recebe os inputs é que ela vai ativando os

valores morfológicos de tempo.

No que diz respeito ao agrupamento das categorias de aspecto gramatical, podemos

propor a divisão em apenas dois grupos. O primeiro grupo diz respeito às noções simples de

perfectivo e imperfectivo, o segundo grupo, por outro lado, subdivide o aspecto imperfectivo

em imperfectivo e progressivo. Optamos por destacar o aspecto progressivo porque as

construções de natureza progressiva só aparecem mais tarde na fala da criança e se devem à

utilização de perífrases verbais.

00,51

1,52

2,53

3,54

4,55

Futuro

Impe

rativo

Impe

rativo c/ infin

itivo

Infin

itivo

Pretérito

 Perfeito

Pret. Perf. c/ infin

itivo

Pre. Perf. com gerún

dio

Presen

te

Presen

te com

 gerún

dio

Presen

te com

 infin

itivo

Pretérito

 Impe

rfeito

Pret. Imp. c/gerún

dio

Pret. Imp. c/ infin

itivo

Aparecimento das Flexões Verbais

Aparecimento das Flexões Verbais

119

Entre 1,5 (um ano e cinco meses) e 1,9 (um ano e nove meses) anos de idade a criança

apresenta construções apenas nas formas perfectiva e imperfectiva simples (isto é, sem noções

de progressividade), o aspecto progressivo só vai aparecer a partir da gravação em que a

criança tinha a idade de 3;4.15 (três anos, quatro meses e quinze dias). O gráfico a seguir, em

que o topo da pirâmide representa a idade com que a criança manifestou aquele aspecto

gramatical, resume bem as nossas observações:

Gráfico 30 – Surgimento do Aspecto Gramatical

Fonte: Dados da pesquisa

Sobre o agrupamento das categorias de aspecto lexical, não é cabível nenhuma

divisão. Isso porque, desde a primeira gravação, a criança construiu sentenças utilizando

diferentes tipos de verbos, o que nos permitiu observar que, desde o início, a criança

demonstrou competência na produção de verbos de natureza télica e atélica.

Podemos ainda contrastar o aparecimento do aspecto lexical e do aspecto gramatical.

De acordo com o gráfico abaixo, em que a ponta da pirâmide aponta a idade do aparecimento

de tais aspectos, podemos pensar que o aspecto lexical parece ser de conhecimento da criança

em fase de aquisição da linguagem, e que, portanto, parece ser anterior ao conhecimento do

aspecto gramatical. Isso porque, no caso do aspecto gramatical, a noção de progressividade só

aparece mais tarde na fala da criança.

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

Perfectivo Imperfectivo Progressivo

Surgimento do Aspecto Gramatical

Surgimento do Aspecto Gramatical

120

Gráfico 31 – Contraste Aspecto Gramatical e Lexical

Fonte: Dados da pesquisa

Conforme mostrado anteriormente, as noções temporais e aspectuais vão surgindo de

acordo com desenvolvimento da criança. Além disso, é curioso notar que os verbos télicos

apareceram nas construções progressivas muito antes dos verbos atélicos. Uma vez que

detalhamos os resultados das gravações e fizemos nossas considerações sobre uma maneira de

agrupá-las, passaremos à análise dos nossos resultados, à luz das teorias que nos guiaram

nesta pesquisa.

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

Perfectivo Imperfectivo Progressivo

Télico

Atélico

121

7 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Neste capítulo, tentaremos, a partir dos dados descritos anteriormente, propor uma

discussão a respeito da aquisição de linguagem e, mais especificamente, sobre as categorias

tempo e aspecto, objetos de investigação dessa pesquisa.

Conforme explicações em capítulos anteriores, as propostas de Charles Yang, Mark

Baker, Thornton e Tesan e Kenneth Wexler apresentam ideias distintas a respeito do

desenvolvimento da aquisição da linguagem, por isso, nos empenhamos em buscar, a partir de

nossos dados, um diálogo com esses pesquisadores. A ideia aqui é uma discussão produtiva

sobre aquisição de linguagem.

Em Yang (2002, 2004), encontramos a hipótese de que as crianças em fase de

aquisição da linguagem teriam diferentes gramáticas em competição. Os parâmetros estariam

em competição durante a fase inicial da vida da criança, em que ela não teria fixado

completamente os parâmetros da própria língua. A gramática em competição (ou as

gramáticas em competição) explicaria porque, muitas vezes, a fala das crianças difere da fala

dos adultos, já que o parâmetro da língua da criança ainda estaria em variação.

Para Yang (op. cit.), a fixação da língua da criança dependeria de uma medição

estatística a partir dos inputs que ela receberia por parte da sua comunidade linguística.

Assim, os dados contabilizados a partir dos inputs seriam fundamentais para a parametrização

da língua da criança. Yang (op. cit.) traz uma discussão sobre a fixação das formas verbais de

tempo em verbos irregulares da língua inglesa. Para o autor, existiriam regras que atuariam

juntamente com a regra default de formação de passado regular em inglês na aquisição do

passado irregular. Essas regras operariam em virtude do mecanismo estatístico, já que o

número de ocorrências no input fonológico seria um fator condicional para que a criança

pudesse fixar o padrão que aponta a irregularidade dos verbos.

Em nossa pesquisa, encontramos frases em que a criança, de fato, não demonstrou a

fixação completa de regras padrão da língua portuguesa, pois, em se tratando de tempo, por

exemplo, os nossos dados revelaram que, assim como as crianças pesquisadas por Yang,

nossa criança, muitas vezes, se valeu de regras default, como na sentença “É que ele tá

morrido”, em que a terminação -ido que revela particípio ou adjetivo flexionado em gênero é,

estatisticamente falando, mais recorrente no português brasileiro. Podemos citar como

exemplo também a frase “Eles poram eles poram um quadro de quadro peixe” em que a

construção morfológica do pretérito perfeito está baseada em regras default do português

122

brasileiro, em que, geralmente, mantém-se o radical do verbo (nesse caso, do verbo pôr) e

acrescenta-se o sufixo -am.

Além dos exemplos de marcação morfológica de tempo, temos outras evidências,

conforme aponta Yang de que as crianças começam com os valores de parâmetros em

competição. Na frase “vai cês sair” (no lugar de “vocês vão sair”) notamos que o verbo

auxiliar está anterior ao sujeito, ou seja, trata-se de uma variação na fixação da estrutura

pertinente ao português, já que, no mesmo período de gravação, a criança produziu frases com

o padrão “apropriado”, como por exemplo: “depois eu vou falar”. Ocorrências como no

primeiro exemplo sugerem certa instabilidade na estruturação da sentença. De acordo com

Yang (op. cit.), uma alternativa para a melhor avaliação desse tipo de variação deve ser a

quantificação dos inputs recebidos pela criança. Entretanto, não podemos julgar, a partir de

nossas gravações, a quantidade de inputs recebidos pela criança, pois as frases coletadas

dizem respeito apenas a uma pequena parte do dia a dia da criança. Assim, não podemos fazer

qualquer tipo de comparação com o Modelo Variacional de Yang. O que, de fato, fica claro

em nossos dados é que a criança, aos poucos, vai fixando os parâmetros da língua,

confirmando dessa maneira a hipótese de que a formação da gramática é caracterizada

gradualmente.

Baker (2005) desenvolveu seu trabalho em torno daquilo que optou por chamar de

hierarquia de parâmetros. Para o autor, alguns parâmetros deveriam ser fixados anteriormente

a outros para a criança falar a gramática de sua língua tal qual o adulto. Diante dos nossos

dados, não podemos refutar a proposta de Baker, mas também não temos como confirmá-la.

Para tentar estabelecer uma ordem de fixação de parâmetros, seriam necessários mais dados e,

talvez, comparação dos dados em língua portuguesa aos dados de outras línguas. O que

podemos dizer é que, nas primeiras gravações, quando a criança pesquisada neste trabalho

tinha menos de dois anos de idade, as frases eram ausentes de sujeito como “abô” para

“acabou” e a maioria vinha na forma de imperativo, como em “dá” no lugar de “me dá” e

“abe” ao invés de “abra”. Depois, ao apresentar frases com estruturas maiores, ficou clara a

falta de concordância em situações como em “porque eles tá dormindo” no lugar de “eles

estão (ou tão) dormindo” ou em “eles foi pra casa dele” no lugar de “eles foram para casa

deles.”. Nestes exemplos36, não existe ligação entre o sintagma nominal e o sintagma verbal.

Assim, podemos entender que a criança ainda não validou todos os parâmetros. Essa

36 Não se pode dizer que é um caso de influência do dialeto, porque no ambiente linguístico da criança detectamos o padrão formal da língua portuguesa, pelo menos em construções relativamente simples, como nos exemplos citados.

123

validação é gradual. O que podemos dizer, diante de nossos dados, é que o “pontapé” da fala

da criança iniciou-se pela estruturação do sintagma verbal e só depois veio a “harmonização”

dos demais elementos constituintes das sentenças.

Thornton e Tesan (2007) fizeram uma avaliação dos modelos de aquisição de

parâmetros proposto por Yang, Baker e Wexler a partir da averiguação de dois parâmetros

relacionados com as categorias funcionais flexão e negação. As autoras propuseram alguns

critérios de checagem, a saber: continuidade, uniformidade, ordenação, ponto de partida,

requisito de input, trajetória e, por último, conformidade.

A pesquisa de Thornton e Tesan (op. cit.) foi baseada nas falas de quatro crianças

mediante testes de eliciação. De acordo com as autoras, três critérios puderam ser verificados:

ponto de partida, trajetória e conformidade. Os resultados apontaram o modelo de aquisição

hierárquica, proposto por Baker (2005), como o mais pertinente aos dados por elas coletados.

No que diz respeito aos critérios estabelecidos por Thornton e Tesan (op. cit.), não

podemos discuti-los a partir de nossos dados, isso porque as autoras o fazem comparando o

tempo de aquisição de linguagem por parte de quatro crianças. Qualquer que seja o critério

sugerido pelas autoras, ele deve ser feito por comparação entre crianças de mesma faixa

etária. O que ficou evidente aqui, conforme dissemos, é que não se pode refutar a proposição

de hierarquia de parâmetros proposta por Baker (2005).

Além disso, nossos dados indicam que a hipótese que melhor acomoda nossos dados é

a de Wexler (1996, 1998) que propõe a cisão de Tempo em T e AGR, pois, de acordo com o

autor, existiria o estágio OI, período em que as crianças não estariam aptas a utilizar as

marcas de tempo e aspecto paralelamente. Assim, se trouxéssemos nossa proposta de

investigação das categorias tempo e aspecto à luz de Wexler (1996,1998), poderíamos dizer

que ora a criança manifesta morfemas correspondentes aos traços de aspecto, ora produz

morfemas ligados aos traços de tempo, e, em um estágio mais avançado, manifesta morfemas

relacionados aos dois traços. Nessa perspectiva, essas categorias devem ser entendidas como

categorias funcionais distintas, já que elas são responsáveis pela distribuição de marcas

verbais que não são de mesma natureza.

Para Wexler (op. cit.), a criança em fase de aquisição da linguagem teria que passar

pelo Estágio Infinitivo Opcional (OI) e, durante esse período, a criança não seria totalmente

capacitada a produzir verbos com flexão de tempo e concordância ao mesmo tempo. Desse

modo, ela produziria sentenças com falha de tempo ou concordância ou falha de tempo e

concordância, simultaneamente. De acordo com Wexler (op. cit.), existiria, na gramática

infantil, a chamada Restrição de Checagem Única (RCU), e, em virtude dessa restrição,

124

durante a computação sintática não poderia ocorrer a valoração paralela de tempo e

concordância.

Encontramos, em nossas gravações, dados que vão em direção à proposta de Wexler,

pois sugerem a possibilidade da existência de estágio OI. Esses dados podem ser verificados

em várias gravações e podem ser dadas, como exemplos, frases como “Eles vivia numa

floresta” no lugar de “Eles viviam numa floresta”, ou “Eles foi pra casa dele” no lugar de

“Eles foram para a casa deles”. Nesses exemplos, fica clara a falta de concordância verbal.

Em outra situação, a criança diz, por exemplo, “a hora que eu vê” no lugar de “a hora

que eu vi”, notamos aqui a existência de concordância, mas o verbo não está flexionado na

forma de 1ª pessoa do pretérito perfeito. Se analisarmos os gráficos do capítulo anterior,

perceberemos que, obviamente, a criança só faz construções como nos exemplos anteriores

após certa idade, no caso da nossa criança, a partir de três anos de idade. Isso sugere a RCU

que, como dissemos anteriormente, se daria pela impossibilidade de as crianças realizarem

duas checagens (ou valoração, para usar a terminologia atual) de traços não interpretáveis,

sendo uma de tempo e a outra de concordância. Além disso, na gramática infantil em estágio

OI, ocorreria a valoração em apenas uma dessas categorias. Daí aconteceria a convergência de

uma estrutura com a ausência ou de tempo ou de concordância.

Quanto mais avançada a idade da criança, mais rapidamente o final do estágio OI se

aproxima, já que, esse estágio diz respeito ao amadurecimento cognitivo natural. É importante

salientar que o estágio OI não tem caráter empirista, ele é exclusivamente individual, isto é, o

estágio OI chega ao fim quando a criança atinge amadurecimento biológico para fixação de

determinado parâmetro, ou seja, não se trata do tempo em que ela fica exposta à sua

comunidade linguística, mas da sua capacidade em formular sentenças tidas como pertinentes

àquela língua. De acordo com Wexler (op. cit.), diferenças nos dados dos inputs causam

pequeno impacto na configuração dos parâmetros. Não é necessário um mecanismo

estatístico.

Além de confirmar a proposição do estágio OI de Wexler (op. cit.) e a proposição da

RCU, temos indícios de que nossa hipótese de dissociação da camada de tempo e aspecto

esteja correta. Isso porque as produções verbais com apenas o gerúndio, como em “eu queria

que cê dormindo comigo” ao invés de “eu queria que vo (cê) estivesse dormindo comigo” ou

"zogandu bola” ao “invés de está jogando bola”, seriam frases sem marcação de tempo, mas

com a presença de aspecto, nesse caso, do aspecto progressivo. Assim, podemos dizer que a

ausência de tempo não significa ausência de aspecto e vice-versa e que, portanto, essas duas

categorias, estão, sim, dispostas separadamente.

125

A tabela a seguir confirma que nossa criança investigada, em diferentes ocasiões,

apresentou apenas manifestação de tempo, apenas manifestação de aspecto, manifestação de

tempo e aspecto ou ausência de manifestação de tempo ou de aspecto.

Tabela 30 – Evidências de dissociação de Tempo e Aspecto

Marcações apenas de Tempo

Marcações apenas de Aspecto

Porque ela cai. (querendo dizer: porque ela caiu).

Eu queria que cê dormindo comigo.

Sai os ovinhos. (querendo dizer: saiu os ovinhos)

Zogandu bola.

Eu entendii. (querendo dizer: eu entendo).

Papando.

Contanu história. Brigando com a Dani. Seguranu o nenenzinho

Marcações de Tempo e Aspecto

Marcações com ausência de

Tempo e Aspecto Pensa que eu to ouvindo. Fazê xixi, pô pijama. Ela falou chamando eu, né bebé?! Comprar mamão? Eu tôôô iiindo! Lavá tua cabeça? Eu tô aprendenu a historia... Qué vê manhê, ó, ó? Não tá comenu bala. Qué uma palmada? A gente tava brincanu. Ir no clube.

Fonte: Dados da pesquisa

Se ora a criança produz tempo, ora produz aspecto, ora produz os dois e ora produz

nenhum, nossos dados sugerem aquilo que é considerado por Chomsky (1998, p.15), como

uma projeção única em que “T(empo) é uma categoria funcional, expressando tempo e

estrutura de evento”, possivelmente deve ser representado na gramática mental dos indivíduos

como duas projeções distintas. Isto é, a camada flexional deve ser dissociada, dividida em

duas projeções: uma específica de tempo e a outra de aspecto. Nos casos em que teríamos as

formas verbais únicas, podemos sugerir que, em função do que ocorre nas perífrases, ora

teríamos a noção de tempo, ora a de aspecto, ora as duas noções. Entretanto, no caso das

formas verbais únicas, como o morfema acumula várias noções – modo, tempo e aspecto –

não podemos, ao certo, apontar qual categoria estaria presente na produção do morfema por

parte da criança em fase de aquisição de linguagem.

Diante disso, confirmamos que tempo e aspecto são categorias funcionais distintas e

devem ser entendidas como categorias que cumprem a função de núcleo. Podemos dizer ainda

126

que a sintaxe é motivada pela manifestação dos traços dessas categorias, bem como

complementizadores e determinantes. Assim, podemos esquematizar nossa conclusão sobre

tempo e aspecto da seguinte maneira:

Figura 18 – Esquema das categorias Funcionais

Fonte: Elaborado pelo autor

No que diz respeito aos autores que tratam da aquisição de aspecto, nos valemos de

Bronckart e Sinclair (1973), Bloom, Lifter e Hafitz (1980), Vinnistskaya e Wexler (2001) e

Hodgson (2004).

Os primeiros pesquisadores, Bronckart e Sinclair (op. cit.) desenvolveram uma

pesquisa com crianças em aquisição de língua francesa. Diante dos dados coletados, os

pesquisadores chegaram à conclusão de que as crianças mais jovens usavam flexões de tempo

para sinalizar aspecto e não as noções temporais propriamente ditas.

Em um estudo com crianças em aquisição de língua inglesa, Bloom, Lifter e Haftiz

(op. cit.) chegaram às conclusões similares a de Bronckart e Sinclair. Os autores notaram que

as crianças escolhiam a forma verbal de acordo com o seu conteúdo inerente. Desse modo,

evidenciou-se que as noções aspectuais eram as primeiras a surgir na gramática da criança.

Mais do que isso, sugeriu-se que a aquisição do aspecto lexical antecederia a aquisição do

aspecto gramatical.

Por outro lado, Hodgson (2004) afirmou, a partir de dados da sua pesquisa, que o

aspecto não necessariamente seria anterior a tempo, pois as crianças investigadas

demonstraram dificuldades tanto nas produções de tempo, quanto de aspecto. Isso sugere que

nenhuma das noções estaria totalmente estabilizada na gramática infantil. De acordo com a

autora, pode-se perceber a aquisição de aspecto gramatical estabilizada, em falante de língua

espanhola por volta dos cinco anos de idade.

127

Diante de nossos dados, não podemos afirmar veementemente que aspecto seja

adquirido antes de tempo. O que podemos declarar é que as produções realizadas na forma de

gerúndio que deveriam ser acompanhadas de um verbo auxiliar para marcação de tempo

indicaram a consolidação da categoria aspecto quando tempo ainda não estava totalmente

estabilizado. Se tomássemos os nossos dados como verdade universal para falantes de língua

portuguesa, aí, sim, poderíamos afirmar categoricamente que a aquisição de aspecto é anterior

a tempo. Contudo, nos contentaremos em dizer que a partir da análise dos dados coletados, a

categoria aspecto mostrou-se adquirida antes de tempo, mas que essa não é uma condição

default, uma vez que outros pesquisadores, com dados de outras línguas, encontraram dados

que não dialogam com os nossos.

Conforme dissemos anteriormente, uma das hipóteses deste trabalho diz respeito à

dissociação de tempo e aspecto. Diante dos nossos dados, como nos casos em que

encontramos apenas o gerúndio, podemos sugerir a cisão do nódulo T (tempo) para T e Asp

(tempo e aspecto), uma vez que, nesses casos, a criança realizaria apenas o aspecto

progressivo, não valorando a camada de tempo. Se por outro lado, o nódulo de tempo e

aspecto fosse coincidente, não seria possível a produção de apenas tempo ou aspecto.

Nesse sentido, estamos reafirmando, em bases empíricas, trabalhos que já lançaram

mão dessa mesma hipótese, tal como Hendrix (1991), Solà (1996), Cinque (1999), Giorgi e

Pianesi (1997), Novaes (2004), Braga (2004) e Hermont (2005).

Outro objetivo de nossa pesquisa diz repeito à checagem da correlação perfectividade

e imperfectividade com telicidade e atelicidade, conforme proposto por Sinclair (1973) e

Bloom, Lifter e Haftiz (1980). A análise de nossos dados possibilitou-nos verificar que as

formas perfectivas ocorrem, prioritariamente, com verbos de natureza télica e formas

imperfectivas ocorrem, prioritariamente, com verbos de natureza atélica. No entanto, como

pode ser verificado na 11ª e na 13ª gravação, não existe uma relação precisa entre telicidade e

perfectividade, mesmo sabendo que construções no imperfectivo tenham sido,

majoritariamente, com verbos atélicos.

O fato de percebermos que telicidade (uma ação que tem um limite temporal bem

definido) influencia o surgimento de perfectivo (um processo completo, terminado no

momento da enunciação), de um lado, e atelicidade (uma situação que não tem um limite

temporal bem definido) influencia o surgimento de imperfectivo (um processo em realização

inacabado) nos acena para a possibilidade de o sistema computacional, ao receber os itens do

léxico, serem sensíveis a todo predicado ou a todo sintagma verbal. Ou seja, o sistema

computacional parece não interpretar o verbo unicamente e, sim, toda a estrutura argumental.

128

Desta forma, ao perceber a natureza do acompanhamento e, portanto, a (a)telicidade do verbo

algo parece desencadear o surgimento de morfema correspondente à (im)perfectividade.

Vinnitskaya e Wexler (2001) fizeram testes com crianças russas em fase de aquisição

de linguagem a fim de avaliar qual a produção dessas crianças em relação à categoria aspecto.

As crianças russas demonstraram o uso excessivo da categoria imperfectivo, o que foi

entendido pelos autores como um problema de pragmática, uma vez que as crianças tratariam

declarações novas como informações antigas, por isso utilizavam a forma imperfectiva. Nesta

pesquisa, constatamos que, assim como aconteceu com as crianças russas, a produção de

frases com aspecto imperfectivo (77,5%), pela criança gravada, foi muito superior ao número

de falas com aspecto perfectivo (22,5%), mas a razão das falas com a marcação de

imperfectividade não pode ser compreendida como um problema pragmático, pois, no

contexto das gravações, a criança não processou a informação nova como uma declaração

antiga. Essa é uma avaliação muito complicada, e requer muitos dados extras, por isso, não

achamos pertinente fazer qualquer declaração categórica.

Por fim, podemos dizer que nossos dados colaboram com postulados de Yang (2002,

2004), Baker (2005) e Wexler (1996, 1998) na medida em que confirmam a ideia de que a

criança, apesar de demonstrar uma gramática distinta da gramática do adulto, parece dispor de

categorias funcionais desde muito cedo.

129

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Primeiramente, é importante salientar a importância de tantos trabalhos que buscaram

e buscam um entendimento mais preciso a respeito da aquisição da linguagem e dos

princípios capazes de explicar o modo como a produzimos. Esta pesquisa vem como mais

uma contribuição aos estudos de aquisição da linguagem e, mais especificamente, da análise

de categorias funcionais como a categoria tempo e a categoria aspecto.

Nosso objetivo principal constituiu-se como uma tentativa de dar resposta aos

seguintes questionamentos: a categoria funcional de tempo pode ser dividia em tempo e

aspecto? No processo de aquisição da linguagem, qual categoria emerge primeiramente:

tempo ou aspecto? O surgimento de formas perfectivas e imperfectivas – portanto aspecto

gramatical – é guiado pelo aspecto lexical ou semântico – télico e atélico?

A fim de responder a essas perguntas, debruçamo-nos em uma cuidadosa investigação

e tentamos desenvolver uma dissertação que levasse em conta os principais pressupostos

teóricos capazes de explicar o funcionamento da gramática mental dos seres humanos. E,

além disso, buscamos diferentes estudos com crianças em fase de aquisição de linguagem, de

diferentes países, a fim de guiarmos nossas análises da melhor maneira possível.

Nosso trabalho é composto por um conjunto de sete capítulos: introdução, quadro

teórico, tempo e aspecto, aquisição de linguagem, metodologia, descrição dos dados e, por

último, análise dos resultados.

No primeiro capítulo, introdução, fizemos uma breve explicação dos motivos pelos

quais nos aventuramos nesta pesquisa e a importância de um trabalho dessa natureza para a

comunidade científica, em especial, para a comunidade linguística que busca melhor

compreensão desse fenômeno complexo que é a sintaxe. Explicitamos os objetivos,

apresentamos o quadro teórico a ser adotado e a metodologia a ser implementada.

No segundo capítulo, quadro teórico, tentamos explicar os principais pressupostos da

Gramática Gerativa, que defende a ideia de que uma gramática não é simplesmente uma

descrição, mas, antes, uma teoria explicativa. Explicitamos que o estudo das línguas naturais

diz respeito à pesquisa da competência a partir do desempenho, que se trata, portanto, de um

movimento que parte do universal para o particular. Mostramos que a Teoria Gerativa nasceu

da necessidade de explicação científica para nossas capacidades linguísticas e que essa teoria

é uma peça-chave para a compreensão do nosso órgão mental da linguagem. A trajetória do

capítulo se deu através de uma breve explicação da gênese da teoria, em que abordamos

tópicos importantes sobre ela. Ao longo do texto, tentamos explicar como surge a Teoria

130

Gerativa e como ela concebe os conceitos de Faculdade da Linguagem, competência e

desempenho, Gramática Universal, inatismo, Princípios e Parâmetros, Programa Minimalista,

categorias lexicais e funcionais, traços, formação de sentenças e construção dos sistemas

arbóreos.

No terceiro capítulo, tempo e aspecto, objetos de estudo de nossa pesquisa, tentamos

fazer uma exposição dos conceitos dessas duas categorias a partir de autores importantes,

pioneiros na investigação desses dois fenômenos linguísticos. Em relação a tempo,

constatamos que se trata de uma categoria dêitica, existente apenas por comparação, uma vez

que só existe o tempo presente porque temos o conhecimento do passado e do futuro. O

tempo diz respeito a um momento de referência que pode marcar simultaneidade,

anterioridade ou posterioridade. O aspecto, por sua vez, é uma categoria não dêitica porque

está ligada ao tempo interno ao verbo e divide-se em aspecto gramatical e aspecto lexical. O

aspecto gramatical, o qual demos maior destaque em nossa pesquisa, diz respeito aos

morfemas flexionais e às noções de completude e incompletude e/ou fases de realização do

evento. Pode ser dividido em aspecto perfectivo e imperfectivo. Por outro lado, o aspecto

lexical trata do conteúdo inerente às raízes verbais e da relação verbal com seus

complementos. Podemos dividir tal concepção em dois grupos: o aspecto télico e o atélico.

Além disso, trouxemos uma explicação sobre a constituição de tempo e aspecto como uma

categoria de flexão. Estabelecemos um diálogo com teorias que propõem uma cisão entre

tempo e aspecto, tal como nossa hipótese para essa pesquisa.

No quarto capítulo, aquisição de linguagem, lançamos mão de teorias que

privilegiassem o estudo da aquisição de categorias funcionais. Nossa explicação se deu à

guisa das pesquisas de Charles Yang (2002, 2004), Kenneth Wexler (1996, 1998, 2001) e

Mark Baker (2005). Tentamos compreender, a partir desses teóricos, qual teoria seria mais

apropriada para análise dos nossos dados. Além desses estudiosos, também nos valemos de

Thornton e Tesan (2007), que fizeram um quadro comparativo dos três autores anteriormente

citados. No final do capítulo, criamos uma seção que tratasse unicamente da aquisição de

aspecto. Para explicar questões que tratassem dessa categoria, recorremos aos trabalhos de

Bronckart e Sinclair (1973), Bloom, Lifter e Hafitz (1980), Winnitskaya e Wexler (2001) e

Hodgson (2004).

No quinto capítulo, metodologia, explicamos a opção pelo método dedutivo e

descrevemos a natureza dos nossos dados, compostos por um conjunto de catorze gravações

de uma criança, coletadas durante quatro anos. Verificamos o conteúdo das gravações a partir

de um levantamento de todas as ocorrências verbais presentes e as marcações flexionais de

131

tempo e aspecto, observando se os dados coletados confirmariam ou refutariam os modelos

teóricos que adotamos.

No sexto capítulo, descrição dos dados, apresentamos, detalhadamente, em forma de

tabelas e de gráficos, as ocorrências das formas verbais destacando os morfemas temporais e

aspectuais, além de verificarmos a natureza do aspecto lexical dos sintagmas verbais

produzidos pela criança.

No sétimo capítulo, análise dos resultados, percebemos a complexidade de se

determinar qual modelo de aquisição de parâmetros seria mais apropriado para os nossos

dados. As análises de nossos dados não permitiram a comprovação da proposta de

hierarquização de Baker (2005). Por outro lado, dialogamos com Yang (2002 e 2004) no que

diz respeito à possibilidade de existência de gramáticas em competição, entretanto, não foi

possível explicitar quais seriam as variações da criança senão aquelas que dizem respeito às

marcas de concordância e de marcação morfológica de tempo. Adotamos a proposta de

Wexler (1996, 1998) como muito pertinente para explicar nossos dados, uma vez que eles

confirmaram a existência de um estágio infinitivo opcional, em que a criança falhava na

produção de tempo e concordância. Nas ocasiões em que encontramos aspecto progressivo e

ausência de tempo, confirmamos nossa hipótese que tempo e aspecto seriam categorias

dissociadas.

Além da verificação dos modelos de aquisição de categorias funcionais, nos

propusemos a estabelecer a relação dos traços de telicidade e atelicidade com as formas

perfectivas e imperfectivas. De fato, a maior parte de nossos dados culminou na confirmação

de que verbos télicos expressam perfectividade e verbos atélicos denotam imperfectividade,

salvas exceções da 11ª e 13ª gravação.

Encerramos a descrição de dados coletados e analisados à luz de teorias sobre

aquisição de linguagem e da Teoria Gerativa. Contudo, temos ainda novos olhares e novas

propostas a serem lançadas a respeito das categorias tempo e aspecto agregadas à descrição de

outros elementos importantes na construção da fala infantil.

Pretendemos permanecer neste caminho, pois muitas questões sobre o funcionamento

da marcação de tempo na linguagem humana ainda precisam ser clareados. Este é, sem

dúvidas, o início de uma trajetória cujo tempo é, a nosso ver, o principal aspecto a ser

esclarecido.

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