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SERVIDOR PÚBLICO A PARTIR DE CASA. É POSSÍVEL?
André dos Santos Sampaio1
Resumo
O artigo trata da aplicação do conceito de teletrabalho na Administração Pública Federal. Por pesquisas bibliográficas, foram encontrados alguns órgãos que já utilizam e alguns que estão em fase de planejamento para implantar o sistema de trabalho, mesmo sem regulamentação especifica. Algumas dificuldades foram observadas para a implantação como, não regulamentação da atividade, matéria sem notoriedade em políticas públicas, mudanças constantes de gestão, dificuldades de controle e avaliação de desempenho. No entanto, tomando os devidos cuidados na fase de implantação será possível o êxito com o teletrabalho na Administração Pública.
Palavra-Chave: teletrabalho; administração pública; trabalho à distância.
1 Trabalho apresentado à Profa. Caissa Veloso o e Sousa, como requisito parcial para conclusão da disciplina de Novos Modelos Organizacionais do Curso de Mestrado Profissional em Administração da FEAD, Belo Horizonte - MG, em fevereiro de 2011. Turma 3T.1.2010.GP01. Email: [email protected]
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INTRODUÇÃO
Alterações nos formatos dos contratos de trabalhos foram uma constante ao longo dos anos. A
mola mestre que impulsionou uma profunda alteração foi a Revolução Industrial, que mudou
a forma como o mundo produzia, fazendo com que desde as famílias a governos tivessem que
se adaptar às mudanças.
Com o dinamismo científico tecnológico, novas formas de comunicação, de geração de
informação, de agilidade e quebra de fronteiras, provocaram outra revolução, tida como
Revolução da informação, ou Terceira Onda. Toffler (1980).
O presente artigo faz um passeio nessas revoluções com intuito de ilustrar o que provocou as
mudanças nas relações de trabalho, mais especificamente, em novas formas tal como o
teletrabalho.
O alvo da pesquisa é entender a dinâmica do teletrabalho e sua possibilidade de implantação
na Administração Pública, que por possuir características de extremismos burocráticos, pode
ser entendido com ambiente não propicio ao também chamado de trabalho a distância.
Concluiu que embora forças políticas não estejam interessadas com afinco na matéria, alguns
órgãos tem tomado a iniciativa e provado que esta modalidade de trabalho é possível também
na administração pública brasileira.
DA ERA INDUSTRIAL À ERA DA INFORMAÇÃO
Várias foram às revoluções nas últimas décadas, que transformaram as relações, sejam
sociais, empresarias, entre países. Um forte exemplo, a Revolução Industrial mudou o mundo,
a forma de produção, de relações de trabalho, criou novas classes sociais. Mudou o mundo.
As sociedades ao redor do mundo sofreram mutações na forma de agir, pensar, de fazer
concretizar o cotidiano.
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Em pouco mais de 200 anos, o homem saiu da produção artesanal, para a produção da
informação. Peter Drucker (2000), num artigo publicado pela revista Exame2 faz a seguinte
observação:
A Revolução Industrial também causou um forte impacto sobre a família. A família nuclear já era, havia muito tempo, a unidade de produção. Marido, mulher e filhos trabalhavam juntos na fazenda e na oficina do artesão. A fábrica, praticamente pela primeira vez na história, tirou o trabalho e o trabalhador de casa, deixando para trás alguns membros da família. Na verdade, a crise da família não começou depois da Segunda Guerra Mundial. Ela teve início com a Revolução Industrial e era a maior preocupação de seus opositores (e do sistema de produção em fábricas). Provavelmente, a melhor descrição do divórcio entre trabalho e família e do efeito que exerceu sobre ambos é a que Charles Dickens fez em Hard Times (Tempos Difíceis), de 1854.
É notório que transformações profundas ocorreram nas relações de trabalho, tirou a família de
dentro de sua residência e levou para a indústria. Não é o objetivo deste artigo, discutir com
profundidade que conseqüências foram essas.
Após a primeira mudança o mundo não mais parou atualmente a revolução em evidência é a
Revolução da informação, um autor que traz a tona essa nova revolução é Toffler (1980) que
descreve essa revolução com a terceira onda:
A Terceira Onda traz consigo um modo de vida genuinamente novo, baseado em fontes de energia diversificadas e renováveis; em métodos de produção que tornam obsoletas as linhas de montagem das fábricas; em novas famílias não-nucleares; numa nova instituição que poderia ser chamada a “cabana eletrônica”; e em escolas e companhias do futuro, radicalmente modificadas. A civilização nascente escreve um novo código de comportamento para nós e leva-nos além da padronização, da sincronização e da centralização, além da concentração de energia, dinheiro e poder. Esta civilização nova, desafiando a velha, deitará por terra as burocracias, reduzirá o papel do estado-nação e irá gerar economias semi-autônomas num mundo pós imperialista. Exigirá governos mais simples, mais eficazes e, não obstante, mais democráticos do que qualquer um dos que conhecemos atualmente [...] poderia resultar na primeira civilização verdadeiramente humana da História registrada. (1980, p.24). Grifo nosso.
2 DRUCKER, Peter. O futuro já chegou. Revista Exame. Edição 710. São Paulo, 22 de março de 2000.3
Vê-se como mudou a mentalidade da sociedade em tão pouco tempo, mesmo após uma
revolução que jogou por terra vários princípios sociais, agora desmonta novamente e, torna o
ambiente de trabalho ainda mais incerto. Rifkin (1996), já alertava para o fim do emprego.
A terceira onda, que Toffler ilustra pode ser entendida também como Revolução da
Informação, onde tecnologias eletrônicas estão alterando os modos de produção,
comunicação, transmissão de dados entre outros. Já Castelss (2002)3, vai além, trazendo o
termo sociedade em rede, argumentando que:
... essa nova sociedade é caracterizada, então, por uma nova estrutura social dominante: a sociedade rede, uma nova economia: a economia informacional global e uma nova cultura: a cultura da virtualidade real. Contudo, a característica da sociedade rede não é o papel crucial do conhecimento e da informação. Conhecimento e informação, na verdade, foram centrais para todas as sociedades. (2002)
Toda essa revolução é apoiada para tecnologias computacionais que, se modificam em
velocidade nunca antes vista. São chamadas de Tecnologias da Informação (TI).
Castells (2002, p.49) considera-a um “conjunto convergente de tecnologias em
microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações/radiodifusão e
optoeletrônica formando um aparato integrado que suporta a veiculação e o manuseio de
informações.”
Com o desenvolvimento dessas tecnologias, softwares e hardwares, cresceu a possibilidade de
realizar trabalhos de formas cada vez mais ágeis, aumentando a produtividade agora não
apenas em setores industrializados, mas também no setor de serviços.
Tecnologias como, vídeo-conferência, internet banda-larga, fibra ótica dentre outros, faz com
que empresas globais, possam gerir seus negócios ao redor do mundo, sem haver necessidade
de constantes reuniões centralizadas, que obrigavam executivos a viajar por horas para
participar do compromisso, podendo agora fazer em tempo real com vários países ao mesmo
tempo, sem sair do escritório.
3 CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. – O Poder da Identidade. 3 ed. São Paulo: Paz e Terra. V.2. 2002.
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OS GOVERNOS
Toffler, quanto conceitua a terceira onda, alerta que com a revolução, será exigido também
dos governos, nova postura, novas atitudes, que tornem suas respostas mais rápidas, eficientes
e transparentes para os cidadãos.
Governos em todo o mundo encaram os desafios da transformação e a necessidade de adaptar
os sistemas estatais de forma a proporcionar serviços e informações eficientes e efetivos. Esse
processo de transformação evidencia o fato de que “os governos são na verdade uma mistura
dinâmica de objetivos, estruturas e funções” (Fang, 2002, p.3)4. O desenvolvimento das TICs
levou à possibilidade de implantação do governo eletrônico (doravante denominado e-gov). A
expressão tem sido entendida de maneira bastante variada e abrangente, o que dificulta a
adoção de um conceito universal aceito por todos. Um dos mais citados, devido a seu alcance
e sentido de evolução no tempo, é o elaborado pelo Gardner Group (2000)5, [Governo
eletrônico é] a contínua otimização de oferta de serviço, participação do eleitorado e
governança mediante transformação de relacionamentos internos e externos com uso da
tecnologia, da internet e da nova mídia.
Outra definição bastante ampla, ainda que mais detalhada, é oferecida por Fang (APUD FREITAS, 2008):
O e-gov é definido como uma maneira do governo utilizar as mais inovadoras TICs, particularmente às aplicações baseadas na internet, para fornecer informações e serviços mais convenientes aos cidadãos e às empresas. Também é aumentar a qualidade desses serviços e fornecer maiores oportunidades de participação em instituições e processos democráticos. Seu objetivo, portanto, é evoluir para o aumento da qualidade e diminuição dos custos dos serviços públicos além de possibilitar um melhor relacionamento entre os cidadãos e o governo.
4 FANG, Zhiyuan. “E-Government in Digital Era: Concept, Practice, and Development”. International Journal of The Computer, The Internet and Management, Vol. 10, No.2, pp. 1- 2, 2002.5 GARDNER GROUP. “Tecnologia da informação, uma análise do Gardner Group”. Exame, Ano 32 nº 18, 26/agosto/1998.
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Vários são os exemplos no Brasil de Órgãos que seja por força legal ou pela interpretação de
gestão da coisa pública, estão utilizando do Governo eletrônico para servir aos cidadãos, ou
mesmo prestar contas do uso dos recursos públicos por ele captados.
O Estado do Espírito Santo no ano de 2009 tornou disponível à população o REGIN, que é
um sistema informatizado que integra os órgãos público envolvidos no Registro de Empresas
como Junta Comercial, Receita Federal, Secretaria da Fazenda Estadual, Prefeituras
Municipais que visam à desburocratização dos processos de abertura, alteração e baixa de
empresas.
Usando a internet em qualquer local, a pretendente a empresário, poderá solicitar a abertura
da empresa e apenas um órgão irá avaliar validando ou não seu pedido. Torna o processo ágil
e para o contribuinte interessado mais fácil, podendo abrir sua empresa em menos de uma
semana.
Exemplos como o apontado acima, são vários tornando o Estado mais perto da população e
desonerando o próprio serviço público.
Como esse uso das tecnologias tanto no setor privado quanto no público tem sido largamente
utilizado, várias alterações na forma de trabalho tem ocorrido. Mais comum por seu caráter
flexível e ágil, o setor privado tem inovado ao longo dos anos trazendo novas formas de
trabalho, como o Teletrabalho.
Para o setor privado algumas conquistas estão mais tangíveis, no ano passado a Comissão de
Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ), aprovou o Projeto de Lei nº. 4505/08, de autoria do
então Deputado Federal Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB-ES), em 8 de dezembro de 2010.
De acordo com o projeto, o teletrabalho será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), com isso garantindo aos cerca de 10 milhões de trabalhadores nesta condição
conforme dados da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades –(SOBRATT)6
dados de 2008, garantindo a estes direitos a férias, salário, feriados e licenças. A ressalva é
6 SOBRATT. Associação Brasileira de Teletrabalho e teleatividade. Disponível em: < http://www.sobratt.org.br/faq.html#p10> Acessado em: 14/02/2011.
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que não há previsão de pagamento de horas extras para os trabalhadores nesse tipo de
“regime”.
TELETRABALHO NA GESTÃO PÚBLICA
O conceito usado neste artigo de teletrabalho é o usado por Nilles (apud, Freitas, 2008, p.35),
Teletrabalho é todo aquele tipo de função que independe de localização geográfica. Utiliza de
ferramentas telecomunicacionais e de informação para assegurar um contato direto entre o
teletrabalhador e o empregador.
Nilles, ao conceituar, aborda questões que são características de um órgão público. O trabalho
executado independe de localização geográfica, há vários órgãos que podem atender a esse
pré-requisito, como no caso do SERPRO. A utilização de ferramentas telecomunicacionais e
de informação. Principalmente no governo Federal, são utilizados softwares com trabalho em
escala nacional, o que possibilita que vários cargos possam ter suas tarefas realizadas por
teletrabalho.
A origem do teletrabalho como é conhecido hoje ocorreu em 1973, resultado de uma
investigação prática sobre a substituição dos transportes pela telecomunicação. Com a crise do
petróleo, soluções que reduzissem seu consumo eram amplamente pesquisadas. Jack Nilles é
apontado, em todas as publicações que descrevem as origens do teletrabalho como “pai do 34
“teletrabalho”, tendo cunhado os termos teleworking e telecommuting8, tornando-se um de
seus grandes defensores. Sullivan (2003) chama a atenção para o fato do termo
“telecommuting” ser muito usado como sinônimo de teletrabalho (especialmente nos EUA), o
que pode confundir os diferentes conceitos ao enfatizar o aspecto do transporte, mesmo
quando a pesquisa em questão focaliza outro aspecto qualquer do trabalho descentralizado.
Freitas (2009, p. 34)7
Muito usado nas empresas do setor privado, o teletrabalho na administração pública, falando
do Brasil, tem utilização muito tímida. Em pesquisas realizadas, poucas são as empresas
7 FREITAS, Silvia Rodrigues de. Teletrabalho na administração pública federal: uma análise do potencial de implantação na diretoria de marcas do INPI. Rio de Janeiro, 2008. EBAPE-FGV. Dissertação
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públicas o Serviço Federal de Processamento de Dados – SERPRO8 tem implantando e com
êxito um programa de teletrabalho, inclusive teve reconhecido o esforço e recebeu vários
prêmios.
Segundo matéria da Folha de São Paulo9, Além do SERPRO que foi o pioneiro nesta
implementação, outros quatro órgãos planejam ou já estão implantando o teletrabalho, mesmo
que ainda não haja legalizado na Administração Pública.
No ano de 2009, o Tribunal de Contas da União (TCU), aderiu ao teletrabalho. Para o ex-
presidente do TCU, Ubiratan Aguiar, responsável pela adoção do sistema, o trabalho em casa
é justificável. “Mulher com filho pequeno é a que mais adere. Ela pode ficar em casa
produzindo”, diz. No caso do TCU, apenas 30% do número de servidores podem ser liberados
para a forma de trabalho em casa, a eles são autorizados levar documentos sigilosos para
analisar em casa. O controle do funcionário passa a ser feito não pelas horas trabalhadas, no
modelo de cartão de ponto, mas por sua produtividade. A legislação prevê, porém, 40 horas
semanais de trabalho.
Flávio Correia de Souza, 43 anos, SERPRO, há cinco anos trabalhando em casa, relata que na
hora do almoço, vai jogar bola e, no final da tarde lê livros. Complementa que “o trabalho
rende mais, pois não há interferência nem conversas paralelas”.
Ainda segundo a matéria os outros órgãos que planejam aderir são o Banco do Brasil e Caixa
Econômica Federal e que em 2010 a Receita Federal do Brasil já inicio um projeto piloto.
Mas há dificuldades para implementar o teletrabalho no setor público. Segundo Mello, os
órgãos precisam ter um controle de produtividade, o que poucos têm, evitando assim que a
pessoa se aproveite do programa para não trabalhar.
8 Serviço Federal de Processamento de Dados – SERPRO. Página oficial. http://www.serpro.gov.br/.
9 MATAIS, Andreza; AMORA, Dimmi. Matéria veicula no jornal Folha de São Paulo em 26/12/2010. Acessado em 14/02/2011. Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/mercado/850957-governo-federal-tambem-testa-o-trabalho-em-casa.shtml>
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Um estudo interessante sobre a implantação do teletrabalho na Administração Pública foi
realizado por Silvia Rodrigues de Freitas (2008) na apresentação da dissertação para o curso
de Mestrado em Administração Pública pela EBAPE-FGV RJ.
No trabalho a autora, analisa fundada em uma vasta pesquisa bibliográfica, o potencial da
DIRMA – Diretoria de Marcas do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, autarquia da
administração pública federal.
Após profunda análise, a autora conclui que é possível a implantação do teletrabalho na
DIRMA, mas não obstante faz no início da conclusão, uma referência de que para que tal
projeto tenha êxito no serviço público, um fator crucial é a vontade política.
Freitas (2008) diz que “a possibilidade de implantação de uma experiência de teletrabalho na
administração pública brasileira pode ser encarada do ponto de vista das políticas públicas que
visam à modernização do aparelho estatal e à expansão do governo eletrônico”.
Faz ainda menção que no campo das políticas públicas, as materiais são debatidas no âmbito
dos escalões mais altos dentro da administração, Legislativo, acadêmicos e pela imprensa que
concentram suas atenções em matérias de maior “expressão” social como: tributária,
econômica, política, dentre outras.
É notório, portanto, que as inovações para o desenvolvimento dessa modalidade de trabalho
dentro da estruturado do Governo, tão logo não será alvo de grandes debates no congresso
nacional. Outro dificuldade para uma regulamentação nacional é a diversidade de planos de
carreiras dentro do governo, o que torna a discussão ainda mais morosa.
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