artigo reação maillard

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Rev. Nutr., Campinas, 24(6):895-904, nov./dez., 2011 Revista de Nutrição COMUNICAÇÃO | COMMUNICATION 1 Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Departamento de Nutrição. Av. Dr. Arnaldo, 715, Cerqueira César, 01246-904, São Paulo, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to D.H.M. BASTOS. E-mail: <[email protected]>. Produtos da reação de Maillard em alimentos: implicações para a saúde Maillard reaction products in foods: implications for human health Julianna SHIBAO 1 Deborah Helena Markowicz BASTOS 1 R E S U M O A reação de Maillard é uma reação de escurecimento não enzimático que pode ocorrer em alimentos e em organismos vivos. Esta revisão tem como objetivo analisar a formação e o papel dos produtos originados a partir da reação de Maillard e seus efeitos na saúde. Para isso foram realizados levantamentos bibliográficos nas bases da área, sem restrição de data. Os resultados da revisão apontam que produtos carbonílicos inter- mediários da reação de Maillard e da peroxidação reagem facilmente com grupamentos aminas de proteínas e ácidos nucleicos, levando a modificações biológicas que podem resultar em complicações observadas no diabetes, aterosclerose e doenças neurodegenerativas. O consumo de produtos da reação de Maillard aumentou nas últimas décadas, devido ao aumento do consumo de alimentos industrializados que, em geral, sofreram processamento térmico. Essas substâncias são biodisponíveis em alguma proporção e, embora ainda não haja consenso sobre os possíveis efeitos deletérios à saúde decorrentes de sua ingestão, a comunidade científica tem expressado preocupação com as implicações em processos patológicos de que participam. Diante desses achados, ressalta-se a necessidade de estimar o consumo dos produtos da reação de Maillard, principalmente por populações vulneráveis, como crianças e diabéticos, a fim de, se necessário, estabelecer consumos diários aceitáveis e ampliar o conhecimento com vistas ao estabelecimento, no futuro, de limites para a indústria de alimentos. Termos de indexação: Análise de alimentos. Consumo de alimentos. Glicação. Nutrição. Reação de Maillard. A B S T R A C T Maillard reaction is the nonenzymatic browning that occurs in foods and living organisms. The objective of this review is to analyze the formation and role of Maillard reaction products and their effects on human health. A literature search was done in the relevant databases for all articles published on the subject. The results of the review show that intermediate carbonyl compounds of the Maillard reaction and peroxidation easily react with the amino groups of proteins and nucleic acids leading to biological changes that can, in turn, lead to

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  • PRODUTOS DA REAO DE MAILLARD E SADE | 895

    Rev. Nutr., Campinas, 24(6):895-904, nov./dez., 2011 Revista de Nutrio

    COMUNICAO | COMMUNICATION

    1 Universidade de So Paulo, Faculdade de Sade Pblica, Departamento de Nutrio. Av. Dr. Arnaldo, 715, Cerqueira Csar,01246-904, So Paulo, SP, Brasil. Correspondncia para/Correspondence to D.H.M. BASTOS. E-mail: .

    Produtos da reao de Maillard emalimentos: implicaes para a sade

    Maillard reaction products in foods:

    implications for human health

    Julianna SHIBAO1

    Deborah Helena Markowicz BASTOS1

    R E S U M O

    A reao de Maillard uma reao de escurecimento no enzimtico que pode ocorrer em alimentos e emorganismos vivos. Esta reviso tem como objetivo analisar a formao e o papel dos produtos originados apartir da reao de Maillard e seus efeitos na sade. Para isso foram realizados levantamentos bibliogrficosnas bases da rea, sem restrio de data. Os resultados da reviso apontam que produtos carbonlicos inter-medirios da reao de Maillard e da peroxidao reagem facilmente com grupamentos aminas de protenas ecidos nucleicos, levando a modificaes biolgicas que podem resultar em complicaes observadas no diabetes,aterosclerose e doenas neurodegenerativas. O consumo de produtos da reao de Maillard aumentou nasltimas dcadas, devido ao aumento do consumo de alimentos industrializados que, em geral, sofreramprocessamento trmico. Essas substncias so biodisponveis em alguma proporo e, embora ainda no hajaconsenso sobre os possveis efeitos deletrios sade decorrentes de sua ingesto, a comunidade cientficatem expressado preocupao com as implicaes em processos patolgicos de que participam. Diante dessesachados, ressalta-se a necessidade de estimar o consumo dos produtos da reao de Maillard, principalmentepor populaes vulnerveis, como crianas e diabticos, a fim de, se necessrio, estabelecer consumos diriosaceitveis e ampliar o conhecimento com vistas ao estabelecimento, no futuro, de limites para a indstria dealimentos.

    Termos de indexao: Anlise de alimentos. Consumo de alimentos. Glicao. Nutrio. Reao de Maillard.

    A B S T R A C T

    Maillard reaction is the nonenzymatic browning that occurs in foods and living organisms. The objective of thisreview is to analyze the formation and role of Maillard reaction products and their effects on human health. Aliterature search was done in the relevant databases for all articles published on the subject. The results of thereview show that intermediate carbonyl compounds of the Maillard reaction and peroxidation easily react withthe amino groups of proteins and nucleic acids leading to biological changes that can, in turn, lead to

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    complications, such as those seen in diabetes, atherosclerosis and degenerative diseases. Consumption ofMaillard reaction products increased in the last decades because of the increased consumption of processedfoods, since the production of many processed foods may require the use of heat. These substances arebioavailable to some degree and, although there is no consensus about their harmful effects on human health,the scientific community has expressed concern with their implications on the pathological processes of whichthey are part. These findings suggest that the intake of these substances, especially by vulnerable individuals,such as children and diabetics, should be estimated for the establishment of acceptable daily intakes, if necessary.More knowledge about these substances may also result in the establishment of a maximum MRP level inprocessed foods.

    Indexing terms: Food analysis. Food consumption. Glycation. Nutrition. Maillard reaction.

    I N T R O D U O

    Nas ltimas dcadas, os hbitos alimen-tares da populao brasileira mudaram, e observa--se, com preocupao, o aumento do consumodas refeies feitas fora de casa, em sistemas dotipo fast food, e de alimentos industrializados1.

    Antes de consumidos os alimentos, a maiorparte deles sofre processamento trmico, o quegarante a segurana microbiolgica, a inativaode algumas enzimas, a degradao de substnciastxicas e, ainda, o desenvolvimento de substnciasresponsveis pelo aroma, cor e sabor, melhorandoa sua palatabilidade2,3. Essas substncias (com-postos denominados genericamente de Produtosda Reao de Maillard - PRM) so caractersticasda Reao de Maillard (RM), que ocorre duranteo processamento trmico e/ou armazenamentoprolongado de alimentos que contm protenase acares redutores3,4. Esses compostos so biolo-gicamente ativos e podem resultar em benficos sade, por apresentarem atividade antioxidantee antimutagnica. Por outro lado, porm, o con-sumo de PRM pode interferir em processos nutri-cionais importantes, como diminuir a biodisponi-bilidade de minerais e o valor biolgico de pro-tenas, pelo comprometimento, na reao, de res-duos de aminocidos essenciais, com consequen-tes alteraes da estrutura proteica ou, ainda,inibio de enzimas digestivas4,5.

    Esta reviso tem como objetivo analisar asinformaes disponveis na literatura sobre areao de Maillard e sua relao com a sade,dado tratar-se de tema controverso e atual. Ado-taram-se, para a consulta s bases de dados, os

    seguintes descritores: Maillard reaction, AdvancedGlycation Endproducts, glycation e glycotoxins,agrupados de maneiras diversas para aperfeioara busca. Os artigos de reviso e os artigos originaispesquisados compreendiam aqueles, na lnguainglesa, portuguesa e espanhola, que tratam domecanismo e fatores que interferem na formaodos PRM e sua relao com a sade.

    R E A O D E M A I L L A R D

    O fenmeno de que os alimentos escure-cem medida que so aquecidos provavelmenteconhecido desde a descoberta do fogo, h maisde 300 mil anos. As reaes qumicas que resultamnesse fenmeno foram primeiramente descritasem 1912 pelo bioqumico francs Louis-CamilleMaillard, que publicou o primeiro estudo siste-mtico mostrando que aminocidos e acaresredutores iniciam uma complexa cascata dereaes durante o aquecimento, resultando naformao final de substncias marrons chamadasde melanoidinas2,3.

    A RM inicia-se com o ataque nucleoflicodo grupo D-carbonlico de um acar redutor, porexemplo, ao grupamento amina de protenas2-4.A ocorrncia da reao em alimentos dependede vrios fatores: temperaturas elevadas (acimade 40C), atividade de gua na faixa de 0,4 a 0,7,pH na faixa de 6 a 8 (preferencialmente alcalino),umidade relativa de 30% a 70%, presena deons metlicos de transio como Cu2+ e Fe2+, quepodem catalisar a reao6,7.

    Alm desses fatores, a composio do ali-mento tambm influncia na ocorrncia da RM.

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    Rev. Nutr., Campinas, 24(6):895-904, nov./dez., 2011 Revista de Nutrio

    O tipo de acar redutor interfere na velocidadede reao com os grupamentos amina, sendo oacar redutor mais reativo a xilose, seguida dearabinose, glicose, maltose e frutose, indicandoque as pentoses so mais reativas do que ashexoses. Ainda, os acares redutores diferem navia de escurecimento, sendo que as cetoses somais reativas para a formao de produtos deHeyns, enquanto as aldoses o so para a formaode produtos de Amadori. Alm dos acares, ostipos de aminocidos tambm interferem na velo-cidade de reao. A lisina cerca de 2 a 3 vezesmais reativa quando comparada aos outros ami-nocidos, devido presena de grupamentos D eH-amino em sua estrutura. Na sequncia, os ami-nocidos bsicos e no polares (arginina, feni-lalanina, leucina, isoleucina e valina) so os maisreativos, seguidos dos aminocios cidos (cidoglutmico e cido asprtico). A cistena, por serum aminocido sulfurado, menos reativa5-8.

    Didaticamente, a RM dividida em trsfases (inicial, intermediria e final), conforme oesquema inicialmente proposto por Hodge em1953 e citado por Nursten7,9. Alguns dos compos-tos formados so identificados como caracters-ticos de cada uma dessas fases, que, no entanto,no ocorrem de forma sequencial, mas em cas-cata.

    No estgio inicial ocorre a condensaoda carbonila de um acar redutor, por exemplo,com um grupamento amina proveniente de ami-nocidos livres ou de protenas, levando for-mao de glicosil/frutosilaminas N-substitudas.Esse o primeiro produto estvel formado da RM(produto de Amadori). Em alimentos que con-tenham protena, o grupamento amino do resduode lisina o alvo principal para o ataque de a-cares redutores. Os produtos formados nessa eta-

    pa no possuem cor, fluorescncia ou absorocaracterstica na regio do ultravioleta8-10. Na eta-pa seguinte, prolongando-se o aquecimento ouarmazenamento, os produtos de Amadori doorigem a uma srie de reaes (desidratao, eno-lizao e retroaldolizao), resultando em com-postos dicarbonlicos, redutonas e derivados do

    furfural, ou ainda em produtos da degradaode Strecker (produtos de degradao de ami-nocidos). Nesta fase, observado o aumentoda gerao produtos fluorescentes e de substn-cias capazes de absorver radiao na regio doultravioleta9,10.

    No ltimo estgio da RM, os produtosintermedirios (dicarbonlicos), muito reativos,podem reagir com, por exemplo, resduos de lisinaou arginina em protenas, formando compostosestveis. Nessa fase ocorrem reaes de fragmen-tao e polimerizao, com a gerao de mela-noidinas (compostos de colorao marrom e altopeso molecular) e de compostos fluorescentes.

    Ao longo do processo so formados com-postos volteis, tais como cetonas e aldedos, queconferem o aroma caracterstico aos produtos ter-micamente processados7-11.

    A reao de Maillard ocorre tambm nosorganismos vivos, sendo, nesse caso, denominadaglicao12-14. A identificao da hemoglobinaglicada em pacientes diabticos foi o marco paraos estudos desse processo no organismo e suasimplicaes para a sade. A reao pode ocorrer,in vivo, pela via do estresse carbonlico, na qual aoxidao de lipdeos ou de acares gera com-postos dicarbonlicos intermedirios altamentereativos12-14. A gliclise e a autoxidao de glicose,por exemplo, produzem metilglioxal e glioxal, osquais interagem com aminocidos para formarprodutos finais dessa reao. Esses compostosdicarbonlicos chegam a ser 20 mil vezes maisreativos do que a glicose e esto presentes tantoin vivo quanto nos alimentos. A velocidade daglicao maior em estados de hiperglicemia, emque a glicose se liga a protenas de tecidos inde-pendentes de insulina e de longa vida4,13,14.

    Assim como a RM em alimentos, a glicaoin vivo tambm pode ser dividida em estgioscinticos. A primeira fase, chamada de estres-sores, composta de agentes carbonlicos quepodem dar incio reao. A segunda fase, cha-mada de propagadores, formada de outros com-postos carbonlicas reativas proveniente dosestressores anteriores. A ltima fase a dos produ-

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    tos finais, que ativam o processo de envelheci-mento celular resultante da glicao12,14,15.

    A RM nos alimentos confere e influenciaatributos sensoriais fundamentais para a aceitaode alimentos termicamente processados, devido gerao de compostos volteis, responsveispelo aroma e sabor (aldedos e cetonas), bemcomo pela cor (melanoidinas) e textura. Por outrolado, pode originar compostos que so adversosa sade humana, como a acrolena e as aminasheterocclicas aromticas16,17.

    Produtos da Reao de Maillard eprodutos de glicao avanada

    Os Produtos da Reao de Maillard cor-respondem a um grupo heterogneo de com-postos qumicos, com ampla variao no peso mo-lecular, formados em alimentos e em sistemasbiolgicos12,15,17.

    Compostos representativos representativasdessa reao, encontrados em alimentos e emsistemas biolgicos so: carboximetilisina, hidroxi-metilfurfural, pentosidina, carboxietilisina, pirrali-na, vesperlisina A, dmero de glioxal-lisina, dmerometilglioxal-lisina, glicosepana12,15,18.

    Os PRM esto presentes em alimentossubmetidos a qualquer tipo de tratamento trmi-co, incluindo alimentos fritos, assados em chur-rasqueiras, cozidos em forno convencional ou demicro-ondas, sendo a temperatura o parmetrocrtico relativamente a essa reao. Assim, m-todos mais brandos de cozimento e com alta ati-vidade de gua, como preparaes ensopadas ea vapor, geram teores menores de PRM. O teorde PRM em peito de frango, por exemplo, podevariar de 1.100kU/100g - quando cozido emcoco mida - a 4.700kU/100g, quando frito(unidades referentes a CML dosados por mtodode ELISA). A preparao frita atinge cerca de umtero da recomendao de ingesto desses com-postos por diabticos, a qual no deve ser ultra-passar 16.000kU por dia17,19,20.

    Os PRM tm sido analisados em diferentesalimentos, com a finalidade de produzir um banco

    de dados sobre o teor dessas substncias em dife-rentes preparaes, para estimar quantidadesingeridas e a ingesto mxima recomendada. Paraa quantificao dos PRM e para a avaliao daintensidade do tratamento trmico e consequenteperda de valor nutricional de alimentos, tm sidoempregados marcadores como a intensidade defluorescncia e teor de furosina, hidroximetilfur-fural, carboximetilisina, pentosidina, pronilisina,pirralina. As tcnicas analticas mais comumenteutilizadas compreendem a espectrofotometria, acromatografia lquida e gasosa de alta eficinciae os mtodos imunolgicos (ELISA)17,20.

    A Tabela 1 sumariza os dados de teor dePRM encontrados em alimentos, publicados naliteratura internacional. Os alimentos presentesno grupo gorduras apresentam teores maioresde PRM, devido ao favorecimento de reaes en-tre as aminas e os produtos da oxidao lipdica.Nesse grupo esto includos manteiga, requeijo,margarina, maionese, leos e oleaginosas. Altosteores de PRM tambm so encontrados em ali-mentos com alto teor de protenas, como carnes,peixes e ovos. Os alimentos ricos em carboidratoscontm teores intermedirios de PRM e merecemateno, tanto por sua participao na dieta,quanto por ser a lisina o aminocido limitante emcereais. Nesse grupo esto includos panquecas,pes, frutas e algumas verduras17,21.

    Como e quais PRM e/ou seus metablitos

    so absorvidos e metabolizados ainda um temacontroverso na literatura. Estudos com ratos indi-cam que 20% dos PRM so absorvidos pelo trato

    gastrointestinal, por difuso passiva. Destes, 30%so excretados pelos rins e cerca de 3% pelasfezes. Cerca de 70% dos PRM metabolizadosacumulam-se em vrios tecidos, como pncreas,fgado e, principalmente, rins; j os PRM que noforam absorvidos so degradados pelas bactriasno intestino ou eliminados. Enquanto h evidn-cias de que altas concentraes de PRM no intes-tino aumentam a concentrao local de nitro-

    gnio, favorecendo o desenvolvimento de doen-as intestinais como colite, alguns PRM, por outrolado, apresentam efeito prebitico, indicando que

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    o tema controverso e pouco se conhece sobrea biotransformao desses compostos pela micro-biota intestinal22-25.

    Nos ltimos 50 anos o consumo dessesprodutos aumentou cerca de cinquenta vezes nadieta ocidental24,25, em especial na alimentaode adolescentes26, o que tem levado diversosautores a sugerir a necessidade de estabelecerlimites de ingesto, ou, ainda, utilizar mtodosculinrios que reconhecidamente minimizem aformao desses compostos14,20,27,28.

    Efeitos biolgicos dos produtos dareao de Maillard ou da reao deglicao avanada

    O primeiro trabalho indicando que PRMpoderiam ser prejudiciais a processos biolgicosfoi publicado em 1949. Nesse trabalho, observou--se que PRM presentes no melao de cana inibiam

    a fermentao e, consequentemente, a produode lcool. Na sequncia, foram avaliados os efeitosfisiolgicos desses compostos na inibio do cres-

    cimento celular, reduo da digestibilidade eabsoro de protenas, hipertrofia de rgos, mu-taes celulares, reduo das atividades de enzi-mas pancreticas, intestinais, hepticas e forma-o de complexos com metais2,3.

    H consenso sobre o efeito deletrio daRM quanto ao comprometimento de aminocidosessenciais, notadamente a lisina, levando perdado valor biolgico de alimentos. O processamentotrmico de cereais matinais leva perda de 20%a 30% da lisina e inibio da atividade de enzi-mas digestivas28. Como a lisina um aminocidolimitante em produtos base de cereais, as con-dies de manufatura devem ser escolhidas cuida-dosamente, visando a garantir no apenas as ca-ractersticas sensoriais, mas tambm o valornutricional adequado13,26,29.

    Os Produtos de Glicao Avanada (AGE),por sua vez, so implicados no envelhecimento ena perda de funcionalidade de tecidos que noso dependentes de insulina e, por isso, encon-tram-se expostos a concentraes elevadas deglicose (como o cristalino, a membrana basal dasarterolas, as clulas nervosas e os tecidos intersti-

    Tabela 1. Teor de Produtos da Reao de Maillard (PRM) em alguns alimentos.

    Grupo dos leos

    Manteiga

    Margarina

    Maionese

    leo de oliva

    Amendoim

    Grupo das protenas

    Carne bovina grelhada

    Carne bovina cozida

    Carne de frango grelhada

    Carne de frango cozida

    Peixe assado

    Peixe frito

    Ovos cozidos

    Grupo dos carboidratos

    Panquecas

    Pes

    Biscoitos

    Flocos de milho

    26 480

    17 520

    9 400

    11 900

    6 447

    7 479

    2 687

    6 639

    1 210

    1 212

    3 083

    90

    2 263

    133

    1 647

    233

    Molho para salada

    Semente de abbora

    Pistache

    Cream cheese

    Amndoa

    Ovos fritos

    Bacon

    Atum enlatado com leo

    Queijo parmeso gratinado

    Queijo Cheddar

    Linguia de porco

    Camaro frito

    Croissant

    Granola

    Waffle

    Macarro

    740

    1.853

    380

    10.883

    5.650

    2.749

    91.577

    5.113

    16.900

    5.523

    5.943

    4.328

    1.113

    427

    2.870

    242

    Contedo de PRM* (kU/100g) AlimentoAlimento Contedo de PRM* (kU/100g)

    *PRM: referente a carboximetilisina determinada por ensaio imunoenzimtico (ELISA).

    Adaptado de Vlassara et al.42.

  • 900 | J. SHIBAO & D.H.M. BASTOS

    Rev. Nutr., Campinas, 24(6):895-904, nov./dez., 2011Revista de Nutrio

    ciais da pele). A catarata e aterosclerose, em algu-ma extenso, so patologias resultantes da glica-o entre a glicose sangunea com protenas delonga durao presentes nesses tecidos20,30.

    Os AGE podem causar danos aos tecidospor: (1) modificar a funo da protena devido aalteraes em sua estrutura/configurao; (2) mo-dificar o tecido em si, devido s ligaes cruza-das (cross-links) inter e intramolecular; (3) favo-recer a formao de radicais livres; e (4) induzirresposta inflamatria aps ligarem-se a receptores

    especficos RAGE (Receptor de Produtos da Glica-o Avanada), receptores da membrana celular,cuja atividade aumenta proporcionalmente concentrao de AGE presentes. A interaoAGE-RAGE modula vias pr-inflamatrias comativao transcricional e expresso alterada devrios mediadores inflamatrios, como as cito-cinas, desencadeando reaes inflamatrias (Fi-gura 1)31-33.

    A ligao de AGE a tecidos como a retina,endotlio, mesnquima e clulas renais, favorece

    Figura 1. Diagrama exemplificando o envolvimento de RAGE (receptores de AGE) em processos inflamatrios e aterognicos.

    *adaptada de Glenn & Stitt23.

    TNFD: fator de necrose tumoral; TNFDR: receptor do TNFD; NO: oxido ntrico, O2: Oxignio, IkBD: inibidor do NB; NFNE: fator nuclear kappa B; AP1:protena ativadora 1; JNK: jun n-terminal quinase; MAPK: protena quinase mitgeno-ativada; MCP-1: protena quimioatratora de moncitos 1;

    IL1D: Interleucina 1 Alfa; IL1E: interleucina 1 beta; IL-6: Interleucina 6; IL-8: Interleucina 8; IL -10: interleucina 10; VCAM: molcula de adesovascular 1; slCAM-1: molecula intracelular de adeso-1; VEGF: fator de crescimento endotelial vascular, TGF-E: fator de crescimento transformadorbeta.

    AGE

    Citoplasma

    AP1

    ERK1

    ERK2

    RAS

    JNK

    P38MAPK

    RAGE

    IkB p50

    NOO2-

    P50/p65

    Translocao nuclear p65

    Receptor AGE complexo(AGER 1-3)

    Translocao nuclear p65Translocao nuclear p65

    Ncleo

    AP1

    AGE

    MCP-1

    VCAMslCAM

    IL6IL8

    VEGF

    IL10

    Inflamaop65

    DNA TranscriptorCitocinas, Apoptose

    Translocao nuclear p65

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    Rev. Nutr., Campinas, 24(6):895-904, nov./dez., 2011 Revista de Nutrio

    a disfuno endotelial (prejudicando a vasodila-tao devido diminuio da produo de mon-xido de nitrognio - NO), a ativao acelerada demacrfagos para as clulas espumosas, a dimi-nuio da flexibilidade das clulas musculares lisas,comprometendo a complacncia arterial, e tornaa frao LDL-colesterol mais susceptvel oxi-dao31,33 (Figura 1). Os AGE esto associados acomplicaes renais, disfunes endoteliais e pa-tologias neurodegenerativas, processo em que seobserva elevada concentrao desses compostos,o que possivelmente se relaciona disfunoneuronal34 e, ainda, a fatores de risco do desenvol-vimento de doenas cardiovasculares32,34-39.

    Indivduos diabticos, em especial, apre-sentam diversas complicaes devidas aos pro-cessos de glicao; atualmente, recomenda-seque sua dieta seja controlada quanto aos teoresde PRM. Apesar de no haver consenso sobre oslimites de ingesto segura, a reduo de 50% naingesto de PRM na dieta de indivduos diabticosresultou em decrscimo de 30% dos teores plas-mticos desses mesmos compostos, em apenasum ms de interveno. Observou-se tambmreduo do peso corporal e melhora do progns-tico da doena, embora o nvel de hemoglobinaglicosilada -HbA1c- no tenha sido modifica-do39-41.

    Estima-se que os indivduos que conso-mem maiores propores de PRM estejam expos-tos a maior risco de desenvolver complicaesdo diabetes, como disfunes vasculares e re-nais20,41,43, e que o consumo seguro para eles seja

    de, no mximo, 16 mil unidades de PRM por dia

    (medida relativa carboximetilisina)32,35.

    Estudos com ratos mostraram que os ani-

    mais que receberam dietas com altos teores de

    PRM por 6 meses desenvolveram diabetes mellitus

    tipo II, enquanto os animais do grupo-controle

    (dieta equivalente em composio e valor ener-

    gtico, mas com teores de PRM reduzidos) no

    s no desenvolveram o diabetes, como tambm

    apresentaram menores nveis de glicemia44.

    O consumo de PRM est positivamen-

    te associado sntese de citosinas inflamatrias

    (TNF-D e protena C reativa) e ao desenvolvimentode nefropatologias, conforme demonstrado em

    estudos com animais38,43,45. Dessa forma, identi-

    ficar os nveis de PRM em alimentos produzidos e

    comercializados para pessoas com diabetes e defi-

    cincia renal, pode ser uma estratgia que viabiliza

    a orientao dessa populao, contribuindo para

    a diminuio do risco de desenvolvimento de

    patologias decorrentes dessa condio de

    sade41,43,45.

    No entanto, h que enfatizar que o tema

    bastante controverso, dadas as evidncias de

    que algumas substncias desse grupo, principal-

    mente as melanoidinas, apresentam atividade

    antimutagnica, antioxidante e anticariognica,entre outras, e, em alguma extenso, protegemo organismo. A seguir, o Quadro 1 apresenta umresumo das principais atividades biolgicas ben-ficas desses compostos.

    Quadro 1. Possveis aes benficas dos PRM e melanoidinas em sistemas modelo*.

    Prebiotico e quimiopreveno (no intestino)

    Quimiopreventiva

    Capacidade antioxidante

    Mutagenicidade e genotoxicidade

    Melanoidinas estimulam o crescimento de bactrias benficas no intestino e dimi-

    nuem a biodisponibilidade de aminas heterocclicas.

    Induo de enzimas quimiopreventivas (enzimas com a propriedade de suprimir ou

    prevenir a progresso carcinognica para carcinoma invasor) in vitro e in vivo.

    Inibio da peroxidao lipdica em hepatcitos isolados. Aumento da capacidade

    antioxidante no plasma de humanos aps administrao de alimentos contendo

    melanoidinas.

    Melanoidinas apresentam efeitos mutagnicos pouco pronunciados in vitro.

    *Adaptado de Somoza6.

    Ao Principais resultados obtidos

  • 902 | J. SHIBAO & D.H.M. BASTOS

    Rev. Nutr., Campinas, 24(6):895-904, nov./dez., 2011Revista de Nutrio

    C O N S I D E R A E S F I N A I S

    A ingesto de substncias formadas pelareao de Maillard na dieta ocidental aumentouconsideravelmente nas ltimas dcadas, em fun-o do incremento do consumo de alimentos ter-micamente processados. Esse quadro pode acar-retar desequilbrio relativamente reao deglicao, com importantes implicaes para apopulao com diabetes e insuficincia renal.Pode, ainda, aumentar o risco de doenas vascu-lares e neurodegenerativas em grupos popula-cionais que estejam expostos ao consumo exces-sivo dessas substncias.

    Os PRM que so normalmente avaliadoscomo parte integrante das dietas atuais, como acarboximetillisina, o hidroximetilfurfural e a pen-tosidina, no representam a totalidade dos produ-tos formados em alimentos durante o aqueci-mento, mas so marcadores da intensidade dotratamento trmico e podem ser determinadoscom exatido/preciso nos laboratrios de anlisede alimentos. O efeito dos produtos da reaode Maillard, presentes nos alimentos processados, um tema aberto discusso, na medida emque tais substncias diminuem a biodisponibili-dade de minerais e participam da etiologia de pro-cessos biolgicos deletrios. A comunidade cien-tfica precisa avaliar se o grau de exposio dapopulao a tais produtos pode se tornar um pro-blema de sade pblica, o que, certamente, exi-gir aes por parte das indstrias de alimen-tos,a fim de minimizar os efeitos dos PRM forma-dos, sem perda da qualidade sensorial.

    A G R A D E C I M E N T O S

    Ao Instituto Ajinomoto, pela bolsa autora J.SHIBAO, Fundao de Amparo Pesquisa do Esta-do de So Paulo, pelo auxlio financeiro (processo2008/03744-2); e ao Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Cientfico e Tecnolgico, pela bolsa autoraBastos.

    C O L A B O R A D O R E S

    J. SHIBAO responsvel pela laborao doprojeto de pesquisa, busca bibliogrfica, redao inicial,

    discusso dos resultados e redao do artigo.D.H.M. BASTOS responsvel pela concepo do tra-balho, participao na elaborao do projeto depesquisa, na discusso dos resultados e na redao

    do artigo.

    R E F E R N C I A S

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  • PRODUTOS DA REAO DE MAILLARD E SADE | 903

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