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Subcultura, estratégia e produção de gosto: uma análise do k-pop no Brasil Introdução A Coreia do Sul recebeu o nome oficial de República da Coreia somente após a Segunda Guerra Mundial, quando o território da Coreia foi dividido em duas partes, dando origem à Coreia do Norte, sob a influência do regime socialista, e Coreia do Sul, influenciada pelo capitalismo Estadunidense. A economia do país, cuja capital é Seul, um dos grandes centros financeiros do mundo, vem crescendo desde então, e hoje é considerada a décima terceira economia do mundo, de acordo com a Organização das Nações Unidas, Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional. A Coreia do Sul mantém relações diplomáticas com inúmeros países e é uma importante parceira comercial de China, Japão, União Europeia e Estados Unidos. Dentre os avanços do país, destacam-se os investimentos em educação, considerados pelo governo coreano como prioridade. O objetivo de vida do jovem coreano que deseja um bom emprego é entrar para uma boa universidade. Em seguida, manter-se nela com boas notas. Os investimentos em tecnologia também ajudam nesse modelo: a Coreia do Sul foi o primeiro país do mundo a fornecer internet banda larga em todas as escolas do país, é um dos países com mais usuários de internet e com conexões de alta velocidade. Assim, pode-se dizer que a internet faz parte 1

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Page 1: Artigo_Subcultura, Estratégia e Produção de Gosto

Subcultura, estratégia e produção de gosto: uma análise do k-pop no Brasil

Introdução

A Coreia do Sul recebeu o nome oficial de República da Coreia somente após a

Segunda Guerra Mundial, quando o território da Coreia foi dividido em duas partes,

dando origem à Coreia do Norte, sob a influência do regime socialista, e Coreia do Sul,

influenciada pelo capitalismo Estadunidense. A economia do país, cuja capital é Seul,

um dos grandes centros financeiros do mundo, vem crescendo desde então, e hoje é

considerada a décima terceira economia do mundo, de acordo com a Organização das

Nações Unidas, Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional. A Coreia do Sul

mantém relações diplomáticas com inúmeros países e é uma importante parceira

comercial de China, Japão, União Europeia e Estados Unidos.

Dentre os avanços do país, destacam-se os investimentos em educação,

considerados pelo governo coreano como prioridade. O objetivo de vida do jovem

coreano que deseja um bom emprego é entrar para uma boa universidade. Em seguida,

manter-se nela com boas notas. Os investimentos em tecnologia também ajudam nesse

modelo: a Coreia do Sul foi o primeiro país do mundo a fornecer internet banda larga

em todas as escolas do país, é um dos países com mais usuários de internet e com

conexões de alta velocidade. Assim, pode-se dizer que a internet faz parte da vida da

maioria dos sul-coreanos e contribui diretamente para o acesso à informação.

Esse cenário promissor não parecia muito provável poucos anos atrás, se

considerarmos apenas a história recente da Coreia do Sul. A crise financeira asiática de

1997 fez com que as grandes empresas coreanas se reorganizassem, e o governo

investisse em desenvolvimento de tecnologia e conteúdos de filmes e videogames. A

crise, entretanto, pode ter servido como oportunidade. Para HONG (2014), sem a crise

provavelmente não teria havido Hallyu, a Onda Coreana que consiste na “exportação”

desta cultura para diversos países do mundo. O termo (pronuncia-se “ráiliu”) significa

“fluxo da Coreia” e foi cunhado por jornalistas de Pequim, na China, nos anos 90,

surpresos com a popularidade da cultura coreana no restante da Ásia, mediante a

exportação de suas telenovelas, cinema e música.

No Brasil, não é exatamente novidade o interesse pela cultura asiática. Eventos

como animes reúnem fãs da cultura japonesa em todo o país, com foco nos otakus (fãs

de mangás, desenhos japoneses), a fim de compartilharem seu gosto. A comunidade

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coreana, majoritariamente presente na cidade de São Paulo, cidade que também abriga o

Consulado da Coreia do Sul no país, também realiza eventos, como o Festival da

Cultura Coreana, onde é mostrada a cultura do país, abrangendo música, cinema,

gastronomia etc. Se a Hallyu teve sua disseminação primeiramente em países asiáticos,

chegou também ao Brasil, especialmente através do gênero musical conhecido como k-

pop, objeto de estudo deste artigo.

Objetivo

O objetivo deste artigo é avaliar o k-pop e, através dos conceitos de

autenticidade e resistência, analisar se podemos ou não classificar este grupo como uma

subcultura.

Metodologia

Em uma primeira etapa, esta pesquisa contará com um levantamento

bibliográfico, analisando a literatura sobre cultura e subcultura a fim de criar uma base

teórica para o estudo. Em seguida, podemos classificar este estudo como bibliográfico e

documental à medida que serão analisadas matérias, reportagens, vídeos, entrevistas e

artigos publicados que falem sobre k-pop, música coreana e Coreia do Sul.

Por fim, para complementar a análise, será usada uma abordagem qualitativa

através da observação participante realizada em um encontro que contou com

aproximadamente 100 fãs de k-pop, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, no dia

26 de julho de 2015, seguido de oito entrevistas em profundidade, cada uma tendo entre

1 hora e 1 hora e 30 minutos de duração, que foram transcritas e analisadas.

O k-pop: de gênero musical à fábrica de trainees

O nome k-pop vem da junção de Korea e pop (o gênero musical), em uma

alusão ao já existente j-pop (pop japonês). Trata-se de um gênero musical moderno,

dançante, claramente baseado na música pop americana, mas também influenciado por

música eletrônica, hip hop e R&B, com batidas marcantes e coreografias altamente

sincronizadas. Os artistas do k-pop são majoritariamente jovens. Em geral, as bandas

são formadas apenas por homens ou apenas por mulheres, que cantam e dançam,

mesclando sensualidade e “fofurices” (sexy, fofo e meigo são termos comumente

usados por fãs para classificar um grupo de k-pop).

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A estreia da banda Seo Taiji and Boys, em 1992, é considerada um marco na

história da música popular na Coreia do Sul, e se diz que foram os precursores do k-

pop. O trio, formado por rappers e dançarinos, tinha influência de estilos ocidentais,

como hip hop, soul, rock e punk, o que o diferenciava dos demais grupos coreanos e

agradou o público, principalmente os jovens. A partir daí, a indústria musical coreana

enxergou a oportunidade de conquistar um nicho diferente.

Seo Taiji and Boys

Fonte: Google

De lá para cá, o investimento se profissionalizou e tem gerado frutos. No pós-

crise, através da Hallyu, o k-pop foi sendo expandido para os demais países asiáticos

através do chamado “sistema de ídolos”, ou seja, produtoras especializadas em recrutar

jovens, através de audições, que queiram se tornar ídolos profissionais. Ao contrário do

que ocorre mundo afora, em que artistas em geral têm um dom, que é descoberto muitas

vezes por acaso, na Coreia o modelo disciplinado de educação dos jovens coreanos

parece ter sido incorporado ao treinamento de aspirantes a ídolos k-pop, os chamados

trainees. Os jovens, com idades que não costumam passar dos 20 anos, estudam e

treinam exaustivamente horas a fio, ao longo de anos. A dedicação, entretanto, não

parece assustá-los: a Def Dance Skool, escola de dança localizada em Seul, tinha cerca

de 400 alunos em 2006. Em 2013, já eram mil, pelo menos metade deles buscando

entrar em uma das principais produtoras que “fabricam” ídolos k-pop1. Em uma

pesquisa feita em 2012 pelo Instituto Coreano de Educação Vocacional e Treinamento,

a carreira artística passou a ser uma das principais apostas dos jovens. Matricular os

filhos em escolas de formação artística reflete também uma mudança de comportamento

dos pais coreanos que, segundo a pesquisa, antes preferiam carreiras tradicionais. A

jovem coreana Woo Ji-won, de 18 anos, conta: “Meus colegas estão ralando para passar

1 SANG-HUN, Choe. Jovens da Coreia do Sul apostam futuro no k-pop. Folha de São Paulo, 27 de agosto de 2013.

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no vestibular, mas eu vou a curso de k-pop sete noites por semana. Depois de chegar em

casa, passo horas estudando vídeos do k-pop no Youtube.”

O “sistema de ídolos” consiste em agregar, em um só local, todas as funções

necessárias para treinar e desenvolver futuros ídolos de k-pop. O faturamento das três

principais produtoras sul-coreanas que atuam nesse sistema mais que triplicou de 2009

para 2013, passando os 320 milhões de dólares (as três juntas). Dentre elas, destaca-se a

SM Entertainment, responsável pela maior parte dos grupos que faz sucesso atualmente,

como se vê no quadro abaixo.

GRUPO GÊNERO PRODUTOR

2NE1

Big Band

BTS

EXO

Super Junior

F(x)

Girls Generation

Shinee

Feminino

Masculino

Masculino

Masculino

Masculino

Feminino

Feminino

Masculino

YG Entertainment

YG Entertainment

Big Hit Entertainment

SM Entertainment

SM Entertainment

SM Entertainment

SM Entertainment

SM Entertainment

Fonte: Wikipedia

Grupo Girls Generation

Fonte: Google

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Grupo Super Junior

Fonte: Google

O fundador da SM, Lee Soo Man, é uma das figuras mais controversas nesse

cenário e precursor no processo de “fabricar” ídolos no k-pop. Em 1996, Soo Man

lançou uma banda baseado nas informações obtidas através de uma pesquisa. Ele

buscou em meninas adolescentes as respostas sobre o que elas esperavam dos ídolos, e

montou um grupo de acordo com este perfil. Assim surgiu a banda HoT, hoje extinta.

Depois dela, viriam muitas outras. Apesar das altas cifras, a exaustão a que os trainees

são levados já causou problemas à SM: em 2009, membros de um dos grupos por ela

agenciados alegaram ter contrato escravo. O mesmo ocorreu com um dos membros da

famosa banda Super Junior, o que resultou na decisão da Comissão de Comércio Justo

da Coreia do Sul de ordenar que a SM revisse e ajustasse todos os seus contratos.

As cifras do mercado k-pop são, de fato, atraentes. Em 2005, o governo aportou

1 bilhão de dólares para investir na indústria pop, que hoje movimenta 2 bilhões de

dólares por ano no país. Parece ter valido a pena: o k-pop transformou a Coreia do Sul em

um dos dez principais exportadores de produtos culturais do planeta. Mais de 200 bandas de

k-pop foram lançadas de 2005 a 2014, segundo reportagem apresentada na Rede Globo, no

Programa Mais Você. O fato é que as produtoras desenvolvem ídolos cada vez mais globalizados

para agradar a um público cada vez maior e, consequentemente, gerar lucro. Dentre as estratégias estão

incluir integrantes de outros países, lançar canções no Youtube com nomes também em inglês para

serem encontradas mais facilmente, inserir frases em inglês nas músicas, além do investimento nas

coreografias sincronizadas e batidas contagiantes. Um modelo com tantas regras poderia prejudicar a

expansão k-pop, mas a julgar pelo crescente número de fãs, é exatamente o contrário que parece

ocorrer. Em uma reportagem sobre o k-pop, o jornal The Economist chamou a Coreia de “um país sem

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graça que se tornou produtor de gosto” 2, referindo-se à capacidade do país de exportar o gênero

musical.

Além de venderem canções, os ídolos k-pop vendem a própria imagem: quase

todos os entrevistados em nossa pesquisa afirmaram que eles cultivam a imagem de

“bons moços”, e que isso inclusive os diferencia dos ídolos do pop americano. Essa

imagem mais conservadora (com exceção de algumas coreografias mais sexies das

bandas femininas) faz com que os ídolos sejam frequentemente usados na publicidade

de produtos coreanos, principalmente de cosméticos para a pele.

Cultura, subcultura e o universo k-pop no Brasil

Definir subcultura é complexo, dado que o termo começou a ser usado para

explicar os Estudos Culturais da sociedade moderna. Ele não foi necessário para

descrever as sociedades primitivas, mas fundamental para ajudar a definir os limites

existentes nas áreas urbanas que contêm enorme diversidade de modos de vida.

Subcultura é o conjunto de particularidades culturais de um grupo, que se distancia do

modo de vida dominante sem se desprender dele.

Não podemos falar dos Estudos Culturais Britânicos sem mencionar Raymond

Williams, Richard Hoggart e Edward Thompson, pois fundamentaram uma linha de

pensamento que se opôs à escola de pensamento cultural tradicional inglesa. Esta

escola acreditava que a cultura estava ligada ao erudito e às altas classes, em uma visão

elitista que olhava o popular de cima para baixo. As análises produzidas por eles têm

uma grande influência do marxismo. Os Estudos Culturais estão relacionados com a

criação, em 1964, do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), na

Universidade de Birmingham, no Reino Unido, que influenciaram profundamente nas

décadas seguintes os métodos de análise e o interesse por objetos de estudo que operam

com a noção de subcultura. Os pesquisadores envolvidos centraram suas atenções,

particularmente, na categoria “juventude”, mas colocaram em evidência outros tipos de

“comportamentos desviantes”, que foram estudados e resultaram em narrativas

substanciais sobre diferentes grupos enquadrados como subculturas sociais de culturas

mais amplas. Os pesquisadores do CCCS lançaram um olhar diferente para essas

subculturas, buscando a relação entre elas e as estruturas culturais mais amplas, como a

classe operária, a cultura “dominante” e a cultura de massa. Os grandes méritos destes

2 The economist. Soap, Sparkle and pop: how a really uncool country became the tastemaker of Asia. 9 de Agosto de 2014.

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autores foi introduzir uma nova forma de analisar as massas, a concepção de classe e os

paradigmas de comunicação da sociedade moderna, entre outros.

Richard Hoggart produziu, em 1957, “As utilizações da Cultura”, e tentou

entender as mudanças que se deram nas classes operárias desde a segunda década do

século XX. Ao analisar publicações populares, introduziu uma abordagem inovadora e

rompeu com uma visão etnocêntrica para observar a vida do povo e os produtos que

faziam parte do consumo cultural destas classes, passando assim a compreender o

conceito de cultura de uma nova forma. Hoggart se diferenciou ainda enfatizando que

existiam diferenças entre os membros da classe operária, não sendo ela uma classe

homogênea nos hábitos de consumo, nas formas de linguagem e no jeito de se vestir.

Ele identificou a juventude do período vivendo um momento de transição entre a

identidade da classe da classe operária e a atrativa vida “mercantil” da cultura de massa.

Esse tipo de abordagem colocou a juventude como desempenhando um papel central

nas contradições daquele período.

O que tornou este livro tão decisivo para a fundação dos Estudos Culturais foi

atentar para algumas atitudes próprias das classes populares, de maneira a mostrar que o

seu consumo cultural não se reduzia à simples marcha rumo à massificação; mas se

configurava em um processo que, acima de tudo, expressava relações sociais básicas,

em outras palavras, as formas de vida das sociedades. E é esse processo que se busca

para localizar a trajetória de sujeitos comuns, alçados da condição de simples receptores

a protagonistas midiáticos. O trabalho de Hoggart trata dos aspectos da vida cultural da

classe trabalhadora visando demonstrar que há uma pluralidade naquilo que se entende

por classe trabalhadora, até mesmo uma “minoria” que oferece resistência à cultura

massificada e “vulgar”. A pesquisa de Hoggart é pioneira ao colocar a importância da

vida cotidiana em evidência. A classe trabalhadora evidencia o concreto, não tendo

interesse pelo que é abstrato, pelo que não podem compreender. Isto é reforçado nas

representações da cultura de massa por temas como crime, traição, amores, sendo

importante para a classe trabalhadora o que lhes é próximo, como casamento, filhos,

relações pessoais e o sexo.

Já a proposta de Williams no livro “Cultura e Sociedade” foi verificar como

palavras como indústria, democracia, classe, arte e cultura sofreram mudanças no uso e,

com isso, construir um mapa das mudanças que ocorreram na maneira de pensar sobre a

vida comum e sobre as instituições sociais, políticas e econômicas. Com isso, conseguiu

descrever e analisar a complexidade da palavra cultura e sua formação histórica,

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postulando que o termo cultura não pode servir para definir qualquer tipo de diretriz

social e pessoal, contribuindo assim para elaborar uma nova teoria geral da cultura.

Williams explora ainda que o surgimento da palavra massas ganha representação

naquele contexto à medida que há uma enorme aglomeração física nas cidades, devido à

industrialização e em virtude do desenvolvimento de uma classe trabalhadora

organizada. Ele defende ainda que as massas não existem, há apenas formas de ver as

pessoas como massas, já que massas são sempre as outras pessoas, pois ninguém se

identifica como parte delas. A teoria geral da cultura para Williams corresponde à teoria

das relações entre os elementos de um sistema amplo de vida. Desta forma, ele rejeita a

ideia de que exista uma discrepância entre uma cultura de massas e uma suposta cultura

da minoria. Ele relativiza esta ideia de hierarquia, porque mesmo tendo diferenças nos

padrões de consumo e no discurso entre os indivíduos das classes trabalhadoras e das

classes mais altas, há uma partilha de heranças culturais, uma convergência de

experiências, o que significa dizer que não há uma oposição completa entre eles.

Rompe-se, portanto, com a ideia de cultura esteja relacionada à classe mais alta.

Vale salientar as contribuições dadas por Thompson através da obra “A

Formação da Classe Operária Inglesa”, publicada em 1963. Thompson também

contribuiu para que novas leituras sobre a classe e sobre a cultura operária fossem feitas.

Enfoca seu estudo na constituição da classe, interpretando classe como um processo

ativo e dinâmico que é o resultado de uma evolução que se transforma ao longo do

tempo. Nas palavras do próprio autor:

Por classe, entendo um fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na consciência. Ressalto que é um fenômeno histórico. Não vejo a classe como uma “estrutura”, nem mesmo como uma “categoria”, mas como algo que ocorre efetivamente [...] nas relações humanas.

A obra de Thompson aponta que a classe operária inglesa nasceu de um processo

histórico anterior à Revolução Industrial. Ele sugere que ela se origina da história

política, cultural e econômica. Como se o ethos da classe operária inglesa tenha se

formado a partir das diferentes formas de resistência à religião que impunham uma

rigorosa disciplina no trabalho, na Igreja e na vida cotidiana. As diretrizes religiosas

protestantes repreendiam as formas de diversão da classe operária, o que provocou

manifestações de resistência. Thompson demonstra como a classe operária inglesa

conseguiu, através da resistência à cultura tradicional, construir uma “nova cultura”.

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Segundo ele, a exploração das classes operárias não determina que eles sejam

totalmente submissos ou passivos.

No livro “Resistance Through Rituals” (1975), John Clarke, Stuart Hall, Tony

Jefferson e Brian Roberts retomam o conceito de juventude como categoria de classe,

identificando a cultura de massa de uma forma menos ofensiva do que os teóricos

críticos marxistas da Escola de Frankfurt. Eles rompem com a visão de que a juventude

é manipulada e homogênea. É significativa a proximidade nas formas de análise

utilizadas pelos três autores, ao reunir diferentes formas de expressão e ao retratar os

aspectos da vida cotidiana da população. Eles construíram a base teórica dos Estudos

Culturais, possibilitando uma nova leitura do significado da palavra cultura, que vai

além daquela estática e homogênea pertencente às classes mais letradas.

Um autor muito importante neste contexto é Stuart Hall, que foi responsável, em

certa medida, pela propagação dessas ideias para outros campos do conhecimento. Hall

esteve à frente do CCCS entre 1970 e 1979, em substituição ao cargo que, até então,

ocupara Richard Hoggart. Publicou diversos trabalhos a partir das perspectivas deste

campo. Foi no período em que Hall dirigiu o CCCS que os Estudos Culturais se

consolidaram, ampliando-se os estudos das subculturas juvenis britânicas, tais como

teds, mods, skinheads, rastas e em seguida, viria o punk. A subcultura é uma resposta da

juventude aos problemas sociais decorrentes da imposição de um estilo de vida

hegemônico imposto por uma classe social tradicional, representa uma resistência à

tradição.

THORNTON (1996) explorou as hierarquias criadas dentro de outra subcultura,

a dos dance clubs e festas raves britânicas. Uma das características mais marcantes da

pesquisa da socióloga canadense foi mudar o foco das tradicionais divisões entre “nós”

e “eles” anteriormente feitas em estudos de subculturas, entre as quais a dos punks, dos

teddy boys, dos rastas, dos hippies etc. Segundo CAMPANELLA (2010; p.176), alguns

dos mais importantes trabalhos pertencentes à tradição dos Estudos Culturais Britânicos

que investigaram a cultura popular - denominação esta que abrange subculturas, como

as mencionadas acima -, concentraram-se no mapeamento de disputas simbólicas como

forma de resistência às culturas dominantes. De um modo geral, esses são estudos que

analisam como adolescentes de classes trabalhadoras, donas de casa ou jovens negros

buscavam transformar suas condições desfavoráveis na sociedade por meio da

subversão e criação de novos sentidos culturais.

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Page 10: Artigo_Subcultura, Estratégia e Produção de Gosto

A combinação dessas dinâmicas se mostrou fundamental para a geração de uma

comunidade rica em disputas por status, legitimidade e capital social e subcultural

(THORNTON, 1996). Segundo a autora, este último conceito pode ser útil para se

pensar as culturas jovens e foi a partir dele que ela desenvolveu a ideia de capital

subcultural. Em suas palavras:

“[o] capital subcultural confere status para o seu possuidor, aos olhos daquelas

pessoas que importam. [...] Assim como livros ou pinturas são demonstrações

de capital cultural dentro da casa de uma família, o capital subcultural é

objetificado na forma de cortes de cabelo da moda, e de coleções de discos bem

construídas.” (Thornton, 1996, p. 11)

O capital subcultural descrito a partir da etnografia de Thornton é ligado a um

tipo de conhecimento de que é in, ou seja, de quem está por dentro dos acontecimentos e

que por isso sabem como falar, que gírias usar, que roupas vestir, como dançar certos

estilos musicais. Ao mesmo tempo, esta pessoa deve demonstrá-lo de maneira natural e

espontânea. Capital subcultural não se aprende através da educação formal, é resultado

do contato com culturas que incorporam aspectos como rebeldia, juventude,

independência, masculinidade, especialização, heterogeneidade e radicalismo (ibid., p.

115).

As discussões nas aulas da disciplina “Cultura midiática e experiência da

juventude” foram essenciais para apontar que autenticidade e resistência são dois

conceitos fundamentais para entender se os fãs de k-pop brasileiros constituem ou não

uma subcultura. Mesmo com os investimentos citados, os eventos de anime e a Hallyu,

o k-pop mantinha-se, até bem pouco tempo atrás, limitado às fronteiras dos países

asiáticos. Nesse contexto, a internet teve papel fundamental. O espaço virtual tornou-se

o grande aliado da expansão mundial do k-pop, com destaque para o canal de vídeos

Youtube, que se mostra determinante: o vídeo de k-pop com menos visualizações no

Youtube foi visto quase 70 milhões de vezes. Além do Youtube, as mídias sociais como

Facebook, onde fãs organizam eventos de k-pop, e Twitter, onde os artistas são alçados

com frequência aos trending topics (tópicos mais comentados) também contribuíram e

contribuem para tornar o k-pop um fenômeno musical. Sem tais ferramentas, muito

possivelmente o k-pop não seria difundido no Brasil, e sem dúvidas, não com a mesma

velocidade.

Com mais de dois bilhões de visualizações no Youtube, o vídeo Gangnam Style,

do coreano Psy, não pode deixar de ser mencionado. Muitos dos jovens entrevistados

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Page 11: Artigo_Subcultura, Estratégia e Produção de Gosto

disseram ter tido o primeiro contato com o universo k-pop através deste sucesso.

Embora se mantenha recordista de visualizações, o cantor não é mencionado como

favorito de nenhum fã k-pop entrevistado, perdendo para bandas como Super Junior,

Girls Generation, EXO, Infinity e muitas outras.

O fanatismo por esses grupos provoca comportamentos interessantes nos jovens.

A necessidade de consumir produtos relacionados aos ídolos é comum à maioria.

Praticamente todos compram os CDs das suas bandas favoritas, mesmo que precisem

abrir mão de consumir outro objeto, já que estes produtos são mais caros que a média do

mercado. Alguns já deixam dinheiro guardado para uma “emergência”, que seria um

show de algum ídolo anunciado em cima da hora. Todos concordam que os CDs são

muito bem produzidos, primorosos, totalmente diferentes de quaisquer outros, pois

contêm fotos, livreto, cards. Para alguns, é um objeto tão valioso que não é tocado:

mesmo tendo o CD, baixam as músicas da internet para não terem que tocá-lo, pois

funcionam como ponte entre o fã e o ídolo. Como disse DOUGLAS (2004), “os bens

são neutros, seus usos são sociais; podem ser usados como cercas ou pontes”.

Se a estratégia da Coreia do Sul é, através do k-pop, tornar mais consumidos os

diversos produtos da Hallyu, a julgar pelos fãs brasileiros, parece estar surtindo efeito.

O interesse pelo k-pop despertou em muitos fãs a vontade de aprender mais sobre o

país, a começar pelo idioma. Todos têm vontade de conhecer a Coreia, embora a

maioria perceba o país como bem diferente do Brasil e diz não saber se moraria lá. O

conhecimento acerca do país, da música coreana, dos ídolos k-pop e da cultura coreana

de modo geral pode ser entendido como o capital subcultural que torna ou não um

jovem k-pop.

É comum fãs de k-pop fazerem parte de grupos cover dos seus ídolos, imitando

as coreografias e chegando a competir em eventos. Nesses casos, os ensaios tomam todo

o tempo livre. Outros, mesmo sem competir, aprendem as coreografias nem que seja

para confraternizar. Confraternização, aliás, é um ponto importante. Nossa pesquisa

mostrou que os fãs de k-pop no Rio de Janeiro são jovens que, com indicações de

amigos ou por conta própria, conheceram o gênero através da Internet, principalmente

através de vídeos no Youtube. A maioria, em um primeiro contato, se sentia um

estranho no ninho, mas o consumo do k-pop aproximou fãs de todas as localidades, seja

nos eventos aos quais comparecem, seja no ambiente virtual. Como afirma HALL

(2011; p 74), os fluxos culturais entre as nações e o consumismo global criam

possibilidades de identidades partilhadas, como consumidores para os mesmos bens,

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Page 12: Artigo_Subcultura, Estratégia e Produção de Gosto

ainda que estejam em pontos diferentes do planeta. Cada vez mais as identidades se

tornam desvinculadas de tempos, lugares, histórias e tradições, e parecem flutuar

livremente.

Essa identidade comum parece ter feito com que os fãs “abrasileirassem” o k-

pop. Se na cultura oriental não são comuns demonstrações públicas de afeto, os fãs

brasileiros têm a integração e a inclusão como ponto forte dos eventos de k-pop. Na

contramão de uma sociedade individualizada, muitos jovens vão sozinhos aos

encontros, porque sabem que farão novos amigos com facilidade, a partir da construção

da identidade em comum: ouvem as mesmas músicas, falam sobre os mesmos artistas,

dançam as mesmas coreografias. Observamos, no encontro ao qual comparecemos, que

os jovens não usam celular, exceto para tirar fotos, não comem, não bebem. Segundo

eles, não querem perder o momento em que sua música preferida tocar. Na definição

desses mesmos jovens, estão “afundados”, no melhor dos sentidos, no k-pop.

PAREI AQUI!

Análise das entrevistas

A Corea passa a ser incorporada através da música:

A gente acaba que entra (no universo k-pop) pela música, mas hoje em dia eu já

gosto do país por um todo, mas a gente acaba pesquisando seja governo, modo de vida,

comida…

Menino, morador do Meier, 19 anos

Os pontos turísticos, aonde a gente vai, a gente acaba montando lugares que a

gente quer ir quando vai para Coréia, tanto é que a gente até sabe uns lugares, uns

nomes de lugares de lá…

Menina, Moradora de Água Santa, 19 anos

Autenticidade é fundamental, não dá para ser o que não é:

Teve até um menino, o Chiam, ele era do Sul, ele era loiro dos olhos azuis, ele

fez intercâmbio para Coreia, voltou e fez plástica para virar coreano. Eu acho exagero.

Acho que acaba que passa do ponto…

12

Page 13: Artigo_Subcultura, Estratégia e Produção de Gosto

Menino, morador do Meier, 19 anos

O dzang, ele é tipo assim, o modelo asiático, eles têm um tipo de maquiagem,

eles tiram foto, eles tentam chegar na perfeição, no estilo perfeito do coreano, aí ele…

Ele tira esse tipo de foto, ele pinta o cabelo toda hora e tals, e ele fez essa plástica

porque tipo assim, “ah, ele queria virar coreano e tal”, mas tipo assim, você não é

coreano cara, você nunca vai ser coreano, sabe? Mesmo você fazendo plástica, sei lá,

você mudando de nome… Você não vai ser coreano.

Menina, Moradora de Água Santa, 19 anos

Referindo-se a um grupo brasileiro que tentou montar um grupo k-pop:

Em vez de eles quererem usar o estilo brasileiro e botar, o brasileiro tem um

estilo próprio, funk, pagode… Eles quiseram se basear tanto lá que acabou ficando uma

coisa muito artificial. Não passou uma emoção que normalmente a gente sente em

algumas músicas, então fica aquela coisa…

Menina, Moradora de Agua Santa, 19 anos

Sistema de produção de ídolos para exportar a cultura nacional:

(fiquei na dúvida sobre colocar isso já lá na parte em que eu explico que os

jovens processaram a SM. Deixei pra vc ver)

Alguns jovens coreanos estão processando as empresas porque recebem, durante

anos, pouco ou nenhum dinheiro. Alguns escândalos têm surgido, os fãs percebem e têm

certa resistência a este sistema. Este processo não é bem visto por nenhum dos

entrevistados, sentem-se responsáveis por eles porque têm uma relação de “irmãos” com

os ídolos e não são passivos em ajudá-los, como podemos perceber na fala deles:

“Os fãs ou eles vão pra frente da empresa pra mostrar isso ou eles fazem projetos

gigantes pra empresa ver tipo “não, vocês estão errados, eles estão certos, vamos fazer alguma

coisa pra ajudar”. Os fãs, eles fazem de tudo pra ajudar o ídolo, pra, tipo, eles levantam hashtag

no Twitter, eles fazem projetos no Facebook, eles fazem… Eles, tipo assim, “ah, vamos doar sei

lá o quê pra gente comprar isso pra ajudar”, e os fãs doam dinheiro, eles doam…”

Menina, Moradora de Água Santa, 19 anos

13

Page 14: Artigo_Subcultura, Estratégia e Produção de Gosto

Porque o K-Pop tem isso, sai um grupo a cada dia, praticamente, é uma coisa…

É muito bom, mas é muito industrial, é muito uma formula certa. Isso é um lado ruim

também, é muito “vamos treinar por três anos, e debutar esse grupo…”, debutar é

lançar, e fica essa coisa… Então, assim, a cada semana lança um grupo diferente, então

a cada semana tem um grupo diferente pra você gostar.

Menino, morador do Meier, 19 anos

Os trainees são os que normalmente são selecionados… Treinam e treinam para

ou debutar ou não, que é se lançar. Ou eles vão ser lançados ou eles simplesmente

treinam por dois anos e o cara chega e fala “ah, não, você não quero mais”!

Menina, Moradora de Agua Santa, 19 anos

O Jokon. Ele treinou por 7 anos e ele não sabia quando que ele ia se lançar, se

ele ia se lançar, ele ficou tipo assim, todo dia sei lá quantas horas treinando…

Menina, Moradora de Agua Santa, 19 anos

A maneira de pensar que tudo tem que ser perfeito, que não pode ser nada

errado, tanto que muitos fazem plástica pra ficar o mais bonito possível, o mais

certinho…

Menina, Moradora de Agua Santa, 19 anos

Cultura material

Como podemos identificar em muitas subculturas, existe uma cultura material

própria do k-pop. Independente do sexo, todos usam maquiagem para se apresentarem

nos eventos. Além disso, colecionar os DVD´s das bandas preferidas, torna-se algo

sagrado. Alguns têm DVD´s que jamais foram ouvidos. Segundo, os entrevistados, o

CD é muito bonito, parece uma revista e podemos percebem que o consumo destes

produtos possui dimensões simbólicas: culto, pertencimento e ajuda. A primeira, porque

comprar o DVD é uma forma de idolatrar a banda e aquele objeto torna-se algo sagrado

diante de outros DVDs. Além disso, ao adquirir o DVD da banda preferida o fã ganha

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Page 15: Artigo_Subcultura, Estratégia e Produção de Gosto

um passaporte que o coloca num status superior aos demais. Trata-se um capital

subcultural para este grupo que ao mesmo tempo que o insere em um grupo, se

apresenta sob a forma de uma disputa por status que é conquistada através do consumo.

Por fim, comprar um DVD é uma forma de patrocinar o sucesso de uma banda. Na

Coreia existem concursos para ver qual banda vende mais CD e alguns jovens compram

o CD para ajudar a banda a ganhar a competição. A maior parte dos jovens usa sites de

e-commerce asiáticos para comprar produtos como: DVD, camisetas, bolsas, mochilas,

carteiras. No Brasil, não há lojas físicas acessíveis para a compra destes produtos, sendo

a internet um canal fundamental para a concretização deste consumo.

Porque cada vez que eles ganham, a banda ganha dinheiro, a empresa acaba deixando

com que a banda não sofra tanto em relação a treinamento e etc, porque quando eles não

ganham, quando eles não ganham, por exemplo, a minha banda preferida que é a East, eles são

considerados uma banda não tão famosa. Então, por exemplo, eles nunca ganharam um

programa, então eles se culpam muito, eles acham que eles são ruins, que eles não tão dando o

melhor deles. Sendo que, assim, eles são bons do jeito deles, só que eles acham que a culpa é

deles, e isso é muito do K-Pop também. Qualquer coisa que eles façam, que acaba tendo uma

repercussão, eles falam que a culpa é deles, que eles que são ruins, que eles não merecem o

respeito de ninguém, porque tem muito essa pressão da empresa de se eles não conseguirem a

culpa é deles, porque eles falharam, eles que são ruins. Isso que eu acho que é muito ruim,

porque é muita pressão pra pouca gente. Porque os idols também, os ídolos, tão cada vez

ficando mais novos, essa minha banda favorite tem a nossa idade e eles já fazem shows foram

do Brasil… Fora da Coréia, já vieram pro Brasil duas vezes, acaba que você para e pensa, são

pessoas de 19 anos que tão tendo uma pressão de pessoas de 30

Menino, morador do Meier, 19 anos

Ao mesmo tempo, alguns produtos foram abandonados pelos jovens ao entrarem

no k-pop, especialmente revistas. As meninas dizem que compravam Capricho para ver

e saber sobre os seus ídolos, mas os DVD´s das bandas coreanas têm uma revista muito

bem produzida e ilustrada com todas as informações dos artistas. Segundo algumas

entrevistadas, elas não precisam saber de mais nada.

A internet tem um papel essencial

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Page 16: Artigo_Subcultura, Estratégia e Produção de Gosto

Podemos afirmar que sem a internet o k-pop não teria a repercussão que tem. Ela

é essencial para que se conheçam as bandas, para que se forme um comunidade k-pop

no Brasil, para que existe o consumo de produtos relacionados, para a amplificação da

cultura coreana, para que as bandas se comuniquem com os fãs e para que elas

divulguem sua agenda de shows. Podemos afirmar que toda a publicidade das bandas é

feita nas redes sociais como facebook e youtube, o que é muito adequado para se atingir

o público jovem, numa estratégia bastante eficiente.

As diferenças entre os fãs do Brasil e da Corea

Na Corea, os fãs elegem sua banda preferida e seguem fieis a ela. Não podem

gostar de várias bandas ao mesmo tempo, analogamente ao Brasil seriam como times de

futebol. O brasileiro parece ter topicalizado isso, talvez pela natureza miscigenada do

brasileiro, este comportamento não teve muita aderência no Brasil, já que os fãs aqui

normalmente gostam de tudo um pouco.

O fanatismo lá é muito forte, chega as vezes até dar medo. E na Ásia, tipo assim,

é muito diferente do Brasil, que na Ásia o coreano só pode ser fã de uma banda. Aqui,

exemplo, eu e Augusto, a gente é fã de, sei lá, de quase todas as bandas. Lá não, lá é só

de um, você…Você só pode ser fã de uma. É como um time de futebol.

Menina, Moradora de Agua Santa, 19 anos

Você escolheu, você fica. Você pode mudar, você pode gostar de outro, mas

normalmente você sai de um e vai pra outro. Você não é mais daquele, você só gosta

da… Daquela banda. É bem fanatismo doente, assim.

Menino, morador do Meier, 19 anos

O K-pop parece ser um lugar seguro para os jovens

Eu acho que no dia a dia o que mais afeta é que no K-Pop a gente pode ser um pouco

mais livre em relação a tudo. Se a gente quiser falar o que for, se a gente quiser fazer, agir do

jeito que for, a gente pode agir. No mundo, mais pra fora, a gente tenta se controlar um pouco

por ter medo do que as pessoas vão falar, do que as pessoas vão achar, julgar e etc. No K-Pop é

muito difícil de acontecer, de a pessoa ter algum tipo de preconceito, seja pelo… Por gosto,

gosto fora do K-Pop, não tem muito isso. Agora já, fora do K-Pop, a gente se sente um pouco

mais ameaçado de acontecer alguma coisa.

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Page 17: Artigo_Subcultura, Estratégia e Produção de Gosto

Menina, Moradora de Agua Santa, 19 anos

A música para os jovens

“eu não me importo com a língua, eu… A música pra mim tem que mexer comigo, se

fez alguma coisa em mim eu já gosto. Mesmo que eu não entenda, depois eu vá ler a letra e

pode ser uma coisa totalmente nada haver, mas assim, desde aquele negócio mexeu…

emoção…”

Menina, Moradora de Agua Santa, 19 anos

O processo de construção dos ídolos

Para fazer parte de um grupo k-pop é necessário um processo, assim como os

ídolos têm um processo de trabalho para serem promovidos, os fãs também passam por

um ritual até se tornarem parte do grupo. Primeiro precisam escolher uma banda

principal, em seguida pesquisar tudo sobre eles e por fim, aprender a dançar a

coreografia das músicas.

como tem vários grupos, você tem que ver um que se identifica com você, sabe? E, não

sei, escutar música… É, porque assim, eu e o Augusto, tem uns fãs que são tipo assim, “ah,

você tem que saber tudo daquele grupo, você tem que saber a marca da calcinha que a mulher

usa”.

Menina, Moradora de Agua Santa, 19 anos

“caraca, achei esse grupo aqui que ninguém conhece, vou abrir pra todo mundo,

vou me achar o…”

Menino, morador do Meier, 19 anos

A diversidade dentro do K-pop

Existem diversas formas de cada jovem se apresentar neste grupo. Alguns

dançam e fazem parte de grupos cover das bandas, cobrando inclusive para se

apresentarem em festas e eventos, outros gostam apenas de dançar nas rodas de amigos

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Page 18: Artigo_Subcultura, Estratégia e Produção de Gosto

e têm ainda aqueles que nem dançam e participam dos encontros apenas para conversar

e se reunir com amigos.

Interessante observar que se forma uma grande roda e grupos menores fazem no

centro a coreografia da música que está tocando. Num dado momento, toca uma música

e dois jovens que ainda estavam chegando, jogam suas mochilas e adentram a roda

dançando de forma efusiva. Eles chegaram no exato momento que tocava sua música

preferida, da banda preferida. Neste mesmo instante, alguns iniciantes, um pouco mais

afastados da roda, tentam acompanhar a coreografia ainda não assimilada e por isso

cometem alguns erros que nem são notados pelos demais. Ao final de cada música, o

“micro grupo” se abraça, como se estivessem comemorando a performance

coletiva, ......, toca outra música e outro “micro grupo” se forma para realizar seus

passos, cada música, uma coreografia e um grupo específico. Dentro de um mesmo

conjunto de pessoas, grupos menores se aglutinam de acordo com a afinidade que têm

por uma ou mais bandas.

Em relação às bandas, todas são divertidas e têm coreografias sincronizadas, mas

cada uma tem um estilo. Em geral, as bandas são femininas ou masculinas, grupos

mistos são muito raros. Embora, haja esta diferença, o ethos do K-pop é feminino, dado

que os homens se apropriam de representações femininas como maquiagem, uso de

lentes de contato, uso extremo da vaidade e danças bem marcadas. Cada banda tem um

estilo, algumas são mais sexy, outras mais divertidas e engraçadas e outras ainda são

ousadas. Os grupos femininos sofrem uma certa pressão na Corea porque não é bem

visto que as meninas façam danças mais sensuais. Mas, alguns grupos femininos estão

fazendo isso como forma de resistência à cultura coreana de que a mulher precisa ser

recatada e não pode mostrar muito o corpo.

A sensação do k-pop

Atualmente, as músicas coreanas têm um refrão em inglês numa tentativa de

atingir um público cada vez maior. Apesar disso, a maior parte da música não é

entendida pelo público ao redor do mundo. Segundo os jovens entrevistados, o k-pop é

um jeito de se expressar e uma música para ser sentida ao invés de entendida. Para eles,

a música é muito associada à felicidade, alegria e diversão. Em outros momentos, a

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Page 19: Artigo_Subcultura, Estratégia e Produção de Gosto

música parece um remédio capaz de curar tristezas, acalmar e trazer os bons

sentimentos de volta. Alguns jovens dizem passar mal nos shows porque a emoção de

dançar na frente dos ídolos é catártica.

Juventude e o k-pop

Os “k-popers” brasileiros são jovens entre 15 e 24 anos. É natural acreditar que

este seja um momento típico da juventude onde existe o culto aos ídolos e um

agrupamento em torno de uma causa. Os entrevistados acreditam que quando ficarem

mais velhos se afastarão do k-pop porque dizem não fazer sentido dançar na rua ou em

eventos quando se é mais velho. Eles só se lembram de uma pessoa adulta que gosta de

frequentar os grupos de k-pop.

O fato de os artistas se preocuparem com a imagem e não fazerem loucuras

parece ser algo copiado pelos fãs. Nos eventos, é proibido consumir bebida alcoólica e,

segundo os jovens, não há consumo de álcool ou droga. Esta imagem de “bom moço” é

facilmente apropriada pelo público e também pela publicidade, segundo alguns

entrevistados na Coreia do Sul alguns ídolos estão presentes na publicidade,

principalmente na de produtos de beleza para a pele, como BB Cream da L´oreal.

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